aula 01

Upload: joseph-mayorcas-filho

Post on 10-Oct-2015

17 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • objetivos

    Meta da aula

    Apresentar a lingustica gerativa como cincia dedicada ao estudo da dimenso cognitiva da

    linguagem humana.

    Esperamos que, ao fi nal desta aula, voc seja capaz de:

    1. identifi car a abordagem cognitiva das lnguas naturais;

    2. reconhecer as noes de faculdade da linguagem e de conhecimento lingustico;

    3. caracterizar teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica como cincias cognitivas dedicadas ao estudo da linguagem na mente humana;

    4. caracterizar o gerativismo como o principal modelo de teoria lingustica nas cincias cognitivas;

    5. identifi car Noam Chomsky como precursor e principal terico do gerativismo.

    Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas

    como fenmeno cognitivoEduardo Kenedy

    Ricardo Lima 1AULA

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J8

    Voc, como estudante do curso de Letras, j pode ter direcionado, em algum

    momento, a sua curiosidade intelectual para questes como as seguintes.

    ALGUMAS QUESTES SOBRE A LINGUAGEM

    Todos os seres humanos, exceto aqueles acometidos por algu-

    ma grave patologia, possuem a faculdade de produzir e compreender

    expresses lingusticas nas inmeras situaes do cotidiano que envol-

    vem comunicao atravs de uma lngua natural, como o portugus,

    o espanhol, o ingls ou qualquer outra. O que afi nal essa faculdade

    para a linguagem?

    INTRODUO

    Rap

    hae

    l Go

    ette

    r

    Fonte: http://farm3.static.fl ickr.com/2317/2352128932_d4e84644ba.jpg

    Bebs humanos no demonstram, ao nascimento, capacidade

    de produzir e compreender palavras, frases ou discursos, mas, ao longo

    de um tempo muito curto, no superior a trs anos, essa faculdade j

    se manifesta de maneira bastante produtiva. Por volta dos cinco anos,

    uma criana j demonstra habilidade lingustica equivalente de adultos.

    O que acontece com a criana durante o perodo em que ela est adqui-

    rindo a lngua de seu ambiente?

    J na adolescncia, a capacidade de adquirir uma lngua de

    maneira natural decai signifi cativamente. A partir de ento, aprender uma

    nova lngua envolve esforos conscientes que no acontecem durante a

    aquisio da linguagem em tenra infncia, tais como frequentar cursos,

    ler manuais didticos e dicionrios, treinar a fala, corrigir erros com

    ajuda de professores etc. Por que aprender lnguas estrangeiras to

    diferente de adquirir uma lngua-me?

  • C E D E R J 9

    AU

    LA 1

    Quando estamos desconcentrados ou muito cansados, nossa

    capacidade de produzir e compreender enunciados lingusticos pode

    fi car prejudicada. Pessoas que sofreram derrames cerebrais ou que so

    acometidas por doenas neurolgicas graves podem perder a capacidade

    lingustica parcial ou totalmente. O que acontece na mente e no crebro

    das pessoas quando elas usam a linguagem verbal?

    Questes como essas so formuladas quando temos a preocupao

    de entender aspectos da linguagem que esto relacionados inteligncia

    humana, nossa cognio. Cognio um termo cientfi co atualmente

    utilizado para fazer referncia ao conjunto das inteligncias humanas

    (ou no humanas, no caso dos estudos de certos animais). Cognio

    diz respeito, portanto, a tudo que se relacione a aquisio, estocagem,

    recuperao e uso de CONHECIMENTO. Alm da linguagem, so tambm

    fenmenos cognitivos: percepo, ateno, memria, conceitos, crenas,

    raciocnio, emoes, tomadas de deciso, dentre outros. Logo, as questes

    apresentadas acima emergem quando interpretamos a linguagem como

    fenmeno cognitivo.

    Se voc se interessou por questes como essas, seja bem-vindo

    Lingustica II. justamente nesta disciplina que abordaremos a linguagem

    humana tendo em conta a sua dimenso cognitiva, ou seja, aqui que

    analisaremos a linguagem como conhecimento, como parte da inteligncia

    dos seres humanos, algo existente em nossas mentes. Nosso objetivo no

    curso levar voc a identifi car as principais perguntas e as principais res-

    postas que vm sendo formuladas pela cincia da linguagem na sua tarefa

    especfi ca de entender como a mente humana produz as lnguas naturais.

    Nossas primeiras dez aulas sero dedicadas caracterizao da lin-

    guagem, fi gurada nas lnguas especfi cas (o portugus, o alemo, o rabe etc.)

    como sistema cognitivo. Colocaremos a linguagem sob o microscpio da

    lingustica para melhor compreender a natureza e o funcionamento do conheci-

    mento lingustico humano. Comearemos pela presente aula, em que apresen-

    taremos a voc a linguagem como fenmeno da cognio humana e a lingusti-

    ca gerativa como uma das cincias cognitivas. As dez aulas seguintes abordaro

    questes relativas ao fenmeno da aquisio da linguagem e aos problemas

    de desenvolvimento lingustico. Analisaremos como as crianas adquirem o

    conhecimento lingustico, como podem acontecer difi culdades no processo

    de aquisio e de que forma, em circunstncias excepcionais, esse conheci-

    mento pode ser perdido.

    O termo CONHECI-MENTO diz respeito

    ao estado mental de uma pessoa, o qual resulta da interao dessa pessoa com o seu mundo exterior,

    no meio fsico e social.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J1 0

    Convidamos voc para uma breve jornada pela mente humana,

    num de seus nichos mais espetaculares: a linguagem e as lnguas naturais.

    Prepare-se, pois a nossa viagem j comeou.

    A LINGUAGEM COMO FENMENO COGNITIVO

    A linguagem humana, instanciada numa lngua natural, um

    fenmeno impressionante. Por meio de algumas dzias de sons, podemos

    produzir e compreender palavras, frases e discursos que expressam os

    nossos pensamentos e que permitem o entendimento dos pensamentos

    das outras pessoas. Na verdade, tais sons podem ser substitudos por

    sinais entre os surdos ou por letras na lngua escrita sem que o poder

    mobilizador da linguagem seja signifi cativamente alterado.

    Imagine a seguinte situao. Uma pessoa apressa-se pelas ruas

    movimentadas do centro de uma cidade. Ela receia estar atrasada para

    um compromisso importante. Procurando informar-se sobre as horas,

    dirige-se a um transeunte e lhe diz: Com licena, o senhor pode me

    informar as horas?. O transeunte, por sua vez, compreende o estado

    mental de seu interlocutor e busca o comportamento adequado para a

    situao: olha o relgio de pulso, retira dele a informao necessria e

    produz a frase-resposta So dez e meia. Um evento trivial como esse

    esconde sob si um acontecimento extraordinrio: o funcionamento da

    mente humana na tarefa de produzir e compreender expresses lingus-

    ticas numa LNGUA NATURAL (por oposio s LNGUAS ARTIFICIAIS).

    Uma LNGUA NATU-RAL, como o portu-gus, o xavante, o japons, o ingls ou qualquer outra das mais de seis mil hoje existentes no mundo, aquela que emergiu de maneira espont-nea e no deliberada no curso da histria humana. Opostas s lnguas naturais fi guram as lnguas artifi ciais.

    LNGUAS ARTIFICIAIS, como o esperanto e aquelas criadas em obras de fi co ou em programas de computador, so conscientemente inventadas por uma pessoa ou por um grupo de indivduos. Se voc viu o famoso fi lme Avatar, deve lembrar do navi, a lngua falada pelos personagens. Pois bem, o navi um exemplo de lngua artifi cial. Ela foi inventada pelos criadores do fi lme.

  • C E D E R J 1 1

    AU

    LA 1

    Embora raramente tenhamos conscincia disso, a pessoa que

    produz frases e discursos envolve-se numa tarefa psicolgica extrema-

    mente complexa. Ela precisa codifi car seus pensamentos em morfemas e

    palavras, que, por sua vez, devem ser combinadas entre si em sintagmas

    e frases, as quais, por fi m, tm de ser pronunciadas para um interlocu-

    tor num dado contexto discursivo. Da mesma forma, a pessoa que

    compreende frases e discursos executa um trabalho mental igualmente

    engenhoso. Ela precisa decodifi car os sons da fala que lhe so dirigidos

    no ato do discurso, de modo a identifi car morfemas, palavras, sintag-

    mas e frases para, assim, conseguir interpretar os pensamentos de seu

    colocutor. Ora, podemos nos perguntar: como os humanos fazem isso?

    De que maneira essa sequncia de codifi cao e decodifi cao de formas

    lingusticas ocorre? Onde ela acontece?

    Apesar de ainda no sabermos tudo sobre como esses processos

    ocorrem, no h dvida de que eles tenham lugar na mente humana.

    Dentre as diversas habilidades cognitivas de nossa espcie, a capacidade

    de produzir e compreender frases e discursos uma das mais notveis e

    esse o fenmeno mental oculto em nossas conversas cotidianas.

    Figura 1.1: na mente humana que a linguagem produzida e compreendida.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J1 2

    As expresses lingusticas so as estruturas que ordenam o trnsito

    dos signifi cados que vo de uma mente outra entre indivduos durante

    o discurso. So estruturas silenciosas, das quais quase nunca tomamos

    conscincia quando falamos ou ouvimos. De fato, os dois indivduos da

    situao que citamos anteriormente esto preocupados com o contedo

    do que dito. Eles sequer se do conta de que compulsrio que esse

    contedo seja mentalmente codifi cado em formas complexas como as

    frases. O mesmo acontece com todos os humanos em todas as situaes

    comuns de uso da linguagem: muito raramente tomamos conscincia

    das formas que usamos para expressar certos contedos. A linguagem ,

    portanto, um conhecimento tcito, implcito, inconsciente no conjunto

    da cognio humana. Denominamos esse tipo de conhecimento como

    conhecimento lingustico ou competncia lingustica.

    Tipos de conhecimento

    No estudo da cognio, distinguimos conhecimento declarativo, do qual somos conscientes, e conhecimento tcito, do qual no temos conscin-cia. Por exemplo, se voc capaz de citar os afl uentes do rio Amazonas, esse um tipo de conhecimento declarativo que possui. J se voc sabe andar de bicicleta, difi cilmente conseguir explicar quais so os detalhes dos movimentos que o seu corpo precisa executar para manter o equilbrio sobre duas rodas. Esse , ento, um tipo de conhecimento tcito em sua mente. Com relao particularmente linguagem, as informaes que adquirimos na escola sobre a gramtica da lngua portuguesa como, por exemplo, o nome das classes de palavras e das funes sintticas so uma espcie de conhecimento declarativo/explcito. Por outro lado, a nossa capacidade de produzir e compreender palavras, frases e discursos de maneira natural em nosso cotidiano exemplo de conhecimento tcito/implcito. Note que esse tipo de conhecimento tcito j existia em voc mesmo antes que comeasse a frequentar escolas e ter aulas de lngua portuguesa, bem como existe naqueles indivduos que sabem produzir e compreender expresses lingusticas normalmente mesmo sem nunca terem frequentado escolas (os analfabetos e semianalfabetos).

  • C E D E R J 1 3

    AU

    LA 1

    Alm de silenciosas, as estruturas das lnguas naturais manipuladas

    pela mente so geralmente muito complexas. Mesmo se analisssemos

    uma frase simples como O senhor pode me informar as horas?, encon-

    traramos nela diversos fenmenos lingusticos intricados, tais como

    constituintes descontnuos, concordncia, regncia, seleo e disjuno

    de pronomes e de clticos, categorias vazias... Enfi m, verifi caramos a

    existncia de uma complicada maquinaria morfossinttica a servio da

    veiculao de signifi cados. Entretanto, a despeito de toda essa comple-

    xidade, ns humanos somos capazes de produzir e compreender frases

    e discursos com extrema facilidade. Numa conversa qualquer, produzi-

    mos e compreendemos dezenas, centenas, milhares de frases, uma atrs

    da outra, numa velocidade incrivelmente rpida, muitas vezes medida

    em milsimos de segundo. Em circunstncias normais, fazemos isso de

    maneira inconsciente e sem esforo cognitivo aparente.

    Como somos capazes disso? De que maneira nossas mentes

    tornam-se aptas a estruturar nossos pensamentos em sequncias de

    sons ou sinais? Os resultados das pesquisas modernas nas cincias da

    cognio indicam que usamos a linguagem tal como o fazemos simples-

    mente porque somos seres humanos. Temos essa capacidade porque ela

    uma caracterstica natural de nossa espcie. A faculdade da linguagem

    , com efeito, a disposio biolgica que todos os indivduos humanos

    saudveis possuem para adquirir, produzir e compreender palavras,

    frases e discursos.

    No obstante, to importante quanto entendermos por que

    possumos a faculdade da linguagem descobrir como a sua natureza

    e o seu funcionamento na mente dos indivduos. O porqu e o como da

    linguagem na mente humana so os objetos de pesquisa da lingustica

    como cincia cognitiva.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J1 4

    LINGUSTICA COMO CINCIA COGNITIVA

    Chamamos de cincias cognitivas o conjunto das disciplinas que

    tm em comum o objetivo de compreender a natureza e o funcionamento

    da mente humana, a nossa cognio. H um grande nmero dessas cin-

    cias, citemos algumas: a psicologia, a neurocincia, a inteligncia artifi -

    cial, a fi losofi a da mente, a antropologia. Tais cincias so independentes,

    Atende aos Objetivos 1 e 2

    1. Por que, dentre suas diversas caractersticas, a linguagem humana deve ser considerada um fenmeno cognitivo?___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Voc viu que cognio engloba tudo aquilo que diz respeito a aqui-

    sio, estocagem, acesso e uso de conhecimento. Viu tambm que

    conhecimento um estado mental, algo presente na mente dos

    indivduos, que resulta da interao deles com o seu meio fsico

    e social. Ora, a linguagem, concretizada numa lngua especfi ca

    como, por exemplo, o portugus, um tipo de conhecimento que

    deve ser adquirido por um indivduo, algo que deve ser estocado

    em sua mente e acessado para o uso nos momentos da vida em

    que seja preciso produzir e compreender expresses lingusticas.

    Esse conhecimento s pode ser obtido pelo indivduo por meio de

    sua interao com o meio que o cerca. Ou seja, a linguagem possui

    todas as caractersticas de um fenmeno cognitivo. Para tornar isso

    mais claro, pense na sua prpria relao com a lngua portuguesa.

    Voc adquiriu, na infncia, a capacidade de produzir e compreender

    expresses em portugus. Como voc adquiriu essa capacidade?

    Onde ela est armazenada em voc neste momento? notrio que

    voc adquiriu conhecimento tcito sobre o portugus porque essa

    era a lngua do seu ambiente, bem como fcil entendermos que

    o conhecimento que voc adquiriu est armazenado na sua mente,

    e de l posto em uso sempre que voc interage pela linguagem.

    A linguagem humana e as lnguas naturais so, portanto, fenme-

    nos psicolgicos, mentais. A linguagem , literalmente, coisa de

    nossas cabeas!

    ATIVIDADE

  • C E D E R J 1 5

    AU

    LA 1

    mas travam entre si profundo e intenso dilogo interdisciplinar. Dentre

    seus objetos de estudo fi guram diferentes fenmenos cognitivos como

    viso, ateno, memria, aprendizagem, conceitos e categorias, raciocnio

    e deduo, resoluo de problemas, tomada de deciso e muitos outros.

    Figura 1.2: Algumas das cincias cognitivas. As linhas contnuas indicam forte interdisciplinaridade entre as cincias das extremidades, enquanto linhas pontilhadas indicam pouca interdisciplinaridade.Fonte: Gardner, 1987.

    Um dos fenmenos mentais mais importantes no estudo da cogni-

    o humana a linguagem e justamente a ela que se dedica a lingustica.

    Isso que dizer que, quando os linguistas interpretam a linguagem como

    uma faculdade psicolgica dos seres humanos, a lingustica passa a ser

    uma das cincias cognitivas.

    Na qualidade de cincia cognitiva, a especifi cidade da lingustica

    evidente: ela tem a tarefa de descrever e explicar, de forma articulada

    com os demais estudos de cognio, a natureza, a origem e o uso da

    linguagem humana. Diante desses objetivos, o trabalho do linguista

    pode ser sumarizado como um esforo para encontrar respostas para

    as seguintes perguntas.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J1 6

    Principais perguntas da Lingustica como cincia cognitiva

    1) Como o conhecimento lingustico existente na mente das pessoas?

    2) Como esse conhecimento adquirido pela criana j nos

    primeiros anos de vida?

    3) Como esse conhecimento posto em uso, em situao real,

    pelos indivduos?

    4) Como esse conhecimento produzido pelo crebro humano?

    Na busca de respostas para tais questes, a lingustica subdivide-se

    em trs reas especializadas em certos tipos de problemas: a teoria

    lingustica, a psicolingustica e a neurolingustica, disciplinas que abor-

    daremos a seguir.

    Atende ao Objetivo 3

    2. Visite o site YouTube e assista ao vdeo situado no seguinte endereo: http://www.youtube.com/watch?v=k-T_6WARzIQ.

    Figura 1.3: Breve vdeo sobre cincias cognitivas disponvel no YouTube por cortesia do Programa de Cincias da Cognio, da Universidade do Arizona (EUA) .

    ATIVIDADE

  • C E D E R J 1 7

    AU

    LA 1

    Aps assistir ao vdeo, responda: quais so as relaes entre fi losofi a, psicologia cognitiva e neurocincia no estudo da linguagem humana? _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    De acordo com o que voc assistiu no vdeo, os fundamentos das

    cincias cognitivas, isto , as perguntas cruciais que tais cincias

    formulam, remontam fi losofi a clssica. Como voc viu, essas ques-

    tes clssicas so redimensionadas no estudo moderno das cincias

    cognitivas. Tal redimensionamento acontece por conta da abordagem

    comportamental, o estudo emprico do comportamento humano,

    que caracterstico tanto da psicologia cognitiva quanto da neuroci-

    ncia. Para responder a uma pergunta fi losfi ca como, por exemplo,

    a linguagem pressupe o pensamento?, a psicologia cognitiva formu-

    la experimentos cientfi cos a fi m de testar a cognio no lingustica

    em seres humanos. Diante da mesma questo, a neurocincia utiliza

    instrumentos sofi sticados para observar o funcionamento do crebro

    humano quando estamos envolvidos em atividades cognitivas lingus-

    ticas e no lingusticas (como a viso, a tomada de deciso, as emo-

    es). Assim, fi losofi a, psicologia cognitiva e neurocincia interagem

    no estudo da linguagem humana porque muitas das questes que

    orientam o trabalho dos cientistas cognitivos so, de fato, questes

    fi losfi cas antigas, as quais tentam ser respondidas atravs dos con-

    ceitos, dos mtodos e das tcnicas de cincias empricas modernas,

    como a psicologia cognitiva e a neurocincia.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J1 8

    TEORIA LINGUSTICA

    A teoria lingustica ocupa-se da questo 1 apresentada na seo

    anterior: como o conhecimento lingustico existente na mente das

    pessoas? Sua tarefa , portanto, formular uma TEORIA que explicite a natu-

    reza do conhecimento lingustico inscrito na mente dos seres humanos.

    Ou seja, o linguista terico deve elaborar uma hiptese abstrata a respeito

    de como a linguagem deve funcionar na mente humana. Por exemplo,

    ele pode propor que a linguagem possui diversos componentes como

    o lxico, a sintaxe, a fonologia , cada qual especializado num tipo

    especfi co de conhecimento , como o conhecimento sobre as palavras

    (o lxico), o conhecimento sobre a estrutura das frases (a sintaxe) e o

    conhecimento sobre os sons (fonologia) que uma pessoa possui acerca

    de sua lngua materna. O linguista terico apenas cria hipteses como

    essas. Seu trabalho , essencialmente, um trabalho de abstrao: formular

    hipteses sobre como deve ser o conhecimento lingustico existente na

    mente das pessoas.

    No uso informal e cotidiano da lingua-gem, o termo TEORIA geralmente signifi ca opinio, hiptese no comprovada ou mesmo palpite. Em cincia, teoria assu-me outro signifi cado, bastante especfi co e muito diferente de seu valor popular. Nas cincias, uma teoria uma explicao unifi -cada para um conjunto de dados e de obser-vaes sobre determi-nado fenmeno. Por exemplo, na biologia, a seleo natural a teoria que explica unifi cadamente os fatos da evoluo orgnica; na fsica, a teoria gravitacional explica de maneira unifi cada os fen-menos da queda dos corpos na Terra e do movimento dos plane-tas no universo. Uma teoria lingustica deve, portanto, prover explicaes sobre os fatos da linguagem na mente e no crebro dos seres humanos.

    Fonte: http://www.sxc.hu/pic/m/t/tc/tchor1974/987456

    Hei

    tor

    Jos

    Nas cincias da cognio, existem diversos MODELOS que procuram

    articular respostas para a nossa pergunta 1. Esses modelos formulam,

    deste modo, teorias sobre como o conhecimento lingustico humano.

    O modelo lingustico mais infl uente nas cincias cognitivas o gera-

    tivismo, que tambm pode ser chamado de lingustica gerativa,

    gramtica gerativa, teoria gerativa, ou ainda, num termo mais antigo,

    gramtica gerativo-transformacional. Nosso curso apresentar a voc os

    Em cincia, um MODELO um conjun-to de hipteses sobre a estrutura e o fun-cionamento de algum fenmeno no nosso caso, a linguagem humana. A funo de um modelo for-mular uma teoria que explique e preveja as propriedades do fen-meno a que se dedica. Nas cincias da cog-nio e, especialmen-te, na lingustica, o conexionismo o modelo diferente do modelo gerativista que mais prestgio vem alcanando nos ltimos anos entre os cientistas cognitivos.

  • C E D E R J 1 9

    AU

    LA 1

    fundamentos do gerativismo, que ser aqui convencionalmente inter-

    pretado como termo mais ou menos sinnimo de teoria lingustica

    mas devemos estar conscientes de que existem outros modelos na teoria

    lingustica que no so gerativistas. Ao fi nal de nossas aulas, caso tenha

    interesse em prosseguir com os estudos sobre o conhecimento lingustico

    humano, voc estar apto a entender como os outros modelos diferen-

    ciam-se do gerativismo e formulam teorias prprias e independentes.

    O gerativismo teve incio nos anos cinquenta do sculo XX,

    quando Noam Chomsky, norte-americano professor do MIT (Instituto

    de Tecnologia de Massachusetts, EUA), formulou suas primeiras ideias

    a respeito da natureza mental da linguagem humana. J em seu primeiro

    livro (Estruturas sintticas, publicado em 1957), Chomsky afi rmava que

    o papel fundamental da lingustica tornar explcito, isto , descrever

    com objetividade cientfi ca, o conhecimento lingustico dos falantes. Para

    Chomsky, a teoria lingustica deve descrever os procedimentos mentais

    que geram as estruturas da linguagem, como as palavras, as frases e

    os discursos. Por exemplo, ele mesmo levantou a hiptese (isto , criou

    uma teoria) segundo a qual as frases so criadas na mente das pessoas

    por meio de aplicaes de regras inconscientes, as quais se aplicam

    sobre certas palavras de modo a gerar as frases que pronunciamos e

    compreendemos.

    A abordagem de Chomsky foi revolucionria para a poca, pois,

    at a metade do sculo passado, a lingustica ocupava-se quase exclu-

    sivamente da dimenso social e histrica da linguagem humana, tal

    como acontecia no estruturalismo lingustico (lembre-se de Ferdinand

    de Saussure e Leonard Bloomfi eld, que voc conheceu, no curso de

    Lingustica I, como os principais expoentes do estruturalismo europeu

    e norte-americano, respectivamente). A partir das ideias de Chomsky, os

    linguistas passaram a no apenas descrever a estrutura das lnguas, mas

    tambm a procurar explicaes para como a mente humana era capaz

    de processar essas estruturas. Com Chomsky, a morada da linguagem e

    das lnguas naturais passou a ser a mente dos indivduos.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J2 0

    Noam Chomsky (pronuncia-se noun tchomski)

    Chomsky nasceu nos EUA, em 1928. Alm de linguista, fi lsofo e ativista poltico. Ao longo dos mais de 60 anos de sua vida acadmica, publicou dezenas de livros e centenas de artigos cientfi cos. Chomsky considerado um dos pensadores mais importantes da histria moderna. Suas ideias revolucionaram o estudo da linguagem e inseriram a lingustica no con-texto da revoluo cognitiva dos anos 60 do sculo XX. Chomsky foi um severo crtico da psicologia behaviorista dominante na primeira metade do sculo passado. Para os behavioristas, todos os tipos de comportamen-to humano ou animal so gerados externamente, por meio de cadeias associativas entre dados estmulos e certas repostas. Para esses estudiosos, a associao entre estmulo e resposta criada pela repetio, por meio de recompensas ou reforos advindos do ambiente. Segundo um behaviorista, o aprendizado pela pura repetio aconteceria mesmo no que diz respeito linguagem humana, por ele denominada comporta-mento lingustico. Em 1959, Chomsky publicou sua clssica resenha sobre o livro Comportamento verbal, do famoso behaviorista B. F. Skinner. Na resenha, Chomsky demonstrou o carter criativo da linguagem humana, sua natureza mental e abstrata, por oposio ao modelo de linguagem como comportamento condicionado pelo ambiente defendido pelos behavioristas. Desde ento, Chomsky tem se empenhado na formulao de uma teoria sobre a natureza da linguagem na mente humana. No estgio atual de sua pesquisa, o chamado Programa Minimalista, Chomsky defende a hiptese de que todas as lnguas naturais so um conjunto de princpios universais e inatos e de parmetros, tambm inatos, mas formatados durante o perodo da aquisio da linguagem.

    Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomsky

    Veremos, ao longo de nossas aulas, como o gerativismo vem

    formulando teorias que procuram responder pergunta o que conhe-

    cimento lingustico?. Ou seja, veremos como a teoria lingustica vem

    respondendo pergunta 1.

  • C E D E R J 2 1

    AU

    LA 1

    Atende aos Objetivos 3, 4 e 5

    3.a) Nas cincias cognitivas, qual a funo de uma teoria lingustica?__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    3.b) O que o gerativismo? Quem Noam Chomsky?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    3.a) Voc aprendeu que, nas cincias, uma teoria cumpre o papel

    de explicar de maneira unifi cada o conjunto de conhecimentos que

    temos a respeito de um dado fenmeno. Assim, esperamos que,

    com relao linguagem enquanto fenmeno cognitivo, uma teo-

    ria fornea explicaes sobre como a mente e o crebro humano

    adquirem, representam e usam o conhecimento lingustico. No con-

    junto das cincias cognitivas, uma teoria lingustica deve, portanto,

    explicar qual a natureza do conhecimento lingustico que existe

    na mente das pessoas.

    3.b) O objetivo fundamental desta aula apresentar a voc o

    gerativismo, que a teoria lingustica mais infl uente nas cincias

    cognitivas. Nas prximas aulas, veremos com mais profundidade

    quais so os fundamentos desse modelo terico, ou seja, veremos

    como nele so formuladas explicaes sobre a natureza do conhe-

    cimento lingustico humano. Por ora, cumpre sabermos o seguinte:

    o gerativismo uma teoria lingustica que surgiu em meados do

    sculo XX e mantm-se infl uente at os dias atuais. Como uma teo-

    ria, o gerativismo deve formular um modelo de como a linguagem

    funciona na mente humana. Para o gerativismo, a linguagem uma

    faculdade mental capaz de gerar as frases que somos capazes

    de produzir e compreender. Finalmente, vimos que Noam Chomsky

    um eminente linguista norte-americano, criador e terico mais

    importante do gerativismo.

    ATIVIDADE

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J2 2

    PSICOLINGUSTICA

    Enquanto o gerativismo cumpre a funo de formular teorias

    abstratas sobre a linguagem como fenmeno cognitivo, a psicolingustica

    caracteriza-se como uma cincia emprica cujo objetivo investigar de que

    maneira as crianas adquirem uma lngua natural e como os indivduos

    adultos produzem e compreendem palavras, frases e discursos no tempo

    real da comunicao cotidiana. A psicolingustica procura encontrar,

    portanto, respostas para as perguntas 2 e 3, que aqui j apresentamos:

    como as crianas adquirem o conhecimento lingustico? e como esse

    conhecimento colocado em uso?.

    A psicolingustica uma disciplina que conjuga os interesses,

    os mtodos e as tcnicas de pesquisa da psicologia, especialmente da

    PSICOLOGIA COGNITIVA, com os interesses e as teorias da lingustica. Assim,

    teoria lingustica e psicolingustica so duas cincias fortemente inter-

    relacionadas no conjunto das cincias cognitivas. De um lado, a psicolin-

    gustica deve testar as hipteses abstratas do modelo gerativista no estudo

    concreto da aquisio, da produo e da compreenso da linguagem, de

    modo a encontrar ou no evidncias que as confi rmem. De outro lado, a

    teoria lingustica deve usar as descobertas da psicolingustica acerca da

    aquisio e do processamento da linguagem para formular e reformular

    as suas hipteses, construindo, dessa maneira, modelos que se sustentem

    na realidade psicolgica do funcionamento da linguagem.

    Figura 1.4: Jovem participa de experimento psicolingustico sobre compreenso da linguagem oral.Fonte: Laboratrio de Psicolingustica (LAPSI-UFF).

    P S I C O L O G I A C O G N I T I VA

    uma das reas mais recentes dentro das pesquisas em psicologia, tendo surgido ao fi nal dos anos 1950, com a revoluo cognitiva. Trata-se da rea da psicologia que pro-cura estudar, atravs de experimentos cientfi cos elabora-dos, a natureza e o funcionamento da cognio humana. Um psiclogo cog-nitivo dedica-se a fenmenos como, dentre outros, memria, ateno, percepo, racio-cnio, resoluo de problemas, lingua-gem, emoes. A psicolingustica uma das subdisci-plinas da psicologia cognitiva.

  • C E D E R J 2 3

    AU

    LA 1

    NEUROLINGUSTICA

    A NEUROLINGUSTICA uma das subdivises da neurocincia moder-

    na. Trata-se de uma cincia emprica cujo objetivo compreender os

    mecanismos cerebrais que do origem linguagem humana. Enquanto

    a psicolingustica dedica-se ao estudo da mente, isto , das funes cog-

    nitivas visveis no comportamento humano, a neurolingustica ocupa-se

    do crebro, seus neurnios e suas sinapses os sistemas fsicos, qumicos

    e biolgicos que tornam a mente possvel.

    Uma ilustrao muito til para compreendermos a diferena entre

    mente x crebro e psicolingustica x neurolingustica a analogia

    com os computadores digitais modernos. Praticamente todos ns sabemos

    que os computadores possuem duas partes fundamentais: (1) os softwares,

    que so os programas que usamos para escrever textos, fazer clculos,

    ouvir msicas e navegar na internet, e (2) o hardware, a parte fsica do

    computador que torna o seu uso possvel, como o teclado, o mouse, o

    monitor, o disco rgido etc. Se fi zermos uma metfora, entenderemos

    que a mente so os nossos softwares psicolgicos, como a linguagem, a

    viso, o raciocnio etc., enquanto a superfcie fsica que torna possvel o

    uso desses softwares o crebro, o nosso hardware neuronal.

    Pelo que dissemos, podemos entender que a neurolingustica a

    cincia que deve encontrar respostas para a quarta pergunta que for-

    mulamos: quais so os fundamentos fsicos, no crebro humano, do

    conhecimento lingustico?.

    Figura 1.5: As reas do crebro responsveis pela linguagem humana: rea de Broca (produo) e rea de Wernicke (compreenso).Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:BrocasAreaSmall.png

    Atualmente, pre-fere-se a expresso

    neurocincia da linguagem em vez

    do tradicional termo NEUROLINGUSTICA.

    O novo termo til, inclusive, para

    evitar confuso com a programao

    neurolingustica, que no possui qualquer

    relao com a neuro-lingustica que apre-sentamos nesta aula.

    Broca Wernike

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J2 4

    TRS REALIDADES NO ESTUDO DA LINGUAGEM

    Com base no que acabamos de dizer sobre a distino entre teoria

    lingustica, psicolingustica e neurolingustica, possvel compreender-

    mos que cada uma dessas reas possui o seu prprio objeto de estudo

    no complexo fenmeno da linguagem na mente humana. Cada qual

    desempenha papel singular no desenvolvimento da lingustica como

    cincia cognitiva. Os objetos particulares com que se ocupa cada uma

    das trs disciplinas constituem a realidade especfi ca do seu domnio de

    investigao.

    Assim, a realidade terica do conhecimento lingustico o obje-

    to das pesquisas em teoria lingustica. J a psicolingustica tem como

    objeto de estudo a realidade psicolgica das lnguas naturais no seu

    funcionamento em tempo real na mente humana. Por fi m, o objeto da

    neurolingustica a realidade neurolgica da linguagem no crebro, em

    sua substncia eletroqumica.

    A realidade terica do conhecimento lingustico constitui uma

    abordagem cognitiva moderada acerca da linguagem na mente humana,

    por oposio abordagem forte da realidade psicolgica e abordagem

    fortssima da realidade neurolgica.

    Dizemos que a teoria lingustica possui uma abordagem cognitiva

    moderada porque deve ocupar-se primordialmente com o qu da com-

    petncia lingustica humana, e no com o como dos processos mentais e

    cerebrais a ela subjacentes. O terico da linguagem no necessariamente

    frequenta laboratrios cientfi cos ou realiza trabalhos empricos que

    observam o comportamento da mente e do crebro em funcionamento

    real. Tal como Chomsky, o linguista terico pode trabalhar exclusivamen-

    te em seu escritrio, formulando teorias de maneira conceitual e dialtica,

    bem ao estilo da fi losofi a. Ou seja, o terico cria uma hiptese abstrata de

    como a lngua deve ser na mente da pessoa como, por exemplo, propor

    que a sintaxe (combinao entre palavras) um fenmeno que antecede

    mentalmente a semntica (interpretao de signifi cados), ou seja, levantar

    a hiptese de que as pessoas primeiro constroem mentalmente estruturas

    com as palavras, e s depois conferem signifi cado para essas estruturas.

    Por sua vez, a psicolingustica deve ser caracterizada como uma

    abordagem cognitiva forte. Isso acontece porque os psicolinguistas obser-

    vam e descrevem empiricamente, com base em pesquisas experimentais

  • C E D E R J 2 5

    AU

    LA 1

    realizadas em laboratrios, os processos psicolgicos pelos quais o

    conhecimento lingustico se realiza na mente humana. Os psicolinguis-

    tas idealizam e executam experimentos cientfi cos que envolvem tarefas

    cognitivas observveis como, por exemplo, a produo e compreenso

    de palavras, frases e discursos. A partir dos resultados de experimentos

    desse tipo, os psicolinguistas podem formular generalizaes a respeito

    de como a mente humana processa a linguagem natural.

    A realidade neurolgica da pesquisa neurolingustica caracteriza-se,

    por fi m, como uma abordagem cognitiva fortssima em razo de, em suas

    pesquisas, o neurolinguista considerar no somente o qu abstrato e o como

    mental do conhecimento lingustico, mas tambm o onde dos processos

    neurolgicos que realizam fi sicamente a linguagem na substncia neuronal

    do crebro.

    A abordagem cognitiva que apresentaremos nas dez primeiras

    aulas de nosso curso a moderada, caracterstica da teoria lingustica.

    Nas aulas posteriores, quando analisarmos a aquisio da linguagem e

    os problemas de desenvolvimento lingustico, apresentaremos tambm

    aspectos da abordagem forte e fortssima tpicas da psicolingustica e

    da neurolingustica.

    A distino entre as trs realidades no estudo cognitivo da lingua-

    gem importante porque a realidade epistemolgica da teoria lingustica

    relativamente independente da realidade psicolgica e neurolgica.

    Por exemplo, quando um linguista terico apresenta um conceito como

    sintagma, ele est formulando uma teoria que explica como a mente

    humana relaciona as palavras umas s outras no interior de uma frase.

    Ele no est dizendo que encontraremos sintagmas se abrirmos o

    crnio de uma pessoa e analisarmos a confi gurao dos neurnios na

    superfcie de seu crebro.

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J2 6

    Indicao de leitura

    Recomendamos fortemente a leitura do best-seller O ins-tinto da linguagem, de Steven Pinker, editado pela Martins Fontes em 2003. Nele, o linguista e psiclogo da famosa Universidade de Harvard (EUA) apresenta, de maneira lcida e divertida, os fundamentos do estu-do da linguagem como faculda-de cognitiva humana. O autor demonstra de que maneira a lin-guagem funciona na mente, como as crianas adquirem uma lngua, como as lnguas mudam atravs do tempo, como as lnguas evolu-ram na espcie humana e como o crebro processa a linguagem. Aliando muita erudio e exemplos cotidianos, Pinker instrui e diverte o leitor. Trata-se de excelente leitura para uma viso integrada entre teoria lingustica, psicolingus-tica e neurolingustica.

    A INTEGRAO ENTRE AS TRS REALIDADES

    Para o progresso do estudo da linguagem como fenmeno cogni-

    tivo, teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica devem manter

    entre si intensas e profundas relaes no empreendimento das cincias

    cognitivas. Por um lado, a teoria lingustica deve formular modelos

    abstratos que representem o conhecimento lingustico existente na

    mente das pessoas. Por outro lado, psicolingustica e neurolingustica

    devem verifi car de que maneira tal modelo articula-se com a realidade

    concreta do que se passa na mente e no crebro dos indivduos. Alm

    disso, as descobertas da psicolingustica e da neurolingustica devem

    correlacionar-se e, numa espcie de retroalimentao, devem tambm

    orientar e reorientar os modelos elaborados pela teoria lingustica.

    No melhor dos cenrios do desenvolvimento da lingustica como

    cincia cognitiva, os estudos da teoria lingustica sero articulados s

    descobertas sobre a realidade psicolgica e a neurolgica da linguagem,

    de modo que se torne possvel formular respostas integradas s questes

    o que conhecimento lingustico?, como ele adquirido?, como

    ele usado? e quais so seus substratos neurolgicos?. No futuro

    do estudo da linguagem na mente, dever haver uma integrao cada

    vez maior entre as realidades epistemolgica, psicolgica e fsica do

    conhecimento lingustico.

    Fonte: http://www.martins-fontespaulista.com.br/site/Imagens/Produtos/Amplia-cao/131196.jpg

  • C E D E R J 2 7

    AU

    LA 1

    Atende ao Objetivo 3

    4. Caracterize teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica. Explique por que a realidade lingustica a que cada uma dessas disciplinas se dedica relativamente independente das demais e como importante, para o progresso da cincia, que tais realidades sejam integradas no futuro.______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Voc aprendeu que, com relao ao estudo da linguagem na

    mente, existem trs cincias cognitivas diferentes, mas estreitamente

    relacionadas: teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica.

    Cada uma delas, como vimos, busca respostas especfi cas para

    as quatro perguntas fundamentais do estudo da linguagem como

    cognio humana (o que o conhecimento lingustico?, como

    ele adquirido?, como ele posto em uso? e como o crebro

    humano o produz?). Os problemas e as respostas especfi cas de

    cada uma dessas disciplinas constituem a sua realidade. Vimos

    que essas realidades so relativamente independentes, afi nal um

    linguista terico no precisa ser especialista em neurofi siologia para

    formular uma hiptese sobre, por exemplo, a realidade das palavras

    na mente humana. No entanto, sabemos que, no amadurecimento

    das cincias cognitivas ao longo do sculo XXI, as realidades epis-

    temolgica, psicolgica e fsica do conhecimento lingustico devem

    ser formuladas de maneira integrada.

    ATIVIDADE

    CONCLUSO

    Nesta aula, aprendemos que a linguagem um tipo de conhecimen-

    to e, assim, faz parte da cognio humana. Como tal, a linguagem e as ln-

    guas naturais so objeto de estudo das cincias cognitivas, especialmente

    da teoria lingustica, da psicolingustica e da neurolingustica. Vimos que,

    na teoria lingustica, o gerativismo o modelo mais infl uente nos ltimos

    cinquenta anos. Noam Chomsky o principal terico e precursor desse

    tipo particular de lingustica. Aprendemos que, no futuro das cincias

  • Lingustica II | Linguagem coisa da sua cabea: as lnguas humanas como fenmeno cognitivo

    C E D E R J2 8

    cognitivas, teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica devem

    articular respostas integradas para as quatro questes fundamentais do

    estudo da linguagem como faculdade cognitiva humana.

    ATIVIDADE FINAL

    Atende aos Objetivos 1, 2, 3, 4 e 5

    Explique por que a teoria lingustica chomskiana, a psicolingustica e a

    neurolingustica apresentam abordagens sobre a linguagem to diferentes

    daquelas que voc aprendeu no seu curso Lingustica I, com Saussure e os

    estruturalismos.

    ____________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________

    ____________________________________________________________________

    RESPOSTA COMENTADA

    Como vimos, a abordagem da lingustica apresentada por Chomsky e desenvolvida

    na teoria lingustica, na psicolingustica e na neurolingustica caracteriza-se pela

    abordagem mentalista (ou cognitiva) do fenmeno da linguagem. A esse tipo de

    lingustica importa, destarte, pesquisar a linguagem como faculdade mental humana,

    parte de nossa cognio, de nossa natureza. O tipo de lingustica que voc estudou

    no curso Lingustica I se caracteriza por outro tipo de abordagem: aquela que se

    dedica dimenso sociocultural e histrica da linguagem. A esse tipo de lingustica

    importa pesquisar a linguagem tendo em conta a sua histria, a sua dinmica social

    e cultural. Dessa forma, podemos dizer que Saussure e os demais estruturalistas

    devem ser considerados linguistas culturalistas, enquanto Chomsky, psicolinguistas

    e neurolinguistas devem ser corretamente denominados como cognitivistas.

  • C E D E R J 2 9

    AU

    LA 1

    R E S U M O

    A linguagem um fenmeno cognitivo, pois se trata de conhecimento que deve

    ser adquirido pela interao social e deve ser estocado na mente, acessado e

    usado pelos indivduos.

    O conhecimento lingustico natural aos seres humanos e todos os indivduos

    saudveis o possuem. Essa disposio natural para a linguagem denomina-se

    faculdade da linguagem.

    Tal conhecimento um dos objetos de estudo das cincias cognitivas, que so as

    cincias dedicadas investigao da mente e do crebro humanos. Isso faz com

    que a lingustica torne-se uma das cincias cognitivas quando passa a se ocupar

    da dimenso psicolgica da linguagem.

    Teoria lingustica, psicolingustica e neurolingustica so cincias cognitivas que

    devem encontrar respostas articuladas para as quatro perguntas fundamentais

    sobre a linguagem tomada como fenmeno cognitivo: qual a sua natureza,

    como ela adquirida, como posta em uso e quais so seus substratos fsicos no

    crebro. No obstante, a pesquisa de cada uma dessas cincias conduzida de

    maneira particular, constituindo a realidade de cada uma das reas (respectiva-

    mente, realidade epistemolgica, psicolgica e fsica).

    Enquanto a teoria lingustica uma cincia eminentemente conceitual e abstra-

    ta, psicolingustica e neurolingustica so cincias empricas, que conduzem suas

    descobertas a partir de experimentos cientfi cos.

    A teoria lingustica mais infl uente nas cincias da cognio o gerativismo. Seu

    terico mais infl uente e principal fundador o linguista norte-americano Noam

    Chomsky. O gerativismo ser objeto das dez primeiras aulas deste curso, Lingustica II.

    INFORMAO SOBRE A PRXIMA AULA

    Se voc compreendeu que a linguagem uma faculdade cognitiva e que o

    gerativismo uma teoria que tenta explicar como esse fenmeno, ento

    podemos seguir para a nossa prxima aula. Nela veremos os principais conceitos

    do gerativismo: lngua-I, modularidade e competncia e desempenho

    lingusticos.