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Rompimento de barragens em Mariana (MG): o processo de comunicação de risco de acordo com dados da mídia Revista Communicare E m 5 de novembro de 2015, no município brasileiro de Mariana/MG, houve o rompimento de duas barragens da companhia Samarco Mi- neração S/A, inundando a área com rejeitos do processo produtivo. A lama chegou a 2,5 m de altura e atingiu a calha do Rio Doce daquele ponto até a sua Foz, caracterizando-se como o maior desastre ambiental do Bra- sil. Atualmente a abordagem “first mile” para comunicação de risco considera que as ações devem ser centradas nas pessoas e “bottom-to-top”, ou seja, as comuni- dades estabelecem suas necessidades no processo de comunicação. De acordo com essa abordagem, a companhia mineradora, juntamente com trabalhadores e moradores da região, deveria criar um Plano de Segurança da Barragem, além de um Plano de Ação de Emergência, para evitar ou minimizar os impactos de possíveis colapsos e divulgar a informação pertinente em diferentes níveis. Em Mariana, o processo de comunicação de crise foi ineficaz, resultando em perdas humanas e materiais. Neste trabalho, tivemos como objetivo analisar criticamen- te o processo de comunicação de risco relacionado ao desastre de Mariana com base nas informações divulgadas nos meios de comunicação de massa, em es- pecial no meio digital, ressaltando a diferença das informações e nos discursos referentes à comunicação dos riscos para a população. Palavras-chave: desastre; Minas Gerais; barragem; comunicação dos riscos. Érico Soriano 1 Wanda Aparecida Machado Hoffmann 2 Luciana de Resende Londe 3 Leonardo Bacelar Lima Santos 4 Regla de La Caridad Duthit Somoza 5 Rompimento de barragens em Mariana (MG): o processo de comunicação de risco de acordo com dados da mídia 1. Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected] 2. Doutora em Ciência e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: wanda@nit. ufscar.br 3. Doutora em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E-mail: luciana.londe@ cemaden.gov.br 4. Doutor em Computação Aplicada (CAP) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E-mail: leonardo. santos@cemaden. gov.br 5. Doutora em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E-mail: regla.somoza@ cemaden.gov.br

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Rompimento de barragens em Mariana (MG): o processo de comunicação de risco de acordo com dados da mídia

Revista Communicare

Em 5 de novembro de 2015, no município brasileiro de Mariana/MG, houve o rompimento de duas barragens da companhia Samarco Mi-neração S/A, inundando a área com rejeitos do processo produtivo. A lama chegou a 2,5 m de altura e atingiu a calha do Rio Doce daquele

ponto até a sua Foz, caracterizando-se como o maior desastre ambiental do Bra-sil. Atualmente a abordagem “first mile” para comunicação de risco considera que as ações devem ser centradas nas pessoas e “bottom-to-top”, ou seja, as comuni-dades estabelecem suas necessidades no processo de comunicação. De acordo com essa abordagem, a companhia mineradora, juntamente com trabalhadores e moradores da região, deveria criar um Plano de Segurança da Barragem, além de um Plano de Ação de Emergência, para evitar ou minimizar os impactos de possíveis colapsos e divulgar a informação pertinente em diferentes níveis. Em Mariana, o processo de comunicação de crise foi ineficaz, resultando em perdas humanas e materiais. Neste trabalho, tivemos como objetivo analisar criticamen-te o processo de comunicação de risco relacionado ao desastre de Mariana com base nas informações divulgadas nos meios de comunicação de massa, em es-pecial no meio digital, ressaltando a diferença das informações e nos discursos referentes à comunicação dos riscos para a população.Palavras-chave: desastre; Minas Gerais; barragem; comunicação dos riscos.

Érico Soriano1

Wanda Aparecida Machado Hoffmann2

Luciana de Resende Londe3 Leonardo Bacelar Lima Santos4

Regla de La Caridad Duthit Somoza5

Rompimento de barragens em Mariana (MG): o processo de comunicação de risco de acordo com dados da mídia

1. Doutor em Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

2. Doutora em Ciência e Engenharia de Materiais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]

3. Doutora em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E-mail: [email protected]

4. Doutor em Computação Aplicada (CAP) pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).E-mail: [email protected]

5. Doutora em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).E-mail: [email protected]

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Dams in breach Mariana (MG): the process of agreement risk communication with media data

Volume 16 – Nº 1 – 1º Semestre de 2016

On November/5/2015, the disruption of two dams in Mariana (MG, Brazil) flooded that area

with waste from the production process of Samarco Mining Company. The mud reached a

height of 2.5 m, contaminated the river “Rio Doce” from that point to its outfall and it was

characterized as the largest environmental disaster in Brazil. Currently the approach “first

mile” for risk communication considers that actions should be people-centered and “bottom-

-to-top”, ie, communities establish their needs in the communication process. According to

both this approach, the mining company - together with workers and residents of the region

- should create a Dam Safety Plan, and an Emergency Action Plan, to prevent or minimize im-

pacts of possible breakdowns and disseminate relevant information at different levels. In Ma-

riana disaster, the communication process was ineffective, resulting in human and material

losses. This work aimed to review the risk communication process related to Mariana disaster

based on information published in the mass media, particularly digital media, highlighting

the difference in information and discourses of risk communication for the population.

Keywords: Disaster, Minas Gerais state; Dams; Risk comunication.

Artigo 53

Presas en incumplimento Mariana (MG): el proceso de comunicación acuerdo con riesgo de datos de médiosEl 5 de noviembre de 2015, en el municipio brasileño de Mariana/MG, se rompieron dos

represas de la compañía de explotación de minas Samarco S/A inundando el área los residuos

del proceso de producción. Bento Rodriguez, localizado a 2 km aguas abajo de las represas

sufrió un alto impacto con el accidente. El barro llegó a 2,5 m de altura en el barrio atingido

y transportó esos sedimentos por los afluentes hasta el rio principal, caracterizando este ac-

cidente como el mayor desastre ambiental de Brasil. Hoy en día, el enfoque “first mile” para

la comunicación de peligros centra las acciones en las personas en forma “bottom-to-top”,

es decir, las comunidades son responsables por establecer sus necesidades en el proceso de

comunicación. Según la Ley de Seguridad de Represas, el plan de seguridad de la represa y de

las acciones de emergencia, deben ser creados de forma integrada entre representantes de la

empresa y la población que habita en el área de peligro. De esta forma conjunta serian evi-

tados o minimizados los impactos del posible desastre con la divulgación de la información

a todos los interesados. Cuando ocurrió el desastre de Mariana, el proceso de comunicación

fue ineficaz, conduciendo a pérdidas humanas. Los habitantes del barrio atingido relataron

que el barro llegó a sus casas durante la madrugada, mismo que la ruptura de las represas

fue a las 16h, así hubiera sido posible retirar los bienes materiales si la comunicación fuera

eficiente. Este trabajo tuvo como objetivo central realizar un análisis crítico del proceso de

comunicación del peligro relacionado al desastre de Mariana, para eso fueron utilizadas las

informaciones publicadas en los medios de comunicación, en especial los digitales, destacan-

do la diferencia entre la información y los discursos de peligro para la población.

Palabras clave: desastre; Minas Gerais; presa; comunicación de riesgos.

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Os meios de comunicação constituem a fonte principal da informação que chega às pessoas, retratando sua versão da “realidade” do evento que deflagrou o desastre. Essas fontes facilitam a interação e a discussão do tema entre dife-rentes grupos sociais e possibilitam a análise de diferentes versões do ocorrido. Também, divulgam a percepção e a representação dos chamados “silenciados no desastre”, através do registro das informações individuais das vítimas diretas e indiretas do desastre, constituindo a ferramenta principal de informação re-ferente às consequências e aos riscos deflagrados no pós-impacto, tais como as condições estruturais atualizadas.

Neste contexto, foi analisado o desastre socioambiental ocorrido em Ma-riana, Minas Gerais, usando como base as informações divulgadas nos meios de comunicação, em especial no meio digital. Concentrou-se em ressaltar a diferen-ça entre as informações de diferentes fontes e os discursos referentes à comuni-cação dos riscos, destacando-se a dificuldade da compreensão do fato ocorrido, através da divulgação de uma série de informações que não se coadunam e não retratam a realidade da situação.

O risco das barragens no Brasil e o caso Mariana

Devido à disponibilidade de minérios e ao elevado potencial hidrelétrico estimado, 260 GW, (ANEEL 2008), o Brasil apresenta uma grande quantidade de barragens, de diversos tamanhos e finalidades. Porém, considerando-se o seu po-tencial de danos, a construção de barragens representa uma produção de riscos no Brasil: o alto número de acidentes envolvendo esses empreendimentos e o seu potencial de perigo fazem com que as barragens já representem um risco no exa-to momento em que são construídas e começam a operar (Valencio, 2005). De acordo com Switkes (2008), uma análise crítica dos erros do passado por parte do Setor Elétrico Brasileiro permitiria o reconhecimento dos impactos socioam-bientais das grandes barragens.

As barragens de rejeitos de mineração são estruturas construídas para a retenção de material resultante dos processos de beneficiamento de minério e de outros processos industriais (CBGB, 1999). De acordo com a Agência Nacional de Águas-ANA, o país tem 663 barragens de contenção de rejeitos e 295 de resí-duos industriais. Para ilustrar o potencial dos riscos das barragens de mineração, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) registra 24 barragens em operação no Brasil classificadas como de alto risco de rompimento - quando a estrutura não oferece condições ideais de segurança e pode colapsar - e 104 de risco médio. Uma barragem, preteritamente classificada como de baixo risco de rompimento, rompeu-se no município de Mariana-MG, concretizando o desas-tre analisado neste artigo.

1. O referido desastre é considerado o maior desastre ambiental do país devido aos elevados impactos registrados na Bacia do Rio Doce, além dos impactos do material contaminado no Oceano Atlântico, de difícil mensuração. Porém, optamos por chamar de desastre socioambiental em função das mortes ocorridas e do impacto socioeconômico por ele provocado.

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Neste sentido, considerando-se a segurança e as reais condições das bar-ragens, Francisco Fernandes, pesquisador do Centro de Tecnologia mineral (CETEM), em entrevista ao jornal o Globo (SANCHES, 2015), afirmou que devemos questionar as condições das barragens, mesmo considerando aquelas que se encontram em situação de baixo risco, uma vez que os laudos sobre segurança são produzidos pelas próprias empresas ou por empresas de consul-toria contratadas por elas.

Área de estudo

Mariana é um município do estado de Minas Gerais, localizado a 110 km da capital Belo Horizonte. Sua população atual é de 58.802 habitantes (IBGE 2015) (Figura 1). Em novembro de 2015, ocorreu o rompimento de duas barragens de rejeitos da companhia Samarco Mineração S/A, localizadas no distrito de Bento Rodrigues, despejando os rejeitos de mineração. O impacto inclui o vazamento de 40 bilhões de litros de lama, morte de 19 pessoas, desaparecimento de 1 pes-soa (G1 MG, 2015) e a contaminação do Rio Doce em grande parte de sua exten-são, atingindo o Oceano Atlântico no estado do Espírito Santo. No percurso dos rejeitos, 40 municípios foram afetados, caracterizando-se como o maior desastre ambiental da história do Brasil.

Figura 1: Altimetria e hidrografia da região afetadaFonte: Organização dos autores

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Seguindo o curso das águas fluviais, o primeiro impacto da ruptura das barragens foi no córrego Santarém que atravessa o distrito Bento Rodrigues. À jusante do distrito, o mencionado córrego é tributário do rio Gualaxo do Norte que conflui com o rio do Carmo na localidade Barra Longa. O Rio Doce é for-mado no município do mesmo nome, onde o rio do Carmo tributa suas águas no rio Piranga. Em Mariana/MG, o processo de comunicação de crise foi ineficaz, uma vez que os planos de Ação Emergencial (PAE) da mineradora não previam estratégias para avisar as comunidades potencialmente afetadas em situação de emergência na hipótese de um rompimento, em desacordo com a legislação na-cional. De acordo com o Art.11 da LSB (Brasil, 2010), o PAE é obrigatório para as barragens classificadas como de dano potencial alto, quando representam um perigo potencial à população, ao meio ambiente, destruir biomas e causar graves danos socioeconômicos (DNPM), como é o caso da barragem que colapsou.

A legislação vigente

A Lei N° 12.334, de 20 de setembro de 2010, estabeleceu a Política Nacio-nal de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quais-quer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resí-duos industriais, criando o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens. Na Lei, destaca-se a criação de mecanismos para implantar, ge-renciar e fomentar a cultura de segurança de barragens e gestão de riscos no Brasil; a responsabilidade legal do empreendedor pela segurança das barragens e pelas ações que garantam a sua segurança; e o reconhecimento de que a po-pulação deve ser informada e estimulada a participar das ações preventivas e emergenciais (Gonçalves, 2012).

No desastre de Mariana, as ações do empreendedor não garantiram uma comunicação eficiente, de acordo com notícia veiculada no Portal Terra:

A mulher e a filha de Flávio deixaram a casa apenas com a roupa do corpo. A família, segundo ele, perdeu também sua principal fonte de renda – materiais para artesanato. “Perdemos tudo. Foi um prejuízo total, já que a cidade é muito pequena”, contou. “Não avisaram ninguém. Se tivessem avisado, eu tinha retirado meus bens. E dava tempo de terem avisado porque a lama chegou aqui de madrugada. Dava tempo de todo mundo sair.” (Terra, 2015)

As falhas de comunicação nesse desastre são contrastantes com a corrente atual dos sistemas de alerta e comunicação de riscos. Villagrán de León (2008) ressaltou a importância de envolver as pessoas como participantes no planeja-mento e na operação dos sistemas de alerta. Os sistemas de alertas centrados nas pessoas, em contraste com os sistemas tecnicamente orientados, são chamados

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“bottom-to-top”, tendo como ponto de partida as comunidades que poderiam ser afetadas e planejando o sistema de acordo com as características dessas comuni-dades (Villagrán de León, 2008). O termo “last mile” surgiu com a reflexão de que os sistemas tecnicamente orientados planejam uma abordagem “top-to-bottom”, em que as pessoas em risco são incorporadas no final. No contexto da abordagem centrada nas pessoas, o que era considerado “ ” (as pessoas) passa a ser a etapa mais importante do sistema, e, portanto, não poderia ficar para o final.

Villagrán de León (2008) salienta, ainda, a importância de garantir que os sistemas de alerta sejam planejados, implementados e operados com o objetivo de empoderar as pessoas que mais precisam deles. O empoderamento diz respei-to a informações adequadas sobre os riscos que elas enfrentam e às maneiras de minimizar as perdas, caso seja previsto um evento catastrófico.

Comunicação do risco sob a ótica da mídia impressa e digital

A comunicação do risco é o processo de comunicação responsável e eficaz sobre os fatores de risco para determinado grupo vulnerável, associado à produ-ção industrial, desastres naturais e atividades humanas (LEIS, 1997). Furnival et al. (2004) destacaram a necessidade de pesquisar de que forma se dá a compreen-são do público em relação aos riscos, através de uma comunicação com formato e linguagem acessível e compreensível, cuja informação possa ser obtida através de canais também acessíveis e relevantes para os grupos populacionais.

O desastre de Mariana foi amplamente divulgado pelos meios de comuni-cação e veiculado em tempo real por diversas mídias digitais. Desta forma, bus-camos analisar como os diversos riscos deflagrados após o desastre de Mariana e suas consequências foram comunicados, ressaltando a diferença no conteúdo das informações e nos discursos.

Neste sentido:A qualidade da água da bacia do Rio Doce pós-impacto é um exemplo das

informações veiculadas nos meios de comunicação que não se coadunam, re-presentando grande incerteza para a população. De acordo com Afonso (2016), foram realizados diversos laudos ambientais pós-desastre. O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e a Agência Nacional de Águas (ANA) concluíram que a água do Rio Doce estava dentro dos padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Outros laudos, porém, apresentam resultados diferentes. Já a empresa Vale do Rio Doce fez um comunicado oficial, afirmando que: “o rejeito presente nas barragens é inerte, ou seja, não contém componentes tóxicos. Ele é composto, em sua maior parte, por sílica (areia) proveniente do beneficiamento do minério de ferro e não apresenta nenhum elemento químico danoso à saúde” (Vale, 2016, n.p).

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Nas amostras coletadas pelo Grupo Independente de Análise de Impac-to Ambiental (GIAIA) e publicadas em 15 de dezembro, foram encontrados níveis elevados de arsênio e manganês. Já a Fundação SOS Mata Atlântica divulgou laudo técnico em 26 de janeiro no qual 16 dos 18 pontos de coleta apresentaram Índice de Qualidade da Água (IQA) péssimo. Ou seja, foram di-vulgadas informações distintas sobre uma questão seríssima de saúde pública, a qualidade da água de toda uma bacia, o que implica uma série de consequên-cias socioeconômicas, em atividades como pesca e turismo; consumo de água contaminada e, consequentes implicações na saúde dos grupos populacionais, perda do valor estético, impedimento da recreação, comprometimento do su-primento de água potável (GIAIA, 2016)2.

Outra questão controversa corresponde ao dano ambiental da Bacia do Rio Doce. Enquanto algumas notícias já apontavam que o rio estaria definitivamente morto, como reportado pela revista Galileu (2015, n.p.), que afirmou que uma “Análise laboratorial detectou até mercúrio nas águas do rio mais importante de Minas Gerais – danos ambientais são irreversíveis”. O biólogo e ecólogo André Ruchi asseverou, em entrevista ao jornal o Tempo (Baeta, 2015), que os rejeitos só começarão a ser eliminados do mar em 100 anos, no mínimo. Outras repor-tagens, anunciavam períodos menores para recuperação do rio (G1, 2015, n.p.), como: “Tido como morto, Rio Doce ‘ressuscitará’ em 5 meses”, indicando que o material se espalharia por uma área limitada e que existiriam projetos de mitiga-ção dos impactos e revitalização da Bacia.

Desta forma, comunicados oficiais e não oficiais apresentam resultados di-versos e contrastantes, gerando uma grave incerteza e desconfiança nas institui-ções. De acordo com Bauman (2008), a incerteza surge quando um indivíduo ou grupo social se entende como estando numa situação de risco, mas se encontra inseguro quanto às possibilidades da concretização desse risco, ou quando sua confiança nas medidas de segurança não é forte.

Outro exemplo de informações desencontradas diz respeito às causas do rompimento da barragem. Foram divulgados laudos periciais de 2013 que ates-tavam o risco das barragens, assim como modificações estruturais e no formato pelo aumento do volume de sedimentos. Também se comentou a possibilidade do aumento do volume em função das chuvas e até um abalo sísmico na região que possa ter provocado rachaduras na barragem. Porém ainda não foi compro-vada a verdadeira causa do rompimento.

Entre as informações veiculadas pelos meios de comunicação, provavel-mente as que causaram mais insegurança para a população estão relacionadas ao risco de um novo rompimento da barragem, no mesmo complexo, a chamada Santarém. Veiculam-se informações como, “a barragem Santarém pode romper a qualquer momento”, “a barragem Santarém apresenta uma quantidade maior

2. GIAIA é um coletivo científico-cidadão que se organizou pela internet para executar uma análise colaborativa dos impactos ambientais resultantes do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, localizada em Mariana (MG) e de responsabilidade da Samarco Mineração S.A. (uma joint-venture entre a Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton).

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de material e os impactos poderiam ser ainda maiores”, que ela apresenta apenas 37% de estabilidade, que “a barragem de fundão tinha baixo risco de rompimen-to, enquanto outras tantas apresentam um risco bem maior”.

Em uma situação de desastre, a veiculação de informações imprecisas ou equivocadas pode ser um fator de agravamento das consequências do impacto. A matéria veiculada pelo jornal Gazeta Online em 7/11/2015 (Figura 2) induz o leitor a pensar que o fluxo de detritos passou pelo Rio Piracicaba, o que não é correto. O rio Gualaxo é afluente do rio do Carmo e este, por sua vez, é um dos formadores do rio Doce. O rio passa a se chamar Doce a partir do encontro dos rios Piranga e Carmo. O principal formador do rio Doce é o rio Piranga, cuja nas-cente se localiza na Serra da Mantiqueira, no município de Ressaquinha, Minas Gerais. No município de Rio Doce, ao receber as águas do rio do Carmo, o rio Piranga passa a se chamar rio Doce.

Figura 2: Figura veiculada pelo jornal Gazeta Online em 07/11/2015

Outra informação veiculada de diferentes formas corresponde ao Plano de Ação Emergencial (PAE) da barragem. Como já foi dito, com base no Art.11 da Lei de Segurança de Barragens (LSB) (Brasil, 2010), o PAE era obrigatório para a barragem que colapsou. Desta forma, a empresa teria a obrigação legal de desen-volvê-lo, torná-lo disponível no empreendimento e nas prefeituras envolvidas e encaminhá-lo às autoridades competentes e organismos de defesa civil. Porém, como relatado pelas vítimas e representantes do município de Mariana, o Pla-no não existia ou não foi efetivamente aplicado (Terra, 2015). Ainda de acordo com a LSB, Art 12, o empreendedor da barragem deveria apresentar “estratégia

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e meio de divulgação e alerta para as comunidades potencialmente afetadas em situação de emergência”.

Porém, de acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (Estadão, 2015), o diretor da Samarco garantiu que a empresa cumpriu todas as exigências do programa de emergência aprovado pela prefeitura de Mariana. A única forma de comunicação de emergência para a população afetada foi via telefone. Já o comunicado oficial da empresa afirmou que “as comunidades impactadas pelo acidente receberam visitas de suas equipes com orientações sobre procedimen-tos de emergência. As pessoas foram informadas sobre a localização e o alcance das sirenes fixas instaladas nos pontos de encontro em cada localidade”.

Desta forma, com a diversidade de tecnologias de informação que facilitam o acesso às diversas mídias e fontes de informação, observamos o seu uso ine-ficaz, com informações diversas que minam a confiança da população e elevam as incertezas em relação aos riscos. Wurman (2001) apresenta o termo ansie-dade da informação, quando vivemos num frenesi para obtê-la. De acordo com Wurman (2001, p.17), “o exagero na quantidade de informação começa a nublar as diferenças marcantes entre dados e informação, entre fatos e conhecimentos fazendo com que nossos canais de percepção entrem em curto-circuito”.

Considerações finais

Atualmente, as mídias digitais e as tecnologias da informação podem con-tribuir e estão contribuindo grandemente para a redução de vítimas, através da comunicação do risco e de crise. A facilidade no acesso e a velocidade na trans-missão de informação representam ferramentas que permitem uma possibilida-de imensa da redução do risco, principalmente quando a comunicação oficial do risco não funciona, ou quando é ineficiente e não efetiva, como é o caso do desastre discutido neste artigo.

Esse desastre recente representou um grande apelo nos diversos canais de comunicação e foi amplamente divulgado e discutido nas redes sociais, online e em tempo real. Nesse sentido, observou-se uma manifestação significativa da população nas redes sociais em relação ao caso, o que gerou uma grande discus-são em vários níveis, assim como um potencial interessante para os processos de comunicação dos riscos e de crise.

Porém, questões relacionadas à veracidade e à qualidade das informações também chamaram a atenção negativamente. Foram muitas informações confli-tantes, muitas das quais de fundo político-partidário, que além de não contribuir para o debate e para a resolução do problema, acabaram atrapalhando e fomen-tando opiniões equivocadas.

As informações divulgadas sobre o desastre de Mariana ilustraram a ausên-

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cia de uma ação incisiva do governo nas ações de mitigação e na condução dos processos pós-desastre, mesmo sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil. Esta inércia nas ações contribuiu para o aumento das incer-tezas nas informações e nas notícias veiculadas.

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