Aula 2 - Contextualização histórica: o desenvolvimento das grandes economias

capitalistas ao longo do século XX

Administração para Engenharias

Faculdade Piaget - Suzano - 1º semestre de 2019Profº Ms Antonio Gracias Vieira Filho

Premissas e tópicos para debate

Marx definiu o capitalismo como um modo de produzir coisas. E é importante perceber que o modo como produzimos tem um efeito profundo em nossa sociedade. A produção artesanal organizava a sociedade de uma forma específica, do mesmo modo que a produção massificada propiciada pelo fordismo gerou um outro tipo de conformação social. Isso inclui desde a maneira pela qual o trabalho é organizado até as formas como as famílias e os relacionamentos afetivos são estruturados. Nada mais óbvio, portanto, que o modo de produzir influencie diretamente as ideias sobre administração - e que estas, em sentido contrário, afetem o modo de produzir.

Tópicos que iremos abordar

● Uma breve história das grandes economias capitalistas entre o início do século XX e o princípio dos anos 2000;

● A constituição dos grandes paradigmas de produção industrial e gerenciamento:○ Quando e como surgiram tais paradigmas? Em qual

contexto histórico?● A transição entre formatos menos dinâmicos de

produção (fordismo) até abordagens mais recentes e flexíveis (toyotismo e acumulação flexível).

1. Estabelecimento do fordismo e o mundo da rigidez produtiva

Foto: Henry Ford (1863-1947). Autor: Hartsook, 1919, domínio público.

A superação da produção artesanalO período entre o início do século XX e a década de 1920 foi marcado pela consolidação da sociedade industrial de produção e consumo em massa, com a superação definitiva da economia artesanal. Antes do protagonismo do capitalismo industrial, o artesão possuía meios de produção e regulava o ritmo de seu trabalho. Na economia industrial, com a produção massificada de mercadorias, o artesão se vê obrigado a buscar ocupação junto a empresas que irão regular seu modo de produzir e seus horários. O indivíduo que antes realizava várias tarefas se vê obrigado a atuar de forma especializada. Temos, assim, o estabelecimento e a expansão do taylorismo-fordismo.

Observação: o taylorismo será abordado em nossa próxima aula, quando tratarmos da Teoria da Administração Científica.

Estabelecimento do fordismo [1]

O termo fordismo descreve os sistemas econômicos e sociais que dominaram o mundo ao longo de todo o século XX. Tais sistemas são baseados na produção seriada, estandardizada e industrializada destinada ao consumo de massa. O fordismo também leva em conta a ideia de que salários elevados são importantes para dinamizar o consumo. O termo ganhou proeminência quando foi usado pelo filósofo e sociólogo italiano Antonio Gramsci em 1934, no ensaio “Americanismo e Fordismo”, presente em seus Cadernos do cárcere (1929-1935). Desde então, tem sido utilizado por um grande número de teóricos das ciências humanas e sociais em geral.

Estabelecimento do fordismo [2]

No fordismo, as empresas estavam estruturadas em organogramas bem definidos e as carreiras profissionais eram pouco dinâmicas. A oferta de produtos para o mercado era limitada, com pouca variedade: Henry Ford dizia que uma pessoa poderia ter seu Ford T na cor que desejasse, desde que fosse a cor preta. Esse modelo produtivo era dedicado às necessidades do produto, não ao desejo dos clientes. Além disso, a rigidez do paradigma fordista gerou comportamentos, práticas sociais e modelos gerenciais igualmente rígidos.

Linha de montagem da Ford, por volta de 1913. Fonte: Ford Company.

1.1. Eventos históricos que marcaram o século XX, com destaque para economia:

● Crise de 1929;● New Deal;● Auge do fordismo/30

gloriosos (1945-1975).

Na imagem acima, o presidente Franklin D. Roosevelt e o economista John Maynard Keynes, protagonistas na superação da Grande Depressão. Fotos de domínio público.

A crise de 1929/Grande depressão [1]

A Grande depressão foi, essencialmente, uma crise dos excessos do capitalismo. Iniciada com a crise das bolsas em 1929, resultou de uma combinação de fatores. No entanto, podemos destacar dois elementos principais: a superprodução e a desregulamentação de mercados. A produção industrial em massa gerou enorme aumento de oferta e qualidade nas mercadorias destinadas ao mercado. Os Estados Unidos viviam um período de exuberância econômica, com o crescimento de sua produção industrial e boas safras de commodities agrícolas (caso do trigo, por exemplo). Uma parte desse crescimento foi estimulada pelo fornecimento de produtos à Europa, durante e após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), quando o continente europeu ainda se recuperava da devastação do conflito.

A crise de 1929/Grande depressão [2]

O período anterior à Grande depressão foi marcado pela euforia com os ganhos especulativos em bolsas de valores, em um mercado acionário pouco regulado. Pessoas comuns, trabalhadores, solicitavam empréstimos para realização de investimentos em ações. Mas havia um descompasso entre a real saúde econômica das empresas e o seu valor exagerado nas bolsas. A Europa, recuperada da guerra, não mantinha mais uma relação de dependência direta da produção estadunidense. Também não havia demanda suficiente para absorver a enorme oferta de produtos resultante da revolução fordista. Quando tal situação ficou evidente, a reação foi de pânico econômico, com queda vertiginosa do mercado acionário, falência generalizada de empresas e explosão do desemprego.

Restaurante popular criado para distribuição gratuita de sopa, café e bolo para desempregados. A cena foi registrada em Chicago (EUA) em 1931 e o restaurante foi criado por Al Capone. Foto: U.S. National Archives/domínio público.

Pequena favela, em Nova York, em 1935. Mais um efeito da Grande depressão iniciada em 1929. Foto: Berenice Abbott, domínio público.

O processo de recuperação pós-criseA recuperação econômica nos Estados Unidos se deu através do New Deal, um programa de investimentos públicos lançado pelo presidente Franklin Roosevelt (1933-1945). Tal programa, inspirado em princípios keynesianos, previa uma combinação de investimentos no setor de infraestrutura, aumento da assistência social, estímulo ao emprego e aumento da regulação econômica. A 2ª Guerra Mundial, embora tenha prejudicado certos aspectos do New Deal, permitiu a criação de um amplo complexo industrial-militar nos Estados Unidos. Após o fim do conflito, a reconstrução dos países europeus também serviu como estímulo ao crescimento econômico (Plano Marshall).

O auge do fordismo

Os “30 gloriosos” (1945-1975) representaram o auge do modelo produtivo e gerencial fordista. Nos trinta anos que se seguiram ao final da 2ª Guerra Mundial, os países capitalistas desenvolvidos assistiram a um período de prosperidade sem precedentes, com aumento de salários, pleno emprego, expansão da atividade econômica e o auge do Estado de bem-estar social (Welfare state). Também nesse período, os Estados Unidos estabeleceram seu lugar como potência industrial incontestável. Durante os “30 gloriosos” foi possível assistir ao auge e começo do declínio do fordismo. Os baby boomers foram protagonistas desse processo.

2. A crise do fordismo e a busca pela flexibilidade produtiva

Embora Eiji Toyoda tenha sido o grande estrategista da Toyota por décadas (1967-1994), coube a Taiichi Ohno (foto) a criação e implementação do Sistema Toyota de Produção.Imagens: logo Toyota a partir de 1989 (domínio público) e Taiichi Ohno (TMHE, CC 2.0).

A crise do fordismo

O paradigma fordista começa a apresentar sinais de desgaste na década de 1960 e entra em crise nos anos 1970. Podemos destacar os seguintes fatores para sua decadência:● Choques do petróleo (1973 e 1979); ● Aumento da competição externa, vinda principalmente da Ásia.

Exemplo fundamental: o toyotismo e suas inovações gerenciais;● Crescente uso de tecnologias da informação e comunicação. Os

computadores tomam conta de todos os espaços e a comunicação passa a ocorrer de modo quase instantâneo;

● O declínio do fordismo está associado à sua rigidez interna, a um mundo ávido por flexibilidade e ao surgimento de modelos mais flexíveis (como o toyotismo ou a acumulação flexível de capital).

A transição toyotista

As montadoras japonesas, a partir da década de 1960, promoveram inovações gerenciais que tiveram profundo impacto na produção industrial de todo o mundo - surge o just in time. Com o toyotismo, assistimos a um aumento da qualidade, flexibilidade produtiva e variedade da oferta de produtos. A estabilidade do trabalho, em linhas gerais, permaneceu: estava mantida a segurança do trabalhador que dedicava sua vida à empresa. Mas uma nova atitude passou a ser exigida: maior comprometimento, combate ao desperdício e valorização de um comportamento proativo. O trabalhador deixava de ser mero apertador de parafusos para sugerir melhorias na produção.

O modo de produzir do toyotismo

Características básicas do toyotismo:● Just in time: fazer somente o que é necessário, somente

quando é necessário e somente na quantidade necessária;○ Produção puxada (ao contrário da produção empurrada

do fordismo);● Autonomação: automação com um toque humano;● Kaizen: busca da melhoria contínua;● Trabalho em equipes;● Padronização de produtos e processos, com a busca da

qualidade total (exemplos: 5S e programas de certificação);● Flexibilidade produtiva e aumento da variedade de produtos.

3. Dos anos 1980 ao século XXI: a acumulação flexível de capital

Na imagem ao lado, escritório do Google em Dublin, Irlanda. Uma prova de que é possível unir psicodelia e dominação mundial.Foto: Google, reprodução para fins educacionais.

Neoliberalismo

Com a ascensão de Margareth Thatcher no Reino Unido (1979) e Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981), temos a chegada do neoliberalismo e o desmonte do Estado de bem-estar social:● Diminuição do Estado (privatizações e redução da rede de

serviços públicos);● Desregulamentação da economia;● Dois exemplos dos impactos iniciais dessas mudanças:

○ Greve dos mineiros no Reino Unido (1984-1985);○ Excessos do mundo financeiro em Wall Street (crash da

Bolsa de Nova York em 1987 - ver o filme O lobo de Wall Street, 2013).

Mudanças sociais e econômicas (1980-século XXI)

● Desmonte do modelo produtivo fordista;● Produção flexível (organizações em rede; just in time;

menores quantidades e maior variedade de produtos; contratos flexíveis; consultorias; home office; participação nos lucros e pagamento de bônus; etc);

● Expansão das tecnologias da informação e comunicação;● Fragmentação da vida social: o mundo está cada vez mais

rápido e fragmentado, com um crescimento exponencial do individualismo;

● Ascensão da retórica da meritocracia e empreendedorismo.

Acumulação flexível de capital

Da década de 1990 em diante, vamos assistir à hegemonia das organizações em rede, em um modelo que ficará conhecido como Acumulação flexível de capital. Uma empresa pode ter sua matriz em um país, o setor de atendimento em outro e a área de vendas em um terceiro. Tudo isso conectado via tecnologias da informação e comunicação. A insegurança também é uma marca desse modelo, já que a estabilidade profissional e a regulamentação do trabalho começam a desaparecer. Desse modo, como planejar a vida em longo prazo?

4. Conclusões

Conclusões

Em síntese:

● A história da produção, do capitalismo e da vida social, durante o século XX e o início do XXI, é a história da expansão da flexibilidade, com:○ A busca pelo trabalho flexível;○ A busca pela produção flexível;○ A busca pela administração/gestão flexível;○ A busca por uma vida mais flexível: diferentes

comportamentos, modelos familiares e afetivos, padrões de consumo, etc.

Primeiro menu do McDonald’s, por volta de 1948. Imagem: Museu McDonald’s, reprodução para fins educacionais.

A busca pela flexibilidade e o menu do McDonald’s [1]

Menu parcial do McDonald’s nos EUA, por volta de 2015. Imagem: McDonald’s, reprodução para fins educacionais.

A busca pela flexibilidade e o menu do McDonald’s [2]

Bibliografia

Bibliografia

HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo (SP), Edições Loyola, 2008 [1989].SENNETT, Richard. A corrosão do caráter. Rio de Janeiro (RJ), Record, 2009 [1998].

Muito obrigado por sua atenção!

Profº Ms Antonio Gracias Vieira Filho

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