aula 5 - andré nicacio lima

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL

Andr Nicacio Lima

Caminhos da integrao, fronteiras da poltica: a formao das provncias de Gois e Mato Grosso

Dissertao apresentada ao programa de psgraduao em Histria Social do Departamento de Histria da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Histria.

Orientadora: Profa. Dra. Monica Duarte Dantas

So Paulo 2010

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Ao Professor Istvn

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RESUMO Esta dissertao tem por objetivo analisar a formao do Oeste brasileiro, isto , daqueles espaos que at a Independncia compunham as capitanias de Gois e de Cuiab e Mato Grosso e que, atravs de processos conflituosos, deram origem aos territrios polticos provinciais desde ento. Partindo de uma breve exposio das matrizes gerais da ocupao e apropriao do espao desde as primeiras dcadas do sculo XVIII, passamos a uma anlise da incorporao dessas reas Monarquia portuguesa, com especial ateno emergncia e consolidao de uma geopoltica para a fronteira oeste. A seguir, tratamos das transformaes .ocorridas no incio do sculo XIX, quando novos processos de integrao e as diretrizes do Reformismo Ilustrado atuaram decisivamente sobre esses espaos, redefinindo inclusive os sentidos da geopoltica. Entendendo o aprofundamento da crise do Antigo Regime portugus aps a ecloso da Revoluo Constitucionalista do Porto (1820) como um importante momento de ruptura, passamos a analisar os conflitos, as experincias e as identidades emergentes neste perodo. O foco est no movimento autonomista do norte goiano e na disputa pela condio de centro poltico provincial entre as cidades de Cuiab e Mato Grosso. Conflitos estes que expressavam a diversidade e as contradies nos espaos das antigas capitanias, numa situao de eroso das legitimidades que conferiam um ordenamento poltico a esses espaos. Trata-se aqui, acima de tudo, de uma histria poltica do territrio, atravs da qual se procura compreender o processo pelo qual se formaram, a partir das conquistas da Monarquia portuguesa, os espaos de poder e representao do Imprio do Brasil. PALAVRAS-CHAVE Gois Mato Grosso histria poltica territrio Independncia

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ABSTRACT This dissertation aims to analyze the formation of the Western part of Brazil, a region that, until Independence, encompassed the captaincies of Gois and of Mato Grosso and Cuiaba, and that, through conflictive processes, gave rise to political provincial territories. Starting with a brief exposition of the general matrices of space occupation and appropriation from the first decades of the 18th century, we then analyze the incorporation of these areas to the Portuguese Monarchy, paying special attention to the emergency and consolidation of a geopolitical strategy concerning the West boundary. Following, we regard the transformations that occurred in the early 19th century, when new integration processes and Illustrated Reformism guidelines were laid upon those spaces, even redefining the former geopolitical orientation. Understanding, as an important moment of rupture, the Portuguese Ancient Regimes deepening crisis on the aftermath of the Constitutional Revolution that erupted in the city of O Porto (1820), we analyze the emerging conflicts, experiences and identities in this period. We focus on the autonomist movement in Northern Gois and on the disputes for the condition of provincial political center between the cities of Cuiab and Mato Grosso. Conflicts that expressed the diversity and contradictions inherent to the spaces of the old captaincies in a situation of erosion of the legitimacy that used to guarantee a proper political order. It is, above all, a political history of the territory that aims to comprehend the processes that led, from the Portuguese monarchys conquests, to the formation of spaces of power and representation in the Brazilian Empire. KEYWORDS: Gois - Mato Grosso - Political history - territory - Independence

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SUMRIOResumo .............................................................................................................................. 02 Abstract ............................................................................................................................. 03 Introduo ........................................................................................................................ 06 Captulo 1 - Sertes pontuados por vilas: a formao das regies coloniais ................................................................ 13

Conquista e povoamento .................................................................................. 14 As Minas de Gois .......................................................................................... 27 O Cuiab e o Mato Grosso ................................................................................ 43

Captulo 2 - Sertes limitados por fronteiras: polticas coloniais e construo do territrio, sculo XVIII ...................... 54

Administrao e poltica colonial ....................................................................... 55 A institucionalizao e a territorializao das minas ............................................... 63 A construo social das fronteiras naturais ........................................................... 79 A chave e o propugnculo do serto do Brasil ..................................................... 97 O perodo albuquerquino e o apogeu da geopoltica .......................................... 106

Captulo 3 Sertes cortados por caminhos: a integrao do Oeste s vsperas da Independncia ................................ 129Os caminhos do Oeste ..................................................................................... 135 Periferia da periferia ....................................................................................... 153 A integrao do Centro-Sul .............................................................................. 169

Captulo 4 Projetos para os caminhos e as fronteiras: Reformismo Ilustrado e reorientao da geopoltica ................................. 184

O reformismo e a crtica, em tempos de crise ........................................................ 185 Joaquim Teotnio Segurado e a integrao e a diferenciao do norte goiano ............. 199 A reorientao da geopoltica: a aliana Guaicuru e a fronteira posta prova .............. 212 A reorientao da geopoltica: o governo econmico da fronteira .............................. 240 A mudana do centro de poder e a interiorizao da geopoltica ............................... 255

Captulo 5 A Revoluo a centenas de lguas do Atlntico: conflitos, experincias e identidades na crise da Independncia .............. 267

Caminhos da Revoluo ................................................................................... 268 Entre Gois e a Palma: a disputa provincial ............................................................ 273 Cuiab e Mato Grosso: os legtimos governos desta Provncia ................................... 291 1822: Entre o Centro-Sul e o Extremo-Norte ................................................. ........ 314 As solues do Imprio ...................................................................................... 330

Fontes e bibliografia ........................................................................................................... 352

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Agradecimentos Agradeo ao CNPq, ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social da USP, bem como a todas as instituies em que pude pesquisar o Arquivo Pblico de Mato Grosso, o Instituto Histrico Geogrfico de Mato Grosso e o Arquivo Pblico de Gois. Aos professores e colegas com quem pude debater este projeto em diferentes momentos, especialmente a Alain El Youssef, Bruno Fabris Estefanes, Tmis Parron, Andr Machado e Andra Slemian. A todos do Grupo de Estudos Imprio Expandido, do Projeto Temtico A formao do Estado e da nao e da Biblioteca Brasiliana Digital. Aos que contriburam de diversas formas, tpico no qual no haveria como evitar omisses. A Natasha Leo e a Rachel Tegon de Pinho pela fora nesses momentos finais. Aos meus amigos, evidentemente. Monica Dantas, minha orientadora neste ano decisivo, a quem devo muito pela melhor acolhida possvel. A meus pais, Joaquim Maria de Lima e Sonia Maria Nicacio de Moraes Lima, pelo apoio constante e incondicional. Carina, principalmente, que me ajudou a cada momento, fazendo o possvel e impossvel para que desse certo, e a quem eu amo mais do que tudo.

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Introduo

7 Em meados do sculo XVIII, muito antes dos artistas e naturalistas que perscrutaram o Brasil aps a chegada da Famlia Real, um viajante no menos ilustre nos deixou a narrativa de uma viagem que, iniciada em Lisboa, o levou s Minas do Cuiab1. Sem a pretenso de estabelecer um roteiro ou estudo cientfico, escrevia a seu primo, oferecendo ao destinatrio algum divertimento pela novidade e buscando o desafogo e alvio para si prprio. semelhana, porm, dos relatos de Florence ou de DAlincourt - e no muito distante dos roteiros goianos de Pohl, de Saint-Hilaire ou mesmo do Itinerrio de Cunha Mattos2 -, nele encontramos o indisfarvel encantamento com a natureza americana, contrastando com o incmodo causado pelas dificuldades dos caminhos, por uma natureza muitas vezes hostil e por povos que lhe pareciam pouco civilizados. O divertimento da novidade ficava por conta dos rios to caudalosos, matos to espessos e campos to distantes, que fazem a admirao, principalmente a quem vem de uma terra to apertada, como a do nosso reino. O alvio era preciso numa travessia de rios, matos e campos que, capazes de inspirar sublimes narrativas, eram muitas vezes o flagelo dos que vinham de uma terra to apertada como o Reino de Portugal. Flagelo que no tardou, ao percorrer os povoados paulistas, ponto de partida da Relao, pois anotou o viajante que as estradas eram cheias de incmodos caldeires, que so umas covas que os cavalos fazem com a continuao do andar. Caminhos maltratados, pontuados por pobres povoaes que, contando com foros de municpio, falando mal, vila, uma vez que no passam de um punhado de casebres em torno da casa de cmara e cadeia, da matriz e do pelourinho, marcos da vida urbana no mundo portugus. Uma terra habitada por homens que levam o tempo a cachimbar e embalanar-se na rede, em camisas e ceroulas, seu vestido ordinrio, e mandando [em] seus carijs, adquiridos pelo serto com grandes trabalhos e no menos ofensas de Deus.

Relao da viagem que fez o conde de Azambuja, D. Antonio Rolim, da cidade de S. Paulo para Vila de Cuiab em 1751. In: Afonso dEscragnole TAUNAY - Relatos Monoeiros. Belo Horizonte, Itatiaia; So Paulo, EDUSP, 1981. Trata-se de um dos documentos mais analisados pela historiografia das mones cuiabanas. 2 , Hercules FLORENCE. Viagem fluvial do Tiet ao Amazonas de 1825 a 1829. Traduo do Visconde de Taunay. So Paulo: Editora Cultrix/Edusp, 1977. Luiz d ALINCOURT. Memria sobre a viagem do Porto de Santos Cidade de Cuiab. So Paulo: Martins, 1954. Johann Emanuel POHL. Viagem ao interior do Brasil. Traduo de Milton Amado e Eugnio Amado, apresentao e notas de Mrio Guimares Ferri. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; So Paulo, Editora da USP, 1976. Auguste de SAINTHILAIRE. Viagem s nascentes do rio So Francisco e pela provncia de Gois. So Paulo, Cia. Editora Nacional. 1937. Raimundo Jos da Cunha MATOS. Itinerrio do Rio de Janeiro ao Par e Maranho pelas Provncias de Minas Gerais e Gois, seguido de uma descrio corogrfica de Gois e do roteiro desta Provncia s do Mato Grosso e S. Paulo. Belo Horizonte: Instituto Cultural Amlcar Martins, 2004

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8 As estradas, as vilas e os colonos paulistas ocupariam, porm, a parte mais curta e menos penosa mas tambm menos fascinante - da experincia de nosso viajante. Afinal, o objetivo dele, d. Antnio Rolim de Moura, era tomar posse como primeiro governador e capito-general de Cuiab e Mato Grosso, o que o levava to rpido quanto fosse possvel ao Araritaguaba, atual Porto Feliz e ponto de partida das mones cuiabanas. Nomeado em 1748, nosso viajante levou quase dois anos entre o embarque em Lisboa e a posse na Vila Real do Bom Jesus do Cuiab, incluindo cinco longos meses como passageiro de mono3. a partir do Araritaguaba que os caminhos repisados e as pequenas vilas com seus colonos ociosos e seus indgenas subjugados do lugar ao curso instvel dos rios, cercados por serto desconhecido e povoado por indgenas resistentes expanso colonial gentio de corso, naes hostis, no mais os mansos carijs. O porto, desta feita, um marco na narrativa de d. Antnio, a partir do qual, tanto a natureza sublime, quanto as maiores dificuldades, de fato se revelam. Limiar de um discurso, mas tambm fronteira societria, entre a regio colonial dos paulistas e o imenso serto que estes se acostumaram a atravessar, mas que nunca haviam povoado. Os caldeires aos quais nos referimos - e que era to profundos que podiam derrubar os animais e ferir as pernas do cavaleiro - ficavam agora para trs. Eles eram obra de mais de dois sculos de ir-e-vir dos colonos entre arraiais, vilas e rumo aos sertes da capitania de So Paulo. Uma colonizao efetiva, sedimentada no decorrer de geraes, ainda que resultando numa sociedade miservel e inculta, do ponto de vista de um nobre portugus. Uma vila como Jacare, com sua meia dzia de casas e to pobre que a cmara me esperou de capote, estava prestes a completar um sculo de existncia como municpio. Na vila de Guaratinguet, mais rica do que as outras, conheceu d. Antnio o incessante movimento do abastecimento das Minas Gerais, na rota que levava ao porto de Parati. Na capitania de So Paulo, as vilas, os caminhos, as redes de comrcio e o manejo poltico do territrio conformavam experincias, vnculos societrios e mesmo um sentido de identidade. A bandeira que levava um dos barcos da mono de d. Antnio trazia de um dos lados as Armas Reais, de outro, o Padre Anchieta. Eram sditos de um mesmo rei que no deixavam de ostentar seus prprios smbolos.3

D. Antonio embarcou no dia 1 de fevereiro de 1749 na Ribeira das Naus, em Lisboa. Chegou a Cuiab, em 12 de janeiro de 1751. Otvio CANAVARROS. O poder metropolitano em Cuiab (1727-1752). Cuiab, Editora da UFMT, 2004. p. 316.

9 Mais alm do Araritaguaba, o traioeiro curso dos rios era percorrido poucas vezes por ano (e havia ano em que no partia mono), demandando longos preparativos, grandes provises, prticos experientes e um contingente militar neste caso, de 190 homens. No era uma viagem que se fizesse com poucos tripulantes, recursos ou tempo. Chegando ao Araritaguaba em fins de maio, e faltando certos sortimentos, relata o viajante que os esperaram vir do Rio de Janeiro, sendo tambm necessrio se esperasse que crescesse o milho e feijo, e se fizessem as farinhas e toucinhos: uma e outra cousa me demorou at agosto. Os caminhos eram menos conhecidos e freqentados e no que diz respeito colonizao luso-brasileira - nada povoados. A prxima (e nica) vila para alm do porto era Cuiab, distante 530 lguas (cerca de 3.500 quilmetros) de Araritaguaba4, tendo como nico pouso habitado e capaz de suprir os viajantes a fazenda de Camapu. Entre a partida da mono e esta fazenda, nosso cronista relata um perodo de quase trs meses sem passar por nenhum povoado, ou sequer uma morada isolada no serto. Ao deixar Camapu, mais um ms e meio sem contato humano para alm da tripulao, com a diferena de que, a partir dali, os monoeiros temiam e preparavam-se militarmente para um eventual contato, pois todos se sabiam em territrio Paiagu. Logo foram reforados pelas canoas de guerra que, como de praxe, chegaram de Cuiab para escoltar a mono no trecho mais arriscado do percurso. Ao avistar uma pequena ermida a saudaram com artilharia. Havia o que comemorar: no estava distante o Cuiab e ficava para trs o imenso serto. Estavam nas proximidades do lugar conhecido como Praia dos Abraos, referncia despedida entre os descobridores do Mato Grosso e aqueles que retornariam vila. Trata-se de uma espcie de entroncamento que dividia os roteiros para estas duas regies de minas e conquistas, separadas por sertes o Cuiab e o Mato Grosso. Alm de outras muitas lguas de serto estavam as Minas de Gois, onde havia chegado pela mesma poca d. Marcos de Noronha, governador nomeado e companheiro de viagem de d. Antnio no trecho entre Pernambuco e o Rio de Janeiro, que tomou posse s margens do Rio So Francisco, serto da capitania de Minas Gerais5. Os diferentes sertes inexplorados, como os narrados por d. Antnio, ou da pecuria, como certamente conheceu d. Marcos s margens do So Francisco - estavam inequivocamente por todos os trajetos que levavam s novas minas e conquistas.Essa estimativa representa mais que o dobro da atual distncia rodoviria entre as duas cidades. Histria Poltica da Capitania in: NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783 (organizada por Paulo Bertran). Goinia: Universidade Catlica de Gois, Universidade Federal de Gois; Braslia: Solo Editores, 1996. Tomo I, pp. 56-57.5 4

10 Contudo, j no estavam nas vilas do Cuiab e de Gois. Antes mesmo de avistar Cuiab, a mono do primeiro Governador teve sua recepo:Neste dia j algumas pessoas me vieram encontrar em canoa, e no seguinte todos com os ministros e cmara; e me conduziram at ao porto, onde estavam duas peas de artilharia, que estiveram salvando desde que me avistaram. Ao saltar em terra, me salvaram tambm os drages com trs descargas de mosquetaria, e a pea com 21 tiros. No porto tinham todos seus cavalos, e estava tambm um preparado para mim, por ser distncia at a vila de meia lgua, e me acompanharam todos at a minha porta, aos padres convidei a cearem comigo, ali estiveram formadas as ordenanas da terra de uniforme, as quais mandei retirar, e antes deram trs descargas; e no domingo seguinte, 17 do ms, tomei posse.

Ainda na canoa, surgem os ministros e a cmara; no porto, os cavalos, a vila, os padres, os soldados de drages e da ordenana da terra, com seus uniformes. Descrio semelhante a esta poderia ser produzida em centenas de locais de quatro continentes, incluindo o apertado Reino de d. Antnio. Prospecto to familiar que no requer maiores descries do viajante. As minas do Cuiab, com cerca de 6 mil habitantes entre o espao urbano da Vila Real, suas vizinhanas e arredores, no diferiam muito das vilas das Gerais nos primeiros tempos, semeadas s encostas dos morros e s margens dos riachos e de suas aluvies. Porm, nosso viajante pouco pde desfrutar do retorno vida urbana. Sendo o ladrilhador por excelncia, nestas novas conquistas, levava instrues que o mandavam fronteira castelhana para que l fundasse uma nova capital. Em 14 anos de governo, nunca mais retornou ao Cuiab e mesmo ao deixar a capitania para tomar posse como vice-rei em Salvador, dispensou o caminho das mones, partindo pela rota amaznica, que levava a Belm do Gro-Par. Nos caminhos, as dificuldades de um imenso serto; nas minas o universo das vilas e arraiais, em processo de consolidao; nas fronteiras, indgenas e espanhis entre a colaborao e o conflito. Talvez o que melhor caracterizasse aquela imensa zona de povoamento, que podemos denominar o Oeste da Amrica Portuguesa, fosse esta colonizao urbanizante, descontnua e que ainda estava se firmando em meados do sculo XVIII, enquanto cidades como So Paulo, Rio de Janeiro, Recife ou Salvador contavam cerca de dois sculos de existncia. Quando foi levantado o primeiro arraial do Oeste, j haviam sido criadas e na maior parte extintas as donatarias; j havia ocorrido a unio das monarquias ibricas e a Restaurao portuguesa; os holandeses e franceses j haviam ocupado e desocupado partes do continente do Brasil, sobre o qual j existiam crnicas, descries e stiras. Falava-se em paulistas e em

11 pernambucanos, mas apenas muitas dcadas depois se falaria em cuiabanos e goianos. A incorporao colonizao ainda estava se concretizando; as estradas do Oeste eram demasiado recentes para formarem caldeires. O Captulo 1 desta dissertao, Sertes pontuados por vilas nos leva ao interior do continente, formado a partir de rushs mineradores, resultando a princpio em territrios descontnuos, construdos a partir de arraiais e vilas, manifestaes da vida urbana colonial. Crescentemente integrados, os pontos irradiaram as manchas de povoamento, ocupando os campos e ligando-se s redes do mercado interno. Em momentos e em ritmos desiguais, a minerao minguou at quase desaparecer, no sem antes construir as matrizes bsicas da formao de regies coloniais. No Captulo 2, Sertes limitados por fronteiras, veremos como esse movimento envolveu polticas de colonizao e de incorporao s redes de poder da Monarquia. No Extremo Oeste, a vizinhana castelhana no tardou a demandar uma poltica de fronteira, em seguida tornada uma geopoltica coerente. O Captulo 3, Sertes cortados por caminhos, apresenta o Oeste s vsperas da Independncia, espao perifrico no conjunto das relaes luso-brasileiras, mas que passava por diferentes processos de integrao, dentre os quais se destacava o do Centro-Sul do Brasil. Como se ver no Captulo 4, Projetos para os caminhos e as fronteiras, o Reformismo Ilustrado transformou profundamente esse espao, incentivando a integrao atravs dos rios, reorientando a geopoltica da fronteira, mas tambm acomodando tenses e incorporando demandas antigas e novas s diretrizes governativas. No Captulo 5, A Revoluo a centenas de lguas do Atlntico, acompanharemos os conflitos que marcaram o processo de Independncia nas provncias do Oeste, com a eroso de antigas legitimidades e a emergncia de projetos polticos referidos a territorialidades distintas, expresso ao mesmo tempo de diferenciaes nos espaos das antigas capitanias e do aprofundamento da crise do Antigo Regime portugus. Comeamos, portanto, com a formao das regies coloniais do Oeste e a poltica das vilas, dos caminhos e das fronteiras durante o sculo XVIII - um processo no qual nosso viajante foi importante personagem. Desde o remoto Guapor, voltaria a escrever anos depois sobre o descmodo como aqui temos vivido, servindo-nos de ranchos de palha, que nem bem resguardam a chuva, nem o calor do sol, e muito menos os ventos e as friagens... e o assoalho de terra mida. Os anos de experincia j haviam permitido, porm, uma maior resistncia s doenas e uma adaptao a um ambiente a princpio

12 inspito, com o que o outrora viajante podia afirmar: Eu, como general do Mato, j no estranho viver Sertanista6.

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D. Antnio Rolim de Moura Apud Paulo BERTRAN. Introduo in: NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo II, p. 4-5.

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Captulo 1Sertes pontuados por vilas: a formao das regies coloniais

14 Conquista e povoamento a) arraiais O Reino de D. Antonio Rolim de Moura no era apenas mais apertado que as imensas conquistas da Amrica. Era tambm uma referncia de estabilidade para quem agora encarava um mundo novo, ainda mal assentado no interior do continente. Lembremos que as capitanias de Gois e de Cuiab e Mato Grosso no contavam com nenhum ncleo de colonizao portuguesa quando D. Antonio veio ao mundo e mesmo as Minas Gerais no tinham ainda uma Vila ou Cidade, naqueles idos de 1709. Nomeado capito-general, aos quarenta anos de idade, chegava agora o fidalgo a uma terra pontuada por vilas ainda mal consolidadas, mas em certos casos com mais habitantes que muitas das cidades do Reino. Era, sem dvida, o universo da mobilidade humana e da subverso dos modos de vida relativamente estveis da sociedade estamental lusitana. Espao tambm da diversidade das gentes, de mamelucos que passavam os anos pelos matos, preando ndios e falando lngua geral, sem nunca deixarem de ser portugueses; de carijs mansos, caiaps bravos e paiagus de corso; de cativos africanos, vindos de diferentes portos e desembarcados nas diversas partes da costa da Amrica; de cativos americanos, negros, mulatos ou cabors; de homens brancos, ou auto-representados como brancos, que podiam ou no aspirar a distines de nobreza da terra, da governana dos povos. O Continente do Brasil era ainda o universo das distncias, da disperso, da descontigidade, mas dificilmente em alguma outra parte deste todo estas caractersticas eram to marcantes quanto no interior da minerao, ao qual se dirigia D. Antonio7. O curso instvel da navegao monoeira levava ao Cuiab, vila fundada em 1727, a partir de um arraial estabelecido oito anos antes por algumas levas sertanistas paulistas e por seus escravos e agregados, na cata de ouro s margens dos rios Cuiab e Coxip e na caa de pessoas, nos sertes circunvizinhos. O roteiro de outro Governador, D. Marcos de Noronha, levava a Vila Boa de Gois, instalada em 1739, s margens do Rio Vermelho, onde havia, desde 1726, o arraial de Santana. Alm destes, muitos outros arraiais haviam surgido, nas Minas Gerais, no Cuiab, no Mato Grosso, nos Goiazes, nomes que designavam, desde antes da viagem de d. Antonio, conjuntos de ncleosSobre essas caracterstica do viver em colnias, Fernando Antnio NOVAIS. Condies de privacidade na colnia. In: SOUZA, Laura de Melho e (org.). Histria da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na Amrica portuguesa. So Paulo: Companhia das Letras, 1997. (Histria da vida privada no Brasil: 1) p. 13-39.7

15 povoados8 Diviso que expressava tanto a descontigidade, quanto os diferentes momentos e vetores da expanso que dera origem s regies de minas, no interior do continente. Ainda que diverso, o movimento no deixava de ser parte de um mesmo processo a interiorizao da colonizao portuguesa na Amrica. Processo pontuado pelas grandes descobertas de ouro por expedies provenientes de So Paulo, que expandiriam o territrio desta capitania e conseqentemente, dos domnios dinsticos da Monarquia lusa at onde alcanava a autoridade da ouvidoria de Cuiab, a Oeste, e at os limites do povoamento das demais capitanias, a Norte e a Leste. Entre fins do sculo XVII e meados do sculo XVIII, abriu-se um perodo radicalmente novo na histria colonial, a comear pelo ouro das Minas Gerais e pela revoluo demogrfica que provocou. A migrao em massa do litoral ao interior, assim como do Reino, das ilhas atlnticas e da frica neste caso, pela migrao forada que o trfico implica - chegou a uma escala muito maior que na colonizao dos dois primeiros sculos. Durante os 60 primeiros anos do sculo XVIII, a corrida do ouro provocou na Metrpole a sada de aproximadamente 600.000 indivduos9. O povoamento no tinha ainda trinta anos quando a Capitania das Minas Gerais ganhou autonomia, em 1720, e a populao j se contava em torno dos 250 ou 300 mil habitantes. Para se ter uma idia do quanto este ritmo extraordinrio, a capitania da Bahia s alcanaria tal escala humana nas ltimas dcadas do sculo XVIII, ou seja, dois sculos e meio depois do incio do povoamento10. Enfim, uma corrida do ouro em escala indita na histria moderna, apenas superada em meados do sculo XIX, quando o autor dos Anais de Mato Grosso podia narrar esta trajetria como a de uma imensa gente se ps em movimento para a Califrnia daquele tempo11.

As denominaes de vilas e cidades e a toponmia foram padronizados, nesta dissertao, mantendo-se as formas atuais de Cuiab (cuja grafia mais recorrente no perodo era Cuyaba), Mato Grosso (Matto Grosso ou Mattogrosso) e Gois (Goyaz, Goyas, Goiaz ou Guayaz), neste caso preservando-se a forma plural, muito recorrente no sculo XVIII, Goiazes (Goyazes ou Guayazes). Quanto s demais povoaes e, de resto, toda a toponmia, preserva-se o uso mais recorrente nas fontes da primeira metade do sculo XIX, indicando, quando necessrio, a denominao atual - ex. Rio Grande (i.e. Rio Paran) ou Araritaguaba (atual Porto Feliz). De resto, a grafia foi atualizada em todas as citaes, preservando-se os arcasmos apenas nos nomes prprios. 9 Laura de MELLO E SOUZA. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no sculo XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 2. ed, 1986.P. 24. 10 Ana Rita UHLE et al. Brasil Pr-Censitrio. Nmeros sobre a escala dos homens no povoamento. So Paulo, 1998. Relatrio de Iniciao Cientfica, Departamento de Histria, FFLCH-USP.. 11 Henrique de BEAUREPAIRE-ROHAN. Anais de Mato Grosso. Cuiab: IHGMT 2001. (Publicaes avulsas, n 20). p. 14. Guardadas as diferenas, a comparao no despropositada. O Brasil chegou a responder, em meados do sculo XVIII, por cerca de dois teros do ouro produzido no mundo ento conhecido. Para os dados da produo mundial, de Pierre VILAR, O ouro e a moeda na histria. (Portugal: Publicaes Europa-Amrica, 1974). Para a produo das capitanias do Brasil, Virglio Noya

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16 Em escala muito inferior do rush das Gerais, o ouro levou, a partir de 1719, os primeiros ncleos de povoamento para o Oeste. Como naquelas minas, a conquista se deu no curso de uma gerao e no com o avano lento sobre o serto, caracterstico das regies de pecuria, sendo paradigmtico destas a formao do vale do So Francisco. Tambm ao contrrio desta, a ocupao mineradora foi marcadamente urbana. Pontuando uma extensa e descontgua rea, entre as Minas Gerais e as vizinhanas das misses espanholas de Moxos e Chiquitos, os arraiais traziam caractersticas semelhantes. No Oeste, as povoaes da primeira metade do sculo XVIII surgiram, com a nica exceo da fazenda e varadouro de Camapu, s margens de depsitos de aluvio. Sua geografia foi definida, acima de tudo, pelo sucesso ou fracasso das expedies que esquadrinharam extensas reas em busca de ouro, resultando de imediato num mapa que melhor se representa com pontos que com manchas de povoamento. Como narram as Notcias de Gois, os sertanistas sucessivamente se foram aplicando s novas diligncias, as quais produziram os Arraiais que formam a Capitania12 Semeadas desordenadamente entre imensos sertes, as povoaes do Oeste formavam destas linhas, interrompidas a cada instante, melhor se diriam pontos indicando um traado a realizar.13 Alm disso, os espaos que viriam a formar as trs capitanias de minas compartilhavam a matriz societria paulista e uma experincia comum. Muitos dos que fundaram Cuiab haviam vivenciado os primeiros tempos das Minas Gerais, onde alguns se envolveram na Guerra dos Emboabas. Dentre os que, dcada e meia depois, alcanaram Gois, temos paulistas, incluso os que passaram pelo Cuiab, mas tambm reinis e baianos14. Como narrava Silva e Souza, em sua Memria, na aluvio dos homens, que concorrero ao Descobrimento de Gois, vieram pessoas de toda a qualidade, e at estrangeiros15. A regra, porm, era que os descobridores fossem sertanistas com experincia na conquista de minas e na governana dos povos, quePINTO. Balano das transformaes econmicas no sculo XIX, In: Carlos Guilherme MOTA (org.), Brasil em Perspectiva, 6a. ed., So Paulo, Difel,1975. 12 Relao do primeiro descobrimento das minas de Gois, por Bartolomeu Bueno da Silva, escrita por Jos Ribeiro da Fonseca. In NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783 (organizada por Paulo Bertran). Goinia: Universidade Catlica de Gois, Universidade Federal de Gois; Braslia: Solo Editores, 1996. Tomo I, p. 48. 13 Capistrano de ABREU. Captulos de Histria Colonial (1500-1800) & Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. 5 ed. Braslia: Ed. UnB, 1963.p. 207. 14 O caminho inverso tambm era percorrido. Segundo a Relao do primeiro descobrimento das minas de Gois... (op. cit., Tomo I, p. 47), os prprios herdeiros de Anhanguera, descobridor das Minas de Gois, passaram Capitania de Mato Grosso e por l ficaram. 15 Memria sobre o Descobrimento, Governo, Populao e Cousas mais Notveis da Capitania de Goyaz. O Patriota, tomo 4, 3 Subscrio, n. 4, jul. e ago. 1814. (BBD)

17 percorriam grandes distncias munidos de cartas rgias, sabedores que eram dos mecanismos da poltica colonial. Para eles, a organizao municipal era quase um reflexo: ao descobrir as primeiras lavras da regio do Cuiab e lanar as bases do arraial, logo se tratou de improvisar um senado da cmara.16 Narra o autor da Relao do primeiro descobrimento das minas de Gois que, tambm a, com o concurso do povo, foi necessrio estabelecer modo de Governo17. A fundao dos novos ncleos foi acompanhada desde o incio por uma srie de medidas polticas e administrativas, em grande parte fundamentadas na experincia das Minas Gerais. Tais polticas sero objeto do prximo captulo, sendo por ora suficiente dizer que nem a viso clssica de uma irrestrita liberdade bandeirante, nem a imagem de uma poltica colonial monoltica do conta desta realidade. Consistindo a administrao das colnias num universo de solues ad hoc, nos marcos do Antigo Regime, as diretrizes polticas seguiam caminhos tortuosos, sem de forma alguma deixarem de se fazer presentes18. Sertanistas munidos de cartas rgias, em busca de indgenas, minrios, mercs, privilgios e ofcios: esta talvez a imagem que melhor caracterize os colonos dos primeiros tempos do Cuiab e de Gois. Ainda que marcada pela disperso, a colonizao foi capaz de consolidar dois importantes ncleos urbanos, Cuiab e Vila Boa de Gois, cada qual organizando uma rede de pequenos e mdios arraiais. Acrescidos de Vila Bela da Santssima Trindade capital mato-grossense construda por ordem rgia no governo de D. Antnio Rolim de Moura estes seriam os centros das minas e conquistas do Oeste no sculo do ouro. Com trs a quatro mil habitantes em suas reas urbanas, eram vilas medianas frente a suas congneres litorneas, mas pequenas metrpoles diante de sertes to dilatados. Como demonstrou Carlos Rosa, as reas urbanas de Cuiab e Vila Bela condensavam aproximadamente 24% da populao da Capitania19, um ndice de urbanizao que s foi atingido pelo Brasil como um todo no sculo XX.20 Evidentemente, h de se considerar que uma imensa populao indgena no incorporada est ausente dos

Srgio Buarque de HOLANDA. Mones. 3 ed. So Paulo: Brasiliense, 1990.p. 75. Relao do primeiro descobrimento das minas de Gois... In NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 48. 18 Para uma discusso a respeito da questo, ver o Captulo 2 desta dissertao. 19 Excludos os indgenas no incorporados. Se considerarmos os maiores arraiais, que mesmo no sendo municpios, continham formas de vida urbana, o ndice no mnimo dobra. Carlos Alberto ROSA. A Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiab: vida urbana em Mato Grosso no sculo XVIII (1722-1808). So Paulo: Tese de Doutorado, USP,1996. p. 61-62. 20 Segundo Milton SANTOS, entre 1920 (10,7%) e 1940 (31,24%). A urbanizao brasileira. 4 edio. So Paulo: Hucitec, 1998. p. 20.17

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18 nmeros do setecentos mato-grossense. H de se considerar, ainda, as limitaes materiais que se impunham a esta importante (talvez por minscula) vida urbana do Oeste colonial.21 Porm, nem a permanncia dos imensos sertes, nem a relativa precariedade mudam o fato de que a Vila que D. Antonio encontrou estava muito longe de ser um acampamento bandeirante, pois, por mais contraditrio que possa parecer, o avano dos sertanistas era tendente ao predomnio do urbano.22 b) sertes O estabelecimento de arraiais e o avano de fronteiras implicavam a desterritorializao indgena e a reterritorializao colonial, prticas ento referidas como conquista23. Antes de tudo, isso teve enorme impacto para os povos indgenas de diversas partes dos sertes, em termos de mortes, migraes e incorporao forada. Nas palavras de um contemporneo, muitos ndios acabaram aqui como rezes ao corte do machado, ou sendo alvo de flechas e a fogo outros, e de mau trato e enfermidades uma grande multido.24 Alm desses muitos, outros tantos foram incorporados colonizao, na condio de cativos. A preao antecedeu em muito a minerao e foi nesta atividade que os paulistas entraram pela primeira vez nos sertes dos Goyazes e do Cuyab, denominaes que precederam as grandes descobertas de ouro e que remetem a povos que ali habitavam25; assim como a regio que seria conhecida por Mato Grosso

Carlos Alberto ROSA (A Vila Real, op. cit., p. 312) Perceber a importncia do componente urbano na formao do Oeste fundamental para que se supere todo um conjunto de equvocos interpretativos que partem ou do anacronismo de ver sociedades ruralizadas nessas regies desde a origem, ou da idia, em parte fruto da literatura em torno do bandeirantismo, de uma extrema fluidez nas relaes sociais, tendente a uma semi-itinerncia. A crtica a essas vises foi formulada por Carlos Alberto ROSA (A Vila Real, op. cit.) e ser discutidas mais adiante. 23 Carlos Alberto ROSA. o urbano colonial..., op. cit. 24 Trata-se de uma relao de uma viagem feita por Agostinho Loureno, por ordem do capito-general D. Antnio Rolim de Moura, em 1752, apud Augusto LEVERGER. Apontamentos cronolgicos da Provncia de Mato Grosso. Cuiab: IHGMT - 2001. (Publicaes avulsas, n 19). p.33. 25 Como afirma Carlos Eugnio NOGUEIRA, todas as informaes que pudemos levantar do conta dos sertes dos Guayazes como uma regio suficientemente conhecida tanto em So Paulo quanto em Belm desde fins do sculo XVII, com seus caminhos e rotas descritas nos inmeros roteiros de viagens que se perpetuavam atravs dos tempos, s aumentando a cobia formada pelos rumores sobre suas riquezas minerais. Nos sertes do poente: conquista e colonizao do Brasil Central. Dissertao de Mestrado em Geografia Humana. So Paulo: FFLCH-USP, 2008. p. 73. Uma discusso sobre a origem da denominao Cuyab est em Otvio CANAVARROS. O poder metropolitano em Cuiab (1727-1752). Cuiab, Editora da UFMT, 2004. p. 76-78. Segundo o autor, o mais provvel que, referindo-se originalmente a uma nao indgena, a denominao passou ao rio e, posteriormente, ao arraial e vila de Cuiab.22

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19 foi primeiramente referida por Campos dos Pareci ou, dado o contraste da vegetao amaznica com as campinas at ento exploradas, o Mato Grosso dos Pareci. 26 Como nos informam as Notcias da Capitania de Gois, o segundo Anhanguera, descobridor daquelas minas, no deixara de seguir seu pai na conquista dos Gentios, para se servirem deles como era costume27 Tal atividade ganhava novo alento com a demanda por braos que as lavras inauguravam. A assim chamada Ata de fundao de Cuiab j inclua dentre as atribuies do guarda-mor-regente botar bandeiras tanto aurinas [sic] como inimigas [dos] brbaros28 e o Termo que fizeram os primeiros exploradores que se acharam nas minas do Cuyab relata no apenas que os colonos poderiam possuir o gentio da sua terra depois de conquistados, como tambm que ajustaram de observar que, fugindo uma pea e apanhando-se em seu distrito, se tornar a entregar ao seu administrador29. O Regimento que levaria Joo Leme da Silva j inclua a recomendao de procurar que ningum ofenda os gentios naturais do dito serto [...], e querendo se aldear junto das minas, lhe assinar distrito. 30 Apesar desta e de outras ordens, antes da criao das capitanias no houve poltica de aldeamentos, religiosos ou civis, nem tratados e outras formas de incorporao ou coexistncia pacfica, como ocorreria na segunda metade do sculo. As primeiras aldeias foram as trs fundadas por Antnio Pires de Campos para os Bororo, ao que parece aps 1748, em recompensa ao auxlio destes na expedio contra os Caiap.31 No incio da ocupao trata-se da guerra e da escravizao, entendidas como conquista32, legitimadas pela legislao da guerra justa33 e fundadas numa longa experincia de bandeiras.

Loiva CANOVA. Os doces brbaros: imagens do ndios Paresi no contexto da conquista portuguesa em Mato Grosso (1719-1757). Dissertao de Mestrado em Histria. Cuiab: UFMT, 2003. p. 71. Carlos Alberto ROSA. O urbano colonial na terra da conquista. In Carlos Alberto ROSA & Nauk Maria de JESUS (orgs.). A terra da conquista - Histria de Mato Grosso Colonial. Cuiab: Ed. Adriana. p. 40. Otvio CANAVARROS, op. cit. p. 181, nota 337. 27 Descrio geogrfica do territrio do Arraial e Freguesia da Anta em 1783 in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. p. 129-130. 28 Ata de fundao de Cuiab, 8 de abril de 1719. APMT/DHMT. Doc. 3. 29 Termo que fizeram os primeiros exploradores que se acharam nas minas do Cuyab, 6 de novembro de 1720. APMT/DHMT, Doc. 4. 30 Regimento que levou para as novas Minas do Cuiab o Mestre de Campo Regente Joo Leme da Silva 26 de junho de 1723. APMT/DHMT, Doc. 8. Artigo 14. 31 Histria Poltica da Capitania in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 54. Daniel Moretto MARTINI. Na Trilha dos Bororo: Um Histrico das Relaes com os Paulistas. Anais do I Encontro de Pesquisa de Graduao em Histria. Campinas: Unicamp, 2008. p. 4. 32 Carlos Alberto ROSA. O urbano colonial na terra da conquista. op. cit. pp. 11-13. Sobre a poltica referente aos ndios no Cuiab antes dos aldeamentos, Otvio CANAVARROS, op. cit. pp. 89-92. 33 Como consta do regimento da Guerra Paiagu de 1733, os prisioneiros so escravos na forma da lei de dez de setembro de 1611. Registro do Regimento que se fez para a tropa que vai dar guerra ao gentio Paiaguazes. APMT/DHMT, Doc. 18.

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20 s expedies de preao, seguiram-se alguns grandes esforos de guerra nos espaos em que era vigorosa a resistncia indgena conquista. Foi este o caso primeiramente dos Paiagu. Em 1730, esta nao imps uma grave derrota aos colonizadores, numa batalha no Rio Paraguai em que acabaram quatrocentos cristos, entre brancos, pretos e ndios, e dos inimigos cinqenta, escapando dos nossos [sic] doze pessoas, que por terra se acoutaram a um capo de mato.34 Dentre os mortos estava o ouvidor do Cuiab, a mais importante autoridade das novas minas. Alm disso, os indgenas teriam levado todo o carregamento de ouro destinado casa de fundio de So Paulo.35 A crer no depoimento de um encarregado espanhol das demarcaes do Tratado de Madri, fonte esta citada por Afonso Taunay, una gran porcin de este oro llebaran a la Assuncin y vendieran por la quinta parte o menos de su valor36. A partir deste incidente, que vinha a se somar a uma srie de investidas dos Paiagus contra as mones que atravessavam seu territrio37, recrudesceram as expedies de guerra. Duas armadas mandadas em 1731 foram mal-sucedidas - a primeira com 215 homens, a segunda com cerca de 400. J em 1733, ordenou S. Majestade [...], em consulta ao Conselho Ultramarino, que pronta e vigorosamente lhe mande dar guerra pelos meios mais eficazes, para que sejam atacados dentro dos seus mesmos alojamentos assim os ditos Gentios Paiaguazes como tambm s mais naes que, confederadas com eles, os ajudaram a nos hostilizar. Estabeleceu-se, desta forma, o regimento para a guerra, que deveria se dar tambm a todas as mais naes que infestaram as Minas do Cuiab, e seu caminho [e] que todos os que se apanharem fiquem cativos das pessoas que se empregarem na dita guerra [...]. Pretendia-se destruir inteiramente os indgenas, pela guerra e cativeiro, repartindo aqueles que fossem capturados entre todos os integrantes da expedio, mas tirando-se primeiro que tudo o quinto de S. Majestade que se devem por em arrecadao 38.

Relao das povoaes do Cuiab e Mato Grosso apud Thereza Martha PRESOTTI. A conquista dos sertes do Cuiab e do Mato Grosso: os numerosos reinos de gentios e a guerra justa aos paiagu (1719-1748). Texto apresentado ao Simpsio Temtico Guerras e Alianas na Histria dos ndios: Perspectivas Interdisciplinares, XXIII Simpsio Nacional de Histria (ANPUH), 2005. Sobre as guerras contra os Paiagu, Caiap e Guaicuru, Glria KOK. O Serto Itinerante, op. cit. Captulo 4. 35 Srgio Buarque de HOLANDA. Mones. op. cit. pp. 108-109. 36 Afonso dEscragnole TAUNAY. Paulistas em Mato Grosso. Cuiab: IHGMT 2002. (Publicaes avulsas, n 42). p. 67. 37 Segundo Thereza Martha PRESOTTI (op. cit., p. 5), esto registrados 18 ataques, iniciando com o [...] conflito onde morreram 600 pessoas em 1725. O derradeiro parece ter ocorrido em 1786.. Ver tambm Otvio CANAVARROS, op. cit. p. 249 e segs. 38 Registro do Regimento que se fez para a tropa que vai dar guerra ao gentio Paiaguazes.. APMT/DHMT, Doc. 18. p. 55 e segs. Para que no fiquem dvidas, o regimento reitera que o gentio que

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21 A armada montada para a guerra Paiagu de 1734 contava com 28 canoas de guerra, 80 de bagagem e montaria, 3 balsas (casas portteis armadas sobres canoas) e 842 homens entre brancos, pretos e pardos39. As armas, munies e demais petrechos foram custeados pela Fazenda Real e a esta tropa se juntaram as bandeiras organizadas em Itu e Sorocaba, em especial o exrcito de Bororos levado por Antnio Pires de Campos. Para a Coroa, havia o imperativo estratgico de manter as novas minas produtivas e sob seu domnio, controlando o acesso a elas pela via monoeira, to prxima dos estabelecimentos espanhis. Pretendia a metrpole destruir os Paiagus, porque acabados estes ficar a navegao das mones do Cuiab desimpedida, que a principal causa porque se manda fazer esta expedio. Porm, para os colonos, o sentido da expedio era, alm da segurana das mones, o fornecimento de mo-deobra cativa para as novas minas. A soluo interessava a todos, menos aos Paiagus e outras naes que resistiram a esta e a outras guerras ainda que o resultado de tal expedio tenha sido devastador, como indicam as narrativas40. J vimos que a mono de D. Antnio Rolim de Moura, dezessete anos depois, demandava reforos ao entrar no territrio desta nao. Segundo Thereza Martha Presotti, o ltimo ataque Paiagu s mones de que h notcias ocorreu em 1786. De fato, nos mapas e relatos oitocentistas, esta nao tende a desaparecer por completo.41 No Paraguai, porm, podiam ser encontrados no incio do sculo XIX como marginais nos arredores de Assuno42. Em Gois, expedies semelhantes foram armadas pelo mesmo Antnio Pires de Campos, a partir de 1741. A rogos desta [...] Cmara [de Vila Boa], e com promessas de uma arroba de ouro, veio do Cuiab o Coronel Antnio Pires de Campos com 500 Bororos seus agregados, a desinfestar esta Capitania do Gentio Caiap, que a vexavase deve dar guerra todo o que infesta o caminho e minas do Cuiab [...], sendo os primeiros os Caiaps 39 Annaes do Sennado da Camara de Cuyab: 1719-1830. Transcrio e organizao de Yumiko Takamoto Suzuki. Cuiab: Entrelinhas / APMT, 2007, p. 68. A (belssima) edio acompanha CD-Rom com edies fac-similar e paleogrfica dos Anais. A paginao aqui indicada refere-se verso paleogrfica impressa. 40 Tanto o extermnio, quanto a escravizao indgena, assim como o conflito entre os colonos pelo trabalho compulsrio, so relatados nos Annaes do Sennado da Camara de Cuyab: 1719-1830. op. cit. p. 67-69. 41 Por exemplo, o Atlas do Imprio, de Cndido Mendes de ALMEIDA, que indica a localizao de algumas naes, ou a Notcia sobre os ndios de Mato Grosso, de 1848, no qual constam trinta e trs naes, mas nem sinal dos Paiagus. Atlas do Imprio do Brazil: comprehendendo as respectivas divises administrativas, ecclesiasticas, eleitoraes e judiciarias. Rio de Janeiro: Lithographia do Instituto Philomathico, 1868. Joaquim Alves FERREIRA. Notcia sobre os ndios de Mato Grosso dada em ofcio de 2 de dezembro de 1848 ao Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios do Imprio, pelo Diretor Geral dos ndios da ento Provncia. Cuiab: IHGMT 2001. (Publicaes avulsas, n 33) 42 Maria de Ftima COSTA. Histria de um pas inexistente: o Pantanal entre os sculos XVI/XVIII, Ed. Estao Liberdade, So Paulo, 1999. p. 50.

22 destruindo os viajantes da estrada de So Paulo.43

Nestas minas, as expedies contra

os Caiap se estenderam por uma dcada e foram seguidas por outras. Como afirma Paulo Bertran, a guerra indgena eclodiu terrvel desde a descoberta goiana e recrudesceu particularmente nos anos de 1740 e 1760. Salvo alguns aldeamentos criados na dcada de 1750, onerosos e ineficazes, o indgena sempre esteve em corso nas periferias da conquista.44 Em 1755, os Caiap chegaram mesmo ao centro das conquistas, matando quarenta e um escravos e seu proprietrio, nas vizinhanas da capital.45 Indgenas em corso que se contrapunham a sertanistas na preao, por vezes apoiados em provises rgias.46 s grandes expedies somam-se outras menores, seja s expensas das cmaras ou da Real Fazenda, seja bancadas por particulares. Nestas, nem sempre reina a harmonia entre os imperativos da Coroa e os interesses dos colonos na conquista de braos para as lavras. Por bando de 12 de dezembro de 1727, mandou o capito-general de So Paulo que o gentio que novamente se conquistou e conquistar daqui em diante nos sertes desta capitania no possam de nenhuma sorte ser vendidos por ser de sua natureza livres47. Novo bando de 20 de julho de 1730, probe absolutamente a conquista e extrao do gentio Pareci [...], sem embargo de ser permitida a conquista e cativeiro do Paiagus e Cavaleiros pelas hostilidades que haviam feito 48. Em 1732, entranharamse os bandeirantes pelos sertes dos Parecis para, a pretexto de descobrirem novas minas, cativarem o gentio49

. Mais de uma dcada depois, denunciava o padre

Agostinho Loureno ao capito-general a conquista injusta dos gentios empreendida43

Histria Poltica da Capitania in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 54. A passagem repetida em termos quase idnticos em, Luiz Antonio da Silva e SOUZA, Memria sobre o Descobrimento, Governo, Populao e Cousas mais Notveis da Capitania de Goyaz. O Patriota, tomo 4, 3 Subscrio, n. 4, jul. e ago. 1814 (BBD). p. 53. 44 Paulo BERTRAN. Introduo in: NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. , Tomo I, p. 7 45 Marivone Matos CHAIM. Aldeamentos Indgenas: Gois, 1749-1811. 2a. ed. rev. So Paulo: Livraria Nobel, 1983. p. 57-58. 46 Por exemplo, pela Proviso de 18 de setembro de 1738 mandou Sua Majestade socorrer aos moradores do Serto e Terras das Minas de [So] Flix, contra as hostilidades que sofriam do gentio Cro; na de 23 de maio de 1744 mandou aprovar a guerra ao gentio de corso, em termos muito semelhantes ao regimento dos Paiagu no Cuiab; e, finalmente, por Proviso de 28 de maio de 1746 assentou ser indispensvel fazer a guerra ao Gentio Caiap e Acro [...] [para] desinfestar estas Minas e as estradas de sua comunicao das duas ditas Naes e extinguindo-as ou civilizando-as [...]. Sumrio dos Registros da Secretaria de Governo da Capitania (1783) in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo II, p. 83-84. 47 Registro de um bando sobre se no venderem nesta Capitania os ndios que vierem do serto 12 de dezembro de 1727. APMT/DHMT, Doc. 14. p. 47. O bando no probe o trabalho compulsrio administrado como um todo, mas o regula e probe a venda dos indgenas. 48 ANNAES do Sennado da Camara de Cuyab: 1719-1830. op. cit., p. 66. 49 Augusto LEVERGER. Apontamentos cronolgico, op. cit. p. 17.

23 nas minas do Arinos, povoao que, segundo ele, no era mais do que um covil de salteadores das vidas, honras e fazendas dos ndios a quem declararam guerra sem outro motivo, e sem mais autoridade do que a cobia.50 Em 1786, ainda era preciso que o capito-general tomasse medidas para impedir a escravizao dos Caiap, na fazenda de Camapu.51 Se havia muitos cativos indgenas, tambm estavam presentes desde a conquista os escravos de origem africana. Alguns testemunhos so claros quanto concomitncia da mo-obra africana com a dos negros da terra. J na primeira mono de povoado, os colonos chegavam com perda de muita escravatura e camaradas e de um deles se diz que morrendo-lhe a escravatura e perdendo tudo o mais que trazia, chegou a dar um mulatinho que tinha em conta de filho por um peixe pacu por conservar a vida52 Segundo Leverger, em 1727 j contavam-se no Cuiab 2.607 escravos, e no mesmo ano expediram-se trs bandeiras para fazerem novas descobertas e conquistarem gentios. Tambm em 1727, foi destrudo pela primeira vez um quilombo nos arredores do Cuiab.53 Em 1741, o jesuta espanhol, padre Castaares, advertia em carta ao Governador do Paraguai que, ainda que fossem poucos os portugueses do Cuiab las veces que hemos topado a cada portugus correspondan dos o tres negros y otros tantos indios, con que haciendo mi computo, juzgu que nunca podramos juntar tanta gente que ellos no pusiesen en campo otras tantas54. No decorrer do sculo XVIII, a escravido africana tornou-se a principal fora de trabalho nas minas do Oeste, sem que os ndios administrados desaparecessem de todo. Para esse predomnio contribuiu o acesso a redes mercantis que levavam aos portos do Rio de Janeiro, Bahia e Belm, em detrimento das rotas paulistas, mas tambm o combate da Coroa ao cativeiro indgena, principalmente na segunda metade do sculo. A mo-de-obra indgena, com diversas gradaes entre o cativeiro e o trabalho livre, seguiria mais importante nos sertes e em seus caminhos do que nasRelao de uma viagem feita por Agostinho Loureno (1752), apud Augusto LEVERGER. Apontamentos cronolgicos da Provncia de Mato Grosso. op.cit. p. 32-33. 51 Henrique de BEAUREPAIRE-ROHAN. Anais de Mato Grosso. op .cit. p. 81. 52 ANNAES do Sennado da Camara de Cuyab. op. cit. p. 48. As referncias a cativos africanos e a indgenas, administrados, escravizados ou combatidos, so achadias nos relatos monoeiros desde os primeiros tempos do Cuiab. Por exemplo, em meio ao grande ataque Paiagu, relata Joo Antonio Cabral Camelo que ele e outros trs brancos que dirigiam a mono tiveram que se dividir. Enquanto dois atiravam contra os indgenas, os outros governavam a canoa onde estavam os escravos negros, com ordens de que primeiro os matassem que os deixassem fugir. Joo Antnio Cabral CAMELO. Notcias prticas das minas do Cuiab. Cuiab: IHGMT 2002. (Publicaes avulsas, n 48) pp. 24-25. 53 Otvio CANAVARROS, op. cit., p. 98-99. 54 Carta do Padre Castaares ao governador do Paraguai. 16 de setembro de 1741. APMT/DHMT, Doc. 19, p. 61-6350

24 minas e conquistas. Segundo dados apresentados por Carlos Rosa, em 1740 existiam mais de dois mil ndios administrados no termo de Cuiab, ou 35% do total da populao, proporo que diminuiria, na segunda metade do sculo XVIII, para algo entre 13 e 20%. No final do sculo representavam, segundo dados de Jovam Silva, cerca de 3% dos habitantes. Neste momento, os encontramos principalmente como comboieiros da navegao, tanto monoeira, como da carreira do Par.55 Os aldeamentos, propriamente ditos, foram, no Extremo Oeste, parte da geopoltica da fronteira. Seus habitantes eram, em grande parte, indgenas que desertaram das misses castelhanas.56 No caso das minas de Gois, a incorporao de indgenas adquiriu maior importncia com a poltica de aldeamentos religiosos e civis. Alm das j referidas aldeias criadas e administradas por Antnio Pires de Campos no tempo da conquista dos Caiap, foram fundados sete estabelecimentos deste tipo na segunda metade do sculo XVIII, chegando o maior deles a contar com 8 mil indgenas, o dobro da populao urbana da capital na mesma poca57. Tratava-se, aps 1758, da extenso para esta Capitania da legislao do diretrio dos ndios, incialmente aplicada no Estado do GroPar e Maranho. Porm, ao contrrio do que ocorreu nas capitanias do extremo norte, os aldeamentos goianos implicaram pouco na dinmica econmica das minas de Gois. Como veremos adiante, nem era o essencial desta poltica indigenista o fornecimento de mo-de-obra, ao menos a curto prazo. Objetivando principalmente a conteno da guerra indgena nas fronteiras de colonizao e o povoamento futuro dos sertes, as aldeias pombalinas foram erguidas j no na conquista, mas quando se manifestavam os primeiros sinais claros da crise do complexo minerador. Tanto dos banhos de sangue decorrentes das guerras de conquista, quanto da incorporao, quase sempre forada, das naes tidas por mansas ou domesticveis no nos faltam notcias. Apesar de tudo isso, o impacto demogrfico deste processo sobre os povos indgenas (morte, migrao e incorporao forada) longe esteve de despovoar os sertes. Carlos Rosa, referindo-se a Mato Grosso, critica a pouca importncia dada faceta invisvel da conquista desta parte mais central: a minscula sociedade colonial, a massa amerndia. Para se ter uma idia, o autor afirma que todaJos Roberto do Amaral LAPA. Do Comrcio em rea de Minerao. in Economia Colonial, So Paulo: Perspectiva, 1973, p. 46. 56 Sobre a relao entre a geopoltica e as aldeias, ver o perodo albuquerquino e o apogeu da geopoltica, no Captulo 2 desta dissertao. 57 Marivone Matos CHAIM. Aldeamentos Indgenas. op. cit.55

25 a populao colonial do Cuiab at 1750 representava menos de 7% da populao subestimada de apenas cinco das sociedades amerndias que habitavam os sertes ao seu redor .58 A questo indgena haveria de se prolongar ainda por muito tempo, dadas as escalas e a capacidade de resistncia desses Reinos, como muitas vezes eram chamados. Assim, apesar da guerra, do cativeiro, da pacificao por via de aldeamentos e de outras formas de poltica indigenista, o Oeste permaneceu como um universo de vilas e arraiais mineradores no qual, por longo tempo, permaneceu atual o ofcio de sertanista. Em geral, eram povos que mantinham contato em vrios graus com os colonos estabelecendo, por exemplo, relaes eventuais de troca, servindo de guias ou formando exrcitos auxiliares em operaes militares. Relaes, em certos casos, muito anteriores ao estabelecimento das primeiras vilas, iniciadas quando aqueles sertes eram, ainda, apenas atravessados pelos paulistas59. Diversos desses povos permaneceram habitando os sertes de Gois e Mato Grosso. A histria de sua incorporao e (com bastante freqncia) de seu extermnio pertence aos sculos XIX e XX. O que importa ressaltar neste momento que o processo de conquista ou seja, a desterritorializao indgena e a reterritorializao colonial estava longe de se completar no sculo do ouro e mesmo durante o Imprio. c) machas de povoamenro Vimos at aqui que a formao do complexo minerador do Oeste resulta de um rpido avano sobre sertes at ento apenas atravessados por colonos. Uma colonizao que tendida criao de arraiais mineradores, ordenados por vilas, consolidadas, em parte, graas ao governativa. Em torno destes ncleos, restavam os imensos sertes, alguns densamente povoados por naes indgenas, que no foram dizimadas, expulsas ou incorporadas na conquista dos primeiros tempos. Dizer que o urbano a matriz da colonizao do Oeste no implica, obviamente, crer que a ele se resume este movimento. Afinal, como j afirmava Srgio Buarque de Holanda, sobre o Cuiab: evidente que essa comunidade de trs ou quatro mil homens, concentrados em uma breve faixa de terra que as aluvies aurferas delimitavam, apartada dos povoados paulistas por uma spera navegao, em que se gastava mais tempo do que de Lisboa ao Rio de Janeiro, no poderia perdurar longamente sem base econmica segura.6058 59

Carlos Alberto ROSA. O urbano colonial na terra da conquista. op. cit. pp. 37-38. Glria KOK. op. cit. Captulo 4. 60 Srgio Buarque de Holanda. Mones. op. cit. p. 77-78.

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Para superar as graves crises de carestia dos primeiros tempos61,foi preciso criar redes de abastecimento, em grande parte mercantis, e que envolviam tanto a ocupao do campo com lavouras e pastagens, quanto a abertura de caminhos; processo que tendia formao de um mercado interno, articulado s rotas j existentes. Ao integrar diferentes arraiais e fortalecer as capitais das conquistas Cuiab, Vila Boa e, posteriormente, a Vila Bela da Santssima Trindade as relaes mercantis contriburam decisivamente para a formao dessas trs regies de minas, diferenciadas, mas articuladas entre si e com outros espaos coloniais. Ou seja, se a minerao fez surgir rapidamente os pontos, o abastecimento paulatinamente criou em torno destes as manchas de povoamento, estando um e outro movimento na base da formao de diferentes regies que se integravam de formas diversas s outras partes do Continente do Brasil. Recorrendo a Capistrano de Abreu, podemos dividir a ocupao desta parte da Amrica em diferentes correntes de povoamento:Observando a distribuio geogrfica dos povoadores notavam-se duas correntes fceis de distinguir. A corrente espontnea do povoamento tendia continuidade e procurava a periferia a Oeste, ao Norte e ao Sul. A corrente voluntria, determinada por ao governativa, ambio de territrios ou vantagens estratgicas, aparecia salteada e desconexa, e comeando da periferia procurava rumos opostos. Nas terras aurferas a ocorrncia irregular dos minrios trouxe primitivamente a desconexo dos ncleos, mais tarde corrigida onde foi possvel.62

A partir deste quadro, e usando sua terminologia, pode-se compreender a incorporao do Oeste como resultado da confluncia de correntes de povoamento. No caso das minas de Gois, a primitiva desconexo dos ncleos foi corrigida rapidamente por correntes espontneas, que tendiam continuidade e procuravam a periferia. J nas minas do Cuiab e, principalmente, nas do Mato Grosso, a expanso que se seguiu ocorrncia irregular dos minrios deu-se, posteriormente e de forma voluntria, pois determinada por ao governativa, ambio de territrios ou vantagens estratgicas At aqui foi possvel abordar em conjunto as diferentes minas do Oeste. Tratando-se agora da formao das regies do Cuiab, do Mato Grosso e de Gois, passamos a apresentar separadamente a construo desses espaos no perodo de montagem doPor exemplo, os ANNAES do Sennado da Camara de Cuyab. (op. cit) referem-se por diversas vezes s crises de desabastecimento e fome nos primeiros tempos do Cuiab. Sobre o ano de 1727, afirma: eram tudo misrias, queixas, e lamentos; a terra falta de mantimentos por faltarem as roas, que brotavam os milhos espigas sem gro algum, as doenas atuais, os que escapavam delas, no escapavam da fome, assim que tudo hera gemer, chorar e morrer.. p. 56. 62 Capistrano de ABREU. Captulos de Histria Colonial (1500-1800) & Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil. op. cit. p. 107.61

27 complexo minerador. A ordem da exposio, iniciando com as minas goianas, parece inverter a seqncia cronolgica do processo. Porm, se Cuiab foi a primeira conquista estabelecida no Oeste, Gois foi a primeira regio a se integrar s complexas redes mercantis do interior da Amrica Portuguesa. As minas de Gois Em terras goianas, a conquista paulista deparou-se j nos primeiros tempos com outras correntes de povoamento, especialmente a da pecuria do vale do So Francisco. Antes mesmo das descobertas do segundo Anhanguera, pecuaristas daquela rea j haviam atravessado a Serra Geral de Gois e tentado por duas vezes a instalao de fazendas de gado no vale do Tocantins, expanso frustrada pela resistncia dos ndios Acro. Em 1740, reivindicaram esses pecuaristas o reconhecimento de seu papel na conquista goiana, para sustentar um pedido de que os quintos se cobrassem apenas aos mineiros e no aos criadores de gado. Argumentavam que, ainda que tenham sido, em 1708, pela segunda vez obrigados a retirar-se, tornando a deixar o gado nesse serto que conquistaram, foram eles que comearam o seu comrcio com as minas de Tocantins e Gois, os sertes do rio de So Francisco, Rio Grande do Sul, Paranagu e Piau, e as cidades da Bahia, Pernambuco e Maranho do que resultou utilidade Fazenda Real, aos moradores do serto das Terras Novas e s minas de So Flix, Chapada e Natividade. 63

Paulo BERTRAN. Histria da Terra e do Homem no Planalto Central. Eco-histria do Distrito Federal. 1 Edio, disponvel no portal do Instituto Bertran Fleury ( www.paulobertran.com.br ). pp. 6264. O Rio Grande do Sul mencionado um afluente do So Francisco, e no a ento Capitania e atual Estado de mesmo nome; as Terras Novas referem-se rea de pastagens na barra do rio da Palma, ento capitania de Gois e atual Estado do Tocantins.

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Sertes, de mar a mar.. Neste mapa, sem data, mas que com certeza do terceiro quartel do sculo XVIII, percebe-se o contraste entre a regio goiana, com dezenas de pontos indicando uma densa rede de arraiais mineradores e aldeias, e a Capitania do Cuiab e Mato Grosso, que tem, alm das duas Vilas, um nico ponto indicando povoao, que provavelmente se refere a Santana de Serra Acima (atual Chapada dos Guimares). A linha amarela representa o territrio da Capitania de Gois, cujas fronteiras eram pouco definidas. Outro ponto a se destacar que, seguindo a regra da maioria dos mapas do sculo XVIII, Cuiab e Mato Grosso so apresentadas como jurisdies distintas. Mappa dos sertes que se comprehendem de mar a mar entre as capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyab, Mato-Grosso e Par. Disponvel no Portal da BND (O.D. mss1033414.tif ).

29 Ainda que pudessem exagerar seus feitos, o fato que os pecuaristas do Vale do So Francisco foram importantes agentes da integrao dos arraiais goianos, abrindo e dinamizando rotas comerciais e povoando os campos em torno das novas minas. O caminho dos currais, que levava a Salvador, via Carinhanha e Rio de Contas, foi uma das principais vias de acesso a Gois nos sculos XVIII e XIX. Sobre ela deixou um interessante relato o capito-general de Gois d. Lus da Cunha Menezes, em 1778. Muito diferente da viagem de d. Antnio Rolim de Moura do Araritaguaba a Cuiab, na qual chegou-se a passar quase trs meses sem que se avistasse povoao alguma, esta jornada de Salvador a Vila Boa inteiramente feita entre stios, fazendas e registros. Este era certamente um trajeto muito menos sofrido, pois alm de demandar metade do tempo apenas dois meses e dezesseis dias -, a contigidade dispensava a enorme quantidade de provises e a escolta de um verdadeiro exrcito, pronto para uma eventual batalha. Aqui, as descries minuciosas de uma natureza estranha a algum de uma terra to apertada, como a do nosso reino64 do lugar explanao sobre o significado do verbo vaquejar - o mtodo de que usam para amansarem os gados.65 Inicialmente caracterizada pelo feitio urbano da minerao, a regio de Gois no tardaria a contar com imensas pastagens. Tambm no extremo norte das novas conquistas, a expanso paulista deparou-se com o incipiente povoamento dos vales do Araguaia e do Tocantins por colonos do Gro-Par e do Maranho66, que com a descoberta das novas minas tomaram seu rumo, chegando mesmo a reivindicar a jurisdio sobre alguns descobertos. o que se depreende da existncia de uma proviso de 1737, pela qual determinou Sua Majestade que as Minas de So Flix pertencem a este Governo de Gois, e no ao Estado do Maranho e, sobretudo, por outra semelhante, de 1740, com relao s minas de Manoel Alves, norte goiano, que tambm desaprovava a nomeao de Intendente e mais Oficiais que o Governador da Capitania [do Maranho] tinha criado para aquelas minas, na inteligncia de lhe pertencerem.67. Como veremos, a Coroa acabou por proibir de todo as comunicaes entre Gois e o Estado do Gro-Par e Maranho.Relao da viagem que fez o conde de Azambuja... op. cit. Jornada que fez Lus da Cunha Menezes da Cidade da Bahia para a Vila de Caxoeira no dia 29 de Agosto, e desta no dia 2 de setembro para Vila Boa Capital de Goyaz, aonde chegou no dia 15 de outubro de 1778 in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo II, p. 73. 66 Havia um longo histrico de ocupao missioneira e de descimentos de indgenas na rea que viria a ser o Norte goiano, em especial o vale do Tocantins. Ver Carlos Eugnio NOGUEIRA. Nos sertes do poente. op. cit. p. 68. 67 Sumrio dos Registros da Secretaria de Governo da Capitania (1783). NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo II, p. 83.65 64

30 Afinal, a integrao que vimos h pouco descrita pelos pecuaristas do vale do So Francisco no era de tanta utilidade Fazenda Real quanto eles apregoavam. Estreitar os laos de uma regio de minas com as cidades da Bahia, Pernambuco e Maranho, quando desta j havia caminhos para So Paulo e Minas Gerais (e por estas vias, para o Rio de Janeiro) era abrir enormes possibilidades para os descaminhos do ouro. Afora esta proibio e a da explorao das terras diamantferas de Piles e Rio Claro criticada repetidamente pelos colonos - a ocupao se expandiu pelos campos, atenuando e paulatinamente superando o predomnio do povoamento urbano caracterstico da minerao. Em Gois, a formao dos ncleos de povoamento pode ser dividida em trs perodos, entre os sculos XVIII e XIX. Primeiro, os arraiais resultantes do rush minerador, entre 1726 e 1749. Alm de Santana (1726), origem de Vila Boa de Gois, so eles: Barra (1726), Anta (1726), Santa Rita (1726), Ferreiro (1726), Ouro Fino (1726), Santa Cruz (1726), Maranho (1730), Meia Ponte (1731), gua Quente (1732), Crixs (1734), Natividade, (1734), Traras (1734), So Jos do Tocantins (1735), Cachoeira (1736), So Flix (1736), Pontal (1736), Jaragu (1737), Cavalcante (1740), Arraias (1740), Barra da Palma (1740), Natividade (1740), Chapada de So Flix (1740), Flores (1740), Santa Rosa (1740), Pilar (1741), Conceio (1741), Corumb (1741), Guarinhos (1741), Mato Grosso de Gois (1743), Piedade (1746), Piles (1746), Carmo (1746), Santa Luzia (1746), Desemboque (1748) e Cocal (1749). Pontuando uma extensa rea, mas longe de cobrir a totalidade do territrio goiano, esses arraiais foram a base do povoamento no perodo de apogeu da minerao68. O ouro neles extrado atingiu uma escala significativa at meados do sculo XVIII, chegando a representar mais que a tera parte do total da Amrica portuguesa, numa poca em que dessa colnia saa mais da metade do ouro mundial.69 Ainda que a mobilidade fosse regra com a populao aumentando e diminuindo, por vezes bruscamente, de acordo com os novos achados alguns desses arraiais consolidaram-se como ncleos urbanos aps a

Segundo Paulo BERTRAN (que segue, por sua vez, o trabalho de Americano do Brasil), o apogeu da minerao ocorreu no perodo entre 1726 e 1746. Introduo in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 4. Sobre as dinmicas do povoamento goiano, a referncia obrigatria (e a fonte dos dados sobre a demografia goiana aqui apresentados) o trabalho de Elianda Figueiredo Arantes TIBALLI, A expanso do povoamento em Gois: Sculo XIX. Universidade Federal de Gois. Instituto de Cincias Humanas e Letras, 1991. 69 Pierre VILAR, O ouro e a moeda na histria. op. cit. Virglio Noya PINTO. Balano das transformaes econmicas no sculo XIX, op. cit.

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31 crise da minerao: onze dos vinte e seis municpios goianos existentes no final do sculo XIX tinham origem em algum desses primeiros povoados. Produo de ouro nas trs capitanias mineradoras, Sculo XVIII

Fonte: Virglio Noya PINTO. Balano das transformaes econmicas no sculo XIX, op. cit.

Em seguida, temos os ncleos da segunda metade do sculo XVIII, que no eram mais predominantemente mineradores: Couro (1750), Duro (1751), Montes Claros (1757), Tesouras (1755), Amaro Leite (1768), Morro do Chapu (1769), Prncipe (1770), Lavrinhos (1771), Bonfim (1774) e Porto Real (1782) alm de oito aldeamentos indgenas. Neste perodo, encontramos alguns daqueles primeiros arraiais

32 fundados margem das aluvies j especializados em gneros de abastecimento. Este o caso da rea que foi, de certa forma, incorporada pecuria do So Francisco, especialmente o vale do Paran, que se manteve at o final do sculo XVIII como maior criatrio da Capitania, com 106 fazendas que produziam anualmente 15 mil crias de gado vacum e 800 de gado cavalar, em 1783.70 Ainda no Norte, informa-nos a Notcia Geral que em arraiais primitivamente mineradores reinava a pecuria: Flores no tem seno fazendas de gados; Barra da Palma no tem Minas, pois s tem fazendas de gado; e Arraias, que havia sido um dos mais importantes ncleos da minerao, tem na maior parte fazendas de gado. Outros daqueles arraiais mineradores estavam sendo abandonados, chegando em certos casos a desaparecer completamente. Assim, em Guarinos, a diminuio das suas Lavras o tem quase despovoado; Cocal, est hoje quase despovoado por falta de lavras; o mesmo ocorrendo em gua Quente e no arraial do Ferreiro, primeira povoao desta Capitania. Por outro lado, Natividade, que era das minas mais ricas da Comarca possua ainda ouro de excelente toque71. Mas no era apenas a pecuria do So Francisco que avanava sobre os campos goianos. Tambm no sul, colonos de Gois, Minas Gerais e So Paulo ocuparam as reas prximas aos arraiais e s estradas, desde Vila Boa at o Serto da Farinha Podre, espao que viria a formar o Tringulo Mineiro, territrio goiano at 1816. Mesmo no Vale do Araguaia, uma das reas menos povoadas da Capitania, encontravam-se umas fazendas de gado nas proximidades do caminho que levava a Cuiab.72 Tambm no era s a pecuria que ocupava os campos, sendo digna de nota a relao, presente nas Notcias, de noventa e seis engenhos na Capitania, ocupando mais de dois mil escravos, metade destes no julgado de Traras, claro sinal de especializao. Outros quarenta e cinco engenhos produziam farelo de milho e de mandioca. Gado, cana, farinhas e os sub-produtos de cada uma destas mercadorias abasteciam as povoaes da regio, mas no apenas dela, pois o que se percebe nesta documentao um mercado interno que se integrava, mesmo que marginalmente, s rotas dos sertes pernambucano e baiano, s vilas e cidades de Minas Gerais e de So Paulo e s minas do Cuiab. Este mercado minuciosamente descrito nos diversos documentos que compem as Notcias de 1783, nas quais percebemos a complementaridade entre os arraiais, a consolidao de70

Introduo in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 10-11. Segundo Silva e SOUZA (1814), Paran se chama no s o Rio, mas o Serto de 80 lguas, que existe entre Serras, povoado de Fazendas de gado, e o mais acomodado para a criao. Memria sobre o Descobrimento.... op. cit. p. 69 71 NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, pp. 74-77, 79, 91-92, 140-141. 72 NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, pp. 140-141.

33 entrepostos importantes, as rotas mercantis demandando as mais diversas regies da Amrica Portuguesa. Ainda que a formao de um mercado interno tendesse ao fortalecimento de alguns ncleos, o predomnio de Vila Boa foi inconteste no mbito da capitania, at que o desenvolvimento do comrcio com o Par e um conjunto de reformas levassem a uma diferenciao clara do Norte, no incio do sculo XIX. Portanto, at 1809, esse era um universo de relaes articulado pela nica vila, sede do municpio, da comarca e da capitania de Gois. Passado o sculo do ouro, surgiram novas povoaes ligadas pecuria ou navegao do Tocantins: Arax (1808), Curralinho (1809), So Joo das Duas Barras (1809), So Domingos (1810) e Palma (1814).73 Aps a criao desses, outros ncleos surgiriam por todo o sculo XIX, agora sem qualquer relao com a minerao, de forma que no fim do Imprio, Gois era uma provncia dominada pela pecuria74. Ao contrrio do que ocorrera no sculo do ouro, agora o campo que origina as cidades:Inicia-se ento um processo de ruralizao da populao e da economia. Os ncleos populacionais que foram surgindo constituam uma extenso das propriedades rurais e quase todas se estruturavam atravs do sistema de patrimnio. Durante o sculo XIX, a maioria dos arraiais que surgiram em Gois obedeceu a este sistema. O fazendeiro doava uma parcela de terra a um santo de sua devoo e naquele local era construda uma capela para as celebraes religiosas. O agrupamento das pessoas em torno da igreja possibilitava o comrcio que com o passar do tempo fixavase no local, transformando-o em ncleo urbano. Flores, Catalo, Curralinho e Rio Verde so exemplos de arraiais que surgiram dessa forma.75

O que convm aqui destacar que a passagem da sociedade mineradora para a da pecuria se processou de forma muito lenta e a percepo desta transio tambm se alterou no decorrer do tempo. Entre os primeiros sinais de esgotamento das lavras, na dcada de 1750, e o avano rpido e definitivo da pecuria, por volta de 1830, o que emerge na documentao uma regio em que o ouro aos poucos desaparece, ao passoElianda Figueiredo Arantes TIBALLI, A expanso do povoamento em Gois... op. cit. pp. 22-23. Em Gois, as diferentes matrizes da expanso podem ser percebidas nas camadas de significados presentes na toponmia. Excludos os nomes santos, presentes em todos os perodos, segue-se denominaes dos povos conquistados (Goyaz, Crixs), quelas ligadas minerao (Ouro Fino, Lavrinhas) e navegao fluvial (Porto Real, So Joo das Duas Barras), o predomnio absoluto da pecuria, com milhares de referncias aos campos, currais, pastos, pousos, etc. A modernizao do sculo XX trouxe, alm das mudanas de gosto bastante duvidoso - de Meia Ponte a Pirenpolis, de Boa Vista a Tocantinpolis, de Santana de Campos Ricos a Anpolis -, as denominaes ligadas aos projetos de colonizao, como Ceres e Rialma. Sobre o predomnio da pecuria na toponmia, ver Baslio Toledo FRANA. O boi na geografia de Gois. Goinia: Revista do IHGG. n 1. Dezembro de 1972. pp. 2061. 75 Elianda Figueiredo Arantes TIBALLI, A expanso do povoamento em Gois... op. cit. pp. 55-56.74 73

34 que o mercado de abastecimento se dinamiza. Transformaes que podem ser percebidas quando cotejadas as Notcias de 1783, a Memria de Silva e Souza, de 1812, a Corografia e o Itinerrio de Cunha Mattos, resultados de sua experincia em Gois entre 1823 e 1826. Em 1783, a grande maioria dos arraiais ainda estava ligada minerao, mesmo quando j fossem predominantemente ocupados pela agricultura ou pela pecuria. J ento se verificava a concomitncia de atividades dos grandes proprietrios, fenmeno que tambm ocorreu nas capitanias de Minas Gerais e de Cuiab e Mato Grosso.76 Ou seja, os mesmos homens podiam ser mineiros, comerciantes, produtores para o abastecimento e ocupantes de postos civis, militares ou eclesisticos (que alm de prestgio e poder, traziam contedo pecunirio, por vezes significativo). Na Memria de Silva e Souza, o ouro mais freqente no relato do passado do que no diagnstico do presente ou nas expectativas de futuro. Ao tratar dos descobrimentos das minas, afirma: verdade que podemos chamar a este tempo a idade de ouro de Gois; mas desde ento comearam a evaporar-se as suas grandezas. O ouro fugiu do seu centro , e no tornou; com a mesma facilidade com que se adquiria, se lhe dava consumo, e sem falar no luxo desregrado, que veio depois a consumar a decadncia; enquanto se no povoou o caminho da S. Paulo, o nico que ento havia; enquanto a Agricultura, imperfeita ainda hoje, no ministrou mantimentos, as cousas mais necessrias para a vida se vendiam a peso de ouro.77

conhecida a tpica da decadncia nos discursos sobre Minas Gerais do sculo XVIII e parece-nos claro que a passagem de Silva e Souza se inscreve no mesmo tipo de registro: uma idade do ouro no passado, a fugacidade da riqueza aurfera, a agricultura como via para uma verdadeira prosperidade. Ao contrrio, porm, de Minas Gerais, no h dvidas de que em Gois (e, em momentos diversos, no Cuiab e no Mato Grosso) a queda da produo do ouro correspondeu a uma crise geral da sociedade mineradora. Nisso, os dados demogrficos podem ser um bom indicador. Entre 1780 e 1830, o Brasil mais que dobrou sua populao, e as Minas Gerais passaram de 320 para 625 milTanto no caso mineiro, como no caso mato-grossense, os trabalhos de Alcir Lenharo so referncias importantes. Para a Capitania de Cuiab e Mato Grosso, alm dos trabalhos de Elmar Arruda e Luza Volpato, muito interessante a anlise de Amaral Lapa sobre as oposies diante do progressivo acmulo de atividades, que atingia os produtores no envolvidos no comrcio. De Alcir LENHARO, Crise e mudana na frente oeste de colonizao (Cuiab: UFMT, 1982, especialmente PP. 27-28) e As Tropas da Moderao: o abastecimento da Corte na formao poltica do Brasil 1808-1842 (2 ed. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade, 1993, especialmente o cap. 4). De Jos Roberto do Amaral LAPA, Do Comrcio em rea de Minerao. op. cit. Elmar Figueiredo de ARRUDA. Formao do Mercado Interno em Mato Grosso. (So Paulo, Editora da PUC-SP, 1987, especialmente p. 119.). Luiza Rios Ricci VOLPATO. A Conquista da Terra no Universo da Pobreza. (So Paulo, HUCITEC, 1987, especialmente PP. 102-103). 77 Memria sobre o Descobrimento.... op. cit. p. 43.76

35 habitantes, seguindo, grosso modo, a curva geral. Gois, por sua vez, manteve-se por todo o perodo com cerca de 50 a 60 mil indivduos; estagnao que aponta para uma diferena fundamental entre as capitanias do ouro. O discurso da decadncia referia-se, em Gois, a uma situao de estagnao econmica e demogrfica que perdurou por pelo menos meio sculo. Comparado ao processo ocorrido nas Minas Gerais paralelo que nos parece bastante profcuo -, as principais diferenas na integrao goiana ao mercado interno estavam na menor escala demogrfica e nas dificuldades das distncias, que no proporcionaram a estruturao de um complexo sistema urbano, densamente povoado e capaz de suportar a diminuio drstica das descobertas de ouro. A um mercado regional limitado, somava-se a concorrncia de outras regies abastecedoras sobretudo as Minas Gerais , diminuindo as vantagens do acesso a outros mercados.

180000 160000 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 1750 1755 1760

Gois: Populao estimada, 1750-1872

1765

1770

1775

1780

1785

1790

1795

1800 1805

1810

1815

1820

1825

1830

1835

1840

1845

1850

1855

1860

1865

Fontes: Ana Rita UHLE et al. Brasil Pr-Censitrio. Nmeros sobre a escala dos homens no povoamento. So Paulo, 1998. Relatrio de Iniciao Cientfica, Departamento de Histria, FFLCH-USP; Joaquim Norberto de Souza e SILVA. Investigaes sobre os recenseamentos da populao geral. do Imprio. So Paulo: IPE/USP, 1986 (ed. fac-similar, 1870); Elianda Figueiredo Arantes TIBALLI, A expanso do povoamento em Gois... op. cit.; David McCREERY. Frontier Gois, 1822-1889. Stanford, California, Stanford University Press, 2006.

Devemos considerar tambm as condies naturais desfavorveis. Nesse sentido, comparando sempre a situao goiana das Minas Gerais, o autor de uma descrio do arraial da Anta relata a diferena da insero no mercado de aguardentes. Afirma que

1870

36 mesmo contando com o acesso a mercados nos quais a cachaa mais valorizada, os goianos no podem usufruir desta vantagem, pois enquanto a cana mineira permite que se extraia a soca e a ressoca, a aridez do solo goiano rende apenas algum caldo na primeira extrao, de sorte que com o que se faz c um, l se fazem trs, tanto pelos barris serem mais pequenos [sic], como por ser a de l verdadeiramente cachaa. Alm disso, a complexa e dinmica rede de vilas e arraiais de Minas Gerais permite que os produtores comerciem essa mercadoria em povoados prximos, sem ter de recorrer a atravessadores, com o que h engenhos que desta forma do sadas aos seus efeitos sem serem necessrios tropas, arrieiros e nem tanto barris78. Trata-se, portanto, da superao do esgotamento do ouro tambm por via da integrao ao mercado de abastecimento, porm, em condies radicalmente diversas, como periferias de Minas Gerais, de So Paulo, da Bahia e do Par, que para atingir estes mercados tinham fortes concorrentes nos campos dessas mesmas capitanias. Por toda a segunda metade do sculo XVIII, a questo se apresentava como a da decadncia das minas, percepo que se intensifica aps a grande seca de 1773-1776. As recorrncias diminuem quando no se pretende mais recuperar a antiga sociedade mineradora, mas construir sobre o que dela restou novas formas de reproduo econmica. Ainda que anteriormente tenha havido tentativas de diversificar a produo da capitania para superar a crise da minerao, o primeiro sinal iniludvel desta mudana o projeto de Joaquim Teotnio Segurado, apresentado em 1806.79 Apenas a temos um plano geral de governo econmico de Gois que vislumbra no futuro as potencialidades do mercado interno, deixando para trs a nostalgia do apogeu do ouro. Na poca da Independncia, viajantes e outras autoridades viriam a seguir o mesmo caminho. Dentre eles, Raymundo Jos de Cunha Mattos, para quem a sede do ouro foi causa da descoberta e Gois, e a esperana do ouro tem sido a causa de sua runa.80 Mas no foi s na orientao radicalmente anti-mineradora que inovou o projeto de Segurado. Sua Memria Econmica e Poltica sobre o comrcio ativo da Capitania de Gois, que ser analisada em outro momento, foi tambm parte de um projeto mais amplo, de dinamizao econmica do norte goiano, a partir de sua integrao com oDescrio geogrfica do territrio do Arraial e Freguesia da Anta em 1783 in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, pp. 139-140. 79 Joaquim Teotnio SEGURADO. Memria Econmica e Poltica sobre o comrcio ativo da Capitania de Gois in Memrias Goianas, volume I. Goinia: Centauro, 1982. pp. 33-54. Os projetos de diversificao das bases econmicas em Gois sero discutidos no captulo 4. 80 Raimundo Jos da Cunha MATOS. Chorographia histrica da provncia de Gois. Goinia: Sudeco, 1979. p. 79.78

37 Gro-Par, o que envolveu uma srie de polticas coordenadas por ele, na condio de ouvidor, entre 1804 e 1820. Resultado desta poltica, a construo da Vila da Palma e a criao da comarca de So Joo das Duas Barras deram contornos a uma regio, resultado da articulao entre a velha pecuria proveniente do So Francisco e a nova navegao para Belm, por via do Tocantins. Regio ordenada pelos antigos arraiais mineradores do norte, tornados ncleos articuladores de uma rea de agricultura, de extrativismo e, sobretudo, de pecuria. Com isso, na poca da Independncia, a provncia de Gois dividia-se em dois espaos econmicos, administrativamente enquadrados pelas duas comarcas e vilas. Diviso que, apesar de recente, informou projetos polticos distintos na derrocada do Antigo Regime portugus, sendo o prprio Segurado, eleito deputado s Cortes de Lisboa, a principal liderana poltica do Norte em busca da criao de uma nova provncia. Enquanto Segurado, ao lado de pecuaristas e negociantes, atrelava o destino da comarca do Norte ao Gro-Par (e secundariamente, Maranho, Pernambuco e Bahia), na comarca do Sul, estreitavam-se as relaes mercantis com Minas Gerais, So Paulo e Rio de Janeiro, como parte do conhecido processo de integrao do Centro-Sul, que tomou novo ritmo a partir de 180881. Essas articulaes, que atingiam tambm o Cuiab, foram construdas lentamente, moldadas pelos caminhos da sociedade mineradora, desde o perodo da conquista, mas ganhavam novo impulso no incio do sculo XIX, fortalecendo tanto a capital goiana, como as zonas produtoras de seu entorno, em particular o julgado de Meia Ponte. Retomando a Notcia de 1783, vemos que Meia Ponte era o maior Arraial desta Capitania82, e que j um roteiro annimo de 1757 o introduzia como um dos melhores Arraiais da Comarca83. A Breve notcia da Comarca de Gois ia mais longe, afirmando que neste Arraial devia de estar a cabea da Comarca [portanto a capital], por fazer esta aqui pio, e ser quase o centro dos extremos mais prximos as estradas que seguem ao Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. [...]. A esta altura - diz o mesmo documento - Meia Ponte era a terra mais saudvel da Comarca, e [a] mais estril em ouro. 84

Sobre a integrao de Gois ao Centro-Sul e ao Extremo Norte ver respectivamente os Captulos 3 e 4. Descrio da Capitania de Gois e tudo que nela notvel at o ano de 1783 in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, pp. 79-80. 83 Jornada do Rio de Janeiro para Gois, e pelo Serto de So Paulo in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo II, p. 75. 84 Breve notcia da Comarca de Gois (suas vigairarias, populao e riquezas, seguido do mapa das freguesias em 1783) in NOTCIA Geral da Capitania de Gois em 1783. op. cit. Tomo I, p. 90.82

81

38

Cidade de Gois (antiga Vila Boa de Gois, fundada em 1736) Municpio

Provncia

Comarca

39 Gois, c. 1824Julgado Ncleo de PovoamentoCidade de Gois Arraial de Curralinho Arraial de Anicuns Arraial da Barra Arraial da Capela Arraial da Anta Arraial de Santa Rita Arraial de Ouro Fino Arraial do Ferreiro Arraial das Campinas Arraial de Rio Claro Aldeia de So Jos de Mossmedes Aldeia de Maria I Arraial de Meia Ponte Arraial do Crrego de Jaragu Arraial de Corumb Arraial do Rio do Peixe Arraial de Santa Cruz Arraial de Catalo Arraial do Bonfim Arraial de Santa Luzia Arraial dos Couros Arraial de Angicos Arraial de Pilar Arraial das Lavrinhas Arraial de Guarinos Aldeia de Pedro III ou Carreto Arraial de Crixs Aldeia de Salinas ou Boa Vista Vila da Palma Freguesia de Traras Freguesia de So Jos Arraial de gua Quente Arraial de Cocal Arraial de Amaro Leite Arraial do Descoberto da Piedade Arraial de Santa Rita Arraial da Cachoeira Arraial do Moqum Freguesia de Cavalcante Freguesia de So Flix Arraial do Carmo Arraial da Chapada Freguesia de Flores Arraial de Santa Rosa Arraial de Mato Grosso Freguesia de Arraias Freguesia de So Domingos Arraial do Morro do Chapu Freguesia de Conceio Arraial do Prncipe Arraial da Taboca (extinto) Freguesia de Natividade Arraial de So Miguel e Almas Arraial da Chapada Freguesia de Porto Real Arraial do Pontal Arraial do Carmo Aldeia de So Jos do Duro Aldeia Graciosa Aldeia Carolina

Casas Estabelecimento / Almas (e reconstruo) Fogos749 52 189 38 6 37 65 60 105 11 42 8052 1727 1809 1727 1732 1733 1729 1816 1746 (1804) 1755 (1775) 1780 1731 1737

Comarca de Gois (Sul) - criada em 1737

Gois

128 307 200 64 15 130 18 151 278 50 3 246 22 5 58 184

Meia Ponte

1733 1774 1746 1757 1741 1771 227 76 1788 1734 1814 1735 1735 1733 1746 1733

Santa Cruz Santa Luzia

Provncia de Gois (capitania criada em 1749)

Pilar Crixs Palma

Comarca de So Joo das Duas Barras (Norte), fundada em 1809

Traras Vila de So Joo da Palma (1814)

Cavalcante So Flix Flores Arraias Conceio Natividade Porto Real (Aldeamentos)

207 223 105 48 40 37 27 17 35 107 66 14 33 64 21 5 90 27 7 70 6 x 188 73 74 47 49 107 36

1736 1740 1736

1740

1733 1769 1741 1770 x 1734 1740 1800 1738 1741 1751 1824

201 107 81

Fontes: Raimundo Jos da Cunha MATOS. Chorographia histrica da provncia de Gois. op. cit., Dalsia Elizabeth Martins DOLES. As comunicaes fluviais pelo Tocantins e Araguaia no sculo XIX. Tese de doutoramento apresentada FFLCH USP, 1972. Marivone Matos CHAIM. Aldeamentos Indgenas... op. cit.

40 Um arraial estril em ouro, portanto atingido em cheio pela queda da produo aurfera, mas que florescia como nenhum outro em meio crise da sociedade mineradora. Centralizando as estradas que lev