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DA FUNDAÇÃO DA INSTITUIÇÃO À CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE AUTORA:BEATRIZAGUIRRE: Psicanalista - Diretora Clínica do Instituto" A CASA" Supervisora da Rede Pública de Saúde Mental desde 1980 Rua Batista Cepelos, 204 - 04109-00I - São Paulo - Brasil Resumo: A autora analisa os diferentes enfóques da psicose, seus tratamentos nos diversos momen- tos da história da psiquiatria, as abordagens psicanalíticas e institucionais. Refletindo também as influências do contexto sócio político econômico. Palavras-chave: Psicose - Instituição Psiquiátrica DA FUNDAÇÃO DA INSTI- TUIÇÃO A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE Decálogo do Pai 1. Não acreditar em nada 2. Não fazer nada que possa resultar em ter ou dar prazer 3. Não sair de dentro de si 4. Não ter vontade explícita 5. Provar que nada dá certo 6. Não ter que demonstrar sentimentos 7. Tudo pode ser justificado ou racionalizado 8. Não existe valores João Pedro 1988 UM POUCO DE HISTÓRIA o tratamento das psicoses nos leva às origens de nossa percepção da loucura, do fato psicótico. A medicina contemporânea se constitui do olhar atento aberto à evidência do sensível. Frente a superstição, o desti- no, determindado pelos deuses, os de- mônios a grande quantidade de ritu- ais mágicos ou religiosos "o olho transforma-se em depositário e fonte de verdade"( I). Olhar atento classificatório, mundo da consciên- cia, consciência sensível, horizonte científico. Com esta mirada clínica descri- tiva tem origem nossa concepção da loucura, da doença mental. na sua fun- dação esta o asilo o manicômio, es- paço de reclusão - exclusão, mas é aqui onde se constitui o discurso psi- quiátrico que mais tarde ocupa as aca- demias-ditadura da razão como ver- dade absoluta "Monólogo da razão so- bre a loucura" diz Foucoult (2). O seu sentido fica excluído, só existe que e conhecível, por isso no tratamento de psicose não tem escu- ta, não se fala de cura. O manicômio é um lugar protetor da sociedade e ofensivo para os pacientes. A verdade é utilizada para si- lenciar para reprimir o outro, escutá- 10seria ter que reconhecer sua huma- nidade, seu sentido. -: Página 41 Como entender esse sujeito que não utiliza nossas categorias, cujos atos não são predizíveis? Como entender aquele que parece negar a ordem da consciên- cia, as normas da convivência, os códi- gos, os contratos? Os valores e categorias imperantes não servem; tudo que é impossível de entender fica sujeito ao choque, as cirurgias a sedação violen- ta. O sem sentido ao serviço da razão. O manicômio age sobre o psicótico acentuando seu próprio pro- blema psíquico, transtornos afetivos, delírios, maneirismo, até o ponto em que se confunde a problemática subje- tiva com a própria ação do '"tratamen- to" hospitalar.Desde uma visãoterapêu- tica é um absoluto fracasso. É como se não fosse suficiente esconder a loucura colocando-a fora do circuito das cidades. precisa-se apagar a loucura, negar, matar o que está fora do domínio da razão. A sociedade tem medo. vive o fazer psicótico como perigoso. como fonte de angústia. Enquanto isso a psiquia- tria dá legitimidade a essa ação - trans-

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DA FUNDAÇÃO DA INSTITUIÇÃO À CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE

AUTORA:BEATRIZAGUIRRE: Psicanalista - Diretora Clínica do Instituto" A CASA"

Supervisora da Rede Pública de Saúde Mental desde 1980

Rua Batista Cepelos, 204 - 04109-00I - São Paulo - Brasil

Resumo: A autora analisa os diferentes enfóques da psicose, seus tratamentos nos diversos momen-tos da história da psiquiatria, as abordagens psicanalíticas e institucionais. Refletindo também asinfluências do contexto sócio político econômico.

Palavras-chave: Psicose - Instituição Psiquiátrica

DA FUNDAÇÃO DA INSTI-TUIÇÃO A CONSTITUIÇÃODA SUBJETIVIDADE

Decálogo do Pai

1. Não acreditar em nada2. Não fazer nada que

possa resultar em ter oudar prazer

3. Não sair de dentro de si4. Não ter vontade explícita5. Provar que nada dá

certo6. Não ter que demonstrar

sentimentos7. Tudo pode ser justificado

ou racionalizado8. Não existevalores

João Pedro 1988

UM POUCO DE HISTÓRIA

o tratamento das psicoses nosleva às origens de nossa percepção daloucura, do fato psicótico. A medicinacontemporânea se constitui do olharatento aberto à evidência do sensível.

Frente a superstição, o desti-

no, determindado pelos deuses, os de-mônios a grande quantidade de ritu-ais mágicos ou religiosos "o olhotransforma-se em depositário e fontede verdade"( I). Olhar atentoclassificatório, mundo da consciên-cia, consciência sensível, horizontecientífico.

Com esta mirada clínica descri-tiva tem origem nossa concepção daloucura, da doença mental. na sua fun-dação esta o asilo o manicômio, es-paço de reclusão - exclusão, mas éaqui onde se constitui o discurso psi-quiátrico que mais tarde ocupa as aca-demias-ditadura da razão como ver-dade absoluta "Monólogo da razão so-bre a loucura" diz Foucoult (2).

O seu sentido fica excluído, sóexiste que e conhecível, por isso notratamento de psicose não tem escu-ta, não se fala de cura. O manicômioé um lugar protetor da sociedade eofensivo para os pacientes.

A verdade é utilizada para si-lenciar para reprimir o outro, escutá-10seria ter que reconhecer sua huma-nidade, seu sentido.

-: Página 41

Como entender esse sujeito que nãoutiliza nossas categorias, cujos atos nãosão predizíveis? Como entender aqueleque parece negar a ordem da consciên-cia, as normas da convivência, os códi-gos, os contratos?

Os valores e categoriasimperantes não servem; tudo que éimpossível de entender fica sujeito aochoque, as cirurgias a sedação violen-ta. O sem sentido ao serviço da razão.

O manicômio age sobre opsicótico acentuando seu próprio pro-blema psíquico, transtornos afetivos,delírios, maneirismo, até o ponto emque se confunde a problemática subje-tiva com a própria ação do '"tratamen-to" hospitalar.Desdeuma visãoterapêu-tica é um absoluto fracasso.

É como se não fosse suficienteesconder a loucura colocando-a fora docircuito das cidades. precisa-se apagara loucura, negar, matar o que está forado domínio da razão.

A sociedade tem medo. vive o fazerpsicótico como perigoso. como fontede angústia. Enquanto isso a psiquia-tria dá legitimidade a essa ação - trans-

fOlmaem condição de todo tratamen~to o "isolamento terapêutico". Temmedo de sua própria loucura. a ma-nicômio instaura os "quartos fortes",isolamento dentro do isolamento, paraprotegeros que cuidamda loucura.Essasituação não tem saída. Frente ao medodos "terapeutas" surge o medo, a an-gústia dos internados, aparece a ne-cessidade de atuar, de fugir, de agredir.as que trabalham com psicóticos sa-bem como os pacientes percebem omedo dos terapeutas, e como este medoexplode na sua necessidade de limites,de sua segurança, de continência. Háalguns anos se tenta a reforma ou abo-lição do manicômio. Por uma parte apsicanálise com sua escuta entra nasinstituições, por outra a antipisiquiatriainglesa,o movimentobasaglianoe a lutaantiinstitucional e política.As paredesdo asilo começam a rachar, a práticamanicomial torna-se anacrônica, masainda tem força dentro e fora do asilo.Não temos que esquecer o corpo teó-rico da psiquiatria se constituiu dentrodo manicômio.A psiquiatria enfrenta-da às condições do seu saber médiconão pode justificar-se só por internar,terá que curar.Teria que moditicar seusaber e suas técnicas assim como os

espaços institucionais.

a hospital psiquiátrico, a comu-nidade terapeutica, a psiquiatria pre-ventiva, a comunidade antipsiquiatrica,o atendimentoem ambulatórios,são di-ferentes formas de uma história que nãoterminou.

COMO ESCUTAR00 APRENDIZADO

DA ESCUTA

Temos que abordar a psicose den-tro da relação individual einstitucional deuma forma nova. CIiar espaços onde opsicótico possa expressar sua angústia. tercontinência para sua ansiedade e tambémpara suas atuações. Um espaço que per-mite elabora, e que tenha um lugar e umtempo onde seja possível o jogo das iden-tificações, onde seja possível escutar etratar o psicótico como sujeito de um de-sejo e uma historia.

Nessa tentativa de ouvir, e de dia-

logar que se produz uma ruptura, umamudança de nossa maneira de "enxer-gar" a loucuraque nos colocano mundoambivalente dos afetos; do amor, dapulsão,do desejo.Nos remetea Freud,apsicanálise como diz Althusserem seutrabalhosobreFreud e Lacan.

"Desde Copémicosabemosque aterra não é o centrodo Universo.DesdeMarx - sabemosque o sujeito humano,o ego econômico, político filosóficonão é ocentroda História;sabemos tam-bém contra os filósofos das luzes econtra Hegel, que a História não temcentro, só existe no desconhecimentoideológico.

Freud descobre-nos a sua vez,que o sujeito real, o indivíduo na suaessência singular, não tem a figura deum ego centrado sobre o eu, a cons-ciência ou a existência - seja a existên-cia do si mesmo, do próprio corpo oudo comportamento - e que o sujeitohumano e descentrado, constituídopor uma estrutura que também nãotem "centro", mas que no desconhe-cimento imaginário do eu, quer di-zer, nas formações ideológicasnas quese reconhece".

A partir de Freud o que interessacomo terapeutas não é tanto o que acon-tece na cabeça do paciente, mas o queocorre entre terapeuta e paciente. A aná-lise da intersubjetividade representauma forma de aproximarmos da lou-cura onde o saber não pode serclassificatório, simplesmente diagnós-tico, o saber deve ser sobre as diferen-tes fonnas de referência em uma situa-

ção intersubjetiva.

NASCIMENTO DAPSICANÁLISE

a nascimentoda Psicanálisenãopertencea ordemmanicomial.Ahistóriada psicanálise á também a história dadiferenciaçãode um espaço do campoda medicina. Sua produção teórica ésustentada pelo conceito de neuroseque vai articulando as vicissitudes des-ta produção.

A psicose por sua vez é a parte

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central das teorizações da chamadapsiquiatria científica. Esse conceito depsicose formulado pela psiquiatria pa-rece no começo intimidar ao psica-nalista. Este esquece às vezes que apsiquiatria responde a uma ideologiaque se encan-egade dar conta de umaparte das necessidades da ordem socialimperante: Dar conta de sujeitos queprovocam desordem e não podem sermanejados pelas instâncias jurídico-policiais.

Não podemos correr o risco de es-quecer esta origem da psiquiatria, poiso que acontece freqüentemente nessecaso é que o psicanalista, ao tratar ospacientes psicóticos o faz como umpsiquiátra tradicional.

Descreve M. Mannoni(4):

"Tudo que o paciente fala, seráinscrito em um molde que convidaráo psicanalista, a semelhança do psiqui-atra, a interpretar os "hieróglifos" dapsicose; e terá além disso como conse-qüência que o observador-psicanalistadeixe de estar implicado no diagnósti-co"

Este modelo nega ao psicótico ovalor de sua palavra; o psicótico nãoserá mais sujeito do seu discurso, massim objeto de nosso conhecimento.

EFEITO DASMUDANÇAS NAORDEM SOCIAL

A evolução do fazer psiquiátri.._viveu os conflitos provocados pe:....modificações da ordem social. A orde~'social excluía a loucura, negava s\;._,interrogações, mas os desenvolvimL~-tos das formas sociais implicam em .:..-

gumas mudanças nos aparelhos ideoi:-gicos do Estado. A crise do mani..:mio esta relacionada com essas mu~ças. Portanto também os técnicos teque mudar. Não será já só o psiqu:",o encan-egado do tratamento: psil..- :gos, psicanalistas, a eq..,multidisciplinar, acompanh.:.~:-terapêuticos, terapeutas ocupac: ~vão ocupando o lugardo terapeut~ Lmudança coloca novamente eIT'....

tionamento o lugar do terapeuta, sualegitimidade, mas esta legitimidade apa-rece confirmada de um outro modo quedá identidade dos terapeutas; o que lheé conferida pela demanda do paciente.

Aparece o contrato individual, opsicótico que parece marginalizado dequalquer possibilidade de escolha, éporém o paciente mais difícil no mo-mento de aceitar a autoridade deterapeuta, de legitimar suas possibili-dades de ajuda, de compreensão darelação intersubjetiva.

Esta desconfiança, estas dúvi-das estão reafirmadas no paciente pelaslongas histórias de seus tratamentos,suas internações e o permanenterechaço do seu discurso.

Da história, das críticas que acon-teceram os longo da história, das formu-lações teóricas da psiquiatria sobre aloucura, fica algo irreversível; a idéiadaquilo que se refere a loucura não écomo um fenômeno "natural", que teveno decorrer da história diferentes expli-cações. Foucault e outros autores tem nosmostrado como a cara atual da loucura

foi constituindo-se, vamos portanto dei-xar. de lado esta tarefa muito bem feita

por esses autores, para referirmos aoprocesso terapêutico, a nossa experiên-cia intersubjetiva com a psicose.

DO PROCESSOTERAP~UTICO

Parece-nos que um tema primei-ro e de grande importância é a entre-vista, tema sobre o qual bastante se temescrito.Os trabalhosde Sullivan,Balint,Bleger valem como exemplo de essetipo de preocupação.

Consideramos a entrevista como

parte do processo terapêutico e aoentrevistador como elemento que deveestar implicado desde o começo desteprocesso intersubjetivo. Desde a clíni-ca aparece de forma clara a importân-cia da entrevista. É desde aqui que seproduz um questionamento da identi-dade e função - saber e saber fazer - dequem esteja colocado nesse lugar,pode-se então a partir desse momen-to construir-se uma negação do senti-

do dessa relação.

É fundamentalperceberna entre-vista tudo aquilo que possa ser entre-visto, ou de visto entre, ou seja, a pos-sibilidade de captar todos os emergen-tes do inconsciente que possam ser per-cebidos. Para isso precisamos da con-fluência de dois saberes, do paciente edo terapeuta; saberes diferentes, masnão independentes, não se pode saberdo inconcientedo outro sem seralguémpara esse outro. Devemos considerartodas as possibilidades de mobilizaçãomútua todas as conseqüênciastransferenciais e contratransferenciaisque isso possa ter para o decorrer dotratamento.

Estamos falando de um espaçointersubjetivo, no qual surge um sen-tido, espaço onde aparece o sofrimentode um sujeito que solicita ajuda a ou-tro, e que isso remete a outra coisa, queabre as possibilidades do atoterapêutico. Surgeda entrevista a emer-gência de um sentido e a este podemaplicar-sealgumasperguntastais como:Quem pede o que? pede para ele oupara outro? - Isto é muito importantena entrevista com psicóticos na insti-tuição porque geralmente o pacientechega acompanhadoda família e pode-mos perceber que o sujeito é o objetoda demanda muitas vezes tem pouco ounada a ver com a pessoa que se apre-senta como sujeito da doença. Pode-mos cair no risco de tentar enquadrá-10em algum sistema diagnóstico,o quenos "facilitaria" estabelecer uma estra-tégia terapêutica, uma prescrição e umprognóstico em lugar de encontrar umsentido nos sinais, (delírios, alucina-ções) que o paciente apresenta comoum código a ser desentranhado.

A relação intersubjetiva ao en-contrar um sentido transforma-se emrelação terapêutica. Esta relação tera-pêutica é recuperadora de um prazerrelacional perdido em relações objetaisdevoradoras de todo prazer e possibi-lidade de vida.Relaçãorecuperadoradetroca sem destruição do ser; abre umcaminho semeado de obstáculos, mascaminham ao fim.

Em todo caso a instauração des-

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sa relação, esse dar sentido e signifi-cação por parte do terapeuta, deve bus-car a sustentação do paciente que lhesirva de suporte na sua tentativa de sairdo encerramento, e se anime a viversuas paixões até agora congeladas emuma estéril relação objetal. É criaçãoonde um é outro, onde é tudo e nadaao mesmo tempo. Angústiasinconteníveis e pânicos sem nome. Oterapeuta deve saber aqui quanto opaciente pode avançar nas suas tenta-tivas de integração.Aqui é quandodeveguiar o encontro, ativo e protetor.Aquié onde não pode-se confundir a neu-tralidade, com a passividade. Esta pas-sividade pode ser vivida pelo pacien-te como (carência), do terapeuta ouprópria, mas que nos dois casos serávivida com impossibilidadeda relação,e perigo de retorno ao mundo própriode sua solidão.

A carência de toda ou qualquerrelação, ou o encontro fusional seriamos dos extremos mais complicadosparao tratamento, das múltiplasarmadilhaspossíveis deste acompanhamentoterapêutico.Ainda que deve ficar claroque sem uma certa identificaçãocom opaciente, sem uma certa aproximaçãocom a psicose, não se possa conhecer avivência do paciente e portanto, ficariaem risco qualquerrelação terapêutica."Só em nome da loucura comum, opsicanalista, igual que interprete podeencontrar as palavras para falar comum paciente cuja posição no mundo ediferente da sua própria".

"Foi necessário quase um quar-to de século, para que os psicanalis-tas aceitassem a idéia (sustentadopor Ferenczi) de que a pretendida fal-ta de transferência do psicóticorecobria só em realidade rechaçodo psicanalista ou do médico, paraentrar no mundo do outro, do seupaciente". M. Mannoni (5)

Colocado o problema da rela-ção terapeuta-paciente como suportedeum discurso psicótico surge com todaforça a pergunta: que é a cura na psico-se?Entendendoa situaçãopsicótica su-jeita a um código de simbolização pró-prio, não e difícil compreender porque

esta questão tem sucitado tantas con-trovérsias e diferentes tipos de propos-tas, que vão desde a pedagogia passan-do da ortopedia à reabilitação, não con-seguindo nenhuma delas atingir o fun-damental, o específico do papel doterapeuta.No tratamentoda psicoseestenão pode dissociar fins e meios. O pro-cesso terapêutico consiste nas vicissi-tudes do desejo e da pulsão. Os avan-ços e recaídas atéchegar a restruturaçãodo aparelho psíquico e a capacidade deescolha do psicótico, ao tempo investi-do nesta relação e a possibilidade deaceitar a renúncia que este processo trazimplícito. O processo terapêutico éentão o conjuntode transformações quepode experimentar o indivíduo atravésda cura. Todas a medidas terapêuticasdevem ser articuladasem tomo do eixode facilitação do processo de consti-tuição do sujeito.Descordamoscomple-tamente de qualquer interpretaçãodualista que conduz a utilizaçãodissociada dos dos meios terapêuticos,que acabam sendo suporte de umadissociação no paciente portantoiatrogênicos.

Qualquer recurso terapêutico sóse justifica cobra sentido desde o pro-cesso de cada sujeito particular.

Grupos de psicoterapia, aten-dimento individual, grupos de terapiaocupacional, neurolépticos, relaçãode continência, grupos expressivos,terapia familiar etc. são utilizadosna instituição segundo o processode cada paciente. E tudo muda segun-do o momento desse processo ao qualdeve dar-se muita atençao porquequalquer medida terapêutica transfor-ma-se em iatrogênica com suma fre-qüência.

Referir-me agora uma partefundamental do tratamento que é ocuidado, a continência. Esta é umaatitude que deve ser compartilhadapor toda a equipe que pertença aohospital-dia ou outro tipo de insti-tuição que trabalhe com o tratamentoambulatorial. Esta continência e cui-dado se refere a dois registros: umseria o estabelecimento de funcoessimbolizantes (Gisela Pankow diz que

estabelecimento das funçõessimbolizantes do corpo devolvem aeste seu ordenamento espacial e seuprazer) que tem a ver com a dimen-são do corpo vivido do psicótico, ooutro registro aponta a elaboraçãopsíquica.

Esses registros estão entrelaça-dos mas são diferenciáveis, portantonão podemos abrir mãos de nenhumdeles. Ficar no primeiro seriainfantilizar o paciente; passar direta-mente ao segundo seria não só umdescuido mais que isso seria perigo-so. Poderiamos não ser entendidospoderia provocar uma regressãodesnecessária, que produziria um sur-to psicótico que, seria vivido comouma agressão ou provocaria uma atu-ação dentro ou fora do tratamento.

Ambos requerem um espaço eum tempo determinado, que deve serpreciso. As experiências terapêuticasdevem ser pontuais, necessitam sersustentadas no tempo para serem bené-ficas. O espaço e o tempo vividos pelopsicótico não coincidem necessaria-mente com o do terapeuta ou da insti-tuição.

O tratamento da loucura precisade lugares de encontro, espaços quepossibilitem a representação, a repeti-ção, lugares e momentos onde as pes-soas em crise possa "depositar-se" emrelaçao com um outro (uns outros)terapeuta. Espaço relação singular ondeos terapeutas deveriam reinventar-se,encontrar com o paciente as palavrasque sirvam para falar. Falar com umOutro que às vezes se e transformounum estranho para si mesmo.

O passo do manicômio às re-des alternativas que evitem a exclu-são, a cronicidade, a violência, nãoestá livre de dificuldades. As experi-ências em funcionamento a nível pú-blico não conseguem erradicar aotodo a institualização psiquiátrica. Osmuros do asilo estão na cabeça de mui-tos terapeutas psiquiatras e psicanalis-tas, cuidadosos de afastar de si a per-turbação que representa a psicose, dei-xando seu saber intersubjetivo na en-

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trada das instituições.

Toda instituição tenta normalizar.impor limites, defender-se. E apesar detudo e necessário o jogo, a liberdade cri-ativa, a fantasia.

Na optinização dos espaçosterapêuticos, a criatividadehumanadilitécnicos importa tanto como suacapacitação profissional. A capacida-de de mobilizar coisas de cada um, dedesalojar de si mesmo a rigidez de-fensiva, o medo de nossos próprios fan-tasmas é imprescindível para o "pro-cesso de cura". - Novos espaços. Umespaço e um tempo onde se possa ex-pressar a angústia, a ansiedade, o medopersecutório. Um espaço, e uma equi-pe coesa que dêem segurança ao paci-ente.

Aqui a psicanálise pode dar UITl.1dimensão imprescindível a atividadeterapêutica, aos técnicos na medida quepossa dar sentido as cadência..institucionais e os sistemas de intercâm-bio, favorecendo sua verbalização e d.interpretação dos aconteceres. Trata-~de introduzir um espaço e um tempoonde o sujeito e um tempo onde osujeito seja enfrentado a lei, a morte....angúustia da individuação. Onde se in-troduza a palavra. A relação do analistacom os chamados psicóticos é por un~lado sustentadora suposto saber de U!!".desejo; e por outro lado cronista, ob-servador de um relato. Entrar e sair de---

sa situação cindida é a habilidade de 0.......trabalho que tem: perícia, empirismc.dificuldade em conceitualizar-se, e sobr~tudo fascinação e... paciência, porq,-=ao final do tempo todo "loucura".

1 - Foucault Michel - EI Nacimento

Ia Clinica -Siglo XXIMexico 1966

2 - Foucault Michel -Historia deLocura en Ia Epoca Clasica

EC.E. Mexico 1967

3 - L. Althusser, Freud y LacanCuademos Anagrama 1970

4 - M. Mannoni - La Teoria cc.~Ficcion - Giegalho 1980