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AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE LIQUEFAÇÃO EM BARRAGENS DE REJEITO ATRAVÉS DE ENSAIOS DE CAMPO Adriano Rosário de Lima e Silva Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Fernando Artur Brasil Danziger Rio de Janeiro Abril de 2016

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AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE LIQUEFAÇÃO EM

BARRAGENS DE REJEITO ATRAVÉS DE ENSAIOS DE CAMPO

Adriano Rosário de Lima e Silva

Projeto de Graduação apresentado ao Curso de

Engenharia Civil da Escola Politécnica,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título de Engenheiro.

Orientador: Fernando Artur Brasil Danziger

Rio de Janeiro

Abril de 2016

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE LIQUEFAÇÃO EM BARRAGENS DE REJEITO

ATRAVÉS DE ENSAIOS DE CAMPO

Adriano Rosário de Lima e Silva

PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO

DE ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS

NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO CIVIL.

Examinado por:

Prof., Fernando Artur Brasil Danziger, D.Sc.

Prof. Leandro de Moura Costa Filho, Ph.D.

Prof. José Bernardino Borges, M.Sc.

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

ABRIL de 2016

iii

Silva, Adriano Rosário de Lima e

Avaliação do potencial de liquefação em barragens

de rejeito através de ensaios de campo/ Adriano Rosário

de Lima e Silva - Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola

Politécnica, 2016.

IX, 51 p.: il.; 29,7 cm.

Orientador: Fernando Artur Brasil Danziger

Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/

Curso de Engenharia Civil, 2016.

Referencias Bibliográficas: p. 49-51.

1. Disposição de rejeitos. 2. Liquefação. 3. Ensaios de

campo. I. Danziger, Fernando Artur Brasil. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola

Politécnica, Curso de Engenharia Civil. III. Avaliação do

potencial de liquefação em barragens de rejeito através de

ensaios de campo.

iv

“Fracassar não é cair; é recusar-se a levantar.”

Provérbio Chinês

v

Agradecimentos

À minha mãe Vilma, por todo carinho, preocupação e dedicação. Agradeço-a

por todos os esforços dispendidos pelo bem estar de toda a família.

Ao meu pai, José Maria, maior ídolo e exemplo. Obrigado por todo o amor,

carinho, educação e suporte. Orgulho-me em poder seguir os seus passos, e espelho-me

em ti, para me tornar um excelente profissional e extraordinário pai e homem de família.

Com imensa saudade, agradeço à minha avó Zuleide, pelo afeto,

companheirismo, brincadeiras, alegrias e bons momentos.

Aos amigos da UFRJ, Ricardo Benzecry, Jac-Ssone Alerte, Gustavo Almeida,

Gustavo Medina, Júlia Gimenes e Rodrigo Costa, os quais acompanharam de perto esta

jornada e tiveram grande contribuição nessa conquista.

Aos grandes amigos Tomaz Rocha, Fernanda Andrade, Rafael Oliveira, Thiago

Palma, Allexley Pacheco, Alexandre Rinaldi, Augusto Pessôa e Guilherme Leal,

parceiros para todas as ocasiões.

À LPS Consultoria e Engenharia, representada pelos Dres

. Leandro Costa Filho e

Edward Pacheco, os quais foram essenciais na minha formação e transição em

importante fase da vida. Obrigado Rachel, Ricardo Espósito, Bernardino, Ricardo Melo

e Diego pelos ensinamentos e contribuição. Agradeço às grandes amizades construídas,

Fábio, Vanessa, Mariana e Perlita. Orgulho-me em fazer parte desta equipe.

Agradeço a todos os professores da Escola Politécnica da Universidade Federal

do Rio de Janeiro. Em especial o corpo docente de Geotecnia, pelo qual tenho profunda

admiração e inspira-me a vencer os desafios que estão por vir.

vi

Com enorme admiração reconheço e agradeço aos ensinamentos do Dr. Leandro

Costa Filho, brilhante profissional e exemplo a ser seguido no cenário geotécnico.

Agradecimento especial ao meu orientador Fernando Danziger e à prof.

Graziella Jannuzzi, os quais me acolheram em um momento difícil e foram de profunda

ajuda pessoal e profissional.

Por último, mas não menos importante, agradeço à minha eterna companheira,

namorada e futura esposa Renata Daniel dos Santos. Obrigado pelo suporte e apoio

incondicional. Na alegria e na tristeza, nos momentos positivos e também nos mais

difíceis, você esteve sempre ao meu lado. Obrigado por tudo, amor eterno.

vii

Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Civil.

AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DE LIQUEFAÇÃO EM BARRAGENS DE

REJEITO ATRAVÉS DE ENSAIOS DE CAMPO

Adriano Rosário de Lima e Silva

Abril/2016

Orientador: Fernando Artur Brasil Danziger

Curso: Engenharia Civil

RESUMO

Espósito (2000) constatou a preferência das mineradoras brasileiras em depositar

rejeitos finos de mineração em barragens de rejeito, além de uma tendência de utilização

dos rejeitos granulares para formação de diques de alteamento.

Vick (1983) apresenta o método de alteamento por montante, o qual se mostra atrativo

técnico economicamente. No entanto, questões de segurança devem ser avaliadas, como

o potencial de liquefação.

Neste sentido, este trabalho apresenta a correlação de grandezas obtidas através de

ensaios de campo, de forma a avaliar a susceptibilidade à liquefação. Adicionalmente,

introduz-se linha de pesquisa que apresenta medidas de monitorar a ocorrência dos

elementos de gatilho da liquefação em barragens de rejeitos de mineração.

Palavras-chave: Barragens de rejeito, Potencial de liquefação, Ensaios de campo

viii

Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of

the requirements for the degree of Engineer.

EVALUATION OF LIQUEFACTION POTENTIAL IN TAILINGS DAMS

THROUGH IN SITU TESTS

Adriano Rosário de Lima e Silva

April/2016

Advisors: Fernando Artur Brasil Danziger

Course: Civil Engineering

ABSTRACT

Esposito (2000) noted the preference of Brazilian manufacturers to deposit fine tailings

mining into tailings dams, and a tendency of using granular waste for heightening

construction dikes.

Vick (1983) introduced the upstream method of heightening dikes, which is technical

and economically attractive. However, safety issues should be evaluated, as the

liquefaction potential.

Accordingly, this work presents the correlation of measures obtained from in situ tests

in order to evaluate the susceptibility to liquefaction. Additionally, introduces research

line that provides ways of monitoring the liquefaction trigger occurrence in tailings

dams.

Key-words: Tailings dams, Liquefaction potential, In situ tests

ix

Sumário

1. Introdução.................................................................................................................. 1

1.1. Generalidades ............................................................................................................... 1

1.2. Objetivos ....................................................................................................................... 2

1.3. Motivação do trabalho .................................................................................................. 2

1.4. Organização do Trabalho .............................................................................................. 3

2. Revisão Bibliográfica ................................................................................................ 4

2.1. História da Mineração no Brasil .................................................................................... 4

2.2. Produtos da Mineração ................................................................................................. 5

2.3. Método Convencional de Disposição de Rejeitos ......................................................... 8

2.4. Liquefação estática em rejeitos granulares de mineração ......................................... 21

2.4.1. Estado crítico dos solos granulares ......................................................................... 22

2.4.2. Linha de estado crítico e linha de estado permanente ........................................... 25

2.4.3. Parâmetro de estado ψ ........................................................................................... 28

2.4.4. Razões de resistência de pico e liquefeita .............................................................. 31

2.5. Análise do potencial de liquefação de acordo com a metodologia de Olson (2001) . 32

2.5.1. Análise do solo quanto ao potencial de liquefação ................................................ 32

2.5.2. Análise do gatilho de liquefação ............................................................................. 35

2.5.3. Análise de estabilidade pós gatilho de liquefação .................................................. 38

2.6. Monitoramento dos gatilhos de liquefação mediante utilização de ensaios de campo

41

3. Conclusões e trabalhos futuros ................................................................................ 47

4. Referências Bibliográficas ...................................................................................... 49

1

1. Introdução

1.1. Generalidades

De acordo com o Instituto Brasileiro de Mineração (2012), a partir de 2000, o

aumento da demanda por minerais, principalmente pelo elevado índice de crescimento

mundial, impulsionou o valor da Produção Mineral Brasileira (PMB), conforme pode

ser observado no gráfico 1, exposto a seguir.

Gráfico 1 – Evolução do valor da Produção Mineral Brasileira (DNPM/IBRAM, 2012)

Complementando, Miguez (2015) cita o transporte do material proveniente do

beneficiamento de minérios ocupando atualmente o terceiro lugar no ranking mundial

de transporte de cargas, ficando atrás apenas do petróleo e seus derivados.

Mediante tais fatos, percebe-se a importância da mineração para a economia

mundial e o desenvolvimento global. No entanto, também alerta para os possíveis

impactos ambientais gerados, dado que no processo de exploração e beneficiamento do

2

minério, segundo Boscov (2008), são obtidos, por vezes em maior escala, estéreis e

resíduos de mineração, os quais devem ser adequadamente dispostos no meio ambiente.

Diversas são as opções de disposição destes materiais, sendo, no entanto,

evidenciado por Espósito (2000), a preferência das mineradoras brasileiras pela

disposição em barragens de rejeito. Neste sentido, torna-se importante a avaliação da

viabilidade técnica, econômica e a segurança deste método de disposição.

Particularidades do método convencional de disposição de rejeitos, como a

segregação granulométrica das partículas, decorrente do tipo de deposição do material,

remetem à dificuldade de caracterização dos materiais granulares e avaliação de

condicionantes envolvidos, como a posição da linha de saturação. Neste cenário

geotécnico, têm sido grande a importância e contribuição dos ensaios de campo na

determinação destes fatores.

1.2. Objetivos

O presente trabalho tem como objetivo apresentar maneiras de avaliar o

potencial de liquefação em barragens alteadas com o próprio rejeito utilizando ensaios

de campo.

1.3. Motivação do trabalho

Este trabalho teve como motivação aprofundar a correlação de ensaios de campo na

obtenção de parâmetros geotécnicos que permitam avaliar o potencial de liquefação em

barragens de rejeito, como posição da linha de saturação e características de

deformabilidade sob cisalhamento, no intuito de obter um melhor aproveitamento

técnico e econômico.

3

1.4. Organização do Trabalho

Segue-se a esta Introdução o capítulo 2, que se refere à Revisão Bibliográfica e

no qual é realizado um breve histórico do processo de mineração no Brasil. Em

sequência caracterizam-se, em linhas gerais, os produtos obtidos nas fases de extração e

beneficiamento do minério. Ainda no segundo capítulo, conceituam-se as bases do

método convencional de disposição de rejeitos, discorrendo sobre os métodos de

alteamento por montante, jusante e linha de centro. Considerado fator importante

referente à segurança destes empreendimentos, o presente trabalho introduz ao tema de

liquefação estática em rejeitos granulares de mineração e os benefícios da utilização de

ensaios de campo em sua avaliação. No capítulo 3 são feitas as conclusões e sugestões

para pesquisas futuras. Em seguida encontram-se listadas as referências bibliográficas.

4

2. Revisão Bibliográfica

2.1. História da Mineração no Brasil

As atividades de mineração tiveram seu início, no Brasil, por volta do século

XVIII. De acordo com Ruchkys (2007), a descoberta do ouro na região de Vila Rica e

Mariana, data do final do século XVII, no entanto, somente a partir de 1729, a jazida de

Passagem começou a ser lavrada.

A propriedade mineral de Passagem constituía-se de quatro lavras, sendo

Mineralógica a mais importante, a qual foi concedida a Eschwege em 1819 através de

um leilão. O objetivo de Eschwege era utilizar de sua técnica e maquinaria a fim de

mostrar as vantagens do conhecimento científico na mineração, fazendo uso da

engenharia, em oposição ao trabalho puramente braçal, obtendo assim maior eficiência

na exploração do minério. (Ruchkys, 2007).

Desta maneira, foi criada por Eschwege a primeira companhia mineradora do

País, a qual possuía um engenho com nove pilões e moinhos para pedras, tecnologia

ainda não conhecida no Brasil, visto que, até esta época, a exploração do ouro ainda

utilizava-se de técnicas e ferramentas obsoletas na lavagem e beneficiamento do

minério. De acordo com Ávila (2012), começaram a surgir então lavras mais

sofisticadas, dotadas de maquinaria e engenharia mais avançadas. Tecnologias estas que

permitiram novos métodos de exploração e beneficiamento do minério, como por

exemplo, a exploração subterrânea, pioneiramente adotada, no Brasil, por Eschwege na

Mina da Passagem, através da execução de uma profunda galeria para esgotamento da

água.

5

Este avanço tecnológico, ainda que fundamental para a exploração e extração do

minério e o consequente desenvolvimento da economia global, também apresentou

certas desvantagens em aspectos ambientais. Como por exemplo, o avanço promovido

na capacidade de explorar corpos com baixo teor mineral elevou a geração de rejeitos de

minérios, tornando então, mais importante a preocupação com a disposição destes

rejeitos. (Ávila, 2012).

2.2. Produtos da Mineração

Inerente à mineração, estão os impactos ambientais gerados por tal prática,

devido às transformações provocadas no meio ambiente, nas atividades de lavra e/ou no

processo de beneficiamento do minério os quais ocasionam, paralelamente à extração do

mineral de interesse, a obtenção de um material estéril e a geração de resíduos do

processo de mineração.

Segundo Boscov (2008), resíduo pode ser definido como qualquer matéria que é

descartada ou abandonada ao longo de atividades industriais, comerciais, domésticas ou

outras. Seguindo esta definição, destaca-se que os principais resíduos gerados pelas

atividades mineradoras são os estéreis e os rejeitos de mineração, os quais devem ser

adequadamente dispostos no meio ambiente, diminuindo os impactos causados. Boscov

(2008) destaca ainda que os estéreis são geralmente dispostos em pilhas, e os rejeitos,

em bacias formadas por barragens ou diques.

Em um primeiro momento, estão os produtos gerados ainda nas atividades de

lavra e decapeamento da jazida de minério, que podem ser separados em dois grupos:

a. Os estéreis, que são definidos como solos ou rochas não mineralizados,

ou que não apresentam valor econômico e, de acordo com Boscov

6

(2008), constituem-se nos resíduos provenientes de escavação dos solos e

explosão das camadas rochosas sobrejacentes ao minério de interesse,

sendo, portanto, constituídos basicamente de solos e fragmentos de rocha

b. ROM “Run of Mine”, caracterizado como o minério bruto, apresentando

significativo teor de minério, o qual passará por posterior processo de

beneficiamento. (Espósito, 2015).

Vick (1983) descreve como de fundamental importância, para entendimento da

natureza dos rejeitos, o conhecimento de como estes são produzidos. Diversos

procedimentos e operações unitárias constituem as etapas de beneficiamento e

processamento do minério, algumas destas comuns aos diferentes tipos de minérios

explotados.

As etapas de britagem e moagem constituem os estágios iniciais do processo de

beneficiamento dos diversos minerais, passando, posteriormente, por diferentes fases

como a concentração das partículas com maiores teores de minério, para posterior

separação e remoção das partículas economicamente aproveitáveis, sendo o material

restante classificado como rejeitos de mineração. O estágio final do processo, conforme

relatado por Vick (1983), consiste na recuperação do excesso de água dos resíduos para

a preparação do bombeamento da lama para a bacia de disposição.

Destes processos, um enfoque especial é dado para a etapa de recuperação da

água, a qual, de acordo com Vick (1983), não consiste na completa secagem dos

rejeitos, e sim na remoção de parte da água da polpa fluida. A água recuperada é

recirculada e reaproveitada na planta industrial. Vick (1983) cita os espessadores como

os elementos mais comumente utilizados no desaguamento do rejeito, seguidos por

7

hidrociclones e filtros, do tipo tambor, disco ou correia, os quais funcionam por pressão

a vácuo.

Complementando a definição dos produtos da mineração, Espósito (2000),

reitera os rejeitos como resultantes da fase posterior à exploração e beneficiamento do

minério, cujos objetivos são a extração dos elementos de interesse econômico, mediante

processos químicos e físicos, com a finalidade de regularizar o tamanho dos fragmentos

e aumento da qualidade, pureza ou teor do produto final. Estes materiais assemelham-se

a solos, porém, com gênese recente, constituindo-se em materiais recém fabricados,

cujas propriedades dependem das características mineirais da rocha matriz (mineral

lavrado), as quais também são afetadas pelo método de disposição final, podendo

modificar parâmetros de resistência, compressibilidade e condutividade hidráulica,

fatores estes importantes na determinação de recalques e capacidade de armazenamento

do depósito.

Espósito (2000) afirma que o tipo de minério processado e os tratamentos

utilizados no processo de beneficiamento condicionam as características geotécnicas,

físico-químicas e mineralógicas dos rejeitos. De acordo com Pinto (2006), a primeira

característica que diferencia os solos é o tamanho das partículas que os compõem. Sob

esta ótica, diferenciam-se os rejeitos finos, passantes na peneira de nº 200, dos rejeitos

granulares, quando de granulometria grosseira (acima de 0,074mm).

Dorman et al. apud Espósito (2000) relatam que as características físicas e

químicas dos rejeitos, associadas à natureza química do fluido de transporte, se

constituem em elementos primários que governam o projeto, a operação e a desativação

de barragens de rejeitos. Essas características incluem:

Distribuição granulométrica da fração sólida;

8

Tipo da mineralogia;

Massa específica dos grãos e mudanças do índice de vazios com o

tempo;

Resistência ao cisalhamento drenado e não drenado;

Susceptibilidade à liquefação;

Permeabilidade;

Composição química e mineralógica dos líquidos e sólidos constituintes

da polpa com identificação de possíveis ácidos, metais pesados ou

materiais tóxicos;

Concentração e velocidade de transporte da polpa

Existem diversas formas de disposição do rejeito, no entanto, de acordo com

Espósito (2000), observou-se a preferência das mineradoras brasileiras em depositar

rejeitos finos de mineração em barragens de rejeito, além de uma tendência de utilização

dos rejeitos granulares para formação de diques de alteamento. Tal associação

caracteriza o método convencional de disposição de rejeitos, apresentado por Vick

(1983) e sumarizado a seguir.

2.3. Método Convencional de Disposição de Rejeitos

O método convencional de disposição de rejeitos em superfície consiste na

utilização de diques e/ou estruturas de barramentos para contenção dos rejeitos e

efluentes das fábricas/indústrias. Vick (1983) relata que estas estruturas podem ser

similares às barragens convencionais para retenção de água, apresentadas na Figura 1 a

seguir.

9

Figura 1 – Barragem convencional para retenção de água, utilizada na contenção de rejeitos (Boscov, 2008)

Segundo Vick (1983), estas estruturas são construídas em estágio único, em sua

respectiva altura final de projeto e pouco diferem nos aspectos visual e funcional das

barragens cuja finalidade consiste na acumulação de água. Geralmente, utiliza-se solo

compactado para construção dos maciços/corpo da barragem. Apresentam filtros de

transição, núcleo impermeável e a proteção por rip-rap do talude de montante, cujo

dimensionamento e projeto assemelham-se aos utilizados em barragens de contenção de

água. Vick (1983) relata a possibilidade de adotar taludes de montante mais íngremes,

visto estes não estarem sujeitos ao rebaixamento rápido, elemento de projeto em uma

barragem convencional para retenção de água.

Alternativamente, podem-se utilizar as técnicas de alteamentos sucessivos, cuja

construção e alteamento dos diques avançam de acordo com a produção de rejeitos na

fábrica e, segundo Vick (1983), representam o método mais comumente utilizado para

sistemas de contenção de rejeitos.

Com relação às características geométricas do método convencional de

disposição, Vick (1983) relata que existem, basicamente, três métodos de alteamento de

uma barragem de contenção de rejeitos: o método de alteamento por montante, o

método de alteamento por jusante e o método de alteamento por linha de centro,

10

denominações estas, as quais se referem à direção em que o eixo da crista se desloca, de

acordo com os alteamentos sucessivos, conforme ilustrado na figura 2 a seguir:

Figura 2 - Barragens por alteamentos sucessivos - Métodos construtivos: a) Montante, b) Jusante, c) Linha de centro (Lima, 2006)

Ainda de acordo com Vick (1983), por se tratarem de métodos de alteamentos

sucessivos, apresentam assim, diversas benesses, como custo diluído ao longo do

tempo, visto que o alteamento inicia com a construção de um dique de partida, capaz de

estocar, em geral, a produção de dois a três anos de rejeitos, e adicionais volumes de

água e/ou efluentes da fábrica, com os alteamentos subsequentes previstos de acordo

com o ritmo de produção dos rejeitos na planta industrial.

Segundo Lima (2006), no método convencional de disposição de rejeitos em

superfície, o lançamento do rejeito é realizado em condições naturais, em via úmida,

caracterizando-se como uma polpa fluida, a qual, em geral, apresenta alta

compressibilidade e baixas densidade e capacidade de suporte.

A técnica de alteamentos sucessivos em combinação com conhecimentos

geotécnicos permite a otimização dos processos. A utilização de hidrociclones permite,

segundo Boscov (2008), a separação granulometricamente das partículas com diferentes

11

densidades e tamanhos, por efeito de força centrífuga. A polpa de rejeitos entra no

ciclone e é separada em dois fluxos: O fluxo sobrenadante, denominado overflow,

composto de partículas menos densas, em geral mais finas, que saem pela parte superior

do ciclone e o fluxo do fundo, denominado underflow, constituído por partículas mais

densas, em geral mais grossas, que saem pela parte inferior do ciclone. O rejeito

underflow, via de regra, apresenta maior capacidade de suporte, maior permeabilidade e

menor compressibilidade, apresentando-se como um bom material para a construção

dos diques, devendo a lama (rejeito overflow) ser lançada diretamente no reservatório,

formando, posteriormente, o lago.

As figuras 3 e 4 a seguir apresentam o equipamento hidrociclone

Figura 3 - Hidrociclone (Espósito, 2015)

12

Figura 4 - Hidrociclone (Espósito, 2015)

Associando a técnica de alteamentos sucessivos à utilização do próprio rejeito

arenoso (ciclonado ou depositado hidraulicamente) como material de construção dos

diques ou barramentos, diminui-se o volume de rejeito a ser armazenado no

reservatório, reduzindo também a necessidade de utilização de solo de áreas de

empréstimo e os custos de terraplenagem associados, apresentando então alta

viabilidade econômica.

Dentre os métodos construtivos clássicos, o método de alteamento por montante,

apresentado na figura 5, é considerado o mais econômico e apresenta maior facilidade

construtiva.

13

Figura 5 - Método de alteamento por montante (Boscov, 2008)

Para a sua execução, inicialmente, é construído um dique de partida, sendo o

rejeito lançado em seguida, perimetralmente, a partir da crista, formando a denominada

praia de rejeitos. Em etapa posterior, quando da necessidade de novo alteamento, a praia

de rejeitos torna-se fundação para o segundo dique periférico, e assim sucessivamente,

de modo que o eixo formado pela crista se desloca no sentido de montante. Embora

menos oneroso, o método de alteamento por montante apresenta-se como o método que

requer maiores cuidados e maior controle quando de sua construção. (Klohn, 1982,

Vick, 1983, Krause, 1997 apud Espósito, 2000).

Segundo Vick (1983), o método de deposição periférica criando praia de rejeitos

é desejável e, por vezes, mandatória, por questões estruturais. A praia de rejeitos pode

ser formada por um único ponto de descarga, que, no entanto, necessitaria de relocações

periódicas, ou através de espigotes espaçados de 15 a 45m, dispensando a necessidade

de remoção e relocação das estruturas de lançamento.

14

As Figuras 6a e 6b a seguir, ilustram os métodos de descarga periférica:

Figura 6a - Descarga periférica em barragens de rejeito através de espigotes espaçados (Vick, 1983)

Figura 6b - Descarga periférica em barragens de rejeito através de ponto único de descarga (Vick, 1983)

A Figura a seguir ilustra o lançamento por espigoteamento contínuo

Figura 7 - Descarga periférica em barragens de rejeito através de espigoteamento contínuo (Boscov, 2008)

15

Vick (1983) alerta para a limitação da taxa de alteamento anual no método de

montante, em vista da possibilidade de geração positiva de poropressão no rejeito de

fundação dos alteamentos sucessivos.

Em contra partida, o método de alteamento por jusante, ilustrado na Figura 8, é

mais adequado à incorporação de técnicas de controle da superfície freática, permitindo

a utilização de núcleo impermeável e drenagem interna, os quais propiciam monitorar

com eficiência e segurança a estocagem de maiores volumes de água, em contato

diretamente com o talude interno dos diques.

Figura 8 - Método de alteamento por jusante (Boscov, 2008)

Vick (1983) menciona que, havendo controle na formação da praia de rejeitos,

tais elementos podem ser dispensados, garantindo uma certa distância entre a bacia de

decantação e os taludes internos. De acordo com o autor, o método de alteamento por

jusante é geralmente indicado quando, em conjunto com os rejeitos, é prevista a

estocagem de consideráveis volumes de água. Adicionalmente, devido ao melhor

controle da linha freática e a possiblidade de compactação de todo o aterro, este método

de alteamento mostra-se menos propenso à liquefação, sendo, portanto, mais indicado

em áreas com maior atividade sísmica.

16

Em relação às desvantagens do método de alteamento por jusante, Vick (1983)

destaca a limitação física, em função do avanço do offset do pé do talude conforme seu

alteamento e os maiores volumes de aterro necessários, os quais crescem

exponencialmente a cada etapa de alteamento.

Alternativamente, mesclando-se características de ambos os métodos de

alteamento anteriormente citados, situa-se o método de alteamento por linha de centro,

mostrado na Figura 9. O dique de partida é inicialmente construído e os rejeitos

lançados perimetralmente, a fim de formar a praia de rejeitos a montante. As etapas

subsequentes são obtidas de modo a preservar o eixo da crista, com parte dos diques

apoiados sobre a praia de rejeitos, e parte avançando para jusante. As vantagens do

método incluem, segundo Vick (1983), a possibilidade de inclusão do sistema de

drenagem interna, permitindo o controle da linha freática, boa resistência à liquefação,

em função de permitida a compactação de parte do maciço e controle do grau de

saturação, limitando os prejuízos, em caso de sua ocorrência e não havendo contato da

superfície freática com o talude interno, a porção de montante, mantendo ainda, a

integridade de parte do empreendimento, diminuindo os riscos associados.

17

Figura 9 - Método de alteamento por linha de centro (Vick, 1983)

Sumarizados os componentes e condicionantes do método convencional, o

presente autor avalia, com base no exposto, que o método de alteamentos sucessivos por

montante se mostra bastante atrativo técnica e economicamente, de fácil aplicação e

menos oneroso, necessitando, entretanto, de medidas preventivas de modo a garantir

segurança e estabilidade.

Devido suas bases e premissas, o método de alteamento por montante pode

apresentar-se como propenso a liquefação, em vista da técnica de aterro hidráulico

fornecer ao sistema características dos solos transportados, os quais ocasionam,

naturalmente, a segregação granulométrica. Morgenstern & Küpper apud Espósito

(2000) citam que, devido a segregação granulométrica, as partículas mais densas, em

geral granulares, depositam-se mais próximas às cristas, enquanto as partículas mais

finas direcionam-se a locais mais distantes dos pontos de lançamento, formando assim o

18

reservatório. Desta forma, é de extrema importância a manutenção e controle da linha

freática distante da crista, de modo a evitar a ocorrência de materiais granulares, fofos e

saturados, que, de acordo com Pinto (2006), se submetidos a um carregamento não

drenado, tenderiam a diminuir de volume, gerando assim um excesso de poropressão

positiva, diminuindo sua tensão efetiva. Se as poropressões assumirem valores

relativamente próximos às tensões totais, o material perderá a resistência ao

cisalhamento levando a potencial ruptura por processo de liquefação. Vick (1983)

complementa, enfatizando que a construção por método de montante é inapropriada em

áreas de elevadas atividades sísmicas.

Elemento crítico em relação à estabilidade dos diques, a linha freática em

estruturas de barramento alteadas por montante, segundo Vick (1983), dispõe, no

entanto, de poucas técnicas de controle, sendo as mais importantes, a localização da

água livre na região da bacia de decantação em relação à crista, o grau de uniformidade

granulométrica e a permeabilidade da fundação. O autor cita que mesmo com a

utilização da ciclonagem, que permite a segregação das partículas grosseiras e finas

dentro do depósito, e a utilização de drenos para controle da linha freática, a localização

da bacia de decantação é a única que pode ser controlada durante a operação. A Figura

10, a seguir, apresenta os fatores que influenciam a posição da linha freática próxima à

crista dos diques de alteamento.

19

Figura 10 - Fatores que influenciam a localização da superfície freática (Vick, 1983)

Analisando-se a Figura 10, percebe-se como estas condições influenciam na

posição da linha de saturação. A Figura 10a mostra que, quanto mais próximo da crista

estiver o lago do reservatório, mais alta será a posição da linha de saturação próxima à

crista. Na Figura 10b, percebe-se a influência da segregação granulométrica das

partículas na posição da linha de saturação. No caso de uma alta segregação

granulométrica na praia de rejeitos, encontrar-se-ão, próximo a crista, materiais de

granulometria mais grosseira, os quais apresentam, em geral, maior permeabilidade,

reduzindo então a posição da linha freática. Na Figura 10c, Vick (1983) apresenta como

a presença de uma fundação mais permeável promove uma diminuição da altura da

linha de saturação próxima aos diques.

Segundo Norman & Raforth apud Lima (2006), os rejeitos finos, após

depositados no reservatório, passam por dois fenômenos físicos, a sedimentação e o

20

adensamento por peso próprio, os quais liberam o licor ou a água do processo,

drenando-a para a superfície, e fundação, se esta for permeável. Esta água superficial

quando não eliminada, confere ao rejeito a condição saturada por muitos anos. Neste

sentido, Vick (1983) cita a importância de um sistema de decantação da água do

reservatório, de modo a reaproveitá-la na planta industrial, e ajudar no controle da linha

freática. O sistema de captação de sobrenadante constitui-se, geralmente, de bombas e

sifões montados em uma embarcação flutuante. Opcionalmente, podem-se utilizar torres

de decantação, alteadas do fundo do reservatório para o topo, mediante selagem dos

componentes das torres de concreto, embora menos utilizados, por questões de

segurança e operação. O autor relata que a utilização de embarcações flutuantes para

decantação da água da bacia apresenta a importante vantagem da flexibilidade de

realocação para diversas áreas dentro do reservatório, de acordo com a necessidade.

A Figura 11 a seguir, ilustra os métodos de decantação da água do reservatório:

Figura 11 - Alternativas do sistema de decantação (Vick, 1983)

21

Espósito (2000) consolida um conjunto de informações, demonstrando o estado

da prática de disposição de rejeitos, no que concerne a disposição convencional de

rejeitos de mineração. Observa-se uma preferência das mineradoras brasileiras pela

deposição de rejeitos finos em barragens para contenção de rejeitos, as quais geralmente

constituem-se em barragens de terra compactadas convencionais. Em relação aos

rejeitos granulares, a possibilidade da utilização do rejeito como material de construção

dos diques associada à utilização do método de alteamento por montante apresenta boa

viabilidade econômica, no entanto, devido às inseguranças associadas a esta técnica,

têm-se direcionado os projetos para a utilização do método da linha de centro, ou

alternativa mesclada dos alteamentos por montante e linha de centro.

No intuito de contribuir e fornecer maior segurança quando da utilização do

método de alteamento por montante, o presente trabalho introduz ao tema da liquefação

estática em rejeitos, o qual representa grande preocupação em relação à segurança e

estabilidade destes empreendimentos.

2.4. Liquefação estática em rejeitos granulares de mineração

A conexão do estudo da liquefação com a mineração se faz extremamente

importante, em vista das características geotécnicas apresentadas pelos rejeitos

granulares e certas condições impostas pelo método de disposição. Conforme

anteriormente mencionado, e também relatado por Freire Neto (2009) em estudo

específico, os rejeitos granulares, quando depositados hidraulicamente em barragens,

apresentam-se saturados e com baixa densidade relativa, condições estas que, se

associadas a um carregamento não drenado, tornam-se bastante propícias à ocorrência

de liquefação, em função da tendência do solo de se comprimir e a consequente geração

de poropressão positiva, em vista da drenagem impedida.

22

Freire Neto (2009) aponta que, em países com elevada atividade sísmica, a

preocupação com a liquefação dinâmica é fundamental. No entanto, em países como o

Brasil, que apresentam baixa atividade sísmica, a avaliação do potencial de liquefação

estática é mais relevante.

De acordo com Olson (2001) apud Silva (2010), o fluxo por liquefação é um

processo de strain softening, caracterizado por elevada deformação e perda de

resistência em solos sem coesão, saturados e com tendência à contração durante

cisalhamento não drenado.

Freire Neto (2009) afirma que, quando de sua ocorrência, em campo, o processo

de ruptura associado a este mecanismo é caracterizado por deslocamentos rápidos de

grande extensão. A massa de solo flui, espalhando-se até as tensões cisalhantes atuantes

se tornarem de pequena magnitude, conforme a resistência ao cisalhamento disponível.

O processo de liquefação pode ser ocasionado por um gatilho estático ou dinâmico, que

resultam, embora por diferentes agentes, em processo semelhante.

A fim de entender o mecanismo do processo de liquefação, faz-se necessária a

compreensão do comportamento mecânico e resistência dos solos granulares, cujos

fatores e condicionantes importantes encontram-se descritos nos itens a seguir.

2.4.1. Estado crítico dos solos granulares

De acordo com Ribeiro (2015), o ângulo de atrito das areias é composto por três

parcelas, ângulo de atrito grão-grão ϕu, rearranjo dos grãos ϕd e dilatância ψ, os quais

variam de acordo com o índice de vazios inicial e0, conforme mostrado na figura 12 a

seguir.

23

Figura 12 - Comportamento do ângulo de resistência ao cisalhamento (φ) versus o índice de vazios inicial e0, para uma areia média (Ribeiro, 2015, adaptado de Lambe e Whitman, 1969)

Conforme descrito em Pinto (2006), sob um carregamento axial, as areias fofas

apresentam uma redução de volume devido ao rearranjo das partículas, diferentemente

das areias ditas compactas, que, embora apresentem uma redução durante a fase inicial

do carregamento, também devido ao rearranjo das partículas, posteriormente estas

tendem a aumentar de volume, devido à dilatância necessária para superar os obstáculos

representados pelos outros grãos em sua trajetória.

Pinto (2006) apresenta uma série de resultados de ensaios realizados em areias

sob diferentes compacidades relativas. Verifica-se distinção em seus comportamentos,

com algumas amostras tendendo a se comprimir na ruptura, e outras aumentando de

volume. O autor demonstra a obtenção do chamado estado crítico, apresentado na figura

13 a seguir, que se refere ao índice de vazios inicial da amostra, sob o qual, a mesma

tenderia a romper sem variação de volume.

24

Figura 13 - Obtenção do índice de vazios crítico em solos granulares (Pinto, 2006)

Ainda de acordo com Pinto (2006), a definição do índice de vazios crítico de

solos granulares é de fundamental importância, em vista de seu comportamento

extremamente diferente, conforme a areia esteja com índice de vazios abaixo ou acima

do índice de vazios crítico, caso saturadas e submetidas a carregamento não drenado.

Caso um solo granular com um índice de vazios maior do que o crítico seja

carregado, o mesmo tenderá a se comprimir, expulsando água de seus vazios, e, na

hipótese de drenagem impedida, a água ficará sob pressão positiva, diminuindo a tensão

efetiva, reduzindo significativamente sua resistência ao cisalhamento, submetendo

então, este material, ao processo de liquefação.

25

2.4.2. Linha de estado crítico e linha de estado permanente

No que se refere à obtenção do índice de vazios crítico, Castro apud Freire Neto

(2009) apresenta as seguintes conclusões, de acordo com experimentos realizados por

Casagrande em 1937:

O ensaio de cisalhamento direto não é adequado para sua obtenção,

devido à limitada deformação possível e a dificuldade na determinação

dos índices de vazios inicial e final durante o ensaio;

Nos ensaios triaxiais drenados com amostras compactas, a variação do

índice de vazios medida não é representativa da amostra inteira, pois as

mudanças de volume ocorrem principalmente nas pequenas zonas onde a

ruptura acontece;

Durante ensaios triaxiais drenados com amostras fofas, nenhum plano de

ruptura é desenvolvido. Grandes deformações são necessárias para

alcançar o índice de vazios crítico e a condição de volume e resistência

constantes é apenas aproximadamente obtida;

Castro apud Freire Neto (2009) confirma, a partir de ensaios, as premissas

descritas por Casagrande, e afirma que este, através de ensaios realizados sob diversas

tensões confinantes, concluiu que o índice de vazios crítico é reduzido com o aumento

destas tensões. Obteve-se então uma linha que relaciona o índice de vazios crítico com o

logaritmo da tensão confinante, nomeada como “linha do estado crítico”. Esta linha está

apresentada na figura 14 a seguir, e separa os solos entre dilatantes e contrácteis.

26

Figura 14 - Obtenção do índice de vazios crítico em solos granulares (Freire Neto, 2009)

Há de salientar que os ensaios desenvolvidos por Casagrande foram realizados

em condições drenadas, em função da deficiência tecnólogica que permitisse a medição

das poropressões geradas durante o cisalhamento a volume constante, segundo descrito

por Kramer apud Freire Neto (2009). Arthur Casagrande previu que caso a drenagem

fosse impedida, a tendência de alteração de volume resultaria em variações das

poropressões, levando a constatação de que uma areia no estado fofo experimentaria um

acréscimo das poropressões, com a consequente diminuição da resistência ao

cisalhamento, que conforme a magnitude poderia desencadear o processo de liquefação.

(Castro apud Freire Neto, 2009).

De acordo com Castro & Poulos, 1977 e Poulos, 1981 apud Silva (2010), a linha

de estado permanente possui gênese semelhante à linha de estado crítico, porém, com

base em ensaios de compressão triaxial não drenados com tensão controlada. Nestas

condições, relativas a um “estado permanente de deformação”, o solo tenderia a se

deformar continuamente sob volume, tensão efetiva normal, tensão cisalhante e

velocidade constantes.

27

Definido por Poulos em 1985, o conceito de estado permanente encontra-se

ilustrado na figura a seguir.

Figura 15 – Conceito de estado permanente (Silva, 2010)

O comportamento do solo, conforme apresentado ma Figura 15(a), é do tipo

“strain softening”, apresentando uma tensão de pico, no ponto P, e o ponto S representa

a resistência de estado permanente ou resistência cisalhante liquefeita, cuja envoltória e

trajetória de tensões estão representadas na figura 15(b), sendo ϕs, obtido através de αs,

o chamado “ângulo de atrito de estado permanente”. A figura 15(c) apresenta a

diminuição das tensões efetivas conforme aumento da poropressão induzida, geradas

pelo carregamento não drenado. A figura 15(d) define a chamada linha de estado

permanente, apresentada no gráfico índice de vazios versus logaritmo das tensões

efetivas confinantes.

28

(Casagrande, 1975; Poulos, 1981; Sladen et al, 1985; Cárdenas, 2004) apud

Silva (2010) afirmam que, embora obtidas para condições drenada e não drenada, as

linhas de estado crítico e de estado permanente são equivalentes. Kramer apud Silva

(2010) relata que, sendo a resistência não drenada do solo (Su), proporcional à tensão

efetiva de confinamento no estado permanente (σ´3c), torna-se possível uma relação

direta de compatibilidade entre linhas de estado permanente definidas em termos de

resistência não drenada e em termos das tensões confinantes efetivas, conforme

apresentado na figura 16 a seguir.

Figura 16 – Linhas de estado permanente em função de σ´3c e Su (Silva, 2010)

2.4.3. Parâmetro de estado ψ

Definidas as linhas de estado crítico e de estado permanente, torna-se possível a

definição da susceptibilidade dos solos ao fenômeno da liquefação, possível para

condições representadas por pontos acima da linha de estado permanente, e não

susceptíveis para pontos abaixo da linha, conforme descrito por Kramer apud Silva

(2010). O parâmetro de estado ψ, definido por Been & Jefferies em 1985 é dado pela

equação 1:

Ψ = e0 – eep (1)

29

Sendo e0 o índice de vazios do solo in situ antes do cisalhamento, para uma dada

tensão confinante efetiva e eep o índice de vazios para o solo na condição de estado

permanente, sob a mesma tensão confinante. Define-se que, para valores positivos de ψ,

o solo tende a diminuir de volume, sendo, portanto, susceptível à liquefação, enquanto

que, para valores negativos de ψ, o solo tende a se dilatar, não sendo susceptível à

liquefação, conforme observado na figura 17 a seguir.

Figura 17 – Linha de estado permanente e a susceptibilidade à liquefação (Silva, 2010)

A ativação do processo de liquefação pode ocorrer tanto devido a carregamentos

estáticos como por carregamentos cíclicos. A partir dos gatilhos citados, em caso de

suas ocorrências, a tensão cisalhante aumenta até atingir a resistência de pico,

representada pelo Ponto P, deformando-se até a condição de estado permanente,

tendendo então a apresentar a resistência liquefeita, representada pelo ponto S.

(Sitharam et al apud Silva, 2010).

Figura 18 – Resistência de pico e resistência liquefeita (Silva, 2010)

30

Realizando diversos ensaios triaxiais não drenados, submetidos a diferentes

níveis de tensões confinantes, obtém-se a denominada “linha de colapso”, ou “linha de

fluxo por liquefação” (LFL), em vista das resistências de cisalhamento de pico

(definidas pelo ponto P) definirem uma envoltória aproximadamente linear no espaço

das trajetórias de tensões (gráfico p´ x q).

Figura 19 – Linha de fluxo por liquefação (Silva, 2010)

Os pontos A e B encontram-se abaixo da linha de estado permanente, não

apresentando, portando, susceptibilidade à liquefação. Em contra partida, as amostras C,

D e E, as quais encontram-se acima da linha de estado permanente, apresentam

comportamento contráctil, mobilizam um pico de resistência não drenada e deformam-

se até atingir a envoltória de estado permanente (EEP), no ponto correspondente à

resistência liquefeita (Su)LIQ. Em vista da liquefação não ocorrer para solos abaixo da

31

linha de estado permanente, a linha de fluxo por cisalhamento apresenta um cut-off a

partir do ponto de estado permanente. (Silva, 2010).

Define-se então, conforme abordado em Silva (2010), que o gatilho da

liquefação é ativado caso a tensão cisalhante atuante ultrapasse a LFL durante um

carregamento não drenado, seja este de natureza estática ou cíclica.

Em depósitos de rejeitos de mineração susceptíveis à liquefação, Silva (2010)

exemplifica que o gatilho da liquefação estática pode ser ativado devido a um

carregamento rápido, ou por uma rápida elevação da linha freática, o que ocasionaria

uma elevação positiva das poropressões e a consequente diminuição da tensão efetiva.

Em caso de a tensão cisalhante ultrapassar a resistência de pico, manifesta-se o

fenômeno da liquefação.

De acordo com Poulos apud Silva (2010), é recomendável a utilização da

resistência não drenada liquefeita (Su)LIQ nas análises de estabilidade de depósitos de

materiais que apresentam comportamento tensão-deformação do tipo strain softening

durante o cisalhamento não drenado, em oposição ao valor da resistência não drenada de

pico (Su)PICO. No entanto, Olson (2001) apud Silva (2010) apresentou um método que

utiliza a resistência não drenada de pico (Su)PICO para análise do gatilho, e caso este

ocorra, utiliza-se a resistência não drenada liquefeita (Su)LIQ.

2.4.4. Razões de resistência de pico e liquefeita

De acordo com Olson & Stark (2001), as razões de resistência de pico e

liquefeita são, respectivamente, a resistência de pico e a resistência liquefeita

(representadas pelos pontos P e S na Figura 18 previamente exposta) normalizadas em

relação à tensão vertical efetiva no interior da zona propensa à liquefação.

32

2.5. Análise do potencial de liquefação de acordo com a metodologia de Olson

(2001)

Corroborando a proposta do presente trabalho na avaliação do potencial de

liquefação em rejeitos de mineração através de ensaios de campo, o presente autor

considera de grande valia a metodologia de Olson, a qual, através da correlação entre

razões de resistência ao cisalhamento e resistências à penetração normalizadas, obtidas

através de ensaios de SPT e CPT, avalia, primeiramente, a susceptibilidade à liquefação,

em seguida, a propensão da ativação do gatilho de liquefação e, em última instância, a

estabilidade considerando a resistência liquefeita. (Olson, 2001 e Silva, 2010).

2.5.1. Análise do solo quanto ao potencial de liquefação

Conforme previamente apresentado, a susceptibilidade dos solos à liquefação

está condicionada, dentre outros fatores, à sua variação de volume sob o cisalhamento,

isto é, se o solo apresenta comportamento dilatante ou contrátil. Tal comportamento

pode ser identificado, de acordo com Olson apud Silva (2010), utilizando grandezas

como a resistência à penetração corrigida, obtida através de ensaios de campo, SPT e/ou

CPT.

Com base no estudo de diversos casos históricos, Olson apud Silva (2010)

apresentou um gráfico que correlacionasse a tensão vertical efetiva pré-ruptura com o

número de golpes SPT corrigido (N1)60, e com a resistência de ponta corrigida qc1,

obtidos através dos ensaios de SPT e CPT, respectivamente.

33

Figura 20 – Avaliação do potencial de liquefação através de medidas NSPT (Silva, 2010)

Figura 21 – Avaliação do potencial de liquefação através de medidas qc1 (Silva, 2010)

Conforme observado nas figuras, diversas foram as propostas de linhas teóricas

que separam os materiais de acordo com seu comportamento, contrátil ou dilatante.

34

Dentre estas, Olson propõe a aplicação das envoltórias de Fear e Robertson (1995), as

quais têm suas relações expressas por:

(σ´v0)ENV = 9,5812 x 10-4

[(N1)60]4,7863

(2)

(σ´v0)ENV = 1,1047 x 10-2

[(qc1)]4,7863

(3)

É importante ressaltar que as referidas resistências à penetração devem ser

corrigidas. Em relação ao ensaio SPT, diversos estudos levaram à constatação de que a

energia nominal transferida à composição de hastes não corresponde à energia de queda

livre teórica transmitida pelo martelo, conforme relatado por Schmertmann e Palacios

(1979), Seed et al (1985), Skempton (1986). Ressalta-se que, no Brasil, a utilização de

sistemas manuais para a liberação de queda do martelo fazem com que a energia

aplicada se apresente em torno de 70% e 80% da energia teórica, de acordo com

Belincanta (1998), Décourt (1989), Cavalcante, Danziger e Danziger (2004) apud

Schnaid & Odebrecht (2012). Desta forma, a prática internacional sugere a

normalização do número de golpes SPT com base no padrão internacional N60, em vista

de o sistema mecanizado, utilizado na Europa e Estados Unidos, prover ao sistema uma

energia de aproximadamente 60% da energia teórica.

Seed (1987) e Seed e Harder (1990) apud Rafael (2012) propuseram a correção

dos valores de NSPT, medido em campo, para (N1)60, normalizado em relação a 60% da

energia teórica de queda livre do martelo, corrigidas também para o nível de tensões.

(𝑁1)60 = 𝑁𝐶𝑁 (𝐸𝑅

60) (4)

ER é a porcentagem de energia utilizada no ensaio e CN o fator de correção da

tensão vertical efetiva, expressa por Liao e Whitman (1985) apud Rafael (2012):

35

𝐶𝑁 = (𝑃𝑎

𝜎´𝑣0)

𝑛

(5)

Pa é a pressão atmosférica e n tem seu valor 0,5, sugerido por Olson (2001) apud

Rafael (2012) para todos os solos que apresentem potencial de liquefação.

No caso da resistência de ponta qc, obtida no ensaio de cone, tem-se a seguinte

expressão:

𝑞𝑐1 = 𝑞𝑐𝐶𝑞 (6)

O parâmetro Cq serve de ajuste para o nível de tensões para o ensaio CPT,

proposto por Kayen et al (1992) apud Rafael (2012):

𝐶𝑞 = 1,8

0,8+(𝜎´𝑣0𝑃𝑎

) (7)

Definidas as envoltórias, a análise da susceptibilidade à liquefação consiste em

plotar pares de valores das tensões verticais efetivas e das resistências à penetração

obtidas nos referidos ensaios. Conforme relatado em Silva (2010), de acordo com a

locação dos pontos no gráfico, têm-se duas hipóteses para avaliação da susceptibilidade

à liquefação:

O solo tem tendência dilatante sob cisalhamento: O potencial ao fluxo

por liquefação NÃO É PROVÁVEL, encerrando a análise;

O solo apresenta tendência à contração sob cisalhamento; O potencial ao

fluxo por liquefação É PROVÁVEL, sugerindo-se então, as análises do

gatilho de liquefação e estabilidade pós gatilho.

2.5.2. Análise do gatilho de liquefação

Sendo previamente constatado que determinado solo apresenta comportamento

contrátil sob cisalhamento, o método de Olson verifica o potencial de ativação do

36

gatilho de liquefação. Conforme previamente apresentado, a presente etapa constitui em

verificar se as tensões cisalhantes atuantes superam a resistência ao cisalhamento de

pico.

Os procedimentos necessários para análise do potencial de início de liquefação

(limitada, no presente trabalho, à liquefação estática) são descritos a seguir, de acordo

com Olson & Stark (2001); Silva (2010) e Rafael (2012).

Determinação das tensões cisalhantes estáticas atuantes τd nos solos susceptíveis

à liquefação, realizando-se uma análise de estabilidade (considerando superfícies

circulares e não circulares) com as condições de geometria do problema na condição de

pré-ruptura. Para os solos susceptíveis à liquefação, assume-se um valor da resistência

ao cisalhamento e esta resistência é alterada até obter um FS = 1,0 na análise de

estabilidade e, assim, a superfície potencial de ruptura (SPR). Encontrada a SPR, deve-

se então dividi-la em 10 a 15 segmentos.

Quantificar a razão de resistência de pico (Su)PICO/σ´v0, de acordo com os

gráficos que a relaciona com a resistência à penetração, obtidas dos ensaios SPT e/ou

CPT ou as seguintes expressões.

37

Figura 22 – Correlação da razão de resistência de pico x (N1)60 (Rafael, 2012)

𝑆𝑢(𝑃𝐼𝐶𝑂)

𝜎´𝑣0= 0,205 + 0,0075[(𝑁1)60] ± 0,04 Para (N1)60 ≤ 12 (8)

38

Figura 23 – Correlação da razão de resistência de pico x (qc1) (Rafael, 2012)

𝑆𝑢(𝑃𝐼𝐶𝑂)

𝜎´𝑣0= 0,205 + 0,143𝑞𝑐1 ± 0,04 Para qc1 ≤ 6,5 MPa (9)

Quantificada a razão de resistência de pico, é possível obter a resistência de pico

(Su)PICO multiplicando-a pela tensão vertical efetiva inicial σ´v0.

Determinar o fator de segurança contra o início de liquefação para cada fatia dos

solos susceptíveis à liquefação estática por:

𝐹𝑆𝑔𝑎𝑡𝑖𝑙ℎ𝑜 =(𝑆𝑢)𝑃𝐼𝐶𝑂

𝜏𝑑 (10)

Analisam-se os resultados da equação (10) para cada fatia na SPR para os solos

susceptíveis à liquefação, e realiza-se um teste de hipótese:

Segmentos com (FS)gatilho > 1,0: O gatilho de liquefação é pouco

provável. Olson (2001) recomenda a análise de estabilidade pós gatilho,

para estes segmentos, com a resistência de pico (Su)PICO.

Segmentos com (FS)gatilho ≤ 1,0: O gatilho de liquefação é provável.

Olson (2001) recomenda a análise de estabilidade pós gatilho, para estes

segmentos, com a resistência ao cisalhamento liquefeita (Su)LIQ.

2.5.3. Análise de estabilidade pós gatilho de liquefação

Segundo a metodologia de Olson (2001), se o gatilho de liquefação é acionado,

conforme análise realizada nas verificações anteriores, deve-se então proceder com

análise de estabilidade pós gatilho, considerando, para este cenário, a resistência ao

cisalhamento liquefeita, e para os casos onde o gatilho não foi acionado, utiliza-se a

resistência de pico.

Considerar-se-á, no presente item, a análise de estabilidade pós gatilho com a

resistência liquefeita (Su)LIQ, a qual é obtida através dos gráficos que correlacionam a

razão de resistência liquefeita com a resistência à penetração obtida em ensaios SPT

39

e/ou CPT, apresentados nas figuras 24 e 25 a seguir. (Olson & Stark, 2001; Silva, 2010

e Rafael, 2012).

Figura 24 – Correlação da razão de resistência liquefeita x (N1)60 (Rafael, 2012)

𝑆𝑢(𝐿𝐼𝑄)

𝜎´𝑣0= 0,03 + 0,075[(𝑁1)60] ± 0,03 Para (N1)60 ≤ 12 (11)

Figura 25 – Correlação da razão de resistência liquefeita x (qc1) (Rafael, 2012)

40

𝑆𝑢(𝐿𝐼𝑄)

𝜎´𝑣0= 0,03 + 0,143𝑞𝑐1 ± 0,03 Para qc1 ≤ 6,5 MPa (12)

Quantificada a razão de resistência liquefeita, é possível obter a resistência

liquefeita (Su)LIQ multiplicando-a pela tensão vertical efetiva inicial σ´v0. A resistência

liquefeita é então associada aos segmentos da SPR com propensão à liquefação e cuja

análise de potencial de ativação do gatilho foi igual ou inferior a 1,0. Para os solos não

propensos à liquefação, admite-se os valores de resistência ao cisalhamento drenada ou

não drenada, de acordo com cada tipo de solo.

Determina-se o fator de segurança relativo ao fluxo por liquefação para cada

fatia dos solos susceptíveis à liquefação estática por:

𝐹𝑆𝑓𝑙𝑢𝑥𝑜 =(𝑆𝑢)𝐿𝐼𝑄

𝜏𝑑 (13)

Analisam-se os resultados da equação (13) para cada fatia na SPR que tenha

apresentado FSgatilho ≤ 1,0 e realiza-se um teste de hipótese:

Segmentos com (FS)fluxo ≤ 1,0: A liquefação por fluxo é provável.

Segmentos com 1,0 < (FS)fluxo ≤ 1,1: O processo de ruptura por fluxo por

liquefação é pouco provável, no entanto, podem ocorrer grandes

deformações no maciço. Neste caso, Olson (2001) recomenda nova

análise, com a resistência ao cisalhamento liquefeita (Su)LIQ para as fatias

onde 1,0 < FSgatilho ≤ 1,1, em vista de avaliar o colapso por liquefação

induzida e ruptura progressiva do cenário em questão.

Olson & Stark (2001) recomendam que as análises de estabilidade pós gatilho

sejam repetidas até não haver redução significativa dos valores encontrados para FSfluxo.

Apresentada a metodologia de Olson, capaz de prever e quantificar o potencial

de liquefação, o presente trabalho contribui apresentando uma linha de pesquisa voltada

para o monitoramento e controle dos potenciais elementos de gatilho. Controle este

41

dificultado devido às diversas incertezas perante as condições de contorno, como a

posição da linha freática, a avaliação dos parâmetros geotécnicos dos materiais

envolvidos, dentre outros.

2.6. Monitoramento dos gatilhos de liquefação mediante utilização de ensaios

de campo

Com base na dificuldade de se obter amostras indeformadas de solos siltosos ou

areno siltosos, diversos estudos vêm sendo realizados, como Jamiolkolwski & Masella

(2015), onde os autores recomendam recorrer a ensaios de campo como S-CPTU, S-

DMT e CHT, os quais tem possibilitado a determinação das condições em campo de

rejeitos de mineração, assim como a posição da linha freática, estimando a

susceptibilidade à liquefação.

Jamiolkolwski & Masella (2015) apresentam resumo de mais de vinte anos de

pesquisa e a combinação de ensaios de campo e laboratório para a caracterização e

monitoramento de uma das maiores plantas de exploração e beneficiamento de cobre:

KGHM Zelazny Most (ZM), localizada a sudoeste da Polônia, conforme visto na figura

26 a seguir.

Figura 26 – Localização da Zelazny Most, mina e usina de cobre (Jamiolkowski & Masella, 2015)

42

A barragem de contenção de rejeitos de minério de cobre Zelazny Most

corresponde a uma área de 12,4 km² e seus diques periféricos apresentam 14,3 km de

extensão, com a crista variando entre 41m e 65m. O empreendimento iniciou em 1977 e

tem operação prevista até 2042, correspondendo à total exaustão do minério da região.

Para a construção dos diques de barramento de Zelazny Most, utilizou-se o método de

alteamento por montante, com o rejeito grosseiro utilizado no corpo dos maciços,

separado da fração fina através da utilização de espigotes. Há de se enfatizar que a taxa

de alteamento da crista encontra-se dentro dos limites propostos por Vick (1983),

correspondendo a uma taxa de 1 a 1,50m/ano. Com o objetivo de manter a superfície

freática afastada do corpo da barragem, a bacia de decantação encontra-se distante da

crista por, no mínimo, 200 metros e, adicionalmente ao dreno de pé, foram construídos

quatro níveis de drenos circunferenciais, à medida que a barragem foi sendo alteada,

satisfazendo então as recomendações propostas por Vick. As figuras 27 e 28 ilustram

estas observações.

Figura 27 – Método de alteamento por montante, fazendo o lançamento por espigoteamento (Jamiolkowski & Masella, 2015)

43

Figura 28 – Estruturas de drenagem (Jamiolkowski & Masella, 2015)

Os autores enfatizam os desafios geotécnicos envolvidos no projeto de

construção da barragem, em especial, o risco à liquefação, tema o qual se tornou de

preocupação rotineira para outras estruturas de contenção de rejeitos após criação do

board internacional de experts (IBE), formado perante os riscos associados ao complexo

ZM, dadas suas dimensões e nível de complexidade.

A seguir, apresentam-se as características geotécnicas dos rejeitos de cobre em

Zelazny Most, conforme relatado em Jamiolkowski & Masella (2015):

A fração grosseira utilizada no corpo da barragem é proveniente de duas minas

(Rudna e Lubin), e é depositada via espigotes, formando as praias de rejeitos, enquanto

a fração fina, proveniente de uma terceira mina (Polkowice) é depositada

hidraulicamente, diretamente na bacia.

Foram definidos parâmetros geotécnicos dos materiais, como a densidade dos

grãos, granulometria, que apresenta, aproximadamente, 67% a 97% de areia, e o índice

de plasticidade dos finos, que não excedia a 15%. A figura a seguir apresenta uma faixa

de variação da granulometria, que, no entanto, tende a variar de acordo com a

profundidade e aproximação da bacia do reservatório, cuja região tende a apresentar

maior teor de finos, conforme esperado devido ao método de lançamento por espigotes.

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Figura 29 – Fração grosseira do rejeito de Zelazny Most (Adaptado de Jamiolkowski & Masella, 2015)

Os autores reafirmam a dificuldade em obter amostras indeformadas a maiores

profundidades. Jamiolkowski & Masella (2015) relatam que, até 2013, com a exceção

de ensaios de laboratório, realizados nas praias de rejeito, a caracterização geotécnica

era obtida com ensaios de campo no intuito de especificar as seguintes características:

Variabilidade espacial;

Profundidade da linha de saturação nos rejeitos;

Estado dos rejeitos em campo, e a susceptibilidade à liquefação estática.

Com base no exposto, diversos estudos vêm sendo realizados, e os autores

destacam a qualidade de alguns ensaios de campo com avaliações sísmicas, como o S-

CPTU, S-DMT e o CHT. Jamiolkowski & Masella (2015) apontam que o ensaio CHT

(Cross Hole Tests), através de checagem periódica, tem permitido monitorar, através da

medida da velocidade da onda de compressão (Vp), a localização da linha de saturação

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nos rejeitos a diferentes distâncias da crista dos diques, e como esta se modifica, de

acordo com os sucessivos alteamentos. Os autores afirmam que o ensaio de campo CHT

é um excelente recurso para definição do grau de saturação dos rejeitos, se praticamente

a completamente saturados, em vista da velocidade Vp em solos completamente

saturados corresponder, no mínimo, à velocidade Vp na água, de aproximadamente

1500m/s. A figura 30 a seguir apresenta alguns resultados, e a avaliação dos conceitos

supracitados.

Figura 30 – Resultados de ensaios CHT no rejeito de Zelazny Most (Jamiolkowski & Masella, 2015)

O ensaio CHT fornece como parâmetros a velocidade de onda de compressão Vp

e a velocidade de onda cisalhante Vs, que combinados com o parâmetro qc, obtidos em

ensaios de cone, permitem estimar o risco e a propensão à liquefação.

De acordo com Ishirara et al (1998), Tsukamoto et al (2002) Apud Jamiolkowski

& Masella (2015), estando o grau de saturação relativamente alto, próximo à unidade

(0,9 < S < 1,0), apreciam-se benefícios na resistência à liquefação cíclica. A figura 26

46

apresenta a influência do grau de saturação na resistência à liquefação cíclica. À medida

que o grau de saturação aproxima-se da unidade, a velocidade da onda de compressão

tende a se aproximar da velocidade de compressão na água, com o valor de

aproximadamente 1500 m/s. A partir do gráfico, verifica-se que a resistência à

liquefação cíclica de uma areia parcialmente saturada pode chegar a 2,4 vezes a

resistência se completamente saturada conforme apresentado em estudo realizado para a

areia de Toyoura.

Figura 31 – Efeito do grau de saturação na resistência à liquefação cíclica (Jamiolkowski & Masella, 2015)

Estudos similares, como propostos em He (2013) Apud Jamiolkowski & Masella

(2015), apontam que o estado próximo à saturação em areias fofas a medianamente

compactas apresenta benefícios também em relação à liquefação estática.

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3. Conclusões e trabalhos futuros

Com base na preferência das mineradoras brasileiras, citada por Espósito (2000),

em utilizar-se de estruturas de barramento para contenção de rejeitos de mineração, o

presente trabalho apresentou o método convencional de disposição de rejeitos através de

alteamentos suscessivos, consistindo, basicamente, em três vertentes, sendo estes, o

método de alteamento por montante, jusante e linha de centro com seus respectivos

benefícios e preocupações.

Dentre os métodos de alteamento suscessivos supracitados, avalia-se

positivamente os benefícios da possibilidade de utilização de drenagem interna, núcleo

impermeável e compactação dos materiais quando da utilização dos métodos de

alteamento por jusante ou linha de centro. No entanto, as objeções quanto à sua

utilização residem nos altos custos associados, como o maior volume de serviços de

terraplenagem, e nos requisitos ambientais, como a requisição de maiores áreas em

função do avanço do offset dos taludes de jusante.

Em contra partida, o método de alteamento por montante mostra-se bastante

atrativo técnica e economicamente, sendo, no entanto, reconhecidamente dentro da

engenharia geotécnica, como o que requer maiores cuidados e controle nos aspectos

referentes à segurança, como o controle o da linha freática, requisito fundamental no

que concerne ao potencial de liquefação associado a este método de disposição de

rejeitos de mineração.

Desta maneira, o presente trabalho buscou fornecer ferramentas que permitissem

a avaliação do potencial de liquefação e o monitoramento dos elementos de gatilho,

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encontrando respostas nos ensaios de campo, importante ramo da engenharia

geotécnica.

A metodologia de Olson permite avaliar e quantificar o potencial de liquefação

em estruturas de contenção de rejeitos com base em correlações das razões de

resistência à liquefação e a resistência à penetração obtida em ensaios SPT e CPT,

enquanto a análise de parâmetros geotécnicos, como a velocidade da onda de

compressão Vp, obtida em ensaios CHT, permite o monitoramento dos elementos de

gatilho, como a posição da linha freática, elemento crítico em depósitos de rejeitos

susceptíveis à liquefação.

Em relação às pesquisas futuras, no grande âmbito da geotecnica aplicada à

mineração, o presente autor sugere estudos de linha de pesquisa referente aos métodos

alternativos de disposição de rejeitos com enfoque no desaguamento dos rejeitos, os

quais apresentam, dentre outros benefícios, a redução do potencial de liquefação.

Acredita-se ser de grande valia as comparações qualitativas e quantitativas dos métodos

alternativos de disposição de rejeitos com o método convencional.

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4. Referências Bibliográficas

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