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Augusto Guzzo Revista Acadêmica

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Copyrigth: Augusto Guzzo Revista Acadêmica. - http://www.campossalles.edu.br - ISSN 1518-9597 Publicação Semestral das Faculdades Integradas "Campos Salles". Rua Nossa Senhora da Lapa, 270 - Lapa - São Paulo - SP - CEP 05072-000.É permitida a reprodução de qualquer matéria desde que citada a fonte.

Presidente: Profa. Jacyra Guzzo do Carmo Curado (in memorian) (FICS).Diretor responsável: Prof. Carlos Augusto do Carmo Curado (FICS).Diretor Geral: Prof. Eduardo Césare Baságlia (FICS).Diretora de Edição: Prof. Neusa E. Anselmo (FICS).Coordenadora: Profa Dra. Mônica Maria Martins de Souza (FICS).

Comissão Editorial Profa. Dra. Aida Hanania – (FFLCHUSP).Prof. Dr. Antonio Cesar Amaru Maximiano (USP).Prof. Dr. Celso Campos (Faculdades Integradas “Campos Salles” FICS-SP).Profa. Dra. Chie Hirose – (Faculdades Integradas “Campos Salles” FICS-SP).Prof. Dr. Enric Mallorquí-Ruscalleda – (Universidade de Girona - Espanha).Prof. Dr. Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz - (UFSC).Prof. Dr. Fernando Horta Tavares (Dr. PUCMINAS – Pós Dr. p/ Univ. LISBOA).Prof. Dr. Hélio Roberto Hékis - (UFSC).Profa. Dra. Isaura Alberton de Lima (Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR).Prof. Dr. Jamerson Viegas Queiroz (UFRN).Prof. Dr. Jean Lauand – (Faculdade de Educação - USP / PPGE Univ. Metodista - SP).Prof. Dr. Luiz Costa Pereira Jr. (Revista Língua Portuguesa).Prof. Dr. Marciano Furukava - (UFRN).Prof. Dr. Marcos Roberto Celestino – (PUC-SP).Prof. Dr. Mauro Maia Laruccia - (PUC-SP/FICS-SP).Prof. Dr. Óscar Mealha (Universidade de Aveiros/Portugal).Prof. Dr. Roberto Carlos Gomes de Castro – (Fac. Integradas Alcântara Machado).Prof. Dr. Vitor Echeto (Universidade de Valência/Espanha).

Comissão de pareceristas AD HOCProf. Dr. Jose Flavio Messias - (USP).Profa. Dra. Elizabete Aparecida Damasceno - (USP/ FICS).Prof. Dr. Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz - (UFSC).Prof. Dr. Hélio Roberto Hékis - (UFSC).Profa. Isaura Alberton de Lima (Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR).Prof. Dr. Jamerson Viegas Queiroz (Universidade Federal do Rio grande do Norte UFRN).Prof. Dr. Jorge Luis Risco Becerra (USP).Profa Dra. Laura Camilo dos Santos Cruz (ENIAC-SP).Prof. Dr. Marciano Furukava - (UFRN).Profa. Dra. Nanci Geroldo - (USP/ENIAC-SP).Prof. Dr. Marcos Roberto Celestino – (PUC-SP).Prof. Dr. Mauro Maia Laruccia - (PUC-SP/FICS-SP).

Comissão de Edição, Revisão, diagramação e Editoração EletrônicaProfa. Ms Cimara Apostólico (PUC-SP).Prof. Ms Claudinei Senger (UNISANTOS-SP).Maria Aparecida Nóbile – Jornalista (FICS-SP).Prof. Ms. Milton Tadeu Piscinato (PUC-SP).

Projeto gráfico, capa e TI – Flavio Antonio Saccardo - (FICS-SP).Assistente gráfico – Oridio Civalli Junior - (FICS-SP).

Editora: Profa. Dra. Monica Maria Martins de Souza – Jornalista (MTE).Co-Editor: Prof. Ms Claudinei Senger (UNISANTOS-SP).

Funcionário homenageado nesta edição por relevantes serviços prestados à instituição por mais de 40 anos: NEUSA E. ANSELMO.

Augusto Guzzo Revista Acadêmica - http://www.campossalles.edu.br - é uma publicação semestral e multidisciplinar vinculada às Faculdades Integradas “Campos Salles” – FICS.No 9 – junho de 2012 - São Paulo: FICS, 2012. 28cm.Semestral – ISSN 1518-9597 - Tiragem desta edição: virtual

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ISSN 1518-9597Augusto Guzzo Revista Acadêmica São Paulo No 9 Junho 2012

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Missão: proporcionar reflexões acerca de temáticas acadêmicas relevantes e principalmente ser um veículo de comunicação científica para dar publicidade às ideias e pesquisas do mundo atual; ser, de fato, um espaço para publicação de professores pesquisadores e alunos de iniciação científica divulgarem seus estudos e pesquisas.

Sem prejuízo de acolhimento e difusão de contribuições da engenharia do conhecimento, este veículo acolhe todos os campos do conhecimento acadêmico e não elege nesta Edição, uma área temática preferencial. Privilegia a multidisciplinaridade e compõe os temas em dossiês - artigos, resenhas e similares, nacionais e internacionais, contribuindo para o debate intelectual.

Convidados desta EdiçãoProf. Adriano Carlos A. de P. SOUSA (UFSC)Pesquisadora: Daniela MARQUES – (USP)Profa. Dra.Fernanda Cristina B. P. QUEIROZ (UFRN).Prof. Dr.Hélio Roberto HÉKIS (UFSC).Prof. Dr. Jamerson Viegas QUEIROZ (UFRN).Prof. Dr. Jean LAUAND (USP)Prof. Dr. Jorge Luis Risco BECERRA (USP)Pesquisador: Juan Felipe R. NARANJO (USP)Prof. Leonardo Dominguez DIAS (USP)Prof. Lucas Ambrósio B. de OLIVEIRAProf. Dr.Marciano FURUKAVAProf. Esp. Pesquisador: Mauricio Pedro da SILVAPesquisadora: Mirelle Monique de O. FERNANDES (PUC-SP)Profa. Natália Veloso C. de VASCONCELOS Prof. Ms. Ricardo Araújo CAMARGOProf. Dr. Rudá B. Carlos de AMORIMProf. Ms. Ruy GUÉRIOSProf. Dr. Victor Silva ECHETO (ESPANHA)Pesquisador: William Roberto DONDAS (PUC-SP)

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S U M Á R I OEditorial ................................................................................................................................ 8

Cambios en la temporatidad y en la espacialidad de la comunicación ...............................Víctor Silva Echeto

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Pedagogia medieval ocidental: corpo e educação em Tomás de Aquino ...........................Jean Lauand

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Pedagogia oriental: corpo e educação ................................................................................Chie Hirose

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Coordenação pedagógica e corpo docente: a importância da formação continuada .........Marcos Roberto Celestino

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Contribuição dos Sistemas Integrados de Gestão para as Práticas de Ensino e Aprendizagem .....................................................................................................................Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz, Hélio Roberto Hékis, Jamerson Viegas Queiroz, Lucas Ambrósio B. de Oliveira, Natália Veloso Caldas de Vasconcelos

.45

Fundamentos de uma Fábrica de Software Orientada a Objetos Processos .....................Leonardo Dominguez Dias, Juan Felipe Restrepo Naranjo, Daniela Marques e Jorge Luis Risco Becerra

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As políticas públicas para desenvolver a economia local do Rio Grande do Norte e a contribuição do turismo no litoral norte ...............................................................................Adriano Carlos Amorim de Paiva Sousa, Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz, Marciano Furukava, Jamerson Viegas Queiroz e Rudá Barros Carlos de Amorim

.62

O papel estratégico da cultura organizacional na construção da personalidade no trabalho ...............................................................................................................................Claudinei Senger, Mauricio Pedro da Silva e Mônica Maria Martins de Souza

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Marketing e o conceito de ética: principais implicações no ambiente empresarial .............Mirelle Monique de Oliveira Fernandes, Paulo Roberto Alves e William Roberto Dondas

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Qualidade: ferramenta representativa e diferencial competitivo na prestação de serviços .Mônica Maria M. de Souza, Ricardo Camargo de Araújo e Ruy Guérios

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Universidade corporativa em bancos ...................................................................................Paulo Roberto Alves

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Andragogia: um novo olhar para a subjetividade ................................................................Cimara Apostolico

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Semântica, lexicometria e representação do conhecimento: congruências e aplicações ao ensino de língua materna ....................................................................................................Elizabete Damasceno

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As Inteligências Múltiplas: Uma Análise de Conteúdo de Pesquisa ....................................Mauro Maia Laruccia e Sergio Roberto Cosmano

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Acesso a coleções de dados usando LINQ .........................................................................João Alexandre Magri

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E D I T O R I A L

A Revista Acadêmica Augusto Guzzo das Faculdades Integradas “Campos Salles” – FICS, que nasceu em 2000, foi o resultado do árduo trabalho de pesquisa que se estruturou com o incentivo, cobrança e desejo da então Presidente da Mantenedora, Profa. Jacyra Guzzo do Carmo Curado. Após o último suspiro da sua criadora, como ela, a revista adormeceu, mas manteve-se viva, pois quatro anos depois, ainda preserva o seu status Qualis C.

Ela hibernou por quatro anos até despertar pelas cobranças dos avaliadores do INEP/MEC, por pesquisas do corpo docente e discente.

Diante da necessidade de melhorar a performance institucional, a coordenadora e o corpo docente e administrativo se comprometeram com a pesquisa e Iniciação Científica, comprovada no número 9 desta revista, finalizada no primeiro semestre de 2012.

A revista coroa de êxito o esforço coletivo dos profissionais do ensino desta Faculdade. Representa a vocação natural para a pesquisa e iniciação científica, que aqui sempre existiu, sem se dar conta deste fazer, pois, não era pensada como tal. Sempre esteve inserida na metodologia de ensino e presente no planejamento das aulas - no projeto integrador, multidisciplinar, que instiga aluno e professor a pesquisar, elaborar ideias e construir textos.

Esta produção semestralmente apresentada em forma de banners e exposta no hall da faculdade remonta o início dos cursos tecnológicos. A apresentação promove o desenvolvimento e a habilidade do aluno em se comunicar com o público interno e a comunidade do entorno.

Para operacionalizar a teoria na prática e construir a competência técnica, professores alunos organizam eventos semestrais com a participação de palestrantes internos e externos. Esse movimento trata da interface da diversidade e reflete sobre os temas multidisciplinares.

A oficina de artigos, embora sempre tenha se mantido viva informalmente, foi revitalizada pela coordenadora Monica Martins, no segundo bimestre de 2012, no formato oficial de Grupo Pesquisa, e Iniciação Científica. Os projetos integradores geram papers, artigos e relatos de pesquisa e são apresentados com os banners nos seminários semestrais por professores, alunos do colégio, do técnico, tecnológico, Graduação e Pós-Graduação. Os melhores trabalhos que se destacam neste evento são selecionados para a revista.

O projeto de pesquisa consolida, nesta instituição, o procedimento investigativo natural do ato de estudar. Os Seminários fortaleceram a nona revista gráfica, agora digitalizada, e o lançamento do primeiro número da Revista eletrônica no segundo semestre de 2012 dará muito mais visibilidade ao ato de pesquisa desta instituição. Ela contempla a engenharia do conhecimento e privilegia todas as áreas do ensino.

Paralelamente a essa produção, no mês de maio, a instituição realiza o Seminário Internacional: Filosofia e Educação – Fundamentos e políticas desde a década 90. Evento promovido pela FICS, Centro de Estudos Medievais Oriente & Ocidente CEMOrOc/EDF/FEUSP e Instituto Interdisciplinar - IJI Universidade do Porto, organizado pelo Prof Dr. Jean Lauand, do Grupo de Pesquisa USP/FICS.

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Víctor Silva Echeto 1

Cambios en la temporatidad y en la espacialidad de la comunicación

Cambios en la temporatidad y en la espacialidad de la comunicación

Cambios en la temporatidad y en la espacialidad de la comunicación

1. Antecedentes de la “Ecología Gris”

Temprano es el análisis de Vilém Flusser que podría llamarse “ecológico”, extrayéndole a este comcepto la connotación simplemente de lo “verde”, y trasladándolo a la “comuni-cación”, “la imagen visual” y la “filosofía”. La tradicional separación antropológica entre naturaleza y cultura, tan cara a una larga tradición que, en algunos momentos, funciona como perspectiva metodológica, es decir, la facilidad estructuralista de separar en clasificaciones las complejidades sócio-culturales, y, en otros, como una deriva teórico-conceptual que, al intentar distanciarse para mantener la “objetividad” concibe al otro como una alteridad emparentada con la naturaleza, la que, a su vez, le da sustento. La “mismidad” del antropólogo lo aparta de la alteridad del otro, natural y no cultural.

El “colegio invisible” o “escuela de Palo Alto” ya había “visibilizado” que la naturaleza y la cultura más que instancias separadas conf luyen en un enfoque ecológico, cuestionando esa tradición antropológica que planteaba la separación como clasificación estructural. En fechas más recientes, Félix Guattari (1996: 33), sostiene que “hoy menos que nunca puede separarse la naturaleza de la cultura, y hay que aprender a pensar transversalmente” las interacciones entre ecosistemas, maquinosfera y cultura.

Así las cosas, el ser humano, para el colegio invisible, tiene una esencia biológica, diría

abusando de los conceptos que es “un mono avanzado”. El origen y la base biológica se encuentran aún presentes y tienen sus orígenes miles de años atrás, desde el momento mismo del inicio del proceso de hominización. Esto significa que el ser humano conserva aún en su esencia comportamientos, actitudes y manifes-taciones ancestrales. Como indica Norval Baitello jr (2005: 71), las investigaciones, de los llamados siste-mas afectivos entre primates superiores, de los cuales los humanos formamos parte, permiten aclarar aspectos fundamentales respecto de la naturaleza y de la motivación de los vínculos primordiales de sus sistemas comunicativos. “As ciências da comunicação não terão nada a perder quando deixarem de lado seu antropocentrismo e pássarem a considerar, estudar e compreender o u t r o s s i s t e m a s c o m u n i c a t i v o s n ã o humanos” (Baitello, 2005: 72). En términos de Michel Serres (2011: 31), refiriéndose a la experiencia de los trepadores de alta montaña, “Homo erectus, el hombre de pie, reciente, vuelve a aquel del que desciende, el cuadrumano arcaico”. Mono, araña, molusco, Analógicamen-te, trepan la alta montaña.

La comunicación, para la interdisciplinaria Palo Alto (donde confluían comunicólogos, antropólogos/as, psicólogos, cibernéticos), era ese espacio de confluencia. Por ello, como afirmaba Paul Watzlawick, no se puede no comunicar. No obstante, para Palo Alto (Bateson, Hall, Watzlawick), como fundamento del “interaccionismo simbólico”, esas

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1 Víctor Silva Echeto - Possui graduação em Licenciatura en Ciencias de la Comunicación - Universidad de La Republica Oriental Del Uruguay (1999), mestrado en Comunicación pela Universidade Internacional de Andalucia (2000) e doutorado em Estudios Culturales: Literatura y Comunicación - Universidad de Sevilla (2003). Atualmente é professor/investigador - Universidad de Playa Ancha, professor - Universidad Austral de Chile e professor - Universidad de Artes y Ciencias Sociales, e professor/investigador estrangeiro da FAPESP.

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relaciones y vínculos (de última comunicar es vincular) son la base de los intercambios personales. Comunicación, en ese contexto, no es unicamente mediaciones técnicas (como sostenían el funcionalismo o la teoría matemática de la información) sino, fundamentalmente, mediaciones primarias (en términos de Pross) e interpersonales.

El recorrido se inicia en 1959 cuando el psiquiatra D. Jackson, funda el Mental Research Institute, tres años después se integra Paul Watzlawick, ambos, en esos años, inician las investigaciones sobre la esquizofrenia y diversas patologías relacionadas con la comunicación. Desde esas pesquisas surgirá una teoría de la comunicación interpersonal que tendrá gran relevancia en las dos deca-das siguientes.

El contexto del interaccionismo simbó-lico, a su vez, no se reducía a las relaciones interpersonales sino que, además, amplió el c o n c e p t o d e c u l t u r a h a c i a e l d e interculturalidad. Es así como Edward T. Hall, quien formó parte del colegio invisible, en las primeras décadas del siglo XX, propuso la noción de interculturalidad, para referirse a las distancias que se producen entre las culturas y como éstas se amplían y extienden en contextos de conflictividad cultural. Hoy, en el siglo XXI, junto con las emociones, son nociones principales para los estudios de la comunicación (Rodrigo Alsina, 1999).

El discípulo de Marshall Mc Luhan, Barrington Nevitt, escribe The ecology of communication, entrados los años ‟80, donde planteará un enfoque que vincula la ecología a los aspectos técnicos de la comunicación. Por la misma época, David L. Altheide publica An ecology of commu-nication. Cultural formats of control, donde se refiere a las relaciones de poder y al control social producido por los medios. Es el volumen colectivo del International Institute of Communications, Cultural ecology. The changing dynamics of communication, que analiza las repercusiones socio-cultu-rales de las Tecnologías de la

Información y de la Comunicación en diversas regiones del mundo.

2. Ecología “gris”

Si se cruza el Atlántico, se encuentra con que los estudios “ecológicos”, en Europa, como en Estados Unidos, son tardíos. Hay que destacar, al respecto, los aportes que se producen tanto en Alemania como en Francia, y, posteriormente en España por parte Vicente Romano (2004).

En el primer país, se destacan las contribuciones de Mathias Donath (1998), quien extiende el concepto de Mit-Mensch al de Mit-Welt, es decir, no solo se refiere al prójimo humano sino, también, al prójimo natural, al entorno. Barbara Mettler von Meibom (1990), aborda la ecología, desde una perspectiva sistémica, es decir, desde una mirada integrada entre sistemas tecnológicos, sociales, ecológicos. Radicalizando el planteamiento y llegando a proponer, en algunos momentos, “el derecho a la no asequibilidad y a zonas o tiempos sin tecnologías a fin” de protegerse “de la omnipresente agresión medial” (Romano, 2004: 9).

La posibilidad de separar el enfoque ecológico, simplemente, como protección de lo verde, se le debe, entre otros, en Francia a Paul Virilio. Este urbanista, la denomina la ecología gris, porque no tiene color. Se presenta, así, como un progreso.

“Todos se alegran y saltan de júbilo cuando se anuncia un tren aún más rápido o un avión aún más veloz que el anterior. Con el descubrimiento de las armas atómicas todos gritaban que esto era espantoso, repulsivo. Apenas si sucede esto cuando se inventa un auto todavía más rápido, o cualquier cosa que sea aún más rápida que cualquier otra, porque es vitoreada casi absolutamente por todos, sin importar que esta contracción nos presione y asfixie” (Virilio, 1999: s/p).

Todavía no hay una sensibilización por las dimensiones de esta ecología gris, ni con sus, para Virilio (1999: s/p), “devastadoras

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consecuencias”. Con frecuencia, el urbanista francés, le ha planteado “a los verdes” que se “pondría de su lado, tan pronto se interesasen en la ecología gris”. Hasta estas décadas “sólo han hablado del espacio, pero no del tiempo. Si bien, todo espacio es un espacio de tiempo; y toda condición de vida, todo espacio ecológico ha de habérselas con tamaños y proporciones”. Con esto, lo que hace Virilio (1999: s/p), es moverse “en las proporciones de un arquitecto, quien se halla en una cierta relación con las cosas. Las proporciones y relaciones hoy se han contraído, tele transmitido, van derecho a su desaparición”. En la medida que “esto se mantenga sin ser comprendido, tampoco se habrán planteado todas las preguntas de las ciencias (…) Los conocimientos técnicos son un drama. En el siglo XIX, la ciencia técnica parecía ser todavía un avance, comparándolo con el diario vivir de los campesinos o de los trabajadores. Un siglo más tarde esto es tan sólo un drama, y símbolos de esto son ya el hundimiento del Titanic o el accidente del reactor de Chernobyl”. Décadas después de esa entrevista realizada a Paul Virilio, en 2011, el accidente en Japón de Fukushima, luego de un terremoto y maremoto, volvió a poner frente a frente al ser humano y sus técnicas y la naturaleza y sus técnicas. La ecología gris retornó. La catastrofe no fue producida por el terremoto o maremoto sino por la radiación emitida por la central de Fukushima.

La aceleración y la velocidad, llevan a la pérdida de la geografía en detrimento de la dromografía (dromo es velocidad), el espacio se encoge y el tiempo se acelera. El entorno se transforma en comtorno sobre el que se circula. Paradójicamente, en las megalópolis se produce el efecto inverso. En una megaciudad como São Paulo, con más de 10 millones de habitantes, 20 millones si se incluyen las ciudades satélites y más de 7 millones de coches, trasladarse de un sitio a otro lleva un promedio de 3 horas diarias. La vida cotidiana transita entre helicópteros (es la ciudad del mundo que tiene la mayor cantidad) y metros o subtes, sobre o bajo la tierra, como pájaros de

hierro o topos eléctricos. Paralelamente, en los metros o subtes o en las fiestas masivas - como la parada gay - de la megaciudad, se experimenta la acumulación de cuerpos como com-juntos de carnes masacradas por la falta de espacio o, en algunos casos, por su aniquilación.

3. De la ecología gris a la ecosofía

Gilles Deleuze y Félix Guattari (2000), utilizan diversas terminologías de la naturaleza para referirse a un pensamiento liberador pero, también , opresor. Mesetas , r izomas , enfrentados a árboles. Horizontalidad y redes a jerarquías. También, son influenciados, a diferencia de lo que se considera en América Latina como pensamiento colonizador, por teóricos de las Américas como Maturana y Varela con nociones como las de autopoiesis, es decir, como subjetividades inmanentes que se auto-producen.

Guattari, posteriormente, continuará con una deriva aún más ecológica, pasando de ésta a la ecosofía. Es decir, en lugar de continuar analizando la contaminación ambiental desde una perspectiva tecnocrático económica o funcional cuantitativa, asume su estudio desde una óptica ético-política, la que llama, ecosofía. De ahí su planteamiento sobre las tres ecologías: del medioambiente, de la cultura y de la subjetividad humana.

La respuesta a la crisis ecológica “sólo podrá hacerse a escala planetaria y a condición de que se realice una auténtica revolución política, social y cultural que reoriente los objetivos de la producción de los bienes materiales e inmateriales”. Así las cosas, esa “revolución no sólo deberá concernir a las relaciones de fuerzas visibles a gran escala, sino también a los campos moleculares de s e n s i b i l i d a d , d e i n t e l i g e n c i a y d e deseo” (Guattari, 1996: 9).

Guattari destaca dos modos dominantes de valoración de las colectividades humanas, el

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primero, es “imperio de un mercado mundial”, un Capitalismo Mundial Integrado, “que lamina los sistemas particulares de valor, que sitúa en un mismo plano de equivalencia: los bienes materiales, los bienes culturales, los espacios naturales”; el segundo, “sitúa el conjunto de las relaciones sociales y de las relaciones internacionales bajo el dominio de las máquinas policiales y militares”. En esa doble pinza, los Estados-naciones, ven “cómo su papel tradicional de mediación se reduce cada vez más, y a menudo se ponen al servicio conjugado de las instancias del mercado mundial y de los complejos militardo- industriales” (Guattari, 1996: 11- 12). En un texto anterior, junto con Rodrigo Browne (Silva- Browne, 2007), nos referíamos, en el caso de las diversas crisis ecológicas producida en el sur de Chile ante la instalación de una planta de celulosa o al grito de que “se vayan todos” que emanaba de las voces populares en Quito o en La Paz, al “pensar - sin-Estado” (Lewkowicz, 2004), o, el “pensar - sin-comunicación”.

Para Guattari (1996: 12- 13), “el antiguo igualitarismo de fachada de mundo comunista da paso así al serialismo, massmediático‟ (el mismo ideal de standing, las mismas modas, el mismo tipo de música rock, etc.)”. En esas palabras se escuchan los ecos Frankfurtianos de las “industrias culturales”, concepto transformado en “integrado” y en “positivo” por la post-industria de la gestión y la administración cultural. Este último es otro de los tópicos que debería de cubrir críticamente una nueva mirada sobre la ecología de la comunicación y de la cultura.

Para esa mirada crítica, “es concebible, por el contrario, que la nueva referencia ecosófica indique líneas de recomposición de las praxis humanas en los dominios más variados”. A las más diversas escalas individuales y colectivas, tanto en lo que respecta a la vida cotidiana como a la reinvención de la democracia, en el registro del urbanis-mo, de la creación artística, del deporte, siempre se trata de interesarse por

lo que podrían ser dispositivos de producción de subjetividad que van en el sentido de una resingularización individual y/o colectiva más bien que en el de una fabricación mediática “ s i n o n i m o d e a n g u s t i a y d e desesperación” (Guattari, 1996: 18-19).

Estas perspectivas no excluyen la definición de objetivos unificadores tales como la lucha contra el hambre en el mundo, el freno de la desforestación o la proliferación ciega de las industrias nucleares. “Ahora bien, aquí ya no puede tratarse de consignas estéreotipadas, r e d u c c i o n i s t a s , q u e e l i m i n a n o t r a s problemáticas más singulares y que implican la promoción de líderes carismáticos”, también, pone en cuestionamiento la “industria de la ecología” llevada adelante por algunas ONGs.

Una misma intención ético-política atraviesa los problemas del racismo, del falocentrismo, de los desastres legados por un urbanismo pretendidamente moderno, de una creación artística liberada del sistema del mercado, de una pedagogía capaz de inventar sus mediadores sociales. Estas problematicas son, a fin de cuentas, la de la producción de existencia humana en los nuevos contextos históricos.

“La ecosofía social consistirá, pues, en desarrollar prácticas especificas que tiendan a modificar y a reinventar formas de ser en el seno de la pareja, en el seno de la familia, del contexto urbano, del trabajo”, entre otros aspectos (Guattari, 1996: 19).

“Por su parte, la ecosofía mental se verá obligada a reinventar la relación del sujeto con el cuerpo, el fantasma, la finitud del tiempo, los “mistérios” de la vida y de la muerte. Se verá obligada a buscar antídotos” a la uniformización mediática y telemática, “al c o n f o r m i s m o d e l a s m o d a s , a l a s manipulaciones de la opinión por la publicidad, los sondeos”. Su forma de actuar se aproximará más a la del artista, la del performance, la del intervencionista en contextos socioculturales, “ q u e a l a d e l o s p r o f e s i o n a l e s “psy” (psicoanalistas), “siempre obsesionados

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por un ideal caduco de cientificidad” (Guattari, 1996: 19-20).

Guattari, siguiendo la lógica conceptual iniciada junto con Deleuze, se refiere a los “componentes de subjetivación”: que “comduciría necesariamente a reexaminar la relación entre el individuo y la subjetividad, y, en primer lugar, a separar claramente los comceptos”. Esos vectores de subjetivación no pasan necesariamente por el individuo que está en posición de “terminal” respecto a procesos que implican grupos humanos, conjuntos socioeconómicos o máquinas informáticas. “Así, la interioridad se instaura en el cruce de múlt iples componentes re la t ivamente autónomos los unos en relación con los otros y, l l e g a d o e l c a s o , f r a n c a m e n t e discordantes” (Guattari, 1996: 20).

Del paradigma cientificista, Guattari, p ropone e l pasa je a l é t i co-es té t ico . “Temporalidades humanas y no huma-nas”. Por estas últimas entiende “el desplegamiento o, si se quiere, el dêspliegue, de devenires animales, de deve-nires vegetales, cósmicos, pero también de devenires maquínicos, correlativos de la aceleración de las r e v o l u c i o n e s t e c n o l ó g i c a s e informáticas” (Guattari, 1996: 26).

Plantea reagrupar en cuatro principales regímenes semióticos los instrumentos sobre los que reposa el Capitalismo Mundial Integrado:

- las semióticas económicas (instrumentos, monetarios, financieros, contables, de decisión);

- las semióticas jurídicas (título de propiedad, legislación y reglamentaciones diversas...);

- las semióticas técnico-científicas (planes, d i a g r a m a s , p r o g r a m a s , e s t u d i o s , investigaciones...);

- las semióticas de subjetivación, algunas de las cuales coinciden con las que acaban de ser enumeradas, pero a las que convendría añadir muchas otras, tales como las relativas a la arquitectura, el urbanismo, los equipamientos colectivos, (Guattari, 1996: 43-44).

Gregory Bateson propuso una “ecología de las ideas” que no puede ser circunscrita al dominio de la psicología de los individuos,

s ino que se organiza en s is temas o “espíritu” (minds) cuyas fronteras ya no coinciden con los individuos que participan en él.

Pero Guattari deja de estar de acuerdo con Bateson, “cuando convierte la acción y la enunciación en simples partes del subsistema ecológico llamado contexto”. Por su parte, considera que la “toma de contexto existencial” depende de una praxis, que se instaura en ruptura con el “pretexto” sistémico. No existe una jerarquía de conjuntos que sitúe y localice a un determinado nivel las componentes de enunciación. Éstas se componen de elementos heterogéneos que adquieren consistencia y persistencia común cuando superan los umbrales constitutivos de un mundo en detrimento de otro.

El principio que guía a las tres ecologías consiste, en que los Territorios existenciales a los que se confrontan los componentes de subjetividad “no se presentan como en-sí, cerrados sobre sí mismos, sino como un para-sí precario, acabado, finitizado, singular, singularizado, capaz de bifurcarse, en reiteraciones estratificadas y mortíferas o en apertura procesual a partir de praxis que permiten hacerlo „habitable‟ por un proyecto humano”. Esa apertura práxica constituye la esencia de ese arte de la eco o del oikos “que subsume todas las maneras de domesticar”. No se trata de erigir reglas universales como guía de esas praxis, sino, a la inversa, de “extraer las antinomias principales entre los niveles ecosóficos o, si se prefiere, entre las tres v i s i ones eco lóg i ca s , l o s t r e s va sos discriminantes”: ambientales, subjetivos y socio-culturales (Guattari, 1996: 53).

Lógica que podría denominarse del “tercero incluido”. En el caso particular de la ecología del fantasma, lo que se requiere en cada tentativa de anotación cartográfica es la elaboración de un soporte expresivo singular o más exactamente, singularizado. Ese soporte es el cuerpo.

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Como indica Michel Serres (2011: 33), en variaciones sobre el cuerpo, “el primerísimo cogito fue un proyecto de refugio para encontrar la bola perdida; por eso buscamos un techo, por eso habitamos. El humano, de pie, acaba de nacer”.

4. Habitar ambientes

- Oikos casa habitabilidad en Vicente Romano.

- Midia primaria: presencial. Capilaridad 1: Norval;

- Midia secundaria: escritura. Capilaridad 2. Jacques Derrida: Gramatología; Michel Serres cuerpo de la escritura;

- Midia terciaria: electricidad. Serpientes. Warburg.

- Los ambientes en Flusser: las tres catástrofes.

- Crítica a Flusser a través del nomadismo en Deleuze. Movimiento no significa trayecto. Ejemplo en el cine

“Temos várias maneiras de relacionar-nos com a natureza, algumas das quais podem ser chamadas „sobrenaturais‟, „teóricas‟ ou „perspectivas‟ (segundo os nossos vários gostos). Uma de tais maneiras é encarar a natureza como se fosse mapa”. Vilém Flusser.

Referências Bibliográficas

BAITELLO, Norval. O animal que parou os relógios. 2ª, ed. S. Paulo: Annblume,1999.________. “A cultura de ouvir”. In Bentes, I. Zaremba, L. Rádio Nova. Constelações da

radiofonia contemporânea. Rio de Janeiro: Publique, 2005.FLUSSER, Vilém. A história do Diabo. São Paulo: Martins, 1965. ________. Die Schrift (A Escrita) 4ª ed. Göttingen: Immatrix, 1992.________. Ficções Filosóficas. Editora da Universidade de São Paulo. 1998.________. Natural:mente: Vários acessos ao significado de natureza. Ensaios brasileiros,

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2011.

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Jean Lauand1

Pedagogia Medieval Ocidental: corpo e educação em Tomás de Aquino

Pedagogia Medieval Ocidental: corpo e educação em Tomás de Aquino

Pedagogia Medieval Ocidental: corpo e educação em Tomás de Aquino

Resumo

A unidade matéria-espírito na antroplogia medieval encontra seu lugar apropriado quando Tomás de Aquino assume a postura de Aristóteles de radical aceitação da realidade concreta e, no homem, a intrínseca união de alma e matéria. Alma e corpo agem juntos e unificadamente em tudo o que é humano. E a realidade material deixa de ser vista como mera alegoria. A afirmação "Anima forma corporis" está na própria essência da liturgia e em muitos aspectos da educação, que sem o reconhecimento dessa “in-formação”, tornar-se-iam ininteligíveis, pois, no fundo, não são compatíveis com o exagerado dualismo, que estabelece alma e corpo como realidades estanques. Embora geralmente negassem teoricamente o "Anima forma corporis", muitas práticas dos educadores medievais estão baseadas nesse princípio.

Palavras-Chave: Alma e corpo. Tomás de Aquino. Liturgia. Educação Medieval. Alegoria

Abstract

The unity of spirit and matter in medieval anthropology finds its proper place when Thomas Aquinas takes Aristotle’s view of reality concerning material realities and the intrinsic union between soul and body. Aquinas surpasses the traditional allegorical way of looking at things. Soul and body work together as a unified entity in every instance of human life. "Anima forma corporis" is very key for liturgy and many aspects of education that otherwise would remain unintelligible because - deep down, as a matter of fact - they are not compatible with exaggerated dualism, which set mind and body in isolation and contrast. Most of medieval educators yet theoretically denying the principle "Anima forma corporis", have based many of their educational practices on it.

Keywords: Soul and body. Thomas Aquinas. Liturgy. Medieval Education. Allegory.

“Anima enim indiget corpore ad consecutionem sui finis: inquantum per corpus perfectionem acquirit et in scientia et in virtute” (CG 3, 144)

Apresentação

1. Tomás de Aquino e um novo marco no pensamento medieval

Examinaremos alguns aspectos de uma contradição que se dá na antropologia e na

educação medieval, anteriores a Tomás de Aquino. Certamente essas generalizações (“a antropologia medieval”, a “educação medieval”) costumam ser perigosas, mas - nuances à parte - não são descabidas nesta conferência, se as confrontarmos com a imensa novidade levada a cabo por Tomás em seu pensamento teológico e filosófico. Tomás, na

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1 Jean Lauand - Prof. Titular Sênior FEUSP e do PPGE da Univ. Metodista de São Paulo. E-mail: [email protected]

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esteira do mestre Alberto Magno, incorpora à sua síntese pessoal – entre outros elementos – a atitude de Aristóteles:

Aristóteles se recusa a afastar-se do real concreto, a apartar-se do que está diante dos olhos. E é precisamente essa atitude fundamental que Santo Tomás aceita com toda a veemência. É uma decidida aproximação do concreto, da realidade experiencial do mundo: as coisas concretas que se podem ver, ouvir, saborear, cheirar e tocar são tomadas como algo propriamente real, como realidade por direito próprio e não como mero reflexo ou sombra, não como mero símbolo de outra coisa invisível, do além, não como algo espiritual. Tudo o que é visível e também o ver, o próprio conhecimento sensível e a faculdade desse conhecimento, tudo isso é afirmado e reconhecido como algo válido em si. E isto significa: o mundo corpóreo, a realidade material e – no próprio homem – o corpo, os sentidos e o que eles podem perceber, tudo isso é tomado a sério de um modo inaudito até então (PIEPER, 1973, pp. 255-256).

De fato, nos quadros do pensamento medieval, trata-se de uma aceitação inédita da realidade material e, no homem, da intrínseca união entre espírito e matéria no homem, precisamente o que se expressa pelo conceito aristotélico de alma.

Se no pensamento da Idade Média é com Tomás que se afirma essa intrínseca união entre alma e corpo; o Ocidente, na idade moderna, retoma a tendência a um fragmentarismo, a uma cisão espírito/corpo, desta vez movido por um desmedido afã de clareza no pensamento. Se a tentação medieval de um exagerado dualismo, separando de modo mais ou menos incomunicável e absoluto, por um lado, o espírito (o intelecto, a mente, a “alma”...) e, por outro o corpo e a matéria; a partir de Descartes a dicotomia (res cogitans x res extensa) torna-se dominante.

Dualismo e clareza: na verdade, a última instância do pensamento moderno por detrás da cisão espírito / matéria, está, segundo Heidegger, na pretensão moderna de tornar o ens certum um absoluto:

De bem outra espécie é aquela disposição que levou o pensamento a colocar a questão tradicional do que seja o ente enquanto é, de um modo novo, e a começar assim uma nova época da filosofia. Descartes em suas meditações não

pergunta apenas e em primeiro lugar ti tò ón - que é o ente, enquanto é? Descartes pergunta: qual é aquele ente que no sentido do ens certum é o ente verdadeiro? Para Descartes, entretanto, se transformou a essência da certitudo. Pois na Idade Média certitudo não significava certeza, mas a segura delimitação de um ente naquilo que ele é. Aqui certitudo ainda coincide com a significação de essentia. Mas, para Descartes, aquilo que verdadeiramente é se mede de uma outra maneira. Para ele a dúvida se torna aquela dis-posição em que vibra o acordo com o ens certum, o ente que é com toda certeza. A certitudo torna-se aquela fixação do ens qua ens, que resulta da indubitabilidade do cogito (ergo) sum para o ego do homem. Assim o ego se transforma no sub-iectum por excelência, e, desta maneira, a essência do homem penetra pela primeira vez na esfera da subjetividade no sentido da egoidade. Do acordo com esta certitudo recebe o dizer de Descartes a determinação de um clare et distincte percipere. A disposição afetiva da dúvida é o positivo acordo com a certeza. Daí em diante a certeza se torna a medida determinante da verdade. A disposição afetiva da confiança na absoluta certeza do conhecimento a cada momento acessível permanece o páthos e com i s s o a a r k h é d a f i l o s o f i a m o d e r n a . (HEIDEGGER, 1973).

Desde Descartes a necessidade de distinguir res cogitans de res extensa, torna-se um imperativo.

Há duas substâncias finitas (res cogitans e res extensa) e uma infinita (Deus). Substância (res) adquiriu um conceito fundamental no século XVII: de natureza simples, absoluta, concreta (realidade intelectual) e completa. Somos portanto uma substância (res) pensante (cogito) e também uma substância (res) que possui corpo, matéria (extensa). Este dualismo cartesiano evidencia que cada indivíduo reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante: nossa essência é a razão, o ser humano é racional. O cogito é a consciência de que sou capaz de produzir pensamentos, é um meio pragmático de dar início ao conhecimento. Estamos afirmando, portanto, uma verdade existencial. Há uma coincidência entre meu pensamento e minha existência. (...) O primeiro conceito de Descartes, portanto, denomina-se “dualismo cartesiano”, admitindo a existência de duas realidade: alma (res cogitans) e corpo (res extensa). A independência entre alma e corpo conduzirá a uma nova separação: sujeito e objeto (FÉLIX, 2010).

Esse novo páthos era totalmente estranho para um Tomás de Aquino, que afirma - no começo da Suma Teológica - que a dignidade do saber reside no objeto e não na clareza... E recusa também a dicotomia: alma x corpo.

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Nada mais alheio ao pensamento de Tomás do que uma incomunicação entre espírito e matéria. O que Tomás, sim, afirma é o homem total, a união espírito-corpo, pois a alma, para o Aquinate é forma, ordenada para a intrínseca união com a matéria. Por exemplo, Tomás, indica os remédios para a tristeza, que reside na alma e enfrenta esta questão na Suma Teológica I-II 38 e no artigo 5 chega a recomendar banho e sono como remédios contra a tristeza! Pois, diz o Aquinate, tudo aquilo que reconduz a natureza corporal a seu devido estado, tudo aquilo que causa prazer é remédio contra a tristeza. Tomás destrói assim a objeção "espiritualista":

Objeção 1.: Parece que sono e banho não mitigam a tristeza. Pois a tristeza reside na alma; enquanto banho e sono dizem respeito ao corpo, portanto, não teriam poder de mitigar a tristeza.

Resposta à objeção 1: Sentir a devida disposição do corpo causa prazer e, portanto, mitiga a tristeza.

De resto, para os remédios contra a tristeza, Tomás não fala de Deus nem de Satã, mas sim recomenda: qualquer tipo de prazer, as lágrimas, a solidariedade dos amigos, a contemplação da verdade, banho e sono. E ainda sobre a interação alma-corpo, Tomás afirma em I-II, 37, 4: “A tristeza é, entre todas as paixões da alma, a que mais causa dano ao corpo [...] E como a alma move naturalmente o corpo, uma mudança espiritual na alma é naturalmente causa de mudanças no corpo”.

Agir no corpo para atingir a alma; agir na alma para atingir o corpo. Tivesse prevalecido a antropologia de Tomás teríamos estado, desde o século XIII, em muito melhores condições de compreender a natural e necessária condição psicossomática (e s o m a t o p s í q u i c a : q u e o d i g a m e u acupunturista...) de nossa realidade. Tomás é tão "materialista", que nas questões de Quodlibet, tratando do jejum, dirá que o jejum é sem dúvida pecado (absque dubio peccat) (!!) quando debilita a natureza a ponto de

impedir as ações devidas: que o pregador pregue, que o professor ensine, que o cantor cante..., que o marido tenha potência sexual para atender sua esposa! Quem assim se abstém de comer ou de dormir, oferece a Deus um holocausto, fruto de um roubo:

Et ideo huiusmodi sunt adhibenda cum quadam mensura rationis: ut scilicet concupiscentia devitetur, et natura non extinguatur; secundum illud Ad Rom., XII, 1: "exhibeatis corpora vestra hostiam viventem; et postea subdit: rationabile obsequium vestrum”. Si vero aliquis in tantum virtutem naturae debilitet per ieiunia et vigilias, et alia huiusmodi, quod non sufficiat debita opera exequi; puta praedicator praedicare, doctor docere, cantor cantare, et sic de aliis; absque dubio peccat; sicut etiam peccaret vir qui nimia abstinentia se impotentem redderet ad debitum uxori reddendum. Unde Hieronymus dicit: "De rapina holocaustum offert qui vel ciborum nimia egestate vel somni penuria immoderate corpus affligit; et iterum rationalis hominis dignitatem amittit qui ieiunium caritati, vigilias sensus integritati praefert”. (Quodl. 5, q.9, a.2, c).

Como indicávamos, essa posição de Tomás era excepcional, considerada, em sua época, quase herética:

Na famosa disputa pública que Tomás de Aquino e John Peckham travaram em 1270, diante dos professores e estudantes de Paris, está em discussão a opinião [divergente] de Tomás e apaixonadamente recusada por seu oponente de que no homem há um único princípio vital – a alma espiritual. Isso é o mesmo, expressando-nos de modo menos acadêmico, que afirmar ou combater a afirmação de que o corpo pertence à essência do homem (PIEPER, 1973, p. 148)

A teologia contemporânea recusava a doutrina de uma única alma no homem e afirmava a existência de três (naturalmente a “alma espiritual”, independente da matéria é que era considerada a decisiva, em detrimento da “alma vegetativa” e da alma “sensitiva”).

2. Anima forma corporis

Essa dicotomia gera uma espécie de esquizofrenia no cristianismo: por um lado, propõe-se um cristianismo “espiritual”, onde a matéria, o corpo, o sexo e as paixões são maniqueisticamente consideradas “do mal”; mas, por outro – e é o caso da pedagogia

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medieval – aposta-se na matéria (na liturgia, por exemplo) como o grande indutor de atitudes espirituais.

E aí tocamos um dos pontos chave da educação moral, que é sempre, em boa medida, auto-educação. A fórmula vem dada numa aparentemente surpreendente sentença de João Guimarães Rosa: "Tudo se finge primeiro; germina autêntico é depois" (ROSA, 1985, p. 166).

É o caso da educação para as virtudes. Um homem que reconheça um seu defeito moral, digamos a ingratidão, e queira adquirir a virtude correspondente, como deve proceder? Fingindo. Quer dizer, começa-se por assumir as formas externas, verbais da gratidão (que não se sente): “fingir” reconhecer o cárater indevido do favor recebido, “fingir” louvar o benfeitor, “fingir” sentir-se na obrigação de retribuir etc. E, um belo dia, germina autêntico aquilo que se fingia...

“Fingir” é também a proposta de Shakespeare: “Assume a virtue, if you have it not”, diz Hamlet (III, 4)2. O costume é monstro que vai comendo o sentido de nossas ações. Mas, o diabo do hábito, torna-se anjo quando se volta para o bem: dando a capa que reveste as ações boas - uma agora, outra depois e outra ainda - e assim ir mudando a natureza e, com prodigioso poder, exorcizar os demônios.

O “fingir” proposto nas Pensées (#250) de Pascal oferece-nos o enlace com o grande tema da Liturgia. No relacionamento com Deus:

É necessário que o exterior se una ao interior, isto é, pôr-se de joelhos, rezar com os lábios, etc. a fim de que o homem orgulhoso, que não quis se submeter a Deus, seja submetido à criatura. Esperar socorro desse

exterior é ser supersticioso; não querer ajuntá-lo ao interior é ser soberbo3.

3. A liturgia: o corpo induzindo a alma

É dessa ação (inter-ação) do corpo no espírito que trata o clássico Sinais Sagrados (GUARDINI, 1962), afinal toda a liturgia, como recorda o próprio Guardini, decorre do “anima forma corporis”. Nesse pequeno precioso livro, já quase centenário, o mestre alemão vai mostrando o alcance espiritual das realidades materiais: o sino, que - muito mais do que um mero instrumento funcional sinalizador sonoro (como a sirene de uma escola ou o apito de uma fábrica) - desperta-nos a alma para a grandiosidade do mundo como Criação; os degraus; a porta do templo; a postura corporal na liturgia etc., etc., etc. Fiquemos com um par de exemplos:

Os degraus Aqui temos, por exemplo, os degraus. Vezes sem número os subiste já. Mas tomaste consciência do que em ti se passava ao subi-los? Sim, porque de facto acontece qualquer coisa em nós mesmos quando subimos. Somente que é coisa tão subtil e silenciosa que facilmente a podemos deixar passar.

Manifesta-se aqui um profundo mistério. Um daqueles fenómenos que procedem do fundamento do nosso ser humano; enigmático não o podemos resolver pela inteligência, e, no entanto, cada qual compreende-o, porque o nosso ser mais íntimo lhe corresponde.

Quando subimos os degraus, não sobe só o pé, mas também todo o nosso ser. Subimos também e s p i r i t u a l - m e n t e . E s e o f a z e m o s conscientemente, pressentimos uma ascensão até aquela altura em que tudo é grande e acabado; o céu onde mora Deus. (...) (pág. 43-44)

Ou a porta – a pesada porta - que marca a ruptura entre o profano e o sagrado...

A Porta [A porta do templo] destina-se a cumprir mais do que um simples fim; ela fala. Repara

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2. Assume a virtue, if you have it not. That monster, custom, who all sense doth eat. Of habits devil, is angel yet in this, that to the use of actions fair and good He likewise gives a frock or livery, that aptly is put on. Refrain to-night, and that shall lend a kind of easiness to the next abstinence: the next more easy. For use almost can change the stamp of nature. And either.. the devil, or throw him out with wondrous potency.

3. Il faut que l'extérieur soit joint a l'intérieur pour obtenir de Dieu; c'est-à-dire que l'on se mette à genoux, prier des lèvres, etc. afin que l'homme orgueilleux, qui n'a voulu se soumettre à Dieu, soit maintenant soumis à la créature. Attendre de cet extérieur le secours est être superstitieux, ne vouloir pas le joindre à l'intérieur est être superbe.

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como ao transpô-la tens esta sensação: «Agora deixo o que fica lá fora. Entro». Lá fora fica o mundo belo, fervilhante de vida e poder criador. De mistura, existe também muita coisa menos digna: a busca dos seus interesses, por vezes exageradamente. Anda tudo a correr de um lado para o outro, procurando cada qual acomodar-se o melhor que pode. Não queremos dizer que o mundo não seja santo; mas alguma coisa de não santo tem sem dúvida em si. Pela porta entramos num recinto alheio a interesses, silencioso e sagrado: no santuário. Certamente que tudo é obra e dom de Deus. Em toda a parte Ele pode vir ao nosso encontro. (...) E no entanto os homens desde sempre souberam que determinados lugares sao especialmente consagrados, reservados a Deus. A porta está entre o interior e o exterior; entre os interesses e o santuário; entre o que pertence a toda a gente e o que é consagrado a Deus. E diz a quem a tronspõe: «Deixa lá fora o que não pertence cá dentro: pensamentos, desejos, preocupações, vaidades. (pp. 46-47)

4. Tomás e as faculdades do homem

Começamos esta conferência, recordando com Pieper que é com Tomás que a realidade ma te r i a l é cons ide rada “como a lgo propriamente real, como realidade por direito próprio e não como mero reflexo ou sombra, não como mero símbolo de outra coisa invisível (...) o mundo corpóreo, a realidade material e – no próprio homem – o corpo, os sentidos e o que eles podem perceber, tudo isso é tomado a sério de um modo inaudito até então”.

E é que a Idade Média anterior à redescoberta de Aristóteles tinha uma visão alegorizante – de dar inveja a nossos carnavalescos... – do mundo criado – fato que, pelo menos, contribuiu para valorizá-lo (não em si, mas por sua relação como sagrado), permitindo o estudo das realidades profanas e das artes liberais para poder ascender ao significado místico das coisas deste mundo. Para essa mentalidade religiosa alegórica (tema de minha conferência4 neste evento de 2008), vinda já do cristianismo do mundo antigo - de Alexandria ou de um Agostinho - as coisas são

sinais de Deus, pistas para a compreensão da fala de Deus: como enigmas a serem decifradas. Explicando o que é alegoria, diz Agostinho:

Chama-se alegoria a palavra que soa de um modo, mas acaba significando outra coisa diferente. Por exemplo, Cristo é chamado cordeiro (Jo 1,29); acaso é Ele animal? Cristo é chamado leão (Apo 5,5); acaso é Ele fera? É chamado pedra (ICor 10,4); acaso é Ele dureza? É chamado monte (Dan 2,35); acaso é Ele elevação de terra? E, assim, há muitas palavras que soam de um modo, mas são entendidas de outro e a isto se chama alegoria (En. 103, 13)

Assim, deve-se estudar o que são os animais para entender a Cristo: “Vede que vos envio como ovelhas em meio de lobos. Sede, pois, prudentes como serpentes etc.”. O pregador medieval explicará que a serpente passa por entre as pedras para trocar de pele, alegorizando que assim também o cristão deve trocar “sua velha pele”, que, por sua vez, alegoriza a vida no pecado etc.

Os famosos versos atribuídos a Alain de Lille (PL 210:579) expressam essa mentalidade alegorizante:

Omnis mundi creatura (Do mundo, toda a criatura)

Quasi liber et pictura (Como livro e pintura)

Nobis est speculum. (É um espelho para nós)

Nostrae vitae, nostrae mortis (De nossa vida e morte)

Nostrae status, nostrae sortis (De nosso estado e destino)

Fidele signaculum (Um sinal confiável)

Dados da Bíblia para o cristão de hoje totalmente secundários, são, para os antigos e medievais, temas centrais de sua exegese. Os números, por exemplo, como quando da pesca milagrosa - no último capítulo de seu evangelho - , João narra que Pedro trouxe em sua rede 153 peixes grandes (Jo 21, 11). O número 153, no caso, para o cristão de hoje significa simplesmente uma grande quantidade de peixes. Mas para os medievais, não: esse número - como cada número mencionado na

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4 “Enigmas, alegoria e religião na educação medieval”. Disponível em: <http://www.hottopos.com/notand18/enigmas.pdf. Acesso em: 10 out. 2011.

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Bíblia - tem um significado místico: é uma mensagem cifrada que deve ser esclarecida pela inteligência cristã. Como era de esperar, e s sa men ta l i dade l eva a au t ên t i cos contorcionismos alegóricos para fazer com que as coisas se encaixem: no caso de nosso 153, Agostinho, por exemplo, vai jogar com o caráter perfeito dos números 10 (a perfeição da lei) e 7 (perfeição do espírito), que somados dão 17. Ora, a soma dos números de 1 a 17 dá precisamente 153, o número da multidão dos bem-aventurados (que, da barca de Pedro, que alegoricamente é a Igreja, são levados a Jesus; porque foram apanhados pela rede da atividade evangelizadora etc.).

A explicação do fato de serem 153 peixes é a que costumo fazer-vos [ao menos todos os anos na missa de 6a. f. da Páscoa] e muitos tomam-me a dianteira; no entanto, eu vou repeti-la solenemente [...].

Estes 153 são 17. 10 mais 7. 10 por quê? 7 por quê? 10 por causa da lei, 7 por causa do Espírito. A forma septenária é por causa da perfeição que se celebra nos dons do Espírito Santo. Descansará - diz o santo profeta Isaías - sobre ele, o Espírito Santo com seus 7 dons (Is 11,23) etc. Já a lei tem 10 mandamentos [...].

Se ao 10 ajuntarmos o 7 temos 17. E este é o número em que está toda a multidão dos bem-aventurados. Como se chega, porém, aos 153? Como já vos expliquei outras vezes, já muitos me tomam a dianteira. Mas não posso deixar de vos expor cada ano este ponto. Muitos já o esqueceram, alguns nunca o ouviram. Os que já o ouviram e não o esqueceram tenham paciência para que os outros ou reavivem a memória ou recebam o ensino [...] Conta 17, começando por 1 até 17, de modo que faças a soma de todos os números, e chegarás ao 153. Por que estais à espera que o faça eu? Fazei vós a conta" (Sermão 250, 3)

Certamente, essas interpretações medievais são, muitas vezes, forçadas: em alguns casos, o 6, por exemplo, será considerado um número perfeito; em outros, um signo de imperfeição. Pela Aritmética de Boécio, a Idade Média absorve o critério grego: um número é perfeito se a soma de seus divisores próprios perfaz esse número. Assim, perfeito é o 6 (6 = 3 + 2 + 1), o 28 (28 = 14 + 7 + 4 + 2 + 1), o 496 etc. Esse critério cai como uma luva para explicar a plenitude dos 6 dias da Criação. Mas, no caso

do número da besta do Apocalipse (Apo 3, 18), 666, o 6 é a imperfeição (não atinge a plenitude do - segundo outros critérios – perfeito por excelência: o 7).

Rábano Mauro, no séc. IX, chega a escrever um tratado explicando o significado místico de cada número na Bíblia; e os bestiários medievais se encarregarão dos animais - de modo semelhante, mutatis mutandis, aos nossos critérios de interpretação para jogo do bicho: se se sonha com a sogra, vai dar cobra na cabeça; com a homossexual, jacaré; etc. Também para o caso dos animais, como em tudo, cabem interpretações múltiplas e elásticas: o leão é Cristo, mas pode também ser o diabo, que, na epístola de Pedro (IPe 5, 8) “anda rondando como leão que ruge, buscando a quem devorar”.

O e s p a ç o a l e g ó r i c o d i m i n u i consideravelmente em Tomás de Aquino. Por exemplo, no tocante à memória: o jovem Tomás, do Comentário às Sentenças, ainda fala de três potências espirituais: memória, inteligência e vontade. Segue assim, a tradição alegorista do De Trinitate (sobretudo no livro XV) de Agostinho, que apresenta a memória como a primeira realidade do espírito, da qual procedem o pensar e o querer: sendo portanto um reflexo de Deus Pai, do qual procedem o Verbo (inteligência) e o Espírito Santo (vontade). Mas já nas obras de maturidade, na Summa e no De Veritate, Tomás rompe com essa visão, situando a memória como faculdade sensível, tal como a têm os “outros animais”. Por exemplo, quando na Suma, explica que a memória é parte da Prudência, afirma: “A prudência aplica o conhecimento universal aos casos particulares, dos quais se ocupam os sentidos. Daí que a prudência requer muito da parte sensitiva, na qual se inclui a memória. (I-II, 49, 1 ad 1)

E Tomás não se preocupa nem um pouco se com isto – o fato de só termos duas, e não três, potências espirituais - perdemos a referência alegórica à Trindade.

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Outro ponto importante é que Tomás centra seu pensamento na Criação, em toda a sua extensão. A Criação é obra de Deus e de sua Inteligência: o mundo foi criado pelo Logos, pelo Verbum e, portanto, conhecer o mundo é conhecer sinais – não meramente alegóricos – de Deus. E mais: cada criatura é porque é criada inteligentemente por Deus, participa do ser de Deus. E pode ser conhecida porque recebeu seu ser da Inteligência criadora de Deus. O Deus cristão é Emmanuel, Deus conosco, e pela Encarnação, a eternidade de Deus ingressa na temporalidade e Cristo encabeça, re-capitula (como diz o Catecismo da Igreja Católica) toda a realidade criada.

Tomás de Aquino, leva a sério e às últimas consequências o Prólogo de João. Assim, se o Logos criou todas as coisas, isto significa que as coisas têm - por Criação - uma inteligência fundante estruturando-as por dentro. Então, se eu quiser, digamos, ganhar a vida plantando castanhas, eu devo estudar “castanho-logia”, conhecer a racionalidade natural das castanhas (quando devo plantá-las, como adubar etc.) e não procurar iluminações na religião ou nos ministros religiosos. Se eu quero trabalhar com fígado eu devo estudar hepatologia, o logos-do-fígado, e pretender invocar livros sagrados ou autoridades clericais para o tema seria não só descabido, mas até mesmo uma blasfêmia: negar a ação criadora do Logos (e, para Tomás, a compreensão natural dessa realidade com que o homem se encontra é fundamental até para a Teologia).

Isto tem consequências para a teoria do conhecimento (e obviamente para a Pedagogia) de Tomás. Para o Aquinate afirmar que a inteligência é uma potência espiritual é dizer que seu campo de relacionamento é a totalidade do ser: todas as coisas - visíveis e invisíveis são inteligíveis -; "calçam" bem, combinam com a inteligência. Contudo, a relação da inteligência humana com seus objetos não é uniforme. Dentre os diversos entes e modos de ser, há alguns que são mais d i re ta e imedia tamente acess íve is à

inteligência. É o que Tomás chama de objeto próprio de uma potência: aquela dimensão da realidade que se ajusta, por assim dizer, "sob medida" à potência (ou, melhor dito, é a potência que se ajusta àquela realidade). Não que a potência não incida sobre outros objetos, mas o objeto próprio é sempre a base de qualquer captação: se pela visão captamos, por exemplo, número e movimento (e vemos, digamos, sete pessoas correndo), é porque vemos a cor, objeto próprio da visão. Ora, próprio da inteligência humana - potência de uma forma espiritual acoplada à matéria - é a abstração: seu objeto próprio são as essências abstratas das coisas sensíveis. Próprio da inteligência humana é apreender a idéia abstrata de "cão" por meio da experiência de conhecer pelos sentidos diversos cães: Lulu, Duque e Rex...

Assim, Tomás afirma: "O intelecto humano, que está acoplado ao corpo, tem por objeto próprio a natureza das coisas existentes corporalmente na matéria. E, mediante a natureza das coisas visíveis, ascende a algum conhecimento das invisíveis" (S. Th.. I, 84, 7). E nesta afirmação, como dizíamos, espelha-se a própria estrutura ontológica do homem: mesmo as realidades mais espirituais só são alcançadas, por nós, através do sensível. "Ora - prossegue Tomás -, tudo o que nesta vida conhecemos, é conhecido por comparação com as coisas sensíveis naturais". Esta é a razão pela qual o sentido extensivo e metafórico está presente na linguagem de modo muito mais amplo e intenso do que, à primeira vista, poderíamos supor.

Contra todo dualismo que tende a separar exageradamente no homem a alma espiritual e a matéria, Tomás afirma a intrínseca união e mútua ordenação de ambos os princípios. Contra todo "espiritualismo", Tomás conclui: "É evidente que o homem não é só a alma, mas um composto de alma e de corpo" (Summa Theologiae I, 75, 4). E esta união se projeta na operação espiritual que é o conhecimento: "A alma necessita do corpo para conseguir o seu

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fim, na medida em que é pelo corpo que adquire a perfeição no conhecimento e na virtude" (C.G. 3, 144.).

Para Tomás o conhecimento intelectual (abstrato) requer o conhecimento sensível. É sobre os dados do conhecimento sensível que atua o intelecto, em suas duas funções: intelecto agente e paciente.

Essa veemente afirmação do conhecimento natural é também um antídoto contra a pretensão – curiosamente revivida em diversas posturas religiosas de hoje, com perigosas consequências – de que o critério de verdade seja a iluminação divina do líder religioso (padre, pastor, medium, rabino, xeique etc.). Para Tomás, a iluminação de Deus foi-nos dada ao nos conceder o intelecto, com sua natureza própria.

E Tomás propõe a virtude intelectual da prudentia (tema de minha conferência5 em outro desse nossos eventos), o exame da realidade pela razão natural, como base de nossas decisões. Sim, todo aquele que crê está legitimado em pedir luzes a Deus para suas decisões (é, segundo a doutrina católica, “conselho”, dom do Espírito Santo); o que não se pode é pretender avalizar com a autoridade divina posições meramente temporais. Seja como for, a iluminação sobrenatural deve ser, caso queiramos fazer uso público dela, de tal ordem que torne visíveis para qualquer um a realidade de que se trata. Outra atitude degeneraria em tirania, em teocracia.

Referências Bibliográficas

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5. “Saber Decidir: a Virtude da Prudentia”. Disponivel em: <www.hottopos.com/notand11/jean_mauro.htm>. Acesso em 10 out, 2011.

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Chie Hirose 1

Pedagogia Oriental: corpo e educaçãoPedagogia Oriental: corpo e educaçãoPedagogia Oriental: corpo e educação

Resumo

O artigo compara a educação oriental com certas práticas do Oriente, ignoradas por nossa pedagogia. O Ocidente, sobretudo na época moderna, tende a um fragmentarismo, a uma cisão espírito/corpo, que remete a um desmedido afã de clareza no pensamento. E a grande ruptura que o moderno pensamento ocidental instituiu deu-se precisamente em torno à concepção de corpo. Já o Oriente, que “pensa” com o corpo, valoriza os ritos e as cerimônias.

Abstract

The article compares Western and Eastern educations and their practices. The Western world, mainly in modern times, splits mind and body and looks for exactness in thinking. Eastern pedagogy proposes “thinking” with the body, and so the importance of ceremonies.

Palavras Chave: Corpo e educação. Orientes e Ocidente. Cerimônias

Keywords: Body and Education. East and West. Ceremonies.

1. Atualidade do Oriente

Atualidade, nem sempre significa aquilo que realmente está acontecendo hoje em dia: como são atuais a violência urbana, a comunicação virtual, os enormes problemas de trânsito em São Paulo etc.

Nesse sentido, está a palavra inglesa actual, verdadeira casca de banana para os redatores de legendas, que, muitas vezes a traduzem erradamente por atual. Nesse viés do actual, actuality aponta para a realidade mais do que para “atualidade” (se bem que a realidade costuma dar-se hoje, contemporaneamente...).

Mas, aqui, estamos preocupados com outra “atualidade”: a da oportunidade, conveniência, ou mesmo necessidade; como quando dizemos: nada mais atual para o Brasil do que um projeto sério de erradicação da corrupção.

É nesse sentido que falaremos da atualidade do Oriente (ou dos Orientes...) e de certas práticas da educação oriental, ignoradas (ou esquecidas, ou menosprezadas...) pela pedagogia ocidental.

1.1. Cerimônias e ritos. O Oriente

Cerimônias como a do Chá, que condensa em si toda uma cultura milenar e que só pode ser compreendida nessa totalidade do complexo alma-corpo; do corpo que é algo mais do que matéria; do corpo entendido como Mi, na tradição japonesa. Por isso que, advirta-se desde já, estão fadadas ao fracasso as tentativas de “importar” os “passos” da Cerimônia do Chá (como erradamente insiste em fazer a pedagogia americana), sem atentar para essa totalidade, que aponta para o espírito... É como querer ensinar, de modo meramente operacional, uma sueca a ser passista de escola de samba.

Em parceria com Jean Lauand – a quem, aliás, devo a ideia acima da atualidade de falta,

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1 Chie Hirose - Doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Professora das Faculdades Integradas “Campos Salles”. Professora da rede municipal de São Paulo. E-mail: [email protected]

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de oportunidade – escrevemos um estudo intitulado “Fingir para Germinar: Educação e Antropologia”2, em duas partes: a primeira de Lauand; a segunda, de minha autoria.

A ideia básica para este estudo procede da parte I, de Lauand3.

Desde Platão, tornou-se evidente o caráter problemático do educar para a virtude; o que, ev identemente , t ranscende o âmbi to meramente intelectual e envolve o homem como um todo: alguém pode conhecer profundamente as teorias morais , as classificações das virtudes, as doutrinas religiosas mais santas... e ser pessoalmente um canalha. Não que não seja importante - e mesmo uma valiosa ajuda - o estudo dos clássicos da ética, mas sempre haverá algo mais do que estudo, quando se trata de aperfeiçoamento moral.

Neste ponto, tipicamente falando, os Orientes levam uma vantagem sobre nós: enquanto o Ocidente aposta na formação intelectual; os Orientes, independentemente de teorias que as legitimem, tendem a práticas que consideram o homem como um todo: em sua unidade espírito-corpo, ao menos em muitas de suas propostas pedagógicas, que partem precisamente de uma ação corporal, exterior, para atingir um efeito espiritual, interior.

É o “pensar com o corpo”, típico do Oriente e – em algumas instâncias – também da tradição ocidental.

Por mais acentuado que seja o racional nos gregos, originariamente foi temperado pela aceitação do mistério (baste recordar o discurso de Diotima no Banquete de Platão) e da comezinha realidade quotidiana, como base de todo o pensamento. Assim, não é de estranhar

que praticamente a mesma cena se encontre no grande Heráclito e na tradição budista oriental.

O Mercador de Óleo4

Um dia, quando o Mestre Ch'an Chao-chou estava a caminho para o Distrito T'ung-cheng, ele encontrou o Mestre Ch'an Ta-t'ung de T'ou-tzü Shan e perguntou: "É você que é o Mestre de T'ou-tzü Shan?".

Ta-t'ung, acenando com sua mão, apregoava: "Sal, chá e óleo. Por favor, comprem!"

Chao-chou, ignorando-o, rapidamente continuou seu caminho para o templo. O Mestre Ta-t'ung seguiu atrás e chegou ao templo com uma garrafa de óleo na mão. Chao-chou disse a ele desdenhosamente: "Eu tenho ouvido falar do nome do grande Mestre Ta-t'ung de T'ou-tzü Shan por um longo tempo. Contudo, eu somente vejo um mercador de óleo".

Ta-t'ung contestou: "Eu também tenho ouvido falar que Chao-chou é um mestre Ch'an, mas de fato ele não difere em nada de uma pessoa comum. Você somente vê o mercador de óleo e não vê o verdadeiro T'ou-tzü".

Chao-chou perguntou: "Por que você diz que eu sou uma pessoa comum? O que é T'ou-tzü?".

O Mestre Ta-t'ung levantou a garrafa de óleo e gritou: "Óleo! Óleo!"

O que é "T'ou-tzü?", perguntou Chao-chou, para quem a única resposta foi "Óleo! Óleo!". Arroz, sal, chá e óleo — os alimentos básicos da vida chinesa — tal é o ensinamento do Mestre T'ou-tzü.

Tempos depois, antes de morrer, o mestre Ta-t'ung disse que voltaria se a stupa estivesse vermelha.

Cem anos depois, quando os discípulos consertavam a stupa, encontraram sharira5 vermelha.

Nesse tempo, veio morar no templo o mestre Yi Tching. Todos diziam que ele era a reencarnação do Mestre Ta-t'ung.

O mestre Yi Tching escreveu um poema na stupa:

As nuvens jamais podem ser aprisionadas

Grandes Montanhas Verdes não podem ser cobertas

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2. Revista Internacional d’Humanitats No. 20, 2010 Disponível em: <http://www.hottopos.com/rih20/index.htm> Acesso em: 01 jan. 2011.

3. Lauand, Jean. Disponível em:<http://www.hottopos.com/rih20/jean.pdf > Acesso em: 01 jan. 2011.

4. Hsing Yün Contos Ch’an vol. 1 São Paulo, Shakti, 2000, pág.50-51

5. Relíquias do Buda Shakyamuni ou de outro Bodhisattva, comumente veneradas e preservadas em stupas.

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Nas noites frias a luz do luar circunda a stupa

Na profunda noite de outono ouve-se apenas o sussurro dos pinheiros

Quem é T'ou-tzü?

É um mestre cujo ensinamento é tão próximo de nós como o sal, o arroz, chá e o óleo, indispensáveis à vida cotidiana.

Como dizíamos, episódio semelhante é protagonizado por Heráclito de Éfeso, tal como no-lo relata Aristóteles6:

Diz-se que Heráclito assim teria respondido aos estranhos vindos na intenção de observá-lo. Ao chegarem, viram-no aquecendo-se junto ao forno. Ali permaneceram, de pé (impressionados sobretudo porque) ele os encorajou (eles ainda hesitantes) a entrar, pronunciando as seguintes palavras: "Mesmo aqui os deuses também estão presentes"7

Também aqui o sábio não divaga por regiões etéreas, desvendando os arcanos dos deuses, mas encontra-se prosaicamente aquecendo-se junto ao fogão. Heidegger comenta:

Mesmo aqui, junto ao forno, mesmo neste lugar cotidiano e comum onde cada coisa e situação, cada ato e pensamento se oferecem de maneira confiante, familiar e ordinária, "mesmo aqui", nesta dimensão do ordinário, os deuses também estão presentes. A essência dos deuses, tal como apareceu para os gregos, é precisamente esse aparecimento, entendido como um olhar a tal ponto compenetrado no ordinário que, atravessando-o e perpassando-o, é o próprio extraordinário o que se expõe na dimensão do ordinário8. (...)

Quando o pensador diz "Mesmo aqui", junto ao forno, vigora o extraordinário, quer dizer na verdade: só aqui há vigência dos deuses. Onde realmente? No inaparente do cotidiano9.

Voltando a “Fingir para Germinar...”, Lauand começa explicando que o Ocidente, sobretudo na época moderna, tende a um fragmentarismo, a uma cisão espírito/corpo, que remete a um desmedido afã de clareza no pensamento. E que a grande ruptura que o moderno pensamento ocidental instituiu deu-se precisamente em torno à concepção de corpo.

Dessa convicção, e continuamos seguindo o estudo citado de Lauand, brota a pedagogia do “fingir” no sentido de que a repetição – ou se quisermos seguir a tradição confuciana: o rito – gera a atitude moral que se pretende adquirir. O “fingir” material, do corpo, induz a virtude na alma. Os exemplos apresentados desse “fingir” são de Guimarães Rosa, Shakespeare e Pascal.

A fórmula mais enxuta nos vem de uma sentença de João Guimarães Rosa: "Tudo se finge primeiro; germina autêntico é depois".10 Lauand comenta:

Um homem que reconheça um seu defeito moral, digamos a ingratidão, e queira adquirir a virtude correspondente, como deve proceder? Fingindo. Quer dizer, começa-se por assumir as formas externas, verbais da gratidão (que não se sente): “fingir” reconhecer o caráter indevido do favor recebido, “fingir” louvar o benfeitor, “fingir” sentir-se na obrigação de retribuir etc. E, um belo dia, germina autêntico aquilo que se fingia...

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6 De part. anim., A5 645 a 17 e ss.

7 apud Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, pág. 22.

8 Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, pág. 23-24.

9 Heidegger, M. Heráclito, Rio de Janeiro, Relume Dumará, pág. 24. E Heidegger prossegue: "Não é preciso evitar o conhecido e o ordinário e perseguir o extravagante, o excitante e o estimulante na esperança ilusória de, assim, encontrar o extraordinário. Vocês devem simplesmente permanecer em seu cotidiano e ordinário, como eu aqui, que me abrigo e aqueço junto ao forno. Não será isso que faço, e esse lugar em que me aconchego, já suficientemente rico em sinais? O forno presenteia o pão. Como pode o homem viver sem a dádiva do pão? Essa dádiva do forno é o sinal indicador do que são os theoí, os deuses. São os daíontes, os que se oferecem como extraordinário na intimidade do ordinário." Etc.

10 "Sobre a escova e a dúvida" in Tutaméia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1985, pág. 166.

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E o “fingir” é também preconizado por Shakespeare: “Assume a virtue, if you have it not”, diz Hamlet (III, 4)11.

Também Pascal situa-se na mesma direção. Em Pensées #25012:

É necessário que o exterior se una ao interior, isto é, pôr-se de joelhos, rezar com os lábios, etc., a fim de que o homem orgulhoso, que não quis se submeter a Deus, seja submetido à criatura. Esperar socorro desse exterior é ser supersticioso; não querer ajuntá-lo ao interior é ser soberbo.

Apesar desses tão importantes pensadores, no Ocidente ainda predomina uma atitude racionalista, que exclui o corpo – e, portanto, os ritos – da educação. Se no Ocidente restam apenas resquícios da educação por ritos, como no caso da liturgia católica (também ela hoje em processo de desritualização), as propostas orientais são mais ligadas a ritos13 e aos ritos.

2. Ao redor do fogo.

Como dizíamos, a educação oriental aposta em ritos e ações corporais. É bem o caso da Cerimônia do Chá, da qual destacaremos um aspecto: o fogo.

A Cerimônia do Chá, em sua aparente simplicidade, induz pelo corpo o espírito em mil instâncias materiais: da porta de entrada ao modo de servir a infusão; da decoração à postura dos convivas. Não caberia aqui a

descrição e discussão desses passos, objeto de meu livro Pesquisa em Cultura e Educação – Uma investigação sobre a Cerimônia do Chá (São Paulo: Cemoroc-Feusp, 2011).

Muito mais que o chá, interessa-nos as possibilidades de transcendência oportunizadas pela Cerimônia.

A Cerimônia do Chá ganha sua estrutura definitiva com Sen-no-Rikyu (1522-1591) no período Momoyama (séc. XVI), o mais faustoso da história do Japão. Rikyu, homem de grande poder, conselheiro predileto do d a i m y o H i d e y o s h i , c r i o u n o J a p ã o esplendoroso da época Momoyama um novo conceito de beleza, voltado para o simples, o despojado, o essencial, estilo que se perpetuou até nossos dias.

Rikyu, além de estabelecer as regras definitivas da Cerimônia, criou o modelo da chashitsu, ou Cabana de Chá, e de seu jardim. Ligado à filosofia Zen - ele próprio era monge z e n - , i m b u i u d o e s p í r i t o w a b i (desprendimento, simplicidade, eliminação do supérfluo) tudo o que se refere à Cerimônia: local que tem a simplicidade de uma cabana de camponeses, com seu telhado rústico e teto de bambu ou caniço, janelas de treliça e paredes toscas; o jardim roji, que lembra uma paisagem da montanha e induz à meditação; a decoração sóbria etc.

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11 Assume a virtue, if you have it not. That monster, custom, who all sense doth eat. Of habits devil, is angel yet in this, that to the use of actions fair and good He likewise gives a frock or livery, that aptly is put on. Refrain to-night, and that shall lend a kind of easiness to the next abstinence: the next more easy. For use almost can change the stamp of nature.And either.. the devil, or throw him out with wondrous potency.

12 Il faut que l'extérieur soit joint a l'intérieur pour obtenir de Dieu; c'est-à-dire que l'on se mette à genoux, prier des lèvres, etc. afin que l'homme orgueilleux, qui n'a voulu se soumettre à Dieu, soit maintenant soumis à la créature. Attendre de cet extérieur le secours est être superstitieux, ne vouloir pas le joindre à l'intérieur est être superbe.

13 Aqui recorro uma vez mais às aulas de Jean Lauand, que nos narrava uma antiga lenda da comunidade judaica polonesa: para afastar os perigos, a cada trinta anos, o rabino conduzia a comunidade a uma determinada clareira na floresta, recitava certas orações e fazia gestos rituais e isso mantinha a comunidade segura. Tendo morrido o velho rabino, ao chegar o ano certo alguém lembrou de que deveriam realizar o rito. O novo rabino não dominava tão bem o rito, mas com ajuda dos mais velhos, acabaram achando a clareira, e (com muita dificuldade) lembraram-se das orações e gestos e a comunidade respirou aliviada. Trinta anos depois, outro rabino. Mas desta vez nem havia clareira e ninguém se lembrava das etapas rituais. Os membros da comunidade começavam a ficar aflitos e temerosos, porque não poderiam contar com a cerimônia de proteção, quando o rabino sabiamente os tranquilizou: “Não se preocupem, só pelo fato de lembrarmos que há um rito a comunidade está muito bem protegida...”. Há versão recente dessa lenda em Jean-Claude Carrière, Le Cercle des menteurs, contes philosophiques du monde entier; Paris, Plon, 1998. pág. 430-431.

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Segundo Rikyu, o "Caminho do Chá" deve ter na Harmonia (Wa), no Respeito (Kei), na Pureza (Sei) e na Tranquilidade (Jaku) os seus princípios basilares. O "homem de chá" (cha-jin) deve saber criar na sala de chá, por meio do rígido ritual e de sua participação total, a atmosfera adequada para que esses princípios sejam sentidos e vividos intensamente, por um momento, único e irrepetível, por todas as pessoas participantes da Cerimônia.

Dentre as centenas de ações corporais que induzem aos valores pretendidos pela Cerimônia, limitar-nos-emos ao fogo, ao fogareiro (ro ou furo) 14, prevista por Rikyu.

A antropologia nos revela que para várias culturas, o fogo é representado como elemento de purificação, mudança, transformação. Cerimônias e ritos são realizados, invocando na chama a luz do sagrado.

Muitos povos nativos acreditam que sentados ao redor de uma fogueira, os participantes ativam a intuição e a emoção e eles podem se conectar com suas outras d i m e n s õ e s : e s p i r i t u a i s , t e m p o r a i s , sobrenaturais, transcedentais. Neste lugar são trocados conselhos e ensinamentos e tomadas decisões relacionadas à comunidade, porque o fogo é utilizado para ativar a luz da Sabedoria.

Por exemplo, os Mbyá-Guarani:É ao redor da fogueira que ocorrem as principais atividades femininas e onde se reúne a família para fazer as refeições e recepcionar as visitas. Logo nas primeiras horas da manhã os Mbyá-Guarani se reúnem em torno da fogueira para

tomar chimarrão e conversar sobre o que sonharam durante a noite. Todos conversam enquanto as mulheres preparam, ali mesmo, a primeira refeição do dia. Sempre que possível este “café-da-manhã” é tomado em grandes grupos: pessoas de várias casas, vizinhos e/ou parentes se reúnem em uma única casa. Ocorre um revezamento das casas que oferecem o “café”. Se para nós ocidentais é bonito uma mesa cheia de gente, para os Mbyá-Guarani, que não se valem de mesas, é bonito ter muitas pessoas reunidas em torno da fogueira.15

O que seria o “fogo” para a Cerimônia do Chá? Desde há séculos, a sociedade japonesa tem feito do irori, fogareiro embutido ao nível do solo, o ponto centralizador, o lugar onde as pessoas da casa se reunem.16

O Chanoyu estipula o fogo como o ponto central para reunir as pessoas e aí nasce o inter-r e l a c i o n a m e n t o e n t r e o s p r e s e n t e s . Originalmente, o ro (fogareiro enbutido no nível do tatami) que existia em casas de agricultores, diz-se que foi trazido ao recinto do Chá através de Jô-ô e Rikyu. Ro, literalmente, é o “foco” ou ponto de queima” (em japonês ambas palavras lêem-se “shôten” mas de ideogramas diferentes) e sem o fogo do carvão, de cor de rubi, como o centro das coisas, não terá sentido a realização do chakai.17

O Chanoyu que é também chamado de cultura da hospitalidade revela-nos o modo como é representado o fogo na antiga cultura japonesa. O acolhimento, em princípio, significa receber e acolher a Deus e é representado pelo lugar do fogareiro. Assim, Deus está no iroro. Até tal ponto, que Rikyu

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14 Ro: pequeno fogareiro quadrado, com cerca de 0,30 m de lado, enterrado no solo, no nível dos tatame, e utilizado na cerimonia de chá feita nos Chashitsu. Frédéric, Louis. O Japão - dicionário e civilização, São Paulo: Ed. Globo, 2008, pág. 972. Furo: fogareiro portátil.

15 MÁRTIN, César Tempass. “O belo discreto: a estética alimentar mbyá-guarani” Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 1, n. 1, pág. 170-194, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/viewFile/2567/1568>. Acesso em: 01 nov. 2007.

16 irori: fogareiro aberto, geralmente quadrado, colocado entre a cozinha e a peça principal de uma casa, principalmente na zona rual, em torno do qual os membros da família se reuniam durante as noites longas de inverno. Cada um tinha seu lugar reservado. O irori, fixo, servia ao mesmo tempo como aquecedor e fonte de luz. Foi progressivamente substituído pelos fogareiros portáteis, os hibachi, no século XIX. Frédéric, Louis. O Japão - dicionário e civilização, São Paulo: Editora Globo, 2008, pág. 505.

17 Centro de Chado Urasenke do Brasil. Chanoyu : Arte e Filosofia São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1995, pág. 140.

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suprimiu as mesas da Cerimônia e introduziu o chashitsu, consolidando a forma que se prolonga até a atualidade: ritual feito em torno do fogareiro.

O deus do fogo protege a comunidade e também é aquele que protege a nossa casa. Esse Deus despreza o kegare, que pode ser traduzido como impuro. Kegare é um conceito muito particular da antiga cultura misturada à influência do shintoísmo18; não corresponde à concepção de pecado que predomina na cultura cristã. Podemos imaginar a impureza (kegare) como a sujeira ou contaminação, que na concepção japonesa se refere ao estado de coisas em desequilibrio. Esse desequilíbrio pode ser momentâneo de movimentos. Quando existe desequilíbrio entre o céu e a terra, ocorre o terremoto; quando há perturbação no equilíbrio do corpo, ficamos doentes. Para removermos o kegare, é necessário a kiyome (purificação-harmonia). Podemos traduzir a Cerimônia de Chá exatamente como cerimônia da kiyome. 19

Assim, a Cerimônia de Chá valoriza a harmonia. Harmonia entre pessoa e pessoa, objeto e objeto, entre pessoa e objeto. A harmonia é encontrada até nas cinzas depositadas no fogareiro, que cuidadosamente são arrumadas em forma de montanha. Em vez de serem ignoradas no ritual como algo já acabado, consumido pelo fogo, é incluído e apreciado como parte da beleza do ambiente. Uma bela observação:

Podemos ainda acrescentar que no Chanoyu até o modo de se desfazer das cinzas do ro e furo se resolve de forma artística. Observando bem a forma das cinzas feitas com tanto empenho espiritual, não se pode deixar de pensar na lenda da Fênix no plano terreno. O resíduo branco do carvão que parece realmente concluir a tarefa do chakai não se projeta como um resíduo ósseo, mas daí, sobretudo, faz-se sentir a sublimação do imortal pássaro. 20

Acredita-se que todo procedimento que se encontra no ritual do chá é em busca destas harmonias e se prolonga para a harmonização do nosso corpo, ou seja, que o nosso coração se conecte com a mente e que o corpo atinja assim o seu equilíbrio.

É uma cerimônia que dá ênfase ao quotidiano, ao aqui e agora, aos gestos e objetos do dia a dia. Como se evidencia na passagem da descrição de uma “cerimônia” privada, oferecida por Rikyu a um colega Sokyu, mestre do chá, narrada por Burch:

O anfitrião e o visitante tinham trocado algumas palavras quando ouviram a porta da cozinha se abrir. Rikyu explicou tratar-se do criado que enviara a Samegi, lugar famoso pela água, que tinha acabado de voltar. Dizendo que agora iria buscar a água, Rikyu ergueu a chaleira e foi para a cozinha. Sakyu aproximou-se do fogo e o observou, agora que a chaleira não estava ali. O carvão, disposto de modo a saudar a alvorada, era de uma beleza indizível. Erguendo os olhos, Sakyu notou um suprimento de carvão cuidadosamente guardado num recipiente, na prateleira. Apanhou um pouco, jogou ao fogo e limpou o braseiro com uma escova de penas. Quando o idoso anfitrião reapareceu, vindo da cozinha com a chaleira na mão, Sokyu explicou que tinha adicionado mais carvão ao fogo, pois achou que seria necessário para ferver a água fresca, embora lamentasse ter sido obrigado a desaparelhar o belo arranjo do anfitrião. Rikyu f i c o u p r o f u n d a m e n t e e m o c i o n a d o e cumprimentou Sokyu, dizendo-se encantado por

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18 Por exemplo: kiribi: “fogo sagrado” utilizado em algumas cerimônias shintô e produzido pelo atrito de dois pedaços de madeira, geralmente de cipreste (hinoki), ou batendo pederneiras num ferro. Antigamente, acreditava-se que as faíscas produzidas pelas pederneiras purificavam a pessoa que as recebia; essa tradição ainda é seguida, às vezes, para purificar alguém que sai de uma casa e protegê-lo. Frédéric, Louis. O Japão - dicionário e civilização, São Paulo: Editora Globo, 2008, pág. 660.

19 Disponível em: <http://www.omotesenke.jp/chanoyu/b_1.html>. Acesso em: 01. set. 2011

20 Centro de Chado Urasenke do Brasil. Chanoyu : Arte e Filosofia São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1995, pág. 141.

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receber visita tão atenciosa. Como a noite de inverno fosse longa, ainda faltava algum tempo para o raiar da aurora, Rikyu, dizendo que

gostaria de servir o chá enquanto durasse o fogo, trouxe uma refeição ligeira. Enquanto comiam, sentados, o dia rompeu. 21

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Marcos Roberto Celestino1

Coordenação pedagógica e corpo docente: a importância da formação continuada

Coordenação pedagógica e corpo docente: a importância da formação continuada

Coordenação pedagógica e corpo docente: a importância da formação continuada

Resumo

Na atual sociedade há facilidade de se obter, através de diversos meios de informação, em particular a Internet, notícias, dados econômicos e sociais de todo o mundo em tempo real. Faz-se necessário refletir sobre a formação dos cidadãos e, em particular, qual o papel da escola nesta sociedade e, por conseguinte qual o papel do professor nesse contexto.

Neste artigo, analisamos a formação de professores como um elemento essencial nesta sociedade de informação e o papel da coordenação pedagógica na concretização do projeto educacional e na formação continuada do corpo docente.

Abstract

In the current society it is easy to obtain news, economical and social data of everyone in real time through several means of information, mainly the Internet. It is necessary to think about the citizens' formation, especially, which role education takes in this society and therefore what role the teacher in this context.

In this article, we looked the teachers' formation as an essential element in this society of information and the role of the pedagogical coordination in the concretion of the educational project and in the continued formation of the faculty.

Palavras-chave: Sociedade de informação, formação de professores, papel da escola na sociedade, formação continuada, coordenação pedagógica.

Keywords: Information society, teacher training, school's role in society, continuing education, education supervision.

Apresentação

A educação brasileira, desde a educação básica até o ensino superior, tem sido objeto de grandes preocupações e discussões, seja por educadores, estudantes ou políticos; p reocupações e s t a s que r eve lam a necessidade de se ter prof iss ionais capacitados para a tarefa social de educar.

As mudanças exigidas pelas reformas educacionais, motivadas pelas mudanças sociais, incidem também, como não poderiam deixar de ser, na formação dos profissionais da educação. O aprendizado contínuo é uma exigência dos dias atuais, faz-se necessário desenvolver a competência de “aprender a aprender e continuar aprendendo” durante toda a vida profissional. Essa competência é exigida não só para os alunos da educação básica, mas para todos os profissionais, todas aquelas pessoas que estão inseridas no mundo do trabalho.

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1 Marcos Roberto Celestino - Doutor e Mestre em Educação em Matemática – PUC/SP. Especialista em Gestão Escolar – UNICID/SP. Bacharel e Licenciado em Matemática – Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP. Email: [email protected]

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - 9.394/96) reflete os anseios de nossa sociedade a qual está impulsionada pelas demandas de profissionais com uma formação que ao mesmo tempo deve analítica e crítica; demandas advindas do mundo globalizado em que a informação se encontra disponível e acessível a todos, porém essas informações necessitam ser retrabalhadas por todos os profissionais a fim de se tornarem conhecimento, uma vez que a informação recebe o status de conhecimento quando a mesma torna-se significativa para o indivíduo. Frade (2002) adverte que:

[...] um novo modelo de cidadania deve ir além da esfera da informação, incorporando a capacidade de interpretação da realidade e construção de sentido por parte dos indivíduos. O que importa na formação dos cidadãos, sob essa perspectiva, é que sejam capazes de ser construtores de significados (FRADE, 2002 apud SILVA et al., 2005, pág.30)

Dessa forma a escola cont inuará desempenhando um importante papel na sociedade, pois atendendo às demandas do mundo atual, deverá construir um projeto pedagógico que viabilize a formação de cidadãos aptos a construírem significados às informações que acessa e o professor, mediador dessa formação também deverá inserir-se nesse contexto.

É necessário refletir sobre o papel do professor na sociedade moderna e de que forma se deve dar essa formação, na qual a articulação entre a técnica, o conhecimento e a análise crítica devem ser elementos presentes e imbricados; com vistas a formar professores que sejam formadores de cidadãos aptos a coletar informações de diversas fontes e analisá-las de forma crítica e eficaz.

A escola é o local privilegiado para a formação continuada, processo que possibilita ao professor continuar aprendendo enquanto exerce seu ofício. Nesse contexto a Coordenação Pedagógica desempenha uma função importante na formação continuada dos professores e de liderança intrínseca, pois

a mesma deve exercer influencia e estimular inovações nos projetos escolares, bem como contribuir para a formação continuada do corpo docente. Esse último aspecto é evidenciado pelas ações coordenadas a fim de dirimir fraquezas e valorizar habilidades e competências imprescindíveis ao educador.

O tema de nosso artigo: Coordenação p e d a g ó g i c a e c o r p o d o c e n t e – a importância da formação continuada, está inserido nesse contexto. E o objetivo de nosso trabalho é apresentar um panorama sobre as demandas atuais para a formação continuada dos docentes e o papel da coordenação pedagógica nessa formação.

É notório que o assunto é amplo, mas analisaremos aspectos relevantes coletados durante a revisão de literatura de autores c o m o N ó v o a , P e r r e n o u d e Ta r d i f , evidentemente sem a pretensão de esgotar o assunto ou efetuar um Estado da Arte.

Nossas motivações foram advindas da análise de entrevista com duas coordenadoras pedagógicas, uma atuante na rede pública e outra na rede particular de ensino, que dissertaram sobre a importância da formação continuada do professor e o papel do coordenador pedagógico nessa formação. Após realização das entrevistas levantamos os aspectos que julgamos mais relevantes e analisamos de que maneira pesquisadores/educadores vêem a formação docente, quer formação inicial ou continuada, e o papel da coordenação pedagógica na formação continuada.

Esse artigo está divido da seguinte maneira:

No Tópico 2 - A soc iedade do conhecimento e as novas demandas – apresentamos os aspectos relevantes encontrados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a respeito da formação continuada.

No Tópico 3 – Formação Docente – dissertamos a respeito da formação requerida

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na sociedade atual, formação esta científica que é analítica e crítica e descrevemos, nos subitens as características desejáveis de serem identificadas no professor, bem como seu papel no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, sua atuação em sala de aula.

N o T ó p i c o 4 - A C o o r d e n a ç ã o Pedagógica - projeto educacional e formação de professores – apresentamos uma reflexão a respeito da atuação da Coordenação Pedagógica na formação continuada, a atitude de liderança que essa coordenação deve desempenhar e o estímulo que deve propiciar à reflexão da prática docente.

E m s e g u i d a a p r e s e n t a m o s a s considerações finais, descrevendo de que maneira a docente e a Coordenação P e d a g ó g i c a p o d e m e d e v e m e s t a r comprometidos e promover ações conjuntas com vistas ao aprimoramento profissional median te a p romoção da formação continuada.

2. A sociedade do conhecimento e as novas demandas

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), lei nº 9.394/96 (LDB), em consonância com a demanda do mundo atual, afirma que os sistemas de ensino deverão promover a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes “aperfeiçoamento profissional continuado inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim” (artigo 67 – inciso II) e “período reservado a estudos, planejamento e a v a l i a ç ã o , i n c l u í d o n a c a r g a d e trabalho” (artigo 67 – inciso V).

A reforma educacional promovida no Brasil exige um novo professor. São necessárias novas competências e novos

conhecimentos e os professores não foram preparados para isso. Algum tempo atrás, na educação básica, não havia a preocupação de realizar um trabalho de forma interdisciplinar e contextualizado, logo, muitos dos professores atuais não vivenciaram como alunos esse contexto, nem mesmo em sua formação profissional. Hoje sabemos quão importante para a formação do professor é experimentar situações de aprendizagem que depois, como professor, deverá propiciar aos seus alunos. Torna-se um desafio ao professor promover o desenvolvimento daquilo que não teve oportunidade de desenvolver.

A LDB apresenta a necessidade de mudanças nas incumbências e, portanto, no perfil do professor e evidencia a necessidade de os profissionais e as instituições serem flexíveis para poder acompanhá-las. Logo, faz-se necessário rever a formação inicial dos professores e promover atualização dos projetos pedagógicos nas escolas e estimular a formação continuada dos professores em exercício a fim de atender às novas demandas. Estamos, portanto, no âmbito da formação continuada.

Diante desse contexto, realizamos uma entrevis ta com duas Coordenadoras Pedagógicas (CP) – uma atuante na rede particular e outra na rede pública de ensino. Nosso objetivo foi de verificar como essas prof i ss iona is en tendem a formação continuada e o papel do Coordenador Pedagógico nessa formação.

Na entrevista abordamos os seguintes aspectos: (I) A relevância da formação continuada (II) O papel do coordenador pedagógico na formação continuada (III) Obstáculos encontrados para desempenhar sua função – com vistas ao papel de formador.

A seguir apresentamos um quadro que destaca os principais pontos dessa entrevista.

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Coordenadora 1 Coordenadora 2

Idade: 58 anosFormação:

- Licenciatura Plena em Letras (conclusão: 1972)- Complementação Pedagógica com Habilitação em Direção e Supervisão Escolar (conclusão:1995)

Atuação no magistério: 40 anosAtuação como CP: 13 anos (rede particular)

Idade: 49 anosFormação:

- Biologia (conclusão:1984)- Psicopedagogia (conclusão: 1999)- Pedagogia com Habilitação em Direção, Coordenação Pedagógica e Supervisão Escolar (conclusão:1995)

Atuação no magistério: 27 anosAtuação como CP: 05 anos (rede pública - SME/SP)

(I) A relevância da formação continuada(I) A relevância da formação continuada

- As constantes mudanças sociais, impulsionadas pelo avanço científico e tecnológico, traz dúvidas, contradições e um número incalculável de informações, o que a torna cada vez mais exigente. Nesse panorama de dúvidas e incertezas encontra-se a atividade docente que também é influenciada por esse cenário, implicando em um processo de mudança na formação do professor.- A reflexão crítica permanente que deve orientar a formação continuada dos professores em busca da transformação de sua prática educativa.- A formação continuada dos professores deve levá-los à apropriação dos saberes rumo à autonomia e levar a uma prática reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente. - São indicativos para essa formação: o estudo c o m p a r t i l h a d o , o p l a n e j a m e n t o e o desenvolvimento de ações conjuntas.- Os professores deverão reconstruir suas práticas – a legislação vigente é bastante significativa, pois, reconhece e obriga a se criar e desenvolver programas de formação inicial e continuada para os docentes.- O professor hoje tem que dar conta das demandas da sociedade e além de sua formação inicial, muitas vezes, insuficiente, necessita de uma formação continuada que possibilite o aperfeiçoamento constante, a reflexão sobre a prática pedagógica, formação esta realizada em serviço como objetivo de compensar as deficiências da formação inicial e manter o docente atualizado com relação às tendências pedagógicas atuais.- Para a escola se tornar o local de formação continuada é necessária a promoção de experiências internas de formação articulados com o cotidiano escolar.

- Mediante análise dos resultados obtidos na Avaliação Institucional, o Coordenador Pedagógico deve estimular a reflexão de suas práticas docentes e envolver os professores em torno do projeto pedagógico. A reflexão sobre os resultados da Avaliação Institucional deve motivar a formação em exercício em busca do aprimoramento de sua prática.- O Coordenador Pedagógico deve motivar o grupo de professores a buscar, em consenso, novas alternativas de ensino, adequando à realidade da demanda específica daquela unidade escolar; analisar suas características e necessidades, fazendo-os entender que não há receitas prontas na educação. Nesse sentido a formação continuada perpassa pela troca de experiências. - A escolha do Projeto Especial de Ação (PÁG.E.A) que é realizada a cada ano deve seguir todas as orientações descritas no projeto político-pedagógico, e a reflexão periódica dos resultados que estão sendo, ou não, atingidos com as mudanças das práticas pedagógicas também deve fazer parte das pautas de formação.

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(II) O papel do coordenador pedagógico na formação continuada(II) O papel do coordenador pedagógico na formação continuada

O Coordenador Pedagógico deve:

-“criar um ambiente” propício à discussão e encontros que possam progressivamente promover a formação continuada dos professores;

- promover a articulação dos diversos aspectos do projeto político-pedagógico da escola e exercer lembrar-se que seu trabalho é fundamentalmente um trabalho de formação continuada em serviço;

- exercer uma tarefa formadora, articuladora e transformadora, sendo necessário criar soluções adequadas a cada realidade.

O Coordenador Pedagógico deve:

- ter clareza de que está inserido no processo de formação continuada, formando e sendo formado. Portanto, para atender tal demanda, o C.PÁG. deve manter-se atualizado, realizando leituras especificas da sua área de atuação bem como a respeito de assuntos das diversas disciplinas e/ou segmentos;

- desempenhar um papel importante como formador do grupo de professores;

- elaborar as pautas de formação para os encontros semanais considerando as Orientações de SME / DOT, o Projeto Pedagógico e as metas da Unidade Escolar;

- elaborar um Plano de Formação dos Professores visando aprimorar os seus conhecimentos a fim de promover situações de aprendizagens realmente significativas. Esse plano deve estar em consonância com o documento “Orientações Curriculares e Expectativas de Aprendizagem” da Secretaria Municipal de Educação (SME/PMSP) a fim de implementá-lo.

(III) Obstáculos encontrados para desempenhar sua função – com vistas ao papel de formador(III) Obstáculos encontrados para desempenhar sua função – com vistas ao papel de formador

(a) vencer a resistência dos professores.(b) trabalho burocrático e disciplinador que o afasta das verdadeiras funções de coordenação pedagógica. (c) falta de tempo previsto na jornada de trabalho que permita encontros de estudos e discussões. (d) falta de formação adequada do coordenador para ser formador de professores e/ou falta de assessoria para realizar esse tipo de trabalho. (e) formação continuada baseada em seminários e palestras enfatizando a transmissão de informação teórica sem a preocupação em avaliar a prática dos professores em formação.

(a) resistência dos professores. (b) trabalho burocrático ocupando maior parte do tempo de trabalho.(c) professores buscam “receitas” para utilizarem no processo de ensino, não vêem os horários pedagógicos como momentos de discussão, reflexão e construção coletiva. (d) levar o docente a enxergar a Avaliação Institucional como indicador de aprimoramento.

Pode-se verificar no discurso das duas coordenadoras a valorização a atitude reflexiva da prática docente e, por conseguinte, incentivo à formação continuada, sempre com a consciência de que o Coordenador Pedagógico desempenha um papel importante nessa formação. As motivações para que a formação continuada ocorra são muito similares, embora o contexto em que elas ocorrem seja diferente, pois enquanto na rede pública há horário destinado para a reflexão sobre a prática docente (reuniões semanais) a rede particular,

em sua maioria, não destina um tempo dentro do horário do professor para essa finalidade.

O s o b s t á c u l o s e n c o n t r a d o s p e l a s entrevistadas são bem semelhantes e devem inquietar a muitos outros Coordenadores Pedagógicos.

Motivados pelo panorama desenhado, quer pela LDB que ressoa as tendências sociais, quer pela pesquisa de campo que reforça aspectos já citados na LDB e amplia a temática em vários aspectos; propomos-nos a refletir sobre a formação docente, em particular a

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relevância da formação continuada, bem como analisar o papel da coordenação pedagógica na concretização do projeto educacional e na formação continuada do corpo docente.

3. Formação Docente

Com vistas às necessidades do mercado de trabalho, os professores (protagonistas do elenco de educadores na sociedade) têm em seu dia-a-dia a necessidade de elaborar julgamentos, os quais requerem a articulação entre seu conhecimento pessoal/profissional e sua prática. Este é “um processo que necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças” (NÓVOA, 1992, pág.16).

Não há lugar para uma formação dogmática, pelo contrário, a sociedade atual requer uma formação científica que é analítica e crítica. Estes dois aspectos da formação científica são essenciais para viabilizar uma qualidade no ensino e conseqüentemente nos cidadãos egressos do sistema escolar. No entanto, temos que ter claro em mente que não é possível formar professores sem fazer escolhas ideológicas (PERRENOUD, 2000). Conforme o modelo de sociedade e de ser humano que defendemos, não atribuiremos as mesmas finalidades à escola e, portanto, não definiremos da mesma maneira o papel dos professores.

As finalidades de um sistema educacional e as competências não podem ser dissociadas. O que será colocado em prática depende da visão política e dos recursos econômicos. Isso não nos impede de refletir sobre as competências desejáveis para um profissional atuar na escola de um futuro possível. É uma utopia necessária, no sentido de se definir aonde se quer chegar, o que um professor deveria saber, não para ensinar, mas para fazer aprender, não transmitir o saber, mas para construir competência e uma identidade, uma relação com o mundo e com o saber. As competências profissionais constroem-se em formação, ao

sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à outra (LE BOTERF, 1997).

É natural que os profissionais se encontrem em crise de identidade frente ao rápido desenvolvimento científico e tecnológico, e com as mudanças significativas dos sistemas produtivos. Com os professores o processo não é diferente e esta crise de identidade é caracterizada, segundo Nóvoa, por três fases:

[...] a primeira distingue-se pela procura das características intrínsecas ao bom professor; a segunda define-se pela tentativa de encontrar o melhor método de ensino; a terceira caracteriza-se pela importância concedida à análise do ensino no contexto real de sala de aula, com base no c h a m a d o p a r a d i g m a p r o c e s s o -produto” (NÓVOA 1992, pág.14).

Analisaremos cada uma dessas fases mais detalhadamente.

3.1. O professor e suas características

Quando refletimos sobre as características de um professor, logo pensamos sobre a relação entre o saber e a prática; como o professor articula o saber de modo a torná-lo mais acessível ao aluno. Chevallard (apud FRANCHI, 2000; pág.16) ao falar sobre transposição didática, escreve:

Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os ‘objetos de ensino’. O ‘trabalho’, que de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. (pág.39)

Nessa perspectiva Tardif busca relacionar a questão dos saberes com a prática dos docentes. Inicialmente ele ressalta a importância de considerar os professores como sujeitos que possuem, utilizam e produzem saberes específicos ao seu oficio e ao seu trabalho. Nesse sentido, Tardif (2002, pág.36) afirma que [...].”interessar-se pelos saberes e pela subjetividade deles é tentar penetrar no próprio cerne do processo concreto de escolarização, tal como ele se realiza a partir

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do trabalho cotidiano dos professores em interação com os alunos e com outros atores educacionais”.

Tardif ressalta que é incontestável que enquanto grupo social, e em virtude das próprias funções que exercem, os professores ocupam uma posição estratégica no interior das r e l a ç õ e s q u e u n e m a s s o c i e d a d e s contemporâneas aos saberes que elas produzem e mobilizam com diversos fins e que a relação dos professores com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos já constituídos. Sua prática integra diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações. Propõe a seguinte definição do saber docente: “[...] é um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais” (Ibid, pág.36).

3.2. O processo de ensino-aprendizagem

A busca por um método de ensino que minimize os obstáculos encontrados no processo de ensino aprendizagem, como já dissemos, é uma constante preocupação do professor. O professor, profissional da educação, deve desenvolver as competências necessárias e intrínsecas ao seu ofício, essas “[...] competências profissionais, constroem-se em formação, ao sabor da navegação diária de um professor, de uma situação de trabalho à o u t r a ” ( L E B O T E R F, 1 9 9 7 a p u d PERRENOUD, 2000, pág.15).

A idéia de competência não é nova, mas seu uso está sendo difundido no atual contexto político social, dando-lhe conotações de inovação, com repercussões que vêm demarcando novas posturas dos educadores que atuam, tanto no âmbito da formação profissional mais específica, quanto no âmbito educacional da formação básica. Tal conceito existe em vários países com tendência a

orientar o currículo para a construção de competências desde a escola fundamental (PERRENOUD, 1998).

A noção de competência nos trabalhos de Philippe Perrenoud designará uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enf ren ta r um t ipo de s i tuações . As competências integram, mobilizam saberes, savoir faire2 ou atitudes que são pertinentes em situações de aprendizagem.

O exercício da competência passa por operações mentais complexas, esquemas de pensamento (PERRENOUD, 2001). A natureza dos esquemas de pensamento é que permitem a mobilização dos recursos pertinentes em situação.

Perrenoud (2000) tem como objetivo analisar o funcionamento das competências, a fim de fazer um inventário dos conhecimentos teóricos e metodológicos que elas mobilizam. A p r e s e n t a m o s o s d e z d o m í n i o s d e competências para ensinar bem numa sociedade em que o conhecimento está cada vez mais acessível.

Descreveremos algumas competências citadas por Perrenoud, discorrendo sobre as que julgarmos mais interessantes, sem a intenção de esgotar o assunto e nem tão pouco citar e/ou descrever todas as competências, mesmo que isto fosse possível. São elas:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem

O ofício de professor “[...] hoje precisa conceber uma postura de conceptores - d i r i g e n t e s d e s i t u a ç õ e s d e aprendizagem” (PERRENOUD, 2000, pág.23).

A busca de um ensino interat ivo, possibilitando vivências para os alunos, faz parte da prática do professor. O modelo de ensino precisa ser centrado no aluno, para que oportunidades de intervenções individuais aconteçam na rotina da sala de aula.

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2 Saber fazer

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Para organizar e dirigir situações de aprendizagem, é necessário dispor das competências profissionais necessárias, para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagens amplas, abertas e carregadas de sentido e de regulação.

A verdadeira competência pedagógica não está centrada apenas em reconhecer bem os conteúdos a serem ensinados, mas em os relacionar a objetivos e a situações de a p r e n d i z a g e m . E s s a h a b i l i d a d e n a administração das situações e dos contextos exige um domínio que Develay (1992) chama de matriz disciplinar. São os conceitos e os paradigmas que estruturam os saberes no seio de uma disciplina.

Trabalhar a partir das representações dos alunos exige uma competência essencialmente didática. O professor precisa entender o que o aluno pensa, como pensa e por que pensa daquela maneira. Na prática da sala de aula, abrir espaços para discussões e negociações de idéias.

Bache la rd (1996) observa que os professores têm dificuldades para compreender que seus alunos não compreendem, já que não se lembram do caminho do conhecimento, dos obstáculos, das incertezas, dos atalhos, dos momentos de vazio pelos quais passaram quando eram estudantes.

Entretanto, para Perrenoud (2000), não basta que os professores tenham memórias de suas próprias aprendizagens, é necessário buscar uma cultura mais extensa em história da matemática, em filosofia das ciências, em antropologia, em psicologia genética e em psicologia da aprendizagem.

2. Administrar a progressão das aprendizagens

A escola é organizada para favorecer a progressão das aprendizagens dos alunos ao final de cada ciclo de estudos. Todo o ensino deveria ser estratégico, no sentido dado por Tardif (1992), concebido em uma perspectiva a longo prazo, cada ação sendo decidida em

função de sua contribuição almejada à progressão ótima das aprendizagens de cada um.

C o m a i n t r o d u ç ã o d e c i c l o s d e aprendizagem plurianuais, o movimento rumo à individualização dos percursos de formação e à pedagogia diferenciada leva a que se pense na progressão de cada aluno.

3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação

Diferenciar é romper com a pedagogia frontal, a mesma lição para todos, os mesmos exercícios para todos, mas é criar uma organização do trabalho e dos dispositivos didáticos que coloque cada um dos alunos em uma situação ótima, priorizando aqueles que têm mais a aprender.

4 . E n v o l v e r o s a l u n o s e m s u a s aprendizagens e em seu trabalho

A competência e a vontade de desenvolver o desejo de saber e a decisão de aprender encontram-se no centro do ofício de professor.

A competência profissional de desenvolver esse desejo apela para dois recursos:

a) compreensão e um certo domínio dos fatores e mecanismos sociológicos, didáticos e psicológicos em jogo no surgimento e na manutenção do desejo de saber e da decisão de aprender;

b) habilidade no campo da transposição didática, das situações, das competências, do t r a b a l h o s o b r e a t r a n s f e r ê n c i a d o s conhecimentos. Identificar os projetos pessoais existentes, sob todas as suas forças, valorizá-los e reforçá-los.

5. Trabalhar em equipeA evolução da escola caminha para a

cooperação profissional. A divisão do trabalho pedagógico aumenta na escola básica. Isso suscita novas formas de cooperação: a repartição igualitária das tarefas.

As competências específicas para o trabalho em equipe são: saber trabalhar eficazmente em equipe, saber discernir os problemas que

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requerem uma cooperação intensiva. Saber é perceber, analisar e combater resistências e impasses ligados à cooperação. É saber se autoavaliar.

6. Participar da administração da escolaO modo de gestão da escola permanece

arcaico, burocrático, baseado mais na desconfiança, na liberdade clandestina do que na autonomia assumida, na aparência do controle do que na transparência das escolhas e n a o b r i g a ç ã o d e p r e s t a r c o n t a s . Profissionalização, responsabil ização, participação, autonomia de gestão, projetos da instituição e cooperação designam alternativas desejáveis para um funcionamento da escola.

Uma nova organização em ciclos de aprendizagem modifica o equilíbrio entre r e s p o n s a b i l i d a d e s i n d i v i d u a i s e responsabilidades coletivas e torna necessário, não somente um trabalho em equipe, mas também uma cooperação da totalidade do estabelecimento, de preferência baseada em um projeto (CHARLIER e PERRENOUD, 1996).

7. Utilizar novas tecnologiasA escola não pode ignorar o que se passa no

mundo. As novas tecnologias da informação e da comunicação transformam não só nossas maneiras de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir, de pensar.

8. Administrar sua própria formação contínua

Pode-se ver, com as competências destacadas anteriormente, que Perrenoud foi bastante detalhista e evidenciou as principais características que devem estar presentes em um professor, mas certamente poderíamos transpor as fronteiras escolares e transferirmos muitas destas competências aos profissionais que a sociedade espera formar, seja qual for a área de atuação.

Mas detendo-nos ao ofício de professor, faz-se necessário analisar este profissional em seu ambiente de trabalho: a sala de aula. É neste ambiente que se dá o processo de ensino-aprendizagem, onde o saber é construído pelo

aluno com a orientação e auxílio da transposição do saber realizada pelo professor.

3.3. O professor e a sala de aula

A construção do conhecimento é uma trajetória coletiva que o professor orienta, criando situações e dando auxílio, sem ser o especialista que transmite o saber, nem o guia que propõe a solução para o problema. Devem-se conceber situações que estimulem o conflito cognitivo entre alunos ou na mente de cada um.

Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos de aprendizagem é uma competência que se baseia no princípio de que o aprender está na reestruturação do sistema de compreensão de mundo, não em estocar informações, nem em só memorizar. Uma verdadeira situação-problema obriga a transpor um obstáculo, quer se trate de uma simples transferência, de uma generalização ou da construção de um conhecimento inteiramente novo . Os obstáculos cognitivos são constituídos por falhas de raciocínio, pistas falsas, erros de estimativa ou de cálculo.

O obstáculo, conforme expressão de Martinand (1986) torna-se, então, o objetivo do momento. Deparar-se com o obstáculo é enfrentar a ausência de qualquer solução num primeiro momento, até mesmo de qualquer pista, e uma sensação de que não se vai conseguir encontrar a solução. Os alunos se envolvem no problema, interagem, constroem hipóteses e propõem alternativas. Em um trabalho coletivo, socializa-se a discussão. O choque das representações obriga cada um a rever seu pensamento e a levar em conta o dos outros.

A didática das disciplinas interessa-se cada vez mais pelos erros e tenta compreendê-los. Astolfi (1997) propõe considerar o erro como uma ferramenta para ensinar, um revelador dos mecanismos de aprendizagem do aluno.

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Dispositivos e seqüências didáticas buscam fazer com que se aprenda a mobilizar os alunos seja para compreenderem, seja para terem êxito. Se possível, os dois (PIAGET, 1974).

Todo dispositivo repousa sobre hipóteses relativas à aprendizagem e à relação com o saber, o projeto, a ação, a cooperação, o erro, a incerteza, com o êxito e o fracasso, com o obstáculo, com o tempo.

4. A Coordenação Pedagógica - projeto educacional e formação de professores

Difícil refletir a respeito dos desafios postos à escola nos dias atuais e não se lembrar dos atores envolvidos: coordenação pedagógica e professores. Cada qual desempenha um papel importante e imprescindível no processo educacional, porém, é inegável que para se ter um projeto educacional exeqüível faz-se necessário envolver esses atores em ações que mobilizem habilidades e competências educacionais com foco em dirimir fraquezas e superar obstáculos, quer sejam de ordem coletiva ou individual.

Dessa maneira, buscaremos analisar aspectos ligados à atuação da Coordenação Pedagógica, nossa intenção não é esgotá-los, mas apresentar pontos mais relevantes e destacar aspectos ligados à condução do projeto pedagógico e cooperação à formação continuada do corpo docente.

Explanaremos a respeito de cada um desses itens mais detalhadamente.

4.1. Coordenação Pedagógica como liderança

É impossível não visualizar a Coordenação Pedagógica como uma função de liderança intrínseca. Ao perceber que a Coordenação Pedagógica deve como liderança, “[...] influenciar um processo de inovação de

múltiplas maneiras e em diversas fases do ciclo da vida de um projeto” (THURLER, 2001, pág.142), projeto este, construído com a comunidade educativa.

Vemos que a liderança é ativa, deve-se ter consciência de que tem inicio na construção do projeto e estende-se durante todo o processo de execução, ela “influencia a orientação do projeto, a formulação dos objetivos, o justo equilíbrio entre utopia e realismo” [...] exerce sua influencia durante a aplicação do projeto coletivo, especialmente quando ele tropeça em algum obstáculo, em um dilema ou em um problema tático ou estratégico” (ibid., pág.142). Diante disso, pode-se evidenciar que a influencia do Coordenador Pedagógico é de grande valia e essencial para propiciar a formação de um grupo docente coeso e que trabalha com metas claras.

As discussões sobre a importância do proje to-pol í t ico pedagógico, sobre a valorização das ações coletivas, vinculadas ao eixo pedagógico desenvolvido na escola e a atuação do coordenador como gestor do trabalho que oferece feedback, aquele que “apresenta os objetivos de maneira a provocar o engajamento da maioria, cria um clima de tentativa coletiva, de resolução de problemas e de aprendizagem permanente” (THURLER, 2001, pág.147); contribui para a constituição de um grupo de professores engajados com a proposta pedagógica, com os projetos desenvolvidos (idealizados e traçados em processo colaborativo).

4.2. O papel do projeto político-pedagógico na escola – sua interferência nas atribuições do coordenador pedagógico

Inicialmente devemos nos perguntar o que é o projeto político-pedagógico. Dizemos que tem caráter político porque diz respeito à organização, a governabilidade da escola; ele prevê e dá uma direção à gestão da escola. Já o caráter pedagógico faz-se presente nas

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reflexões sistemáticas sobre as práticas educativas: dá sentido e rumo às práticas educativas, contextualizadas culturalmente.

Viabiliza a participação coletiva e reflexiva dos atuantes da vida escolar (professores, diretores, coordenadores). É a construção do projeto político-pedagógico que dará as diretrizes para a atuação do trabalho da coordenação pedagógica, uma vez que, sua função será viabilizar o trabalho do professor, oferecendo condições à realização das atividades pedagógicas, o que, sem dúvida, reflete na dinâmica da sala de aula. As escolhas realizadas pela coordenação pedagógica a fim de implementação de gestões educativas, perpassando pelas prioridades dos recursos financeiros, deverão ser realizadas em consonância com o que o projeto político-pedagógico norteia.

Sendo assim, cabe reforçar que o projeto político-pedagógico representa a “[...] oportunidade de a direção, a coordenação pedagógica, os professores e a comunidade, tomarem sua escola nas mãos, definir seu papel estratégico na educação das crianças e jovens, organizar suas ações, visando a atingir os objetivos que se propõem” (LIBÂNEO, TOSCHI e OLIVEIRA; 2003, pág. 125).

Toda escola possui a lgum projeto pedagógico, seja ele formalizado em um texto ou vivido no dia-a-dia da sala de aula. A formalização e institucionalização desse projeto (político-pedagógico) auxiliam na solução de questões fundamentais para vida escolar, na construção da identidade da escola e na diretriz de suas ações, viabilizando que a escola se estruture e busque alcançar as metas traçadas coletiva e participativamente.

4 . 3 . C o o r d e n a ç ã o P e d a g ó g i c a - participação na formação continuada

Há também o aspecto de contribuir na formação contínua do professor. Sem dúvida é uma área impor tante de a tuação da

Coordenação Pedagógica, pois é no seu fazer diário que a coordenação evidencia e ratifica a importância da formação continuada. É nos momentos que “[...] se reúnem para discutir questões e problemas pedagógicos, isto é, pertinentes à sala de aula, ao conteúdo de ensino, ao desempenho dos educandos e ao relacionamento com os alunos” (GEGLIO, 2006, pág.117) que se está contribuindo para a formação docente.

Não se pode olvidar que, conhecedor das necessidades dos educandos e orquestrador das ações necessárias para soluções de problemas levantados pelos docentes (didát ico-pedagógicos, disciplinares ou de outra natureza), o coordenador pedagógico deve planejar a maneira que conduzirá os encontros coletivos (selecionando as leituras e mediando os debates), pois ele “deve ter observado as necessidades dos professores, na relação com os alunos, com o ensino, com a visão de educação, com a concepção de aprendizagem e avaliação” (SOUZA, 2005, pág.28). Como se pode notar, o trabalho coletivo é parte integrante dessa formação, uma vez que viabiliza a troca de experiências e a reflexão da prá t ica docente (CHRISTOV, 2005) . Reiteramos que esses momentos de trabalho coletivo acrescentam muito à formação do professor, dado que o saber docente é plural e um amalgama dos saberes profissionais e de saberes d isc ip l inares , cur r icu lares e experienciais (TARDIF, 2002).

O coordenador deve atentar às necessidades especificas de seus liderados e, portanto, empreender em seu planejamento momentos em que, intencionalmente, aborde as fraquezas dos componentes do grupo e do coletivo. O coordenador pedagógico deve auxiliar os professores na descoberta e construção de habilidades e competências imprescindíveis à sua atuação como educador, e, portanto, é necessário que indique ou traga aos seus liderados meios para essa qualificação, ou ainda que se valha de meios próprios (atuando como formador em um processo de

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qualificação). Corrobora com esses aspectos citados a necessidade de que o professor tenha elementos para analisar sua própria pratica à luz das contribuições dos pensadores da educação (CHRISTOV, 2005).

4.4. Reflexão sobre sua prática

E por último, mas não menos importante a reflexão sobre a metodologia de trabalho do coordenador, a qual deve envolver: ação à reflexão à ação. É um processo continuo e dialético, uma vez que após cada ação praticada requer que se faça uma reflexão sobre as metas alcançadas, eficácia dos procedimentos e posterior ação corretiva do que pôde causar desvio e, consequentemente, comprometer as metas traçadas, ou seja, impedindo que as mesmas sejam alcançadas satisfatoriamente. Libâneo (2003) corrobora com essa necessidade de reflexão quando afirma que:

[...] para enfrentar as mudanças, a ação e a reflexão atuam simultameamente, porque elas estão sempre entrelaçadas. Podemos refletir nossa ação, transformando nossa ação em pensamento. Ao mesmo tempo, podemos traduzir idéias em ações. Propõe-se, assim, uma formação profissional – tanto a inicial como a continuada – baseada na articulação entre a prática e a reflexão sobre a prática, de modo que o professor vá se transformando em um profissional crítico e reflexivo, isto é, um profissional que domina uma prática refletida (pág.28).

Mas para que as ações surtam resultados significativos, condizentes com a realidade de trabalho e propicie a concretização das metas traçadas no projeto político-pedagógico, é imprescindível que o coordenador pedagógico esteja inteirado do conhecimento e da experiência pedagógica dos professores. É necessário criar uma metodologia de trabalho que possibilite aos professores e a si próprio atuarem como protagonistas, sujeitos ativos no processo de identificação, análise e reflexão dos problemas existentes na escola e na elaboração de propostas para sua superação. Lembrando de estabelecer prioridades de plano de ação a curto, médio e longo prazo.

Portanto o coordenador pedagógico deve: (a) buscar compreender a realidade da escola em que atua – conhecer o corpo discente e docente, a comunidade e direção (b) identificar os problemas prementes - analisar e investigar suas raízes (origem) e causas; envolver o corpo docente na reflexão crítica e (c) criar metodologia para o trabalho – elaborar propostas a fim de solucionar, ou quiçá minimizar, os problemas levantados. Cabe ao coordenador valorizar as experiências, projetos positivos em desenvolvimento na escola e compartilhar com todos, estimulando a participação dos docentes e, por valer-se das experiências positivas, criar outros projetos que auxiliam alcançar as metas estabelecidas em conjunto.

O coordenador pedagógico deve olhar a escola a partir de seus professores, alunos e suas condições materiais; tomar conhecimento dos índices de evasão/repetência; localizar as principais questões de ensino e aprendizagem; inteirar-se de como está organizado os trabalhos dos professores. Nos momentos de trabalho coletivo direcionar discussões que viabilizem refletir sobre a prática docente, sobre processos de avaliação e teorias de aprendizagem.

Considerações Finais

Vimos que a reflexão sobre a formação de professores e sobre a escolha (ideológica) de qual escola se quer e, então, qual sistema educacional se adotará, é o único caminho possível para educar cidadãos atuantes e valorosos à sociedade moderna.

Cabe ao professor refletir sobre seu importante papel nesta sociedade e, motivados por sua atuação na construção da sociedade, construir as competências necessárias para tornar-se um agente transformador.

O dia-a-dia do ambiente escolar e o processo de ensino-aprendizagem envolvem a presença de indivíduos que ensinam e

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aprendem ao mesmo tempo, assim sendo a escola é vista como uma organização que possui fins políticos, ideológicos e culturais na qual os indivíduos e grupos (corpo diretivo, corpo docente e discente) mobilizam poderes e elaboram processos de negociações, pactos e enfrentamentos . Com a f inal idade e intencionalidade de viabilizar meios pelos quais a escola possa atingir suas finalidades e objetivos, traçados no projeto político-pedagógico, construído, em conjunto pelos principais atores do processo; faz-se necessário q u e a e s c o l a d e t e r m i n e p a p é i s e responsabil idades, juntamente com o relacionamento entre os vários setores que determina o sistema educacional.

Cabe a Coordenação Pedagógica a incumbência, difícil e ao mesmo tempo essencial, de coordenar, acompanhar, assessorar, apoiar e avaliar as atividades pedagógicas, sempre norteadas pela função prioritária que é prestar assistência pedagógica e didática aos professores em suas respectivas disciplinas. Outra função importante da coordenação é estabelecer um relacionamento com os pais e com a comunidade, buscando sempre o maior ideal que é a aprendizagem do educando, visando suprir suas necessidades e buscando um engrandecimento pessoal, com responsabilidades, respeito, dignidade e apto a fazer parte de uma sociedade sem frustrações e preconceito.

A Coordenação Pedagógica deve como liderança “influenciar um processo de inovação de múltiplas maneiras e em diversas fases do ciclo da vida de um projeto” (THURLER, 2001, pág.142), projeto este, como já foi dito, construído com a comunidade educativa. Seu papel inicia na construção do projeto e estende-

se durante todo o processo de execução, ela “influencia a orientação do projeto, a formulação dos objetivos, o justo equilíbrio entre utopia e realismo [...] exerce sua influencia durante a aplicação do projeto coletivo, especialmente quando ele tropeça em algum obstáculo, em um dilema ou em um problema tático ou estratégico” (ibid, pág.142).

Pode-se ver que tal atuação tem influencia significativa na constituição e atuação do grupo de professores, uma vez que, o tom que a coordenação dá ao trabalho pode vir a estimular ou a cercear a participação dos professores e dos lideres constituídos. A coordenação pedagógica deve ter em mente a necessidade de ter papel conciliador e integrador, uma vez que suas ações podem “mobilizar e canalizar o engajamento de todos no sentido da mudança, como podem tornar-se freios, ou mesmo adversários declarados do projeto” (ibidem, pág.146).

A atuação da coordenação como conciliador de conflitos, como gestor do trabalho que oferece feedback, aquele que “apresenta os objetivos de maneira a provocar o engajamento da maioria, cria um clima de tentativa coletiva, de resolução de problemas e de aprendizagem permanente” (ibidem, pág.147); contribui para a constituição de um grupo de professores engajados com a proposta pedagógica, com os projetos desenvolvidos (idealizados e traçados em processo colaborativo).

Desempenhando com d i l igênc ia e compromisso seus papéis, coordenação pedagógica e corpo docente atuarão de forma orquestrada na formação de cidadãos aptos a coletar informações de diversas fontes e analisá-las de forma crítica e eficaz.

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Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz 1

Hélio Roberto Hékis 2

Jamerson Viegas Queiroz 3

Lucas Ambrósio B. de Oliveira 4

Natália Veloso Caldas de Vasconcelos 5

Contribuição dos Sistemas Integrados de Gestãopara as Práticas de Ensino e Aprendizagem

Contribuição dos Sistemas Integrados de Gestãopara as Práticas de Ensino e Aprendizagem

Contribuição dos Sistemas Integrados de Gestãopara as Práticas de Ensino e Aprendizagem

Resumo

Este artigo tem como objetivo evidenciar a importância que um sistema de gestão tem para uma IES, e como este sistema, pode colaborar com as práticas de ensino e aprendizagem, e isto será feito através de um estudo de caso na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Como justificativa para o estudo temos a universidade como um ambiente nos quais muitas pessoas tem pouco tempo para desenvolver as atividades, o uso de ferramentas evoluídas tecnologicamente, neste caso o sistema de gestão, facilitaria bastante o cotidiano das pessoas. A problemática de pesquisa gira em torno do seguinte questionamento: como um sistema de informação pode contribuir para as práticas de ensino. A metodologia empregada consistiu em duas etapas, revisão bibliográfica e estudo de caso. Na Universidade Federal do Rio

Grande do Norte sendo que o objeto de estudo foi o Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas, o (SIGAA). Os resultados encontrados evidenciaram a importância de um sistema de gestão para a prática do ensino e aprendizagem, e isso foi feito através da descrição do sistema de informação, mostrando a utilidade de seus módulos. A conclusão que pode ser feita é que o sistema de informação integrado a gestão universitária, envolve processos mutuamente dependentes de credibilidade, agilidade e recuperação rápida das informações, colaborando também para o relacionamento professor-aluno, tornado os processos mais eficientes.

Palavras-chave: Gestão Universitária; Sistemas de gestão; Ensino.

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1 Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz - Doutora e Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Email: [email protected]

2 Hélio Roberto Hékis - Doutor em Engenharia de Produção e Serviços. Mestre em Administração - Gestão Estratégica das Organizações. Contador e Auditor CRC-SC 14.844; Professor do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção da - UFRN; Pesquisador do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS-UFRN); Avaliador Institucional e de Cursos do INEP/MEC; Cel: +55(84) 8116-6096; Sites: http://lattes.cnpq.br/9599726799047515 http://www.docente.ufrn.br/hrhekis

3 Jamerson Viegas Queiroz - Doutor em Engenharia de Produção e mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Email: [email protected]

4 Lucas Ambrósio B. de Oliveira - Mestrando em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: [email protected]

5 Natália Veloso Caldas de Vasconcelos - Mestranda em Engenharia de Produção na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: [email protected]

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CONTRIBUTION OF INTEGRATED SYSTEMS MANAGEMENT PRACTICES FOR TEACHING AND LEARNING

Abstract

This article aims to highlight the importance of a management system for an HEI has, and how this system can work with the practices of teaching and learning, and this will be done through a case study at F e d e r a l U n i v e r s i t y o f R i o G r a n d e do North. As justification for the study have the university as an environment in which many people have little time to develop the activities, the use of technologically advanced tools, case management system, greatly easing the daily lives of people. The issue of research revolves around the question: as an information system can contribute to teaching practices. The methodology used consisted of two phases, literature review and case study. At the Federal University of Rio Grande do Norte and the object of which was to study the Integrated Management of Academic Activities, the (follow). The results showed the importance of a management system for the practice of teaching and learning, and this was done through the description of the information system, showing the usefulness of its modules. The conclusion that can be made is that the integrated information system to the university administration, involves mutually dependent processes of credibility, agility and quick retr ieval of information, also con t r ibu t ing to the t eacher- s tuden t relationship, making processes more efficient.

Keywords: University Management, Systems Management, Education.

1. Introdução

Tem sido notável o avanço da internet para áreas diferenciadas do conhecimento a partir de 1995. A ampliação da utilização da internet

do âmbito acadêmico para a sociedade em geral, com sua posterior entrada na área governamental, figurou o início do uso de novas tecnologias da informação na prestação de serviços, como também de oferta de informações para cidadãos, fornecedores e servidores.

Segundo Nascimento e Araújo (2006), o ensino superior no país tem passado por diversas dificuldades, sejam elas financeiras, de planejamento, ou até de redefinição nas metodologias de ensino, algumas instituições encontram, por iniciativas próprias, formas para dinamizar o ensino, auxiliando diretamente na melhoria da qualidade na formação dos acadêmicos.

A busca das instituições de ensino superior, por melhores formas de gerenciamento de informações, pode ser justificada pelo fato entender como a construção de percepção de qualidade de serviço é particularmente fundamen ta l na ges t ão de se rv iços educacionais (RUBINSZTEJN e PALACIOS, 2010). Ainda conforme esses últimos autores, essas iniciativas tornam-se possíveis através de projetos, voltados para a melhoria do ensino. Os objetivos desse tipo de projeto visam, basicamente, dinamizar as aulas e preparar o aluno para a realidade do mercado de trabalho, tornando o estudo cada vez mais prático, em vez do estilo tradicional de ensino, que ainda é muito utilizado no país. Sendo assim, tem-se uma reestruturação da metodologia do ensino na graduação.

Conforme Burgarelle e Carvalho (2006) o avanço das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) impactou toda a sociedade com a perspectiva de acesso a informações para melhoria de vida e trabalho. O processo de globalização, aliada ao avanço das TICs, transformou a forma de competição no mercado, seja ela entre empresas, ou entre Instituições de Ensino Superior (IES), essas que passaram a depender da criação impulsionadora de novos conhecimentos e da inovação para otimização de processos,

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buscando a melhoria de produtos e serviços para satisfação dos clientes.

Devido à demanda por disseminação de conhecimento, as IES estão buscando auxílio junto às ferramentas tecnológicas, como exemplo os s is temas de informação acadêmica, que auxiliam e ampliam as atividades de geração, organização e transferência do conhecimento para fora do limite físico da sala de aula.

De acordo com as informações explanadas anteriormente, o pressente artigo tem como objetivo evidenciar a importância que um sistema de gestão tem para uma IES, e como este sistema, pode colaborar com as práticas de ensino e aprendizagem. Essa análise será feita através de um estudo de caso na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Buscou-se ainda identificar as melhorias que um sistema de gestão traz para as IES, no que diz respeito à agilidade nos processos e confiabilidade de dados.

Como justificativa para o estudo temos a universidade como um ambiente nos quais muitas pessoas tem pouco tempo para desenvolver as atividades, o uso de ferramentas evoluídas tecnologicamente, neste caso o sistema de gestão, facilitaria bastante o cotidiano das pessoas, facilitando o acesso à informação e contribuindo também para a comunicação efetiva de alunos e professores. Considerando o que já foi explanado, o cerne desta pesquisa gira em torno do seguinte questionamento: como um sistema de informação pode contribuir para as práticas de ensino.

A organização do presente estudo inicia-se com essa abordagem introdutória, seguida pela seção 2, fundamentos teóricos, na qual se aborda: práticas de ensino e aprendizagem, tendo a intenção de aprimorar conceitos hoje utilizados por estudiosos da área. A seção 3 ainda referente ao corpo teórico do estudo aborda conceitos de sistema de informação gerencial no escopo das práticas de ensino e aprendizagem. Posteriormente, a seção 4,

metodologia, traz os métodos de pesquisas utilizados durante o atual estudo. Na seção 5, encontra-se o estudo de caso, mostrando como o sistema de informação utilizado pela UFRN colabora com as práticas de ensino. Em seguida, os resultados dessas análises podem ser observados na seção 6 e as considerações finais encontram-se na seção 7. Finalizando na seção Referências são apresentadas as bibliografias utilizadas na pesquisa.

2. Práticas de ensino e aprendizagem

Conforme Miranda (2010), o processo de Ensino-Aprendizagem é um dos campos mais férteis de contribuições nos últimos anos no Brasil. Nesse sentido, muitos focos de preocupações já foram levantados no interior do referido processo, bem como muitas foram as descobertas no sentido de melhorar sua qualidade.

Destarte, a preocupação sobre esse processo não se limita ao Brasil, em um estudo recente patrocinado pela Comissão Européia reconhece que, nos últimos anos, numerosas pesquisas mostraram uma preocupante queda de interesse dos jovens para o estudo científico (ROCARD et al., 2007 apud VILCHES, 2010). Ainda de acordo com esse autor, o citado processo tem sido alvo de críticas, em grande parte, devido ao seu distanciamento das questões práticas do dia-a-dia, como afirma Cole (1990). Para o referido autor, numa perspectiva sócio-histórica, a atividade prática está inserida no sistema de relações sociais e dele é dependente (tais como a aprendizagem), representando a unidade, e sem a qual as ferramentas oferecidas pela educação formal “enferrujam” e “caem em desuso” (COLE, 1990).

De acordo com Vasconcelos (2006) as IES são fontes multiplicadoras do saber e forte formadoras de opinião, e, por conseguinte, responsáveis por prepararem as pessoas para aprenderem a agir e a pensar por conta própria. As IES têm o compromisso de

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promover, constantemente, a produção de novos conhecimentos, o compartilhamento e o uso desse conhecimento.

Segundo Burgarelle e Carvalho (2006) existem várias tecnologias baseadas na Web como o e-learning e o portal corporativo que podem apoiar iniciativas de aprendizagem e gestão do conhecimento no ambiente acadêmico, pois essas ferramentas promovem acesso, compartilhamento de informações acadêmicas e conhecimentos de professores para professores, entre alunos e, professores e alunos.

Neste estudo será focado, no escopo da tecnologia de informação, o papel do sistema de informação acadêmico, dentro do processo ens ino-aprendizagem, bem como as contribuições deste sistema, visando facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Na seção seguinte, alguns conceitos sobre sistemas de informações.

3. Sistema de informação gerencial

De acordo com Schimitt (2004) grande parte das empresas está ciente da importância das informações para o seu processo de gestão e tomada de decisão, mas parece não se dar conta que o valor da informação está no seu uso e não na sua geração.

As transformações no ambiente empresarial acarretam para as organizações reações mais rápidas e mais inteligentes. A gestão da informação reforça seu papel fundamental na adequação às mudanças impostas pelo mercado (ROSINI e PALMISANO, 2003).

De acordo com Ochoa e Ochoa (2010) supõe-se que as tecnologias TIC’s devem ser inseridas no mundo da educação através da sua presença nas IES. Enormes esforços têm sido feitos para integrá-los, seja através de programas governamentais ou de esforços, todas destinadas a proporcionar recursos para IES, através de recursos materiais e humanos, de forma visível, que vai resultar em

melhorias no processo de ensino, educação e aprendizagem. Ainda conforme o autor, esta suposição é explicada pelas necessidades exigentes de sociedade de hoje, onde a informação torna-se um recurso fundamental para a integração cultural dos indivíduos, resultando em necessidade de melhorar as capacidades do seu acesso aos conhecimentos e conhecimentos através dessas ferramentas tecnológicas.

Buscando estreitar a relação entre sistema de informação gerencial, e as IES, Almeida (2002) diz que existem no mercado softwares disponíveis para o controle integrado na gestão de pequenas empresas, bem como para organizações de serviços, no caso as Instituições de Ensino Superior (IES), considerando desde estoques, controles financeiros, geração de faturas e pagamentos, o que facilita o trabalho de gestores destas organizações.

Segundo Tachizawa (2003) a gestão em ensino compreende um conjunto de decisões as quais propiciam um equilíbrio de interesses e forças dinâmicas dentro de um universo de pesquisa, ensino e extensão. A gestão passa a ser enfocada de forma sistêmica, ou seja, entendida como um conjunto de decisões assumidas a fim de obter um equilíbrio dinâmico entre missão, objetivos, meios e atividades acadêmicas e administrativas. Tachizawa (2003) também ressalta que o enfoque sistêmico propicia uma visão macroscópica da instituição de ensino, que é o ponto de partida para concepção do modelo de gestão que possibilitaria à IES responder eficazmente à nova realidade, de concorrência acirrada e de mudanças nas expectativas dos clientes.

4. Metodologia

A pesquisa realizada teve uma abordagem do tipo qualitativa. A classificação da pesquisa levando em consideração os objetivos tem caráter exploratório. Quanto ao planejamento

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da pesquisa optou-se pe la pesquisa bibliográfica e pelo estudo de caso. A instituição que escolhida para o estudo de caso foi a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, localizada em Natal, no nordeste do Brasil, abordando o Sistema Integrado de Gestão Acadêmica da IES desenvolvido pela Instituição. A metodologia da pesquisa descreve as etapas que serão utilizadas no decorrer da pesquisa que o objetivo seja cumprido, ou seja, compreender e conceituar práticas de ensino e aprendizagem e sistema informação gerencial; analisar o sistema utilizado pela UFRN, bem como seus relatórios e indicadores gerados pelo próprio sistema; apresentar de que maneira o sistema de informação contribui para a relação ensino e aprendizagem.

4.1. Estudo de caso

Atualmente a UFRN oferece 75 cursos de graduação presencial e 73 cursos de pós-graduação. Sua comunidade acadêmica é formada por mais de 33.000 estudantes (graduação e pós-graduação), 3.108 servidores técnico-administrativos e 1.760 docentes. A universidade está passando por um período de crescimento acelerado, e parte desse crescimento está associada ao Programa REUNI, por meio do qual, no ano de 2008, o projeto viabilizou a criação de 16 novos cursos de graduação nos campi de Natal, Caicó, Currais Novos, Santa Cruz e Macaíba (Jundiaí).

A ampliação em cursos novos e em cursos existentes gera 2.700 novas vagas até o ano de 2012. Tendo em vista esse cenário e a necessidade de sistemas integrados cada vez mais eficientes e que facilitem a tomada de decisões, a Universidade desenvolveu um Sistema Institucional Integrado de Gestão que é composto por cinco sistemas, direcionados a públicos diferentes, com utilidades diferentes

e com vários níveis de acesso, a saber: SIPAC ( S i s t e m a I n t e g r a d o d e P a t r i m ô n i o , Administração e Contratos); SIGAA (Sistema In tegrado de Ges tão de At iv idades Acadêmicas); SIGPRH (Sistema Integrado de Gestão, Planejamento e Recursos Humanos); SIGAdmin (Sistema de Administração dos Sistemas - Técnica e Gestão); SIGED (Gerenciador Eletrônico de Documentos). Além desses sistemas, existe o iProject (Sistema Integrado de Gerência de Projetos) que foi desenvolvido com objetivo de gerenciar os processos de desenvolvimento dos demais sistemas (SINFO, 2011).

Porém o objeto deste estudo é o Sistema In tegrado de Ges tão de At iv idades Acadêmicas (SIGAA). O SIGAA é o sistema responsável pelos procedimentos ligados à gestão acadêmica e possui trinta e um módulos que estão relacionados com a natureza da atividade que é oferecida, a saber: graduação, pós-graduação (stricto e lato sensu), ensino técnico, ensino médio e infantil, submissão e controle de projetos e bolsistas de pesquisa, submissão e controle de ações de extensão, submissão e controle dos projetos de ensino (monitoria e inovações), registro e relatórios da produção acadêmica dos docentes, atividades de ensino a distância e um ambiente virtual de aprendizado (chamado de Turma Virtual), dentre outros (SINFO, 2011).

Em face da importância desse módulo, para o desenvolvimento de atividades acadêmicas, e n v o l v e n d o d i s c e n t e s , d o c e n t e s e coordenações de curso e departamentos, justifica-se a escolha dos mesmos para análise neste artigo: pelo fato de ser um dos principais sistemas utilizados na Instituição, e o que principal no que tangem a áreas de gestão acadêmica da Universidade, de tal forma que influência diretamente na relação professor-aluno, e pode influenciar na relação de aprendizagem dos estudantes. No capítulo seguinte, serão apresentados os resultados obtidos a partir da análise em questão.

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5. Resultados

A pesquisa pode comprovar a relevância que o Sistema Integrado de Gestão e Atividades Acadêmicas tem para os alunos, devido ao acesso às informações acadêmicas como notas, freqüência, calendário e plano de ensino. Para quantificar melhor esta informação, abaixo segue a tabela 1, na qual apresenta a quantidade de acesso que o SIGAA tem por dia, sendo organizado de acordo com os dias da semana, vale ressaltar que não somente os alunos acessam os sistemas, assim como professores, e colaboradores de apoio, como as secretarias dos departamentos e dos centros.

Média de Acesso/Dia Dias

1.318.226 Segunda

1.255.088 Terça

1.230.030 Quarta

1.153.171 Quinta

978.386 Sexta

570.564 Sábado

519.711 DomingoTabela 1 – Média de acesso ao SIGAA, por dia.

Fonte: SINFO (2011).

Em posse das informações sobre o acesso ao sistema, é possível identificar que o mesmo

é acessado por grande parte dos alunos, professores e colaboradores da universidade, sendo isto positivo para o desenvolvimento das atividades da disciplina, visto o acesso ao sistema pelos alunos é um indicativo de interesse pelos assuntos da universidade.

Na figura 1, abaixo, é possível observar quais campos o SIGAA possui, e como o professor pode interagir com o aluno, b u s c a n d o m o d e r n i z a r e s t a r e l a ç ã o , contribuindo para a melhora da mesma.

O aluno ao se matricular em uma disciplina, em qualquer que seja, tem um ambiente como o descrito na figura 1, onde no canto esquerdo, é possível observar campos como, plano de curso, onde o professor informa carga horária, ementa, objetivos e cronograma da disciplina, o campo, participantes, onde o aluno pode acessar quais os componentes da turma, o fórum, onde é permitida a criação de um ambiente de interação entre alunos e professor, e o campo chat, que é um bate-papo em tempo real. Outro importante recurso que o SIGAA tem é o de inserção de documentos, o professor pode disponibilizar arquivos para os alunos, independente do formato do arquivo. É válido lembrar que esses recursos são disponíveis somente aos alunos matriculados na disciplina e ao professor ministrante da mesma.

Figura 1 - MODELO SIGAA.Fonte: Site do SIGAA (2011)

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Para quantificar o que foi dito sobre os recursos que o SIGAA oferece, a tabela 2 abaixo mostra a relação entre as disciplinas oferecidas, disciplinas em que os professores utilizam os recursos do SIGAA (em específico, a parte de inserção de arquivos) e o número de disciplinas que utilizam o fórum.

Total de Turmas Cadastradas 6.3266.326

Turmas que utilizam inserção de documentos 2.832 45%

Turmas que utilizam fóruns 949 15%

Tabela 2 - Informações sobre turmas que utilizam o SIGAA.

Fonte: SINFO (2011)

O diagnóstico feito perante o SIGAA é que o sistema contribui para a melhor interação aluno e professor, assim como, através de seus recursos, ajuda na aprendizagem do aluno ao fornecer um contato mais fácil e rápido com os professores por meio de suas ferramentas (fórum e chat), e permitem ao professor uma forma rápida e fácil de disseminar materiais e arquivos que podem ajudar aos alunos, isso tudo, através da internet: fonte de informação mais utilizada hoje no mundo todo. Para explicitar esta contribuição do sistema para a relação de professor-alunos, a tabela 3 abaixo, explana o volume de acesso ao sistema acadêmico, por professores e por aluno, por dia.

Volume de Acesso de Discentes 808.068

Volume de Acesso de Docentes 80.672

Total de Acesso 897.740Tabela 3 - Informações sobre discentes e docentes que

utilizam o SIGAA.Fonte: SINFO (2011)

6. Considerações Finais

Considerando o objetivo geral do presente estudo, ou seja, evidenciar a importância que um sistema de gestão tem para uma IES e como este sistema pode colaborar com as práticas de ensino e aprendizagem, isto foi

realizado por meio de um estudo de caso na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Apresentaremos, a seguir, os aspectos mais marcantes nesta área de atuação.

Buscou-se identificar as melhorias que um sistema de gestão traz para as IES, no que diz respeito à agilidade nos processos e confiabilidade de dados. Assim, o estudo justificou-se pela possibilidade de podermos analisar a Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como um ambiente em que muitas pessoas têm pouco tempo para desenvolver as atividades, o uso de ferramentas evoluídas tecnologicamente, neste caso, o sistema de gestão facilitaria bastante o cotidiano das pessoas, facilitando o acesso à informação e contribuindo também para a comunicação efetiva de alunos e professores.

Neste contexto, o objeto de estudo foi o Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), do qual destacamos que os resultados encontrados evidenciaram a importância de um sistema de gestão para a prática do ensino e aprendizagem, e isso foi feito através da descrição do sistema de informação, mostrando a utilidade de seus módulos.

Conclui-se dessa maneira, que o sistema de informação integrado à gestão universitária envolve processos mutuamente dependentes de credibilidade, agilidade e recuperação rápida das informações, colaborando para o relacionamento professor-aluno, tornado os processos mais eficientes e eficazes.

Por fim, conclui-se também, que o diagnóstico feito perante o SIGAA é que o sistema contribui para a melhor interação aluno e professor, assim como, através de seus recursos, ajuda na aprendizagem do aluno ao fornecer um contato mais fácil e rápido com os professores por meio de suas ferramentas (fórum e chat), e permite ao professor uma forma rápida e fácil de disseminar materiais e arquivos que podem ajudar aos alunos.

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Referências Bibliográficas

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Leonardo Dominguez Dias 1 Juan Felipe Restrepo Naranjo 2

Daniela Marques 3

Jorge Luis Risco Becerra 4

Fundamentos de uma Fábrica de Software Orientada a Objetos Processos

Fundamentos de uma Fábrica de Software Orientada a Objetos Processos

Fundamentos de uma Fábrica de Software Orientada a Objetos Processos

Resumo

Atualmente a demanda por softwares ou serviços de tecnologia de informação e sua complexidade têm aumentado, trazendo assim novos desafios à engenharia de software. A crescente demanda e complexidade também exigem uma maior produtividade, sempre a l i a d a à q u a l i d a d e n o s s o f t w a r e s desenvolvidos. Qualidade e produtividade que podem ser melhoradas utilizando algum modelo de qualidade ou de estruturas organizadas como fábricas de softwares. A fábrica de software é um modelo de produção e uma alternativa para desenvolvimento de software em diversas escalas. A comunidade de software entende essa definição utilizando o conceito de fábrica de manufatura, entretanto, existem características especiais na produção de software que o diferenciam do processo de manufatura. Por essas razões, este artigo apresenta os fundamentos relacionados com a fábrica de software baseada no conceito de objeto processo, em

que se levam em consideração um modelo de qualidade e os requisitos específicos de negócio da empresa.

Abstract

Nowadays the software engineering has new challenges based on the increased demand for software and technology services and their complexity. The increasing demand and complexity also ask for a bigger productivity, along with a good quality of the developed software. Quality and productivity can be enhanced by the use of a quality model or organized structures such as software factories. The software factory is a production model and works as an alternative for software development in various scales. The software community understands it by using the concept of manufacturing factory, but there are some special features in software production that differentiate it from the manufacturing process. For these reasons, this paper presents the foundations

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1 Leonardo Dominguez Dias - Mestre em Engenharia de Computação - fábrica de software USP. Engenheiro da Computação USP, Gerente de TI da USP. Arquitetura de Sistemas de Computação e projetos de implantação de fábricas de software.

2 Juan Felipe Restrepo Naranjo - Pesquisador do intercambio acadêmico engenharia de computação politécnica USP. E-mail: [email protected]

3 Daniela Marques - Mestre em Ciências da Computação e Matemática Computacional USP. Graduação em Ciência da Computação pela Escola de Engenharia de Piracicaba (1994), Profa. Pesquisadora IFECTSPE-mail: [email protected]

4 Jorge Luis Risco Becerra - Prof. Doutor pesquisador do Laboratório de Tecnologia de Software (LTS) do DP Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica – USP. Consultor na área de engenharia de software, SI, qualidade de software e automação. E-mail: [email protected]

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of software factory based on the concept of process object, in which a quality model and the business requirements are taken into consideration.

Palavras-chave: Fábrica de software, Processo de software, Objeto processo, Modelo de qualidade.

Keywords: Software factory, Software process, Process object, Quality model

Apresentação

Atualmente o mercado de software e serviços vem crescendo amplamente: em 2010 o Brasil terminou em 11º lugar no ranking mundial, movimentando 19,04 bilhões de dólares, equivalente a 1% do PIB brasileiro naquele ano. Das empresas que atuam no desenvolvimento e produção de software, 94% são classificadas como micro e pequenas empresas (ABES, 2011).

Entretanto, as médias e pequenas empresas têm dificuldade em aplicar modelos de qualidade em seus produtos. Não por falta de incentivo, mas sim por falta de um processo definido e controlado que ajude a inserir esse conceito em seu ciclo de desenvolvimento de software.

A falta de um método sistemático para adaptar os modelos de qualidade aos ambientes de desenvolvimento de software também é observada por Pedreira et. al. (2007). Esses autores fizeram uma revisão sistemática em artigos científicos sobre a adaptação de processos de software e mostram que 33% de todas as pesquisas analisadas não utilizaram abordagem formal. Complementando essa problemática, observa-se a falta de uma estrutura de referência para a formação de um ambiente de produção de software, mas, principalmente, de um consenso sobre o conceito de fábrica de software.

Este artigo apresenta os conceitos de fábrica de software no contexto de manufatura e o conceito básico de modelo de fábrica e suas várias formas na Seção 2. Na seção 3, é definido o conceito da visão processo, em que são introduzidos os termos objetos processos e arquiteturas de processos. A Seção 4 mostra um exemplo da proposta do artigo, descrevendo um estudo de caso realizado em uma empresa de pequeno porte. E, finalmente, a Seção 5 apresenta as conclusões deste trabalho.

2.1.Fábrica de SoftwareEsta sessão apresenta a análise da relação

da fábrica de software com a fábrica de manufatura, evidenciando o ponto central desse relacionamento que inspira a definição de fábrica de software integrada (FSI).

2.2. Fábrica na Manufatura

O termo fábrica é amplamente utilizado para referenciar a produção em massa de produtos não diferenciados em grandes volumes (Maximiano, 2000). As fábricas g e r a l m e n t e c o n t a m c o m p r o c e s s o s automatizados e têm como objetivo aumentar a eficiência produtiva.

H e n r y F o r d f o i q u e m a p l i c o u primeiramente os conceitos de produção em massa quando propôs e montou uma fábrica para automóveis, onde o produto era padronizado quanto a material, mão de obra, desenho e ao mínimo custo possível (Chiavenatto, 1983). A história da manufatura então continua e segue até a inclusão de robôs e equipamentos específicos de automação em grande escala, produzindo o que se denomina de estrutura de automação corporativa.

Dentro desse contexto corporativo, aparece o conceito de CIM (Computer Integrated Manufacturing) que visa a um sistema corporativo integrado, onde existe uma infraestrutura de interoperabilidade que

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permite a integração das diversas áreas da empresa como planejamento, chão de fábrica, marketing, entre outros. CIM entende a fábrica como uma corporação (enterprise) que trabalha de forma corporativa e cooperativa.

Dessa forma, a produção torna-se eficiente e flexível, como pode se ver em suas diversas propostas: células flexíveis de manufatura, produção sobre demanda, sistemas abertos de automação, engenharia simultânea.

Neste artigo, a fábrica de software se relaciona analogamente com conceito de fábrica de software integrada, como foi proposto no modelo CIM, com as devidas adaptações, pois se considera que a produção de software possui fortes diferenças se comparada à produção da manufatura.

2.3. Fábrica de SoftwareQuando se fala em fábrica de software, a

primeira e mais intuitiva noção que ocorre sobre o termo é a produção do software de maneira análoga à produção de bens e consumo (Cantone, 1992). Porém, é importante ressaltar que a comunidade de software, quando se refere à fábrica de software, fazendo uma analogia com a manufatura, utiliza apenas aos conceitos referentes ao chão da fábrica.

Há, contudo, outras utilizações do termo fábrica de software, que pode se referir à terceirização de serviços de software, à subcontratação ou à alocação de outras empresas para se p roduz i r se rv iço especializado e produtivo na criação ou na manutenção de software.

Ao se fazer uma pesquisa científica, verifica-se que o termo fábrica de software começou a ser utilizado pela indústria de software nos anos 60 e 70, nos Estados Unidos e no Japão (Cusumano, 1991).

A primeira fábrica de software foi da Hitachi Software em 1969, quando os executivos separaram as instalações de desenvolvimento de software das demais

áreas devido à crescente demanda de desenvolvimento. Os objetivos dessa fábrica eram produtividade e confiabilidade, atingidas através da padronização de processos e controles , e também a transformação de software em serviço desestruturado para um produto com nível de qualidade assegurado (Li et. al., 2001).

Esses esforços iniciais na direção de fábricas de software têm como semelhanças a criação de organizações centralizadas e sistemas específicos de gerenciamento e controle para famílias de produtos, métodos e ferramentas padronizados para produção desses produtos e suporte automatizado para o desenvolvimento e o gerenciamento do projeto.

Para Cantone (1992), uma fábrica de software deve: ser flexível, capaz de produzir produtos dentro de um segmento de mercado; implementar os conceitos de engenharia de software (metodologia e ferramentas); ser capaz de analisar, projetar, implementar, evoluir e melhorar os sistemas. Essa definição se apresenta mais abrangente, considerando fábr icas de sof tware empresas que desenvolvem software através da linha de montagem como também da montagem de componentes.

A afirmação que uma fábrica de software não deveria ser analisada como na manufatura, já foi discutida por Rockwell e Gera (1993). No entendimento desses autores, não se pode utilizar o mesmo processo de software para produtos diferentes. Assim, o entendimento do produto a ser feito torna-se indispensável.

Para Li et. al. (2001), a essência da fábrica de software pode estar sintetizada nos c o n c e i t o s f o c a d o s n o m é t o d o d e gerenciamento e de desenvolvimento. Panigassi (2007) faz uso dessa definição. Para o autor, a fábrica de software é a organização previsível e controlada dos elementos que compõem a produção de software. Esses elementos são processos, recursos e

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conhecimentos, ou seja, não limita a fábrica de software a uma empresa destinada somente à codificação, ou uma empresa que execute todo o ciclo de vida do software. Na definição se enquadram fábricas de especificações, fábrica de arquiteturas, fábrica de testes, entre outras, desde que sejam organizadas e controladas.

Segundo Borsoi (2008), fábrica de software é um ambiente de desenvolvimento de software constituído por processos que envolvem o ciclo de vida de software e que são categorizados em níveis hierárquicos corporativos: estratégico, gerencial e operacional. Os processos são definidos de acordo com normas e modelos de qualidade de software.

A definição de fábrica de software utilizada neste trabalho foi elaborada a partir da definição de Borsoi (2008), incluindo nessa definição que o ambiente de software

para ser chamado de fábrica deverá ser criado a partir dos requisitos de negócio da empresa. Essa definição abrangente envolve todas as atividades ligadas à produção do software, às atividades de gestão e controle, às ações estratégicas de negócio (missão, metas, objetivos) e envolve os sistemas de informação. Essa fábrica de software deverá ter seus processos controlados e organizados em níveis hierárquicos como o modelo CIM (Computer Integrated Manufactoring).

2.4. Modelo Integrado de Fábrica de Software

Conceitua-se Fábrica de Software Integrada (FSI) como uma empresa que c o n t é m t o d o s o s d e p a r t a m e n t o s organizacionais necessários para a realização de sua atividade.

Figura 1 - Visões da fábrica de software integrada (Borsoi 2008)

Nível Hierárquico Processos

Estratégico Reúne os processos ligados ao direcionamento e à tomada de decisões do negócio; trabalham com a missão, visão e metas da empresa. Processos estratégicos.

Gerencial Reúne os processos que gerenciam os processos operacionais. Processo da garantia da qualidade, configuração, monitoração, entre outros.

Operacional Reúne os processos que executam as atividades de desenvolvimento dos produtos da organização. Processo de desenvolvimento de software.

Tabela 1 – Processos por níveis hierárquicos

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A F i g u r a 1 a p r e s e n t a n í v e i s h i e r á r q u i c o s , d e p a r t a m e n t o s organizacionais e as visões da FSI. O primeiro elemento da FSI são os níveis hierárquicos que agrupam os processos como se apresentam na Tabela 1.

O segundo elemento da FSI, são os departamentos organizacionais que representam as divisões da empresa ou modelo organizacional.

O terceiro e último elemento da FSI, e o mais importante, são as visões. Elas são abstrações que representam as diversas características da fábrica de software como é mostrado no RM-ODP (1996). Cada visão possui modelos distintos que facilitam o projeto de criação de uma fábrica de software.

Seguindo o modelo de FSI, é possível identificar os seguintes tipos de fábrica de software:

a) Segundo a visão de processo e o b s e r v a n d o o p r o c e s s o d e desenvolvimento, tem-se a fábrica de programação, a fábrica de arquitetura, a fábrica de especificações, ou a fábrica completa, que tem todas as atividades relacionadas ao ciclo de produção de software, abrangendo desde a definição dos requisitos até a descontinuidade do produto, incluindo suporte e manutenção;b) S e g u n d o o s d e p a r t a m e n t o s organizacionais, a fábrica de software pode ser a empresa completa, como uma empresa especial izada de produção de software, ou pode ser um departamento de uma empresa, responsável por produzir ou adquirir software alinhado às necessidades de negócio de uma organização.

Dentro desse contexto, a estruturação de uma fábrica deve ser realizada considerando todas as visões, mas conclui-se que a visão processo será a

visão mais importante. A seguir, apresentam-se os elementos da visão processo.

3.Elementos da Visão Processo

A visão processo é uma abstração conceitual dos processos que são definidos pelos objetos processos que, por sua vez, são agrupados em uma arquitetura corporativa, como se vê a seguir.

3.1. Objeto ProcessoSegundo Panigassi (2007), um objeto

processo é composto de métodos e propriedades. Os métodos são as atividades e as tarefas do processo, as propriedades são os atributos específicos do processo. Esse conceito de objetos processos também é adotado por outros modelos como o SPEM (OMG, 2005) e o BPDM (List e Korherr, 2006).

A Figura 2 apresenta o conceito de um objeto processo com os elementos que o compõem. O objeto é identificado pelo nome. Seus atributos são artefato, papel, recurso e política. E o objeto também c o n t é m a s o p e r a ç õ e s q u e s ã o representadas pela ação das atividades que se utiliza de papel, recurso e política para gerar o artefato.

Figura 2 – Objeto processo

Desta maneira, o objeto processo proposto é definido por identidade, atributos e comportamento como nos objetos computacionais. É bom ressaltar que as operações do objeto processo e as

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ações resultantes de relacionamento entre objetos processos são observadas através do recurso, papel e artefato.

Conclui-se que o objeto processo é o elemento básico da visão processo e do seguinte conceito, denominado de arquitetura de processos.

3.2. Arquitetura de ProcessosSegundo Borsoi e Becerra (2008), a

arquitetura de processos é um modelo conceitual de fábrica de software constituído de objetos processos. Esse modelo representa uma estrutura de processos que, por sua vez, são representados por objetos processos em t e r m o s d e s u a c o m p o s i ç ã o , comportamentos e relacionamentos, de

acordo com um domínio e com um contexto específico. A arquitetura de processos é constituída pelos seguintes modelos

a) Modelo estrutural: possui enfoque na estrutura dos objetos processos e de seus componentes. Os modelos são os diagramas de objetos processos;b) Modelo comportamental: possui enfoque no comportamento dos objetos de processo nas atividades da produção de softwares. Os modelos a utilizar são os diagramas de estado de processo.A arquitetura de processos possui

diferentes níveis de abstração na sua representação como se pode ver na Figura 3.

Figura  3  –  Níveis  de  abstração  entre  arquiteturas  de  processo

A arquitetura de referência é gerada a partir de um dos modelos de qualidade como o CMMI, MPS.BR ou ISO 12207. Arquitetura operacional é o resultado da instanciação da arquitetura de referência, considerando os requisitos de negócio de uma empresa, ou seja, é a arquitetura de processos representando uma fábrica de software específica.

A arquitetura de projeto é o resultado d a i n s t a n c i a ç ã o d a a r q u i t e t u r a operacional, considerando os requisitos específicos de um projeto de software, ou seja , é a arqui tetura de projeto representando um projeto especifico.

A criação de uma arquitetura de software segue uma metodologia de de f in i ção de p roces sos que fo i apresentada em Panigassi (2007), Borsoi (2008) e Dias (2010). Na Seção 4 é apresentado um exemplo de arquitetura de processo.

4. Arquitetura de processos em pequena empresa

Nesta seção mostra-se um exemplo prático da proposta descrita. O estudo de caso foi realizado em uma empresa de

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pequeno porte, com sede em São Paulo. Essa empresa atua no negócio do desenvolvimento de software para o mercado corporativo desde 1996. O seu produto principal é um módulo comercial (ERP) que é customizado para cada cliente específico. A empresa possui todos os elementos de uma FSI, contendo nível hierárquico, visões e departamentos. Sendo assim, essa microempresa é considerada uma fábrica de software completa.

Conforme explicado anteriormente, a arquitetura de processos possui níveis de abstração diferentes. Neste estudo de caso, a arquitetura de referência foi baseada no modelo de qualidade CMMI. A arquitetura de processos de nível

operacional teve como base os requisitos d e n e g ó c i o d a e m p r e s a d e desenvolvimento de software. E, para o nível de projeto, a instanciação deverá ser realizada no nível de projeto, respeitando suas particularidades.

O diagrama de objetos processos (vide Figura 4) representa a arquitetura operacional de processos da fábrica. Os pacotes de objetos processos representam a hierarquia, e nos objetos processos do pacote de engenharia constam técnicas e métodos para o desenvolvimento de software no nível operacional, e no pacote de gerenciamento do projeto encontram-se informações relevantes para o nível gerencial.

Figura 4 – Arquitetura de Processos

Considerações finais

Motivado pela necessidade de se produzir software com rapidez e qualidade, este artigo apresenta uma proposta de fábrica de software orientada

a objetos. Primeiramente, o conceito de fábrica de software utilizado neste artigo mostra que a fábrica de software deve levar em consideração a empresa como um todo, de maneira análoga ao conceito de CIM ut i l izado na fábrica de manufatura. A proposta de fábrica de software entende que a produção de

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software possui particularidades e, por isso, adaptações devem ser feitas no conceito CIM. No entanto, é evidente que a fábrica trabalha de maneira corporativa e cooperativa envolvendo todo o ambiente integrado.

O objeto processo proposto no artigo f u n c i o n a d e f o r m a a n á l o g a a o desenvolvimento de software orientado a objeto. No desenvolvimento de software primeiramente se identificam os objetos e, posteriormente, se definem a estrutura e o comportamento desses objetos. Para definir processos, o processo seria o objeto abstraindo os seus componentes, que posteriormente serão detalhados juntamente com seus atributos e comportamentos.

Os objetos processos compõem a arquitetura de processo, que permite diferentes visões dependendo do nível de abs t ração . Essas abs t rações são compostas por modelos que compõem a arquitetura de processo.

A arquitetura de processo pode ser detalhada em três níveis de abstrações, que são representados por: arquitetura de referência (leva em conta modelos de qualidade), arquitetura operacional (considera os requisitos de negócio) e arquitetura de projeto (considera os requisitos específicos de cada projeto de software).

A arquitetura de referência é a base para definição das demais arquiteturas e sua criação tem como base um dos modelos de qualidade, como CMMI, MPS.BR e ISO12207. Essa prática é o primeiro passo para se melhorar a qualidade do produto, que é um dos ob je t ivos a s e rem a t ing idos na implantação da fábrica de software orientada a processos.

Com a aplicação desta proposta em empresas reais, fica evidenciado que a fábrica de software orientada a objetos processos é flexível para se adaptar a diferentes ambientes de desenvolvimento de software, tipos de negócio e gestão.

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Adriano Carlos Amorim de Paiva Sousa 1Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz 2

Marciano FurukavaJamerson Viegas Queiroz 3

Rudá Barros Carlos de Amorim 4

As políticas públicas para desenvolver a economia local do Rio Grande do Norte e a contribuição do turismo no litoral

norte

As políticas públicas para desenvolver a economia local do Rio Grande do Norte e a contribuição do turismo no litoral

norte

As políticas públicas para desenvolver a economia local do Rio Grande do Norte e a contribuição do turismo no litoral

norte

Resumo

O turismo vem contribuindo de maneira significativa para o desenvolvimento social e econômico da sociedade, principalmente por se tratar de uma atividade relativamente sustentável e capaz de atingir áreas, na sua maioria, descabidas de potencial para outras atividades econômicas, em algumas praias do Rio Grande do Norte essa é a principal fonte de empregos e recursos para a população. Com a proximidade de eventos de grande visibilidade, tais como copa do mundo de futebol da FIFA e olimpíadas, existe grande especulação acerca oportunidades de negócios no setor turístico. O poder público tem papel fundamental para proporcionar a atração de investidores e garantir a infra-estrutura necessária para o desenvolvimento local. O estudo de caso apresenta a análise de ambiente na praia de Maracajaú, onde se avalia a implantação de empreendimentos hoteleiros, suas principais necessidades e a importância de políticas públicas que fomentem a atividade na região. A contribuição aos empreendedores

e gestores que se interessem por turismo, desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade.

Palavras chave : turismo, estratégia, economia, poder público, Maracajaú.

Resumen

El turismo viene contribuyendo de forma significante para el desarrollo social y econômico de una sociedad, principalmente por tratar-se de una actividad relactivamente sostenible y capaz de llegar en áreas, que em su mayoria, no posuien ningún outro potencial para actividades econômicas, en algunas playas del Rio Grande do Norte ese és el principal medio de emplear y captar recursos la población. Con la proximidad de eventos de grand visibilidad, así como el mundial de futbol de FIFA y las Olimpíadas, existe una grán visibilidad acerca de las oportunidades de negócios en el setor turístico. El poder público tiene um papel fundamental en buscar

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1 Adriano Carlos Amorim de Paiva Sousa - Doutor em Engenharia de Produção e Serviços - Área de concentração - Gestão de Negócios pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2004). Mestre em Administração

2 Fernanda Cristina Barbosa Pereira Queiroz. Doutora e Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003) E-mail: [email protected]

3 Jamerson Viegas Queiroz - Doutor em Engenharia de Produção e mestre em Economia pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]

4 Rudá Barros Carlos de Amorim - Doutor em Engenharia de Produção e Serviços - Área de concentração - Gestão de Negócios pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2004). Mestre em Administração

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investidores y garantir la infra-estructura necesaria para el desarrollo local. Este trabajo presenta una analise de ambiente en la playa de Maracajaú, donde se avalua la implantación de empreendimientos hoteleros, sus principales necesidades y la importancia de políticas publicas que incentiven a tal actividad en la región. La contribuicion de los empreendedores y gestores que se interesen por el turismo como actividad sostenible proporcionando el desarrollo economico y social.

Palavras llaves: Turismo, estratégia, economia, poder público, Maracajaú.

1. Introdução

A área de turismo vem ganhando importância e ampliando seus horizontes de forma acelerada no cenário nacional e internacional, pois é uma atividade com grande capacidade de geração de emprego e de renda, contribuindo significativamente para o crescimento e desenvolvimento das nações. Essa atividade envolve uma diversidade muito g rande de negóc ios , desde aque les relacionados diretamente ao turismo até os negócios indiretos necessários para a viabilização da atividade.

Com clima tropical, rico em belezas naturais e culturais, o Brasil atrai grande número de turistas do mundo inteiro, durante praticamente o ano todo. O aumento do número de visitantes nos últimos anos, crescimento do turismo doméstico e as perspectivas otimistas de crescimento econômico, impulsionam um crescimento acelerado do setor turístico no país, que se prepara para sediar a copa do mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. De acordo com a secretaria de turismo do Rio Grande do Norte (R.N.): “Além da capital Natal, o estado tem como destinos mais visitados a cidade de

Mossoró e as praias de Pipa, Genipabu e Maracajaú”.

A base da oferta existente da indústria hoteleira no Brasil é formada, ainda hoje, por h o t é i s d e p e q u e n o e m é d i o p o r t e , frequentemente de propriedade familiar (RODRIGUES, 2002). Em geral, o aumento de investimentos no setor hoteleiro está correlacionada à situação econômica do país, porém com certa defasagem. Já o crescimento da demanda, diretamente associado ao crescimento da renda, está correlacionada mais prontamente ao crescimento da economia.

As políticas públicas podem ser entendidas como o “conjunto de ações e omissões do Estado para resolver problemas que afligem a sociedade” (FONSECA, 2005), porém, em razão das demandas superarem a capacidade do Estado de responder às mesmas, se faz necessário estabelecer prioridades. Dessa forma, as políticas de turismo, que podem ser entendidas como os conjuntos de decisões em m a t é r i a t u r í s t i c a q u e , i n t e g r a d a s harmonicamente no contexto da política nacional de desenvolvimento, orientam a condução do “setor”.

O presente artigo tem como objetivo analisar estrategicamente como o poder público pode fomentar a atividade turística no litoral norte do RN - Brasil. Associado ao objetivo geral traçou-se os seguintes objetivos específicos: (i) avaliar o mercado do turismo e suas perspectivas; (ii) realizar análise ambiental acerca da implantação de empreendimento hoteleiro; e (iii) sugerir ações que devam ser tomadas pelo poder público para melhorar as condições do local, visando fomentar a atividade turística.

Considerando tais proposições, norteamos nossa pesquisa com foco no seguinte questionamento: como o poder público pode fomentar a atividade turística no litoral norte do RN? Para responder à questão proposta, objetivou-se entender a estrutura do mercado turístico e suas perspectivas, além da análise

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ambiental acerca da implantação de empreendimento hoteleiro, juntamente com suas oportunidades e limitações, a fim de avaliar as principais necessidades dos empresários em relação ao poder público.

A organização do presente estudo inicia-se com essa abordagem introdutória, seguida pela seção 2, fundamentos teóricos, na qual se aborda a planejamento estratégico, políticas públicas no estado e o turismo e suas perspectivas para os próximos anos. A seção 3, metodologia , t raz os procedimentos metodológicos utilizados durante o atual estudo. Posteriormente, a seção 4 expõe os estudos de caso realizados acerca da análise ambiental do turismo na praia de Maracajaú e as políticas públicas necessárias para fomentar a atividade no local. Em seguida, os resultados dessas análises podem ser observados na seção 5. Na seção 6, encontram-se as considerações finais do estudo, além de sugestões para possíveis trabalhos futuros e finalmente na seção 7 Referências são apresentadas as bibliografias utilizadas na pesquisa.

2. Referencial Teórico2.1 Planejamento EstratégicoA partir do planejamento estratégico de

empreendimento hoteleiro de pequeno porte na praia de Maracajaú, será avaliado o ambiente ao qual este empreendimento estaria situado, para assim, avaliar a relação do poder público com o desenvolvimento do turismo local. Nesse contexto, seu planejamento deve ter um curso de ação, os planos estratégicos podem possu i r d i f e r en te s g raus de formalidade, abrangência, periodicidade de preparação, e vários outros atributos.

C h i a v e n a t o ( 2 0 0 0 ) p r o p õ e q u e “planejamento é a tarefa de traçar as linhas

gerais das coisas que devem ser feitas e dos métodos de fazê-las, a fim de atingir os objetivos da empresa”. Os autores Woiler e Mathias (apud LEMOS et al, 2006) destacam que o planejamento é um processo de tomada de decisões interdependentes, que procuram conduzir a empresa para uma situação futura desejada. Desta forma, o planejamento é uma das únicas ferramentas que os gestores podem utilizar para maximizar a gestão das organizações, sendo que este processo sistêmico permite a monitoração dos agentes, forças e resultados, tanto internos quanto externos.

Em geral os ambientes organizacionais estão estruturados em três níveis: geral, operacional e interno. A figura 1 ilustra os níveis e seus componentes.

De acordo com Kotler, Keller e Lane (2006), o processo de planejamento estratégico de mercado integra a gestão estratégica da organização, e contempla as seguintes etapas: missão do negócio, análise SWOT - análise do ambiente externo (oportunidades e ameaças) e Análise do ambiente interno (forças e fraquezas), estabelecimento de metas, formulação de estratégias, elaboração de programas, implementação, feedback e controle. Este trabalho irá limitar seu escopo à análise ambiental, para avaliar a relação do poder público com o desenvolvimento do turismo local.

Portanto, o planejamento estratégico do empreendimento é uma ferramenta que permite que o gestor tenha uma visão sistêmica do mercado e, permite que as tomadas de decisão sejam orientadas por um aparato de análise ambiental.

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Figura 1: Níveis de ambientes na organização e seus componentes.Fonte: Adaptado de Certo (2005)

2.2 O turismo no RN e as políticas públicas direcionadas para o setor

Segundo Cruz (2004), as regiões litorâneas, que dispõem de belas praias ensolaradas e de águas com temperaturas agradáveis (em torno de 28° C), isso aliado ao clima quente, com temperatura média entre 25 e 30° C praticamente o ano inteiro, encontram-se os espaços mais visitados do mundo pelos turistas, as quais constituem um recurso escasso do ponto de vista do uso pela atividade. Apesar dessa escassez, os governantes e as demais autoridades responsáveis pelo planejamento de políticas públicas no Brasil, até pouco tempo atrás, não tinham despertado pra essa possibilidade de uso do nosso litoral.

A atividade turística é uma importante alternativa econômica para o litoral do nordeste brasileiro, assim, passa a fazer parte de um discurso que envolve questões voltadas principalmente à economia, tal como o desemprego, e de forma secundária a problemas sociais como a má distribuição de renda. Baseados neste discurso, diversos investimentos foram realizados pelo governo

federal com o intuito de fomentar a atividade, por meio de programas de estruturação do território, como, por exemplo, a Política de Mega Projetos Turísticos e o Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR.

De acordo com Gomes e Silva (2000), os governos estaduais nordestinos, para viabilizarem uma nova opção econômica a partir do turismo, encontraram na paisagem litorânea um grande recurso a ser explorado, de modo que essa região do Brasil foi inserida nos roteiros e pacotes turísticos passando a ser vendida como um “Novo Caribe”, o “Novo Mediterrâneo”, a “Nova Flórida”.

O turismo ganha maior relevância como vetor de desenvolvimento para o Brasil a partir da turbulência política e da recessão econômica da década de 80, resultado da crise d o F o r d i s m o . A g r a v e s i t u a ç ã o socioeconômica, com al tas taxas de desemprego, foi a justificativa para que nos anos de 1990, a Empresa Brasileira de Turismo - EMBRATUR elaborasse uma política pública federal específica para o turismo, a Política Nacional de Turismo –

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PNT, que tinha como propósito alcançar alguns resultados, tais como (FONSECA, 2005):• Melhoria da qualidade de vida da

população de cidades litorâneas, com grande potencial turístico;

• Diversificação qualitativa dos bens e serviços produzidos e da infra-estrutura receptiva do turismo nacional;

• Geração de novos empregos e a manutenção dos já existentes;

• Qualificação e requalificação dos recursos humanos;

• Aproveitamento da mão de obra não q u a l i f i c a d a e s u a c o n s e q ü e n t e capacitação;

• Redução das desigualdades regionais;• Proteção ao meio ambiente e ao

patrimônio histórico e cultural;• Integração socioeconômica e cultural da

população;• In se r ção do Bra s i l no cená r io

internacional, construindo uma imagem externa positiva.

O PRODETUR/NE foi financiado com recursos do BID e teve no Banco do Nordeste o seu órgão executor. Segundo Fonseca (2005), no PRODETUR/NE, foram investidos cerca de US$ 670 milhões, distribuídos nos seguintes componentes: aeroportos (34%), saneamento básico (24%), transportes (12%), recuperação do patrimônio histórico (5%), desenvolvimento ins t i tuc ional (4%), preservação e proteção ambiental (3%) e outros (18%). Ainda de acordo com o autor, o Rio Grande do Norte, recebeu uma parcela de 9% desses recursos.

Os municípios selecionados pelo governo do Estado para fazer parte do PRODETUR/RN foram: Ceará-Mirim, Extremoz, Natal, Parnamirim, Nísia Floresta e Tibau do Sul, localizados no litoral oriental. Fonseca (2005). O quadro seguinte aponta a distribuição dos recursos no RN:

Tabela 1: Investimentos realizados pelo PRODETUR no Rio Grande do Norte (Brasil)Fonte: FONSECA (2005)

Afinal, é possível diagnosticar que as políticas públicas, deixaram de lado o litoral Norte do estado, em especial a praia de Maracajaú, que é um dos destinos mais

visitados por turistas, tendo concentrando os investimentos em Natal e litoral Sul. Diante dessa situação, é de grande importância a atuação do poder público na região, com

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políticas voltadas para as principais necessidades, que serão apontadas nas próximas páginas deste trabalho.

O próximo capítulo caracteriza o método que a pesquisa segue para buscar cumprir seus objetivos, relacionando as fontes de pesquisa e as principais instituições que dispõem de dados e informações acerca de turismo no estado do Rio Grande do Norte e as políticas públicas direcionadas para a atividade econômica no local.

3. Procedimentos Metodológicos

3.1. Caracterização do Método da Pesquisa

O presente trabalho é caracterizado, de acordo com a Metodologia Científica, como uma pesquisa qualitativa e quantitativa. O estudo se fundamenta primeiro numa análise quantitativa para avaliar aspectos

como: desempenho do turismo, taxa de ocupação dos leitos, desembarque de passageiros, visitantes a praia, entre outros dados que ilustrem a situação e perspectivas do turismo no estado do Rio Grande do Norte.

Em relação aos procedimentos utilizados, classifica-se como uma pesquisa básica, um estudo de múltiplos casos, com intuito de obter informações relacionadas ao turismo e as políticas públicas direcionadas para o setor, no litoral norte do RN.

3.2. Universo e AmostraO universo desta pesquisa é formado por

empreendimentos turísticos localizados na praia de Maracajaú, o fluxo turístico no estado e a revisão acerca de políticas públicas que contemplam o litoral norte do Rio Grande do Norte. A amostra selecionada para realizar esta pesquisa consiste na análise dos principais empreendimentos hoteleiros do local.

3.3. Procedimento de PesquisaO procedimento de p e s q u i s a desse

trabalho iniciou-se com uma revisão bibliográfica em literatura especializada, buscando dados e informações nos principais institutos de pesquisa do Brasil, artigos publicados em anais de congressos, livros, dissertações e teses. Esta etapa do trabalho teve como principal objetivo o levantamento de informações sobre conceitos sobre o turismo no RN, a evolução desse setor e as políticas públicas do governo, conceitos sobre estratégia, análise de ambiente e perspectivas.

A pesquisa es tá di recionada para desenvolver o planejamento estratégico de um empreendimento hoteleiro de pequeno porte, assim, será avaliado o contexto ambiental e estabelecidas as diretrizes estratégicas do negócio. Além de estratégia e turismo, o referencial teórico disserta acerca das políticas públicas destinadas ao local.

A fim de realizar os objetivos propostos, o trabalho será concluído, apresentando-se uma série de medidas que devem ser contempladas pelas políticas públicas, a fim de fomentar o turismo na região.

Os aspectos metodológicos de análise do tema concentram-se na busca de informações em diversas fontes, tais como: (1) dados coletados a partir de revisão bibliográfica na literatura especializada, que inclui: artigos, relatórios de pesquisas, matérias jornalísticas publicadas em revistas e jornais, anuários que tratam dos mecanismos de financiamento v o l t a d o s p a r a o s e t o r d o t u r i s m o , especificamente no ramo da hotelaria; além de publicações do governo federal e estadual acerca do turismo e suas perspectivas, principalmente no RN; (2) Consultas a sites de empreendimentos turísticos, institutos de pesquisas e agências nacionais e regionais. Anuários e indicadores do governo federal, acerca do turismo no país. Ministério do Turismo do Brasil, EMBRATUR, Secretaria d e Tu r i s m o d o R N ( S E T U R - R N ) , EMPROTUR, IBGE, INFRAERO, que são

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instituições que contêm os principais dados e informações do turismo no Brasil.

4. Estudo de caso – Planejamento estratégico de empreendimento hoteleiro na praia de Maracajaú/RN

4.1. IntroduçãoHá uma forma melhor de se pensar no

futuro. Planejar é a palavra apropriada para se projetar um conjunto de ações para atingir um resultado. Uma organização pode obter vários benefícios praticando de forma correta a administração estratégica. Talvez o mais importante seja a tendência de tais organizações aumentarem seus níveis de lucro.

4.2. Análise do ambienteAs informações coletadas nesta etapa serão

usadas posteriormente, na definição da diretriz estratégica do empreendimento. Este processo de monitoramento do ambiente organizacional é primordial para que sejam identificadas as oportunidades e riscos, atuais e futuros que podem vir a influenciar a capacidade da

empresa de atingir suas metas; nesse contexto, o ambiente organizacional engloba o conjunto de fatores internos e externos.

4.2.1. Ambiente geralO ambiente geral está a um nível externo a

organização, formado por componentes que têm amplo escopo e sobre o qual a organização não exerce controle, estes componentes são destacados a seguir:

4.2.1.1. Componente econômicoO índice de visitação turística no Rio

Grande do Norte em 2010 cresceu 12,43% em relação a 2009. A Secretaria de Estado do Turismo calcula que uma média de 2,6 milhões de turistas visitou o Estado em 2010. Deste total, 7% são visitantes provenientes de outros países.

No aeroporto de Natal, em cinco anos, de 2006 a 2010, o número total de desembarques teve um crescimento acima de 80%, como é possível constatar na tabela a seguir:

Tabela 2: Movimento operacional – aeroporto Augusto Severo

Para entendermos o ambiente econômico do setor acerca do qual o estudo se desenvolve, inicialmente serão expostos dados do produto interno bruto (PIB) do estado do

Rio Grande do Norte, este indicador aponta o grau de desenvolvimento econômico, de Natal a capital do estado e, do município onde o empreendimento deverá ser implantado.

Dados da regiãoDados da regiãoDados da regiãoLocal PIB PIB per capitaRio Grande do Norte R$ 25.481.000,00 R$ 8.203,00Natal R$ 8.656.932,00 R$ 10.847,40Maxaranguape R$ 41.275,00 R$ 4.461,66

Tabela 3: Produto interno bruto (PIB) da regiãoFonte IBGE (2008)

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O comparativo do PIB na tabela acima apresenta o município de Maxaranguape com um valor per capita bem abaixo da média quando comparado com a média do país, da capital e do estado, mostrando que o município apresenta um baixo grau de

desenvolvimento econômico. Diante dessa informação, é essencial compreender a natureza das atividades econômicas geradoras do PIB:

Gráfico 1: Caracterização do PIB.Fonte: IBGE (2008)

A partir do gráfico é possível perceber que no município onde o empreendimento deverá ser implantado, assim como no estado e no país, os serviços compõem a maior parcela de recursos que compõem o PIB, entretanto, percebe-se em particular uma participação bem pequena da indústria no local.

4.2.1.2. Componente socialEste tópico trata da compreensão das

características da sociedade na qual o empreendimento estará situado e do público alvo, num primeiro momento, serão apresentados dados em relação à educação no município, mostrados na tabela abaixo, num comparativo com o estado e o país:

Gráfico 2: Número de escolas por série.Fonte: INEP, Censo Educacional (2009)

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O gráfico apresenta dados curiosos, quando se compara o município com o estado e o país, é possível perceber que a educação local contempla basicamente o ensino básico e que o ensino médio está bastante defasado quando no comparativo apresenta uma taxa pouco acima de 4%, enquanto o estado apresenta valores acima de 37%; esses valores podem dimensionar o nível da formação da mão de obra local.

Outro aspecto importante para entender as condições que a população vive é a forma como saúde é tratada no local, de que maneira as instituições se comportam, o gráfico abaixo oferece alguns dados importantes acerca do assunto no município, mantendo a comparação já apresentada em outros gráficos acima:

Gráfico 3: Estabelecimentos de saúde.Fonte: DATASUS (2009)

Um dado curioso pode ser percebido no gráfico: no município de Maxaranguape existem apenas instituições municipais de saúde, não havendo nenhuma instituição a nível federal, municipal ou mesmo privada.

De acordo com o portal da transparência do governo federal, em 2010 foi repassado ao município de Maxaranguape à quantia de R$ 10.354.982,05; dos quais apenas R$ 20.000,00 foi destinado à estruturação da rede de serviços de atenção básica de saúde, ou seja, menos de 2% da verba total.

4.2.1.3. Componente políticoÉ essencial a participação da iniciativa

pública para fortalecer o destino turístico praia de Maracajaú, de acordo com o portal da transparência, o governo federal destinou mais de dez milhões no ano de 2010 para o município de Maxaranguape, nesse montante

não exis te nenhuma cota dest inada especificamente ao desenvolvimento do turismo no local.

4.2.1.4. Componente legalÉ necessário contratar um contador

profissional para legalizar a empresa nos seguintes órgãos: junta comercial, secretaria da receita federal (CNPJ), secretaria estadual de fazenda, prefeitura do município para o b t e r o a l v a r á d e f u n c i o n a m e n t o , cadastramento junto à caixa econômica federal no sistema “Conectividade Social – INSS/FGTS”, corpo de bombeiros militar.

4.2.1.5 Componente ambientalNa praia de Maracajaú, existe uma área de

proteção ambiental (APA) dos recifes de corais, que visa a preservação da pesca e exploração do turismo submarino naquela

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região litorânea. Dados de pesquisas (tabela 4) mostram que a visita aos parrachos para realização de mergulho é o principal motivo da visita dos turistas a praia, que possui outra diversidade de belezas naturais como dunas e lagoas que podem promover mais opções de lazer para que os turistas pernoitem no local. Apesar do apelo ecológico, o local não conta com coleta de lixo frequente ou mesmo possui saneamento básico.

4.2.2. Ambiente operacional4.2.2.1. Componente clienteA interpre tação dos dados desse

componente pode ajudar a organização a se posicionar de maneira adequada diante do mercado consumidor. A partir de dados que foram apresentados anteriormente, podemos concluir que: 88,26% dos turistas que visitam o estado são nacionais (tabela 3) e a praia de Maracajaú está entre os cinco destinos preferidos por eles, no estado. A tabela abaixo mostra os principais motivos da visita dos turistas ao local.

Tabela 4: Motivos da visita ao local.Fonte: SILVA (2009, p.62)

A tabela apresenta que os turistas visitam a praia por suas atrações naturais, principalmente o mergulho aos parrachos. A nível comportamental é possível avaliar o perfil sócio-demográfico das pessoas que visitam o local, apresentado na tabela abaixo, em pesquisa realizada na própria praia no ano de 2008:

Tabela 5: Características sócio-demográficas dos turistas.Fonte: SILVA (2009, p.56)

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Importante destacar que 26,7% dos entrevistados apresentam renda superior a R$ 10.000,00 e 34,6% que apresentam renda entre R$ 2.000,00 e R$ 6.000,00; esses dados apresentam que os turistas que visitam o local têm considerável poder aquisitivo. Vale observar ainda que mais de 30% do público é profissional liberal, seguido por 21% que são estudantes. A respeito do nível educacional, 60% dos entrevistados possuem nível superior completo, mostrando que a maioria dos turistas possui bom grau de instrução.

5. Resultados Obtidos

O objetivo foi respondido na medida em que foi possível propor uma série de ações que devem ser direcionadas para diversas áreas, de forma a contribuir para o desenvolvimento do turismo no local, que é a principal atividade econômica do local, o problema foi solucionado apontando tais sugestões descritas abaixo.

É uma realidade brasileira que as demandas da população crescem em ritmo mais acelerado do que o poder público tem capacidade de atender, porém o que torna o caso específico do local estudado mais interessante é o fato de a praia de Maracajaú, que, de acordo com a secretaria de turismo do estado do Rio Grande do Norte, a praia está entre os cinco destinos mais procurados no estado, se trata da principal fonte geradora de emprego e renda do local, sendo agente propulsor econômico e social.

Para avaliar as polí t icas públicas propriamente ditas, vamos realizar a análise em dois níveis: externo e interno, que são respectivamente, políticas gerais para desenvolver a atividade e políticas específicas para o local onde será estabelecido o negócio.

Em relação às políticas externas, é possível relacionar as seguintes necessidades dos empresários:

• Falta de incentivo financeiro: existe a necessidade de crédito facilitado para pequenas e micro empresas, redução de alíquotas e isenções fiscais são e s s e n c i a i s p a r a i n c e n t i v a r o s empresários.

• Divulgação do destino turístico: para aumentar o número de visitantes, com políticas específicas para o fator sazonalidade.

Em relação às políticas internas, aquelas que devem ser voltadas para o município em questão, onde o empreendimento será localizado, é possível relacionar as seguintes necessidades:• Qualificação da mão-de-obra local,

como pode ser percebido no estudo de caso, 95% dos equipamentos de educação do município são voltados para pré-escola e ensino fundamental, sendo a mão-de-obra local, carente de treinamentos para atender bem o turista.

• Estabelecimentos de saúde, conforme apresentado no estudo de caso, o município é carente de instituições de saúde, o que é essencial para que o destino turístico esteja capacitado a receber pessoas de diversas partes do mundo, quanto para os próprios m o r a d o r e s e f u n c i o n á r i o s d o empreendimento.

• Segurança pública, um fator essencial para que os turistas sintam-se a vontade durante sua estadia, atualmente a presença da polícia na praia não é constante e o risco é um fator que contribui negativamente para a imagem local.

• Preservação do meio ambiente e saneamento básico, é possível perceber à contradição de um destino turístico que oferece belezas naturais e tem nelas a causa principal da visita dos turistas ao local, onde há uma área de preservação a m b i e n t a l , p o r é m n ã o p o s s u i saneamento básico na maioria das casas,

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além de não existir coleta seletiva e lixo freqüente no local.

Afinal, é possível perceber que, sem o apoio de políticas públicas como as listadas acima, voltadas para o desenvolvimento estrutural e social, o poder econômico local fica limitado, torna-se difícil a atração de novos empreendedores. Uma vez realizados os investimentos nas áreas propostas, o empreendedor encontra um ambiente f a v o r á v e l à i n s t a l a ç ã o d e n o v o s estabelecimentos de turismo. Investimento significa desenvolvimento da economia e sociedade local, aumentando a qualidade de vida da população.

6. Considerações Finais

Quando uma pesquisa tem início, na maioria das vezes não se tem a real idéia de onde será possível chegar. No presente trabalho, as expectativas acerca do assunto estudado superaram as expectativas do autor, no sentido de conseguir abranger resultados e

informações que antes não se imaginava que seriam reunidas nestas páginas.

A revisão bibliográfica se fundamentou em três assuntos chave: turismo, poder público e planejamento estratégico. Em tese, a relação desses assuntos foi tratada da seguinte forma: apresentado o cenário turístico do Rio Grande do Norte e suas perspectivas, diante de algumas informações acerca deste ambiente, são mensuradas as ações tomadas pelo poder público para fomentar a atividade no Nordeste, desde a sua inclusão nos planos do governo federal, para desenvolver esta região economicamente desprovida de indústrias e onde o turismo é a fonte geradora de emprego e renda, responsável pelo desenvolvimento econômico daquela região. O estudo de caso vem para fazer o link entre mercado, empresários e gestores, permitindo sua visão ao cenário real do ambiente competitivo ao qual estaria imerso o empreendimento, caracterizado por suas necessidades em relação ao poder público, que fora o objetivo principal do trabalho.

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Claudinei Senger1

Mauricio Pedro da Silva2

Mônica Maria Martins de Souza3

O papel estratégico da cultura organizacional na construção da personalidade no trabalho

O papel estratégico da cultura organizacional na construção da personalidade no trabalho

O papel estratégico da cultura organizacional na construção da personalidade no trabalho

Resumo

A estratégia e a cultura organizacional utilizam-se das normas organizacionais para construir um novo sujeito - a personalidade daquele que trabalha. A partir desta reflexão pode-se pensar que o trabalho é uma mídia e a empresa é um espaço que constrói e desconstrói personas profissionais.

A investigação pressupõe a compreensão entre a comunicação, cultura e missão organizacional. Esses fatores dependem do sujeito interpretante que se dirige à esse espaço, para alimentar seus vínculos. A sua comunicação com a empresa se faz por meio da missão, e o trabalho torna-se a interface, a representação do real. A missão funciona como mentora da mídia “trabalho”, o seu discurso atrai o nômade, seda-o, afastando-o do senso e aproximando-o da loucura. Mantém-no refém, doa-lhe competência e sanciona-o positiva ou negativamente. Esse sistema de comunicação conduz a existência do sujeito, em estado alterado de consciência, e o seu corpo dá lugar

à identidade coletiva, ele coloca o seu poder no fazer da empresa, espaço de construção e desconstrução.

Palavras-chave: Comunicação e Cultura Organizacional; Comunicação Estratégica; Sis temas de Comunicação; Universo Simbólico; Vínculos Comunicacionais.

Abstract

The strategy and organizational culture make use of organizational standards to build a new individual - the personality of him who works. From this reflection one might think that work is a medium and the company is a space that constructs and deconstructs professional personas.

The research assumes an understanding of the connection between communication, culture and organizational mission. These factors depend on the interpreting subject who comes to this space to strengthen his ties. His

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1 Claudinei Senger - Mestre em Direito Internacional pela UNISANTOS/SP . Prof. das Faculdades integradas "Campos Salles" – FICS-SP. Prof. Pesquisador do Grupo de Pesquisa da Faculdade ENIAC desde 2009. Compõe desde o início de 2012 o grupo de pesquisa, orienta Iniciação Científica é co-editor da Revista Acadêmica Augusto Guzzo. www.campossalles.edu.br /ISSN 1518-9597.

2 Mauricio Pedro da Silva - Graduado em Administração pela UNG. Especialista em Educação e Docência. Prof. pesquisador do grupo de pesquisa da Faculdade ENIAC desde 2009. Compõe desde o início de 2012 a Comissão de Edição, Revisão, diagramação e Editoração Eletrônica da Revista Revista Acadêmica Augusto Guzzo. www.campossalles.edu.br /ISSN 1518-9597.

3 Mônica Maria Martins de Souza - Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Mestre em Administração de Empresas pelo Mackenzie SP. Especialista em Administração de RH. Especialista em Tecnologia Educacional. Psicóloga e jornalista. Atual Profa convidada Pós-graduação do Mackenzie. Desde 2006 é avaliadora INEP. Profa. Pesquisadora da Faculdade ENIAC, coordena grupo de Pesquisa e Iniciação Científica, organiza Seminários Anuais desde 2009 e da Revista Acadêmica ENIAC PESQUISA. É Profa. Pesquisadora, coordena Cursos e a Revista Acadêmica Augusto Guzzo nas Faculdades Integradas Campos Salles – FICS – SP, desde agosto de 2010. Consultora da Euroatlantica Ghesa Brasil Ltda.

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communication with the company is made possible through the mission, and work becomes the interface, the representation of reality. The mission operates as the media mentor “work”, its discourse luring the nomad, sedating him, drawing him away from his senses and bringing him closer to madness. Keeping him hostage, it gives him powers and sanctions it positively or negatively. This communication system leads to the existence of the individual in an altered state of consciousness, his body giving way to the collective identity; he devotes his efforts to the way of doing things of the company, a space of construction and deconstruction.

Keywords: Communication and Organizational Cu l tu re , S t ra t eg i c Communica t ions , Communications Systems, Symbolic Universe; Communicative Links

Introdução

Para compreendermos o sentido do trabalho como mídia no contexto da cul tura organizacional pelo viés da semiótica, buscamos em outras áreas, elementos e c o n c e i t o s q u e c o m p õ e m a r e d e interdisciplinar4. Consideramos que cultura é um sistema de símbolos e significados compar t i lhados , que necess i t am se r interpretados, e decifrados para serem entendidos, pois é a mente humana que gera a cultura. Sendo o trabalho um instrumento a serviço das necessidades biológicas e psicológicas do homem, ele funciona como um mecanismo adaptativo-regulador e unifica os indivíduos nas estruturas sociais, no caso desta pesquisa as organizações. Lembramos que organizações são organismos adaptativos

existentes nos processos de troca com o ambiente. Sistema de conhecimento que repousa na rede de significados dos membros que compartilham esse espaço.

Nesta contextual ização o t rabalho transforma-se em signo midiático e adquire novo sentido e nova interpretação. Ele existe para satisfazer o caráter insaciável do homem na empresa, que o socializa e o capacita a criar uma rede de signos sob seu domínio, que as vezes o domina5. O homem e a empresa são mutuamente dependentes desses signos, e uma complexa rede destes, constituem o seu universo6 . Neste espaço de limitações e possibilidades o homem desenvolve relações que promovem o seu reconhecimento ou provoca a sua sanção. A sua interpretação do trabalho é dependente da sua ideologia, sua crença e dos fatores que o constitui. A forma como vai designa-lo depende do seu condicionamento social e sua rede significante, positiva ou negativa. Entender sua relação nesse espaço requer também compreender a filosofia e a política organizacional, com a sua estrutura simbólica de poder, e sua pratica comunicativa. A cultura da empresa se reflete em sua missão, seus objetivos e suas metas. E a estratégia utilizada para conceituar suas relações singulares com o homem fundamenta-se em sua história. Talvez esse seja o suporte pa ra compreende r a s cons t ruções e desconstruções humanas, reais e metafóricas das quais trataremos a seguir.

O tempo, o investimento e a mudança: uma fratura ambivalente

Como trabalhar hoje, não é mais produzir apenas, mas, entrar no sistema de ordem que é a empresa, neste contexto vamos vislumbrar o

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4 Segundo Nietzche – Todos os conceitos em que um processo se resume semioticamente escapam à definição, porquanto só é definível o que não tem história.

5 Norval baitello. O animal que parou os relógios, 1997.

6 Harry Pross, Estructura Simbolica del poder, 1980:36.

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trabalho como meio, veículo e canal de comunicação entre o homem e a empresa. Vislumbrar sim, e não iluminar, porque todo objeto sobre o qual se deita o holofote, ofusca-se. E nosso objetivo é aproximar-nos da compreensão desse trabalho que media o homem “sujeito” com o seu objeto valor, a “empresa”. É o trabalho que anuncia e denuncia esse sujeito para o objeto, através do seu fazer, tendo como diretriz uma ferramenta enigmática, persuasiva, sedutora e provocativa que é a missão da empresa. Nessa relação, o trabalho que propicia o estar conjunto no sistema, é a ferramenta que também, dirigida pela missão, conduzirá o homem por labirintos, onde ele se desnudará de sua identidade individual e se vestirá com outra roupagem, a sua nova identidade, a identidade coletiva. A missão enquanto mentora dessa mídia “trabalho” doará ao sujeito a competência adequada para que ele seja sancionado positivamente pela empresa. Sendo o homem um ser que vive de rituais, a sua comunicação é uma representação. E neste caso, o trabalho a representação que funciona como signo midiático com a função de promover a conjunção do homem com a empresa.

O próprio “nome” do homem não é o homem, é o que o representa, existe por ele7. E a missão é o instrumento utilizado para a manipulação da sua mente, operação realizada através das estratégias da comunicação. A comunicação dirigida dessa mensagem incita o contrato fiduciário que se consolida nesse tempo/espaço (Oliveira, 2002, 149).

A costura que não se desfaz

Homem e empresa são enredados pelo lastro do vínculo comunicativo, através da comunicação que media a relação entre os actantes, sujeito e objeto, instalados na relação de doação e aquisição de competência. O sujeito para adquirir pertença adota os valores do objeto valor e com ele se compromete. Consideramos aqui, que objeto, é aquele que mantém laços com o sujeito e a relação entre ambos é o que lhe proporciona a existência. A sua existência, enquanto ponte entre sujeito e objeto cria a natureza midiática. E são as normas da missão que deflagram as atitudes desejáveis que sutis a princípio que evoluem para um exagero de fidelidade, e trabalho em primeiro lugar, que faz do tempo do homem o tempo da empresa e isso gradativamente devora a sua existência enquanto indivíduo (Barros, 2001:17).

Sabendo da sua dependencia do sistema de ordem para alimentar seus vínculos a empresa cria uma rotina que consome o homem e o seu tempo. Sistema esse que é estabelecido a priori, e do qual, o homem responde segundo as suas expectativas. Neste espaço o sujeito atua, “veste a camisa”, adota comportamentos dirigidos, e a partir disso, delimita o seu cotidiano. O seu fazer e o seu lazer é programado pela empresa. Inserido e comprometido nesse contexto, acredita que pode realizar o propósito de ambos8. Iludido nesse jogo de faz de conta, aliena-se de seus objetivos pessoais e abraça os da empresa buscando a sua realização como se fossem os seus proprios (Huizinga, 1996). E, a identidade que precisa ser protegida para garantir a sanidade do ser, nesse processo é esvaziada de si mesma. Essa identidade extraviada provoca

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7 Harry Pross, Estructura Simbolica del poder, 1980.

8 De acordo com Morin, essa convivência, só é possível em virtude da submissão dos indivíduos.

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um movimento de afastamento do senso e a aproximação da loucura segundo Kamper9. Esse fenômeno envolve uma mudança na percepção da existência, pois, o homem deixa de ver a realidade com a sua visão de mundo, que é a soma dos seus conceitos e preconceitos culturais. Ou seja, deixa de ver com os olhos ingênuos do nômade montanhês de Flusser (1979)10, isso é o que ocorre com o indivíduo que entra na empresa. Uma vez, nela inserido, ele adquire novos mapas mentais através das normas organizacionais.

Essas normas nada mais são do que d i s c u r s o s s i m b ó l i c o s d a m i s s ã o , estrategicamente articulados que ditam os valores que governam o coletivo. E nele não há norma, axiologia, ou ética, desvinculada da organização. A missão da empresa constrói uma identidade como a escola, a família e a sociedade, com visão e crenças compartilhadas em sua micro-estrutura11, a sua filosofia e sua política posicionam-se a partir da sua visão. Neste espaço ocorrem sucessivas palestras e treinamentos com o intuito de operar mudanças que gerem transformações no estado do sujeito, como a aquisição da competência que o qualifique ao poder, saber, fazer da empresa. A sanção positiva do sujeito pela empresa significa a sua aceitação, porém ai deflagra uma fratura, pois a sua entrada neste “universo mágico” implica na perda da liberdade e dos valores individuais, ou seja, a disjunção com a própria identidade. A busca da conjunção com

a empresa, custa ao sujeito a penitência de uma nova performance. Ele abre mão da primeira realidade12 e incorpora o novo modelo coletivo para ajustar-se perfeitamente ao molde oferecido. A sua construção neste sistema, desconstrói o seu conjunto de hábitos e convenções anteriormente reguladoras do seu viver. No contexto organizacional o que governa o homem, é o conjunto de ações coletivas e as práticas sociais com as quais todos dialogam. Essas práticas promovem um conhecimento com o qual todos eleitos devem se identificar. Neste espaço não se permite desviar a energia da libido para outros objetos que não seja a empresa (Barros 2001:14). Podemos entender aí o conceito saussureano da relação entre língua e fala, história, passado, diacronia e sincronia, presente entre texto e contexto. Na empresa não há a concepção de língua isolada e individual, apenas a coletiva, resultado de acordos sociais.

Consideramos que o que move as pessoas em uma comunidade são suas crenças, valores, superstições, e os emblemas criados. No caso da empresa o que governa as pessoas nesse espaço é a logomarca, que sintetiza a sua missão. O signo emblemático da logomarca traduz a idéia de coletividade da empresa. Os fatos da sua cultura e a sua relação com as metáforas que emergem desses signos podem ser observados na missão da empresa. Essas formas organizacionais são formas estéticas com arranjos de maior ou menor teor de

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9 No texto de Kamper sobre a loucura ele ressalta que: o que diferencia da loucura é o senso.

10 No livro Natural:mente, Flusser fala que o homem é nômade, nasce nos vales e vai até os cumes para adquirir informações e construir outros mapas mentais e vive-versa.

11 Segundo Morin “A sociedade é o conjunto de homens com grupos de diversas dimensões e significados que compõem a humanidade”.

12 O conceito de “Primeira realidade” de Bystrina, envolve a sobrevivência e a realidade das necessidades. O universo da civilização, a educação do corpo e dos hábitos para a sociabilidade. Para a comunicação a “Primeira realidade” é o lugar onde espaço e tempo intercruzam com a mitologia. Portanto, a “Primeira realidade” e “Segunda realidade”, se contaminam reciprocamente para dar origem ao abstrato conceito de tempo/ espaço.

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esteticidade, articulação, organização e construção do enredo, um todo articulado de sentido proposto pelo enunciador. Metáfora de um enredo que em ação contínua, consciente ou não os seus atores tecem, ignorando que é escassa a possibilidade de desenredar. O enredo da missão da empresa é seu constructo, sua identidade, não importa o seu nome, mas o seu papel social. Na conjunção com o outro a empresa busca a sua existência de fato, a sua visibilidade, e a realização do seu fazer através do outro, pois, sem este que a constitua e lhe de vida ela não existe13. Por isso numa ação continua, ela acena para os homens com papéis fixos; consagrados como os dos deuses, míticos como os das lendas e funcionais como os da sociedade (Serres 2001). Acena atraindo o sujeito a sedar-se. E seduzido pela mensagem, ele atende ao chamado, buscando através dela a competência de um Deus para se tornar um sujeito de fato e de direito. Ele esquece ou ignora que os deuses são segunda realidade, portanto imagem. Desta forma o que ele busca é o modelo da completude da imaginaria “normalidade”14, prometida pelas mensagens elaboradas a partir do repertório da empresa que compõem a missão, metáforas que o induz a es t ru turar in tenções , comportamentos e a formar a consciência coletiva (Iasbeck, 2002). Ignorando que este é o espaço que promove a sua construção ou desconstrução.

A leitura das ferramentas semióticas eficientemente persuasivas nos permite analisar no sujeito a incorporação de práticas culturais exteriorizadas nas suas interações cotidianas. Assumindo esse repertório, o individuo

identifica-se a tal ponto com os seus objetivos e m e t a s q u e t e n d e a a n u l a r a s u a individualidade e criar uma comunicação especifica mediada pelo trabalho. Podemos observar que essa comunicação é visual e cognitiva, ela denuncia uma ordem sensorial da apreensão inteligível, e aqui toda a atitude do sujeito é governada pela missão da empresa, enquanto conhecimento, forma e sentido15. Na sua vontade de conjunção ele incorpora a performance, o ideal de competência idealizado pela empresa. Inserido no mundo dessa cultura adota os seus valores e demonstra novas atitudes16. Nessa relação ele encena e se faz contemplar enquanto simulacro em um mundo simbólico onde os signos falam das relações sociais17. Na busca pela analise desse simulacro buscamos em um site de domínio público a missão de uma empresa de alimentos e destacamos alguns fragmentos e seus desdobramentos.

Da primeira realidade à superfície da imagem: uma trajetória sem retorno

Podemos observar que na narrativa da missão, visão, objetivo, abordagem e medidas de desempenho, a empresa busca a conjunção com os atores do seu contexto. Confirmando os tópicos até apresentados.

Um dos fragmentos do texto diz:A empresa iniciou o século 21 com um novo desafio: “tornar-se na próxima década, a principal provedora de soluções para nossos clientes dos setores agrícolas e de alimentos”. Reconhecemos que somente obteríamos sucesso em nosso negócio se

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13 Para Morin, todo indivíduo tem importância na empresa para a qual colabora com sua própria complexidade, sua visão do mundo, seus projetos pessoais, suas atitudes imprevisíveis, suas estratégias, sua dinâmica de evolução. Para ele a empresa é "a sua" representação da empresa.

14 Morin considera que o mito do modelo ideal é um fantasma comum que leva empresas e funcionários a fracassarem.

15 Floch, 2001.

16 De acordo com Morin, presos em seu trabalho e em sua visão particular das coisas, as pessoas arriscam-se a não mais considerar senão o ponto de vista da empresa, e se fecham em um reducionismo estreito.

17 Pressuposto sociológico de Cassirrer.

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criássemos valores diferenciados para nossos clientes. Levamos para esta jornada; nossos tradicionais pontos fortes que são integridade e confiabilidade. Também trazemos nosso conhecimento e experiência, acumulados pela nossa atuação nas mais diversas localidades, produtos e serviços. A partir desta base, formaremos relacionamentos m a i s s ó l i d o s c o m c a d a c l i e n t e , possibilitando:Explorar necessidades não atendidas;Descobrir juntos as melhores maneiras de atendê-las;Criar soluções únicas e valorizadas; eEntregá-las de maneira confiável.Adotamos, como empresa, esta missão e ela reflete como vemos o futuro. O nosso novo logotipo e o sistema de identidade corporativa também representam as aspirações da nossa companhia. Estas mudanças são poderosos símbolos de uma empresa mais dinâmica, acessível e inovadora na qual estamos nos tornando.

O estilo da logomarca desta empresa dá a impressão de movimento, ação, interação e dinamismo, é a clara indicação de um simulacro inscrito no espaço, o que equivale ao ausente da imagem. Colocando-se em perspectiva diacrônica, ele se inscreve como agente e testemunha do seu próprio devir, exaltando através da idéia de ação, o investimento no crescimento para aumentar a sua participação no mercado. Seguido do enunciado da missão, reduzido ao estado de mensagem, ele é o equivalente simbólico com pretensão a uma prospecção. Sabemos que o logo não é a empresa, mas está no lugar dela, nos remete a ela, chama através da sua visualidade todo o seu texto e o seu contexto, mas é apenas a inscrição do real.

Com relação à visão da empresa o texto relata:

A visão da empresa expressa as aspirações coletivas das pessoas que aqui trabalham. Ela nos unifica, dirige nossos esforços e nos diferencia das outras empresas. Possui quatro elementos:

Nosso Objetivo: é ser líder mundial em alimentos.Nossa Missão: é criar valores diferenciados.Nossa Abordagem: é sermos dignos de confiança, criativos e empreendedores.Nossas Medidas De Desempenho: são funcionários engajados, clientes satisfeitos, comunidades enriquecidas e crescimento rentável.O nosso Objetivo: "Alimentar as pessoas" reflete nosso enfoque agrícola e em alimentos, e a idéia mais ampla de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Isto também quer dizer que o nosso objetivo fundamental é atrelar nosso conhecimento e energia para oferecer produtos e serviços necessários para a vida, saúde e crescimento. Implica em cumprir um leque de expectativas, desde aprimorar a produtividade agrícola até melhorar os alimentos para promover um desenvolvimento econômico sustentável. Também transmite uma cultura de alimentar com base na confiança, valorização das relações e na realização de todo o seu potencial. A nossa Missão: "Valor diferenciado" está no centro da Ação Estratégica. Encontra-se nos pilares do foco do cliente, inovação e alto desempenho. Enquanto o nosso objetivo de longo prazo trata da busca por nossas metas, nossa missão reflete a realidade competitiva do mercado. Só obteremos sucesso nos negócios criando valor agregado para nossos clientes, nossos fornecedores, funcionários, acionistas e vizinhos. Criar um valor diferenciado significa construir relações mais fortes com os clientes e apresentar comportamentos orientados para a solução do cliente que podem se resumir na frase: Explorar, Descobrir, Criar e Entregar.

Podemos observar que na seqüência narrativa da visão e da missão elas conferem sentido ao enunciado18. O jogo de sedução que aqui se joga, é analisado como processo recursivo, fundado na reprodução especular de posturas, que se espera, sejam adotadas alternadamente por uns e outros. Enunciação e enunciado atualizam a competência, de um ser que representa um papel, que não passa de um simulacro. O apelo místico da visão exalta o ser humano enquanto animal simbólico que age

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18 Fiorin, 1996, Oliveira 2003.

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dentro de uma ideologia. Se na cultura o mito pode ser definido como a concretização de uma verdade coletiva, aqui se não é a sua concretização, tem a intenção de destruir as dúvidas essenciais, individuais ou coletivas a seu respeito. As pessoas inseridas nesse contexto apresentam atitudes que denunciam desejo de fazer dessa “verdade” uma realidade19.

O enquadramento e a inserção das informações acima, são elementos semióticos capazes de promover ou fazer surgir efeito de sent ido. “Alimentar o mundo” , pe lo procedimento de textualização, o seu discurso verbal procura ser atraente, o conteúdo enuncia e define a disposição dos atores em uma figuratividade sinestésica20. Instaura uma gestualidade no corpo desde o início da sua inserção na empresa e vai adquirindo um “ritmo”, comportamento, linguagem, postura, forma de expressão verbal e não verbal, deixam de ser mídia primária e transforma-se em inscrição. Ambos, sujeito e objeto buscam a conjunção para encontrar a plenitude que na verdade é do domínio do imaginário, mesmo que a encontrem por um momento, a ela enquanto eterna construção pode se romper. Mas essa informação a missão não explicita, e busca afastar o desconhecido que é figurativizado. Essa mensagem fica oculta, o funcionário mantém-se na relação coletiva com o desconhecido, o mundo do opressor e do oprimido. Embriagado pelo desejo de poder, saber, fazer ele trabalha para afastar a angustia da não pertença21. Ávido pela possibilidade de conjunção o sujeito se potencializa, exalta-se

em sua fidelidade, lealdade, e dedicação incondicional. O conjunto das mensagens, atinge a sua intenção de comunicação do caráter, imagem e personalidade da empresa no “caminho para privilegiar um sentido desejado e intencional” (Barthes, 1974: 19), persuasiva e carregada de intenções ideológicas22.

O repertório emotivo dos signos perfila desde o século XVII, com o desenvolvimento da industrialização. Dessa época a missão se apropria do grau emotivo, com a pretensão de empolgar o destinatário e sensibilizar sua opinião. Utilizam-se de termos e expressões que sugerem sedução, que no texto dessa empresa fica muito evidente; “quer fazer parte da nossa equipe?” “Nós alimentamos o mundo” aqui encontramos apelo significativo de linguagem afetiva. “Quer alimentar o mundo? nós ajudamos você, desde que se integre ao nosso corpo coletivo”. A mensagem invoca conceitos culturais muito ligados aos valores explorados na atualidade como a ecologia, a solidariedade, a não violência e a fraternidade, entre outros, como sugere o texto a seguir:

Nossa Abordagem - "Ser digno de confiança" inspira integr idade na re lação que construímos com o cliente. "Ser criativo" remonta à missão de desenvolver soluções para o cliente. "Ser empreendedor" tem a conotação de uma empresa que pensa à frente e é orientada pela ação.N o s s a s M e d i d a s d e D e s e m p e n h o ; reconhecem que o alto desempenho começa com funcionários engajados que enfocam os esforços na satisfação do cliente, e que testemunham nosso compromisso em comunidades habitáveis e sustentáveis. E

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19 Morin considera que: administrar diversidade de dinâmicas individuais imbricadas, querer fazer viver e trabalhar juntas para a realização de objetivos comuns, pessoas também singulares e autônomas, é realmente um desafio que causa vertigem, e suscita admiração ao mesmo tempo.

20 Greimas, 1993, Oliveira 2002

21 Morin diz que as pessoas em uma empresa, não vivem fora do tempo, fora de sua história, fora de seu ambiente. Estão inseridas em um contexto cultural, econômico, social do qual dependem e onde se moldam. Esta dependência recíproca introduz um fator suplementar de complexidade na administração. Os seres humanos são fruto de uma linhagem, de um povo, de uma região que forjaram suas tradições e suas crenças.

22 Morin chama atenção para a cultura das empresas que de alguns anos para cá, tem uma tendência a se fechar e a reproduzi-la.

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elas refletem que organizações que apresentam estes comportamentos terão o crescimento lucrativo necessário para sustentar o desempenho do tempo.

Construção imaginária

Convictos da possibilidade da conjunção, empresa e funcionário, mediados pelo vínculo “trabalho”, identificam-se. Nessa relação se estabelece uma tipologia onde o “corpus”, trabalho dirigido pelas mensagens da missão atua como vinculação e mediação. A evolução nessa relação atinge tamanha cumplicidade que o papel do trabalho deixa de ser o direcionador do sujeito em direção ao objeto valor, e passa a transitar entre dois sujeitos como elo. Isso permite ver que o papel do trabalho se constitui como cont inu idade ou , se rompido , descontinuidade. Enquanto continuidade o trabalho enuncia, destaca e fala do sujeito que agora coletivo, coloca o seu poder, no fazer da empresa que define o seu existir. O poder da missão que demarca para o sujeito, a hora de fazer, e indica o que, como, quando e em que direção ele deve caminhar. E se for descontinuidade, a relação se rompe não há o que caminhar.

O nomadismo e sedentarismo: um divisor de águas

A partir do papel do trabalho, e da construção do vínculo permanentemente alimentado, homem e empresa unificam-se, muito mais do que proximidade física eles passam a viver em intima interação, facilitada pela tecnologia da informação. Hoje, na empresa, os homens não apenas manuseiam uma ferramenta apertando um parafuso,

permitido pela liberação da mão com o advento da hominização. Com as mãos livres eles adquirem a competência e, metaforicamente passa a ter o mundo nas mãos. Porém, a manipulação não se limita às mãos, o seu mundo de acesso vai muito além. O ser destinado à liberdade, queda-se aprisionado pelo sedentarismo, “agregado” na empresa e seduzido pelo espaço organizacional. Espaço de comunhão onde coexistem competências, ineficiências e conflitos23. Envolvidos, eles exercitam o poder sobre si mesmos, gregários da própria opressão, contaminados pela loucura da vaidade, do desejo de status, que domina neste cenário24, possuídos pela ilusão dos imortais no reino dos mortos, tentas aí fincar seus pés. Condição ilusória e apaixonante desses corpos inventados nesse tempo espaço sujeito à ventura, destino da imagem (Kamper) e razão da loucura, segundo Foucault.

Nos homens encontramos as mais diversas características; oscilando de “stulticiae” loucura, a “Kolaxia” avareza. A personalidade humana é estudada desde os tempos mais remotos , e os seus es tereót ipos são estrategicamente pesquisados e desenhados para se enquadrarem nos mais diversos estratos das esferas sociais. Os homens possuídos pela ambição são atraídos pelas equipes de seleção que encaixam suas características passíveis de adaptação aos perfis dos cargos das cavernas da modernidade. Ao longo de sua caminhada, alguns são sedados pela cultura organizacional, e nesse espaço se estabelecem, exercem o poder e acumulam bens. Nômades iludidos em domesticar sua personalidade selvagem, caem em armadilha auto-preparada, pois conscientes ou não aceitam esse pacto de sedação, acreditando estar no caminho adequado ao que chamam de evolução e progresso. O sistema de ordem seda aqueles que atendem a sua

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23 Segundo Morin, os fenômenos de regulagem dos jogos dos atores nas organizações são extremamente entravados e 'récursivos’. Os conflitos, os incidentes, as desordens diversas que surgem, são fenômenos ligados entre si.

24 Flusser na obra “A História do Diabo”. São Paulo: Martins Fontes, 1965. Estabelece cenários com realismo hipotético e bases antropológicas que lhe valem a alcunha de futurólogo da mídia. Ele fala que nesses cenários os homens dançam, com as máscaras e alegorias de deuses e demônios, e aí sedam suas mentes.

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necessidade potencializando a sua superfície imagética, construindo seres coletivos que possam permanecer devoráveis o mais longo tempo possível. Aos que não se permitem desconstruir, a empresa descarta sem carpir, como seres humanos excrementais. Como bem define Kamper, o que pode transformar em imagem permanece, o resto naufraga.

Os indivíduos que entram na empresa, prado mágico e mítico da cultura organizacional, entram em contato com outros mapas existenciais e adquirem uma identidade coletiva. Mergulhados no abismo da superfície da imagem, da alienação massificada eles perdem definitivamente o contato com a mídia primária, a primeira realidade de acordo com Bystrina. E, como disse o Flusser; os homens que sobem o caminho, em sentido contrario, ao sentido que corre as águas dos rios, retornando ou não, adquirem e armazenam informações q u e o s c o n d e n a m a p e r m a n e c e r e m contaminados sem jamais voltarem a se integrar. Eles experimentam o limite da loucura do espírito humano25, lugar de deciframento e não de respostas.

Considerações Finais

Considerando a organização como o espaço do trabalho “veículo midiático” dirigido pela comunicação persuasiva da missão, podemos pensar que essa ideologia uma vez absorvida pelos indivíduos, dilacera vorazmente a sua primeira realidade26 lançando-a em abismos fantasmagóricos. Atormentados e incapazes de identificarem seus corpos, e suas identidades, e

apropriarem-se de seus destroços para tecerem novos vínculos, os homens permanecem tateando a imagem. Perde o contato com o seu ser e o seu corpo cede lugar ao outro. A este processo Bateson chama de esquizofrenia, Foucault e Erasmo de loucura. Dejours chama de doença profissional, que é que o percurso do viajante surpreendido pelas tabuletas invertidas por Hermes, o deus alado da comunicação. Para Bystrina é uma das raízes da cultura; os estados alterados da consciência. Os psiquiatras chamam de alteração ou desvio do comportamento designado como padrão de normalidade. Resta-nos então a pergunta: Qual normalidade?

Nesta investigação observou-se que o trabalho, enquanto veiculo midiático, a comunicação é utilizada, como um artifício que se propõe a desconstruir o individuo, para trabalhar na linearidade engessando-o, privando-o, e enquadrando-o às suas normas e modelos. O pensamento do homem, porém, em sua natureza nômade é livre e vive aos saltos, muitos não se permitem entrar na linha. A identidade corporativa cria sua cultura, e através da missão enlaça e embriaga quem nela se permite refém. Mas, os portadores de uma expressão voraz, inflamados pela imaginação e pela criatividade, surta, fazendo ponte com a vanguarda do exército do espírito humano27 que alavancou a natureza, inventando o fogo, através do atrito entre as pedras.

Refletindo sobre as palavras de Morin28; o trabalho científico é sempre uma iniciação e jamais uma conclusão. O estudo na verdade é uma provocação e o seu fazer está sempre por começar e jamais concluído definitivamente.

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25 Flusser em Natural:mente, 1979, autor tcheco, judeu, brasileiro, que escreveu sobre o estrangeiro e sua incapacidade de se integrar a outros paises por possuir outros mapas mentais compostos pela cultura do seu país de origem.

26 A primeira realidade é um conceito de Ivan Bystrina que envolve a sobrevivência, a realidade das necessidades, e a “Primeira e a Segunda realidade”, se contaminam reciprocamente para dar origem ao abstrato conceito de tempo/ espaço.

27 Flusser, 1979

28 “...em tudo que escrevo (...) não há verdades senão parciais, relativas e temporárias. Imersos na complexidade, somos obrigados a distinguir certos aspectos das situações, analisá-las localmente e simplificá-las para poder apreendê-las. Isto é um fato que requer o máximo de descentralização e de delegação de responsabilidades.

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Amparando-se em Prigogine, em “O Fim das Certezas”, sabe-se que mesmo que um dia se possa fazer uma conclusão ela estará por ser repensada, e contestada, pois, a ciência traz o eterno retorno. É grande a complexidade e a diversidade de idéias dos autores que dialogam sobre os temas da comunicação que indicam o caminho na direção da construção e

desconstrução do homem. Esse estado de mudanças do nômade, que se queda sedado na organização colocando o seu pé na loucura ou atolando-se nela tem a natureza do fogo e da pedra, do ar e da água, e esses elementos estarão sempre interagindo e complexificando a sua natureza. Cabe ao pesquisador resistir ao poder da sedução ou vencer a sua astúcia.

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Mirelle Monique de Oliveira Fernandes 1

Paulo Roberto Alves 2

William Roberto Dondas 3

Marketing e o conceito de ética: principais implicações no ambiente empresarial

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Marketing e o conceito de ética: principais implicações no ambiente empresarial

Resumo

Dentro da área do marketing, muitas são as indagações sobre a ética no marketing e outros negócios que o envolvem. Mas será que ela realmente está presente neste contexto? A pesquisa buscou responder a esta e outras questões por meio de análises de materiais teóricos da área e descobertas feitas ao longo do tempo sobre o tema. Apresentamos uma síntese do material coletado sobre um olhar crítico acerca das indagações constatadas por muitos estudiosos do tema e fizemos uma análise, que ajuda a compreender a nova tendência desta área, a preocupação com a sociedade.

Palavras-chave: marketing e ética; ética; propaganda e ética.

Abstract

Within the area of marketing, there are many questions about ethics in marketing. But is it really it is present in this context? This research sought to answer this and others issues through analysis of a theoretical material and discoveries made on time about the subject. We also provide a summary of the material collected on a critical view of the questions found by many academics of the subject. Finally we did an analysis that helps to understand the new trend in this area, the concern for society.

Keywords: marketing and ethics; ethics; advertising and ethics.

1. Apresentação

“Que oportunidade tem a ética no mundo globalizado de consumidores?”(BAUMAN, 2011, pág. 37).

Diante do acirrado cenário empresarial, em que há uma busca incansável pelo consumidor

final em todas as esferas de serviços oferecidos, podemos dar maior destaque ao mercado comercial, que atua, principalmente no Brasil, o Varejo. Tal segmento pode ser ressaltado, ainda, pela constante presença em todas as áreas da mídia, o que nos faz voltar atenção especial para o tipo de Marketing envolvido com os negócios.

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1 Mirelle Monique de Oliveira Fernandes - Pesquisadora da PUC/SP

2 Paulo Roberto Alves - Mestre Prof. pesquisador da PUC/SP e Prof Pesquisador da FICS onde desde o primeiro semestre de 2012 compõe a grupo de pesquisa – oficina de artigos e Iniciação Científica das Faculdades Integradas Campos Salles – FICS. www.campossalles.edu.br

3 William Roberto Dondas - Pesquisador da PUC/SP

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Adentrando neste meio, e buscando compreender as ações especificamente da área de divulgação e promoção, surge um cenário econômico e social que merece atenção especial.

Necessitando trabalhar e desenvolver estratégias que atinjam o consumidor final, o intuito do Marketing, das propagandas e promoções realizadas pela área é, justamente, conseguir atrair consumidores. Até aqui, nada parece estar errado. Porém, na prática, inúmeras vezes deparamo-nos com algumas situações em que o setor comercial não atua de forma leal com seus clientes. Em um contexto como este, em 1991, quando estava no poder da República o Presidente Fernando Collor de Mello, foi implantado, no Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). A partir de então, as atividades desenvolvidas na área comercial, especificamente na área do Marketing Empresarial, começaram a ser cuidadosamente planejadas, pois se entende que qualquer ação que infrinja as leis postas no CDC, pode levar as empresas a disputas judiciais.

E x a t a m e n t e n e s t e p o n t o s u rg e a problemática: será que as empresas realmente atuam de forma ética? Será que os direitos do consumidor sempre são preservados e respeitados?

Acreditamos nas hipóteses de que em certos momentos de sua história, o Marketing pode ter agregado alguns valores éticos em suas práticas, os quais podem variar de acordo com o contexto histórico. Porém, com o surgimento de fortes valores capitalistas, o “ter” passou a predominar nas ações de Marketing, resultando em ações que podem ser prejudiciais aos consumidores (PASSOS, 2011).

Procurando respostas para estas questões, realizamos uma pesquisa inicialmente bibliográfica que se desdobrou em uma pesquisa descritiva do tema, culminando no presente artigo, seguida de reflexões, que apontaram o real caminho perseguido pelo

Marketing. Desenvolvemos um estudo sobre essa área para entender seu funcionamento e buscamos suas relações com a moral e a ética envolvidas no tratamento dos consumidores para tentar entender e explicar como são tratados os princípios éticos dentro do Marketing.

2. O Marketing

Em 1953, segundo NORMANHA FILHO (2004), o Marketing começou a ser ensinado nas Universidades Brasileiras, inicialmente na Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. No exterior, teve início antes desta data. A partir de então, as discussões e os estudos referentes a esta área passaram a ser frequentes, como ainda hoje se fazem necessários. Muitos estudiosos buscaram definições desta prática que abarcassem a sua importância e alcance frente aos aspectos que envolvem o tratamento das informações para que se possam desenvolver as áreas que o Marketing visa atender, como ferramenta empresarial de grande valor (NORMANHA FILHO, 2004).

Segundo LAMB (2004, pág. 6), Marketing é “o processo de planejamento e execução da concepção, do preço, promoção, e distribuição de ideias, mercadorias, e serviços para criar trocas que satisfaçam os objetivos individuais e das organizações”. Sendo assim, o Marketing não se resume a atividades relacionadas com promoção, pontos de venda, e fidelização de clientes, e outros. A troca também é um conceito fundamental, pois significa que todo o processo engendrado para apresentar os produtos aos clientes, realmente foi realizado da melhor maneira. Entretanto, o oposto não é verdadeiro, as pessoas, em sua maioria, realizam trocas por necessidade, não por simplesmente serem influenciadas a adquirir determinado produto.

Para o desenvolvimento das atividades de Marketing, são adotadas quatro filosofias. A primeira, uma orientação para a produção, tem

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um foco voltado mais para as capacidades internas das empresas do que para as necessidades dos clientes (LAMB, 2004).

Já a orientação para vendas, define que as pessoas comprarão mais produtos se forem adotadas técnicas agressivas neste ponto. E, a orientação para o mercado define que as vendas não ocorrem somente pelo fato da força empregada nas vendas, mas depende do processo de decisão do comprador. Assim, as empresas devem compreender que o cliente é quem define o valor daquilo que está comprando, e não elas mesmas. Por fim, a orientação para a sociedade, define que a organização não pode disponibilizar para seus clientes um produto que seja prejudicial para as pessoas. Por mais que o mercado seja competitivo, as empresas devem competir de maneira ética (LAMB, 2004).

De acordo com LAMB (2004, p.57), “ética comercial consiste, na realidade, em um subconjunto de importantes valores de vida aprendidos desde o nascimento. Os valores que os executivos usam para tomar decisões foram adquiridos por meio da família e das instituições educacionais e religiosas”.

D’ANGELO (2003) diz que as ações realizadas no contexto do Marketing sempre foram alvo de questionamentos éticos, uma vez que é a atividade empresarial que tem mais visibilidade. Existem basicamente dois tipos de questionamentos éticos. O primeiro diz respeito ao estímulo materialista despertado pelo Marketing. O segundo enfoca atividades de Marketing, como precificação, propaganda e vendas.

Mesmo que as definições formais de Marketing alarguem sua abrangência, popularmente, o Marketing é confundido com propaganda pura e simples (D’ANGELO, 2003).

Um exame de algumas das atividades de Marketing é suficiente para perceber a frequência com que os profissionais da área se deparam com questões éticas. Praticamente todas as atividades de Marketing podem ser

interpretadas de acordo com uma visão positiva ou negativa quanto a sua correlação ética. Nesse contexto, a experiência tende a conferir aos atores do mercado a capacidade de desenvolver mecanismos que lhes garantam alguma segurança. Não se sugere que as práticas dos negócios são antiéticas, mas que a maneira como os profissionais percebem seus papéis podem colocar em risco a ética de suas ações (D’ANGELO, 2003).

Percebemos que o Marketing é uma área permeada por questões éticas, e são de grande importância, pois é a atividade que tem o papel de aproximar a empresa de seus clientes. Sendo assim, os profissionais de Marketing necessitam usar todos os métodos de que dispõem, para realizar seu trabalho da melhor maneira possível (NORMANHA FILHO, 2004). É nesse momento que começam a aparecer os dilemas éticos. Até que ponto um profissional deve ir para que possa realizar o seu trabalho? Qual é o limite ético para as ações de um profissional de Marketing?

Esses questionamentos levam a inúmeras discussões, já que a ética não tem um conceito igual para todas as pessoas. Pode-se dizer que todos tentam agir dentro da ética de sua sociedade, mas por haver diferentes visões sobre o que é ético ou não, é difícil que se chegue a um consenso total sobre quais ações estão ou não dentro da ética (D’ANGELO, 2003).

3. A Ética

Como indica VALLS (2006), ética pode ser um estudo ou uma reflexão, científica, filosófica, ou até teológica sobre os costumes ou sobre as ações humanas, e pode ser também a realização de um tipo de comportamento. A ética está presente, no seu sentido geral, em todas as sociedades, em todos os momentos históricos e sempre está em constante mudança. As vivências diárias proporcionam mudanças de percepções, que interferem nos julgamentos que as pessoas fazem das coisas,

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das ações, e até das visões das pessoas ao seu redor, da sociedade onde vivem.

Percebemos, então, que as ideias sobre o que é ética podem ser diferentes de acordo com a época ou sociedade analisada. Porém, em todas as situações, encontramos a presença do bem e do mal. Agir com ética é agir de acordo com o bem.

A maneira como se entende o que é o bem pode variar, de acordo com o contexto analisado, mas a ideia de bem está presente em todas as formas de pensar éticas. (VALLS, 2006).

Atualmente, nossa sociedade vive uma época de reivindicação, em que os seres humanos buscam seu reconhecimento como tal, perante a sociedade, que os menospreza e i m p õ e s i t u a ç õ e s d e o p r e s s ã o e d e manipulação. As pessoas querem ser entendidas, compreendidas e aceitas por inteiro; não desejam ser, meramente, mais uma engrenagem deste sistema capitalista. Presenciamos uma mudança de paradigmas em curso na sociedade (PASSOS, 2011).

Neste sentido, surgem novos padrões, novas maneiras de pensar, de definir, de viver de forma ética dentro de nossa sociedade. No momento em que se torna difícil a aceitação das normas, das leis, e até das regras sociais de forma pacífica, é latente a busca dos indivíduos por serem reconhecidos como um todo, não só como aqueles nos quais se inculca padrões que devem ser aceitos e seguidos, mas como aqueles que conhecem seus direitos e têm poder e voz para defendê-los (PASSOS, 2011).

Para tanto precisamos ter ciência de que moral e ética caminham lado a lado. Possuem origens diferentes, mas significam o mesmo: um modo de agir, um costume adotado (PASSOS, 2011). Mas, são, no entanto, distintas também. Podemos dizer que a moral confere certa normatização e direção às ações das pessoas, enquanto a ética seria destinada ao estudo dessas práticas, dessas ações. Logo, “a Ética é a ciência da moral” (PASSOS, 2011,

p.23). O alcance das práticas morais, entretanto só pode ser feito pelos seres humanos, pois este é responsável por suas a ç õ e s ; s e u s a t o s d e c o r r e m l i v r e e conscientemente (PASSOS, 2011).

O ser humano é livre para fazer suas escolhas e deve se responsabilizar por elas. Porém, o momento histórico, as heranças de outras gerações, os condicionamentos a que são expostos, também ajudam a definir sua maneira de agir, suas práticas morais. Ele é o único que pode transformar a realidade a seu favor. É livre para isto e essa liberdade também depende do momento histórico, quando o indivíduo transforma a realidade para suprir suas necessidades. Os valores morais são interiorizados e pregados sutilmente. As crianças são “moldadas” por seus pais, sua família, sua escola etc.. Nesse sentido, os valores morais que predominam cristalizam-se pela experiência do grupo, da sociedade, pelos momentos de vida compartilhados em determinado momento. (PASSOS, 2011).

A prática moral em nossa sociedade é pautada pelo culto do eu, do uso das pessoas em benefício do sistema. Como todos nós conhecemos, nossa sociedade vive a era do “ter” que oprime o “ser”, assim as relações interiores são totalmente oprimidas e desconsideradas (PASSOS, 2011). “Dentro dessa realidade, a concepção moral também se orienta na exploração do ser humano pelo ser humano: o egoísmo, a hipocrisia, o lucro e o individualismo são incentivados e até cultuados” (PASSOS, 2011, pág. 26).

Entretanto, pode haver uma “luz no fim do túnel”. Uma mudança, neste cenário da prática moral existente, necessita de reflexões profundas, principalmente na esfera política (PASSOS, 2011). É necessário que haja mudanças de valores no que tange a consciência coletiva, já que se trata de uma mudança que afeta toda a sociedade, e não apenas o indivíduo. Uma nova ordem moral, acompanhada de novos valores, sugere que

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haja respeito à liberdade e à pluralidade de valores (PASSOS, 2011). Somente quando o ser humano for livre para escolher, quando deixar de ser alienado, e for tratado como fim e não como meio, é que poderemos dizer que estabelecemos uma nova ordem moral. Isto quer dizer, “a substituição de critérios externos por internos, pela escolha responsável, que é, sem dúvida, o paradigma ético mais eficaz para se assegurar a convivência pacífica entre o s i n d i v í d u o s e r e c o n h e c e r o s contrários” (PASSOS, 2011, pág. 29). Podemos encontrar, mesmo diante de fortes valores capitalistas, um pensamento voltado para o lado espiritual, o surgimento de uma maneira não mais mecânica de viver e de “ter”, mas sim, um respeito e uma crença de que é preciso “ser” feliz, ter relações sociais, descansar após uma longa jornada de trabalho e assim por diante. (PASSOS, 2011).

Para que uma moral agregue valores, representativos de todos os seres humanos e que respeite suas vidas em todas as esferas, nós devemos operar em uma sociedade conjunta, cooperativa e participativa em todos os setores. (PASSOS, 2011).

3.1. Ética no Marketing

“Marketing e ética começam a caminhar juntas, de forma identificável e como abordagem de estudos a partir da Escola do Macromarketing, quando se iniciaram as pesquisas dos impactos das atividades de Marketing e das organizações na sociedade e vice-versa” (NORMANHA FILHO, 2004, pág. 8).

Assim, o Marketing influencia e é influenciado pelo meio externo. Trabalha em função deste e de suas mudanças, de forma que as mudanças ocorridas durante, e no tempo, afetam a maneira como são desenvolvidos os estudos e as práticas utilizadas pela área dentro das empresas, em virtude da necessidade de atrair o público, os clientes, as pessoas, e persuadi-las para que adquiram seus produtos (NORMANHA FILHO, 2004). Então, a ética, que está

presente dentro das empresas, tem obrigações a cumprir perante a sociedade, não deve somente contribuir para a satisfação das necessidades, mas, fazê-la de forma ética. Este fazer ético é influenciado pelo que é considerado e validado como ético frente ao tratamento das informações que são externalizadas pelas empresas sobre seus produtos e que atingem os consumidores (NORMANHA FILHO, 2004).

Como foi exposto anteriormente, o Marketing é uma atividade de negócios que faz uso de muitas outras atividades, de ações, que possibilitam a realização da aproximação d o s c l i e n t e s c o m a s e m p r e s a s e , principalmente, com seus produtos. Quando se fala em ética no Marketing, o que nos surge imediatamente, são as propagandas, os pontos de venda, as promoções, a atividade da logística da empresa, enfim, todas aquelas partes do processo de realização do Marketing que dizem respeito ao contato com o cliente. Entretanto, pensar se o Marketing é uma atividade que se preocupa com a ética ou não, precisa ser atribuído não só as partes do negócio (Marketing), mas ao todo que faz o negócio existir. Logo, ética no Marketing abarca, também, todas as atividades que envolvem a área (NORMANHA FILHO, 2004).

Ora, se o Marketing é uma das muitas atividades envolvidas no cenário empresarial de todas as organizações, então ele está diretamente ligado aos negócios das empresas. A partir deste ponto podemos pressupor que a ética parte de dentro para fora das organizações, do tratamento, da cultura organizacional, da missão, dos valores que esta adota para si na constituição de seu ob je t ivo de ex i s t ênc i a no mercado (NORMANHA FILHO, 2004).

ARRUDA (2002, pág.. 1-3) apud FILHO (2004, p.11) tratando da conduta empresarial e da ética diz que:

“[...] A instituição necessita definir como deseja desenvolver-se, de tal forma que a postura ética, a conduta moral, os seus valores e crenças

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essenciais se tornem parte da cultura da organização”.

Desta forma, é obrigação das empresas, na sua constituição e formação, tomarem para si a preocupação com o tratamento leal aos seus clientes. Isso pode inicialmente, parecer uma u t o p i a f r e n t e a o a t u a l c e n á r i o d e competitividade que se apresenta nos dias de hoje, conforme acompanhamos em jornais e revistas.

O consumidor adquire os produtos, num pensamento simplista, para satisfazer suas necessidades. O Marketing busca, na maioria dos casos, tornar necessário o que é supérfluo para vender suas ideias, seus produtos, gerar lucro para as empresas. Porém, um dos objetivos principais do Marketing é realizar trocas, ou seja, a empresa abriria mão de seu produto em troca de um valor monetário por ele. Parece muito simples esta ideia. Mas, na realidade, com o passar dos anos, a figura vem mudando e a importância da ética pode ser percebida junto com essas mudanças (NORMANHA FILHO, 2004).

Com tantas empresas no mercado, aquela que consegue se sobressair frente às demais, consegue seu “lugar ao sol”, pelo menos, durante algum tempo. Aí está o problema, muitas vezes as empresas tomam partido de ações que burlam algumas regras sobre prestação de informações aos consumidores ou, tentam mascarar o que o produto realmente oferece para conseguir lucrar com sua venda.

DURANDIN (1997, pág.13) diz que: “A propaganda e a publicidade têm por objetivo modificar a conduta das pessoas por meio da persuasão, quer dizer, sem parecer obrigá-las”.

As empresas tentam persuadir os consumidores de forma que não percebam que estão sendo manipulados de alguma forma. Assim, diretamente, elas não seriam as responsáveis pela desinformação de seus clientes na prática da disseminação de seus produtos.

Na realidade, tratando-se da posse de informações sobre determinado produto, o consumidor é sempre aquele que desconhece as reais qualidades de um produto que está prestes a adquirir. Ele é, sendo isso usado de má fé ou não, ingênuo frente aos donos do poder, os que divulgam o produto. Esta relação de poder entre consumidor e empresas é marcada pela forte detenção daquele pelas organizações. (DURANDIN, 1997).

Pesquisando sobre os di re i tos do consumidor, chegamos ao conhecimento de leis, que protegem os consumidores, quando são vítimas da má fé no uso das informações divulgadas na mídia.

4. O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (CDC)

Criado para proteger os direitos dos consumidores dentro do mercado de consumo, nivelando suas relações com os fornecedores, a leitura do CDC possibilitou a constatação e destaque de alguns dos principais pontos e leis que regem este Código, seguindo nossa linha de análise.

Observamos que o CDC (cap. II, p.66 e 67, 2007), surgiu para regulamentar as ações entre as partes envolvidas nos negócios, não para causar desavenças ou discordâncias no cenário comercial. Segundo algumas reflexões anteriores que fizemos sobre o que tange a vulnerabilidade do consumidor em relação aos fornecedores de bens e serviços, esta deve ser, segundo a citação das páginas acima, reconhecida e devem-se utilizar ações governamentais para a proteção do cliente, além de estudos que permitam avaliar a evolução do mercado consumidor.

Pensando na atuação, nas práticas dos fornecedores relacionadas à promoção de seus produtos, o CDC nos diz o seguinte:

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DAS PRÁTICAS COMERCIAIS

Seção III – Da Publicidade

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por ocasião, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§3º Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

(CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, p.336, 2007)

Logo, o CDC proíbe a utilização de publicidade enganosa ou abusiva perante os consumidores. Embora muitas vezes possamos nos deparar com algum tipo de irregularidade, essas são passíveis de pena segundo o CDC (2007, p.718 e 719). Nesse sentido, por que será que ainda há casos em que são constatadas essas irregularidades? De certo ponto de vista, tratando-se da justiça brasileira, podemos supor a facilidade que os fornecedores podem ter em lidar com as leis. Por outro lado, a falta de fiscalização, ou até mesmo a passividade do consumidor, podem acarretar estes vícios na área.

O CDC protege o consumidor das práticas abusivas dos fornecedores nivelando as relações fornecedor-consumidor, e pelas nossas pesquisas, como já t ínhamos conhecimento prévio, podemos confirmar que, como todas as outras áreas e profissões, o Marketing possui códigos de ética profissional a serem seguidos. O AMA (Associação Americana de Marketing), abarca a ética que deve ser seguida no contexto global pelos profissionais da área, além de contar com

acadêmicos do tema. No Brasil, o CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), une os anunciantes e os profissionais de propaganda (O’BOYLE e DAWSON JR., 1992 apud D’ANGELO, p.56, 2003).

Esses Códigos visam regulamentar, direcionar as ações dos profissionais no cenár io em que atuam, levando em cons ide ração seu pape l soc ia l , s eu comportamento e trazendo normatização às suas atividades (D’ANGELO, 2003).

O conjunto formado pelo CDC e os Códigos de Ética dos profissionais de Marketing deveriam ser suficientes para que as relações consumidor-fornecedor ocorressem de forma harmoniosa. Entretanto, sempre observamos novas maneiras encontradas pelas empresas para “burlar” estas normatizações, frequentemente, nos comerciais da mídia televisiva.

5. Novas perspectivas sobre o Marketing

O Marketing é uma das principais ferramentas da Administração de Empresas, e sua aplicação consiste basicamente, em processos de troca, com o objetivo de gerar lucro. Podemos perceber que hoje o Marketing não se resume apenas a isto. Percebemos uma mudança; o Marketing está a s s u m i n d o s u a s r e s p o n s a b i l i d a d e s econômicas, sociais e ambientais, isto é, está reconhecendo a necessidade que as empresas d e h o j e t ê m , e m a s s u m i r s u a s responsabilidades dentro da sociedade (KOTLER, 2010).

Ao longo dos anos, o marketing evoluiu, passando por três fases, às quais chamamos de marketing 1.0, 2.0 e 3.0. Muitos profissionais de marketing de hoje continuam praticando o marketing 1.0, alguns praticam o marketing 2.0 e outros ainda estão entrando na terceira fase, o marketing 3.0. As maiores oportunidades se abrirão aos profissionais que praticam o marketing 3.0. (KOTLER, 2010, p.3) da

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história do Marketing, podemos destacar diferentes fases na sua evolução.

No início, tínhamos o Marketing centrado no produto. Estes deveriam ser básicos e padronizados, com o intuito de reduzir ao máximo os custos de produção. Desse modo, o preço seria mais baixo e um maior número de pessoas poderiam adquirí-los. Não havia muita opção à disposição dos consumidores, e com produtos muito semelhantes, a melhor maneira de ganhar clientes era o preço baixo (KOTLER, 2010).

A segunda fase do Marketing é a fase atua modificando o foco do produto para o consumidor. O que o consumidor quer? Atender os desejos e necessidades dos consumidores se tornou a nova tarefa, e considerando que o consumidor de hoje tem acesso as mais diversas informações, e pode comparar produtos com facilidade, não é uma tarefa fácil (KOTLER, 2010).

Fidelizar consumidores exige muita criatividade dos profissionais de Marketing, que tentam, das mais variadas maneiras, chegar à “mente” do consumidor, descobrir o que ele quer, o que precisa, e assim satisfazê-lo. (KOTLER, 2010)

A nova fase do Marketing, a qual KOTLER chamou de Marketing 3.0, surge em decorrência dos grandes avanços tecnológicos recentes, que chamamos de “nova onda de tecnologia”. Essa tecnologia permite que indivíduos criem e consumam suas próprias notícias. Dessa forma, os consumidores tornam–se participativos, tendo poder de exercer influência sobre outros consumidores (KOTLER, 2010).

Um bom exemplo dessa nova tecnologia são as mídias sociais (Blogs, Facebook, Twitter, etc.). A maioria dos Blogs, ou comentários no Twitter é pessoal. As pessoas compartilham suas ideias e opiniões umas com as outras, sobre qualquer tipo de assunto.

Se por acaso uma pessoa faz um comentário ruim sobre um produto ou serviço,

ela pode influenciar seus leitores a pensar da mesma maneira. À medida que as mídias sociais se tornarem mais expressivas - um maior número de consumidores poderá influenciar outros consumidores com suas opiniões (KOTLER, 2010).

Em suma, a era do marketing 3.0 é aquela em que as práticas de marketing são muito influenciadas pelas mudanças no comportamento e nas atitudes do consumidor. É a forma mais sofisticada da era centrada no consumidor, em que o consumidor demanda abordagens de marketing mais colaborativas, culturais e espirituais. (KOTLER, 2010, pág..22 )

O “Marketing 3.0” também é um Marketing voltado para o consumidor. No entanto, as empresas que o praticam, julgam que elas têm mais a oferecer à sociedade do que seus produtos e serviços. O objetivo é oferecer soluções para os problemas. A e m p r e s a e n x e r g a e a s s u m e s u a s responsabilidades sociais, econômicas e ambientais, acredita que os consumidores são seres humanos completos (KOTLER, 2010).

Em tempos difíceis, como a recente crise econômica global, a sociedade enfrenta os mais diversos tipos de problemas, e as empresas não devem se preocupar apenas em como a crise as afetou, mas devem se preocupar em como a sociedade inteira foi afetada, e oferecer soluções a esses problemas. No “Marketing 3.0” as empresas se destacam por seus valores, que se apresentam de maneira diferenciada, comparados com os anteriores (KOTLER, 2010).

6. Considerações Finais

Considerando-se a amplitude que nosso problema de pesquisa poderia ter tomado e, sabendo da complexidade envolvida neste contexto, uma vez que envolve um dos conceitos essenciais da sociedade em geral: a ética, encontramos considerações plausíveis ao nosso objetivo.

É evidente que necessitamos dos serviços das empresas e que precisamos estar cientes

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dos produtos que elas podem nos oferecer e que julgam resolver nossos problemas, satisfazer nossas vontades. Porém, se antes as empresas eram preocupadas em apenas vender seus produtos, inculcando nos clientes, às vezes, ideias inverídicas, hoje, por decorrência das leis ou não, a prática está mudando o cenário.

Constatamos uma evolução dentro do Marketing que tem muito a oferecer para toda a sociedade e, as empresas que estiverem dispostas a adequar-se aos novos padrões de exigência dos consumidores da “Era TIC”, com certeza só terão a ganhar financeiramente e serão registradas na área das mais confiáveis e leais pelos seus clientes. O Marketing está caminhando para uma nova perspectiva. As pessoas não são mais vistas como clientes, a empresa não busca apenas a satisfação funcional do cliente. O cliente agora é visto como um ser humano completo, e cabe à empresa trazer satisfação emocional e espiritual nos produtos e serviços que oferecem.

Em um cenário onde a participação dos clientes se tornou uma peça-chave, a empresa se destaca por seus valores, e deve ter como seu maior objetivo, estar preparada para apresentar soluções para os problemas enfrentados pela sociedade.

Encerrou-se a época em que apenas as trocas de uns produtos por outros já era o

suficiente para satisfazer as expectativas das pessoas, em geral. Agora, não basta oferecer somente o que as pessoas precisam. Conhecer os desejos os anseios, as reais necessidades de cada cliente é a peça-chave para o sucesso de qualquer negócio.

Os consumidores estão cada vez mais perceptíveis às novas tendências, às ações mercadológicas e às divulgações que as empresas fazem na mídia. Ludibriar o cliente, como algumas antes acreditavam ser possível e julgavam ser fundamental para a promoção e venda dos produtos, já não é mais possível. As pessoas conhecem e buscam seus direitos, sabem das possíveis penalidades para as ações ilícitas das empresas. Elas têm poder para alavancar ou destruir uma empresa na palma de suas mãos, em suas próprias casas: as mídias sociais!

Então, como tudo na vida é fluido, com o Marketing com certeza não poderia ser de outra maneira. O fato é que as coisas poderiam evoluir de duas maneiras: positivamente ou negativamente, dependendo do contexto e das reais necessidades. Felizmente, o Marketing vem demonstrando uma evolução positiva e inovadora. Ter a capacidade de perceber as constantes mudanças no macroambiente e adaptar-se a elas é uma exigência para as empresas que desejam perenidade em seus negócios e sucesso em curto e longo prazo.

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Mônica Maria M. de Souza 1

Ricardo Camargo de Araújo 2Ruy Guérios 3

Qualidade: ferramenta representativa e diferencial competitivo na prestação de serviços

Qualidade: ferramenta representativa e diferencial competitivo na prestação de serviços

Qualidade: ferramenta representativa e diferencial competitivo na prestação de serviços

Resumo

A terceirização é uma das características da pós-modernidade acompanhada de mudanças administrativas que revolucionam a administração e a qualidade do trabalho das pessoas que antes tinham a segurança de empregos estáveis nas grandes empresas - as que mais atividades terceirizam. O sistema estabeleceu uma sociedade de risco que distribui malefícios a toda a sociedade e benefícios a poucos. O fato foi observado no setor de alimentação industrial em quatro unidades de uma empresa mineradora por meio de entrevistas à funcionários, gestores e prestadores de serviços que tiveram seus salários continuamente diminuídos nas sucessivas mudanças de contrato, após o início da terceirização. Para a economia nas últimas décadas o setor de serviços tem

destacado como fator significativo de mudanças e geração de renda, mas na opinião dos funcionários entrevistados essas mudanças geraram continuamente menores salários, conformismo, e submissão para viabilizar a possibilidade do emprego de subexistencia, sem perder a qualidade.

Abstract

The study addressed items related to the quality standard desired and expressed at the time of outsourcing, the focus direction of the contractor, its priority between quality, cost reduction, management control and other factors when economic imperatives. Data analysis in this study showed that the outsourcing of food service units surveyed, the excellent quality resulted in the average satisfaction, showing an accommodation not

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1 Monica Maria M. de Souza - Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. (2005), Mestre em Administração de empresas pelo Mackenzie/SP. (1999). Especialista em Administração. de RH pela UNA. União de Negócios Adm. de BH, MG. (1995), e especialista em Tecnologia Educacional pela UNINOVE SP. (2000), é Psicóloga graduada Newton Paiva de BH/ MG. (1991). Atualmente é Profa convidada pela Pós-graduação do Mackenzie. Desde 2006 é avaliadora INEP. Profa. Dra, Pesquisadora da Faculdade ENIAC, coordena grupos de pesquisa e iniciação científica, organizadora dos Seminários Anuais desde 2009 e da Revista Acadêmica ENIAC PESQUISA. É Profa. Dra. Pesquisadora, coordenadora de Cursos e da Revista Acadêmica Augusto Guzzo das Faculdades Integradas Campos Salles - FICS desde agosto de 2010. Consultora da Euroatlantica Ghesa Brasil Ltda.

2 Ricardo Camargo de Araújo - Mestre em Adm. Desde 2009 é Prof. Pesquisador da Faculdade ENIAC, onde coordena o Curso de Finanças e a Revista Acadêmica ENIAC PESQUISA. Orientador do Grupo de Pesquisa e Iniciação Científica, Orienta Monografias, TCC. Co- Organizador dos Seminários Anuais ENIAC desde 2009.

3 Ruy Guérios - Mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Paulista. Graduado em Tecnologia de Administração de Pequenas e Médias Empresas pela Universidade Norte do Paraná (2008). É mantenedor do Colégio Eniac (Educação Básica) e diretor geral da Faculdade Eniac. Inovou com a utilização de crachas eletrônicos para acesso e controle de frequencia em escolas em 1988 e com a utilização da biometria em IES (2007). Participa da AEG - Associação das Escolas de Guarulhos, onde ocupou a vice-presidência, é diretor da ANET - Associação Nacional de Educação Tecnológica e foi eleito delegado paulista representando São Paulo na Primeira Conferência Nacional da Educação Profissional e Tecnológica em 2006/2007, idealizou e aplicou o sistema de gestão da qualidade aplicado na gestão escolar .E-mail: [email protected]

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to mention conformity in relation to the service. To verify the quality of outsourced services, we must consider the factors that interfere with achieving this objective as the way that quality is perceived by those who hire the services, as the contractual process and the reason it takes a company to hire a third party. To evaluate the difference in quality presented in outsourcing services, it has been conducting a research on a large mining company in the food industry by comparing the services previously performed by the company with direct administration, with the outsourced services later. The research question intended to check: How was the satisfaction of employees before the implementation process and how it was after the outsourcing.

Palavras-chave: Qualidade, mudança social e econômica, terceirização.

Keywords: Quality, social economic change, outsourcing.

Introdução

O estudo analisou a qualidade nos serviços terceirizados (especificamente o segmento da alimentação industrial), como uma nova forma de relação econômica e de contrato social entre parceiros econômicos, a contratante e a contratada. Procurou-se identificar as características, a natureza, os pressupostos e a lógica do novo contrato social da terceirização, bem como a sua forma gerencial.

Esta proposta remete à análise do contexto socioeconômico atual, entendida de acordo com Giddens (2011, p. 13), como um processo de complexos. Esses processos integram e atuam de maneira contraditória, produzindo conflitos, disjunções e novas formas de estratificação, resultando na emergência de uma ordem social pós-

tradicional. Ao entender essa ordem social pós-tradicional como uma mudança de status da tradição, o autor pressupõe uma reformulação e um repensar das tradições através do processo de modernização. Neste contexto de modernização está inserida a terceirização.

Atualmente tem se questionado a qualidade na prestação de serviços terceirizados e sua importância nas empresas brasileiras, considerando a sua relevância na geração de renda, de empregos e aumento da riqueza social. A terceirização da prestação de serviços, embora seja tendência antiga, faz parte de um movimento de mudança mundial e em franco crescimento no Brasil. No estudo foram abordados itens referentes ao padrão de qualidade desejado e o expresso no momento da contratação de terceiros, à direção do foco da contratante, sua prioridade entre qualidade, redução de custos, controle administrativo e outros fatores imperativos no momento econômico.

A análise dos dados neste estudo demonstrou que, com a terceirização do serviço de alimentação nas unidades pesquisadas, a excelência da qualidade deu lugar à satisfação média, demonstrando uma acomodação para não dizer um conformismo com relação ao serviço prestado.

Para se verificar a qualidade nos serviços terceirizados, foram considerados os fatores que interferem no alcance deste objetivo como: a forma como essa qualidade é percebida por quem contrata os serviços, como acontece o processo contratual e a razão que leva uma empresa a contratar terceiros. Para se avaliar o diferencial de qual idade apresentada nos serviços terceirizados, foi realizada uma pesquisa em uma grande empresa mineradora na área de alimentação industrial comparando os serviços anteriormente executados pela própria empresa com administração direta, com os serviços posteriormente terceirizados. A questão de pesquisa pretendia verificar:

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Como estava a satisfação dos funcionários antes da implantação do processo e como ficou após a terceirização.

Giddens e Beck (2011:12) reafirmam a necessidade de repensar, ou seja, de reinventar a nossa civilização industrial "agora que o velho sistema da sociedade industrializada está se desmoronando no decorrer do seu próprio sucesso e levanta a questão do surgimento de novos contratos sociais". Isto significa dizer que o sistema da sociedade industrializada está sendo questionado e repensado pela própria sociedade, dando lugar a um novo sistema, o da sociedade de risco.

Esta modernização "traz implicações profundas uma vez que, modificadora da estrutura, ela implica em insegurança de toda a sociedade" Beck (2004:26) . Esta insegurança como acentua o autor, é de difícil delimitação e, portanto, incontrolável. É importante entender essas questões dentro de um processo de mudanças econômicas, em que as incer tezas e os r i scos são maximizados, tornando o controle mais complexo e, muitas vezes, inviável, porque as implicações da modernidade reflexiva apontam na sua ação modificadora da estrutura implicando em insegurança de toda a sociedade. Essa insegurança tem suas raízes na dinamização do desenvolvimento ao mesmo tempo em que intensifica o dinamismo do conflito da sociedade de risco. Antes a sociedade industrial distribuía bens, na sociedade de risco distribui malefícios, Beck (2011:26-32).

Esses riscos e conflitos estão presentes na relação entre contratante e contratada, em contínua dinâmica e a lógica dessa redistribuição de "malefícios" está inserida nesse contexto de transformação. Os riscos da parceria econômica, ou seja, os riscos da t e r c e i r i z a ç ã o s ã o d i s t r i b u í d o s inevitavelmente, por mais controlado e legitimado que seja o processo, suas estratégias ou mecanismos.

Nas últimas décadas, o setor de serviços representa quase dois terços do emprego urbano metropolitano, isso representa mais da metade do PIB (Produto Interno Bruto) na economia brasi leira. Essa trajetória assemelha-se à evolução econômica dos países desenvolvidos (IPEA-1995:2). A expansão das atividades de serviços constitui uma das mais significativas mudanças inseridas no cotidiano humano no século XX. Nos últimos três séculos de desenvolvimento econômico houve mudanças gradativas, mas deu-se pouca atenção a elas.

Há que se considerar que no início da revolução industrial a importância do setor era infinitamente menor que a atual, embora tenha sido fundamental o marco para o desenvolvimento do mundo moderno. O papel que os serviços representam na economia merece atenção criteriosa, pois é responsável pela geração de renda e de emprego em todos os segmentos, provocando consequentemente o aumento da riqueza social.

A terceirização é uma tendência que traz uma forma de parceria idealmente associada à produtividade e à qualidade, devendo gerar daí melhor resultado com liberdade de pensamento, dentro de uma relação de confiança com maior produção e menor custo. A realidade mostra que ela também pode ter outro lado, a anti-parceria com interesse apenas econômico em curto prazo.

M u i t o s s ã o o s c o n c e i t o s s o b r e terceirização. Para Paulo Otto Romanoshi (1994:41) “é, uma forma de se conduzir cada vez mais a empresa nacional para o caminho da especialização, agiliza/ção enfatizando como princípio maior, o enfoque em sua atividade principal”.

Não adianta terceirizar sem uma visão estratégica das ações a serem desenvolvidas. A terceirização consiste em uma ferramenta do planejamento estratégico e, como tal, integra o todo dos processos de uma organização. Sem essa vinculação, a

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terceirização poderá criar problemas, gerar áreas de atrito, alimentar desvios e falhas. Embora não haja mistério no seu conceito, a realidade é que muitos se embaraçam ao colocá-la em prática, principalmente no que se refere às intrincadas questões trabalhistas, Souto, (1997:22).

Para Queiroz (1992:16), dentro de uma abordagem estratégica, a terceirização passa a ser uma opção da empresa que, adotando essa ferramenta, pratica uma nova filosofia pautada nos argumentos anteriores e vista da seguinte forma: revisão de missão, objetivos e valores permanentes dentro de um plano estratégico que contemple esse processo. Para isso é necessário contar com todo o corpo funcional e da alta administração engajado na mudança da empresa que se reestrutura internamente, redistribuindo as atividades e funções, passando da execução para a coordenação.

Os recursos financeiros serão revistos, pois, com a terceirização o processo de planejamento orçamentário (despesas e receitas) alocará condições mais objetivas em relação aos resultados esperados pela empresa. Quanto aos recursos físicos (imóveis, máquinas, equipamentos, e materiais diversos) deverão merecer uma ampla reavaliação para otimização de seu uso.

Na prestação de serviços terceirizados, em busca de qualidade, a empresa seleciona todas as atividades que não fazem parte do seu produto principal e entrega-as a outra empresa especializada nessas atividades, esperando que a empresa contratada tenha capacidade de executar esses serviços com qualidade igual ou superior ao que era executado anteriormente pela própria contratante. Dentro desse tipo de prestação de serviços empregam-se pessoas muito qualificadas como na engenharia eletrônica, microinformática, e também mão de obra sem qualificação, como é comum acontecer nos serviços operacionais.

Na prestação de serviços operacionais é comum encontrar-se pessoas com pouca ou nenhuma escolaridade e muitas vezes sem estabilidade, que cada dia está em uma empresa diferente, exercendo uma função diferente, porque migram de empresa com frequência em consequência de término de contrato, ou perda de concorrência que pode acontecer em função de preço, política, inadequação ou incompetência negocial ou técnica. Considerando todos os pressupostos básicos da terceirização e a emergente sociedade em mutação, é que a mineradora iniciou seu processo de sobrevivência no novo e exigente mercado que despontava na década de noventa.

Base conceitual

O conceito de terceirização embora sendo antigo, consolidou-se durante a segunda guerra mundial, atendendo a necessidade de aumentar a produção de insumos bélicos nas grandes indústrias. Foi buscando parceria com indústrias menores e transferindo-lhes parte das atividades que antes executavam é que esta estratégia se consagrou.

Após a guerra, esta prática administrativa difundiu-se nas indústrias automobilísticas que passaram a funcionar como montadoras, tamanha a expansão da terceirização de peças. As montadoras logo após a guerra se instalaram no Brasil e com elas o processo de terceirização que revolucionou os sindicatos, as normas e leis trabalhistas. Estas, diante de um fator inquestionável, a evolução social e a nova soc iedade em t rans fo rmação , desenvolveu formas de adaptar-se e acomodar os conflitos. Surgiram novos tipos de contratos de trabalho, diversificaram-se os tipos de sindicatos para atender as diferentes categorias profissionais que despontavam nesta sociedade emergencial, mutante e competitiva, que distribui também riscos, insegurança e malefícios segundo Beck (2011:26-32).

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Essa nova ordem social exigia estratégias até então desconhecidas ou irrelevantes no antigo sistema. Surgiram então as teorias sobre qualidade, excelência em serviços, qualificação de mão de obra, fatores de competitividade administrativa para enfrentar o desafio.

Terceirização: Uma estratégia competitiva

Fornecer serviços de elevada qualidade com frequência não é fácil , mas é compensador, não apenas financeiramente como espiritualmente porque a excelência alimenta a alma. Na opinião de Leonardo Berry (1996:10), o serviço apenas bom, não é bastante para garantir a diferenciação dos concorrentes. Para alcançar a excelência é preciso desenvolver relacionamentos consistentes, tanto com os clientes para competir em valor e não em preço, como para motivar funcionários a se aprimorarem no trabalho e em suas próprias vidas. Isso vai garantir o fornecimento de um consistente dividendo financeiro. Muitas empresas precisam se converter para a religião da qualidade em serviços, integrando-se a uma melhoria holística interminável. As sementes da excelência devem ser plantadas no comprometimento coletivo à obtenção de melhorias diárias. Para se implementar a estratégia da excelência em serviços é necessário fazer de cada pessoa uma força competitiva, um talento.

Quando tanto os funcionários como o dono, desenvolvem amor pelo negócio que desempenham, fazem florescer o entusiasmo e a excitação natural, que contribuem para a energia emocional do prazer de servir clientes internos e externos com envolvimento intenso e diferenciado. O funcionário precisa saber ajudar a melhorar a vida do cliente, a aparência do cliente, não apenas servi-lo, mas contagiá-lo. O cliente é a razão de viver de qualquer negócio e precisa ser satisfeito,

precisa ser recebido como amigo, com ética, confiança e deve ser envolvido na filosofia, missão e objetivos da organização.

O compartilhamento de informações gera confiabilidade e permite que o funcionário demonstre a sua habilidade interpessoal e conceitual com segurança e prazer, motivado pela autonomia. Ouvir sistematicamente o cliente direciona o funcionário para a correção dos pontos fracos da organização, proporcionando a correção dos erros e aumentando o desempenho (Ber ry, 1996:18-26).

O que é terceirização

"Terceirização é uma estratégia que se r e f o r ç a n a m o d e r n i d a d e e n a competitividade" (Luiz Coimbra, diretor Industrial da Riocel S/A, Souto, 1997:45). Uma prática antiga acompanhada de uma expressão nova. A palavra era tão novidade quanto à intensidade da aplicação do fenômeno pós-moderno, que se refere à voracidade imposta com a qual a sociedade é obrigada a deglutir símbolos e conceitos que mal nos chegam e já se transformam. Novas práticas que impressionam pela intensidade e novidade sem precedentes, que passam a fazer parte da realidade (SOUTO 1997:129). Terceirizar é uma atitude antiga, outsourcing, ela remonta às primeiras atividades do homo sedere, praticada pelos senhores feudais, mas a sua prática massificada na década de 80 e 90 foi considerada ousadia diante do que parecia novo e dos riscos de se procurar soluções inovadoras fazendo frente à legislação trabalhista da época. Significava um enfrentamento dos medos que vinham junto com uma pseudo novidade. O risco de uma escolha consciente que levaria a empresa a aumentar seus resultados positivos.

No entanto a ousadia pode conviver com atitudes coerentes e programadas, à medida que métodos ou procedimentos empíricos sejam substituídos por outros, ditados pela

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razão e pelo conhecimento. Minimizar perdas e otimizar ganhos sempre foi o binômio do empresário em todas as épocas e em todos os lugares. No momento em que a antiga administração, por surtos ou por ímpetos transitórios, cede lugar ao planejamento e à racionalização, chega-se ao desafio de hoje - gerir para alcançar melhor produtividade e melhor qualidade. Esta meta que integra o c o n c e i t o d e m o d e r n i d a d e p a s s a , forçosamente, pelo aperfeiçoamento e pela racionalização do uso da mão de obra. Tem-se, pois, o momento ótimo para refletir e planejar a transparência da negociação com tarefas e serviços costumeiramente realizados pela própria empresa.

A terceirização segundo Amando José Farah Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, (Souto, 1997:11) é uma tendência universal. É um novo conceito para uma prática moderna de administrar. Estando à porta do novo milênio, o país encontra-se diante de um novo e derradeiro desafio - ou se lança em busca da modernidade - e a ideia supõe basicamente condições dignas de vida para todos os brasileiros, ou mantém uma postura inerte, continuando como espectador atônito do avanço do primeiro.

As empresas nacionais sensíveis à nova postura vêm desempenhando um papel fundamental nessa mudança. As provas mais evidentes estão na busca por tecnologia e uso da informática, visando à melhor qualidade e garantia de mercado. No setor operacional da indústria os avanços costumam ser mais significativos que na administração. Grandes indústrias já descobriram as vantagens de adotar a contratação de terceiros. Para eles não há mágica na terceirização, seu princípio é simples e tudo que não constitui atividade essencial de um negocio pode ser confiado a terceiros.O enxugamento da mão de obra não significa desemprego, o procedimento simplifica a administração, economiza recursos v iab i l i za inves t imento na especialização, provocando aumento da

produtividade e qualidade superior do produto quando se trabalha com especialistas (Souto, 1997:32)

Terceirização: evolução e prática administrativa

Segundo Souto Leiria (1997:23), no período pós-segunda guerra mundial havia uma necessidade de reestruturação total das empresas e o mercado se mostrava ávido por inovações. A economia mundial desfrutava de um crescimento sem precedentes. A demanda por novos produtos e nova tecnologia parecia inesgotável. Junto a isto, dispunha-se de recursos abundantes, tanto de insumos como mão de obra, com o mercado em rápida expansão, baixo custo de produção e consumidores pouco preocupados com a qualidade. A administração, nesse contexto, estava apoiada em dois pilares: produzir e vender. A crise do petróleo, na década de setenta mudou radicalmente a economia mundial. Não apenas a energia, como as matérias-primas e também a mão de obra tiveram seus custos aumentados. Junto com isto o crescimento do número de empresas pelo mundo todo criou uma concorrência acirrada. Os meios de comunicação evoluíram rapidamente , mudando o comportamento do consumidor que começou a receber informações e questionar cada produto antes de adquiri-lo, buscar melhor qualidade e menor preço, tomando estes critérios como pré-requisitos.

As empresas dentro desta realidade começaram a questionar suas formas de administrar, buscando fórmulas e sistemas, o que gerou diversas teorias com o propósito da excelência organizacional. Temas como a u t o m a ç ã o i n d u s t r i a l , q u a l i d a d e , produtividade, uso de informática e a administração de recursos humanos passa a fazer parte da pauta diária nas organizações. Especialmente no Brasil com inúmeras crises econômicas, as empresas passam a repensar a

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sua realidade, diante de um mercado com oportunidades escassas e ainda mais competitivo. A revisão dos custos (fixos e variáveis) veio como consequência, buscando-se os meios de subtrair tudo que fosse passível de ser cortado.

É inegável que o conceito e a prática da terceirização estão vinculados à redução de custos, mas não somente a isto. A terceirização objetiva o aumento da competitividade, servindo-se de melhores tecnologias, buscando o desperdício zero e a redução de custos. De forma errônea, en t r e t an to , a lguns admin i s t r ado res pretendem, com o sucesso, exclusivamente o ganho imediato com a redução de custos, diminuindo o quadro de pessoal e escolhendo fornecedores que praticam o menor preço. Ao longo dos anos, muitos estudiosos se dedicaram à análise do comportamento humano, mudando o enfoque de Taylor para o de Elton Mayo. Quanto mais se avança no campo das teorias mais se verifica que o diferencial da empresa está no fator humano, no comportamento de sua equipe de trabalho. De nada adianta o avanço tecnológico e as instalações físicas de primeira linha se não existirem pessoas qualificadas e engajadas nos objetivos da empresa.A administração sem dúvida é um desafio, mexer com pessoas é coisa séria e exige ações estratégicas.

A prática da terceirização no Brasil vem acompanhada de muita polêmica e foi enfocada durante o período de 1988 a 1992, por sindicatos, empresários, juristas e formadores de opinião em geral, como se fosse algo concreto e não mais uma forma de manejar valores.

A terceirização pode ser conduzida de diversas maneiras e com diferentes objetivos; o seu sucesso, entretanto, dependerá sempre do correto encaminhamento do contrato entre as partes, onde os aspectos jurídico-trabalhistas e a idoneidade da contratada devem minimizar perdas e otimizar lucros,

este sempre foi o binômio de todo empresário.

Anteriormente, a justiça do trabalho considerava a empresa tomadora de serviços, a fiadora "a priori", responsável pelos encargos trabalhistas. Entretanto, com a evolução dos tempos foram-se constituindo jurisprudências a respeito de que o tomador somente será responsável nos i tens trabalhistas não atendidos pela contratada quando o trabalhador tiver sido prejudicado. Então, não existindo a lesão econômica ao trabalhador, a justiça do trabalho não responsabiliza o contratante. Na justiça do trabalho, existem muitos casos de reclamação de ambas as par tes (empregador e empregado), que geraram jurisprudência a respeito, ainda não transformadas em leis. Com a revisão do enunciado 256, gerando o enunciado 331, em 17/12/1993, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) esclarece mais adequadamente o posicionamento das empresas tomadoras de serviços, reduzindo o aspecto interpretativo da legalidade da terceirização, quando ali conceitua no item III, as condições essenciais para a contratação de fornecedores de serviços.

A Legislação Trabalhista aponta restrições a esse tipo de prestação de serviços, pois entende que o trabalhador pode ser lesado em relação a benefícios e outras vantagens que o vínculo empregatício com a empresa tomadora lhe garantiria. Jurisprudência recente gerou uma evolução importante, o autor Queiroz (1992:12-32), retrata um parágrafo importante de sua interpretação sobre o parecer do Tribunal Superior do Trabalho quanto ao Enunciado 331-IV. “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título do executivo judicial.”

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Entende ainda a justiça que as empresas prestadoras de serviço desenvolvem suas atividades de maneira perfeitamente lícita, administrando seus subordinados de maneira correta, assumindo os riscos do negócio, que são organizadas, especializadas e têm plenas condições legais de exercerem essas atividades.

Não existe lei que proíba o processo de terceirização, desde que a empresa de serviços forneça esses serviços como seu produto final. Para isso, utilizarão de mão de obra, equipamentos e materiais de sua administração e propriedade. O prestador de serviços executa suas tarefas, as quais são pré-determinadas e de acordo com a sua especialização.

Metodologia

Nesta pesquisa, optou-se como estratégia de pesquisa pelo estudo de caso de natureza exploratória, usando-se o método qualitativo com questões abertas e fechadas. O estudo de caso focalizou a terceirização da alimentação industrial em três unidades de uma mineradora. A estratégia do estudo de caso foi escolhida considerando que não foram encon t r ados t r aba lhos seme lhan te s anteriormente desenvolvidos acerca da temática eleita, e pela necessidade de compreender um fenômeno social complexo de mudança organizacional dentro de um contexto real. A empresa foi escolhida por apresentar um universo de pesquisa com características e foco definidos no assunto em pauta e já apresentando resultados do processo experimentado nas unidades durante dez anos.

O método do estudo de caso, segundo Yin (1989:17), surge com a necessidade de compreender não apenas os fenômenos sociais complexos, mas, também, a administração dos processos organizacionais de mudança das relações e dos processos de amadurecimento da empresa. Para ele, o

estudo de caso tem como essência a tentativa de tornar clara uma decisão ou conjunto de decisões; por que foram tomadas; como foram implementadas; e quais foram as suas consequências. Inclui como foco, a estrutura organizacional, os processos, programas, contexto, instituições e suas normas, valores, regras, procedimentos e acontecimentos.

O autor afirma que o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga a contemporaneidade dos fenômenos dentro de um contexto de vida real, quando as fronteiras entre o contexto e o fenômeno não são evidências claras e onde múltiplas fontes de evidências foram usadas. Esta é a razão pela qual se se optou pelo estudo de caso para a pesquisa da qualidade da alimentação industrial nos serviços terceirizados da mineradora, Foram necessários estudos exploratórios, para se trabalhar com os diversos aspectos que compõem os processos de mudança ou de concepção organizacional.

Quando se definiu o problema a ser estudado, ou seja, a qualidade na alimentação industrial nos serviços terceirizados, tinha-se presente os diversos elementos que interagiam entre si e que deveriam ser identificados e compreendidos. Foram utilizados, como procedimentos e técnicas de coleta de dados: entrevistas, questionários, observação participante, relatórios e documentos formais da organização.

As entrevistas foram feitas por meio de perguntas abertas e direcionadas, com trinta pessoas, representantes da empresa contratante, funcionários operacionais da empresa contratada, e os comensais das diversas empresas prestadoras de serviço.

A partir dessas entrevistas foi elaborado um checklist endereçado aos funcionários da contratante, da contratada, aos comensais e aos operacionais da prestadora de serviços. As entrevistas e o preenchimento de questionários foram realizados no local de trabalho, ocasião em que foi possível o contato direto com as pessoas que

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constituíram o universo desse estudo e assim observar in loco o processo em ação. A possibilidade de observação direta funcionou como um dos instrumentos utilizados para identificar e compreender a interação dos diferentes elementos.

O início da terceirização e os primeiros resultados

A finalidade inicial de terceirizar, não era naquele momento a melhoria da qualidade e sim diminuir os problemas diretos com o sindicato da empresa, sindicato dos metalúrgicos, e em seguida a redução dos custos do zinco se tornou uma questão de sobrevivência , face à concorrência internacional. No início a empresa ao terceirizar exigia que a empresa contratada admitisse o funcionário dispensado com um salário equivalente ao que ganhava anteriormente, o que naquele momento gerava aumento e não redução dos custos. Em caráter experimental foram terceirizados em uma das unidades os serviços de portaria, vigilância, limpeza e alimentação (restaurante industrial), a manutenção mecânica, borracharia, usinagem, transportes internos e externos. Foram terceirizados em outra unidade, além da portaria, vigilância, limpeza e alimentação, a lavra a céu aberto, a manutenção mecânica, a construção civil, extração e transporte de minério e o serviço de enfermagem.

Além destes, a terceira unidade terceirizou também a extração subterrânea, a manutenção elétrica e mecânica. Hoje além de a empresa alcançar a redução dos custos e diminuir significativamente o mal estar com os sindicatos observam também a melhoria na qualidade dos serviços e produtos, pois os lingotes de zinco apresentam elevada pureza especial de 99,995% registrado na London Metal Exchange - LME.

No início, quando a empresa demitia em função da sua automação, além de ajudar os

ex-funcionários a montarem as suas empresas para terceirizar o serviço disponibilizado, também exigia que empresas vindas de fora, já estruturadas, contratassem o contingente que havia sido demitido.

Os primeiros resultados não foram muito lucrativos em função da inexperiência negocial. A qualidade oscilou, em função da própria situação experimental. Por estarem as relações entre contratada e contratante, pouco definidas, ocorriam muitas interferências da contratante na administração da prestadora de serviços, prática não mais verificada.

Nos últimos quatro anos a empresa vem aumentando suas exigências com os p r e s t ado re s de s e rv i ços , cob rando concorrência mais apuradas, tanto visando menor preço, quanto melhor qualidade, com treinamento de equipes especializadas em serviços específicos. Os diretores consideram ter adquirido experiência nas negociações com terceiros. As experimentações iniciais aconteceram em caráter de ensaio e erro e afirmam ter dado certo, mas hoje os procedimentos são feitos com muito critério. Nas licitações, a empresa envia cartas convite, para empresas de grande porte que lhes interessa, aceita a participação de empresas de pequeno porte, como as empresas dos ex-funcionários formadas no início do processo. Mas o resultado é independe de qualquer fator. Fica com o serviço quem apresentar todos os pré-requisitos legais exigidos pela empresa no momento em que formula as exigências para a licitação, além do menor preço viável para execução dos serviços.

Considerações finais

O sucesso da qualidade na terceirização, segundo Alvarez (1996, pag. 33) pode ocorrer se a contratante considerar a fragilidade dos pequenos negócios e os riscos decorrentes dos investimentos destes para sobreviver. Como qualidade e parceria fundem-se num

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único conceito a conscientização e apoio dos funcionários e patrões é imprescindível para o empreendimento. Assim é possível minimizar a distribuição dos malefícios gerados pela sociedade de risco otimizar soluções.

Sob vários ângulos, a mineradora foi analisada em sua qualidade nos serviços de alimentação industrial terceirizados. Explorou-se a visão dos funcionários da contratante; dos funcionários da contratada, dos responsáveis pela produção da alimentação e dos comensais - funcionários das várias empresas prestadoras de serviços para a mineradora. Eles pertencem a diversas categorias e hierarquias profissionais; tanto os operacionais que t rabalham nas contratadas, quanto os funcionários que trabalham na produção do alimento.

Dos funcionários que colaboraram na pesquisa, 90,0% estão na empresa há mais de dez anos. Eles tanto acompanharam como participaram das decisões envolvendo os processos da terceirização. Possuem conhecimento, da filosofia, políticas, clima da organização e também os resultados dos processos aplicados, seus pontos fortes e f racos , funcionamento da equipe e necessidade de adaptação a cada mudança de contrato.

Na visão deles, ficou claro que a empresa terceirizou a alimentação não com foco na qualidade e sim, considerando um escopo de redirecionamento organizacional com o objetivo de dedicar mais atenção à atividade fim, (que é produzir zinco com qualidade e pureza, a preço competitivo mundialmente em função da globalização) e facilitar o controle administrativo, além da redução de custos.

A qualidade que se obtém nos serviços contratados é uma consequência da forma como escolhem os fornecedores de serviços. Para alcançar qualidade destacam como fatores significativos na hora de fechar um contrato; a qualidade e idoneidade,

confiabilidade e credibilidade das empresas prestadoras de serviços – elas representam um dos riscos potenciais. A qualidade na alimentação na opinião dos funcionários é decorrente de um prestador de serviços idôneo, ligado a fornecedores confiáveis, trabalhando com insumos de boa qualidade, com equipe e ambiente rigorosamente limpos e higienizados, fornecendo alimentos bem apresentados e saborosos, oferecendo dietas equilibradas, e atendendo com atenção e agilidade.

Eles sabem que esse padrão de qualidade é exigido da empresa contratada no momento em que selam uma negociação, tanto verbal quanto formal.

Foi considerado fator gerador de dificuldades para se alcançar qualidade, todos os problemas referentes às equipes de trabalho, desde falta de recursos para investir em desenvolvimento e t reinamento, qualificação e alfabetização, até ausência de incentivos, benefícios e supervisão para a equipe. Foi considerada também como dificultador, a visão de curto prazo da contratante. Este pode ser, portanto, o fator gerador das outras dificuldades, uma vez que a própria contratante com uma visão de curto prazo envolve-se em novas licitações obrigatoriamente a cada ano, desestimulando a contratada a investir em equipe, já que corre o risco de perder o investimento ao término de 12 (doze) meses.

Na analise da pesquisa, um fato que chamou a atenção, foi a queda na preferência pelo item muito satisfatório, com relação aos serviços de alimentação após a terceirização, para os funcionários. Considerando a qualidade como excelência em serviços, então para os funcionários, terceirizar representa uma perda de qualidade, pois a satisfação máxima caiu 13,7% do período entre o antes e o pós-terceirização.

Outro aspecto explorado nesta pesquisa foi a visão dos funcionários da contratada. Os funcionários da contratada que responderam

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aos questionários trabalham na empresa entre dois e cinco anos e deixaram claro que têm conhecimento do padrão de qualidade exigido pela contratante, e assumem que recebem essas informações tanto por escrito quanto verbal.

Para eles qualidade em alimentação, envolve insumos de qualidade provenientes de fornecedores confiáveis para confeccionar um cardápio variado com alimentos saborosos, servidos em ambiente higienizado com música ambiente.

Consideram que a negociação dos contratos de alimentação, enfatizam fatores referentes à qualidade, credibilidade, eficiência e idoneidade da empresa contratada. Destacaram como as maiores dificuldades para se prestar serviços de alimentação com a qualidade desejada pela empresa, à adaptação à cultura desta, além dos problemas referentes à equipe da contratada como, remuneração baixa, baixa escolaridade, cultura inadequada às necessidades do trabalho, sem treinamento e, c o n s e q u e n t e m e n t e d e s m o t i v a d a . É interessante ressaltar aqui, que a adaptação à cultura é da liderança que vem de fora, porque a equipe é comum aos contratos anteriores.

Consideraram que para terceirizar a alimentação, além de operar com baixo preço e prestar serviços com boa qualidade, precisam de apoio da contratante, investir recursos no desenvolvimento da equipe e da rápida adaptação da contratada à cultura da contratante. Dos comensais que responderam a pesquisa 48,4% trabalham na empresa entre dois e cinco anos e consideram que os fatores responsáveis pela qualidade nos serviços de alimentação envolve a boa vontade dos funcionários em atender com atenção e agilidade e manter equipe e ambiente higienizados, ou seja, a boa qualidade, para os comensais, depende da equipe dos prestadores de serviço. Esses aspectos são,

contudo, apontados por eles como os melhores atendidos.

Com relação ao grau de satisfação antes e depois da terceirização, a preferência pelo item muito satisfatório caiu 4,1%; e o índice de insatisfação aumentou 4,7%; item apenas referido pelos comensais. Aqui há uma evidente demonstração de queda na qualidade em função da queda da preferência dos comensais pela escolha do item pouco satisfatório e insatisfatório após terceirizar, comparado com o período anterior à terceirização.

Pode-se concluir que não apenas a qualidade na alimentação após a terceirização dos serviços de alimentação caiu, mas caiu também a satisfação das pessoas com relação à alimentação e a satisfação com o seu trabalho em consequência da queda de seus salários e da sua qualidade de vida.

Aumentou o conformismo das pessoas com relação à alimentação como ilustra o aumento das respostas que migraram do item muito satisfatório para o item - satisfação média. Isso coincide também com o relato que as pessoas fizeram em suas entrevistas, alegando que aumentou muito o nível de exigência, mas, não receberam treinamento para atender a esta exigência, além do salário ter diminuído. Mesmo assim executam o trabalho com boa vontade e com o recurso de seu próprio conhecimento.

Os operacionais foram os únicos que denunciaram falta de treinamento e salário baixo. Foram também esses que exaltaram a importância de uma equipe integrada, imbuída de boa vontade para que a alimentação apresente qualidade.

O estudo levantou a hipótese de que a contratante terceiriza centralizando mais atenção à redução de custo e ao controle administrativo do que à qualidade, esta questão foi abordada na pesquisa e ambos alcançaram nível significativo de preferência segundo a tabela de Nihans, juntamente com direcionamento gerencial para objetivos fins.

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Já o aumento da qualidade que também constava da pesquisa não foi considerado significativo como razões que levaram a empresa a terceirizar os serviços de alimentação. A satisfação dos clientes

internos e externos constou nas entrevistas, mas não ganharam destaque, não sendo, portanto essa hipótese confirmada nem refutada nesta pesquisa.

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Paulo Roberto Alves1

Universidade corporativa em bancosUniversidade corporativa em bancosUniversidade corporativa em bancos

Resumo

Este artigo é um extrato de uma pesquisa detalhada a respeito dos reflexos da universidade corporativa na gestão do conhecimento em empresas do setor financeiro no Brasil. Tem por objetivo apresentar as práticas que tem favorecido a integração entre Universidade Corporativa (UC) e a Gestão do Conhecimento (GC), partindo de uma hipótese substantiva de que a UC deve, além dos benefícios inerentes da educação, auxiliar as corporações, que a implantaram, na GC. A pesquisa fez uso do método survey com vistas a identificar o número de bancos brasileiros comerciais, com sede na cidade de São Paulo que possuem UC e GC integrados e o tipo de esforço que fo i rea l izado para es ta harmonização, além disso evidencia as facilidades para implementação da GC em organizações que pratiquem a Educação Corporativa (EC).

Abstract

This article is an extract from a detailed survey about the consequences of the corporate university in the knowledge management in the financial sector in Brazil. Aims to present the practices that have favored the integration of Corporate University and Knowledge Management (KM), from a substantive hypothesis that Corporate University should, besides the inherent benefits of education, helping corporations, which have embedded in KM. The research used method survey with a

view to identifying the number of commercial banks in Brazil, based in Sao Paulo that have integrated Corporate University and KM and the type of effort that was made for this harmonization, further evidence for the facilities to implement the KM in organizations practicing Corporate Education.

Palavras-chave: GC, UC, Gestão do Conhecimento, Universidade Corporativa, Banco

Keywords: KM, Knoledge Management, Corporate University, Bank

Introdução

Morin (2004) afirma que uma empresa produz objetos e serviços para o consumo. Ao produzir ela se autoproduz, produzindo também os elementos necessários à sua sobrevivência e organização, “se auto mantém, se auto repara se necessário, e, se as coisas não vão bem, auto desenvolve-se enquanto desenvolve a sua produção. Aquele que produz coisas, produz ao mesmo tempo a si próprio; o produtor é o seu próprio produto.” (p. 18)

A sociedade, por exemplo, é feita das interações dos indivíduos que a constituem. Como uma organização e uma organizadora, a própria sociedade retroage para produzir os indivíduos por meio da educação, linguagem e escola. Desta forma, os indivíduos produzem a sociedade e esta produz os indivíduos que a produzem, num ciclo espiral evolutivo. Assim,

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1 Paulo Roberto Alves - Mestre Prof. pesquisador da PUCSP é Prof Pesquisador da FICS onde desde o primeiro semestre de 2012 compõe a Grupo de Pesquisa, e Inicialção Científica e a Oficina de Artigos das Faculdades Integradas Campos Salles – FICS. www.campossalles.edu.br

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a universidade corporativa associada à gestão do conhecimento pode, em muito, auxiliar na organização desta complexidade produto-produtor ou, ainda, indivíduo–empresa.

Paralelamente ao surgimento das teorias da aprendizagem organizacional, assiste-se, no campo da organização do trabalho, o movimento de passagem da lógica do posto de trabalho à lógica da competência (ZARIFAN 2001, p.25). A ligação entre aprendizagem e competências, já presente em Argyris (1996), aparece estabelecida em Drejer (2000), que considera a aprendizagem organizacional como o ponto de partida natural para a formulação de u m m o d e l o d e d e s e n v o l v i m e n t o d e competências. Para Argyris (1996), a teoria da aprendizagem organizacional é a chave para a compreensão do desenvolvimento de competências.

A hipótese teórica que sustenta a associação pretendida parte da constatação de que aprendizagem e conhecimento são construtos elaborados de maneira distinta. Tomando o conhecimento como objeto, como “o que” dos processos cognitivos, teria o desenvolvimento das competências como intermediação processual na busca do conhecimento. Porém, tomando a competência como objeto, o fenômeno da aprendizagem é que surge como o processo, o “como” necessário à competência.

Algumas organizações têm usado recursos próprios e específicos, orientados para os ob je t ivos e s t r a t ég i cos empresa r i a i s , consubstanciados em programas sob a designação de universidade corporativa. A presente pesquisa argumenta que, pelas suas e s p e c i f i c i d a d e s , o s p r o g r a m a s d a s universidades corporativas (UC) são efetivos e colaboram para a gestão do conhecimento (GC) e tem como objetivo identificar o quanto

a prática da UC influencia na GC de instituições financeiras captadoras de depósito à vista, mais especificamente bancos comerciais e caixas econômicas, cujas sedes e as mais significativas operações estão localizadas na cidade de São Paulo, maior centro financeiro do país, num determinado instante, ela não tem pretende mostrar qualquer mudança ou desenvolvimento sobre o tema. Um fenômeno particular em um determinado momento será estudado, o que torna o horizonte de tempo cross-sectional, o mais comum quando a estratégia de investigação é survey.

1. Conhecendo os Bancos

Constituem elementos representativos do universo populacional de pesquisa os dez maiores Bancos por patrimônio (Nacionais, Estrangeiros ou Mistos), listados no site da Febraban (2008). Neste espaço apresento a estratégia de contratação de colaboradores, a distribuição por cargo e a escolaridade, dados que nos auxiliarão no entendimento dos resultados desta pesquisa.

1.1. Estratégia de contratação e distribuição dos colaboradores por cargo

Os bancos têm como estratégia de atração e retenção de colaboradores a contratação na base para o desenvolvimento dos funcionários dentro da própria instituição financeira. Uma pesquisa realizada, pela Febraban (2009), com 15 bancos apresenta os cargos assim distribuídos. Os administrativos e operacionais somam 66% dos cargos, enquanto supervisão e coordenação 21,3% e os restantes 12,7 distribuídos entre as gerências e as diretorias. A figura 2.1 apresenta esta distribuição.

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Figura 2.1 Distribuição de cargos nos Bancos Fonte: Febraban (2009) Adaptado

Escolaridade

D e a c o r d o c o m a p e s q u i s a d a

FEBRABAN, chega a 27,4% o número de

funcionários que concluíram o ensino médio ou

profissional, e 18,7% estão cursando o terceiro

grau, enquanto os com graduação completa

totalizam 40,8%, e os pós-graduados, 10,9%.

No Brasil, o percentual de pessoas com mais

de 18 anos de idade que supera 11 anos de

instrução era de 27,2% no último levantamento

populacional do IBGE, a PNAD 2005. Entre as

mulheres que trabalham nos bancos, 9,5%

possuem pós-graduação, enquanto entre os

homens o indicador chega a 12,1%. Já a

parcela de graduados é maior entre elas do que

entre eles: 42,9% e 38,8%. A figura 2.2 mostra

a escolaridade dos profissionais do setor.

Figura 2.2 Escolaridade. Fonte: (FEBRABAN 2008).

2. Histórico da Educação Corporativa

As universidades nasceram nos centros do saber que na Idade Média se restringiam à

Igreja, aos mosteiros, com origem fortemente religiosa, porque os padres eram os únicos alfabetizados, os únicos que publicavam livros, e os únicos a organizarem bibliotecas. Foi

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neste ambiente onde nasceu o conceito universidade.

A Educação só se torna pública e de responsabilidade do Estado, após a revolução d e m o c r á t i c a n a I n g l a t e r r a , c o m o Parlamentarismo Democrático e a Revolução Francesa. Este cenário dura todo o século XX. Com a democratização do saber o mundo foi se tornando mais inteligente, com necessidade de se qualificar a população para que os anseios dela mesma sejam atendidos. A sociedade, por exemplo, é feita das interações dos indivíduos que a constituem. Como uma organização e uma organizadora, a própria sociedade retroage para produzir os indivíduos por meio da educação, linguagem e escola. Desta forma, os indivíduos produzem a sociedade e esta produz os indivíduos que a produzem, num ciclo espiral evolutivo.

O mercado cada vez mais exigente e competitivo abre a necessidade de funcionários cada vez mais capazes sob todos os aspectos técnicos, gerenciais e comportamentais. As empresas atuais já perceberam o valor do capital intelectual (CI) e estão investindo cada vez mais nos seus recursos humanos. (SOUZA, 2000) afirma que o capital intelectual não aparece no balanço financeiro da empresa, mas que pode ser mensurado pela diferença entre o valor patrimonial (VP) e valor de mercado (VM). CI = VM-VP.

De acordo com Bayma (1994), as Empresas são impulsionadas a atualizar o conhecimento dos seus trabalhadores com o uso da educação continuada ajustando as suas competências às necessidades empresariais. Uma das maneiras encontradas pelas organizações foi o uso de recursos próprios e específicos, orientados para os objetivos estratégicos empresariais, consubstanciados em programas sob a designação de universidade corporativa (UC).

Nos anos 50 em Crottonville a GE organiza a primeira Universidade Corporativa mundial, esta nova modalidade de educação tem sido aderida por um número vultoso de empresas. Em 2007, os Estados Unidos tinham a p r o x i m a d a m e n t e m a i s d e t r ê s m i l un ivers idades corpora t ivas , com um crescimento de 10% ao ano. Se este crescimento se perdurar, em pouco tempo teremos mais universidades corporativas do que univers idades t radic ionais . Es te crescimento se dá principalmente em função da validade do conhecimento que diminuiu e as empresas não conseguem mais dar este tempo que as universidades tradicionais necessitam para formar este novo conhecimento.

Com a globalização e a Internet as empresas não concorrem mais com as empresa do bairro, da cidade ou do estado. O seu concorrente, assim como o seu cliente, podem estar do outro lado do mundo. Desta forma, as empresas precisam estar constantemente atualizando os seus colaboradores, para que possam reagir à altura dos seus concorrentes e atender às expectativas dos seus clientes, cada vez mais exigentes.

Para Meister (1999, p.2) as empresas do século XXI são diferentes das empresas da metade do século XX. Elas são mais enxutas e flexíveis, enfrentam uma obsolescência rápida do conhecimento, estão em busca de mercados globais e não somente os domésticos, focando na necessidade do cliente ao invés do lucro em curto prazo. O quadro 3.1 mostra as diferenças entre o modelo antigo de empresa e a do século XXI. Para a autora, as Universidades Corporativas surgiram para compensar a qualidade e o conteúdo da graduação e a necessidade de um aprendizado permanente e ágil. Ela não pode mais esperar pela aprovação do Conselho Universitário e outras burocracias que a concorrência atual já se livrou.

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Modelo Antigo Protótipo do século XXI Hierarquia Organização Redes de Parcerias e Alianças Desenvolver a maneira Missão Criar mudanças com Valor Atual de fazer negócios Agregado Autocrática Liderança Inspiradora Domésticos Mercados Globais Custo Vantagem Tempo Ferramentas para Tecnologia Desenvolver a mente Homogenia Força de trabalho Diversa Funções de trabalho separadas Processo de Trabalho Equipes de Trab. interfuncionais Segurança Expectativas do Funcionário Desenvolvimento Pessoal Tarefa das IES Educação & Treinamento América Corporativa mais um

leque de Empresas Educacionais com fins lucrativos.

Ferramentas para Desenvolver aColaboração

Quadro 3.1 mostra as diferenças entre o modelo antigo de empresa e a do século XXI - Extraído da © 1997

Corporate University Xchange, Inc. citado por Meister (1999).

Para Allen (2007, p.3) UC não é um extravagante departamento de treinamento, a melhor maneira para se distingui-los é só olhar para a variedade de atividades que cada um oferece. Um departamento tradicional de treinamento realiza apenas treinamentos enquanto uma UC realiza treinamentos e muitas outras atividades. A UC tem por objetivo principal adequar as competências individuais às estratégias empresariais. Este objetivo é muito mais abrangente e duradouro do que o objetivo de um simples departamento.

A s U C s s ã o r e s p o n s á v e i s p e l o desenvo lv imen to de pessoas e pe lo crescimento das aptidões de uma organização. Allen (2007, p.6) apresenta algumas atividades que a UC poderá estar envolvida, entre elas: desenvolver e implantar programas de treinamento; avaliar tecnologias; implantar e-learning ou programas combinados; contratar vendedores; gerenciar o relacionamento de vendedores; disponibilizar programas de

treinamento interna e externamente à empresa; avaliar programas; avaliar a UC; gerir de parcerias; coaching de executivos; tutoria ou mentoring; definir plano de carreira; contratação estratégica; orientar a novos empregados; definir plano de sucessão; mudança de cultura; mudança estratégica; gestão do conhecimento; gestão da sabedoria; biblioteca e coleção eletrônica de informação e pesquisa e desenvolvimento. Esta lista mostra, em outras palavras, que existem várias maneiras de se desenvolver pessoas além de treinamento.

Meister in Eboli (2004) afirma que a UC traz o colaborador para um envolvimento maior com a organização, com a estratégia, com as várias áreas da organização, enquanto que os centros de treinamentos focam o colaborador de uma forma individual. O quadro 3.2 apresenta de forma sumarizada esta mudança de paradigma dos centros de treinamento para universidade corporativa.

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Mudança de ParadigmaMudança de ParadigmaMudança de Paradigma

Centro de treinamento !

Educação corporativaCentro de treinamento !

Educação corporativaCentro de treinamento Educação corporativa

Desenvolver Habilidades Objetivo Desenvolver as competências críticas

Aprendizado Individual Foco Aprendizado organizacional

Tático Escopo Estratégico

Necessidades Individuais Ênfase Estratégias de negócios

Interno Público Interno e externo

Espaço real Local Espaço real e virtual

Aumento das habilidades Resultado Aumento da competitividade

Quadro 3.2 – Mudança de paradigma dos centros de treinamento para EC – extraído e adaptado de Meister in Eboli (2004).

Allen (2002, p.4) classifica universidade corporativa em 4 níveis, a saber: o primeiro nível, treinamento, onde as habilidades para tarefas específicas são focadas; seguido pelo nível 2, treinamento e desenvolvimento gerencial, neste nível, além do treinamento o f e r e c e , t a m b é m , c u r s o s p a r a o desenvolvimento gerencial de executivos, que e s t ã o p r e p a r a d o s p a r a m o d i f i c a r comportamentos; no nível 3, cursos são oferecidos como créditos acadêmicos. Neste nível as UCs oferecem cursos que são aceitos como créditos acadêmicos, entretanto, poucas empresas oferecem estes cursos por conta da burocracia envolvida, e, finalmente, o nível 4, un ivers idades corpora t ivas oferecem programas de graduação e/ou pós-graduação. Dificilmente uma UC ultrapassa os obstáculos para receber uma autorização e trabalhar como se fosse uma universidade tradicional.

3. A Gestão do Conhecimento

Conceitos básicos a respeito de dado, informação e conhecimento são necessários para que possamos melhor compreender a Gestão do Conhecimento. De acordo com Davenpor t (1998 , p .18 ) , dados s ão observações do estado do mundo, podem ser facilmente estruturados, obtidos por máquinas, quantificados, transferíveis e processados por

computadores. Dado pode ser descrito por meio de representações formais. Imagens, sons e animações também são considerados dados. Por exemplo: dados de uma pessoa como nome, sexo e naturalidade ou, ainda, temperatura ambiente (facilmente medido por máquina). Informação é o dado trabalhado, num determinado contexto, um conjunto de dados relacionados entre si, por exemplo, temperatura da sala de aula. De acordo com o autor, informação é um conjunto de dados dotados de relevância e propósito, requer unidade de análise, exige consenso sobre o seu significado e exige necessariamente medição humana. Já, o termo conhecimento, para Davenport, é a informação valiosa da mente humana, que inclui reflexão, síntese e contexto, de difícil estruturação, de difícil obtenção por máquinas, e por ser frequentemente tácito, é de difícil transferência. O conhecimento no meio empresarial envolve a percepção sistematizada do que existe (aprendizado do passado e experiências semelhantes). O conhecimento envolve, também, o aprendizado e o contínuo refinamento das noções do ambiente estudado. Atualmente o sucesso de uma organização está mais centrado no conhecimento organizacional e no conhecimento individual de cada colaborador do que nos ativos que ela possui. O maior desafio está em administrar este conhecimento; para tanto é necessário, num primeiro momento, identificar o conhecimento

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necessário para o negócio, extraí-lo, democratizá-lo e posteriormente fomentá-lo.

Para Eboli (2004) um dado pode ser transformado em conhecimento seguindo a cadeia do conhecimento. A figura 4.1 mostra que os dados num banco de dados podem ser

processados gerando informação; esta, por sua vez, pode ser analisada, originando o conhecimento, este comunicado gera inteligência e a possibilidade do uso numa aplicação cuja execução será decidida (aplicação do conhecimento).

Banco  de  Dados

Informação

Decisão

Processamento

Aplicação  do  Conhecimento

Inteligência

Análise

Aplicação

Execução

Conhecimento Comunicação

Figura 4.1– Cadeia do Conhecimento – Eboli (2004)

Nos serviços, mais do que na indústria, este conhecimento organizacional e individual é realçado, entretanto, é tão crítico para a instituição de serviço como é para indústria. O produto carrega consigo a cultura e a inteligência da empresa, além da competência essencial que nem sempre é identificada e administrada por seus colaboradores. O valor do produto não está na soma de cada uma das partes que o compõem, mas sim no intelecto de quem o produz.

O conhecimento é que faz a grande diferença nas fábricas de software, nos bancos, nas consultorias, mas o grande desafio está em internalizar na organização este conhecimento que aparece no indivíduo colaborador. Na indústria, esta demanda não é menor, principalmente nas áreas de pesquisa e desenvolvimento, por exemplo. Quin et al apud Klein (1998, p.130) conclui que o intelecto de uma organização funciona em quatro níveis, a saber: o primeiro, o conhecimento cognitivo que é o conhecimento

básico e essencial conseguido através de treinamento; o segundo nível, as habilidades avançadas que de acordo com os autores é a “capacidade de aplicar as regras de uma disciplina a problemas complexos”; o terceiro nível, a compreensão dos sistemas, que trata do conhecimento abrangente, uma visão sistêmica de “causa e efeito de uma disciplina” Neste nível os colaboradores vão além da simples execução de processos, possuem profundo conhecimento de área, dos problemas e das consequências e, por fim, o quarto nível, a criatividade auto motivada que, conforme o autor, é a “vontade, motivação e adaptabilidade para o sucesso.”

Bateson apud Nonaka e Takeuchi (1997, p.67) afirma que o conhecimento tácito está associado à experiência e à subjetividade, enquanto que o conhecimento explícito é racional e objetivo. As distinções entre os dois tipos de conhecimento, o tácito e o explícito, são apresentadas na figura 4.2.

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CONHECIMENTO

Tácito(Subjetivo)

Explícito(Objetivo)

Conhecimento da experiência (corpo) Conhecimento da racionalidade (mente)

Conhecimento do simultâneo (aqui e agora) Conhecimento sequencial (lá e então)

Conhecimento análogo (prática) Conhecimento digital (teoria)Figura 4.2 – Dois tipos de conhecimento. Extraído e adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997, p.67)

O conhecimento pode ser transmigrado e Nonaka e Takeuchi (1997, p.68) apresenta quatro modos de conversão do conhecimento: a) o conhecimento tácito quando é convertido em conhecimento tácito, é chamado pelos autores de socialização; b) o conhecimento tác i to em conhec imento exp l íc i to é

denominado externalização; c) o conhecimento explícito em conhecimento explícito, chamado de combinação e d) o conhecimento explícito em conhecimento tácito, denominado de internalização. Os autores assumem que o conhecimento é criado pela interação entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito. A figura 4.3 ilustra os quatro modos de conversão do conhecimento.

Conhecimento tácito Conhecimento explícito

Conhecimento tácito Socialização Externalização

Conhecimento explícito Internalização Combinação

Figura 4.3. Quatro modos de conversão do conhecimento. Extraído e adaptado de Nonaka e Takeuchi (1997,p.69)

Nonaka e Takeuchi (1997, p.69) consideram socialização como o compartilhamento de experiências, isto é a transferência do conhecimento tácito em conhecimento tácito. Os iniciantes aprendizes aprendem o trabalho não através da linguagem dos seus mestres mas através da observação imitação e prática. Ainda para os mesmos autores, a externalização é um processo de articulação do conhecimento tácito em conhecimentos explícitos. A escrita é uma forma de converter o conhecimento tácito em conhecimento explícito. Uma imagem, por exemplo, é conceitualizada através da linguagem. Combinação, para Nonaka e

Takeuchi (1997, p.75) é o conhecimento formal e estruturado sendo transferido. É a troca, a combinação do conhecimento por meio d e r e u n i õ e s , d o c u m e n t o s , r e d e s d e computadores. Nas escolas e faculdades o conhecimento, normalmente, é transferido desta forma. E finalmente para os autores i n t e rna l i z ação é a i nco rpo ração do conhecimento explícito no conhecimento tácito, está relacionada ao “aprender fazendo”. As experiências através da socialização, externalização e combinação se tornam valiosos ativos quando são internalizadas nos

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indivíduos sob modelos mentais ou Know-how técnico compartilhado.

3.1 Criando conhecimento dentro da organização

Klein (1998, p.1) afirma que as empresas nos dias de hoje competem numa “economia de conhecimento” e as empresas que crescem com as experiências, são as “organizações que aprendem”. Estas empresas que incentivam o capital intelectual veem grande oportunidade de melhoria frente aos concorrentes, e fazem a gestão estratégica do capital intelectual – estas empresas sabem que “conhecimento é poder”. Estas empresas incentivam o desenvolvimento e o compartilhamento de conhecimento. Empresas que têm como estratégia o fomento do capital intelectual devem ter iniciativas / ações no nível operacional, coletando e lapidando ideias e informações colhidas no dia-dia; estas iniciativas envolvem principalmente os recursos humanos, ou seja, colaboradores e tecnologia da informação necessária para a captura, armazenamento e compartilhamento de informações. O grande desafio está em disseminar uma cultura que apoie e incentive o

compar t i l hamen to de conhec imen to , particularmente, aquele conhecimento que foi adquirido por profissionais fora do ambiente de trabalho, como advogados e engenheiros.

Klein (1998, p.70) afirma que no início de u m a o r g a n i z a ç ã o a a p r e n d i z a g e m organizacional é normalmente o sinônimo ou equivale à aprendizagem individual, reflexo de pequeno grupo de pessoas que lá trabalham. À medida que a organização cresce, aparece a distinção entre aprendizagem individual e organizacional. March e Olsen in Klein (1998, p.73) apresentam na figura 4.4 o modelo de aprendizagem organizacional. Os autores afirmam que ações individuais são baseadas e m c o n v i c ç õ e s i n d i v i d u a i s . A a ç ã o organizacional é formada por ações individuais. Se não houver resposta no ambiente, isto significa que as convicções individuais, a ação individual e a ação organizacional permanecem inalteradas. Por outro lado, se houver resposta ambiental, significa que as convicções individuais mudaram, influenciando em todo o resto do círculo.

AçãoIndividual

AçãoOrganizacional

Convicções

Resposta

1

2

3

4

Aprendizagem  Limitada  pelo  papel

Aprendizagem  pela  audiência

Aprendizagem  supersAciosa

Aprendizagem  com  ambiguidade

Figura 4.4 – Modelo de Aprendizagem Organizacional - extraída e adaptada de March e Olsen in Klein

(1998,p73)

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Este modelo, também, aborda os ciclos de aprendizagem incompletos, quando a aprendizagem se prejudica por questões ambientais. São quatro as situações que esse evento pode ocorrer: (1) Aprendizagem limitada pelo papel – acontece quando a aprendizagem individual não tem efeito sobre a ação individual; (2) Aprendizagem pela audiência – quando o indivíduo afeta a o rgan ização de fo rma ambígua ; (3 ) Aprendizagem supersticiosa – o elo entre a ação organizacional e a resposta está rompido (ações são tomadas, a aprendizagem acontece, mas não há uma base real para conectar este dois pontos) e (4) Aprendizagem com ambiguidade – individuo afeta a ação organizacional, que afeta o ambiente e acontece a aprendizagem operacional, mas não a aprendizagem conceitual. É importante que haja um equil íbr io entre essas duas aprendizagens para que a aprendizagem organizacional seja eficaz.

Klein (1998, p.83) afirma que os ciclos de aprendizagem podem não se completar e a c a b a m a f e t a n d o a a p r e n d i z a g e m organizacional. Os três ciclos incompletos de Kim são: a) aprendizagem situacional, a qual e s t á r e l a c i o n a d a à s i m p r o v i s a ç õ e s momentâneas realizadas por indivíduos para resolver problemas que não são codificados para uso posterior, neste caso, nem o indivíduo nem a organização absorvem o aprendizado; b) aprendizagem fragmentada que são situações quando o indivíduo aprende, mas a organização não e, obviamente, quando a organização perde este indivíduo, ela acaba perdendo também; e c) a aprendizagem oportunista, quando algumas tarefas específicas obrigam a organização a realizar os seus procedimentos de forma diferente, uma vez que os estabelecidos não são adequados para a oportunidade. Este compartilhamento do conhecimento, para Allen (2007, p.384), acontece nas discussões da comunidade; nos e-

mails / correio eletrônico; nas reuniões presenciais e virtuais e finalmente na tutoria.

4. A Pesquisa e os resultados alcançados

A pesquisa foi realizada entre os dez maiores bancos comerciais em operação no país dentre os 156 existentes, segundo dados da Bacen (2007), no período de 7 a 18/04/2008, na cidade de São Paulo. Dos dez maiores bancos contatados oito responderam ao questionário e apenas dois se negaram a respondê-lo, alegando “deliberação interna”, ou seja a instituição bancária não responde a pesquisas externas . Entre os bancos respondentes, pelo menos cinco responderam sem colocar grandes empecilhos os outros três tiveram que pedir orientação e permissão a superiores ou a assessoria de imprensa. Isto significa que a metade dos bancos contatados não impôs restrições na divulgação do andamento das suas atividades internas ao mercado, com relação ao tema. Para o leitor interessado no detalhamento desta pesquisa sugiro acessa-la em http://www.unisantos.br/upload/menu3niveis_1258487935688_2008_texto_completo_paulo_roberto_alves.pdf. Reservo este espaço para a apresentação de uma análise geral desta averiguação acadêmica.

O objetivo geral desta pesquisa era identificar o quanto a prática da educação corporativa (EC) influencia na gestão do conhecimento em empresas do setor financeiro localizadas na cidade de São Paulo e apresentar de forma descritiva, o resultado encontrado, com o uso de uma pesquisa quantitativa e com coleta de dados por meio de questionários. Somente os bancos que possuem UC têm também GC implantada de forma estruturada. Apesar da representatividade dentro do universo pesquisado, quase 40 por cento (tem UC formalmente constituída), dentro de um

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universo maior, ou seja, o número de bancos em operação no país, estes bancos que possuem UC e GC implantadas representam pouco mais de 1 por cento. Entretanto, dito pelos respondentes que a UC auxiliou em muito a implantação da GC, ambas as práticas são bastante recentes entre os pesquisados. Além disso, a confirmação dos respondentes afirmando que houve a contribuição da UC na GC, explicitado várias vezes durante a pesquisa que a GC muito se beneficiou após a implantação das UC. Nas organizações, dito pelos principais autores pesquisados, particularmente, Davenport (1998) e Nonaka e Takeuchi (1997) uma organização não sobrevive sem informação em se tratando de grandes corporações que tem a UC implementada, esta prática auxilia a catalisar, expl ic i tar, organizar e mult ipl icar o conhecimento dentro delas de forma estruturada e organizada. A formalidade estruturada da transferência do conhecimento por meio de uma UC facilita a explicitação do conhecimento podendo futuramente ser transferido por meio de treinamentos formais, documentos, normas e procedimentos além de outros meios, assim como o conhecimento tácito pode ser transferido na informalidade entre os envolvidos com a UC e futuramente explici tado. A implantação da GC é influenciada de forma positiva após a implantação da UC e os resultados apontados neste estudo confirmam. Um ambiente formal de conhecimento onde todos os colaboradores têm acesso, que agrega conhecimento a cada participante, também auxilia na diminuição da informalidade da troca de conhecimento. Paradoxalmente, somente os que possuíam UC e GC implantadas reconhecem existência barreiras para a transferência do conhecimento, isto significa dizer que estas duas práticas evidenciam as dificuldades nesta troca de conhecimento. Os participantes da pesquisa que não possuíam UC e GC evidenciaram respostas categóricas que na organização em questão a barreira para a transferência do conhecimento era inexistente.

5. Considerações finais

É possível que muitas outras considerações possam ser rea l izadas , mas as aqui apresentadas, não só se embasam nas análises feitas, mas, também, nas observações realizadas pelo autor nas organizações.

Pode-se considerar, do ponto de vista implementação, que é recomendável a implantação de uma UC antes da estruturação de uma GC, uma vez que esta segunda pode muito se beneficiar. Vale a pena ressaltar que s e g u n d o o s a u t o r e s p e s q u i s a d o s , particularmente, Davenport (1998) e Nonaka e Takeuchi (1997), o conhecimento é a alma da organização sem ele a organização não sobreviveria. Esta pesquisa tratou do conhecimento estruturado organizado de forma a melhorar o desempenho e apoiar a estratégia empresarial e as competências essenciais de uma organização. Foi comprovado por ela que a gestão deste conhecimento com o apoio de uma UC, é facilitada por se tratar de um local formal e respeitado por todos os colaboradores para a transferência do conhecimento e por ser mais que um departamento de treinamento. Meister in Eboli (2004) afirma que a UC traz o colaborador para um envolvimento maior com a organização, com a estratégia, com as várias áreas da organização, desta forma auxiliando na e s t ru tu r ação e mu l t i p l i c ação do conhecimento de forma organizada. Allen (2007, p.6) afirma que a GC é uma das atividades que a UC poderá estar envolvida, e esta pesquisa confirma a ocorrência entre os bancos pesquisados e envolvidos, o mesmo autor (p.372) enfatiza o papel da UC na gestão e no compartilhamento do conhecimento. Eboli (2002) reconhece que o conhecimento coletivo e a cultura corporativa devem, também, ser incentivados através da transferência do conhecimento do indivíduo para a cadeia de valor. Por se tratar de um aprendizado organizacional a UC também pode influenciar.

Espera-se que este t rabalho tenha contribuído para possibilitar, aos gestores

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bancários, o estabelecimento de um caminho mais fácil para o sucesso dos mesmos. Espera-se, também, que este trabalho tenha ampliado a base empírica dos estudos relacionados com a

UC e a GC, uma vez que foi observado, entre o universo pesquisado, que pouco foi realizado nesta área.

Referências Bibliográficas

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Cimara Apostolico 1

Andragogia: um olhar para o aluno adultoAndragogia: um olhar para o aluno adultoAndragogia: um olhar para o aluno adulto

Resumo

O presente artigo pretende destacar a importância de um ensino direcionado ao aluno adulto, não só pelo fato de adultos e crianças aprenderem de formas diferentes, mas principalmente pelas mudanças ocorridas n o s ú l t i m o s d o i s s é c u l o s e q u e revolucionaram a forma de o indivíduo interagir com o entorno. Essas mudanças são de ordem histórica, social e tecnológica e representam a construção de um sujeito cuja condição humana sof reu profundas modificações. Ao referirmo-nos a alunos adultos, podemos destacar diferentes públicos, todavia, nosso olhar estará voltado aos alunos do Ensino Superior, que cursam instituições particulares.

Abstract

This article aims to highlight the importance of an education directed to the adult learner, not only because adults and children learn in different ways, but mainly by changes in the last two centuries that have revolutionized the way individuals interact with the environment. These changes are historical , social and technological developments and represent the construction of a human subject whose condition has undergone profound changes. When referring to adult learners, we can highlight different audiences; however, our attention will focus on students in Higher Education, who attend private institutions.

Palavras-chave: andragogia, educação, ensino superior, aprendizagem.

Keywords: andragogy, education, higher education, learning.

Apresentação

Apesar da urgência de um ensino destinado ao público adulto, ainda há poucos es tudos a r e spe i to de Andragog ia . Pretendemos discutir o assunto e apontar a urgência de pesquisas nesse segmento, especialmente pelo enfoque que é dado ao conhecimento em nossa sociedade. É fundamental esclarecer que nosso objetivo não é o de insinuar uma divisão entre Pedagogia e Andragogia, mas apontar que Andragogia faz parte dessa ciência, que é a Pedagogia, ou seja, a questão primordial é estabelecer distinção entre as formas de aprender centradas na criança e no adulto e a necessidade desse entendimento para didáticas mais efetivas. A Andragogia representa outro aspecto dos princípios da aprendizagem.

Para isso, traçaremos um breve histórico acerca da questão como subsídio para entendimento de alguns aspectos dessa ciência, principalmente pelo fato de a c o n d i ç ã o h u m a n a t e r m u d a d o significativamente, o que fez com que os indivíduos alterassem a forma de participar do processo de construção social, histórica e t e c n o l ó g i c a . E s s a t r í a d e r e q u e r o estabelecimento de novas reflexões frente à

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1 Cimara Apostólico - Mestre em Comunicação e Semiótica – PUC-SP. Corretora de dissertações e teses. Professora da Fac. Guaianás. Profa. Pesquisadora da FICS onde desde o primeiro semestre de 2012 compõe a Grupo de Pesquisa – Oficina de Artigos è orientadora de Iniciação Científica é menbro da Comissão de Edição, Revisão, diagramação e Editoração Eletrônica Augusto Guzzo das Faculdades Integradas Campos Salles – FICS. www.campossalles.edu.br

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maneira como entendemos a aprendizagem e mais que isso, como nós – docentes - lidamos com os diferentes públicos e as várias expectativas.

Apoiaremos nossas ideias em alguns pensadores para maior compreensão desse novo sujeito agente, tentando vislumbrar os caminhos pelos quais devemos nos imbricar para alcançar e atingir este público. Neste trabalho, direcionaremos nosso olhar para o aluno do Ensino Superior dos cursos Tecnológicos e Graduação, partilhando nossa preocupação com relação à Didática empregada para esse ensino.

1. Breve Histórico sobre Andragogia

Há concepções acerca de técnicas e desenvolvimento de aprendizagem docente, todavia, existem poucos estudos voltados especificamente aos alunos adultos. Também falta um olhar que contemple os aspectos afetivos, motivacionais que possam favorecer maior envolvimento entre professor e aluno.

Ao pensarmos em Educação, sabemos que o desenvolvimento da sociedade está associado à escolarização da população; isso significa que é imprescindível investirmos nesse segmento para formação dos indivíduos, propiciando condições para tomada de decisões mais conscientes e assertivas nos diversos âmbitos da vida.

As pesquisas na área de Educação demonstram preocupação e busca de estratégias no sentido de aperfeiçoar a maneira como os conteúdos são construídos. Consideramos importante refletir até que ponto essa transposição de conhecimentos promoverá mudanças na maneira de agir e interagir com os demais indivíduos. Não é possível descartar o conhecimento como ponte para um saber emancipatório, entretanto, sabemos que essa construção demanda atitudes, que precisam ser desenvolvidas.

Também não apreciamos a ideia de restringir determinados ensinamentos à primeira infância ou a educação recebida pelos pais, isso não significa que pretendemos descartar a importância dessa base inicial, mas nossa preocupação é de expandir a discussão para a possibilidade de ensinarmos mais do que conteúdo aos nossos alunos de Ensino Superior.

Considerando o contexto atual – mudanças n a s d e m a n d a s s o c i o e c o n ô m i c a s e mercadológicas, não é de se estranhar a quantidade de cursos tecnológicos que surgem, na última década, para suprir a velocidade do mercado decorrentes das novas tecnologias e da deficiência de formação presente no Ensino Médio, que não prepara o indivíduo para atuar como especialista. Dessa maneira, podemos compreender o aumento do ingresso de alunos na Educação Superior e, portanto, a importância de falarmos sobre Andragogia.

Retomando ao ponto inicial de nossa discussão, entendemos que o conceito de Pedagogia cos tuma ser re lac ionado primeiramente com aprendizagem de crianças, mas sabemos que essa área também abrange o público adulto. Todavia, constata-se que a valorização dada ao ensino de adultos tem recebido tratamento secundário. Vogt e Alves no Artigo Revisão Teórica sobre a Educação de Jovens e Adultos para uma aproximação com a pedagogia traçam um breve histórico sobre o assunto:

O t e r m o a n d r a g o g i a f o i f o r m u l a d o originalmente por Alexander Kapp, professor alemão, em 1833; caiu em desuso e reapareceu em 1921, no relatório de Rosenstok, sinalizando que a educação de adulto requer professores, métodos e filosofia diferenciados. Eduard Lindeman, em 1927, adotou o termo de Rosenstock e usou-o poucas vezes nos Estados Unidos. O vocábulo andragogia foi utilizado amplamente, desde a década de 60, na França, Yugoslávia e Holanda para se referir à disciplina que estuda o processo da instrução de adulto ou a ciência da educação de adulto. (VOGT e ALVES, 2005).

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Malcolm Knowles tornou-se referência no assunto, após estudar distinções entre Pedagogia e Andragogia, que é, de maneira simplificada, o ensino para adultos; aprendizes autônomos e professores como facilitadores na aprendizagem.

Internacionalmente, a preocupação também não é tão recente; em 1949 a UNESCO realiza a primeira conferência concernente à questão:

Desde a primeira conferência sobre Educação de Adultos em 1949, a UNESCO tem trabalhado com os Estados-membros para assegurar que os adultos exerçam o direito fundamental à Educação. Em 1976, a Conferência Geral da UNESCO aprovou a R e c o m e n d a ç ã o d e N a i r ó b i p a r a o desenvolvimento da educação de adultos, que consagrou o compromisso dos governos em promover a educação dos adultos como parte integrante do sistema educacional, numa perspectiva de aprendizagem ao longo da vida. (UNESCO, 2010, pág.12)

Em Dezembro de 2009 foi realizada a última, a sexta conferência sobre a questão, CONFINTEA (Conferência Internacional de Educação de Adultos) com o tema Elos Perdidos das Metas das décadas do milênio. A discussão priorizou a importância de redobrar os esforços para reduzir o índice de analfabetismo. O primeiro compromisso estabelecido foi desenvolver “uma oferta de alfabetização que conduza à obtenção de conhecimentos, capacidades e competências funcionais e sustentáveis pelos participantes, empoderando-os para que continuem a aprender ao longo da vida” (UNESCO, 2011, pág. 4).

Sabe-se que Educação e Sociedade são conceitos intrinsecamente ligados, ou seja, considerando que as nações buscam manter o status de civilização, torna-se prioritária a alfabetização para que as pessoas tenham condições de inserir-se socialmente, em busca do saber emancipatório.

2. Em busca do saber emancipatório

A Andragogia é a ciência que se preocupa com o aprendizado do adulto, buscando pensar estratégias que o auxiliem a alcançar esse saber emancipatório de que se tem tratado com mais ênfase nos últimos anos. Neste sentido, a Didática precisa ser diferenciada e contemplar os aspectos do indivíduo maduro. Knowles aponta cinco premissas, que mudaram a perspectiva de ensino voltado às crianças para o foco em adultos.

O autoconceito, que é o primeiro elemento, aponta a distinção entre dependente e autodirigido. A criança estabelece uma relação de dependência com o professor, já o adulto ele precisa ser direcionado, orientado, mas é ele quem deve fazer escolhas.

O s e g u n d o i t e m r e l a c i o n a - s e a experiências – o adulto obviamente tem muito mais experiência que a criança. Nesse sentido, ele será capaz de interpretar, transformar e dar sentido às várias situações de aprendizagem.

O terceiro ponto é a prontidão a aprender centrada nos papéis sociais – a criança habita seu mundo particular e ainda não consegue se situar numa perspectiva de espaço e tempo social.

O próximo é a perspectiva de tempo – os adultos aprendem à medida que conseguem vislumbrar aplicação prática e breve às situações-problemas. O último é a motivação, que no indivíduo amadurecido precisa ser trabalhada com outros propósitos, em função dos quatro primeiros itens apontados nessa breve descrição. Knowles apontado na tabela 1 sumarização dessas distinções:

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Autoconceito Ser de personalidade dependente para um autodirigido.

Reservatório de experiência Acumula e se transforma em um recurso crescente para aprender.

Prontidão a aprender Torna-se orientada, cada vez mais, às tarefas de desenvolvimento de seus papéis sociais.

Perspectiva de tempo Muda de uma procrastinação do conhecimento à imediata aplicação e orientação, sendo que a orientação da aprendizagem desloca-se de uma aprendizagem centrada nas disciplinas a uma centrada no problema.

Motivação É interna no indivíduo amadurecido.Tabela 1 - Diferenciação entre crianças e adultos

Fonte: Knowles, 1980, pág. 44-45

Compreendemos que o ser adulto está preocupado com a aplicação imediata do conteúdo aprendido; conforme dito, o ensino deve estar centrado em situações-problema, tendo que em vista que ele precisa vislumbrar resultados em curto prazo, principalmente no que tange à capacitação profissional e que possam ajudá-lo na manutenção das necessidades primárias e secundárias, conceito mencionado por Maslow2. O ensino passa a ser uma moeda de troca “mercari” – ele precisa ver finalidade, utilidade e retorno, caso contrário prefere investir o tempo em outras atividades. Gadotti realizou uma pesquisa densa em relação ao aluno adulto que ainda não é alfabetizado, corroborando ao explicar:

O aluno adulto não pode ser tratado como uma criança cuja história de vida apenas começa. Ele quer ver a aplicação imediata do que está aprendendo. Ao mesmo tempo, apresenta-se temeroso, sente-se ameaçado, precisa ser estimulado, criar autoestima, pois sua “ignorância” lhe traz tensão, angústia, complexo de inferioridade. Muitas vezes tem vergonha de falar de si, de sua moradia, de sua e x p e r i ê n c i a f r u s t r a d a d a i n f â n c i a , principalmente, em relação à escola. É preciso que tudo isso seja verbalizado e analisado (GADOTTI. 2003 pág.39).

O autor acrescenta: “A Andragogia tem ensinado que a realidade do aluno adulto é diferente da realidade da criança, mas ainda

não incorporamos esse princípio em nossas metodologias. (GADOTTI, 2003, pág. 39)”.

Por meio de nossas experiências, é possível constatar que esse discurso também é aplicável ao aluno do ensino superior cuja história de vida acompanha e interfere na forma como ele recebe e interpreta o que lhe é transmitido, além, é claro da pressão e cobrança social para que desempenhe cada vez melhor suas tarefas.

Nessa sociedade da informação, conforme descreve Maria da Glória Gohn a dominação e controle são referências. A autora amplia a discussão por meio das métaforas das ondas de Alvin Tofler; “a terceira onda se baseia na substituição da força muscular pela força mental como fator de produção. Ela ultrapassa os limites da economia e da tecnologia, provocando mudanças sociais profundas, bem como mudanças culturais, morais e institucionais” (GOHN, 2008, pág. 66).

Essas mudanças implicaram em valores diferentes; o que antes estava centrado na força bruta do homem e na valorização de bens materiais como riqueza deixa de ser relevante dando lugar ao conhecimento. As competências passam por uma severa revisão, assim, a necessidade de desenvolver

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2  Segundo Abraham Maslow as necessidades dos seres humanos estão colocadas em categorias. São elas: primárias – necessidades fisiológicas e de segurança. Secundárias – necessidades sociais, de estima e de autorrealização.

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operações mentais cada vez mais complexas com vistas a delinear uma visão sistêmica, imaginação e criatividade, consciência dos aspectos éticos, inteligência ecológica e, principalmente, o saber-fazer “savoir-faire” (articular) são condições essenciais para aquisição da nova riqueza ou capital cultural3 , conforme denominado por Pierre Bourdieu.

O termo “articular” foi selecionado propositadamente, uma vez que ‘o saber precisa culminar em competências’, pois de nada adianta uma sociedade repleta de indivíduos obesos de cognição, imaginação etc., que não conseguem colocá-los em prática. E, sobretudo, fazê-lo de maneira eficiente e eficaz.

Nessa breve passagem, podemos inferir a importância de formar um indivíduo competente do ponto de vista cognitivo, não perdendo de vista que o saber emancipatório é processual e depende dos valores e caminho trilhados para a formação desse homem integral, – formar e agir são palavras-chave que devem permear o ensino superior, que independe de faixa etária, conforme veremos a seguir.

3. Plasticidade cerebral

Mas, o ágon entre homem e conhecimento não é tão simples de desenlear; o homem é um ser sócio-histórico permeado por construções e desconstruções frequentes. O estudante adulto não é uma folha em branco4, ele já vem com uma bagagem, que se por um lado é base para dar significado ao aprendizado, por outro, torna-se limitante,

pois crenças, condicionamentos impedem a revisão de ações enraizadas, restringindo seu crescimento.

Reiterando o que já foi dito, as exigências atuais requerem a revisão de alguns conceitos, conforme podemos compreender com Makeliny Oliveira (2009: pág.65 e 66).

O primeiro é o da inteligência, que durante décadas se acreditou ser imutável e mensurável, ou seja, o ser já nascia com um nível de inteligência determinado. De maneira reducionista, é o entendimento da inteligência como dom.

O segundo conceito é o de criatividade, que era considerada como ferramenta de alguns privilegiados. O terceiro é o de memória, que era tida como um receptáculo cujo objetivo era acumular informações.

Vejamos, sem a consideração de que o homem também aprende socialmente, conforme o meio em que está inserido, não é possível sobrepujar esses equívocos. O conceito de plasticidade cerebral precisa ser considerado, pois o homem tem condições de aprender, independentemente de sua idade. Esse conceito inclui também o aspecto biológico:

Atualmente com o avanço dos estudos dos neurocientistas, descobriu-se que o conceito de inteligência como algo imutável não condiz com a realidade humana. Dessa forma, esse conceito foi reformulado, pois se acredita que é na vivência que o homem vai se constituindo e se transformando, podendo mudar não só o meio sociocultural em que vive, mas também o biológico (plasticidade cerebral). Assim, a inteligência é compreendida atualmente como um processo dinâmico, construído na interação do sujeito com a cultura, e pode ser desenvolvida independentemente da idade da pessoa. (NOGUEIRA, 2009, pág. 65).

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3  Por recursos ou poderes, Bourdieu entende mais especificamente o capital econômico (renda, salários, imóveis), o capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), o capital social (relações sociais que podem ser revertidas em capital, relações que podem ser capitalizadas) e por fim, mas não por ordem de importância, o capital simbólico (o que vulgarmente chamamos prestígio e/ou honra). SETTON, Maria da Graça Jacinto. Disponível em: <http://renatadbc.web.officelive.com/Pierrebourdieu.aspx>. Acesso em: 24 set.2011

4  Comenius em seu livro Didactica Magna comenta sobre a importância de iniciar a Educação desde cedo, quando, segundo ele a mente ainda não foi ocupada, principalmente por preconceitos e valores mundanos (COMENIUS, 1621-1657, pág. 35).  

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Quando partimos do pressuposto inatista, torna-se compreensível limitar o conceito de ensinar à mera transposição de conteúdos ao aluno. Naturalmente considerando que o aluno já tem condições de aprender e principalmente, que nessa concepção, o aluno é o responsável pelo próprio aprendizado. Não vamos entrar na discussão de responsabilidades, mas apenas aproveitar a ideia para poder aprofundar um pouco mais a questão. Vejamos, se o aluno é responsável pelo próprio aprendizado – ao professor cabe o papel informativo. Nesse sentido, o aluno que quiser, tiver interesse e principalmente condições cognitivas para acompanhar obterá sucesso; os demais, portanto, serão excluídos do processo, pois nasceram sem o “dom”, sem condições para entendimentos mais complexos.

Apesar da obviedade, muitos de nós temos agido dessa maneira com nossos alunos, funcionários e inclusive pessoas próximas a nós.

Consideramos que o outro não consegue entender o que estamos tentando transmitir. É raro alguém assumir que não sabe se comunicar adequadamente, que entende as informações de maneira distorcida ou que é necessário verificar com mais profundidade o assunto. O que é muito comum ouvir é “Não falou coisa com coisa”, “não disse nada com nada” etc.

Alguns generalizam afirmando que o ser humano é assim mesmo, como se todas as nossas experiências fossem similares e passassem pelos mesmos processos de desenvolvimento durante a vida. Nesse sentido, devemos indagar como ficam as nossas representações. A nossa capacidade simbólica não interfere na percepção que temos dos objetos? Devemos considerar, p o r t a n t o , q u e t u d o t e m a m e s m a representação o tempo todo para os diversos indivíduos?

4. Professor-Gestor

Dentre as necessidades de nossa sociedade, citamos a busca por constante atualização profissional e uma das formas de fazê-lo é cursando o ensino superior: tecnológico ou graduação.

O aluno que ingressa em um desses cursos, não necessariamente atua na área escolhida, por isso, a figura do professor é representativa para aproximar os conceitos teóricos e práticos.

O professor é um especialista na sua área de atuação e possui pleno domínio dos conteúdos, todavia, não é mais possível considerar que o conhecimento, a bagagem do mestre é suficiente para o entendimento do aluno.

Muito se tem estudado sobre a Didática, derivada do grego didaktiké, que tem o significado de arte de ensinar e também está relacionada ao termo techné – prática e como ela pode favorecer as práticas em sala de aula. No entanto, o estudo das técnicas só será válido a partir do momento em que houver uma reflexão por parte do grupo docente sobre sua aplicação em suas práticas. Infelizmente, essa questão nem sempre é bem vista, pois alguns têm dificuldades em lidar com autoavaliações e principalmente, rever paradigmas.

Apesar de o aluno adulto aprender diferente da criança, é preciso esclarecer que ele precisa do professor que intermedeia o entendimento dos diferentes conteúdos. O professor é referência nos processos de ensino-aprendizagem, pois seu papel é de propiciar significado àquilo que está sendo transmitido, caso contrário é preferível que o aluno estude a distância e assuma para si todas as representações possíveis do processo, deslocando-se até a faculdade apenas para realização das avaliações. Assim, a didática é fundamental para facilitar a compreensão do que se pretende alcançar. Não se trata, portanto, apenas de conhecer o conteúdo, mas

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de elaborar estratégias que auxiliem os discentes.

As estratégias de ensino-aprendizagem precisam ser conduzidas consciente e eficazmente. Ainda há muitas dificuldades neste sentido, pois a utilização, por exemplo, de dinâmicas em sala de aula pode caracterizar “passatempo”. Além disso, há uma tendência a limitar dinâmica ao aspecto motivacional. Não descartemos essa possibilidade, mas é preciso abarcar todas as possibilidades que a ferramenta oferece. Também é necessário verbalizar os objetivos a serem alcançados; as aplicações que podem ser estabelecidas em outros âmbitos, inclusive, colaborando com o aluno na associação da atividade com o conceito que se pretende demonstrar e assim por diante.

O p l a n e j a m e n t o s i s t ê m i c o d a aprendizagem é o ponto-chave para evitar improvisações dispersivas, sem ordem. Para que esse seja bem realizado, são necessários critérios que incluem revisão do programa utilizado, bibliografias atualizadas, fixação dos objetivos, avaliação diagnóstica para saber o estágio do aluno, evitando desta forma apriorismos. Devem ser consideradas as demandas sociais para que o aluno não aprenda de maneira dissociada do uso prático, portanto, os problemas reais ou ainda a representação desses problemas compõem o aprendizado.

Hoje contamos com tecnologias, que alteraram a maneira de apreensão dos saberes – os sistemas estão complexos e dinâmicos, havendo diversas opções mais atraentes que a aula expositiva do professor, esse é um agravante que exige uma revisão urgente. A questão a ser respondida é diante de tantos elementos interativos e mais atraentes, como compartilharemos esses saberes com os alunos adultos?

Ao estabelecermos uma analogia com p r o d u t o s , p o d e m o s a f i r m a r q u e o c o n h e c i m e n t o t e m u m a v i d a ú t i l relativamente curta, requer atualizações

frequentes e velozes. Os indivíduos lidam com a dificuldade em administrar o próprio tempo, que parece cada vez mais limitado. Nesse universo de informações sentimo-nos dispersos e com dificuldades em ser mais assertivos. Aliado a esses elementos, a maioria dos indivíduos, ao longo da história, sempre teve dificuldades em rever os pa rad igmas – há uma t endênc ia à acomodação, em manter-se na zona de conforto, que é um caminho delicioso, mas que pode impedir, por exemplo, que trabalhemos com práticas mais atrativas para o nosso aluno.

A estratégia de ensino-aprendizagem contribui efetivamente para a apreensão dos saberes, por essa razão cabe ao professor oferecer ao aluno oportunidade para estruturar o conhecimento’. Essa estruturação ocorre por meio da transformação do conhecimento em um saber fazer.

Um elemento que favorece a estratégia é a criatividade, que conforme comentado, não é privilégio de poucos, mas pode ser desenvolvida à medida que nos propomos a utilizá-la. Somos nós que lucramos quando procuramos meios de facilitar o aprendizado para nosso aluno, não só pela gratificação em vê-los aprendendo, mas porque nos tornamos mais competentes, melhoramos a autoestima, projetamos uma imagem positiva; em síntese, há uma substancial melhora em termos da percepção que temos a nosso respeito, de nossos alunos e dos indivíduos que nos cercam.

Dentre as técnicas, podemos citar: tempestade cerebral, grupos de verbalização, painéis, simpósios, seminários, debates, estudos de casos, dramatizações, oficinas, dinâmicas, excertos de textos para discussão etc. Recursos como filmes, músicas, histórias em quadrinhos também fazem parte dessas técnicas e devem ser usados com coerência. Lembramos que a técnica apoia a estratégia e isso significa que não é simplesmente trazer o filme, a música, fazer os simpósios, uma

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dramatização etc. – esses são simplesmente apoios da proposta maior que é o aprendizado e que não deve ser perdido de vista, portanto, o professor precisa aprender a ser gestor.

Gestar a sala de aula é uma tarefa complexa, o profissional deve possuir algumas características de liderança educacional, dentre elas podemos citar o envolvimento. Envolver-se é a capacidade de reconhecer as questões que não estão claras, não são óbvias e conseguir intervir para que elas sejam solucionadas. Há muitos problemas em sala de aula que não são trazidos à superfície. Por experiência, observamos que quando os alunos reclamam a respeito de determinado item, nem sempre expressam a causa. As raízes, muitas vezes, ficam camufladas, sendo que os próprios alunos podem não ter consciência a respeito. O líder que desenvolve essa característica busca aprofundar-se e evitar que a situação se agrave.

O envolvimento também se relaciona à mediação, ou seja, fazer com que alunos tenham bons relacionamentos interpessoais. O grupo precisa estar unido para conseguir finalizar o curso. Em outras palavras, o aluno que se sente isolado acaba desistindo da jornada.

O bom-senso também é fator primordial, pois a postura do professor é avaliada o tempo todo; assim pequenos detalhes como cuidar do vocabulário, evitar generalizações, reducionismos ou crenças ultrapassadas favorecerem a imagem profissional. A imparcialidade é sempre favorável, pois é complicado quando o aluno nota preferências por parte do professor. Naturalmente, sabemos que é do ser humano a tendência a preferir um indivíduo a outro; por isso a cautela deve permear as relações.

Julgamentos, preconceitos também compõem esse olhar. Quando um aluno tem preconceito em relação ao colega – todos relevam, mas se o professor agir dessa maneira, ele será alvo de avaliações

negativas, inclusive por parte do aluno, que primeiramente manifestou o preconceito. Envolver-se, portanto, não significa agir como o aluno, mas interagir e, naturalmente, não perder de foco sua atuação como gestor.

Outra característica é o de construtor de aprendizagem – não simples transmissor de conteúdo. Essa construção deve ser compartilhada: o professor-gestor precisa motivar o aluno por meio de estratégias diversas, por exemplo, situações-problemas que estimulem os estudantes em busca de soluções. As pessoas precisam ter desafios, que sejam possíveis de solucionar e promovam crescimento individual. O ensino é coletivo, mas a aprendizagem é individual – não é possível assumir a premissa de que todos que cursam o Ensino Superior têm os mesmos níveis de entendimento. Nessa linha de pensamento, ao elaborar a avaliação, deve-se ter cautela para que essa não se restrinja a ideia de mensurar o quanto o aluno aprendeu, mas que aponte para o caminho do que ainda precisa ser ensinado para que ele alcance os objetivos propostos.

A sociedade hoje tem escolha: professores podem discutir assuntos antes considerados tabus ou formas de expressão subversivas como ideologias e seus aparatos, teorias darwinistas, sistemas políticos, corrupção etc. Não seremos envenenados com cicuta ou queimados na fogueira por difundir ideias, mas precisamos lembrar que estamos lidando com seres humanos, que já chegam com seu repertório moldado e por essa razão é sempre importante planejar, pesquisar, analisar para não ‘transmitir vírus, danificar a memória ou o hardware’ do nosso aluno.

Existem muitas características não mencionadas do professor-gestor e que podem ser estudadas como forma de aprimoramento. As observações dadas servem para ajudar a memória, que já se esqueceu de suas potencialidades, mas sabemos que o entorno, as circunstâncias, a experiência, a percepção é que determinam nossas opções e

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quais caminhos devemos trilhar na sala de aula.

Considerações finais

Sabemos da importância em estabelecer bases consistentes para formação do público infantil, apesar disso insistimos que enquanto não é possível alcançar o patamar esperado nas séries iniciais, devemos continuar nossa jornada e investir nesse público adulto, propiciando formação que esteja além do tradicional banco escolar, buscando atender as necessidades individuais que auxiliem a sociedade como um todo.

Mais uma vez reiteramos que a Educação precisa ser vista além de uma escolarização voltada apenas a aspectos cognitivos – o indivíduo precisa ter formação integral ou holística, termo difundido na atualidade, para

saber o que fazer com o conhecimento adquirido.

A Andragogia deve, urgentemente, ser estudada em sua complexidade, para que p o s s a m o s e n c o n t r a r c a m i n h o s d e aprendizagem mais favoráveis ao indivíduo adulto, considerando sua subjetividade, pois o pilar que sustenta a sociedade é a Educação, por essa razão, ela não deve estar voltada a p e n a s a a s p e c t o s r e l a c i o n a d o s à memorização de informações e/ou que se volte para questões de ordem meramente estruturais.

Propiciar condições para formação de um indivíduo integral é considerá-lo como agente no processo de construção e reconstrução, um ser capaz de avaliar e rever seus valores, de perceber-se como parte do sistema e, principalmente agir de maneira imparcial.

Referências Bibliográficas

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Semântica, lexicometria e representação do conhecimento: congruências e aplicações ao ensino de

língua materna

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Semântica, lexicometria e representação do conhecimento: congruências e aplicações ao ensino de

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Resumo

O s i n s t r u m e n t o s d e t r a t a m e n t o informatizado de dados textuais abrem novas perspectivas para os métodos de análises de dados qualitativos. Este documento discute as operações para a reorganização formal das sequências textuais e das análises estatísticas aliadas à análise de conteúdo, lexicometria e à Semântica para estudar o vocabulário de um corpus de textos, com aplicações ao ensino de línguas.

Abstract

The statistics and textual data analysis open new opportunities for content analysis. This document discuss the operation to formal reorganization of the texts sequences and of the statistics analysis allied textual data analysis, lexicometry and Semantic for studying the vocabulary of the textbody with application to language education.

Palavras-chave: lexicometria; análise de conteúdo; semântica e ensino de línguas.

Keywords: lexicometry; content analysis; semantic and language education.

1. Introdução

Sabe-se que o sistema linguístico é um dos sistemas de significação humana. Outros sistemas de significar o mundo, o homem e o conjunto de relações advindas existem e estão em constante atuação nas práticas humanas historicamente construídas. Nesse aspecto, criar a si mesmo histórica e socialmente como um ser dotado de sentido e de potencialidades, parece-nos tarefa de um sujeito em permanente construção e reconstrução de seu saber e de seu saber-fazer, que, no complexo social, linguístico e cultural, são ações dinamizadas tanto por recortes e relações conceptuais para a produção de novas significações, quanto pelas articulações de diferentes redes significativas em circulação no cenário social, em semiose ilimitada.

Em sociedade, a dinamicidade dos diferentes e múltiplos agrupamentos sociais atesta a existência de uma variabilidade de d i s c u r s o s - c o n c r e t o s , p r o d u z i d o s e reproduzidos no quadro geral da comunicação humana, que, pela correlação espaço <> tempo, possibilita a apreensão de diferentes e múltiplas significações, visão de mundo e recortes culturais. Essa relação entre espaço <> tempo motiva, constantemente, o aparecimento e a troca de um número considerável de construções léxico-sintáxico-semânt icas propostas por um duplo significante: sujeito de um fazer e também espectador desse fazer.

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1 Elizabete Damasceno - Professora Doutora de Língua Portuguesa, Prof . Pesquisador da FICS, onde desde o primeiro semestre de 2012 compõe a grupo de pesquisa – oficina de artigos e Inicialção Científica das Faculdades Integradas Campos Salles – FICS. www.campossalles.edu.br

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Duas ações - individual e coletiva – possibilitam a existência de uma sintaxe das significações humanas, em suas relações interiores e exteriores, de que resultam a integração e a interação dos sujeitos aos espaços que lhe são correspondentes, pela produção de mensagens plurissignificativas e, por isso, plausíveis. Eis operações construtoras de rede de leitura constituída de saberes culturais, relações sensíveis e julgamentos com os quais potencialidade de significação e enunciados (re)encontram-se e são ajustados por um “eu”, que coloca em movimento não só projetos de ação e de interação e visadas de saber, como também um conjunto de emoções, sob a ordenação de uma configuração complexa: a figurativização de objeto(s) de valor para a construção do tecido discursivo.

Nesse cenário, constroem-se e consolidam-s e m o v i m e n t o s d e p a r t i c i p a ç ã o , responsabilidade e compromisso social, a fim de que se possa atender à diversidade e às diferenças, aos desejos, necessidades e demandas da modernidade e da tradição, em que conteúdos “conceptuais”, “factuais”, “procedimentais” e “atitudinais” constituem reflexo e seleção de aspectos da cultura, e contribuem para o desenvolvimento da i n d i v i d u a l i z a ç ã o e s o c i a l i z a ç ã o d e competências e habilidades em diversas e diferentes “áreas” e “domínios de saber”, que não podem se apresentar descontextualizadas da construção e do desenvolvimento cultural, para mais além da esfera individual ou pessoal, no âmbito de finalidades e tarefas compartilhadas, compromissos e implicações , considerados acordos e contratos consensuais, a exemplo das línguas naturais.

2. Semântica e representação do conhecimento

Dos diferentes discursos manifestos em diferentes códigos produzidos e reproduzidos socialmente, muitas significações são também produzidas e, recuperadas pelos sistemas

semióticos, armazenadas como grandezas-signos na memória do(s) falantes(s) convertidas em modelos disponíveis para atualização e em modelos para nova(s) análises(s) dos dados da experiência, caracterizado(s) por constantes movimentos de reflexão, projeção, recepção e ação.

Dentre outros, o código linguístico, considerada a sua natureza e o seu funcionamento, apresenta-se como um sistema de significação altamente produtivo: elabora, c o n s t r ó i , e s t r u t u r a e r e f o r m u l a , permanentemente, os dados da experiência, considerados os diferentes toπoi, cujos resultados de recorte(s) sobre substância amorfa são novos recortes conceptuais, tanto em relação ao processo de estruturação de novas funções semióticas e metassemióticas (PAIS: 1993), como em relação à codificação de novas informações, que, como já se afirmou, são recuperadas pelo sistema e armazenadas no banco de memória do(s) falantes para suas novas atualizações, constantes e ilimitadas.

Pela produção de atos comunicativos, interativos, reconhece-se o dinamismo das estruturas linguísticas, ou dito de outro modo, r e c o n h e c e m - s e a e s t r u t u r a ç ã o e a reestruturação de unidades léxicas, definidas c o m o u n i d a d e s m e m o r i z a d a s , e m competência, pelo falante, uma exigência do próprio meio sócio-cultural, em constante evolução.

Entendemos que entre Universo Léxico de uma comunidade considerada e estruturas s ó c i o - c u l t u r a i s h á u m a r e l a ç ã o d e interdependência, que pode ser verificada, compreendendo-se o conjunto dos elementos efetivos e virtuais do sistema linguístico considerado; a combinatória e as exigências da distribuição semiotáxica; o processo e condição da produção discursiva e seu próprio funcionamento no espaço da vida social; a norma e registros linguísticos empregados em relação também ao contexto e à situação vivenciados pelo(s) falante(s) em seus atos de

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comunicação, considerados os vários tipos e gêneros textuais em circulação na sociedade.

No espaço discursivo, vertentes figurativas possibilitam o aparecimento do sentido como conteúdo de um estado inicial a transformar-se e de uma estado final transformado e contextualizado, fundantes de significação e de veridicção histórica, autorizados e sustentados que são por uma competência cultural. Eis rede de linguagem complexa, que sustenta sistema de valores, relação hierarquizada de diferentes códigos em operação, segundo metassistema conceptual concernente ao sistema de significação produzido culturalmente e subjacente ao nível p r é - e t r a n s c ó d i g o d a c o m u n i d a d e considerada.

Acrescentamos, ainda, que designações são produzidas, recortes são elaborados no continuum da existência (HJELMSLEV:1971), a partir de sistemas precedentes compatíveis e coerentes com a relação entre classes de equivalência e domínios de experiência, possíveis por uma metassemiótica cultural (estrutura estruturante) e construídos por um léxico e gramáticas conceptuais, que permitem a produção e o relacionamento de recortes culturais (RASTIER: 1987). A passagem de um código a out ro se dá graças à intermediação desse metassistema conceptual, subjacente – em nível de estrutura hiper-profunda – em relação aos Discursos e Universos de Discursos e aos sistemas em constante operação. O metassis tema conceptual apresenta-se, pois, como um primeiro nível de análise dos dados da experiência, configurado por um léxico conceptual, segundo regras de sintaxe conceptual de um lado, e um conjunto de e n u n c i a d o s c o n c e p t u a i s d e o u t r o , interdependentes.

Ora, isto conduz a pensar que a ligação entre sémiosis e noésis é muito mais estreita e mais profunda do que geralmente se admite. Representações semióticas e representações mentais não podem ser consideradas

independentes, embora pertençam a domínios d i f e r e n t e s . O d e s e n v o l v i m e n t o d a s representações mentais se efetua(m) como uma interiorização das representações semióticas ao mesmo título que as imagens mentais são uma interiorização de perceptos (VYGOTSKY:1985; PIAGET:1968a; DENIS:1980 apud DUVAL:1995). A compreensão conceptual, a diferenciação e a matriz de diferentes formas de raciocínio, assim como as interpretações de enunciados ligam-se, inteiramente, à mobilização e à articulação quase-imediata de muitos registros de representação semiótica, cuja representação depende de coordenação entre interiorização de perceptos, imagens mentais, interiorização d e r e p r e s e n t a ç õ e s s e m i ó t i c a s e d e desenvolvimento de representações mentais efetuadas, elaboradas por um sujeito, imerso na pluralidade dos sistemas semióticos que p e r m i t e m u m a d i v e r s i f i c a ç ã o d e representações de um mesmo objeto e o aumento das capacidades cognitivas dos sujeitos e, em consequência disso, de suas representações mentais, uma atividade cognitiva primordial.(BENVENISTE:1998)

Desta feita, na perspectiva da semântica interpretativa, e da semântica e mesmo da análise da inteligência artificial, algumas questões se apresentam, tais como:

a) que é ler um texto?b) que instruções possibilitam atualizar o conteúdo de um texto, desde os traços de significado?c) como acessar o sentido? d) como representar o sentido ou os sentidos de um texto e descrever as relações de sentido?

e) por quais operações de interpretação pode-se chegar a produzir seu conteúdo?

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3. Lexicometria, representação gráfica do conhecimento e ensino de Língua(s)

A análise lexical, textual e discursiva, com o auxílio de instrumento da informática e instrumentos matemático e estatístico (estatística paramétrica), coloca-se à disposição de uma análise objetiva, descritiva e “científica”.

Do tratamento automatizado de um inventário lexemático, constituído de 27.950 palavras-ocorrências , a tual izadas em discursos-concretos - as 180 redações de alunos de série final de ciclo fundamental de estudos, recolhidas ao longo de um ano de letivo, distribuído em início, meio e fim de processo de ensino-aprendizagem, de seis (06) diferentes escolas de ensino fundamental, representantes de três diferentes regiões da Capital do Estado de São Paulo – foi-nos possível configurar do vocabulário geral avaliado, o vocabulário de base ou comum, o vocabulário preferencial e o vocabulário diferencial, um arsenal relativamente poderoso que permite a seus possuidores enfrentar a agressão dos objetos e das situações nominalizadas, que, por sua vez, dependem de um vocabulário muito mais amplo, inscrito numa “memória” que faz aparecer, a todo momento, eventuais sujeitos à procura de predicação.

Do ponto de vista do processo, a análise quali-quantitativa de textos, com o auxílio da ferramenta STABLEX – instrumento desenvolvido por André CAMLONG,(1991), da Universidade de Toulouse – Le Mirail – CRIC – permitiu-nos trabalhar com indivíduos lexicais, constituintes do texto que veicula o discurso, reter números de base para operar com medidas comparativas e descritivas, a f im de se caracter izar topológica e combinatoriamente os elementos lexicais do corpus dado e delimitado, de que já resultou par te das r e f l exões sobre aspec tos relacionados ao ensino do vocabulário em

Língua Portuguesa (língua materna) em escolas de ensino fundamental, apresentadas, por nós, em dissertação de doutoramento, na FFLCH/USP—Departamento de Linguística.

Dessa e tapa , buscamos , agora , o aprofundamento da avaliação, porque, acreditamos, ser possível verificar a possibilidade da produção de sistemas axiológicos, e as performances emissivas e as receptivas dos participantes de uma mesma comunidade sóciolinguísticocultural para poder situar a rede das comunicações sociais generalizadas e a rede das formas e modos de seu exercício, caracteres asseguradores do estatuto social do indivíduo, segundo estratos e estados definidos por exercícios de correlação e covariação entre elementos. Por certo uma tipologia de Universos Semânticos deve, ainda, ser construída, uma vez que um m e s m o s u j e i t o a s s u m e p a p é i s sóc iossemió t icos d i fe ren tes , porque pertencente a grupos sociais diferentes e participante de diferentes e várias situações de comunicação.

Se, por um lado, a lexicometria, pelo encadeamento de medidas e operações, oferece a imagem do discurso – o peso de cada um dos casos da matriz; as linhas de força que nos permite descrever qualidades comuns, preferenciais e diferenciais do vocabulário efetivamente empregado; avaliar a tendência (reta de Henri) e compreender a integridade do discurso pela operação relação/valor (estrutura ou não de conjunto, presença de vocabulário r i co ou pobre , e sua t endênc ia ao enriquecimento ou ao empobrecimento); por o u t r o , a r e p r e s e n t a ç ã o g r á f i c a d o conhecimento pode se beneficiar dessa análise lexicométrica para deixar transparecer propriedades e marcas características, dadas por graus de variabilidade, tolerância e liberdade, e por linhas de determinação.

Este estudo, em seu segundo momento, teve então, como ponto de partida o levantamento geral dos dados já recenseados e tratados, numa primeira abordagem, para,

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desse mesmo levantamento, aprofundar ainda mais o estudo. E, num momento ainda posterior, apoiado nos fundamentos de Semiót ica , Lexicologia e Semânt ica Cognitiva, explorar, de forma gradual e mais aprofundada, a manifestação sintagmática aliada à forma de organização discursiva (tipos e gêneros textuais), compreendendo-se unidades frásticas e transfrásticas. Segue-se o estudo da organização específica das unidades constituídas, e, simultaneamente, da conotação particular, determinada e delimitada de tal tipo de organização textual, de que um ponto de convergência se instala: um entremeado na polissemia de todos os instantes-significações pertencentes a n-metadiscursos, dos quais planos isotópicos de ordem lingüística – interdependentes e intercomplementares – apresentam-se sob a forma de enunciados qualificados e funcionais, evocadores, certamente, de uma espécie de rede (esquemas de entendimento), componente(s) de uma taxeonomia gramatical, definidora de um conjunto de interrelações e de interações, que é necessário examinar, para que, em seguida, seja possível a construção, então, de mapas conce i tua i s ou esquemas de en t end imen to , s egundo me ta r r eg ra s interpretativas atualizadas e postas em jogo(s) de linguagem, posto que um texto é produto do encontro entre uma língua, um homem e uma sociedade.

Dadas as características da sociedade contemporânea, em que novas formas de autonomia, de cooperação e de trabalho são assumidas, assuntos relacionados à Ciência e Tecnologias da Linguagem têm recebido especial atenção. Progressos na área técnicocientífica têm caracterizado a contemporaneidade, no quadro das Ciências e suas aplicações, considerados diferentes eixos temáticos, relacionados a múltiplos assuntos, particularmente vastos, em suas diversas perspectivas.

No tocante às questões relacionadas à Educação, área caracterizada por relações de

autonomia e cooperação, compartilhamento de saberes em situação de interatividade social, como processo permanente de construção e busca de saber e de saber-fazer, a presença de alternativas para dar conta de dificuldades, vivenciadas tanto por educadores como por alunos, têm motivado a adoção de novas p o s s i b i l i d a d e s p e d a g ó g i c a s , q u e , contextualizadas, procuram a valorização da atividade humana para a melhoria das condições de vida do homem.

E no tocante, sobretudo, à Pedagogia de Línguas, o desenvolvimento de competências e habilidades cognitivas e metacognitivas requer, tanto do professor quanto do aluno, um conjunto de (novos) valores, relações, interações e papeis para compreender m e c a n i s m o s e p r o c e d i m e n t o s d e processamento e reconhecimento de r egu lamen to e con t ro l e do p róp r io conhecimento, sob diferentes dimensões e formas de interação. E ou se considerem características e princípios relacionados à ordem natural do mundo, refletidos na linguagem, ou se considerem natureza e dimensões constitutivas da faculdade de simbolização, ou se considere o conjunto dessas relações e princípios, por sua vez, relacionados a sistemas de ensino versus sistemas de aprendizagem, estão no centro das discussões o homem, o pensamento e o simbólico; a imagem e o discurso no processo das relações de identificação, o conhecimento e o reconhecimento: o fio de Ariadne.

Diante do exposto, julgamos interessante o levantamento de aspectos que possam contribuir para a reflexão sobre a Pedagogia de Línguas, notadamente para o Ensino de Língua Portuguesa, considerados também os documentos oficiais, levando-se em conta a formação linguístico-cultural dos participantes de uma comunidade considerada e critérios lexemáticos e conceptuais, dentre outros, que possam orientar a leitura, a interpretação e a produção de textos, uma das áreas possíveis de aplicação. A partir de situação de ensino-

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aprendizagem de língua já amplamente conhecida , constituem-se objetivos:

a) mostrar a importância e o alcance de um estudo de texto, do ponto de vista da análise lexicográfica, como instrumento capaz de medir e mapear conhecimento para atingir propósitos produtivos;b) analisar os impactos dessa base tecnológica sob o número de aspectos de desempenho e formação de redes de inovação, indicativas de novas abordagens e procedimentos metodológicos.

E no conjunto dessas reflexões gerais, formalizam-se também:

a) desenvolver índices adequados para a produção, seleção, armazenagem e atualização de conhecimento por meio de representações lexicais, textuais e discursivas; b) trabalhar com representações gráficas do conhecimento, no domínio da psicologia e da semântica cognitiva;

c) r e v i s a r , d e f o r m a g r a d u a l e aprofundada, elementos de trabalho com vistas à descrição e atualização de i n s t r u m e n t o s , m e c a n i s m o s e procedimentos;d) avançar o estudo descritivo pela análise dos dados por meio de exercícios de correlação e covariação, através de procedimento da estatística paramétrica, objetiva, científica e indutiva;e) analisar o funcionamento de aplicativos d i spon íve i s , e ace s s íve i s , como ferramentas , possíveis, embora não i m p r e s c i n d í v e i s , d e m a p e a r conhecimento;f) padronizar documentação por meio de processo de automação, de criação, catalogação e reorientação com base em regras pré-estabelecias;g) estruturar o conhecimento para representar um processo, a fim de se criar uma base de conhecimento;

h) categorizar e construir mapa(s) conceitual ou mapa(s) de competência;

i) promover considerações teóricas e prát icas que possam advir como constructores e indicadores de inovação, com base em conhecimento e tecnologia apropriados para representar propriedades do conhecimento;

4.Esquemas de entendimento e representação gráfica do conhecimento

Representações mentais e representações semióticas não podem, pois, ser consideradas independentes. Não há noésis sem sémiosis - sem recorrer à pluralidade ao menos potencial de sistemas semióticos, recurso que implica sua coordenação pelo sujeito ele-mesmo. Isto nos conduz a pensar que há uma ligação estreita entre noésis e sémiosis e é sabido que a compreensão conceptual, a diferenciação e a matriz de diferentes formas de raciocínio, bem como as interpretações de enunciados ligam-se ao dinamismo e à articulação de muitos registros de representação semiótica. È, pois, uma atividade cognitiva primordial.

Trate-se de tarefa intelectual, de um exercício de raciocínio, de explicação ou cálculo, ou, ainda, de uma resolução de p rob lema , ou de uma a t iv idade de ( re ) tex tua l ização . Encont ram-se , a í , representações semióticas convertidas para serem tratadas, cujo caminho consista em distinguir não só o valor epistemológico e valor de verdade de uma proposição, como seu estatuto e conteúdo, caminhando-se da análise funcional para a análise estrutural.

Nes t a pe r spec t i va , l í ngua e f a l a apresentam-se como duas instâncias autônomas e instauradoras do lugar de encontro para a produção de sentido, que, aplicadas a uma comunidade cultural definida, colocam em evidência a distância separadora do que é coletivo e individual da existência semiótica. A resultante da descrição de

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mecanismos da língua natural e da construção de conceitos epistemológicos que ela supõe confronta-se com todas as outras formas de existência social e individual.

Como já nos referimos, a compreensão conceitual, a diferenciação e a matriz de diferentes formas de raciocínio, assim como as interpretações de enunciados ligam-se, inteiramente, à mobilização e à articulação quase-imediata de muitos registros de representação simbólica, cuja representação depende da coordenação entre interiorização de perceptos, imagens mentais, interiorização d e r e p r e s e n t a ç õ e s s e m i ó t i c a s e desenvolvimento de representações mentais efetuadas e elaboradas por um sujeito – i n d i v i d u a l e c o l e t i v o – i m e r s o n a multiplicidade de sistemas de significação, que permitem a diversidade de formas de representação de um mesmo objeto e aumentam as capacidades cognitivas dos sujeitos e, em consequência, as suas representações mentais.

A forte ligação entre funcionamento cognitivo do pensamento e a diversidade de registros de representações, consideradas as duas atividades – o raciocínio e a compreensão de textos – poderia melhor descrever os processos que lhe são subjacentes? E será, pois, a forma figurativa – por meio da qual se manifesta a participação mais geral dos indivíduos que a compõem – uma das características principais da dimensão semiótica de uma sociedade considerada?

Considerando-se que as instruções interpretativas são construídas, e não dadas, a questão, então, poderia residir não na escolha deste ou daquele método, mas na estratégia adotada e na teoria de que ela procede. Desta feita, a definição da unidade lexical numa perspectiva enciclopédica, segundo uma norma regente, e a construção de isotopias, poderia permitir não só integrar aspectos importantes relacionados à extensão do corpus, ao conhecimento do sistema linguístico e estruturas idioletais e o sistema

funcional da língua, como também atualizar componente(s) semântico(s) do(s) texto(s) considerado(s), observando-se as diferenças diatópicas, diastráticas e diafásicas de uma língua funcional e sintópicas, sintrásticas e sinfásias, se considerado um só nível de língua e sob uma só forma de um só estilo.

De acordo com NOVAK (1981), mapas conceituais podem ser construídos de forma uni, bi ou multidimensional, de acordo com: 1. encadeamento linear de conceitos e, portanto, esquemat ização l inear de idéias ; 2 . categorização de conceitos e ligações, segundo associações das mais simples às mais específicas, representadas por categorização causal ou temporal; 3. ou sob o formato de ‘hipertextos’. Mapa conceitual constitui-se em um conjunto de conceitos interrelacionados, s e g u n d o u m a e s t r u t u r a h i e r á r q u i c a proposicional, e permite, através de recursos gráficos, enfatizar semelhanças entre conceitos pela semiotização do percurso que conduziu à sua construção.

E segundo AUSUBEL (1963), mapas conceituais podem ser utilizados para a promoção de diferenciação conceitual, progressiva e integrativa, de sorte que cada i n d i v í d u o r e e l a b o r a o p r o c e s s o d e significação, atualizando sentidos em conformidade com sua própria bagagem cultural. Mapas conceituais aparecem também como uma tecnologia para negociar significados, o que é feito por meio de propriedades, tal que a forma de representação se fundamenta em:

a) tipificação dos conceitos e classes de conceitos;b) níveis e operações de abstração e n v o l v i d o s n a c a t e g o r i z a ç ã o d e informações.

Colocamos, mais ainda, a construção de uma microssemântica, como hipótese de trabalho, segundo a qual a construção de mapas conce i tua i s , de f in idos como representações mentais, seriam organizados, de sorte que três percursos elementares de

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atualização poderiam se realizados, a saber: 1. de traços de significado inerente a um outro traço de significado inerente; 2. de traço de significado inerente a aferente; 3. de traço aferente a um aferente, de acordo com norma(s) e lei(s) de interpretação contextuais à propósito da determinação da coesão textual.

Ora, se as condições de atualização de um traço de significado depende de uma pertença contextual , qual é a garant ia desse pertencimento? Uma análise textual deve operar uma seleção por meio de traços atualizados, de que a estratégia e a tática interpretativas podem ser regradas por uma racionalidade, e ser o objeto de uma descrição científica, que, por sua vez, permita a plausibil idade de diversos percursos interpretativos, de sorte que se reconheça para cada palavra os componentes próprios de uma língua, que o contexto e a situação de comunicação convocam ou virtualizam. (RASTIER:1987b)

A construção de esquemas de entendimento e/ou a representação gráfica do conhecimento pode se beneficiar de estratégias e de procedimentos tais que os sentidos de um texto não sejam mais somente acessíveis à intuição, mas também, e sobretudo, descritos racionalmente.

5. Língua: sistema de possibilidades ou de virtualidades

A historiografia da Lingüística é marcada pela passagem de uma modelização referencial à intensional. A gramática da Antiguidade (perpetuada pelas gramáticas escolares) desenvolveu formas descritivas, de modo que categorias foram definidas em termos referenciais, sob tipologia diversa; categorias definidas, a exemplo, por referência a estados psicológicos dos locutores (modos optativo e dubitativo); por referência a tipos de objetos designados (nomes e pronomes definidos e indefinidos); por referência à posição da

própria categoria ou do seu substituto ( a d v é r b i o , i n t e r j e i ç ã o e p r o n o m e s substantivos); por relação ao contexto gramatical (particípio - nome/adjetivo e verbo - e conjunção - elementos de ligação de frases ou sintagmas) e por referência ao uso e à origem das formas (nomes - comum, próprio, de ornamento, e neologia - compostos e derivados).

A representação espacial permitiu a descrição de objetos e sua correspondência a dados exteriores; descrição, segundo uma justaposição, que definiu a língua como organismo estático, o que implica contexto referencial imediato e apoio em regras formuladas em termos de conteúdo, proposta de constituição hierárquica sobre regras, marcas flexionais e derivacionais, cuja base se dá sobre conteúdos nocionais e não de acordo com uma integração tipológica.

D i s t o d o i s f a t o s s e a p r e s e n t a m estreitamente relacionados: o desenvolvimento de uma reflexão metodológica de um lado; e de outro, o desenvolvimento de um trabalho linguístico, que se portando sobre um objeto disperso, a história de uma língua ou a comparação de estados de língua, busca estudar marcas flexionais para a constituição da estrutura da palavra, pela busca de seu grau de composição, ou pela semântica das relação de actância ou por figuração morfogenética, sustentada pela polaridade emissão-recepção.

No entanto, um estudo científico da utilização da linguagem tem, como se sabe, seu ponto de partida num ato metafórico, que é um trabalho de conceptualização, em que são apresentados como objeto direto os enunciados teóricos, e como objeto indireto as suas aplicações, segundo setores específicos da realidade. Como exemplo, tem-se a criação de termos ou palavras técnicas, dada por modelo conceptual global, em que, por exemplo, um termo é criado por associação a um campo já conhecido, ou por modelo conceptual ativo em que o termo criado se dá segundo domínio adjacente, por meio da

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associação de campos, ainda em termos espaciais, como, por exemplo, os termos ‘extensão ou ampliação de sentidos’ e ‘restrição ou deslocamento de sentidos’.

Desse aspecto, interroga-se sobre as expressões que, sem alguma relação s igni f icando subs tância do ser, são categorizadas em substância; quantidade; qualidade; relação; lugar; tempo; posição; possessão; fazer, cuja organização retórica tem base semântico-gramatical, e constituem um quadro de descrição ou de exposição para a definição funcional, tal qual as gramáticas escolares. E, além deste, um outro fato é a disposição de metaforização interna (ou transferência interior) a partir da visada de uma língua, em que a explicação de universais linguísticos dá-se como correspondentes a um jogo de estratégias.

Do ponto de vista, então, de uma arqueologia do saber linguístico (Coseriu), um modelo teórico se insere num contato social, global e específico, cuja teoria deve ser definida em razão de outras teorias e modelos e cuja comercialização apresenta três c o m p o n e n t e s i n t e r n o s , a s a b e r : a ) formalização (ou conjunto de técnicas de descrição, propondo-se um inventário não só das regras descritivas ou eventualmente normativas, bem como dos constituintes, definidos como metarregras, em que regras codi f icam es t ru turas l inguís t icas ; e constituintes, a representação formal de extensibilidade do modelo, cuja variação linguística deve ser explicada pelo próprio universalismo do modelo; b) conceptualização (ou nível de semântica articulado do modelo - nível de formação das noções teóricas ou estudo das macroestruturas do objeto descrito e articulação das unidades da descrição, bem como do processo típico de funcionamento da língua ou do discurso); c) auto-imagem (ou modelização do objeto e procedimentos da descrição e da relação entre objeto/sujeito; na linguística, o desdobramento do sujeito linguístico e sujeito da descrição).

Todavia, o campo metodológico coloca em foco questões epistemológicas, pois importam as condições de possibilidade, uma vez que no espaço do saber aparecem configurações que dão lugar a formas diversas do conhecimento empírico.

A linguagem, por sua vez, é determinada, na sua essência e manifestação, por dimensões universais, a saber: a) criatividade: atividade livre e criativa; b) materialidade: realização por formas materiais (fônica, gráficas etc); c) semanticidade: a toda forma corresponde um conteúdo e vice-versa; d) alteridade: manifestação primária do ser-com-outro, manifestação por outro e ao outro; e) historicidade: a linguagem manifesta-se sempre e necessariamente e sob a forma de uma língua, na tradição linguística de uma comunidade histórica.

A criatividade e materialidade são universais de toda forma de cultura, atividades criativas que se realizam por meio também de formas criativas; a semanticidade é diferença específica da linguagem dadas as formas sócio-culturais; e a alteridade é o traço distintivo do ato de significar linguístico em relação às outras formas expressivas e, consequentemente, o fundamento da historicidade da linguagem, manifestação constante da solidariedade com uma comunidade de sujeitos-falantes, com tradição e, pois, essência social e histórica intrínseca ao universo humano.

Desta feita, a linguagem - atividade histórica universal e realizada segundo as tradições das comunidades históricas - apresenta três níveis relativamente autônomos, a saber: a) nível universal do falar em geral; b) nível histórico das línguas; c) nível individual e particular do(s) discurso(s) ou discurso(s)-ocorrência(s) definido(s) como texto(s), unidade(s) de significação.

A estes três níveis correspondem três tipos de saber linguístico: a) saber elocucional ou saber em geral; b) saber idiomático ou saber falar tal ou qual língua; c) saber expressivo ou

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saber construir tal ou qual discurso/textos. E a esses saberes correspondem também três tipos específicos de conteúdo: a) designação; b) significado; c) sentido. Aos quais, por sua vez, correspondem três tipos de conformidade do falar com o saber linguístico ao que se encontra correspondência a cada nível: a) congruência; b) correção; c) adequação.

Disto decorre que a oposição corrente entre linguistica descritiva e linguística histórica é uma convenção terminológica, que se é possível até admitir não sem uma oposição entre descrição sistemática (ou estrutural) e história da língua. Entende-se o saber linguístico como um saber técnico, e que, nesse sentido, o saber idiomático são as técnicas históricas do falar. No entanto, correspondente a uma língua histórica e não a um sistema único e unitário; um conjunto de tradições em parte análogas e em parte divergentes.

Isto posto, a criatividade manifesta-se como variedade (considerando-se um estado de língua) e a alteridade como homogeneidade e unidade. Quanto à variedade linguística, três são os tipos fundamentais: a) variedade diatópica ou espacial; b) variedade diastrática ou sócio-cultural; c) variedade diafásica ou estilística. E são também, no sentido contrário, três os tipos de unidades, a saber: a) sintópica ou dialeto; b) sintrática ou níveis de linguagem; c) sinfásica ou estilos de linguagem.

O que é comum? É a língua funcional, um sistema delimitado cada vez mais como sistema homogêneo. Define-se uma língua histórica, então, como um conjunto complexo de dialetos, níveis e estilos (dado que o unitário só é segundo um só ponto de vista), ou um conjunto ainda mais complexo de línguas funcionais historicamente realizadas entre si.

Significa isto que, na prática, todo falante é um sujeito plurilíngue, porque conhece ativa ou passivamente, sob diferentes graus, mais de um dialeto e mais de um nível de língua e, por

definição, diversos estilos e, então, uma série de línguas funcionais, que efetivamente usa em seu falar, considerado um mesmo e único sistema linguístico que o sujeito-falante emprega em suas re lações socia l e historicamente construídas.

Considera-se que um estado de língua é estático somente como uma técnica já realizada e na projeção sincrônica sobre um eixo imóvel, pois um sistema linguístico, de fato, se acha num duplo movimento: no sentido da variedade (difusão e recessão) e no sentido da renovação dos sistemas idealmente unitários. (COSERIU:1992)

Desse ponto de vista, uma língua não é algo já feito, acabado (ergon), mas, ao contrário, essencial e fundamentalmente, um sistema de modos de agir: uma prática ou técnica aberta, e , em consequência, um sistema de possibilidades ou de virtualidades que se realizam progressivamente no eixo da história; um saber-fazer produtivo, que apresenta, por sua vez, três níveis: a) sistema materialmente realizado e tornado tradição tal qual uma norma; b) conjunto dos modos de fazer funcional, tal qual um sistema; c) conjunto coerente das categorias funcionais e dos tipos de procedimentos materiais, tal qual tipo linguístico.

Assim, uma língua não é jamais feita: cria-se, faz-se e refaz-se continuamente (ainda que sem mudança aparente). Criação e recriação das tradições históricas linguísticas e emergência da língua como uma tradição, de modo que o ser da língua coincide com o vir-a-ser histórico. A redução convencional de uma língua a um só sistema linguístico - língua funcional- entende-se não só como uma sincronia ou como uma descrição sistemática ou estrutural e como uma diacronia ou estudo do desenvolvimento histórico de uma sincronia (ou gramática histórica). mas também como história da língua.

Nesse último sentido, os termos não são cor re la t ivos , pos to que à s incronia corresponde não somente a descrição de um

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sistema unitário mas também a descrição dialetológica, sociolinguística e estilística da língua. À descrição, então, corresponde um sistema não só sincrônico, mas sintópico, sintrástico e sinfásico.

Estabelece-se que a sincronia está para funcionamento, assim como mudança está para diacronia, um só momento, uma vez que as mudanças são “internas”, resultantes da dinamicidade própria da técnica idiomática, das realizações de virtualidades já dadas como tais: o que é mudança da norma é funcionamento do sistema e o que é mudança do sistema é funcionamento do tipo linguístico.

A norma se modifica exclusivamente pela aplicação do sistema (real ou re-interpretado); o sistema, pela aplicação do tipo ou pela aplicação do sistema mesmo como uma reinterpretação; e o tipo, somente pela reinterpretação, motivada ou não pela co-presença de dois ou mais tipos na mesma língua histórica ou por influência de sistemas linguísticos diferentes.

Diante do exposto, só a história pode cor responder o se r r ea l da l íngua , considerando-se:

a) variedade e homogeneidade da língua - a descrição sistemática não pode considerar a variedade sem perder a sua coerência, já que não é bem secundário, mas um bem intrínseco à língua, refletor da criatividade essencial da língua, dado que uma língua não funciona somente por meio de estruturas internas, mas também pelo conhecimento dos falantes;b) tensão entre estruturas diacrônicas correntes (virtuais e nova) , já que descrição sistemática de estruturas aparece em sistemas diferenças, ou variantes não-funcionais (ou estruturas opositivas diferentes);

c) processo de permanente constituição: realização progressiva na/da norma e do/no sistema de um sistema linguístico já

dado tanto quanto de sistema como de tipo.

A descrição sistemática considera a língua como uma técnica aberta ou um sistema de possibilidades, e, portanto, tenta dar conta da dinâmica interna própria de toda técnica idiomática. A história pode registrar a realização efetiva das formas e construção supostas como possíveis no momento da descrição e confirmar também sua realidade.

Considera-se a língua em suas relações com outras formas de cultura espiritual e material da comunidade falante e pode também dar conta de tudo isso que no falar (ou como conteúdo ou como estrutura sintáxica) é determinado não como um saber idiomático mas como um saber extralinguístico. Uma descrição sistemática limitar-se-ia à língua em si mesma, e, assim, ou interpreta a língua numa perspectiva deformada ou renuncia as determinações extralinguísticas do falar.

Na realidade, uma descrição - estrutural e funcional - não se acha fora da história, pois toda descrição de um objeto é parte da história, pois que dela não se sai. A história é, pois, ciência linguística integral, que aspira considerar seus objetos, por exemplo, a língua, sob todos os seus aspectos e com todas as suas determinações históricas internas e externas: ciência das línguas e história linguística.

Descrever, então, uma estrutura é dar conta das dependências e independências, sem ignorar a problemática semântica, porque não se pode reduzi-la a apenas um repertório de significações diferentes, posto que uma variante é sempre função de uma forma; uma significação particular é sempre função da s ign i f i cação fundamen ta l . deduz ida logicamente de significações particulares, posto que a própria função constitui o princípio da dependência, inerente e constitutivo da estrutura. (HJELMSLEV:1971)

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6. A análise lexical, textual e discursiva

A análise lexicométrica, auxiliada por ferramenta tecnológica, no caso deste estudo pela ferramenta STABLEX (CAMLONG & BERTRAND - Stablex - Software PC2004), permite descobrir co-relacionamentos e dados implícitos nos registros de um corpus, pelo estudo e desenvolvimento de um processo de extração, pela:

a) detecção de dependências entre os dados, para se identificar os atributos e suas relações de interdependência;b) detecção de desvios para que se identifiquem elementos que se encontram fora dos padrões estabelecidos ou esperados;c) identificação e análise de estruturas e de objetos com características comuns;d) descoberta de fórmulas ou modelos capazes de descrever os objetos ou conceitos envolvidos.

Para tal, constrói-se uma metodologia adequada, que compreende etapas de pré-processamento (mineração que inclui processos de análise, integração, re-i n f o r m a ç õ e s e l i m p e z a d e d a d o s ) ; processamento (processamento de dados, predição, regressão, classificação, constituição d e c o n g l o m e r a d o s , a s s o c i a ç õ e s , v isual izações) , e pós-processamento (aplicação de filtro, seleção e ordenação das descobertas, elaboração de mapeamentos de representação e elaboração de relatórios para a apresentação da base de conhecimento).

A base de dados constituiu-se de redações de alunos da última série do ciclo fundamental de ensino, de seis diferentes escolas da rede estadual paulista, selecionados aleatoriamente dez alunos de cada uma das seis escolas, cujos textos foram produzidos em três momentos d i f e r e n t e s d o p r o c e s s o d e e n s i n o -aprendizagem, totalizando, então, para cada escola, três diferentes momentos da produção

textual dos alunos - período inicial, medial e final do processo de ensino-aprendizagem de um ano letivo.

O estudo não aponta considerações especificamente sobre as escolas, mas tendências, advindas da análise evolutiva da produção textual escrita dos alunos, que podem, por sua vez, representar aspectos a serem considerados em uma discussão sobre ensino de línguas, sobretudo, ensino de língua materna.

Os textos coletados, segundo os três diferentes períodos do processo de ensino-aprendizagem durante um ano letivo (períodos inicial, medial e final coincidentes a início, meio e final do ano letivo, respectivamente), receberam tratamento especial para a classificação dos objetos (palavras), desde a aplicação de técnicas de análise de informação de dados lexemáticos para a identificação de padrões e relacionamento entre os objetos, de sorte que os textos, depois de tratados, puderam ser convertidos em formato TXT ou ASC II , que é semi-es t ru turado ou desestruturado por apresentar características complexas.

D e v e - s e e s t a b e l e c e r , a q u i , u m a diferenciação entre classificação de dados e a descoberta de aglomerados (grupo de entidades similares ou regiões contínuas de um espaço contendo uma alta densidade relativa de pontos, separada por outras regiões como esta por regiões contendo baixa densidade relativa de pontos).

A classificação de dados ocorre por conhecimento do próprio objeto, pela possibilidade de se estabelecer descrição para a classe dos objetos, segundo uma análise do objeto e atribuição do objeto a uma classe, o que é, pois, uma definição apriorística.

Diferentemente desta metodologia, operou-se com a descoberta de padrões, e de associações entre os padrões para, daí, efetuar-se a definição de classes ou de categorias, uma vez que não se conhecia de antemão a classificação a que os objetos (dados) seriam

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rotulados. Identificou-se a melhor distribuição ou configuração, não pela comparação dos dados a objetos já conhecidos, mas com base na identificação de similaridade entre objetos segundo atributos em comum, cujas variáveis analisadas geraram grupos homogêneos segundo análise combinatória e de alta complexidade.

Do corpus tratado, as primeiras extrações ou a ordenação dos dados foram obtidas: a confecção do léxico (léxico alfa e léxico delta ) que consistiu na disposição das palavras para a organização das ocorrências segundo o critério da freqüência, a primeira etapa do trabalho, e da indexação das palavras, segundo a frequência absoluta, a que se seguiu a apresentação da tabela de frequência, e desta as operações subsequentes (tabela de desvios reduzidos e tabela dos valores lexicais) .

6.1. Representação de objetos ou padrões

O esquema representativo levou em conta a representação por vetores de palavras (seleção e extração de características) pelo critério da seleção de característ icas, segundo representabilidade, efetividade e relevância, em que a freqüuncia absoluta (números de vezes em que a palavra ocorre num corpus) é uma medida importante, mas medida insuficiente. É ainda necessário estabelecer-se a frequência relativa dada pela relação de uma palavra a todas as outras do documento considerado, no caso deste estudo, o agrupamento das redações por alunos/série/período/escola/região. Necessita-se identificar o peso ou a força de representabilidade de cada palavra, para se operar uma normalização do número de ocorrências em relação ao número total de ocorrências de todas as pa l av ras p resen te s nos documen tos considerados, justamente porque palavras não ocorrem eventualmente em um texto.

A repetição de uma palavra por parte do enunciador pode ser um indicador da significância das palavras-ocorrências, pois a

inclusão de um elemento (novo) em enunciados demanda um esforço maior, e, por isso o enunciador lança mão da repetição de palavras, enquanto avança ou varia sua produção textual. Tais medidas de frequência - absoluta, relativa e inversa - selecionam as palavras descriminantes em algoritmos de classificação ou de recuperação de informação com perspectivas de identificação de centróides ou matrizes; o corte se faz a partir do próprio peso, pela estipulação de um valor mínimo e de um valor máximo.

Esta etapa do estudo trabalhou com a confecção de tabelas de frequência e de desvios reduzidos. A Tabela de Desvios Reduzidos é considerada etapa fundamental para os processos posteriores, que consistem nos cálculos algébricos, a análise paramétrica propriamente dita. A extração de dados ou de informações é uma técnica importante que, ao utilizar algoritmos e ferramentas da área, objetiva a extração de dados e informações contidas nos textos para dar conta da extração de identidade de dados e informações relevantes.

No caso deste estudo, a relevância das imagens apontam informações sobre a evolução da aprendizagem no processo de ensino, considerados os conglomerados dos textos elaborados por alunos das diferentes seis escolas em seus respectivos períodos de aprendizagem (1- início; 2- meio e 3- período final de um ano letivo), como demonstram os gráficos 1 a 6 correspondentes ao peso lexical apresentado pelo conjunto de texto produzidos pelo grupo de alunos/série final de ciclo fundamental de cada uma das seis escolas, fruto da análise paramétrica:

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Gráfico 1 – escola 1

Gráfico 2 – escola 2

Gráfico 3 – escola 3

Gráfico 4 – escola 4

Gráfico 5 – escola 5

Gráfico 6 – escola 6

A análise paramétrica, importante ferramenta de análise e síntese – objetiva, indutiva e científica - possibilitou observar, decompor e manipular dados, com a ajuda do s o f t w a r e S TA B L E X ( C A M L O N G & BERTRAND:2004), e chegar, pela arquitetura dos textos, à composição do discurso. A análise da representação da situação textual deu-se de forma controlada pela própria especificidade, por planos de produção e compatibilizações sêmicas e semêmicas (BARBOSA:1996), em que elementos linguísticos foram reduzidos a dados m e n s u r a d o s e p r o p o r c i o n a l m e n t e dimensionados (estudos de frequência e desvios reduzidos), de tal modo que foi

possível examinar o índice nocional, quantitativo e qualitativo.

Para a produção de novas características mais salientes, ou mais descriminantes ou mais descritivas, criaram-se novos descritores, quer pelo mapeamento de conceitos, em que palavras são transformadas em estruturas mais complexas, quer pela análise fatorial em que as palavras são reduzidas à dimensionalidade, agrupando-se variáveis correlacionadas.

Essa operação conta com a medição da proximidade, associação ou semelhança entre padrões, que possibilitou a descrição dos documentos por valores qualitativos e por valores quantitativos. Tais valores de proximidade (proximidade, associação e semelhança) correlacionam-se à distância (física, considerado o espaço euclidiano) entre os objetos, em que, na operação, por se relacionar mais ao valor quantitativo, o conceito de distribuição foi substituído pelo conceito de similaridade, dado por medidas de distância, coeficientes de correlação, coeficientes de associação e medidas probabilísticas de similaridade.

Foram valores estabelecidos segundo uma métrica, medida estabelecida de forma objetiva, reaplicável e quantificada, de acordo com a natureza das características do objeto (palavra): simetria, densidade triangular, d e n s i d a d e d e n ã o - i d e n t i d a d e s e indistinguibilidade de identidades (ou equivalentes). A medida de distância é importante para a verificação da distribuição dos objetos em espaço euclidiano, em que c a d a o r d e n a d a c o r r e s p o n d e a u m a característica. A similaridade é uma operação dada pela proximidade, associação e semelhança das palavras (objetos) nesse espaço.

A etapa seguinte compreendeu a análise do agrupamento de entidades similares, ou análise de regiões contíguas de um espaço, contendo alta densidade relativa de pontos, e separada por outras regiões contendo baixa densidade relativa de pontos. Operação que se

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caracteriza por densidade, por variância (o grau de dispersão dos pontos presentes no agrupamento, em relação ao seu centro, ou os pontos (ocorrências) em relação umas às outras), por dimensão (indicativo do raio ou diâmetro, indicat ivo do conceito de conectividade entre os pontos de um conglomerado) e por separação (grau de s o b r e p o s i ç ã o o u i s o l a m e n t o d o s conglomerados no espaço),

6.2 . Ident i f icação e anál i se dos agrupamentos utilizando-se de conceitos

A adequação de uma metodologia é fundamental para a identificação e análise de agrupamentos, decorrência de que apenas o critério da frequência é insuficiente, porque apenas dá conta de palavras soltas e ainda descontextualizadas, de sorte que nem idéias, nem objetos e nem ações são asseguradamente identificados, por não se oferecer a seleção de representações e discriminações adequadas.

Para minimizar a questão, a lexicometria oferece técnicas, como as sumariamente descritas, que possibilitam um estudo controlado e padronizado, de que a partir do conjunto de textos de alunos (conglomerados) foi possível para cada um dos agrupamentos estudar os valores lexicais, e obter o Vocabulário Preferencial, Vocabulário Comum (de base positiva e de base negativa) e Vocabulário Diferencial, caracterizadores e identificadores de aspectos da produção textual dos alunos não só em cada um dos três períodos, como na globalidade do processo e v o l u t i v o d o p r o c e s s o d e e n s i n o -aprendizagem, considerados cada um dos grupos de alunos de cada uma das seis escolas durante um ano letivo.

Para, apenas, uma amostragem, os gráficos 7, 8 e 9 apresentam os dados - relacionados tão-somente e apenas à Escola 4 , de cujos valores o leitor poderá fazer sua própria análise:

Gráfico 7(período inicial)

Gráfico 8(período medial)

Gráfico 9(período final)

escola 4 - períodos e valores lexicais correspondentes, considerando-se início, meio e fim do processo de ensino-aprendizagem durante um ano letivo:

Há que se considerar, para a análise dos agrupamentos, a presença também de descritores específicos, como, por exemplo, a presença de hápax ou ocorrências altamente discriminantes de um dado aglomerado, que se caracterizam pela especificidade, pois se apresentam uma única vez no conglomerado e

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especificamente num determinado e único aglomerado, sendo, pois um forte índice de significância de aspectos identitários do próprio aglomerado em que ocorrem.

H á t a m b é m o u t r a s o c o r r ê n c i a s caracterizadoras de aglomerados, como as o c o r r ê n c i a s q u e a p a r e c e m x + 1 n o conglomerado e apenas num aglomerado específico, mas, aí, ocorrendo, no entanto, apenas uma única vez.

7. Conclusão

Vive-se hoje num ambiente sistêmico, complexo e dinâmico. Há um volume de informações que a recuperação ou a identificação de informações relevantes e não só a análise e a manipulação bem como a descoberta de novas informações não se constituem tarefa das mais simples ou fáceis. Nesse sentido o processo da descoberta de conhecimento apoiado por ferramenta tecnológica é um processo de análise de dados ou informações para a aquisição de novos conhecimentos a partir da manipulação de uma grande massa de dados ou informações.

Da análise de freqüência ao cálculo algébrico, foi-nos possível a observação e o estudo de tendências e convergências que enriqueceram a compreensão tanto da natureza dos elementos codificados quanto do cruzamento das varáveis contextuais. Da análise lexical e textual determinaram-se valores, hábitos e força de certas cargas emotivo-afetivas, e evidenciaram-se operações lógicas da superfície discursiva e redes

produtoras de efeitos de sentidos. A quantificação do vocabulário tornou possível atingir três níveis fundamentais da linguagem: vocabulário maciço ou preferencial (z ≥ +1,96); vocabulário comum, base média (-1,96 ≤ z ≤ +1,96; e vocabulário único ou diferencial (z ≤ -1,96), para cada uma das seis escolas em seus respectivos períodos de ensino-aprendizagem. (z = desvio reduzido)

Determinaram-se valores, hábitos e força d e c e r t a s c a rg a s e m o t i v o - a f e t i v a s , evidenciaram-se operações lógicas da superfície discursiva e redes produtoras de efeitos de sentidos, atingindo-se três níveis fundamentais: vocabulário maciço ou c o m u m o u z o n a s d e i n t e n s i d a d e , conformismo, c l ichês e es tereót ipos lingüístico-culturais; vocabulário comum ou base média sobre a qual se estabelecem a comunicação e o universo mental, implicações de um dado grupo social e vocabulário único ou diferencial, carregado de informações, esperas e desventuras.

A identificação de redes de conhecimento, dimensão de análise transversal torna possível a revelação de perfis importantes para redefinição de pré-requisitos e exigências para desenvolvimento de competências e, consequentemente, esforços num trabalho conjunto, crucial no processo de interação, inovação, desenvolvimento e gerenciamento do potencial humano, em que novas formas e abordagens de socialização do conhecimento são indispensáveis às novas arquiteturas de aprendizagem.

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Mauro Maia Laruccia1

Sergio Roberto Cosmano 2

As Inteligências Múltiplas: Uma Análise de Conteúdo de Pesquisa

As Inteligências Múltiplas: Uma Análise de Conteúdo de Pesquisa

As Inteligências Múltiplas: Uma Análise de Conteúdo de Pesquisa

Resumo

Este artigo trata de uma análise dos aspectos cognitivos do pesquisador, a partir da teoria das inteligências múltiplas. Na teoria das inteligências múltiplas (IM) o conceito de inteligência é compreendida como uma capacidade geral, encontrada em graus variáveis em todos os indivíduos e implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes em determinado ambiente ou comunidade cultural. Os diversos tipos de inteligências estão localizados em áreas distintas do cérebro e podem funcionar de modo independente ou em conjunto estas inteligências podem definir a espécie humana. Embora estas inteligências sejam até certo ponto independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente. Faz-se necessário o pesquisador ser um profissional com ampla visão e conhecimento da vida, seus aspectos cognitivos precisam ir além de um raciocínio lógico, que compreenda o ser humano os sentimentos, valores, crenças, e que administre bem suas emoções, buscando o autoconhecimento, além de ser sensível que tenha habilidade para enfrentar as mais profundas as questões humanas

Palavras-chave: Inteligências múltiplas; Pesquisador; Aspectos cognitivos

Abstract

This article is an analysis of the cognitive aspects of the researcher, from the theory of multiple intelligences. In the theory of multiple intelligences the concept of intelligence is understood as a general ability found in varying degrees in all subjects and implies the ability to solve problems or develop products that are important in a particular environment or cultural community. The various types of intelligences are located in separate areas of the brain and may act independently or together these intelligences may define the human species. Although these intelligences are somewhat independent of one another, they rarely work in isolation. If the researcher is required to be a professional with broad vision and knowledge of life, where their cognitive aspects goes beyond logical reasoning, which includes the human feelings, values, beliefs, and manage their emotions well, seeking self-knowledge besides being sensitive that has the ability to cope with the deeper human issues.

Keywords: Multiple intelligences; researcher, cognitive aspects

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1 Mauro Maia Laruccia - Professor Dr. Da Faculdade de Economia e Administração PUC/SP e Prof. Pesquisador do Grupo de Pesquisa e Iniciação Científica, Orientador da Oficina de Artigos das Faculdades Integradas Campos Salles. Rua Nossa Senhora da Lapa, 284, São Paulo 05072-000, Brasil. E-mail: [email protected]

2 Sergio Roberto Cosmano - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho. Rua Capote Valente, 710, São Paulo 05409-002, Brasil. E-mail: [email protected]

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1. Apresentação

O presente artigo trata-se de uma reflexão a respeito de aspectos cognitivos da atividade de pesquisa, mais especificamente do pesquisador, a partir da teoria das inteligências múltiplas. A inquietação a respeito do tema resultou da discussão em sala de aula a respeito das inteligências relacionadas às diferentes atividades profissionais. Nessa discussão ao ser nomeada a atividade profissional cada aluno propunha uma das inteligências, mas ao falarmos do pesquisador a resposta foi unanime lógico-matemática.

Realmente a atividade de pesquisa exige uma lógica e uma organização presentes nessa inteligência, mas ao nos depararmos com um problema de pesquisa social, temos que nos preocupar com aspectos que muitas vezes passariam sem destaque para uma atuação lógica e dita racional. Essa forma de encararmos a ciência nos é um legado do racionalismo, do método positivista de Comte, e da visão cartesiana da ciência. A divisão, ou melhor, segregação da razão e emoção, em que a segunda não era valorizada nem reconhecida como elementos importante da construção do conhecimento.

Essa visão epistemológica fez com que durante séculos a ciência, portanto, todas as teorias anulassem este elemento. Esta reflexão é perpassada por questões da história e filosofia da ciência. Destacamos algumas contribuições da teoria das Inteligências Múltiplas: o repensar do conceito de inteligência, mudança d o p a r a d i g m a d a i n t e l i g ê n c i a e d a aprendizagem, reconhecimentos das diferentes individuais, consolidação de um pensar a respeito da complementariedade ao falarmos de inteligência e a complexidade dos aspectos cognitivos e cognoscitivos.

2. O conceito de inteligência

A “inteligência” é uma capacidade geral, encontrada em graus variáveis em todos os indivíduos. Ela é a forma como o indivíduo consegue resolver problemas. (GARDNER, 2000). A questão da definição de inteligência é central em nossa investigação, na verdade é na definição de inteligência que a teoria das inteligências múltiplas diverge dos pontos de vista tradicionais. Segundo Gardner (2000) numa visão tradicional a inteligência é definida operacionalmente como a capacidade de responder a itens em testes de inteligência. A influência, a partir dos resultados dos testes, de alguma capacidade, de alguma capacidade subjacente é apoiada por técnicas estatísticas que comparam respostas de sujeitos em diferentes idades, a aparente correlação desses resultados de testes através das idades corrobora a noção de que a faculdade geral da inteligência, não muda muito com a idade ou com o treinamento ou experiência, ela é um atributo ou faculdade inata do individuo.

Ainda para este autor, a teoria das inteligências múltiplas, por outro lado, pluraliza o conceito tradicional. Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes em determinado ambiente ou comunidade cultural. A teoria das inteligências múltiplas é elaborada à luz das origens biológicas de cada capacidade de resolver problemas, destacam-se as capacidades que são universais na espécie humana. Cada inteligência deve ter uma operação ou um conjunto de operações identificáveis. Como um sistema computacional com base neural, cada inteligência é ativada ou “desencadeada” por certos tipos de informação interna ou externamente apresentados. Uma inteligência também deve ser capaz de ser codificada num sistema de símbolos, um sistema de significados culturalmente criado, que captura e transmite formas importantes de informação. A linguagem, a pintura e a matemática são

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apenas três sistemas de símbolos quase universais, necessários a sobrevivência e produtividade humana. Embora seja possível que a inteligência prossiga sem um sistema simbólico concomitante, uma característica primaria da inteligência humana provavelmente é a sua gravitação rumo a essa incorporação.

Segundo Gardner os seres humanos dispõem de graus variados e inteligências e maneiras diferentes, com elas se combinam, organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais, para resolver problemas e criar produtos, embora estas inteligências sejam até certo ponto independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente.

A Teoria das Inteligências Múltiplas resulta de anos de investigação para se conhecer as capacidades cognitivas e cognoscitivas do homem, constituindo-se em uma nova concepção científica sobre a mente, uma visão pluralista, que reconhece diferentes facetas de cognição. Todo ser humano excluindo-se os casos de lesões cerebrais, possui capacidades a serem desenvolvidas, quais sejam, as inteligências: lógico-matemática, espacial, linguística, interpessoal, intrapessoal, musical, corporal cenestésica (1993) com o possível acréscimo das inteligências naturalista, espiritual e existencial (2001)

Ao pensarmos na atividade científica nos deteremos na reflexão sobre seu contexto, os problemas científicos surgem do e no cotidiano fazendo-se necessário realizar inúmeras construções para podermos detectar os vários aspectos da vida social cotidiana, pois o cotidiano é a vida do homem, como aponta Heller (2008). Esse cotidiano precisa ser conhecido e reconhecido em sua complexidade e plurifatorialidade.

Muitas vezes isso exige do pesquisador uma atitude profissional com ampla visão e conhecimento da vida, isso implica aspectos para além do raciocínio lógico, faz se necessária uma compreensão do ser humano seus sentimentos, valores e crenças, para que isso seja possível é necessário que ele

administre seus sentimentos e emoções, buscando o autoconhecimento, para além do visível e concreto atingindo o ser sensível e tênue. Ao trabalhar com o cotidiano e com o homem são exigidas do profissional, habilidades para enfrentar as mais profundas questões humanas e uma abertura para ver o mundo e o universo em que vive a partir de um olhar interdisciplinar e não apenas disciplinar.

Segundo Gardner os seres humanos dispõem de graus variados e inteligências e maneiras diferentes, com que elas se combinam e organizam e se utilizam dessas capacidades intelectuais, para resolver problemas e criar produtos, embora estas inteligências sejam até certo ponto independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente.

Retomamos Inteligência Lógico-MatemáticaInteligência Lógico-Matemática: Possui a capac idade lóg ica e matemát ica , com competência mais diretamente associada ao pensamento científico, como pesquisadores, cientistas, engenheiros, etc. O estímulo para seu desenvolvimento estrutura na pessoa novas formas sobre o pensar de forma abstrata e conceitual, e uma percepção apurada dos elementos da grandeza, peso, distância, tempo e outros que envolvem ação sobre o ambiente, com habilidade para raciocínio dedutivo .

A inteligência é um atributo ou uma faculdade inata do ser humano, Gardner procurou ampliar este conceito de inteligência, para ele, é a capacidade de solucionar problemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado ambiente ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas permite às pessoas abordar situações, atingir objetivos e localizar caminhos adequados a esse objetivo (TRAVASSOS, 2001).

Esta capacidade de solucionar problemas ou elaborar produtos, abordar situações, atingir objetivos e localizar caminhos adequados dos mais diversos, é necessário muitas vezes que o pesquisador seja um profissional não somente racional e sim traga em seu perfil outros tipos de inteligências que será fundamental na hora de desenvolver seu projeto de pesquisa.

Segundo Gardner (2002) nos últimos séculos, sobretudo, nas sociedades ocidentais, difundiu-se um ideal, o da pessoa inteligente. As dimensões exatas deste ideal evoluem com

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o tempo e o cenário. Em escolas tradicionais, inteligente era quem dominava as línguas clássicas e a matemática, particularmente a geometria. Em um cenário empresarial, inteligente era quem previa oportunidades comerciais, assumia riscos calculados, construía uma organização, mantendo as contas equilibradas e os acionistas satisfeitos.

3. Modelos da teoria das inteligências múltiplas

Segundo Howard Gardner (2002) o primeiro teste de sucesso escolar foi realizado e desenvolvido pelo psicólogo Alfred Binet em 1900. Este teste tinha por finalidade diagnosticar crianças retardadas e crianças normais. Após a primeira Guerra Mundial este teste foi aplicado nos soldados com a finalidade de diagnosticar a inteligência dos soldados. Com a propagação deste teste p e n s o u - s e q u e e r a p o s s í v e l m e d i r quantitativamente a inteligência.

Gardner propôs projeto zero de Harvard, iniciado por Nelson Goodman e co-dirigido por Howard Gardner e David Perkins, realiza p e s q u i s a s b á s i c a s s o b r e c o g n i ç ã o , aprendizagem e artes há 30 anos. A Universidade Harvard, nos Estados Unidos, desenhou o Projeto Zero, que reúne equipes interdisciplinares com o objetivo de estudar as relações entre a inteligência, a compreensão e o ensino.

Segundo Gardner cada pessoa tem uma composição diferente de inteligência, podemos melhorar o ensino atuando nas múltiplas inteligências; estes tipos de inteligência estão localizados em áreas distintas do cérebro e podem funcionar de modo independente ou em conjunto estas inteligências podem definir a espécie humana, embora estas inteligências sejam até certo ponto independentes uma das outras, elas raramente funcionam isoladamente, todas as pessoas possuem todos os nove tipos de inteligências em graus variados. Exceto em

indivíduos anormais, as inteligências sempre funcionam combinadas, e qualquer papel adulto sofisticado envolverá uma fusão de varias delas

As pessoas criativas se destacam em termos de determinadas inteligências, Einstein tinha u m a i n t e l i g ê n c i a l ó g i c o - m a t e m á t i c a excepcional, mas suas capacidades espaciais eram extraordinárias mesmo entre os físicos. Freud se considerava um cientista e tinha capacidade lógico-matemática adequada, porém era mais genial na inteligência linguística, isto contribuiu para o seu imenso sucesso com o publico, mas também gerou uma tensão permanente com cientistas com formação convencional (GARDNER, 2002).

A inteligência musical de Stravinski era excelente, mas ele também se destacou em outras inteligências artísticas, e talvez isto explique porque ele foi um grande compositor de balés, era capaz de musicar um texto e tornou-se um dos comentadores artísticos mais incisivos de sua época. Os criadores excepc iona i s t ambém tem f raquezas intelectuais, Freud, por exemplo, não tinha inteligência musical, enquanto Picasso foi péssimo aluno e mal dominava as primeiras letras. Mas os criadores não se deixam vencer por estas fraquezas intelectuais, aprendem a ignorá-las e a procuram ajuda na área em que são deficientes. Os indivíduos criativos acabam conhecendo seus pontos fortes e identificam seus nichos cognitivos ou culturais, que eles buscam totalmente conscientes de suas vantagens competitivas. Gardner descreve diferentes inteligências num total de nove, visto que todos os seres humanos possuem potencialidades para desenvolvê-las, quais sejam:

3.1 Inteligência musical

Para Gardner (2002), certas partes do cérebro desempenham papeis importantes na percepção e na produção da musica. Estas áreas estão caracteristicamente localizadas no

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hemisfério direito, embora a capacidade musical não esteja claramente “localizada” em uma área tão especifica como a linguagem. As evidencias que apoiam a interpretação da capacidade musical como a inteligência “chegam” por varias fontes. Mesmo que a capacidade musical não esteja tipicamente considerada uma capacidade intelectual, como a matemática, ele se qualifica a partir de nossos critérios. Por definição, ela merece ser considerada, e, tendo em vista os dados, na inclusão está empiricamente justificada.

3.2 Inteligência lógico-matemática

O individuo talentoso, o processo de resolução do problema geralmente é surpreendente rápido – o cientista bem sucedido lida com muitas variáveis ao mesmo tempo e cria numerosas hipóteses que são avaliadas e depois, por suas vez, aceita ou rejeita. Juntamente com a associada capacidade da linguagem, o raciocínio lógico-matemático, proporciona a principal base para os testes de QI. Certas áreas do cérebro são mais importantes do que outras no calculo matemático. Há idiotas sábios que realizam grandes façanhas de calculo, mesmo que continuem sendo tragicamente deficientes na maioria de outras áreas. As criança prodígio na matemática, existem em grande numero. O desenvolvimento desta inteligência nas crianças foi cuidadosamente documentado por Jean Piaget e outros psicólogos. A pessoa dotada de inteligência lógico – matemática tem habilidade de discernir padrões lógicos e numéricos, elementos da grandeza, peso, distância, tempo, é a inteligência de um cientista e pesquisador.

3.3 Inteligência linguista

A capacidade linguista de “inteligência” é consistente com a psicologia tradicional. A habilidade da linguagem é universal, e seu

desenvolvimento nas crianças é surpreendente constante em todas as culturas. Mesmo nas populações surdas, em que uma linguagem manual de sinais não é explicitamente ensinada, as crianças, frequentemente “inventam” sua própria linguagem manual e a utilizam secretamente. Este perfil tem habilidade lida com palavras de maneira criativa, com habilidades verbais bem desenvolvidas e tem sensibilidade para os sons e significados das palavras, também é desenvolvida esta habilidade nos poetas e escritores etc.

3.4 Inteligência espacial

A solução de problemas espaciais é necessária na navegação e no uso do sistema motivacional de mapas. Outros tipos de problemas espaciais são convocados quando visualizamos um objeto de um ângulo diferente, e no jogo de xadrez. As artes visuais também utilizam esta inteligência no uso do espaço. Os pacientes com danos específicos nas regiões do hemisfério direito tentarão compensar suas falhas espaciais com estratégias linguistas. Elas tentarão raciocinar em voz alta, por em duvida a tarefa ou inclusive inventar respostas. Mas essas estratégias não espaciais raramente são bem sucedidas. As populações cegas ilustram a distinção entre a inteligência espacial e a percepção visual. Uma pessoa cega pode reconhecer formas através de um método indireto. Passar a mão ao longo do objeto traduz a duração do movimento que por sua vez é traduzida no formato do objeto. Para a pessoa cega, o sistema perceptivo da modalidade tátil equivale a modalidade visual na pessoa que enxergar. A analogia entre o raciocínio espacial do cego e o raciocínio linguístico do surdo é notável.

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3.5 Inteligência interpessoal

A inteligência interpessoal está baseada numa capacidade nuclear de perceber distinções entre os outros, em especial, contrastes em seus estados de animo, temperamentos, motivações e intenções. Em formas avançadas, esta inteligência permite que o adulto experiente perceba as intenções e desejos de outras pessoas, mesmo que elas os escondam. Essa capacidade aparece numa forma altamente sofisticada em lideres religioso ou políticos, professores, terapeutas e pais.

3.6 Inteligência intrapessoal

O conhecimento dos aspectos internos de uma pessoa: o acesso ao sentimento da própria vida, a gana das próprias emoções, a capacidade de discriminar essas emoções e eventualmente rotulá-las e utilizá-las como uma maneira de entender e orientar o próprio comportamento. A pessoa com boa inteligência intrapessoal possui um modelo viável e efetivo de si mesma. Uma vez que esta inteligência é a mais privada, ela requer a evidencia a partir da linguagem, da musica ou de alguma outra forma mais expressiva de inteligência para que o observador a perceba funcionando. A intel igência interpessoal nos permite compreender a nós mesmos e trabalhar conosco. No senso de eu dom individuo, encontramos uma fusão de componentes e intrapessoais.

3.7 Inteligência naturalista

As pessoas dotadas desta inteligência têm habilidade de reconhecer a natureza plantas e animais, entende o nascimento e a morte dos seres vivos no mundo.

3.8 Inteligência existencial

Sensibilidade e habilidade para compreender sobre as existência humana, o significado da vida e morte. Questiona com facilidade sobre a existência da vida e do mundo. Com este perfil de inteligência convivemos no dia a dia, e presenciamos nos homens em busca da religião para terem paz de espírito muitas vezes devido a amenizar os problemas, seja sentimental, espiritual ou emocional.

4. Procedimentos metodológicos

O estudo foi realizado usando a técnica de "análise de conteúdo". Nesta pesquisa, os estudos sobre a teoria IM (ou seja, teses de doutorado, dissertações de mestrado indexadas no Banco de Teses da Capes, bem como artigos publicados nas revistas indexadas na base de dados do Periódicos Capes foram analisados em relação às variáveis.

Os estudos que foram incluídos nesta pesquisa foi baseado em 71 teses de mestrado, 8 teses de doutorado e 18 artigos de pesquisa foram analisados segundo os seguintes 11 questões na próxima página:

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1. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de tipo de publicação?

2. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de seus tópicos?

3. Qual é a distribuição de estudos IM em termos do seu ano de publicação?

4. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de sexo dos pesquisadores?

5. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de seu projeto de pesquisa?

6. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de metodologia de pesquisa?

7. Qual é a distribuição de estudos IM em termos dos seus técnica de análise de dados?

8. Qual é a distribuição de estudos IM em termos de tipo de amostragem?

9. Qual é o número médio de participantes de estudos IM?

10. Qual é a distribuição de artigos de IM em termos de suas revistas?

11. Qual é o número médio de autores de artigos IM?

5. Resultados da pesquisa

1. Tipo de publicação: dissertações de mestrado (73,2%), teses de doutorado (8,2%), artigos de pesquisa (18,6%). A maioria dos estudos IM foram conduzidos em nível de mestrado.

2. Tema de pesquisa: - perfis de estudantes IM (7,2%) - A relação entre IM e estilos de aprendizagem e estratégias (3,1%), a relação entre IM e desempenho acadêmico (2,1%), desenvolvimento de IM para crianças (1%) - O IM teoria e currículo (5,2%) - a teoria IM e orientação escolar (2,1%) - a teoria IM e livros didáticos (3,1%) - Percepções sobre as implementações da teoria IM (12,4%) - O efeito da teoria IM no desempenho acadêmico e nas atitudes no jardim de infância (2,1%) - O efeito da teoria IM em desempenho acadêmico e as atitudes dos alunos do ensino fundamental (45,4%) - O efeito da teoria IM no do ensino médio (15,5%) - os efeito da teoria IM na realização dos estudantes do ensino superior acadêmico e atitudes (1%). A maioria dos estudos IM enfoca nos alunos do ensino fundamental.

3. Ano de publicação: - 1999 (2,1%) - 2000 (2,1%) - 2001 (5,2%) - 2002 (2,1%) - 2003 (6,2%) - 2004 (6,2%) - 2005 (13,4%) - 2006

(44,3% ) - 2007 (18,6%). A maioria dos estudos IM foram concluídas no ano de 2006.

4. Sexo dos pesquisadores: - Masculino (39,2%) - Feminino (60,8%). A maioria dos estudos IM têm sido conduzidos por investigadores do sexo feminino.

5. Projeto de pesquisa: - Revisão da literatura (1%) - Modelo de desenvolvimento (2,1%) - A análise de conteúdo (2,1%) - Descritiva (34,7%) - empírica (65,3%). A maioria dos e s t u d o s I M t ê m s i d o c o n d u z i d o s empiricamente.

6. Metodologia de pesquisa: - qualitativa (12,4%) - Quantitativo (62,9%) - Misto (23,7%) - Outros (1%). A maioria dos estudos IM têm utilizado a metodologia de pesquisa quantitativa.

7. Técnica de coleta de dados: - Observações (24,7%) - entrevistas (24,7%) - análise de documentos (13,4%) - Levantamentos (20,6%) - Testes (60,8%) - Estoques (13,4%) - Escalas (34%) - GPA ( 2,1%) - Outros (1%). A maioria dos estudos IM usaram testes e escalas, como procedimentos de coleta de dados.

8. Tipo de amostragem: - alunos do jardim de infância (6,2%) - Menores alunos do ensino fundamental (21,6%) - Alta alunos do ensino fundamental (35,1%) - alunos do ensino secundário (17,5%) - estudantes de ensino

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superior (3,1%) - professores estagiários (2,1%) - primário professores (7,2%) - Assunto professores (7,2%) - os administradores (1%) - Os pais (2,1%) - Documentos (6,2%) - outros (1%). A maioria dos estudos IM têm sido realizados com alunos do ensino fundamental.

9. O número médio de participantes dos estudos IM: - Descritiva (n = 345) - empírica (n = 73) - Total (n = 162). O número médio do participante estudos IM é de cerca de 162.

10. O número médio de autores da artigos IM: N = cerca de 2.

Considerações finais

Este estudo mostra que os pesquisadores começaram a interessar-se na teoria IM desde sua primeira apresentação em 1983. Parece que o interesse para a teoria cada vez mais IM continuou até o ano de 2006 e novamente começou a diminuir depois de então. Entre os anos de 1999 e 2007, em média, cerca de 10-11 IM estudos têm sido publicados anualmente. Este número parece ser insuficiente para ter um quadro completo sobre a projeção da teoria IM no sistema de ensino. O estudo conclui que os estudos mais qualitativos são necessários sobre a questão do Como pode inteligências múltiplas das crianças e adultos pode ser desenvolvida?

Frente estes apontamentos é importante ressaltar o pesquisador que mesmo tendo em seu perfil sendo lógico-matemático há necessidade de explorar outras inteligências. Visto que é possível funcionar de modo independen te ou em con jun to e s t a s inteligências podendo definir melhor na atuação de pesquisador na resolução de problemas. E esta capacidade de solucionar problemas ou elaborar produtos, abordar situações, atingir objetivos e localizar caminhos adequados dos mais diversos, observamos se o pesquisador tiver além da inteligência lógico-matemática a inteligência intrapessoal e a inteligência existencial, terá a probabilidade de terem um maior sucesso em suas produções cientificas e facilidade em resolver os problemas em vários aspectos na sociedade. Muitas vezes se faz necessário o pesquisador ser um profissional com ampla visão e conhecimento da vida, onde os seus aspectos cognitivos vá além de um raciocínio lógico, compreenda o ser humano os sentimentos, valores, crenças e seu semelhante, e que administre bem seus sentimentos e emoções, buscando o autoconhecimento, além de ser sensível e tenha habilidade para enfrentar as mais profundas as questões humanas.

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1

João Alexandre Magri1

Acesso a coleções de dados usando LINQAcesso a coleções de dados usando LINQAcesso a coleções de dados usando LINQ

Resumo

O LINQ (Language INtegrated Query) é um conjunto de extensões introduzido pela Microsoft no .NET Framework 3.5 e nas novas versões da linguagens Visual C# e Visual Basic que tem como objetivo unificar o modelo de acesso à dados armazenados na memória principal de um computador ou em um repositório de dados externo como um banco de dados ou arquivos XML. Sua sintaxe é equivalente à sintaxe da linguagem SQL usada na comunicação com um sistema gerenciador de banco de dados.Usando o LINQ não é necessário escrever comandos expressos na linguagem SQL embutidos no código de acesso à dados escrito em Visual C# ou Visual Basic, isto é, pode-se escrever o código de acesso a dados diretamente em Visual C# ou Visual Basic. Além disso, os dados não precisam estar armazenados somente em um banco de dados. O processamento de uma coleção de dados exige o uso de estruturas de repetição e de comparação para separar os itens que atendam a uma determinada condição de seleção. Este tipo de programação é chamado de programação imperativa porque especifica as ações que devem ser executadas para produzir determinado resultado. Usando LINQ o programador deve especificar somente as condições que os itens de determinada coleção devem atender para serem selecionados, isto é, usa-se a programação declarativa. Neste tipo de programação não se especifica como obter o resultado o compilador C# gera todo o código

q u e i m p l e m e n t a a d e c l a r a ç ã o automaticamente diminuindo sensivelmente a complexidade do código escrito pelo programador.

Abstract

The LINQ (Language INtegrated Query) is a set of extensions introduced by Microsoft in the. NET Framework 3.5 and new versions of the language Visual C# and Visual Basic that aims to unify the model of access to data stored in main memory of a computer or in an external data repository as a database or XML files. Its syntax is equivalent to the syntax of the SQL language used in communication with a database management system. Using LINQ is not necessary to write SQL commands expressed in the language embedded in the data access code written in Visual C# or Visual Basic, that is, you can write code to access data directly in Visual C # or Visual Basic. Furthermore, the data need not be only stored in a data base. The processing of a collection of data requires the use of repetition and comparison structures to separate the items that meet a certain condition of selection. This type of p ro g r a m m i n g i s c a l l e d i m p e r a t i v e programming because it specifies the actions that must be performed to produce a certain result. Using LINQ the programmer must specify only the conditions that the items given collection must meet to be selected, that is, he uses a declarative programming. In this type of programming you didn’t specify how

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1 João Alexandre Magri. Mestre em Engenharia. Professor e Coordenador do curso de Sistemas de Informação da FICS onde, desde o primeiro semestre de 2012, compõe a Gupo de Pesquisa – Oficina de Artigos e Inicialção Científica das Faculdades Integradas Campos Salles – FICS. www.campossalles.edu.br

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to obtain the result: the C # compiler generates all the code that implements the s t a t e m e n t a u t o m a t i c a l l y re d u c i n g substantially the complexity of the code written by the programmer.

Apresentação

Determinadas aplicações exigem que os dados armazenados nos objetos sejam armazenados na memória auxiliar visando a sua reutilização. Neste caso diz-se que os dados devem ser persistidos e os objetos onde eles estão armazenados são chamados de objetos persistentes.

Em geral os dados são armazenados em arquivos ou em um banco de dados. Nas aplicações de sistemas de informação; por exemplo, é necessário armazenar os dados de um cliente, funcionário, produto, etc. para a sua utilização posterior.

No caso das aplicações desenvolvidas com o paradigma de orientação a objetos, pode-se usar os sistemas gerenciadores de banco de dados orientados a objetos na implementação dos objetos persistentes, principalmente aqueles que representam dados complexos tais como as como figuras, entretanto esta tecnologia ainda encontra-se em processo de desenvolvimento sendo pouco utilizada.

A t u a l m e n t e a t e c n o l o g i a p a d r ã o corresponde aos sistemas gerenciadores de dados que usam o modelo relacional onde os dados são armazenados em tabelas. Versões mais recentes de alguns destes sistemas gerenciadores de banco de dados relacionais dispõem de extensões orientadas a objetos, portanto tem-se uma tecnologia híbrida chamada de objeto-relacional.

A maior desvantagem dos sistemas g e r e n c i a d o r e s d e b a n c o d e d a d o s objetorelacionais é a total dependência do fabricante o que certamente não é uma boa solução.

N e s t a s c o n d i ç õ e s , o s s i s t e m a s gerenciadores de banco de dados são usados para o armazenamento dos obje tos persistentes usando-se um mecanismo de montagem e desmontagem destes objetos. A desmontagem permite o armazenamento dos dados contidos em um objeto persistente em determinada linha de uma tabela do modelo relacional. No caso da montagem, usa-se a operação inversa.

As diferenças entre os paradigmas: relacional e orientado a objetos acarretam várias dificuldades que são chamadas de problemas de impedância, sendo que em determinadas situações é necessário usar um programa para fazer o mapeamento de um objeto persistente para uma linha de uma tabela, isto é, fazer o mapeamento objeto-relacional. Estes programas são chamados de ferramenta de O/RM (Object / Relational Mapping).

No processo de mapeamento as classes são representadas por tabelas do banco de dados e os objetos persistentes por linhas da tabela correspondente a uma determinada classe. Um dos programas projetados para realizar este mapeamento O / R é o Hibernate, desenvolvido para a plataforma Java (NHibernate para plataforma .NET).

Usando-se estas ferramentas não é necessário escrever comandos SQL para acessar os dados do banco de dados porque os comandos são gerados em tempo de execução pelo próprio NHibernate. Além disso, ele suporta os principais sistemas gerenciadores de banco de dados disponíveis no mercado, f a c i l i t a n d o o d e s e n v o l v i m e n t o multiplataforma.

Com o objetivo de minimizar estes problemas de impedância a Microsoft criou uma camada de software intermediária chamada Entity Framework (EF) que permite converter os objetos da camada de negócios da aplicação em linhas das tabelas de um banco de dados relacional e vice versa.

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Ao garantir esta camada de abstração o EF permite que o desenvolvedor se concentre na c a m a d a d e n e g ó c i o s d a a p l i c a ç ã o simplificando sensivelmente o trabalho de implementação de um sistema.

O EF possui três opções de consultas: . Entity SQL (ESQL); . LINQ to Entities; . Entity Client;O LINQ foi criado originalmente para

consultar objetos armazenados em memória principal. Depois foi estendido com

implementações específicas para poder acessar dados armazenados em qualquer tipo de memória. Assim tem-se as seguintes encarnações do LINQ:

LINQ para objetos .LINQ para coleções LINQ para SQL .LINQ para entidades .LINQ para XML

Na figura 1.1 tem-se a arquitetura geral do LINQ.

Figura 1.1 Arquitetura geral do LINQFonte: http://msdn.microsoft.com/msdnmag/issues/07/06/CSharp30/pt/fig01.gif

2. Ferramenta O/R Designer

No caso das consultas aplicadas a um conjunto de dados armazenados em disco cujo acesso é controlado pelo sistema gerenciador de banco de dados SQL Server deve-se usar a encarnação do LINQ chamada LINQ to SQL.

O mapeamento das tabelas do banco de dados para classes de negócio do sistema pode ser feito usando-se a ferramenta O/R Designer que é fornecida gratuitamente pela

Microsoft no Visual Studio 2008 e portanto também está disponível nas edições Express das linguagens visual C# e visual Basic.

N e s t a s c o n d i ç õ e s , e m n í v e l d e desenvolvimento do sistema usando metodologia orientada a objetos, deve-se entre outras coisas, desenvolver o diagrama de classes e depois mapeá-lo para o modelo lógico do banco de dados.

O mapeamento das tabelas do banco de dados para as classes de negócio da aplicação é feito usando-se a ferramenta O/R Designer:

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neste processo é gerada automaticamente a classe Datacontext: esta classe contém os métodos para acessar as tabelas do banco de dados, isto é, o código necessário para a implementação das operações CRUD (cadastrar, consultar, atualizar, excluir) sobre os dados armazenados nas tabelas do banco de dados. Quando o banco de dados tiver stored procedures elas serão mapeadas como métodos da classe DataContext. O código de acesso a dados é gerado considerando-se o uso do acesso desconectado que tem grandes vantagens em relação ao acesso conectado quando o volume de conexões é alto, isto é, o acesso conectado está sendo abandonado nos produtos da Microsoft.

Nestas condições, os comandos LINQ serão aplicados aos objetos instanciados a partir da classe DataContext. Pode-se gerar uma classe DataContext para todo o banco de dados ou somente para algumas tabelas do banco, isto é, em um projeto pode-se ter várias classes DataContext portanto é

corrente usar o nome xxxDataContext onde xxx identifica o seu conteúdo. Quando for gerada uma classe DataContext para todas as tabelas do banco de dados, xxx será o nome do banco de dados.

A grande vantagem da ferramenta O/R Designer é o recurso de geração das operações CRUD automaticamente, isto é, o programador não precisa codificar a camada de acesso a dados do banco de dados, devendo se preocupar somente com o desenvolvimento das classes de negócio da aplicação o que aumenta sensivelmente a sua produtividade.

3 . M o n t a g e m d a c l a s s e xxxDataContext

Na figura 3.1 tem-se as tabelas de um banco de dados chamado Vendas Geral composto pelas tabelas Cliente e Pedido.

Figura 3.1 – Tabelas que compõem o banco de dados Vendas Geral

Utilizando-se a ferramenta O/R Designer estas tabelas foram mapeadas para as classes de negócio cliente e Pedido, conforme pode

ser visto na figura 3.2

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Figura 3.2 - Diagrama de classes do sistema gerado com a ferramenta O/R Designer

Observar na janela Solution Explorer que foi criada a classe Venda Geral Data Context que contem todo o código de acesso a dados do banco de dados gerado automaticamente pela ferramenta O/R Designer.

4. Listagem de um conjunto de linhas de uma tabela usando LINQ

Nos exemplos a seguir serão feitas consultas às tabelas Cliente e Pedido do banco de dados Vendas Geral. Elas serão apresentadas em duas versões:

I. Versão expressa na linguagem SQL;

II. Versão expressa na linguagem LINQ;É importante observar que no caso da

versão LINQ Cliente e Pedido são os nomes das classes cujo código foi gerado automaticamente pela ferramenta O/R Designer: as tabelas do banco de dados foram chamadas de Clientes e Pedidos, isto é, o O/R Designer acrescentou automa-ticamente a letras no final dos nomes das classes para nomear as tabelas do banco de dados.

Exemplo 1 - Emitir a relação de clientes da empresa

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a) Versão SQLselect *from cliente

b) Versão LINQ

1 VendasGeralDataContext objVGDC = new VendasGeralDataContext();2 //3 var objPesquisa = from j in objVGDC.Clientes4 select j;5 //6 // Carrega a resposta do LINQ em uma grelha7 //8 dgCli.DataSource = objPesquisa;9 //10 // Looping para impressão em uma caixa de mensagem11 //121314 foreach (var linhaTabela in objPesquisa)15 {16 linha = " \n" + linhaTabela.nrcli + " \t" + linhaTabela.nome +17 " \t" + linhaTabela.limiCredito + " \t" + linhaTabela.tipo +18 " \t" + linhaTabela.saMensal;19 sai += linha;20 }21 MessageBox.Show(sai, titu, MessageBoxButtons.OK, MessageBoxIcon.Information);

Tabela 4.1. Exemplo

Ao ser executado este comando LINQ obtém-se a resposta apresentada na Figura 3.3

Deve-se observar que antes de ser executado o comando LINQ escrito nas linhas 3 e 4 foi instanciado um objeto da classe ponte Vendas Geral Data Context na linha número 1. Este objeto contém todos os métodos de acesso ao banco de dados Vendas Geral. Conforme já foi explicado, os comandos LINQ são executados sobre as tabelas do projeto da aplicação e não sobre o banco de dados físico. Assim na linha número 3 foi acessada a tabela Clientes cujo nome está escrito no plural.

O resultado da execução de um comando LINQ é um conjunto de objetos anônimos: eles passam a ser a fonte de dados para o

objeto de tela ou controle Data Grid: na linha número 8 este conjunto de objetos foi vinculado ao objeto de tela visando apresentar o resultado do processamento em uma grelha conforme pode ser visto na Figura 3.3.

Opcionalmente pode-se processar cada um dos objetos do conjunto de objetos resposta: nas linhas de 14 a 21 os valores das variáveis de instância dos objetos foram impressos em uma caixa de mensagem conforme pode ser visto na Figura 3.3. Neste caso foi montado um looping usando-se a estrutura de repetição foreach, aberta na linha número 14. A variável de controle da estrutura de repetição linha Tabela representa cada uma das variáveis de referência do conjunto de objetos resposta, portanto, para acessar determinado

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valor de umas das variáveis de instância destes objetos foi usada a sintaxe linha Tabela. Nome da variável de instância

conforme está mostrado nas linhas números 16 a 18.

Figura 3.3 – Resultado da execução do comando LINQ para listar uma tabela.

Exemplo 2 - Listar os dados dos clientes cujo limite de crédito é maior do que R$1340,00 e o salário mensal maior do que R

$1800,00. A listagem deverá ser ordenada pelos nomes dos funcionários.

a)Versão SQL

select *from cliente where limiCredito > 1340 and saMensal > 1800 order by nomeb) Versão LINQ

1 VendasGeralDataContext objVGDC = new VendasGeralDataContext();2 //3 var objPesquisa = from r in objVGDC.Clientes4 where r.limiCredito > 1340 && r.saMensal > 18005 orderby r.nome6 select r;7 //8 // Carrega a resposta do LINQ em uma grelha

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9 //10 dgCli.DataSource = objPesquisa;11 //12 // Looping para impressão em uma caixa de mensagem13 //14 foreach (var linhaTabela in objPesquisa)15 {16 linha = " \n" + linhaTabela.nrcli + " \t" + linhaTabela.nome +17 " \t" + linhaTabela.limiCredito + " \t" + linhaTabela.tipo +18 " \t" + linhaTabela.saMensal;19 sai += linha;20 }21 MessageBox.Show(sai, titu, MessageBoxButtons.OK, MessageBoxIcon.Information);

Tabela 3.2 - Exemplo

Ao ser executado este comando LINQ obtém-se a resposta apresentada na Figura 3.4.

Figura 3.4 – Resultado da execução do comando LINQ para listar parte de uma tabela.

Observar que o comando LINQ está escrito nas linhas números 3 a 6: as outras linhas correspondem à vinculação do conjunto de objetos resposta a uma grelha de apresentação de resultados (linha número 10) e ao processamento de cada um dos objetos do conjunto de objetos resposta: neste caso, os valores de suas variáveis de instância foram impressos em uma caixa de impressão (linhas números 14 a 21).

Exemplo 3: - Emitir a listagem dos pedidos (número do pedido, valor e prazo de entrega). Criar mais uma coluna a ser

preenchida usando-se a seguinte regra do negócio: se o prazo for menor do que três dias esta coluna deverá ter o valor “Pedido entregue”. Se não for deverá ter o valor “Em processamento”. Os nomes das colunas da grelha de apresentação deverão ser: Nro Pedido, Valor, Prazo e Posição e não aqueles adotados para as colunas da tabela Pedido.

O comando LINQ para a execução desta consulta e a respectiva resposta estão apresentados na figura 3.6.

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Observar dadosSelecionados = from p in objVGDC.Pedidos select new { NroPedido = p.nrPed, Valor = p.valor, Prazo = p.prazo, Posicao = p.prazo < 3 ? "Pedido entregue" : "Em processamento" }; // // Carrega a resposta do LINQ em uma grelha // dgCli.DataSource = dadosSelecionados; //

Figura 3.6 – Comando LINQ para alterar os nomes das colunas da grelha e criar uma nova coluna.

Para alterar os nomes das variáveis de instância do conjunto de objetos resposta foi criada uma classe anônima e instanciado um objeto desta classe. As variáveis de instância destes objetos foram iniciadas com os valores das variáveis de instância do conjunto de objetos resposta.

A nova coluna chamada Posição também é uma variável de instância da classe anônima: sua variável de instância é iniciada usando-se a estrutura de comparação iif, conforme pode ser visto na figura 3.6.

Considerações finais

A sintaxe da linguagem LINQ é muito parecida com a sintaxe da linguagem SQL, porém mais eficiente e explora o conceito de objetos na composição dos comandos. Além disso, ela é uma extensão das linguagens visual C# e visual Basic e não uma nova linguagem a ser embutida no interior de um programa escrito em C#, com sintaxe própria.

Os comandos LINQ são executados sobre um objeto instanciado a partir da classe Data context que tem os métodos para executar as operações CRUD automaticamente gerados pelo Visual Studio, isto é, o programador não precisa codificar a camada de acesso da aplicação que é uma das mais extensas e repetitivas. Ele precisa codificar apenas as classes de negócio da aplicação o que representa um ganho significativo em termos de produtividade do programador.

Muitos profissionais têm dúvidas a respeito da geração automática de modelos e de parte do código, afirmando que os resultados não são eficientes. Entretanto, eles não avaliam o resultado da tradução de um código fonte para linguagem de máquina ou bytescodes gerados pela “compilação” de um código escrito em Java. Basicamente programa executável é gerado a partir do código fonte.

No ambiente Microsoft está se observando um amadurecimento no processo de desenvolvimento de software.

O ganho em termos de tempo de desenvolvimento é substancial.

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O Framework .NET 3.5 possui a maioria das rotinas que os programadores eram obrigados a codificar com freqüência, evitando o clássico retrabalho. Além disso, ferramentas com o visual Studio preocupam-se em gerar, de forma automática, todo o

cód igo que não t em a ve r com o desenvolvimento da aplicação em si.

Nessas condições, a geração de código e modelos é uma tecnologia que está sendo adotada por todas as empresas que desenvolvem software.

Referências Bibliográficas

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