aulas constitucional emerj iii

25
Rio de Janeiro, 22/09/2011. TEMAS 01 e 02 I. Organização do Estado 1. Introdução A partir do título III, art. 18, da CRFB, encontra-se a organização do Estado. O art. 18 traz a organização político administrativa. A palavra “política” é um dos aspectos da divisão do Estado e do poder. O magistrado, em tese, exerce uma parcela do poder da república, a sentença, assim é, em tese, um ato político. A forma de Estado do Brasil é a republicana. No caput do art. 18, há a seguinte palavra “Federativa”, que será analisada aqui: “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” Outras palavras importantes são “República”, “União”, “Estados”, “Distrito Federal” e “Municípios”. O Estado brasileiro, a (i) República, é composto pela União, Estados, DF e Municípios. Uma lei nacional é uma lei da república. A (ii) União é um ente federativo autônomo – nos termos da Constituição, evidentemente. A União representa a república nas relações internacionais. 2. Tipos de Estado O Estado pode ser simples ou composto. O Estado brasileiro, desde sua criação era um todo unitário, ou

Upload: rafafahora

Post on 20-Jul-2016

16 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

aula constitucional

TRANSCRIPT

Page 1: Aulas Constitucional Emerj III

Rio de Janeiro, 22/09/2011.

TEMAS 01 e 02

I. Organização do Estado

1. Introdução

A partir do título III, art. 18, da CRFB, encontra-se a organização do Estado. O art. 18 traz a organização político administrativa. A palavra “política” é um dos aspectos da divisão do Estado e do poder. O magistrado, em tese, exerce uma parcela do poder da república, a sentença, assim é, em tese, um ato político.

A forma de Estado do Brasil é a republicana. No caput do art. 18, há a seguinte palavra “Federativa”, que será analisada aqui:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

Outras palavras importantes são “República”, “União”, “Estados”, “Distrito Federal” e “Municípios”.

O Estado brasileiro, a (i) República, é composto pela União, Estados, DF e Municípios. Uma lei nacional é uma lei da república.

A (ii) União é um ente federativo autônomo – nos termos da Constituição, evidentemente. A União representa a república nas relações internacionais.

2. Tipos de Estado

O Estado pode ser simples ou composto. O Estado brasileiro, desde sua criação era um todo unitário, ou seja, um Estado simples, mas começou a ser separado, dada a extensão territorial. Esse estado brasileiro foi repartido em regiões. Isso é diferente do que aconteceu nos EUA, em que cada Estado tocava sua administração separadamente e depois foi criado o Estado federal. Assim, o Brasil foi dividido, enquanto os EUA foi unificado. O sistema americano do judiciário não é uno.

O Estado (i) unitário pode concentrar absolutamente o poder ou permitir algum poder para as entidades menores. A Constituição, nesse tipo de Estado, vai ser editada sempre para o todo. Já no Estado (i) composto, os estados tem muito mais capacidade de auto-determinação.

Page 2: Aulas Constitucional Emerj III

O Estado brasileiro, para alguns, a partir da Constituição de 1988 passou a ser composto – dado o reconhecimento de uma série de competências aos Estados – entretanto, a doutrina dominante entende que o Brasil é um estado simples, posto que as constituições estaduais são subordinadas à central.

A Constituição estrutura o Estado – é uma norma constituinte. Para que essa constituição cumpra essa função estruturante, ela tem que regular o poder para instituir outras normas e tem que ser rígida. O Estado simples pode ser: (i) autonômico é aquele que elabora uma lei instituidora, mas precisa passar pelo crivo do poder central; (ii) regional – existe um poder central mais forte, consolidado, mas o poder central autoriza que este faça suas leis, sem necessidade de aprovação, entretanto, essas leis tem que estar de acordo com a Constituição do poder central.

O Estado composto pode ser uma: (i) federação – estados conservam sua autonomia, mas abdicam completamente da soberania; (ii) confederação – são estados que não perderam sua autonomia e nem sua soberania completamente, normalmente nos países árabes, quem caminha para esse sistema é a União Européia, posto que a soberania dos Estados integrantes está sendo mitigada.

3. Estado Democrático de Direito

O que dá a característica de Estado é a existência de uma ordem jurídica, cujo elemento de fundação é a Constituição.

A característica do Estado de Direito é a limitação do pode estatal, ou seja, ou poder centrado está submetido a limitações.

A democracia vai além do poder do povo, é preciso que esse povo seja respeitado. Para que haja respeito aos direitos do povo é importante que haja respeito aos direitos individuais – defender as minorias das maiorias eventuais. O Estado de Direito puro e simples, de Kelsen, não contemplaria essa hipótese, por isso a adoção do Estado Democrático de Direito – para garantir o poder do povo é preciso garantir a integridade do povo. A imunidade também tem um caráter democrático.

4. Competência

4.1 Material

Competências de fazer, de atuar, execução, são as competências materiais. Estão nos artigos 21 e 23 da CRFB. No artigo 21 a competência é (i) exclusiva da União, enquanto no artigo 23 a competência é (ii) comum:

Art. 21. Compete à União:

I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;

II - declarar a guerra e celebrar a paz;

Page 3: Aulas Constitucional Emerj III

III - assegurar a defesa nacional;

IV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;

V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;

VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico;

VII - emitir moeda;

VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;

IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;

d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

Page 4: Aulas Constitucional Emerj III

e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;

f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

XIII - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;

XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

XVII - conceder anistia;

XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;

XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação;

XXII - executar os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteira;

XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

Page 5: Aulas Constitucional Emerj III

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;

XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.”

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

Page 6: Aulas Constitucional Emerj III

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios;

XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”

4.2 Legislativa

As competências de legislar estão nos artigos 22 e 24 da CRFB. A do art. 22 é (i) privativa, enquanto a do art. 24 é (ii) concorrente:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II - desapropriação;

III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

V - serviço postal;

VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;

VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;

VIII - comércio exterior e interestadual;

Page 7: Aulas Constitucional Emerj III

IX - diretrizes da política nacional de transportes;

X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;

XI - trânsito e transporte;

XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;

XIV - populações indígenas;

XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;

XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;

XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes;

XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;

XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;

XX - sistemas de consórcios e sorteios;

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;

XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;

XXIII - seguridade social;

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

XXV - registros públicos;

XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as

Page 8: Aulas Constitucional Emerj III

empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;

XXIX - propaganda comercial.

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.”

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

II - orçamento;

III - juntas comerciais;

IV - custas dos serviços forenses;

V - produção e consumo;

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;

XI - procedimentos em matéria processual;

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;

XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;

Page 9: Aulas Constitucional Emerj III

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

XV - proteção à infância e à juventude;

XVI - organização, garantias, direitos e deveres das polícias civis.

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

No âmbito da competência concorrente há normas gerais e suplementares. A competência será plena se não houver norma geral da União. Se vier norma geral superveniente, suspende-se a eficácia da norma geral do Estado.

RE 572762 – o repasse da cota constitucionalmente dirigida ao Município não pode ser condicionado, conforme art. 146, III, da CRFB. Isso porque a autonomia, ainda que mitigada, existe. O condicionamento do repasse das verbas.

II. Intervenção

É o instituto pelo qual o ente maior intervém no menor, tendo em vista a violação dos princípios sensíveis.

1. Causas da Intervenção

Não significa a violação dos princípios, apenas o não cumprimento, querendo ou não:

“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

Caso um Estado tente invadir o outro ou se separar.

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

Page 10: Aulas Constitucional Emerj III

A União entra no Estado para repelir ataque estrangeiro, para comandar as defesas nacionais.

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

Somente quando a perturbação for geral, e não específica. Assim, houve um fato que perturbou a ordem pública, mas as pessoas foram processadas, houve apuração do crime, etc.

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

Dá-se quando houver uma violação concreta (o executivo tentar demolir o fórum, por exemplo).

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

IF 164 – o STF entendeu que não houve dolo na intenção de não pagar, simplesmente não haveria como pagar.

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

Se for uma norma em tese, ou seja, uma lei estadual que veda o repasse, impugna-se por ADI, entretanto, se for um ato concreto de retenção das despesas, caberá a intervenção.

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

A competência passou do STJ para o STF no caso de execução de lei federal. Tem que ser um caso concreto específico em uma situação concreta, mas temporária – não é uma violação em tese, por lei, mas sim concreta.

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

Page 11: Aulas Constitucional Emerj III

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)”

Há também os casos de intervenção do Estado nos municípios:

“Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)”

2. Procedimento

Ver artigo 36 da CRFB:

“Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:

I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;

II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;

III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IV - (Revogado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas.

Page 12: Aulas Constitucional Emerj III

§ 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas.

§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV, dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade.

§ 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal.”

EXTRA (Curso de Direito Constitucional – Paulo Gustavo Gonet Branco)

I. Estado Federal

1. Notícia de História

O federalismo tem suas primeiras origens nos Estados Unidos. Surgiu como resposta à necessidade de um governo eficiente em vasto território, que, ao mesmo tempo, assegurasse os ideais republicanos que vingariam com a revolução de 1776.

Para garantir a independência conquista, as Colônias celebraram tratado de direito internacional criando uma confederação – cada componente retinha sua soberania.

O problema da confederação era a falta de recursos para as atividades comuns, além disso a confederação não legislava para os cidadãos, apenas para os Estados. Dessa forma, não poderia impor tributos e dependia da intermediação dos Estados. As deliberações do Congresso, na prática, não tinham efetividade.

Com o propósito de aprimorar a união dos Estados, originou-se a fórmula federativa, inscrita pela Convenção da Filadélfia de 1787 na Constituição elaborada. Os antigos Estados soberanos deixaram de o ser, mas conservaram sua autonomia, entregando a uma nova entidade, a União, poderes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados reunidos. Passaram, por outro lado, a compor a vontade da União por meio de representantes no Senado.

2. Características Básicas

2.1 Soberania e Autonomia

Não há um modelo único, ou necessário, de Estado federal – como bem explicou o Ministrou SEPÚL VEDA PERCENTE na ADI 2.042, mas alguns traços gerais

Page 13: Aulas Constitucional Emerj III

podem ser descritos. A (i) soberania, no federalismo, é atributo do Estado Federal como um todo. Os Estados-membros dispõem de outra característica: a autonomia.

A (ii) autonomia importa, necessariamente, descentralização do poder, tanto política quanto administrativa. Os Estados-membros podem, por suas próprias autoridades, executar leis, ou até mesmo elaborá-las. Com isso, o Estado Federal acaba por impor uma dúplice esfera de poder normativo sobre um mesmo território (União e Estado-membro).

A autonomia política do Estado-membro ganha notado relevo por abranger a capacidade de autoconstitucição – a Constituição Estadual, sujeita embora a algumas diretrizes da Constituição Federal, já que o Estado-membro não é soberano.

Essa competência para legislar do Estado-membro não se resume à merca concessão da União numa federação, mas sim direito que não pode ser suprimido.

2.2 Constituição Federal

É o fundamento de validade das ordens jurídicas parciais e central. Ela confere unidade à ordem jurídica do Estado Federal. O fato de os Estados-membros estarem unidos por uma Constituição e não por um tratado de direito internacional designa fator diferenciador do Estado Federal.

Alguns autores sustentam que a Constituição Federal deve ser rígida e que o princípio federalista deve ser cláusula pétrea, para prevenir que a União se transforme em Estado unitário.

Além disso, é a Constituição Federal que reparte as competências do Estado.

2.3 Repartição de Competências

Como há ordem jurídica dúplice sobre um mesmo território (da União e Estado-membro), a Constituição precisa estabelecer mecanismos para evitar conflitos e desperdício de esforços e recursos: para isso é idealizada a repartição de competências.

2.3.1 Tipos de Repartição

A repartição de rendas, segundo PAULO GONET BRANCO, vivifica a autonomia dos Estados-membros e os habilita a desempenhar suas competências. O modo como se repartem as competências indica o tipo de federalismo adotado no país: (i) centralizador (ou centrípeto) – concentração de competências da União; (ii) descentralizador (ou centrífugo) – há distribuição mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros. Fala-se ainda em (iii) federalismo equilibrado quando há uma repartição contrabalanceada de poderes.

2.3.2 Modelos de Repartição

Há dois modelos de repartição de competências: (i) modelo clássico – vem da CF norte-americana de 1787, que reserva aos Estados-membros a competência

Page 14: Aulas Constitucional Emerj III

residual, ou seja, os poderes não elencados; (ii) modelo moderno – reponde à contingências da crescente complexidade da vida social, exigindo ação dirigente e unificada do Estado, favorecendo uma dilatação dos poderes da União, nesse caso há competências legislativas exclusivas do poder central e também competência comum ou concorrente, mista, tanto da União como do Estado-membro.

2.3.3 Repartição Horizontal e Vertical

Há ainda a repartição (i) horizontal, pelo qual não se admite concorrência de competências, apresentando três soluções possíveis: 1. enumeração exaustiva da competência de cada esfera; 2. enumeração das competências da União e competência residual dos Estados-membros; 3. enumeração das competências do Estado-membro e competência residual da União. Por outro lado, a repartição (ii) vertical é aquela que distribui a mesma matéria para ambos os entes, ficando a União incumbida da edição de temas gerais – princípios de certos institutos – permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades locais.

2.4 Repartição dos Estados-membros na Vontade Federal

O Senado Federal foi concebido para ser a voz dos Estados-membros na formação da vontade da União. Em homenagem ao princípio da igualdade jurídica entre os Estados-membros, a composição é paritária. Serve de contrapeso para o prestígio dos Estados mais populosos na Câmara dos Deputados. Também a possibilidade de os Estados-membros apresentarem projetos de emendas à Constituição Federal tem a mesma função.

2.5 Inexistência de Direito de Secessão

Os Estados-membros não são soberanos. Assim, é comum que as constituições dos estados federais prevejam a impossibilidade de dissolução (art. 1º da CRFB).

2.6 Suprema Corte e Intervenção Federal

Não havendo direito de secessão, é necessário que os conflitos entre os membros da federação seja solucionados de alguma forma. Para isso foi idealizada uma Suprema Corte que julgue os conflitos.

Falhando a solução judiciária, ou não sendo o conflito de ordem meramente jurídica, o Estado Federal dispõe da intervenção federal, para impedir a desagregação e proteger a autoridade da Constituição. A intervenção importa na suspensão temporária da norma que garante autonomia ao Estado-membro. Na Alemanha, é conhecida também como execução federal, pois espelham medida tendente a coagir os Estados-membros a cumprir suas obrigações constitucionais.

3. Conceito de Estado Federal

Segundo PAULO GONET BRANCO, seria um “modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada,

Page 15: Aulas Constitucional Emerj III

tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.” O autor afirma ainda que, em regra, há uma Suprema Corte com jurisdição nacional, além de ser previsto mecanismo de intervenção federal.

4. Razões do Estado Federal

Os Estados assumem a forma federal tendo em vista razões geográficas e de formação cultural da comunidade. Nesses Estados, além de um governo central, é fundamental que haja um governo local, atento às peculiaridades existentes.

Além disso, é um elemento de repartição do poder, além da repartição horizontal – que se dá entre os poderes da república (legislativo, executivo e judiciário) – vertical.

5. O Estado Federal Brasileiro

5.1 A União

A União é o fruto da junção dos Estados entre si, é a aliança indissolúvel destes. É quem age em nome da federação. No plano legislativo, edita tanto leis nacionais como leis federais. Tem bens próprios (art. 20 da CRFB).

O art. 43 da CRFB faculta à União a criação de regiões com um mesmo complexo geográfico e social, com intuito de reduzir as desigualdades entre elas.

5.1.1 Intervenção Federal

A União tem competência para preservar a integridade política, física e jurídica da federação, ou seja, é ela quem realiza a intervenção federal.

A intervenção é mecanismo drástico e excepcional, destinado a manter a integridade dos princípios basilares da Constituição, enumerados taxativamente no art. 34 da CRFB.

5.1.1.1 Hipóteses de Intervenção

1. Manter a integridade nacional (art. 34, I) – confere eficácia ao mandamento da indissolubilidade da União.

2. Repelir invasão estrangeira (art. 34, II) – não se condiciona à conivência do Estado-membro, não é sanção, mas defesa do território da União.

3. Invasão de Estado-membro sobre outro (art. 34, II) – tem por objeto impedir que alguma unidade da Federação obtenha ganhos territoriais em detrimento da outra, ou imponha sua vontade.

Page 16: Aulas Constitucional Emerj III

4. Grave perturbação da ordem pública (art. 34, III) – não basta a mera ameaça de irrupção da ordem, como delineava a Constituição de 1967, o problema deve estar instaurado para que ocorra a intervenção. Não é qualquer tumulto, mas somente aquele capaz de produzir desordem inusual e intensa. Não há necessidade de aguardar um quadro de guerra civil – diferente do que previam as constituições de 1934 e 1946. É necessário, no entanto, que o transtorno na vida social seja violento e de grandes proporções, além de que o Estado-membro não consiga ou não queira lidar com ele.

5. Garantia do livre exercício dos Poderes (art. 34, IV) – ocorre quando um dos poderes está impedido ou dificultado a funcionar por força de algum outro poder local (ex.: executivo impede a reunião da Assembléia Legislativa).

6. Desorganização administrativa (art. 34, V) – o Estado-membro, sem motivo de força maior, (i) não paga sua dívida fundada por mais de dois anos (que a Lei 4.320/64 delimita como sendo as relativas a compromisso de exigibilidade superior a doze meses, contraído para atender ao desequilíbrio orçamentário ou financeiro de obras e serviços públicos). Há ainda a hipótese de (ii) não repasse de receitas tributárias dos Municípios.

7. Execução da lei federal, ordem ou decisão judicial (art. 34, VI) – não é qualquer desrespeito à lei federal que rende ensejo à intervenção, normalmente existe ainda a via judicial. Entretanto, mantido o comportamento impróprio confirmado pelo judiciário, é possível a intervenção – mas nesse caso a intervenção será por desrespeito à ordem judicial. A doutrina vem entendendo que o descumprimento de lei federal somente rende ensejo à intervenção quando gera prejuízo generalizado e em que não cabe solução judicial. O trânsito em julgado não é pressuposto para a intervenção. Assim, o simples não pagamento de precatório não dá lugar à intervenção, se provado que o Estado não o fez por impossibilidade orçamentária1.

8. Princípios Constitucionais Sensíveis (art. 34, VII) – visam a manter a unidade de princípios organizativos tida como indispensável para a unidade jurídica da Federação. São eles:

(i) Forma republicana, sistema representativo e regime democrático – as funções políticas do Executivo e Legislativo devem ser desempenhadas por representantes do povo, responsáveis perante os eleitores, por força de mandato temporário obtidos em eleições periódicas – além disso, o sistema democrático implica a participação do povo no poder, por intermédio do sufrágio universal, Estado de Direito, governo das maiorias, preservação das minorias e separação

1 IF 164/SP, DJ 13-12-2003. O relator GILMAR MENDES afirmou que não pode se impelir o pagamento com quantias que seriam necessárias para cumpris outros compromissos exigidos pela Constituição e inadiáveis.

Page 17: Aulas Constitucional Emerj III

de Poderes. Importante também o respeito ao processo legislativo federal.

(ii) Respeito aos direitos humanos – implica a plena reverências às reivindicações surgidas do princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que não positivadas na Constituição. Não existe “condição mínima” para assegurar o respeito ao primordial direito da pessoa humana no que diz respeito à “vida” (IF 114). No caso, o pedido de intervenção, embora admitido ao debate, restou indeferido tendo em vista que o Estado tomou providências em seguida.

(iii) Autonomia municipal – é o respeito à auto-organização, autogoverno e auto-administração dos Municípios.

(iv) Prestação de contas – é derivação do regime democrático e republicano adotado pelo constituinte federal.

(v) Aplicação do mínimo exigido da receita na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde – é fundamental que as receitas oriundas de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferência, sejam aplicadas ao menos em seus percentuais mínimos. É o reconhecimento de uma garantia à satisfação mínima dos direitos fundamentais à educação e saúde.

5.1.1.2 Entes Passíveis de Intervenção

Podem sofre intervenção o Estado-membro, Distrito Federal ou Município integrante de território federal. Não cabe, portanto, intervenção em Município integrante de Estado-membro. Nesse último caso, quem pode realizar a intervenção é o próprio Estado-membro.

5.1.1.3 Procedimento

Somente o Presidente da República é competente para decretar a intervenção federal. O Presidente pode, em alguns casos, agir ex-officio (art. 34, incisos I, II, III e V, da CRFB), em outros, vai demandar provocação (art. 34, IV, da CRFB). Pode ser solicitado pelo Poder Legislativo Estadual ou pelo Chefe do Executivo Estadual. Se a coação recai sobre o judiciário, vai depender de requisição do STF. Em nenhum desses dois casos a intervenção é obrigatória, mas sim discricionária.

O controle político do Decreto de Intervenção é efetuado pelo Congresso Nacional, ao qual deverá ser submetido no prazo de 24 (vinte e quatro horas) – podendo ser ele aprovado ou rejeitado por meio de decreto legislativo (art. 49, IV, da CRFB).

Se a intervenção for espontânea, o Presidente deverá ouvir o Conselho da República (art. 90, I, da CRFB) e o de Defesa Nacional (art. 91, §1º, II, da CRFB),

Page 18: Aulas Constitucional Emerj III

embora não esteja obrigado ao parecer que vier a colher. Em caso de urgência, não há porque se exigir consulta prévia.

O decreto de intervenção deve especificar a amplitude da medida, seu prazo de duração, as condições de execução e, se for o caso, o nome do interventor (art. 36, §1º).

Há controle político do Congresso Nacional, que se não estiver funcionando deverá ser convocado extraordinariamente (art. 36, §§ 1º e 2º). O Congresso pode 1. aprovar a medida, 2. aprovar e sustar ou, simplesmente, 3. rejeitá-la, tornando ilegais os atos praticados desde o decreto.

A intervenção será requisitada pelo STF, STJ ou TSE em caso de descumprimento de ordem ou decisão judicial (art. 34, VI).

5.1.1.4 Representação Interventiva

A intervenção pode resultado de provimento de ação de executoriedade de lei federal, proposta pelo PGR ao STF ou representação por inconstitucionalidade para fins interventivos, da mesma forma. Esta última tem por escopo exigir o cumprimento dos princípios sensíveis. Nesse casos, não há discricionariedade para o Presidente da República, estando ele vinculado a decretar a intervenção.

Não há controle político, mas a execução limita-se à suspensão da execução do ato impugnado – se isso for suficiente para restabelecer a normalidade constitucional (art. 36, §3º).

O STF entende que cabe a ele o julgamento de pedido de intervenção por falta de cumprimento de decisão judicial proveniente da Justiça do Trabalho, ainda que a matéria não tenha conteúdo constitucional (IF 230, 231 e 232).

Por outro lado, quando se trata de intervenção para execução de julgado de Tribunal de Justiça, que não tenha sido apreciado em instância extraordinária, deve o requerimento ser dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça, a quem incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao STF. Se o Tribunal se recusa a encaminhar o pedido, não haverá ofensa à competência do STF, não cabendo, portanto intervenção federal (IF 81-AgRg). Além disso, não cabe RE, já que se trata decisão de caráter administrativo (Rcl 464, STF).

Por outro lado, se o problema do Estado é causado pelo Tribunal de Justiça, se é este que está coarctando outro poder local, não haverá que se falar em intervenção federal, já que o Poder Judiciário é nacional. Caberá, então, o instrumento processual adequado para sustar a interferência indevida (Rcl-AgRg 496, STF).

A intervenção cessa tão logo afastada sua causa (art. 36, §4º, da CRFB).