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AVALIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE DADOS SECUNDÁRIOS PARA O PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE DE CARGA URBANA Luiza Franco Barroso Leise Kelli de Oliveira Leandro Cardoso Universidade Federal de Minas Gerais Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia Carlos Fernando Ferreira Lobo Universidade Federal de Minas Gerais Departamento de Geografia RESUMO Tendo em vista a conflituosa realidade do sistema de transporte urbano, é fundamental a compreensão da real demanda por fluxos de cargas para possibilitar um eficiente planejamento de transporte, e, consequentemente, eficientes mudanças nas políticas públicas e na infraestrutura de transporte. Porém, os dados para compreender e avaliar o sistema de transporte de carga urbana tradicionalmente é feita por meio de pesquisa de campo, cujo custo de elaboração e operação é elevado, o que, muitas vezes, inviabiliza a obtenção das informações. O objetivo deste trabalho foi avaliar, para o município de Belo Horizonte (MG), a existência de correlação entre a demanda por transporte de carga e os dados socioeconômicos da população. Para desenvolvimento do trabalho foram utilizadas ferramentas GIS e de análise estatística. Foi verificado que a geração de viagens de carga, principalmente para o setor comercial de Bar e Restaurante, tem correlação com as características socioeconômicas da população na cidade. ABSTRACT In view of this conflicting reality of the urban transport system, it is essential to understand the real demand for urban goods transport in order to enable an efficient transport planning, and hence efficient changes in public transport policies and transport infrastructure. However, the data to understand and evaluate of the urban freight transport system traditionally is performed by means of field research that has a high cost of development and operation, which often makes it unfeasible to obtain the information. The objective of this study was to evaluate, in the city of Belo Horizonte (MG), the existence of correlation between the demand for freight transportation and socioeconomic data of the population. In order to evaluate the correlations it was used GIS and statistical data analysis tools. The results show that the freight trip generation, specially for the commercial sector of Bars and Restaurants, has a strong correlation with population socioeconomic characteristic in the city. 1. INTRODUÇÃO O transporte de cargas é essencial para a sociedade moderna. Segundo Hicks (1977), “toda área urbana, para sua existência, depende de um fluxo massivo de mercadorias dentro, fora e através de suas limitações”. Assim, é imprescindível a existência de um sistema de movimentação de cargas para a subsistência, desenvolvimento e dinamicidade econômica dos centros urbanos. No entanto, a realidade vivenciada nas cidades é de condições deficitárias para o tráfego de carga, gerando sérios problemas, como impactos ao ambiente urbano, por meio de poluição, congestionamento e ruídos; aumento do custo total de transporte de carga, afetando a competitividade da economia e da indústria local, além do consequente aumento de custo dos produtos consumidos na região. Com o objetivo de tornar eficiente a movimentação de mercadorias em áreas urbanas e com o mínimo de impacto à população e ao meio ambiente, é imprescindível a realização de um coerente planejamento de transportes. O planejamento de transportes é uma área de estudo que visa adequar as necessidades de transporte de uma região ao seu desenvolvimento de acordo com suas características estruturais. Para se definir as políticas públicas de transporte, assim como o que deve ser implantado ou melhorado no sistema de transporte, ou seja, a oferta de transporte, é necessário quantificar a

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AVALIAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE DADOS SECUNDÁRIOS PARA O

PLANEJAMENTO DE TRANSPORTE DE CARGA URBANA

Luiza Franco Barroso

Leise Kelli de Oliveira

Leandro Cardoso Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Engenharia de Transportes e Geotecnia

Carlos Fernando Ferreira Lobo Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Geografia

RESUMO

Tendo em vista a conflituosa realidade do sistema de transporte urbano, é fundamental a compreensão da real

demanda por fluxos de cargas para possibilitar um eficiente planejamento de transporte, e, consequentemente,

eficientes mudanças nas políticas públicas e na infraestrutura de transporte. Porém, os dados para compreender e

avaliar o sistema de transporte de carga urbana tradicionalmente é feita por meio de pesquisa de campo, cujo custo

de elaboração e operação é elevado, o que, muitas vezes, inviabiliza a obtenção das informações. O objetivo deste

trabalho foi avaliar, para o município de Belo Horizonte (MG), a existência de correlação entre a demanda por

transporte de carga e os dados socioeconômicos da população. Para desenvolvimento do trabalho foram utilizadas

ferramentas GIS e de análise estatística. Foi verificado que a geração de viagens de carga, principalmente para o

setor comercial de Bar e Restaurante, tem correlação com as características socioeconômicas da população na

cidade.

ABSTRACT

In view of this conflicting reality of the urban transport system, it is essential to understand the real demand for

urban goods transport in order to enable an efficient transport planning, and hence efficient changes in public

transport policies and transport infrastructure. However, the data to understand and evaluate of the urban freight

transport system traditionally is performed by means of field research that has a high cost of development and

operation, which often makes it unfeasible to obtain the information. The objective of this study was to evaluate,

in the city of Belo Horizonte (MG), the existence of correlation between the demand for freight transportation and

socioeconomic data of the population. In order to evaluate the correlations it was used GIS and statistical data

analysis tools. The results show that the freight trip generation, specially for the commercial sector of Bars and

Restaurants, has a strong correlation with population socioeconomic characteristic in the city.

1. INTRODUÇÃO

O transporte de cargas é essencial para a sociedade moderna. Segundo Hicks (1977), “toda área

urbana, para sua existência, depende de um fluxo massivo de mercadorias dentro, fora e através

de suas limitações”. Assim, é imprescindível a existência de um sistema de movimentação de

cargas para a subsistência, desenvolvimento e dinamicidade econômica dos centros urbanos.

No entanto, a realidade vivenciada nas cidades é de condições deficitárias para o tráfego de

carga, gerando sérios problemas, como impactos ao ambiente urbano, por meio de poluição,

congestionamento e ruídos; aumento do custo total de transporte de carga, afetando a

competitividade da economia e da indústria local, além do consequente aumento de custo dos

produtos consumidos na região. Com o objetivo de tornar eficiente a movimentação de

mercadorias em áreas urbanas e com o mínimo de impacto à população e ao meio ambiente, é

imprescindível a realização de um coerente planejamento de transportes.

O planejamento de transportes é uma área de estudo que visa adequar as necessidades de

transporte de uma região ao seu desenvolvimento de acordo com suas características estruturais.

Para se definir as políticas públicas de transporte, assim como o que deve ser implantado ou

melhorado no sistema de transporte, ou seja, a oferta de transporte, é necessário quantificar a

demanda dentro do horizonte de projeto e saber como a mesma vai se distribuir dentro da área

de estudo. No entanto, os profissionais e pesquisadores de transportes de carga se deparam

constantemente com a escassez de dados que permitam o estudo e análise dos problemas de

transporte no meio urbano. Isto impossibilita que as decisões e projetos sejam feitos de modo

satisfatório, em relação à logística urbana, durante o processo de planejamento do transporte.

Em sua grande maioria, essa carência se deve ao elevado custo de se coletar os dados em

pesquisas de campo, assim como sua complexidade operacional.

Em função da importância do tema e da carência geral de dados no que concerne o transporte

de carga em áreas urbanas, estudos se fazem necessários na busca de alternativas para obtenção

de dados e estimativa da demanda por transporte de carga, servindo assim de instrumento no

planejamento de transporte. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo identificar

correlação entre a geração de viagens de carga e as características socioeconômicas da

população, que serão obtidos pelo censo demográfico do IBGE, no intuito de obter uma

ferramenta para análise do perfil da demanda pelo transporte urbano de mercadoria no

município de Belo Horizonte (MG). Para quantificar a demanda por transporte de carga foi

utilizado o Cadastro Municipal de Contribuintes (CMC), que contém informações sobre todos

os estabelecimentos comerciais do município, e o modelo de geração de viagens proposto por

Melo (2002). As próximas seções estão organizadas em quatro partes: após esta introdução são

apresentados na seção 2 os aspectos básicos referentes à distribuição urbana de mercadorias. A

seção 3 apresenta a metodologia de trabalho e a seção 4 mostra a aplicação da metodologia para

o município de Belo Horizonte (MG), com as discussões dos resultados obtidos. Por fim, as

considerações finais e conclusões são apresentadas na seção 5.

2. DISTRIBUIÇÃO URBANA DE MERCADORIAS

A distribuição urbana de mercadorias pode ser compreendida como a disponibilização da

mercadoria transportada para vários setores da economia, possibilitando que este produto seja

usado, processado, reparado, modificado, armazenado ou consumido, agregando assim valor

de lugar ao mesmo. Porém, além de estar no local certo, este transporte precisa atender também

aos requisitos de tempo e qualidade a fim de tornar o produto atraente ao consumidor. Sendo

assim, a eficiência da movimentação de mercadorias e dos sistemas logísticos dentro dos

centros urbanos pode fortalecer a estrutura econômica da região, assumindo um papel

significativo na competitividade daquele local no mercado, além de minimizar os impactos

sociais decorrentes do transporte de carga. Browne et al. (2005) apud Correia (2011) retratam

o transporte urbano de mercadorias como uma variável fundamental do desenvolvimento das

grandes cidades, pois:

Possui uma significativa importância na sustentação do estilo de vida da população;

Desempenha um papel importante na manutenção e conservação das atividades

industriais e comerciais;

Contribui para a competitividade industrial;

Acarreta efeitos nos custos dos produtos consumidos pela população, impactando

diretamente na eficiência econômica da região;

Traz consequências ao meio ambiente, relativos ao consumo de energia, poluição,

barulho, intrusão visual, entre outros.

Contudo, esta atividade traz vários transtornos à população urbana. Taniguchi et al. (2001)

identificam os principais impactos causados pela carga urbana, apresentados no Quadro 2.1.

Quadro 2.1: Tipos de Impactos da Distribuição e os Problemas Gerados

Tipo de Impacto Problema Gerado

Impactos Econômicos Congestionamento; ineficiência do transporte; desperdício de recursos.

Impactos Ambientais

Emissão de poluentes; uso de combustíveis não renováveis; descarte

inadequado de produtos como pneus; óleo e outros materiais; destruição do

habitat natural de espécies animais e vegetais.

Impactos Sociais

Consequências físicas da emissão dos poluentes para a saúde pública;

prejuízos e mortes resultantes de acidentes; ruído e poluição visual;

dificuldade de realizar viagens com carro ou transporte público; outras

questões referentes à qualidade de vida.

Fonte: Taniguchi et al. (2001).

Sendo assim, com a alta competitividade do atual mercado globalizado, a crescente

preocupação com a sustentabilidade, proteção do meio ambiente e a qualidade de vida da

população urbana, faz-se necessário uma reestruturação do sistema de distribuição urbana, de

modo que este melhore o desempenho logístico e reduza os efeitos externos negativos desta

atividade (Prata et al., 2012).

Para resolver os problemas relacionados à distribuição urbana de mercadorias, surgiu o conceito

de logística urbana, que se refere aos processos e operações logísticas que ocorrem dentro das

áreas urbanas. Seus conceitos nasceram da necessidade de mudança no planejamento de

transporte que equilibrasse a eficiência requerida pelo transporte de carga urbano e os custos

sociais envolvidos. Taniguchi et al. (2001) definem logística urbana como um processo de total

otimização das atividades de logística, realizadas por entidades (públicas e privadas) nas áreas

urbanas, considerando fatores como tráfego, congestionamento, segurança, consumo de

energia, dentre outros. As soluções de logística urbana visam o equilíbrio entre a

sustentabilidade, mobilidade e qualidade de vida urbana, por meio de tecnologias de

comunicação e informação e sistema inteligente de transporte; planejamento da cidade;

planejamento do uso do solo; planejamento do transporte de carga urbano e subsídios do poder

público.

2.1. Importância do Planejamento do Transporte de Cargas

Para que as iniciativas de logística urbana sejam implementadas nas cidades, é vital que haja

planejamento do transporte de carga. Essa área de estudo visa adequar as necessidades de

transporte de uma região ao seu desenvolvimento de acordo com suas características estruturais,

resultando na implantação de novos sistemas ou melhoria dos existentes. Para que essas

implantações ou melhorias sejam eficazes, dentro do horizonte de projeto, faz-se necessário

quantificar a demanda por transporte e saber como a mesma vai se distribuir dentro da área de

estudo.

O procedimento clássico para planejamento de transportes de uma região consiste, inicialmente,

na coleta de dados com o objetivo de definir o padrão de viagens e uso do solo na área de estudo

e o diagnóstico sobre o sistema de transporte existente. De posse dos dados necessários, parte-

se para fase de identificação da demanda futura, informação que irá direcionar e dimensionar

todas as intervenções a serem feitas. Entretanto, em se tratando de mercadorias, poucos são os

dados disponíveis sobre a atividade, o que dificulta o diagnóstico dos problemas e,

consequentemente, a proposição de soluções (Silva, 2006).

2.2. A Estruturação do Espaço Urbano e a Demanda por Transporte

Tendo em vista esta dificuldade de obtenção de dados, é bastante estudada a relação existente

entre a estruturação do espaço urbano e a distribuição neste espaço da demanda por transporte.

É possível representar a inter-relação entre uso do solo e o comportamento relacionado a

viagens através do ciclo aonde a distribuição do uso do solo, tais como residencial e comercial,

afeta a localização das atividades humanas, provocando uma dispersão das atividades no meio

urbano, que, por sua vez, requer a realização de viagens. Raciocínio análogo pode ser aplicado

para viagens de carga, uma vez que esta é desencadeada pela necessidade de suprimento das

atividades humanas, quer estas sejam comerciais, de lazer ou de trabalho.

Entretanto, ao examinar os efeitos das características de uso de solo e variáveis

socioeconômicas no comportamento das viagens, muitas vezes é observado que as variáveis

socioeconômicas estão mais fortemente associadas a viagens (PITOMBO, 2007). O mesmo

autor sugere que as políticas de uso e ocupação do solo não podem alterar significativamente a

demanda por viagens, a menos que essa seja seguida de mudanças nas características

socioeconômicas.

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

A metodologia proposta neste trabalho utiliza-se da determinação do número de viagens de

carga atraídas pelos estabelecimentos comerciais de uma área urbana e das características

socioeconômicas de sua população e seus domicílios, a fim de verificar se existe algum tipo de

correlação entre esses dados. Todo o desenvolvimento e manipulação dos dados foram feitos

utilizando o Sistema de Informação Geográfica, através do programa ArcGis da Environmental

Systems Research Institute.

3.1. Identificação e tratamento de dados secundários

O processo de coleta de informações por meio de consulta a documentos e pesquisas já

existentes, aqui nomeados como dados secundários, deve ser feita de maneira cautelosa, de

modo a garantir a consistência, a confiabilidade e a utilização de dados recentes. Para obtenção

das características socioeconômicas da população optou-se por utilizar os dados do

levantamento censitário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, pois, além da

sua consistência, seu acesso é público. Foram escolhidos três dados socioeconômicos do Censo

de 2010 para compor este trabalho: rendimento mensal total em salários mínimos, nível de

instrução e adequabilidade das moradias. A escolha por estes dados deveu-se ao vínculo destes

com a condição socioeconômica dos moradores e domicílios, tornando mais provável que estes

tenham alguma influência na geração de viagens de carga dos estabelecimentos comerciais.

O tratamento dos dados será feito de forma a se extrair informações quantitativas que

possibilitem a mensuração das características da população, permitindo assim a realização de

comparações e análises de correlação, objetivo principal do trabalho. Além disso, optou-se por

agrupar os dados pelas suas respectivas áreas de ponderação, como definidas pelo IBGE, com

o intuito de obter informações representativas das áreas, e possibilitar a análise comparativa

entre esses dados e os valores de demanda por transporte de carga, uma vez que se utiliza a

mesma unidade de medida (área de ponderação). Desta forma, as manipulações necessárias,

para cada uma das características avaliadas, são:

Rendimento mensal total em salários mínimos: será calculada a média simples dos

valores de rendimento mensal total em salários mínimos por área de ponderação. As

pessoas que declararam não ter renda (desempregadas) também serão incluídas no cálculo,

pois permite assim levar em consideração a influência de alguma variação de incidência de

desempregados entre as áreas estudadas.

Nível de instrução: será determinada a porcentagem dos indivíduos que possuem o Ensino

Superior completo por área de ponderação. Para cálculo dessa porcentagem será

considerado como universo a população com mais de 25 anos de idade (Jannuzzi, 2009).

Adequabilidade das moradias: moradia adequada pode ser definida como uma habitação

satisfatória no que tange aos quesitos de saneamento e infraestrutura básica. Para

classificação dos domicílios, assumiu-se os critérios apresentados no Quadro 1Erro! Fonte

de referência não encontrada..

Quadro 1: Variáveis consideradas na determinação de domicílio adequado

MORADIA ADEQUADA MORADIA NÃO ADEQUADA

ABASTECIMENTO DE ÁGUA ABASTECIMENTO DE ÁGUA

FORMA CANALIZAÇÃO FORMA CANALIZAÇÃO

- Rede geral de distribuição

- Poço ou nascente na

propriedade

- Poço ou nascente fora da

propriedade

- Água da chuva armazenada

em cisterna

- Sim, em pelo menos

um cômodo

- Carro-pipa

- Água da chuva armazenada

de outra forma

- Rios, açudes, lagos e igarapés

- Outra

- Poço ou nascente na aldeia

- Poço ou nascente fora da

aldeia

- Branco

- Sim, só na

propriedade ou

terreno

- Não

- Branco

ESGOTAMENTO SANITÁRIO – TIPO ESGOTAMENTO SANITÁRIO – TIPO

- Rede geral de esgoto ou pluvial

- Fossa séptica

- Fossa rudimentar

- Vala

- Rio, lago ou mar

- Outro

- Branco

ENERGIA ELÉTRICA – EXISTÊNCIA ENERGIA ELÉTRICA – EXISTÊNCIA

- Sim, de companhia distribuidora

- Sim, de outras fontes

- Não existe energia elétrica

Branco

RESÍDUOS SÓLIDOS – DESTINO RESÍDUOS SÓLIDOS – DESTINO

- Coletado diretamente por serviço de limpeza

- Colocado em caçamba de serviço de limpeza

- Queimado (na propriedade)

- Enterrado (na propriedade)

- Jogado em terreno baldio ou logradouro

- Jogado em rio, lago ou mar

- Tem outro destino

- Branco

Fonte: Adaptado de IBGE (2013)

Seguindo assim esse critério, dentre o número de domicílios particulares permanentes, será

determinado o percentual dos domicílios considerados adequados por área de ponderação. Além

disso, será determinado o Índice Geral, medida comparativa obtida através da mesma

metodologia utilizada no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (PNUD), que

combina as três características socioeconômicas em estudo.

Para estimativa das gerações de viagens de cargas, será utilizado o dado secundário do Cadastro

Municipal de Contribuintes de Tributos Mobiliários – CMC, que é o cadastro de pessoas

jurídicas que exercem atividades no município. Foram selecionados para o estudo cargas dos

seguintes segmentos comerciais: supermercado, vestuário, comércio varejista, bar/restaurante,

material de construção e combustível. Estas atividades comerciais são as consideradas no

estudo de Melo (2002), aonde foram classificadas segundo o critério apresentado no Quadro 2.

Quadro 2: Classificação dos estabelecimentos comerciais

Atividade Comercial Critérios adotados

Supermercado Supermercados envolvendo pequenos, médios e grandes distribuidores

Vestuário Segmento das lojas de roupas, calçados, tecidos e acessórios para o vestuário

Comércio Varejista Envolve lojas de presentes, lojas de departamentos, lojas de conveniência e outras

Bar / Restaurante Bares e restaurantes localizados nas ruas ou dentro de áreas fechadas

Material de Construção Materiais de construção brutos e acabados, como lojas de iluminação, de móveis e

de eletrodomésticos

Combustível Postos de abastecimento de derivados de petróleo e gás natural

Fonte: Adaptado de MELO (2002)

A partir dessa distinção dos segmentos a serem estudados, é possível aplicar o modelo de

geração de viagens Melo (2002), estudo compatível com a realidade de Belo Horizonte e que

utiliza como variável apenas a área do estabelecimento, para estimar o número de viagens

atraídas por estabelecimento. As equações de geração de viagens diárias por tipo de atividade

comercial definidas por Melo (2002) e que serão utilizadas neste trabalho estão apresentadas

no Quadro 3.

Quadro 3: Equações de Geração de Viagens Diárias

Atividade Comercial Equação R²

Supermercado V = 1,1522 + 0,0012 Ac 0,557

Vestuário V = 1,7499 - 0,0003 Ac 0,009

Comércio Varejista V = 0,9260 + 0,0010 Ac 0,881

Bar/Restaurante V = 1,3334 + 0,0019 Ac 0,797

Materiais de Construção V = 0,0035 + 0,0046 Ac 0,584

Combustível V = 0,4858 + 0,000038 Ac 0,331

Fonte: Adaptado de Melo (2002)

Nas equações apresentadas no Quadro 3, a variável V significa o volume de viagens de veículos

de carga diário e, Ac é área construída de cada empreendimento.

3.3. Medidas de Correlação

Após o tratamento dos dados socioeconômicos e a determinação das viagens geradas por cada

tipo de atividade comercial para cada área de ponderação estudada, será feito uma análise

estatística para verificação da existência ou não de associação entre os dados avaliados.

O coeficiente de correlação é a maneira quantitativa de se verificar essa existência de correlação

entre duas variáveis, indicando o grau de intensidade em que as mesmas se correlacionam, bem

como em que sentido estas se relacionam (positivo ou negativo). A medida de correlação mais

conhecida é a obtida através do coeficiente de Pearson (r), medida parametrizada do quanto

uma associação pode ser descrita como uma função linear. O outro coeficiente de correlação

utilizado é o de Spearman (𝑟𝑠) que, por realizar uma associação não parametrizada, pode ser

empregado nas situações em que a relação entre os pares de dados não seja linear. Este indica

o quão bem uma relação pode ser descrita como uma função monotônica, que é quando uma

das variáveis aumenta ou diminui sistematicamente quando a outra decresce, com associações

que podem ter forma linear ou não linear.

Para escolha do método de correlação adequado é necessário verificar se a distribuição de

probabilidade associada ao conjunto de dados utilizados (Renda Média, Nível Instrução e

Domicílio Adequado, Índice Geral, e Viagens de Carga) pode ser aproximada pela distribuição

normal por meio de testes de normalidade.

Por convenção, Pestana e Gageiro (2003) sugerem a seguinte interpretação para os valores do

coeficiente de correlação: valores entre 0,10 e 0,39 podem ser considerados fracos; entre 0,40

e 0,69 podem ser considerados moderado, e valores entre 0,7 e 1 podem ser interpretados como

fortes. Além disso, para se atribuir uma correlação linear entre as duas variáveis, é necessário

que o p-valor seja menor que o nível de significância adotado (5%), pois assim é possível

afirmar que a chance dessa relação ser devida ao acaso é pequena.

4. APLICAÇÃO E RESULTADOS

A metodologia proposta nesta pesquisa foi aplicada no município de Belo Horizonte (MG). A

região apresenta economia ativa que possui o quarto maior Produto Interno Bruto (PIB) do

Brasil, com cerca de 38,21 bilhões de reais e mais de 100 mil empresas (IBGE, 2010), porém

sofre com os crescentes congestionamentos, resultado do elevado aumento de automóveis

particulares em circulação.

4.1. Identificação e tratamento de dados secundários

Os dados socioeconômicos selecionados do Censo de 2010 foram tratados, por meio do

programa ArcGis, segundo os critérios propostos na metodologia e agrupados por área de

ponderação. Assim, para cada uma das 67 áreas de ponderação do município, tinham-se quatro

informações: a renda média em salário mínimo da população; a porcentagem dos indivíduos

que declararam ter concluído o ensino superior; a porcentagem das moradias que podiam ser

classificadas como adequadas e o Índice Geral, que corresponde a uma classificação média das

três características socioeconômicas apresentada na área de ponderação.

Para visualização dos dados, foram criados seus respectivos mapas temáticos, através da

ferramenta Natural breaks (“quebra natural”), que é um método de classificação de dados

projetado para determinar o melhor arranjo de valores em diferentes classes, reduzindo a

variação dentro das classes e maximizando a variância entre as classes.

No processo de determinação da demanda por transporte de carga, foram selecionados do CMC

os estabelecimentos comerciais que correspondiam aos setores da economia em estudo

(supermercados, vestuários, comércios varejistas, bares, restaurantes, materiais de construção e

combustíveis), e a partir da área construída desses estabelecimentos foi feita a estimativa das

viagens atraídas para cada estabelecimento, por meio das equações de Melo (2002).

Após essa estimativa, foram agrupadas as viagens geradas por tipo de atividade comercial para

cada área de ponderação do município, podendo, assim, ser obtidos dados do tipo: “para a área

de ponderação x, são geradas: a viagens de carga pelos estabelecimentos do setor de

Supermercado, b viagens de carga pelos estabelecimentos do setor de Vestuário,...” e assim

sucessivamente para cada um dos seis setores, para cada uma das 67 áreas de ponderação

existentes na cidade de Belo Horizonte.

Para uma melhor visualização, optou-se pelo modelo de densidade de Kernel para geração do

mapa temático, pois é plotada a intensidade pontual das viagens de carga para cada

estabelecimento, permitindo assim uma análise geográfica do comportamento de padrões.

4.3. Medidas de Correlação

Foi aplicado o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov (Triola, 2005) para os quatro dados

socioeconômicos e para os seis dados de viagens de estudo, e apenas para os dados de Índice

Geral e os dados de viagem do setor de Combustível não se tem evidências para rejeitar a

hipótese de normalidade. Portanto, como a maioria dos dados não apresentam distribuição

normal, foi utilizado o Coeficiente de Correlação de Spearman para a análise de correlação dos

dados por meio do software Action.

5. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A geração dos mapas temáticos, a partir dos dados tratados por área de ponderação, possibilita

uma análise visual dos padrões de distribuição dos dados socioeconômicos da população

(Figura 1). As áreas que apresentam os maiores níveis de renda se concentram na regional

Centro-Sul e parte da regional Oeste (bairros Gutierrez e Buritis), seguidos pela regional da

Pampulha. Além disso, é possível observar que os valores de renda média apresentam uma

expressiva disparidade, aonde 34% das áreas de ponderação possuem renda média de até 1,72

salários mínimos (SM) e apenas 9% tem renda média acima de 7,87 SM, reforçando assim a

eminente desigualdade de renda do município. Quanto ao nível de escolarização, é possível

observar que os bairros Cidade Nova, União, Padre Eustáquio, Prado e Carlos Prates, além das

regionais Centro-Sul e Oeste (bairros Buritis e Gutierrez) apresentam maiores níveis de

instrução.

Em contraste com os mapas de renda média e escolaridade, observa-se uma mudança do padrão

de distribuição, explicado, principalmente, pela pequena variação da escala dos valores

apresentados de moradias adequadas, ou seja, os valores de moradia adequadas do município

de Belo Horizonte são relativamente homogêneos, o que incorre em perda de representatividade

da realidade socioeconômica da população.

Figura 1: Características socioeconômicas agrupadas por área de ponderação

Fonte: Censo 2010.

Pelo mapa da distribuição das viagens atraídas pelos setores econômicos estudados (Figura 2),

é possível observar que as concentrações de viagens, em sua maioria, estão no entorno dos

principais corredores viários da cidade (Figura 3), com um maior agrupamento na região

central. Comparando os resultados obtidos, nota-se uma concordância entre as áreas de

concentração das características socioeconômicas Renda Média, Escolarização e Índice Geral

e os dados de viagens de carga, fato que sugere a existência de correlação entre estes dados.

Os resultados obtidos da análise estatística

de correlação estão sintetizados no Quadro

4, que exibe o coeficiente de Spearman para cada correlação entre os valores de viagens de

carga por tipo de atividade comercial e os dados socioeconômicos, além de seus respectivos

valores de p da estatística. Analisando os resultados (Quadro 4), nota-se que as viagens geradas

pelo grupo de Bar e Restaurante, possuem associação forte com a Renda Média (𝑟𝑠 = 0,8217),

o Nível de Instrução ( 𝑟𝑠 = 0,8252) e, consequentemente, o Índice Geral ( 𝑟𝑠 = 0,8028),

indicando que quanto maior o valor apresentado para essas características, maior é a geração

de viagens pelos estabelecimentos de Bar e Restaurante.

Verifica-se ainda que os dados referentes à Moradia Adequada (MA) apresentaram os valores

mais baixos de correlação. Tal fato pode ser confirmado ao se analisar o mapa temático com a

distribuição desse dado (Figura 1) onde é observado um padrão diferente de concentração que

o mapa temático com as viagens atraídas pelo comércio (Figura 2). Além disso, é possível

observar que as viagens geradas pelo setor de Combustível não apresentaram distribuição

compatível com a característica socioeconômica dos moradores do local.

Figura 3: Principais corredores de Belo

Horizonte

Fonte: Prodabel, adaptado

Figura 2: Densidade de viagens de carga segundo

Modelo de Kernel

Fonte: Bases digitais do IBGE, derivado da malha de

Setores Censitários

Base de dados: Cadastro Municipal de Contribuintes e

Melo (2002)

Quadro 5.1: Resultados do Action para medida de correlação do coeficiente de Spearman

Matriz de Correlação Spearman

VIAGEM

Supermercado Vestuário Com.

Varejista Bar/Restaurante

Mat.

Construção Combustível

RM 0,4355 0,6263 0,6649 0,8217 0,4926 0,2030

NI 0,4385 0,6216 0,6675 0,8252 0,4974 0,1967

MA 0,3072 0,4102 0,4337 0,5692 0,4226 0,2499

IG 0,3831 0,6154 0,6486 0,8028 0,4927 0,1765

VERMELHO – Fraco; AMARELO - Moderado; VERDE – Forte.

Matriz de P-valores

VIAGEM

Supermercado Vestuário Com.

Varejista Bar/Restaurante

Mat.

Construção Combustível

RM 0,0002638691 0,0000000321 0,0000000000 0,0000000000 0,0000292730 0,0994372220

NI 0,0002371852 0,0000000435 0,0000000000 0,0000000000 0,0000238953 0,1105000821

MA 0,0117188228 0,0006261272 0,0002815723 0,0000008261 0,0004133291 0,0416760049

IG 0,0014811154 0,0000000640 0,0000000054 0,0000000000 0,0000292000 0,1527578294

RM=Renda Média; NI = Nível Instrução; MA = Moradia Adequada; IG = Índice Geral

VERMELHO: p-valor < α = 0,05 e VERDE: p-valor > α = 0,05.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos principais instrumentos utilizado para o planejamento de transportes é a Matriz

Origem-Destino, para a qual se tem duas opções: desenvolver um método estimativo a partir

dos dados disponíveis ou coletar os dados diretamente dos transportadores. Entretanto, diante

da dificuldade em se realizar pesquisa de campo e da pouca disponibilidade de dados já

existentes, vê-se necessário a utilização de informações secundárias para possibilitar a

determinação de fluxos de origem e destino de mercadorias que permitam inferir nas questões

do planejamento de transporte.

Dentro dessa realidade, o objetivo desta pesquisa é a identificação de possíveis correlações

entre a demanda na distribuição urbana de mercadorias de Belo Horizonte e os dados

secundários do IBGE relativos às condições socioeconômicas de sua população.

No trabalho foram analisadas três características socioeconômicas da população e seis

segmentos comerciais. Na análise visual comparativa dos mapas temáticos de distribuição dos

dados socioeconômicos na área de estudo e da distribuição das viagens geradas pelos

estabelecimentos comerciais, observa-se uma concordância entre as regiões que apresentaram

um maior nível socioeconômico e as com maior geração de viagens, do mesmo modo que as

regiões com menores níveis socioeconômicos concentravam-se nos mesmos locais aonde o

valor estimado de viagens geradas foi baixo.

No cálculo estatístico de correlação através das medidas Spearman, verificamos que três pares

de variáveis apresentaram forte correlação: viagens geradas por Bar/Restaurante e a Renda

Média em salários mínimos (rS = 0,8217); viagens geradas por Bar/Restaurante e o Nível de

Instrução (rS = 0,8252); e viagens geradas por Bar/Restaurante e o Índice Geral (rS = 0,8028).

A partir dessas observações, conclui-se que é pertinente a afirmação de que existe correlação

entre características socioeconômicas e a demanda por mercadoria, apesar de não ser possível

afirmar a intensidade dessa correlação e nem a sua eficiência para fins de estimar

quantitativamente essa demanda.

É necessário, por conseguinte, prosseguir as pesquisas incluindo a investigação de variáveis

terceiras e seu impacto na demanda por mercadorias, a fim de aprimorar a correlação obtida

entre viagens de carga e as características socioeconômicas da população, ao minimizar as

relações espúrias. Como sugestão de variável tem-se as legislações de uso e ocupação do solo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Prefeitura de Belo Horizonte pela concessão dos dados para a Análise,

a FAPEMIG – Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, CAPES e CNPq – Conselho

Nacional de Pesquisa pelo suporte à pesquisa.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Correia, V. A. (2011) Análise econômica e ambiental de um esquema de centro de distribuição urbano de cargas

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