augusto cury análise da inteligência de cristo mestres por (denhí)

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Copyright © Editora Academia de Inteligência Criação, Editoração, Fotolitos e Capa: Macquete Gráfica Produções (0XX11) 6694-6477 Revisão: Ana Maria Barbosa Catalogação na Fonte do Departamento Nacional do Livro C982a Cury, Augusto Jorge. Análise da inteligência de Cristo : o Mestre dos Mestres / Augusto Jorge Cury — São Paulo: Academia de Inteligência, 1999. 232 p. ; 21 cm. ISBN: 85-87643-01-0 Inclui bibliografia. 1. Jesus Cristo — Personalidade e missão. 2. Inteligência. I. Título. CDD-232.903 Editora Academia de Inteligência Fone/fax: (0XX17) 3342-4844 E-mail: [email protected]

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  • Copyright Editora Academia de Inteligncia

    Criao, Editorao, Fotolitos e Capa:Macquete Grfica Produes (0XX11) 6694-6477

    Reviso:Ana Maria Barbosa

    Catalogao na Fonte do Departamento Nacional do Livro

    C982aCury, Augusto Jorge.

    Anlise da inteligncia de Cristo : o Mestre dos Mestres / Augusto Jorge Cury So Paulo: Academia de Inteligncia,1999.

    232 p. ; 21 cm.

    ISBN: 85-87643-01-0Inclui bibliografia.

    1. Jesus Cristo Personalidade e misso. 2. Inteligncia. I. Ttulo.

    CDD-232.903

    Editora Academia de IntelignciaFone/fax: (0XX17) 3342-4844

    E-mail: [email protected]

  • Dedico esta obra a todos aqueles que procuram no ser vtimas do rolocompressor da histria, que buscam dar

    um sentido mais nobre sua vida e ainvestir em sabedoria na sinuosa,

    turbulenta e bela existncia humana.

  • PREFCIO9

    CAPTULO 1CARACTERSTICAS INTRIGANTES DA

    PERSONALIDADE DE CRISTO11

    CAPTULO 2A TIMIDEZ E OMISSO DA CINCIA EM INVESTIGAR

    A INTELIGNCIA DE CRISTO43

    CAPTULO 3CRISTO, SE VIVESSE HOJE, ABALARIA OS FUNDAMENTOS DA PSIQUIATRIA E DA PSICOLOGIA

    71

    CAPTULO 4CRISTO PERTURBARIA O SISTEMA POLTICO

    81

    CAPTULO 5 O DISCURSO DE CRISTO DEIXARIA A MEDICINA ATUAL ATNITA E TOCARIA NA MAIOR CRISE

    EXISTENCIAL DO HOMEM93

    CAPTULO 6UM AUDACIOSO PROJETO: O PBLICO E O AMBIENTE

    117

    CAPTULO 7DESPERTANDO A SEDE DE APRENDERE DESOBSTRUINDO A INTELIGNCIA

    127

    CAPTULO 8INVESTINDO EM SABEDORIA DIANTE

    DOS INVERNOS DA VIDA141

    CAPTULO 9UM CONTADOR DE HISTRIA QUE SABIA LIDAR COM OS PAPIS

    DA MEMRIA E ESTIMULAR A ARTE DE PENSAR155

    CAPTULO 10SUPERANDO A SOLIDO: FAZENDO AMIGOS

    173

    CAPTULO 11PRESERVANDO A UNIDADE E ENSINANDO A ARTE DE AMAR

    191

    CAPTULO 12INTRODUZINDO AS FUNES MAISIMPORTANTES DA INTELIGNCIA

  • 215

    NOTAS BIBLIOGRFICAS229

  • Aps ter desenvolvido durante dezessete anos uma nova teoria sobre o funcionamento da mente esobre a construo da inteligncia, envolvi-me em uma das mais desafiadoras pesquisas psicolgicas:estudar a intrigante inteligncia daquele que dividiu a histria: Cristo. Ele produziu comportamentos e

    proferiu discursos que revolucionaram a humanidade.Por ser psiquiatra, de origem multirracial (talo-judia, espanhola e rabe), por ter sido um ateu ctico

    e por ser um pesquisador que sempre se interessou em estudar os enigmas da mente, investigar apersonalidade de Cristo foi e ainda para mim um projeto estimulante.

    Muitas perguntas povoaram meus pensamentos durante os anos em que me envolvi nesse projeto:Cristo poderia ter sido fruto da imaginao humana? Se ele no tivesse feito nenhum milagre, teriadividido a histria? Como abria as janelas da mente dos seus discpulos e os estimulava a desenvolver asfunes mais importantes da inteligncia? Como gerenciava seus pensamentos e suas reaesemocionais nas situaes estressantes? Algum discursou na histria pensamentos semelhantes aos dele?Quais as dimenses e implicaes dos pensamentos dele?

    Muitas dessas perguntas ainda no foram respondidas adequadamente. Respond-las fundamentalpara a cincia, a educao, a psicologia, as sociedades, a teologia e para todos aqueles que procuramconhecer profundamente o personagem mais complexo e misterioso que transitou pela sinuosa histriada humanidade.

    Estudar a mente de Jesus Cristo mais complexo do que estudar a mente de qualquer pensador dapsicologia e da filosofia. Investigar se a sua inteligncia poderia ou no ser fruto da criatividadeintelectual humana uma tese estimulante e que possui muitas implicaes.

    Temos feito sucessivas edies deste livro. As reaes dos leitores tm sido animadoras. Elescomentam que nunca tinham imaginado que a personalidade de Cristo fosse to refinada, que ele fosseinsupervel na arte de pensar e que seus pensamentos fossem revestidos de sabedoria.

    Muitas escolas tm recomendado aos professores sua leitura e o tm adotado em diversasdisciplinas, com o objetivo de que seus alunos expandam as funes mais importantes da inteligncia.Psiclogos o tm utilizado e estimulado seus pacientes a l-lo, com o objetivo de ajud-los a prevenir adepresso, a ansiedade e o stress. Empresrios tm adquirido centenas de exemplares para distribuir aosseus melhores amigos e clientes. Professores universitrios o tm recomendado em faculdades. Leitorestm confessado que sua vida ganhou um novo significado aps a leitura de Anlise.... Alm disso,apesar desse livro tratar de psicologia e no de religio, pessoas de diversas religies tm sido ajudadaspor ele e o utilizado sistematicamente.

    Todas essas reaes no so mritos meus, mas do personagem central aqui estudado. Investigar ainteligncia de Cristo realmente abre as janelas de nossas mentes, expande o prazer de viver e estimula asabedoria.

    Augusto Jorge Cury

  • Brilhando na arte de pensarA arte de pensar a manifestao mais sublime da inteligncia. Todos pensamos, mas nem todos

    desenvolvemos qualitativamente a arte de pensar. Por isso, freqentemente no expandimos as funesmais importantes da inteligncia, tais como aprender a se interiorizar, a destilar sabedoria diante dasdores, a trabalhar as perdas e frustraes com dignidade, a agregar idias, a pensar com liberdade econscincia crtica, a romper as ditaduras intelectuais, a gerenciar com maturidade os pensamentos eemoes nos focos de tenso, a expandir a arte da contemplao do belo, a se doar sem a contrapartidado retorno, a se colocar no lugar do outro e considerar suas dores e necessidades psicossociais.

    Muitos homens, ao longo da histria, brilharam em suas inteligncias e desenvolveram algumasreas importantes do pensamento. Scrates foi um questionador do mundo. Plato foi um investigadordas relaes sociopolticas. Hipcrates foi o pai da medicina. Confcio foi um filsofo da brandura.Squia-Mni, o fundador do budismo, foi um pensador da busca interior. Moiss foi o grande mediadordo processo de liberdade do povo de Israel, conduzindo-o at a terra de Cana. Maom, em suaperegrinao proftica, foi o unificador do povo rabe, um povo que estava dividido e sem identidade.H muitos outros homens que brilharam na inteligncia, tais como Toms de Aquino, Agostinho, Hume,Bacon, Spinoza, Kant, Descartes, Galileu, Voltaire, Rosseau, Shakespeare, Hegel, Marx, Newton, MaxWell, Gandhi, Freud, Habermas, Heidegger, Curt Lewin, Einstein, Viktor Frankl etc.

    A temporalidade da vida humana muito curta. Em poucos anos encerramos o espetculo daexistncia. Infelizmente, poucos investem em sabedoria nesse breve espetculo, por isso no seinteriorizam, no se repensam. Se compararmos a lista dos homens que brilharam em suas intelignciase investiram em sabedoria ao contigente de nossa espcie, ela se torna muito pequena.

    Independente de qualquer julgamento que possamos fazer desses homens, o fato que elesexpandiram o mundo das idias no campo cientfico, cultural, filosfico e espiritual. Alguns no sepreocuparam com a notoriedade social, preferiram o anonimato, no se importaram em divulgar suasidias e escrever seus nomes nos anais da histria. Porm, suas idias no puderam ser sepultadas. Elasgerminaram como sementes na mente dos homens e enriqueceram a histria da humanidade. Estudar ainteligncia deles pode nos ajudar muito a expandir nossas prprias inteligncias.

    Houve um homem que viveu h muitos sculos e que no apenas brilhou em sua inteligncia, masteve uma personalidade intrigante, misteriosa e fascinante. Ele conquistou uma fama indescritvel. Omundo comemora seu nascimento. Todavia, em detrimento de sua enorme fama, algumas reasfundamentais da sua inteligncia so pouco conhecidas. Ele destilava sabedoria diante das suas dores eera ntimo da arte de pensar. Esse homem foi Jesus Cristo.

    A histria de Cristo teve particularidades em toda a sua trajetria: do seu nascimento sua morte.Ele abalou os alicerces da histria humana por intermdio da sua prpria histria. Seu viver e seuspensamentos atravessaram geraes, varreram os sculos, embora ele nunca tenha procurado statussocial e poltico.

    Ele no cresceu debaixo da cultura clssica da sua poca. Quando abriu a boca, produziupensamentos de inconfundvel complexidade. Tinha pouco mais de trinta anos de idade, mas perturbouprofundamente a inteligncia dos homens mais cultos de sua poca. Os escribas e fariseus, que eramintrpretes e mestres da lei, que possuam uma cultura milenar rica, ficaram chocados com seuspensamentos.

    Sua vida sempre foi rida, sem nenhum privilgio econmico e social. Conheceu intimamente asdores da existncia. Contudo, ao invs de se preocupar com as suas prprias dores e querer que o mundogravitasse em torno das suas necessidades, ele se preocupava com as dores e necessidades alheias.

  • O sistema poltico e religioso no foi tolerante com ele, mas ele foi tolerante e dcil com todos,mesmo com seus mais ardentes opositores. Cristo vivenciou sofrimentos e perseguies desde a suainfncia. Foi incompreendido, rejeitado, zombado, cuspido no rosto. Foi ferido fsica epsicologicamente. Porm, apesar de tantas misrias e sofrimentos, no desenvolveu uma emooagressiva e ansiosa; pelo contrrio, ele exalava tranqilidade diante das mais tensas situaes e aindatinha flego para discursar sobre o amor no seu mais potico sentido.

    Muitos autores, ao longo dos sculos, abordaram Cristo de diferentes aspectos espirituais: suadivindade, seu propsito transcendental, seus atos sobrenaturais, seu reino celestial, sua ressurreio, aescatologia (doutrina das ltimas coisas) etc. Quem quiser estudar esses aspectos de Cristo ter deprocurar os textos desses autores, pois a Anlise da inteligncia de Cristo investiga Cristo em outraperspectiva, sob um outro ngulo.

    Este livro realiza uma investigao talvez nunca realizada pela cincia da interpretao ou nuncaproduzida pela psicologia. Investiga a sua singular personalidade. Analisa o funcionamento da suasurpreendente inteligncia. Estuda sua arte de pensar, os meandros da sua construo de pensamentosnos seus focos de tenso.

    A personalidade constituda de muitos elementos. Em sntese, ela se constitui da construo depensamentos, da transformao da energia emocional, do processo de formao da conscinciaexistencial (quem sou, como estou, onde estou), da histria inconsciente arquivada na memria, da cargagentica. Aqui convencionarei que a inteligncia a manifestao da personalidade diante dos estmulosdo mundo psquico bem como dos ambientes e das circunstncias em que uma pessoa vive. Todo serhumano possui uma inteligncia, mas nem todos desenvolvem suas funes mais importantes.

    Durante quase duas dcadas em que tenho pesquisado o funcionamento da mente, a construo dainteligncia e o processo de interpretao, posso afirmar com segurana que Cristo possui umapersonalidade bastante complexa, muito difcil de ser investigada, interpretada e compreendida. Esta uma das causas que inibiu a cincia de procurar investigar e compreender, ainda que minimamente, a suainteligncia.

    Analisar a inteligncia de Cristo um dos maiores desafios da cincia. Aps ter desenvolvido osalicerces bsicos de uma nova teoria sobre o funcionamento da mente, comecei a me envolver nesteenorme e estimulante projeto, que investigar a personalidade de Cristo. Foram anos de estudo, em queprocurei, dentro das minhas limitaes, fugir das respostas achistas e do explicacionismo cientficosuperficial.

    Interpretar a histria uma das tarefas intelectuais mais complexas. reconstruir a histria, e noresgat-la de maneira pura. Reconstruir os fatos, ambientes e circunstncias do passado um grandedesafio. Se o leitor tentar resgatar as experincias mais marcantes da sua histria, verificar que esseresgate freqentemente reduz a dimenso das dores e dos prazeres vividos no passado. Estudaremos esteassunto. Todo resgate do passado est sujeito a limitaes e imperfeies. Este livro, que um exercciode interpretao psicolgica da histria, no foge regra.

    Se interpretar a histria uma tarefa intelectual complexa e sinuosa, agora imagine como deve serdifcil investigar a inteligncia de Cristo, os nveis de sua coerncia intelectual, sua capacidade degerenciar a construo de pensamentos, de transcender as ditaduras da inteligncia, de superar as doresfsicas e emocionais e de abrir as janelas da mente das pessoas que o envolviam.

    Cristo possua uma personalidade difcil de ser estudada. Suas reaes intelectuais e emocionaiseram to surpreendentes e incomuns que ultrapassam os limites da previsibilidade psicolgica. Apesardas dificuldades, possvel viajarmos por algumas avenidas fundamentais do pensamento de Cristo ecompreendermos algumas reas importantes da sua inteligncia.

  • Um enigma para a cincia em diversas reasQuem foi Jesus Cristo? Este livro, que pretende realizar uma anlise psicolgica da inteligncia de

    Cristo, no pode responder plenamente quem ele foi. Tal pergunta entra na esfera da f, uma esfera queultrapassa os limites da investigao cientfica, que transcende a cincia da interpretao. A cincia secala quando a f se inicia. A f transcende a lgica, uma convico em que h ausncia de dvida. Acincia sobrevive da dvida. Quanto maior for a dvida, maior poder ser a dimenso da resposta. Sem aarte da dvida, a cincia no tem como sobreviver e expandir a sua produo de conhecimento.

    Cristo discorria sobre a f. Falava da necessidade de crer sem duvidar, de uma crena plena,completa, sem insegurana. Falava da f como um misterioso processo de interiorizao, como umatrajetria de vida clandestina. Discorria sobre a f como um viver que transcende o mundo material, queextrapola o sistema sensorial e que cria razes no mago do esprito humano.

    A cincia no tem como investigar o que essa f, pois ela tem razes no cerne da experinciapessoal, portanto no se torna um objeto de estudo investigvel. Todavia, apesar de Cristo falar da fcomo um processo de existncia transcendental, ele no anulava a arte de pensar; pelo contrrio, era ummestre excepcional nessa arte. Cristo no discorria sobre uma f sem inteligncia.

    Para ele, primeiro deveria se exercer a capacidade de pensar e refletir antes de crer, depois vinha ocrer sem duvidar. Se estudarmos os quatro evangelhos e investigarmos a maneira como Cristo reagia eexpressava seus pensamentos, constataremos que pensar com liberdade e conscincia era uma obra-prima para ele.

    Um dos maiores problemas enfrentados por Cristo era o crcere intelectual em que as pessoasviviam, ou seja, a rigidez intelectual com que elas pensavam e compreendiam a si mesmas e ao mundoque as envolviam. Por isso, apesar de falar da f como ausncia da dvida, ele tambm era um mestresofisticado no uso da arte da dvida. Ele a usava para abrir as janelas da inteligncia das pessoas que ocircundavam1.

    Como Cristo usava a arte da dvida? Se observarmos os textos dos quatro evangelhos veremos queele era um excelente perguntador, um ousado questionador. Usava a arte da pergunta para conduzir aspessoas a se interiorizar e a se questionar. Tambm era um exmio contador de parbolas que perturbavaos pensamentos de todos os seus ouvintes.

    Quem Cristo? Ele o filho de Deus? Ele tem natureza divina? Ele o autor da existncia? Comoele se antecipava ao tempo e previa fatos ainda no acontecidos, tais como a traio de Judas e a negaode Pedro? Como realizava os atos sobrenaturais que deixavam as pessoas extasiadas? Como multiplicoualguns pes e peixes e saciou a fome de milhares de pessoas? Ele multiplicou a matria, molculas ouusou qualquer outro fenmeno? A cincia no pode dar essas respostas sobre Cristo e nem outras tantas,pois essas perguntas entram na esfera da f. Como disse, quando comea a f, que ntima e pessoal decada ser humano, e que, portanto, deve ser respeitada, a cincia se cala. Cristo continuar, em muitasreas, um grande enigma para a cincia.

    Se a cincia se atrever a entrar numa esfera que exclui fenmenos passveis de investigao, elafacilmente entrar nos terrenos de um discurso achista, explicacionista. Porm, uma coisa no anula aoutra, a cincia no anula o esprito humano, a experincia ntima. Talvez, um dia, a cincia, diante dosseus limites, venha a completar-se com fenmenos que ultrapassam os limites da lgica clssica.Todavia, esse um assunto muito complexo e que facilmente imerge no cientificismo, o quecompromete a argumentao coerente. Esses textos no tratam desse assunto, mas das reasinvestigveis de Cristo.

    No possvel comentar a inteligncia de Cristo em alguns captulos. Sua arte de pensar sofisticada demais para ser abordada em apenas um livro. Outras obras sero necessrias para abord-la.

  • Ao investigarmos a sua inteligncia, talvez possamos responder algumas dessas importantesperguntas: Cristo sempre expressava com elegncia e coerncia a sua inteligncia nas vrias situaestensas e angustiantes que vivia? Teria ele dividido a histria da humanidade se no tivesse realizadonenhum ato sobrenatural? Por que suas palavras permanecem vivas at hoje, mexendo com centenas demilhes de pessoas de todas as lnguas e todos os nveis sociais, econmicos e culturais? Por quehomens que nunca o viram e nunca o tocaram disseram espantosamente, ao longo da histria, que noapenas creram nele, mas que tambm o amaram, dentre os quais se incluem diversos pensadores,filsofos, cientistas?

    Realizaremos, nesses textos, uma viagem intelectual interessante ao investigarmos a vida de Cristo.E, ao contrrio do que se possa pensar, ele gostava de ser investigado. Cristo apreciava ser analisado eindagado com inteligncia. Ele era crtico das pessoas que o investigavam superficialmente. Em umaoportunidade, at mesmo provocou os escribas e fariseus a estudarem mais profundamente a respeito daidentidade e da origem do Cristo2.

    As quatro biografias de Cristo: ele foi umpersonagem real ou imaginrio?

    Cristo tem quatro biografias que so chamadas de evangelhos: o evangelho de Mateus, de Marcos,de Lucas e de Joo. Marcos e Lucas no pertenciam aos doze discpulos. Eles escreveram sobre Cristobaseados num processo de investigao de pessoas que conviveram intimamente com ele. As biografiasde Cristo no so biografias no sentido clssico, como as que conhecemos hoje. Porm, como osevangelhos retratam a sua histria, podemos dizer que eles representam a sua biografia.

    Todo cientista um indagador inveterado, um aventureiro nas trajetrias do desconhecido e umquestionador de tudo que v e ouve. Investigar com critrio aquilo que se v e ouve respeitar a simesmo e a sua prpria inteligncia. Se algum no respeita a sua prpria inteligncia no pode respeitaraquilo em que acredita. No deveramos aceitar nada sem antes realizar uma anlise crtica dosfenmenos que observamos.

    Durante muitos anos, procurei estudar as biografias de Cristo. Por diversas vezes, me perguntava seCristo realmente tinha existido. Questionava se ele no tinha sido uma inveno literria, fruto daimaginao humana. Esta uma questo fundamental, e no devemos ter medo de investig-la. Antes deestudarmos este ponto, deixe-me falar-lhes um pouco sobre o atesmo.

    Aqueles que se dizem ateus tm como assuntos preferidos falar sobre Deus ou da idia da negaode Sua existncia. Todo ser humano, no importa quem seja, ateu ou no, gosta de ter Deus na pauta dassuas mais importantes idias. A maioria dos ateus realmente no acreditava em Deus? No. A maioriados ateus fundamentou seu atesmo no em um corpo de idias profundo sobre a existncia ou no deDeus. Seu atesmo era resultado da indignao contra as injustias, incoerncias e discriminaessociopolticas cometidas pela religiosidade reinante em determinada poca.

    Quando todos pensavam que Voltaire, o afiado pensador do Iluminismo francs, fosse um ateu, eleproclamava no final de sua vida: Morro adorando a Deus, amando os meus amigos, no detestandomeus inimigos, mas detestando a superstio*. A maioria dos ateus possua e possui um atesmo social,um scio-atesmo, alicerado na anti-religiosidade, e no numa produo de conhecimento inteligente,descontaminada de distores intelectuais, de paixes atestas e tendencialismos psicossociais sobre aexistncia ou no de Deus.

  • Provavelmente, fui mais ateu que muitos daqueles que se consideravam grandes ateus, tais comoKarl Marx, Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre. Por isso, pesquisava a inteligncia de Cristoindagando continuamente se ele era fruto da imaginao humana, da criatividade literria, ou serealmente tinha existido. Como pesquisador da inteligncia, fui investigar dentro do campo da minhaespecialidade, ou seja, dentro do campo da construo dos pensamentos descritos nas quatro biografiasde Cristo. Pesquisei a lgica, limites e alcance de sua inteligncia.

    H at hoje mais de 5 mil manuscritos do Novo Testamento, o que o torna o mais bem documentadodos escritos antigos. Muitas cpias pertencem a uma data prxima dos originais. H aproximadamente75 fragmentos datados desde 135 d.C. at o sculo VIII. Todos esses dados, acrescidos ao trabalhointelectual produzido pelos estudiosos da paleografia, arqueologia e crtica textual, nos asseguram de quepossumos um texto fidedigno do Novo Testamento, que contm as quatro biografias de Cristo, osquatro evangelhos. Os fundamentos arqueolgicos e paleogrficos podem ser teis para nos dar um textofidedigno, mas no analisam o prprio texto; logo, so insuficientes para resolver a dvida se Cristo foireal ou fruto da criatividade intelectual humana, so restritos para fornecer dados para uma anlisepsicolgica ampla sobre os pensamentos de Cristo e sobre as intenes dos autores originais dosevangelhos. Para analisar esses textos necessrio imergir no prprio texto e interpret-lomultifocalmente e isento, tanto quanto possvel, de paixes e tendncias. Foi o que procurei fazer.

    Penetrei nas quatro biografias de Cristo e procurei pesquisar at aquilo que estava nas entrelinhasdesses textos, tanto os mais diversos nveis de coerncia intelectual contidos neles como as intenesconscientes e inconscientes dos autores dos quatro evangelhos. Usei vrias verses para isso. Procureitambm pesquisar cada idia, cada reao, cada momento de silncio e cada pensamento que Cristoproduzia nas vrias situaes que vivia, principalmente em seus focos de tenso. Eu precisava saber seestava analisando a inteligncia de uma pessoa real ou imaginria.

    O resultado dessa investigao muito importante. Minhas pesquisas poderiam me conduzir a trscaminhos: a permanecer na dvida, a me convencer de que Cristo foi o fruto mais espetacular daimaginao humana, ou me convencer de que realmente ele tinha existido, de que de fato foi uma pessoareal que andou e respirou nesta terra.

    Cheguei a uma concluso que passarei a demonstrar e defender como se fosse uma tese nosprximos textos.

    As intenes conscientes e inconscientes dos autores dos evangelhosSe estudarmos as intenes conscientes e inconscientes dos autores dos evangelhos, constataremos

    que eles no tinham a inteno de fundar uma filosofia de vida, de promover um heri poltico, deconstruir um lder religioso nem um homem diante do qual o mundo deveria se curvar. Eles queriamapenas descrever uma pessoa incomum que mudou completamente a vida deles. Queriam registrar fatos,mesmo que incompreensveis e estranhos aos leitores, que Cristo viveu, discursou e expressou. Seestudarmos os meandros dos pensamentos descritos nos evangelhos, constataremos que h diversosfatores que evidenciam que Cristo tinha uma personalidade inusitada, distinta, mpar, imprevisvel.

    Dois dos autores dos evangelhos eram discpulos ntimos de Cristo (Mateus e Joo). O evangelho deMarcos foi escrito baseado provavelmente nos relatos de Pedro: Marcos era to ntimo de Pedro que foiconsiderado como um filho para ele3. Ento, conclumos que trs desses autores tiveram uma relaoestreita com o personagem Cristo. Cristo era real ou fruto da imaginao desses autores? Vamos sevidncias.

  • Se os evangelhos fossem fruto da imaginao literria desses autores, eles no falariam mal de simesmos, no comentariam a atitude frgil e vexatria que tiveram ao se dispersar quando Cristo foipreso. Quando Cristo se entregou aos seus opositores e deixou sua eloqncia e seus atos sobrenaturaisde lado, os discpulos ficaram frgeis e confusos. Naquele momento, tiveram vergonha dele e sentirammedo. Naquela situao estressante, as janelas de suas mentes foram fechadas e eles o abandonaram.

    Pedro jurou que no negaria a Cristo. Amava tanto esse mestre que disse que se possvel morreriacom ele. Porm, Pedro, numa situao delicada, o negou. E no apenas uma vez, mas trs vezes, e aindadiante de pessoas sem qualquer poder poltico. Quem contou aos autores dos quatro evangelhos quePedro negou a Cristo por trs vezes para alguns servos? Quem contou a sua atitude vexatria se ningumdo seu crculo de amigos sabia que ele o havia negado? Pedro, ele mesmo, teve a coragem de cont-lo.Que autor falaria mal de si mesmo? Pedro no apenas contou os fatos, mas exps os detalhes da suanegao. Para Lucas, ele contou alguns detalhes significativos que estudaremos.

    Com quem Pedro, que, quando jovem, era um rude e inculto pescador, aprendeu a ser to sincero,to honesto consigo mesmo, a ponto de falar de suas prprias misrias? Ele deve ter aprendido comalgum que, no mnimo, admirava muito. Algum que tivesse caractersticas to complexas na suainteligncia que fosse capaz de ensinar a Pedro a se interiorizar e a reciclar profundamente os seusvalores existenciais. O Cristo descrito nos evangelhos tinha tais caractersticas. Cristo, mesmo diante desituaes tensas, em que uma pequena simulao o livraria de grandes sofrimentos, optava por serhonesto consigo mesmo. Pedro aprendeu com Cristo a difcil arte de ser fiel sua prpria conscincia, aassumir seus erros e suas fragilidades. O que indica que esse Cristo no era um personagem literrio,mas uma pessoa real.

    Se os autores dos evangelhos quisessem produzir conscientemente um heri religioso, eles, comoseus discpulos, no desnudariam a vergonha que tiveram dele momentos antes de ele morrer, pois issodeporia contra a adeso a esse suposto heri, ainda mais se fosse imaginrio. Esse fato representa umfenmeno inconsciente que acusa a inteno de os discpulos descreverem um homem incomum querealmente viveu nesta terra.

    Quando Cristo foi aprisionado, injuriado e espancado, o jovem Joo o abandonou, fugiudesesperadamente, juntamente com os demais discpulos. Alm disso, Joo, o prprio autor do quartoevangelho, descreveu com uma coragem mpar a sua fragilidade e impotncia diante da dramtica dorfsica e psicolgica do seu mestre na cruz.4

    Quando Joo escreveu o seu evangelho? Quando estava velho, cerca de 90 d.C., mais de meio sculodepois que esse fato ocorreu. Todos os apstolos provavelmente j tinham morrido. Nessa poca, algunsestavam abandonando as linhas bsicas do ensinamento de Cristo, ento Joo, na sua velhice, descreveutudo aquilo que tinha visto e ouvido. O que se espera de uma pessoa muito idosa, que est no fim da suavida? Que ela no tenha mais nenhuma necessidade de simular, omitir ou mentir sobre os fatos que viu eviveu. O velho Joo no se escondeu atrs de suas palavras. Ele no apenas discorreu sobre uma pessoa,Cristo, que marcou profundamente sua histria de vida, mas em sua descrio tambm no se esqueceude abordar a sua prpria fragilidade. Isto incomum na literatura. S tem lgica um autor expor suasmazelas desse modo se ele desejar retratar a biografia real de um personagem que est acima delas.

    O homem tende a esconder suas fragilidades e seus erros, mas os bigrafos de Cristo aprenderam aser fiis a sua conscincia. Aprenderam com Cristo a arte de destilar a sabedoria dos erros. Ao estudar asbiografias de Cristo, constatamos que a inteno consciente e inconsciente dos seus autores era apenasexpressar com fidelidade aquilo que viveram, mesmo que isso fosse totalmente estranho aos conceitoshumanos.

  • Se Cristo fosse fruto da imaginao dos seus bigrafos, eles no apenas teriam riscado os dramticosmomentos de hesitao que tiveram, mas tambm teriam riscado dos seus escritos a dramtica angstiaque o prprio Cristo passou na noite em que foi trado, no Getsmani. Um dia talvez escreva sobre essemomento mpar e os fenmenos psicolgicos envolvidos nesse ambiente. Aqui minha abordagem sersinttica.

    Naquela noite, Cristo expressou a dimenso do clice que iria beber, a dor fsica e psicolgica queiria suportar. Se os autores dos evangelhos tivessem programado a criao de um personagem, teriamescondido a dor, o sofrimento de Cristo e o contedo das suas palavras. Teriam apenas comentado osseus momentos de glria, os seus milagres, a sua popularidade. A descrio da dor de Cristo umaevidncia de que ele no era uma criao literria. No viveu um teatro; o que ele viveu foi relatado.

    Eles tambm no teriam silenciado a Cristo quando ele estava diante do julgamento dos principaissacerdotes e polticos. Pelo contrrio, teriam colocado respostas brilhantes em sua boca. Cristo faloupalavras sbias e eloqentes que deixavam at as pessoas mais rgidas pasmadas. Porm, quando Pilatos,intrigado, o interrogava, ele se calou. No momento em que Cristo mais precisava de argumentos, elepreferiu se calar. Com a sua inteligncia, poderia se safar do julgamento. Todavia, sabia que aquelejulgamento era parcial e injusto. Ele emudeceu, e em nenhum momento procurou se defender daquiloque havia feito e falado em pblico. Cristo apenas se entregou aos seus opositores e deixou que elesjulgassem as suas palavras e comportamentos. Ele foi julgado, humilhado e morreu de forma injusta, eos seus bigrafos descreveram isto.

    Cristo no poderia ter sido fruto da criatividadeintelectual de algum autor

    Por um lado, h muitos fatos psicolgicos que demostraram claramente que os autores dosevangelhos no tinham a inteno consciente e inconsciente de criar literariamente um personagemcomo Cristo foi; por outro lado, precisamos investigar se a mente humana tem capacidade de criar umapersonalidade como a dele. Vejamos.

    Cristo no se comportava nem como heri nem como anti-heri. Sua inteligncia era mpar. Seuscomportamentos fugiam aos padres do intelecto humano. Quando todos esperavam que falasse, elesilenciava. Quando todos esperavam que tirasse proveito dos atos sobrenaturais que praticava, pedia paraque as pessoas ajudadas por ele no contassem a ningum o que havia feito. Ele evitava qualquer tipo deostentao. Que autor poderia imaginar um personagem to intrigante como esse?

    Na noite em que foi trado, facilitou sua priso, pois levou consigo apenas trs dos seus discpulos.No quis que a multido que sempre o acompanhava estivesse presente naquele momento. Mesmo com apresena de alguns discpulos j houve alguma agressividade naquela situao, pois Pedro feriu um dossoldados. No queria derramar sangue ou causar qualquer tipo de violncia. Ele estava preocupado tantocom a segurana das pessoas que o seguiam como com a dos seus opositores, daqueles que oprenderam5. incomum e muito estranho uma pessoa se preocupar com o bem-estar dos seusopositores! Ele previu a sua morte por algumas vezes e facilitou sua priso.

    O mundo dobrou-se aos seus ps no pela inteligncia dos autores dos quatro evangelhos, pois nelesno h inteno de produzir um texto com grande estilo literrio. O mundo o reconheceu porque seuspensamentos e atitudes eram to eloqentes que falavam por si s, no precisavam de arranjos literriosdos seus bigrafos.

  • O que chama a ateno nas biografias de Cristo so seus comportamentos incomuns, seus gestos queextrapolam os conceitos, sua capacidade de considerar a dor de cada ser humano mesmo diante da suaprpria dor. Estudaremos que suas idias eram to surpreendentes que no tm precedente histrico. Atos seus momentos de silncio tinham grande significado. Creio que diversas passagens, expressas emsuas quatro biografias, possuem tantos segredos intelectuais que muitas no foram compreendidas nempelos seus prprios autores na poca em que as escreveram.

    As reaes de Cristo realmente contrapem-se aos nossos conceitos, esteretipos e paradigmas(modelos de compreenso e padres de reao). Vejamos sua entrada triunfal em Jerusalm.

    Aps ter percorrido por um longo perodo toda a regio da Galilia, inmeras pessoas o seguiam.Agora, havia chegado o momento de entrar pela segunda e ltima vez em Jerusalm, o grande centroreligioso e poltico de Israel. Naquele momento, Cristo estava no auge da sua popularidade. As pessoasestavam eufricas e o proclamavam como rei de Israel6. Alguns discpulos, que quela altura ainda noestavam cientes do seu desejo, at disputavam quem seria maior se ele conquistasse o trono poltico7.Os discpulos e as multides estavam extasiadas. Entretanto, mais uma vez ele teve uma atitudeimprevisvel que chocou a todos.

    Quando todos esperavam que ele entrasse triunfalmente em Jerusalm, com uma grande comitiva epompa, tomou uma atitude clara e eloqente que demonstrava que rejeitava qualquer tipo de poderpoltico, pompa e esttica exterior. Ele mandou alguns dos seus discpulos pegar um pequeno animal, umjumentinho, e teve a coragem de montar naquele desajeitado animal. E foi assim que aquele homemsuperadmirado entrou em Jerusalm.

    Nada mais satrico e desproporcional do que o balano de um homem transportado por umjumento... O animal forte, mas pequeno. Quem o monta no sabe onde colocar os ps, se os levantaou os arrasta pelo cho.

    Que cena impressionante! As pessoas, mais uma vez, ficaram chocadas com o comportamento deCristo. Mais uma vez ficaram sem entend-lo. Os seus discpulos, que estavam to eufricos com tantoapoio popular, receberam um balde de gua fria. Porm, as pessoas, confusas e ao mesmo tempoadmiradas, colocavam suas vestes sobre o cho para ele passar e o exaltavam como o rei de Israel.

    Elas queriam proclam-lo um grande rei e ele demonstrava que no queria nenhum poder poltico.Queriam exalt-lo, mas ele expressava que para atingir seus objetivos, o caminho era a humildade, erapreciso aprender a se interiorizar. Cristo propunha uma revoluo que se iniciava no interior do homem,no secreto do seu ser, e no no exterior, na esttica poltica. impressionante, mas ele no se mostravanem um pouco preocupado, como geralmente ficamos, com aparncia, poder, status social, opiniopblica.

    Imaginem o presidente dos EUA, no dia da sua posse, solicitando aos seus assessores que arrumemum pequeno animal, como um jumento, para ele entrar na Casa Branca. Certamente esse presidente seriaencorajado a ir imediatamente a um psiquiatra. A criatividade intelectual no consegue criar umapersonalidade que possui uma inteligncia requintada e, ao mesmo tempo, to despojada e humilde.

    Uma pessoa, no auge da sua popularidade, explode de orgulho e modifica o padro das suas reaes.Algumas, ainda que humildes e humanistas, ao subir num pequeno degrau da fama olham o mundo decima para baixo e se colocam, ainda que inconscientemente, acima dos seus pares.

    Cristo estava no pice do seu sucesso social, todavia, ao invs de se colocar acima dos outros, eledesceu todos os degraus da simplicidade e do despojamento, e deixou todos perplexos com sua atitude.Se caminhasse a p seria mais digno e menos chocante. Porm ele preferiu subir num pequeno animalpara estilhaar os paradigmas das pessoas que o contemplavam e abrir as janelas das suas mentes paraoutras possibilidades.

  • Qualquer presidente do mais miservel dos pases entraria com mais pompa e esttica na sede do seugoverno. As caractersticas da personalidade de Cristo realmente ultrapassavam os limites dacriatividade intelectual humana. Ele surpreendia at os bigrafos que conviveram com ele. Apersonalidade de Cristo foge aos parmetros da imaginao. Sua inteligncia flutuava entre os extremos.Em alguns momentos expressava uma grande eloqncia, coerncia intelectual e segurana e, em outros,dava um salto qualitativo e expressava o mximo da singeleza, resignao e humildade.

    Cristo possua uma personalidade to requintada que se expressava como uma melodia que rimavaentre os extremos das notas musicais. Conheo muitas pessoas, entre elas psiquiatras, psiclogos,intelectuais, cientistas, escritores, empresrios. Entretanto, nunca encontrei ningum cuja personalidadepossusse caractersticas to surpreendentes como a dele.

    Quem que no auge do seu sucesso conserva suas razes mais ntimas? Essa perda de razes diantedo sucesso nem sempre ocorre pela determinao do eu, mas por processos intelectuais que fogem aocontrole do eu. Muitas pessoas, depois de alcanar qualquer tipo de sucesso, perdem, ainda queinconsciente e involuntariamente, no apenas as suas razes histricas, mas tambm sua capacidade decontemplao do belo diante dos pequenos eventos da rotina diria. Por isso, com o decorrer do tempodiversas pessoas que conquistam a notoriedade se entediam com a fama e acabam procurando uma vidamais reservada.

    Ser que alguns personagens da literatura mundial aproximaram-se da personalidade de Cristo?Desde que Gutenberg inventou as tcnicas grficas modernas, tem havido dezenas de milhares deautores que criaram milhes de personagens na literatura. Ser que algum desses personagens teve umapersonalidade com as caractersticas de Cristo? Est a um bom desafio de investigao! Realmente creioque no. As caractersticas de Cristo fogem ao padro do espetculo da inteligncia e criatividadehumanas.

    No passado, Cristo era para mim fruto da cultura e da religiosidade humana. Porm, aps anos deinvestigao, convenci-me de que no estou estudando a inteligncia de uma pessoa fictcia, imaginria,mas de algum real, que andou e respirou nesta terra. possvel rejeit-lo, todavia se investigarmos assuas biografias no h como negar a sua existncia e reconhecer a sua perturbadora personalidade. Apersonalidade de Cristo inconstrutvel pela imaginao humana.

    As diferenas nas biografias de Cristo sustentam a histria de umpersonagem real

    Durante alguns anos eu pensava que as pequenas diferenas existentes nas passagens comuns dosquatro evangelhos diminuam a credibilidade deles. Com o decorrer da minha anlise, compreendi queessas diferenas tambm eram importantes para atestar a existncia de Cristo. Compreendi que as suasbiografias no procuravam ser cpias umas das outras. Eram resultado da investigao de diferentesautores em diferentes pocas sobre algum que possua uma histria real.

    Todos os evangelhos relatam Pedro negando a Cristo. Porm, quando Pedro o negou pela terceiravez, somente Lucas em seu evangelho comenta que Cristo, naquele momento, voltou-se para Pedro e oolhou fixamente8. As diferenas de relatos nos quatro evangelhos, ao contrrio do que muitos podempensar, no depem contra a histria de Cristo, mas financiam a sua credibilidade. Vejamos esta tese.

  • Lucas era mdico e, como tal, aprendeu a investigar os fatos detalhadamente. Ele tinha um olhoclnico acurado, devia detectar fatos que ningum observava ou dava importncia. Quando, muitos anosaps a morte de Cristo, interrogou Pedro e colheu os detalhes daquela cena, captou um gesto de Cristoque passou despercebido pelos outros autores dos evangelhos. Captou que Cristo, mesmo sendoespancado e injuriado, ainda assim esqueceu-se da sua prpria dor e se preocupou com Pedro. Pedrocomentou com Lucas que no instante em que ele o negava pela terceira vez, Cristo virou-se para ele e ofitou profundamente.

    O olhar de Cristo esconde nas entrelinhas complexos fenmenos intelectuais e uma delicadezaemocional. Mesmo no extremo da sua dor ele se preocupava com a angstia dos outros, sendo capaz deromper o instinto de preservao da vida e acolher e encorajar as pessoas, ainda que fosse com umolhar...

    Quem capaz de se preocupar com a dor dos outros no pice da sua prpria dor? Se muitas vezesqueremos que o mundo gravite em torno de nossas necessidades quando estamos emocionalmentetranqilos, imagine quando estamos sofrendo, ameaados, desesperados.

    Pedro talvez s tenha tido uma compreenso plena da dimenso deste olhar aps trinta anos damorte de Cristo, ou seja, depois que Lucas, com seu olho clnico, investigou a histria do prprio Pedroe captou aquela cena e a descreveu no ano 60 d.C., que foi a data provvel em que ele produziu o seuevangelho.

    O evangelho de Lucas um documento histrico bem pesquisado e detalhista. Ele consultoutestemunhas oculares, selecionou as informaes e as organizou de maneira adequada. Como mdico,tinha interesse incomum por retratar assuntos da medicina9. Deu muita ateno para os acontecimentosreferentes ao nascimento de Cristo. Investigou Isabel e Maria, por isso foi o nico que descreveu seuscnticos, bem como os pensamentos ntimos de Maria. Lucas demonstrou um interesse particular pelahistria das pessoas, por isso retratou Zaqueu, o bom samaritano, o ex-leproso agradecido, o publicanoarrependido e nos conta a parbola do filho prdigo. Lucas era um investigador minucioso, que captouparticularidades de Cristo. Percebeu que at seu olhar tinha grande significado intelectual.

    Como disse, os demais autores dos evangelhos no captaram esse olhar de Cristo, por isso no oregistraram. Essas diferenas em suas biografias atestam que elas eram fruto de um processo deinvestigao realizado por diferentes autores que enfocaram diversos aspectos histricos. Os evangelhosso quatro biografias incompletas produzidas, em tempos diferentes, por pessoas que foram cativadaspela histria de Cristo.

    Essas biografias tm coerncia, sofisticao intelectual, pensamentos ousados, idias complexas.So sintticas, econmicas, no primam pela ostentao e elogio particular.

    Cristo, em alguns momentos, revelava claramente seus pensamentos, mas em seguida se ocultavanas entrelinhas das suas reaes e das suas parbolas, o que o torna difcil de ser compreendido. Ele serevelava e se ocultava continuamente. Por que tinha tal comportamento? Sua histria nos revela que noera somente porque no procurava o brilho social, mas porque tinha um grande propsito: queriaproduzir uma revoluo no interior do homem, uma revoluo transformadora, difcil de ser analisada.Queria produzir uma transformao nas entranhas do esprito e da mente humana, capaz de gerartolerncia, humildade, justia, solidariedade, contemplao do belo, cooperao mtua, consideraopela angstia do outro.

    Seu comportamento de se revelar e se ocultar continuamente tambm objetivava provocar ainteligncia das pessoas com as quais convivia. Como estudaremos, ele desejava continuamente rompera ditadura do preconceito e o crcere intelectual dessas pessoas. Ningum foi to longe em quererimplodir os alicerces da rigidez intelectual e procurar transformar a humanidade.

  • As caractersticas mpares da personalidade daquele que dividiu ahistria da humanidade

    Anlise da inteligncia de Cristo no obedecer a uma ordem cronolgica da vida de Cristo, masestudar as caractersticas da sua inteligncia em situaes especficas e em pocas distintas da suahistria.

    Este livro no defende uma religio. Sua meta fazer uma investigao psicolgica da personalidadede Cristo. Porm, os sofisticados princpios intelectuais da inteligncia dele podero contribuir para abriras janelas da inteligncia das pessoas de qualquer religio, mesmo das no-crists. Tais princpios soto complexos que at os ateus mais cticos podero enriquecer sua capacidade de pensar diante deles.

    Como estudaremos, a psicologia, a educao, a sociologia, a rea de recursos humanos e outrascincias perderam muito por no ter investigado a inteligncia de Cristo e aplicado suas caractersticasfundamentais.

    difcil encontrar algum capaz de nos surpreender com as caractersticas de sua personalidade,capaz de nos convidar a nos interiorizar e repensar nossa histria. Algum que diante dos seus focos detenso, contrariedades e dores emocionais tenha atitudes sofisticadas e seja capaz de produzirpensamentos e emoes que fujam do padro trivial. Algum to interessante que seja capaz de perturbarnossos conceitos e paradigmas existenciais.

    Com o decorrer dos anos, medida que atuei como psiquiatra, psicoterapeuta e pesquisador dainteligncia e investiguei diversos tipos de personalidade, compreendi que o homem, apesar dacomplexidade da sua mente, freqentemente muito previsvel. Cristo fugia a esta regra. Possua umainteligncia instigante capaz de provocar a inteligncia de todos que passavam por ele. Neste tpico fareiuma sntese das caractersticas de sua personalidade, as quais sero explicadas e desenvolvidas ao longodeste livro.

    Cristo tinha plena conscincia do que fazia. Tinha metas e prioridades bem estabelecidas10. Eraseguro e determinado, ao mesmo tempo flexvel, extremamente atencioso e educado. Tinha grandepacincia para educar, mas no era um mestre passivo, e sim provocador. Ele despertava a sede deconhecimento nos seus ntimos11. Informava pouco, porm educava muito. Era econmico no falar,dizendo muito com poucas palavras. Era ousadssimo em expressar seus pensamentos, embora vivessenuma poca em que imperava o autoritarismo.

    Sua coragem para expressar os pensamentos trazia-lhe freqentes perseguies e sofrimentos.Todavia, quando queria falar, ainda que suas palavras lhe trouxessem grandes transtornos, ele no seintimidava. Mesclava a singeleza com a eloqncia, a humildade com a coragem intelectual, aamabilidade com a perspiccia.

    Cristo nasceu num pas cuja identidade e sobrevivncia estavam profundamente ameaadas peloautoritarismo e pela vaidade do Imprio Romano. O ambiente sociopoltico era angustiante. Sobreviverera uma tarefa difcil. A fome e a misria eram o cotidiano das pessoas. O direito personalssimo, ligado liberdade de expressar o pensamento, era profundamente restringido pela cpula judaica e amaldioadopelo Imprio Romano. A comunicao e o acesso s informaes eram restritos.

    Os judeus esperavam um grande lder, o Cristo (ungido), algum capaz de reinar sobre eles, deresgatar-lhes a identidade e de libert-los do jugo do Imprio Romano. Os membros da cpula judaicaviviam sob tenso poltica, sob a ameaa sobrevivncia e do aviltamento dos seus direitos. Porm,devido rigidez intelectual deles, no investigaram e, portanto, no reconheceram o Cristo humilde,tolerante, dcil e inteligente, que no tinha prazer no status social nem queria o poder poltico.

  • Esperavam algum que os libertasse do jugo romano, mas veio algum que queria libertar o homemdas suas misrias psquicas. Esperavam algum que fizesse uma revoluo exterior, mas veio algumque props uma revoluo interior. Esperavam um poderoso poltico, mas veio algum que nasceu numamanjedoura, cresceu numa cidade desprezvel, Nazar, e se tornou um carpinteiro, vivendo noanonimato at os trinta anos.

    Cristo no freqentou os bancos de uma escola, nem cresceu aos ps dos intelectuais da poca, dosescribas e fariseus, mas freqentou a escola da existncia, a escola da vida. Nessa escola, conheceuprofundamente o pensamento, as limitaes e as crises da existncia humana. No anonimato, passoupelas angstias, dores fsicas, opresses sociais, dificuldades de sobrevivncia, frio, fome, rejeiosocial.

    Na escola da existncia, a maioria das pessoas no investe em sabedoria. Nessa escola, a velhice no sinal de maturidade. Nela, os ttulos acadmicos, o status social e a condio financeira no refletem ariqueza interior nem significam sucesso na liberdade de pensar, na arte da contemplao do belo, noprazer de viver. Estudaremos que essa abrangente, pois envolve toda a nossa trajetria de vida,incluindo at mesmo a escola educacional.

    A escola da existncia to complexa que nela se pode ler uma infinidade de livros de auto-ajuda econtinuar, ainda assim, a ser inseguro e ter dificuldades de lidar com as contrariedades. Nela, o maiorsucesso no est fora do homem, mas em conquistar terreno dentro de si mesmo; a maior jornada no exterior, mas caminhar nas trajetrias do prprio ser. Nessa escola, os melhores alunos no so aquelesque se gabam dos seus sucessos, mas os que reconhecem seus conflitos e limitaes.

    Todos passam por determinadas angstias e ansiedades, pois algumas das mazelas da vida soimprevisveis e inevitveis. Na escola da existncia se aprende que a experincia se adquire no s dosacertos e das conquistas, mas, muitas vezes, das derrotas, das perdas e do caos emocional e social. Foinessa escola, to sinuosa, que Cristo se tornou o mestre dos mestres.

    Ele foi mestre numa escola em que muitos intelectuais, cientistas, psiquiatras e psiclogos sopequenos aprendizes. Muitos psiquiatras e psicoterapeutas possuem elegncia intelectual enquanto estodentro dos seus consultrios. So lcidos e coe- rentes enquanto esto envolvidos na relao teraputicacom seus pacientes. Porm, a vida real pulsa fora dos consultrios de psiquiatria e psicoterapia. Assim,quando esto diante dos seus prprios estmulos estressantes, ou seja, das suas frustraes, perdas edores emocionais, apresentam dificuldades para manter a lucidez e a coerncia.

    Do mesmo modo, muitas pessoas que freqentam uma reunio empresarial, cientfica ou religiosaapresentam um comportamento sereno e lcido enquanto esto reunidas. Todavia, quando esto diantedos territrios turbulentos da vida, no sabem se reciclar, ser tolerantes, trabalhar suas contrariedadescom dignidade.

    A melhor maneira de conhecer a inteligncia de uma pessoa observ-la no nos ambientes isentosde estmulos estressantes, mas nos territrios em que eles esto presentes.

    Quem que usa continuamente as angstias existenciais, as ansiedades, os estresses sociais, osdesafios profissionais, para enriquecer a arte de pensar e amadurecer a personalidade? Viver comdignidade e maturidade a vida que pulsa no palco de nossas existncias uma arte que todos temosdificuldades de aprender.

    Cristo, devido elegncia como manifestava seus pensamentos, provavelmente usava cada angstia,cada perda, cada contrariedade como uma oportunidade para enriquecer sua compreenso da naturezahumana. Era to sofisticado na construo dos pensamentos que fazia at mesmo das suas misrias umapoesia. Dizia poeticamente que as raposas tm seus covis, as aves do cu tm seu ninho, mas o filho dohomem (ele) no tinha onde reclinar a cabea12. Como pode algum falar elegantemente da suamisria? Cristo era um poeta da existncia. Suas biografias revelam que ele reconhecia e reciclava suasdores continuamente. Assim, em vez de elas o destrurem, ele as usava como alicerce da sua inteligncia.

  • O carpinteiro de Nazar viveu no anonimato a maior parte de sua existncia, porm, quando semanifestou, revolucionou o pensamento e viver humanos. Seu projeto era insidioso. Ele expressava queprimeiro o interior, ou seja, o mundo dos pensamentos e das emoes deviam ser transformados, casocontrrio a mudana exterior no teria estabilidade, no passaria de mera maquiagem social13. ParaCristo, a mudana exterior, dos amplos aspectos sociais, era uma conseqncia da transformaointerior.

    Apesar de a inteligncia de Cristo ser excepcional, ele reunia todas as condies para confundir opensamento humano. Nasceu numa pequena cidade. Seu parto foi entre os animais, sem qualquerespetculo social, esttica e glamour.

    Com menos de dois anos, mal tinha iniciado sua vida e j estava condenado morte por Herodes.Seus pais, apesar da riqueza interior, no tinham qualquer expresso social. A cidade em que cresceu eradesprezada. Sua profisso era humilde. Seu corpo foi castigado pelas dificuldades de sobrevivncia, poisalguns o consideravam envelhecido em relao sua idade original14.

    No procurava ser o centro das atenes. Como disse, quando a fama batia-lhe porta, ele procuravase interiorizar e fugir dos assdios sociais. No se autopromovia nem se auto-elogiva. No falava sobresua identidade claramente, nem mesmo para seus mais ntimos discpulos, mas deixava que eles usassema capacidade de pensar e a descobrissem por si mesmos15. Falava freqentemente na terceira pessoa,referindo-se ao seu Pai. S falava em primeira pessoa em ocasies especiais, nas quais sua ousadia eraimpressionante, deixando todos perplexos com suas palavras16.

    Cristo gostava de conviver com as pessoas sem qualquer valor social. Era o exemplo vivo de umapessoa avessa a todo tipo de discriminao. Ningum, por mais imoral e defeitos que tivesse, era indignode se relacionar com ele. Ele se doava sem esperar nada em troca.

    Diferente dos escribas e fariseus, dava mais importncia histria das pessoas do que ao pecadocomo ato moral. Entrava no mundo delas, percorria a trajetria de suas vidas. Gostava de ouvi-las. A artede ouvir era uma jia intelectual para ele.

    Cristo no tinha formao psicoteraputica, mas era um mestre da interpretao, pois conseguiacaptar os sentimentos ntimos das pessoas. Conseguia perceber seus conflitos mais clandestinos e atuarneles com inteligncia e eficincia. Era comum se antecipar e dar respostas s perguntas que ainda notinham sido formuladas ou que as pessoas no tinham coragem de expressar17.

    Ele reagia educadamente at quando o ofendiam profundamente. Era amvel mesmo quando corrigiae repreendia seriamente a algum18. No expunha publicamente os erros das pessoas, mas ajudava-ascom discrio, considerando-as acima dos seus erros, conduzindo-as a se repensarem.

    Embora fosse eloqente, expunha e no impunha suas idias. No persuadia e nem procuravaconvencer as pessoas a crer nas suas palavras. No as pressionava para que o seguissem, apenas asconvidava19. A responsabilidade de crer nele era exclusivamente delas. Suas parbolas no produziamrespostasprontas, mas estimulavam a arte da dvida e a produo de pensamentos.

    Cristo no respondia s perguntas quando pressionado, sendo fiel sua prpria conscincia. Emborafosse muito amvel, no bajulava ningum. No empregava meios escusos para conseguir determinadosfins. Por isso, era mais fcil as pessoas ficarem perplexas diante dos seus pensamentos e reaes do quecompreend-los. Ele foi, de fato, um grande teste para a cpula de Israel. Cristo foi e continua sendo umgrande enigma para a cincia e para os intelectuais de todas as geraes. Hoje, provavelmente, nopoucas pessoas que dizem segui-lo ficariam perturbadas pelos seus pensamentos se vivessem naquelapoca.

  • Cristo confundia a mente e, ao mesmo tempo, causava profunda admirao nas pessoas quepassavam por ele, at dos seus opositores. Maria, sua me, impressionava-se com seu comportamento ecom suas palavras desde a infncia. Quando ele falava, ela em silncio guardava suas palavras20. Comdoze anos de idade, os doutores da lei, admirados, sentavam ao seu redor para ouvir sua sabedoria21.Seus discpulos ficavam continuamente atnitos com sua inteligncia, enquanto seus opositoresemudeciam diante do seu conhecimento, faziam planto para ouvir suas palavras22. At Pilatosparecia um menino perturbado diante dele23. Ele, devido arrogncia e ao autoritarismo conferidos pelopoderoso Imprio Romano, no podia suportar o silncio de Cristo em seu interrogatrio. A singeleza eserenidade dele, mesmo diante do risco de morrer, chocavam a mente de Pilatos. Mesmo sua esposa, queno participava do julgamento de Cristo, mas sabia o que estava acontecendo, ficou inquieta, sonhoucom ele e teve seu sono perturbado24.

    As pessoas discutiam continuamente quem era aquele misterioso homem que aparentemente tinhauma origem to simples. Devido a sua intrigante e instigante inteligncia, Cristo provavelmente foi omaior causador de insnia em sua poca..

    .

  • A promessa da cincia e a frustrao geradaNo sculo XIX e principalmente no XX a cincia teve um desenvolvimento explosivo.

    Paralelamente a isto, o atesmo floresceu como nunca. A cincia tanto progredia quanto prometia muito.Alicerado na cincia, o homem se tornou ousado em seu sonho de progresso e modernidade. Milhesdeles, inclusive muitos intelectuais, baniram Deus de suas vidas, de suas histrias. A cincia se tornou odeus do homem. Ela prometia conduzi-lo a dar um salto nos amplos aspectos da prosperidade biolgica,psicolgica e social. A solidariedade cresceria, a cidadania floresceria, o humanismo embriagaria asrelaes sociais, a riqueza material se expandiria e atingiria todo ser humano, a misria social seriaextinguida e a qualidade de vida atingiria um patamar brilhante. As guerras, as discriminaes e asdemais violaes dos direitos humanos seriam lembradas como manchas das geraes passadas. Belosonho.

    A cincia fazia uma grande e espetacular promessa, que no era dita por palavras, mas, ainda assim,era forte e arrebatadora. Era uma promessa sentida a cada momento que se dava um salto espetacular naengenharia civil, na mecnica, na eletrnica, na medicina, na gentica, na qumica, na fsica etc. Aexpanso do conhecimento se tornava incontrolvel. Cada cincia se multiplicava em outras novas. Cadaviela do conhecimento se expandia e se tornava um bairro inteiro de informaes. Encontrava-se ummicrocosmo dentro das clulas. Descobria-se um mundo dentro dos tomos. Compreendia-se um mundocom bilhes de galxias que pulsavam no espao. Produzia-se um universo de possibilidades nasmemrias dos computadores.

    A cincia desenvolveu-se intensamente, todavia frustrou o homem. De um lado, fez e continuafazendo muito. Causou uma revoluo tecnolgica no mundo extrapsquico e mesmo no seu prprioorganismo, por intermdio dos exames laboratoriais, das tcnicas de medicina. Revolucionou o mundoextrapsquico, o mundo de fora do homem, mas no o mundo intrapsquico, o mundo de dentro dohomem, o cerne da sua mente. Conduziu o homem a conhecer o imenso espao e o pequeno tomo, masno o conduziu a explorar seu prprio mundo interior. Produziu veculos automotores, mas no veculospsquicos capazes de conduzir o homem a caminhar nas trajetrias do seu prprio ser. Fabricoumquinas para arar a terra e produzir mantimentos para saciar a fome fsica, mas no gerou princpiospsicolgicos e sociolgicos para arar sua rigidez intelectual, seu individualismo e nutri-lo com acidadania, a tolerncia, a preocupao com o outro. Produziu informaes e multiplicou asuniversidades, mas no resolveu a crise de formao de pensadores...

    A cincia no causou a to sonhada revoluo do humanismo, da solidariedade, da preservao dosdireitos humanos. No cumpriu as promessas mais bsicas de expandir a qualidade de vida psicossocialdo homem moderno.

    O homem do final do sculo XX se sentiu trado pela cincia e o do terceiro milnio se sente hojefrustrado, perdido, confuso, sem ncora intelectual para se segurar.

    O conhecimento e as misrias psicossociaisMilhes de pessoas conseguem definir as partculas dos tomos que nunca viram, mas no

    conseguem compreender que a cor da pele branca ou negra, to perceptvel aos olhos, no serve deparmetro para distinguir duas pessoas da mesma espcie que possuem o mesmo espetculo daconstruo de pensamentos. Somos, a cada gerao, uma espcie mais feliz, humanista, solidria,complacente, tolerante e menos doente psiquicamente? Infelizmente no!

  • O conhecimento abriu novas e impensveis perspectivas. As escolas se multiplicaram. Asinformaes nunca foram to democratizadas, to acessveis. Estamos na era da educao virtual.Milhes de pessoas cursaro universidades dentro de suas prprias casas. Porm, onde esto ospensadores que deixam de ser espectadores passivos e se tornam agentes modificadores da sua histriaexistencial e social? Onde esto os engenheiros de idias criativas, capazes de superar as ditaduras dopreconceito e dos focos de tenso? Onde esto os poetas da inteligncia que desenvolveram a arte depensar? Onde esto os humanistas, que no objetivam que o mundo gravite em torno de si, que superama parania do individualismo, que transcendem a parania da competio predatria e sabem se doarsocialmente?

    O homem nunca usou tanto a cincia. Entretanto, nunca desconfiou tanto dela. Ele sabe que acincia no resolveu os problemas bsicos da humanidade. Qual a conseqncia disto? que a fortecorrente do atesmo que se iniciou no sculo XIX e que perdurou durante boa parte do XX foi rompida.A cincia, como disse, tanto progredia quanto prometia muito. O homem, sob os alicerces da cincia,ganhou status de deus, pois acreditava ser capaz de extirpar completamente as suas prprias misrias.Assim, durante muitas dcadas, o atesmo floresceu como num canteiro vivo. Todavia, com a frustraoda cincia, o atesmo ruiu como num jogo de cartas de baralho, implodiu, e o misticismo floresceu.Fomos de um extremo para outro.

    Percebendo as misrias psicossociais ao seu redor e observando as notcias de cunho negativosaltitando todos os dias das manchetes dos jornais, o homem moderno comeou a procurar por Deus.Ele, que no cria em nada, passou a crer em tudo. Ele, que era to ctico, passou agora a ser to crdulo. respeitvel todo tipo de crena, porm igualmente respeitvel exercer o direito de pensar antes decrer, crer com maturidade e conscincia crtica. O direito de pensar com conscincia crtica nobilssimo.

    A cincia e a complexidade da inteligncia de CristoA cincia foi tmida e omissa em pesquisar algumas reas importantssimas do conhecimento. Uma

    delas se relaciona aos limites entre a psique e o crebro. Temos viajado pelo imenso espao e penetradonas entranhas do pequeno tomo, mas a natureza intrnseca da energia psquica, que nos torna seres quepensam e sentem emoes, permanece um enigma.

    Outra atitude tmida e omissa que a cincia cometeu ao longo dos sculos est ligada investigaodo personagem principal deste livro, Cristo. A cincia o considerou complexo demais. Sim, ele o , masela foi tmida em pesquisar a inteligncia dele. Ser que aquele que dividiu a histria da humanidade nomerecia ser mais bem investigado? Ela o considerou inatingvel, distante de qualquer anlise. Deixouesta tarefa apenas para ser realizada na esfera teolgica.

    H pelo menos duas maneiras de uma pessoa ser deixada de lado: quando considerada semnenhum valor ou quando, na outra ponta, to valorizada que se torna inatingvel. Cristo foi rejeitadopor diversos intelectuais de sua poca, pois foi considerado um perturbador da ordem social ereligiosa. Hoje, ao contrrio, to valorizado que muitos o consideram intocvel, distante de qualquerinvestigao. Todavia, como j me expressei, ele gostava de ser investigado com inteligncia.

    A omisso e a timidez da cincia fizeram com que Cristo fosse banido das discusses acadmicas,no sendo estudado ou investigado nas salas de aulas. Sua complexa inteligncia no objeto depesquisa nas teses de ps-graduao das universidades. Embora a inteligncia de Cristo possuaprincpios intelectuais sofisticados, capazes de estimular o processo de interiorizao e odesenvolvimento das funes mais importantes da inteligncia, ele realmente foi banido dos currculosescolares.

  • muito raro algum comentar que a inteligncia de Cristo era perturbadora, que ele rompia ocrcere intelectual das pessoas, que abria as janelas da mente delas. Ele foi, sem dvida, um exemplovivo de mansido e humildade, entretanto ningum comenta que era insupervel na arte de pensar.

    Algumas ferramentas usadas para investigara inteligncia de Cristo

    O mestre dos mestres da escola da existncia foi banido da escola clssica. Centenas de milhes depessoas o admiram profundamente, todavia uma minoria estuda os detalhes da sua inteligncia. Grandeparte delas no tem idia de como ele desejava causar uma transformao psicossocial do interior para oexterior do homem, uma transformao que a cincia prometeu nas entrelinhas do seu desenvolvimentoe no cumpriu.

    Antes de continuar a estudar a inteligncia de Cristo, gostaria de usar os prximos textos para exporalguns mecanismos bsicos da construo da inteligncia humana*. Farei uma pequena sntese sobre aconstruo de pensamentos, os papis da memria e a ditadura do preconceito.

    Os fenmenos que aqui estudarei funcionaro como ferramentas para investigar alguns princpiosfundamentais da inteligncia de Cristo, os quais sero aplicados e explicados ao longo deste livro.

    A inteligncia de Cristo diante da ansiedade e do gerenciamento dospensamentos

    A inteligncia do carpinteiro de Nazar era to impressionante que ele discursava sobre temas que sseriam abordados pela cincia dezenove sculos depois, com o surgimento da psiquiatria e da psicologia.Ele se adiantou no tempo e discorreu sobre a mais insidiosa das doenas psquicas, a ansiedade25. Aansiedade estanca o prazer de viver, fomenta a irritabilidade, estimula a angstia e gera um universo dedoenas psicossomticas.

    A medicina, como cincia milenar, sempre olhou para a psiquiatria e para a psicologia de cima parabaixo, com certa desconfiana, pois as considerava cincias novas, imaturas. Muitos estudantes demedicina, inclusive na escola em que me formei, no davam grande importncia s aulas de psiquiatria epsicologia. Queriam estudar os rgos do corpo humano e suas doenas, mas desprezavam ofuncionamento da mente. Todavia, nas ltimas dcadas, a medicina tem deixado sua postura orgulhosa eprocurado estudar e tratar o ser humano integral organismo e psique (alma) , pois tem percebidoque muitas doenas cardiovasculares, pulmonares, gastrintestinais etc. tm como causa desencadeante ostranstornos psquicos, dos quais se destaca a ansiedade.

    Cristo discorreu sobre uma doena que somente agora tem ocupado os captulos principais damedicina. Provavelmente, no terceiro milnio, um excelente mdico ser antes de tudo um profissionalcom bons conhecimentos de psiquiatria, psicologia e cultura geral. Ser um profissional menos vido porpedir exames laboratoriais e prescrever medicamentos e mais interessado em dialogar com seuspacientes, algum que ter habilidade para penetrar no mundo deles, detectar os nveis de ansiedade eajud-los a superar suas dores existenciais. Ser um profissional que ter uma linha de pensamentosemelhante apregoada h tantos sculos por Cristo. Ele era o Mestre do dilogo...

  • Esse mestre compreendia a mente humana e as dificuldades da existncia com uma lucidez refinada.Preocupava-se com a qualidade de vida dos seus ntimos. Discursava eloqentemente: No andeisansiosos pela vossa vida, o que no significava que deveriam abolir completamente qualquer reao deansiedade, mas que no vivessem ansiosos. Por intermdio de seu discurso, Cristo indicava que haviauma ansiedade natural, normal, presente em cada ser humano, que se manifesta espontaneamente quandoestamos preocupados, planejamos, expressamos um desejo, passamos por alguma doena oucontrariedade. Todavia, segundo ele, essa ansiedade eventual, normal, poderia se tornar doentia, umandar ansioso.

    Neste livro, no me deterei em detalhes sobre o pensamento de Cristo relativo ansiedade. Queroapenas comentar que ele discorria que as preocupaes exageradas com a sobrevivncia, os pensamentosantecipatrios, o enfretamento de problemas virtuais, a desvalorizao do ser em relao ao ter etc.eram o que cultivavam a ansiedade doentia. O mestre da escola da existncia era um grande sbio. Ascausas que ele apontou no mudaram no mundo moderno; pelo contrrio, elas se intensificaram.

    Quanto mais conquistamos bens materiais, mais queremos t-los. Parece que no h limites para anossa insegurana e insatisfao. Valorizamos mais ter do que ser, ou seja, mais ter bens do que sertranqilo, alegre, coerente. Esta inverso de valores cultiva a ansiedade e seus frutos: insegurana, medo,apreenso, irritabilidade, insatisfao, angstia (tenso emocional associada a um aperto no trax). Ainsegurana uma das principais manifestaes da ansiedade. Fazemos seguros de vida, da casa, docarro, mas, ainda assim, no resolvemos nossa insegurana.

    Cristo tinha razo: h uma ansiedade inerente ao homem, ligada construo de pensamentos,influenciada pela carga gentica, por fatores psquicos e sociais. S no tem essa ansiedade quem estmorto. Somos a espcie que possui o maior de todos os espetculos, o da construo de pensamentos.Todavia, muitas vezes usamos o pensamento contra ns mesmos, para gerar uma vida ansiosa. Osproblemas ainda no ocorreram, mas j estamos angustiados por eles. O registro de Mateus 6 diz: Noandeis ansiosos pelo dia de amanh... Basta ao dia o seu prprio mal.

    Cristo queria vacinar seus discpulos contra o stress produzido por pensamentos antecipatrios. Noabolia as metas, as prioridades, o planejamento do trabalho, pois ele mesmo tinha metas e prioridadesbem estabelecidas, mas queria que eles no gravitassem em torno de problemas imaginrios.

    Muitos de ns vivemos o paradoxo da liberdade utpica. Por fora, somos livres porque vivemos emsociedades democrticas, mas por dentro somos prisioneiros, escravos das idias de contedo negativo, edramticas que antecipam o futuro. H diversas pessoas que esto timas de sade, mas vivemmiseravelmente pensando em cncer, infarto, acidentes, perdas.

    O ensinamento de Cristo relativo ansiedade era sofisticado, pois, para pratic-lo, necessrioconhecer uma complexa arte intelectual que todo ser humano tem dificuldade de aprender: a arte dogerenciamento dos pensamentos.

    Governamos o mundo exterior, mas temos enorme dificuldade para gerenciar nosso mundo interno,o dos pensamentos e das emoes. Somos subjugados por necessidades que nunca foram prioritrias,subjugados pelas paranias do mundo moderno: do consumismo, da esttica, da segurana. Assim, avida humana, que deveria ser um espetculo de prazer, torna-se um espetculo de terror, de medo, deansiedade. Nunca tivemos tantos sintomas psicossomticos: cefalias, dores musculares, fadigaexcessiva, sono perturbado, transtornos alimentares (ex.: bulimia e anorexia nervosa) etc. Uma partesignificativa dos adolescentes americanos tem problemas de obesidade, e a ansiedade uma dasprincipais causas desse transtorno.

    Para compreendermos a importncia do gerenciamento dos pensamentos e as dificuldades deexecut-lo precisamos responder pelo menos duas grandes perguntas sobre o funcionamento da mente:qual a maior fonte de entretenimento humano? Pensar uma atividade inevitvel ou um trabalhointelectual voluntrio que depende apenas da determinao consciente do prprio homem?

  • A maior fonte de entretenimento humano no a TV, o esporte, a literatura, a sexualidade, otrabalho. A resposta est dentro do prprio homem. o mundo das idias, dos pensamentos, que o serhumano constri clandestinamente em sua prpria mente, e que gera os sonhos, os planos, as aspiraes.

    Quem consegue interromper a construo de pensamentos? impossvel. A prpria tentativa deinterrupo j um pensamento. Pensamos durante os sonhos, quando estamos trabalhando, andando,dirigindo.

    As idias representam um conjunto organizado de cadeias de pensamentos. O fluxo das idias quetransitam a cada momento no palco de nossas inteligncias no pode ser contido. Todos somos viajantesno mundo das idias: viajamos para o passado, reconstruindo experincias j vividas; viajamos para ofuturo, imaginando situaes ainda inexistentes; viajamos tambm para os problemas existenciais.

    Os juzes viajam nos seus pensamentos enquanto julgam os rus. Os psicoterapeutas viajamenquanto atendem seus pacientes. Os cientistas viajam enquanto pesquisam. As crianas viajam nas suasfantasias. Os adultos, nas suas preocupaes. Os idosos, nas suas recordaes.

    Uns constroem projetos e outros, castelos inatingveis. Uns viajam menos em seus pensamentos,outros viajam muito, concentrando pouco em suas tarefas. Essas pessoas pensam que tm dficit dememria, mas, na verdade, possuem apenas dficit de concentrao devido hiperproduo depensamentos.

    Pensar no uma opo voluntria do homem; o seu destino inevitvel... No podemosinterromper a produo de pensamentos; s podemos gerenci-la. impossvel interromper o fluxo depensamentos, pois alm do eu (vontade consciente) existem outros trs fenmenos (o da autochecagemda memria, a ncora da memria e o complexo autofluxo*), que fazem espontaneamente uma leitura damemria e produzem inmeros pensamentos dirios, os quais so importantes tanto para a formao dapersonalidade como para gerar uma grande fonte de entretenimento, podendo se tornar tambm a maiorfonte de ansiedade humana.

    Cristo tanto prevenia a ansiedade como discursava sobre o prazer de viver. Dizia: Olhai os lriosdos campos26. Ele queria produzir um homem alegre, inteligente, mas simples. Entretanto, tanto seusdiscpulos como ns no sabemos contemplar os lrios dos campos, ou seja, no sabemos extrair o prazerdos pequenos eventos da vida. A ansiedade estanca esse prazer. Apesar de o Mestre da escola da vidadiscursar sobre a ansiedade e suas causas, sua proposta em relao ao sentido da vida e ao prazer deviver era to surpreendente que, como analisaremos no prximo captulo, chocam a psiquiatria,psicologia e as neurocincias.

    Ao longo de quase duas dcadas pesquisando o funcionamento da mente humana, compreendi queno h ser humano que no tenha problemas no gerenciamento dos seus pensamentos e emoes,principalmente diante dos focos de tenso... O maior desafio da educao no conduzir o homem aexecutar tarefas e dominar o mundo que o cerca, mas conduzi-lo a liderar seus prprios pensamentos,seu mundo intelectual.

    possvel ter status e sucesso social e ser uma pessoa insegura diante das contrariedades, nogerenciar as situaes estressantes. possvel ter sucesso econmico, mas ser um rico-pobre, no terprazer em viver, em contemplar os pequenos detalhes da vida. possvel viajar pelo mundo e conhecervrios continentes, mas no caminhar nas trajetrias do seu prprio ser e conhecer a si mesmo. possvel ser um grande executivo e ter o controle de uma multinacional, mas no ter domnio sobre ospensamentos e as reaes emocionais, ser um espectador passivo diante das mazelas psquicas.

    Cristo no freqentou escola, no estudou as letras, mas foi o mestre dos mestres na escola da vida.Ele era to sofisticado em sua inteligncia que fazia psiquiatria e psicologia preventiva quando essasnem ensaiavam existir.

  • A inteligncia de Cristo diante dos papis da memriaComo Cristo lidava com os papis da memria? Ele usava a memria humana como um depsito de

    informaes? Tinha um postura lcida e coerente diante da histria dos seus discpulos?Cristo usava os papis da memria diferente de muitas escolas clssicas. Ele tinha uma sabedoria

    impressionante. No dava uma infinidade de informaes para seus ntimos e nem mesmo regras decondutas, como muitos pensam. Usava a memria como um suporte para fazer deles uma refinada castade pensadores. Nos captulos sobre a escola da existncia estudaremos esses aspectos. Aqui, comentareiapenas a linha principal do pensamento de Cristo diante dos papis da memria.

    As escolas so fundamentais numa sociedade, ma elas tm enfileirado os alunos durante sculos nassalas de aula acreditando que a memria tenha uma especialidade que na realidade no tem, ou seja, serum sistema de arquivo de informaes que conduz o homem a ser um retransmissor delas. O sensocomum pensa que tudo o que se armazena na memria ser lembrado de maneira pura. Todavia, aocontrrio do que muitos educadores e outros profissionais pensam, no existe lembrana pura dasalegrias, das angstias, dos fracassos e dos sucessos que foram registradas na memria existencial (ME).S so recordadas de maneira mais pura as informaes de uso contnuo, como endereos, nmerostelefnicos e frmulas matemticas que foram registradas repetidas vezes na memria de uso contnuo(MUC)

    O passado no lembrado, mas reconstrudo. As recordaes so sempre reconstruces do passado,nunca plenamente fiis, apresentando s vezes micro ou macrodiferenas. Ao recordarmos o dia em querecebemos o primeiro diploma na escola, sofremos um acidente, fomos ofendidos, fomos elogiados, alembrana ser sempre diferente em relao ao passado.

    A memria no um sistema de arquivo lgico, uma enciclopdia de informaes, nem ainteligncia humana funciona como uma retransmissora dessas informaes. A memria funciona comoum canteiro de dados para que o homem se torne um construtor de pensamentos. Cristo tinhaconscincia disso, pois usava a memria como trampolim para expandir a arte de pensar. Estava sempreestimulando os seus discpulos a se interiorizar e a se repensar.

    Por que a memria humana no funciona como a memria dos computadores? Por que norecordamos o passado exatamente como ele foi? Aqui esconde-se um grande segredo da inteligncia.No recordamos o passado com exatido no apenas pelas dificuldades de registro cerebral, mas tambmporque um dos mais importantes papis da memria no transformar o homem num repetidor deinformaes do passado, mas um engenheiro de idias, um construtor de novos pensamentos. Estesegredo da mente humana precisa ser incorporado pelas teorias educacionais.

    Nunca se resgata a realidade das experincias do passado, mesmo quando se est em tratamentopsicoteraputico. O filme do presente nunca igual ao do passado. Este fenmeno, alm de estimular ohomem a ser um engenheiro de idias, contribui para desobstruir a inteligncia em situaes dramticas.Por exemplo, uma me que perde um filho poderia paralisar sua inteligncia, pois recordariacontinuamente ao longo da vida a mesma experincia de dor vivida no velrio dele. Porm, como arecordao do presente sempre distinta do passado, ainda que minimamente, a me vai pouco a poucoaliviando inconscientemente a dor da perda, apesar da saudade nunca mais ser resolvida. Com isso elavolta a ter prazer de viver.

    Sem tais mecanismos intelectuais, expostos sinteticamente, no apenas as experincias de dor efracasso poderiam paralisar nossas inteligncias, mas tambm as de alegria e sucesso poderiam nos fazergravitar em torno delas.

    Cristo estava continuamente conduzindo seus discpulos a pensar antes de reagir, a abrir as janelasde suas mentes mesmo diante do medo, dos erros, dos fracassos e das dificuldades. Estimulava os papisda memria e o processo de construo de pensamentos.

  • Reitero, a leitura multifocal da memria e a reconstruo contnua do passado leva o homem a serum engenheiro criativo de novas idias e no um pedreiro das mesmas obras. Porm, no ajudamos esseprocesso, como fazia o mestre de Nazar, pelo contrrio, ns o atrapalhamos, pois, ao invs deexigirmos de ns a flexibilidade e a criatividade, exigimos ter tima memria, ser um repetidor deinformaes, o que encarcera a inteligncia.

    Este erro educacional se arrasta por sculos e vai se intensificar cada vez mais, medida que ohomem queira ter uma memria e uma capacidade de resposta que se assemelha dos computadores. Oscomputadores so escravos de programas lgicos. Eles no pensam, no tm conscincia de si mesmose, principalmente, no duvidam nem se emocionam.

    Muitos alunos no se adaptam ao ensino tradicional e so considerados incompetentes ou deficientesporque o modelo educacional nem sempre estimula adequadamente os papis da memria. At asprprias provas escolares podem representar, s vezes, uma tentativa de reproduo inadequada deinformaes. Precisamos compreender que a especialidade da inteligncia humana expandir a arte depensar, criar, libertar o pensamento e no decorar e repetir informaes.

    Estudaremos que o mestre da escola da existncia, por conhecer bem os papis da memria,ensinava muito dizendo pouco. Desejava que o homem no fosse um repetidor de regras decomportamento, algum que s sabe julgar os outros, mas no sabe se interiorizar e enfrentar seusprprios erros, como os fariseus relatado no registro dos captulos de Mateus 6 e 23. Dizia: tira a travedo teu olho, ento vers claramente para tirar o cisco do olho do teu irmo. Somos timos para julgar ecriticar os outros. Todavia, ele no admitia que seus discpulos vivessem uma maquiagem social.Primeiro tinham que apontar o dedo para si mesmos, para depois julgar e ajudar os outros.

    Estudando as entrelinhas de suas idias, verificamos que ele sabia que os pensamentos noregistram-se na mesma intensidade, que havia determinadas experincias que obtinham um registroprivilegiado no inconsciente da memria. Por isso, toda vez que queria ensinar algo complexo ouestimular uma funo importante da inteligncia, tal como aprender a se doar, a pensar antes de reagir, areciclar a competio predatria, usava gestos surpreendentes que chocavam a mente das pessoas emarcava para sempre a memria delas.

    O mestre dos mestres entendia as limitaes humanas, sabia que era difcil o homem administrarsuas emoes, principalmente nos focos de tenso. Sabia que facilmente perdemos a pacincia quandoestressados, que nos irritamos por pequenas coisas e ferimos as pessoas que mais amamos. Para ele, omal o que sai de dentro do ser humano e no o que est fora dele. Cumpre ao homem atuar primeiro noseu mundo intelectual para depois aprender a ser um bom lder no mundo social.

    Ele no admitia que as tenses, a ira, a intolerncia o julgamento preconcebido envolvessem seusdiscpulos. Estimulava seus ntimos a serem fortes numa esfera em que costumamos ser fracos: fortes emadministrar a impacincia, rpidos em reconhecer as limitaes, seguros em reconhecer os fracassos,maduros em tratar com as dificuldades de relacionamento social27.

    A preocupao desse mestre tem fundamento. Existe um fenmeno inconsciente que registraautomaticamente todas as experincias na memria, que chamo de fenmeno RAM.(RegistroAutomtico da Memria). Nos computadores necessrio dar um comando para registrar, salvar asinformaes. Porm, na memria humana, a mente no nos d essa liberdade. Cada pensamento eemoo so registrados automtica e espontaneamente, por isso as experincias do passado irrigam onosso presente.

  • O fenmeno RAM registra todas as nossas experincias de vida, tantos nossos sucessos como nossosfracassos, tanto nossas reaes inteligentes como as imaturas. Entretanto, h diferenas no processo deregistro que influenciar o processo de leitura da memria. Registramos de maneira mais privilegiada asexperincias que tiverem mais contedo emocional, seja ele prazeroso ou angustiante, por isso temosmais facilidade de recordar as experincias mais marcantes de nossas vidas, tanto as que nos causaramalegrias como aquelas que nos frustraram. Estimular adequadamente o fenomno RAM fundamentalpara o desenvolvimento da personalidade, inclusive para o sucesso do tratamento de pacientesdepressivos, fbicos, autistas.

    Cristo no queria que as turbulncias emocionais fossem continuamente registradas na memria,engessando a personalidade. Queria que seus discpulos fossem livres28. Livres no territrio que todoser humano facilmente prisioneiro, seja um psiquiatra ou paciente, livres no territrio da emoo. Omestre da escola da existncia, quase vinte sculo antes de Goleman* j discursava sobre a energiaemocional como uma das importantes variveis que influenciam o desenvolvimento da inteligncia.Como estudaremos, a maneira como ele lidava com as intempries emocionais, superava as dores daexistncia, desenvolvia a criatividade e abria as janelas da mente nas situaes estressantes capaz dedeixar os adeptos da tese da inteligncia emocional pasmados com tanta maturidade.

    Se no formos rpidos e inteligentes para tratar com nossas ansiedades, intolerncias, impacincias,fobias, ento ns as retroalimentaremos em nossas memrias. Assim, nos tornaremos o nosso maiorinimigo; refns de nossas emoes. Por isso muitos vivem o paradoxo da cultura e da misria emocional.Eles tm diversos ttulos acadmicos, so cultos, mas, ao mesmo tempo, so infelizes, ansiosos ehipersensveis, no sabem trabalhar suas contrariedades, frustraes e as crticas que recebem. Taispessoas deveriam se reciclar e investir em qualidade de vida.

    No est sob o controle consciente do homem o registro das informaes na memria, como tambmno est o ato de apag-las ou delet-las. Mas possvel reescrev-las. J pensou se fosse possveldeletar, apagar os arquivos registrados na memria? Quando estivssemos decepcionados, frustradoscom determinadas pessoas, teramos a oportunidade de mat-las dentro de ns. Isto produziria umsuicdio impensvel da inteligncia, um suicdio da histria. Muitos j tentamos, sem sucesso, mataralgum em nossa memria.

    Cristo indicou ao longo do relacionamento que teve com seus discpulos, que tinha conscincia deque a memria no pode ser deletada. Veremos que no queria destruir a personalidade das pessoas queconviviam com ele. Pelo contrrio, desejava transform-las essencialmente, amadurec-las e enriquec-las. No desejava anular a histria delas, mas desejava que reescrevessem suas histrias com liberdade econscincia, que no tivessem medo de repensar seus dogmas e de revisar seus conflitos diante da vida.

    Como pode algum que nasceu h tantos sculos, sem qualquer privilgio cultural e social,demonstrar um conhecimento to profundo sobre a inteligncia humana? O mestre de Nazar era ummaestro da vida. Ele usava seus momentos de silncio, suas parbolas, suas reaes para estimular seusincultos discpulos a se tornarem um grupo de pensadores, capazes de tocar juntos a mais bela sinfoniade vida... Sem dvida, era um mestre intrigante e instigante... Estudar a inteligncia dele muito maiscomplexo do que estudar a de Freud, de Jung, de Plato ou a de qualquer outro pensador.

    A inteligncia de Cristo diante da ditadurado preconceito

    Agora estudaremos o pensamento de Cristo sobre as relaes sociais. Analisaremos como ele secomportava diante das pessoas socialmente desprezadas e moralmente reprovadas. O mestre da escola davida tem algumas lies para nos dar tambm nesta rea.

  • O maior lder no aquele que capaz de governar o mundo, mas aquele que capaz de governar asi mesmo. Alguns realizam com grande habilidade suas tarefas profissionais, mas no tm habilidadepara construir relacionamentos profundos, abertos, flexveis e desprovidos de suas angstias eansiedades. Um dos maiores problemas que engessa a inteligncia e dificulta ao homem a se relacionarsocialmente a ditadura do preconceito.

    O preconceito est intimamente ligado construo de pensamentos. Toda vez que estamos diantede algum estmulo fazemos automaticamente a leitura da memria e construmos pensamentos quecontm preconceitos sobre esse estmulo. Por exemplo, quando estamos diante do comportamento dealgum, usamos a memria e produzimos um preconceito sobre esse comportamento. Assim,freqentemente temos um conceito prvio dos estmulos que observamos, por isso os consideramoscorretos, imorais, inadequados, belos, feios etc. Aqui reside um grande problema: a utilizao damemria gera um preconceito inevitvel e necessrio, mas se no reciclarmos esse preconceitoviveremos sob a sua ditadura (controle absoluto) e, assim, engessamos a inteligncia e nos fechamospara outras possibilidades de pensar.

    Quando vivemos sob a ditadura do preconceito aprisionamos o pensamento, criamos verdades queno so verdades e nos tornamos radicais. H trs grandes tipos de preconceito que geram ditadura dainteligncia: o histrico, o tendencioso e o radical. No o objetivo deste livro entrar em detalhes sobreestes tipos de preconceitos.

    medida que adquirimos cultura, comeamos a enxergar o mundo de acordo com os preconceitoshistricos, ou seja, com os conceitos, paradigmas e parmetros contidos nessa cultura. Se umpsicanalista v o mundo apenas com os olhos da psicanlise, ele se fecha para outras possibilidades depensar. Do mesmo modo, se um cientista, um professor, um executivo, um pai, um jornalista, v omundo apenas atravs dos preconceitos contidos em suas memrias, pode estar sob a ditadura dopreconceito, ainda que sem ter conscincia dela.

    As pessoas que vivem sob a ditadura do preconceito no apenas podem violar os direitos dos outrose amarrar seus desempenhos intelectuais, mas podem tambm ferir as suas prprias emoes eexperimentar uma fonte de angstia. Elas se tornam implacveis e radicais contra os seus prprios erros.Esto sempre se punindo e exigindo de si mesmas um perfeccionismo inatingvel.

    Os preconceitos esto contidos na memria, mas, se no aprendermos a nos interiorizar e aplicar aarte da dvida e da crtica sobre eles, poderemos ser autoritrios, agressivos, violar tanto os direitos dosoutros como os nossos. Por que nossa maneira de pensar , s vezes, radical e inquestionvel? Porquenos comportamos como um semideus. Pensamos como um ser absoluto, que no duvida do que pensa,que no se recicla. Quem conhece minimamente a grandeza e a sofisticao do funcionamento da mentehumana vacina-se contra a ditadura do preconceito. Convm lembrar que o preconcento individual podese disseminar e se tornar um preconceito social, um paradigma coletivo.

    Como Cristo lidava com a ditadura do preconceito? Ele era uma pessoa tolerante edespreconceituosa? Conseguia compreender e valorizar o ser humano independentemente da suamoralidade, dos seus erros, da sua histria?

    As biografias de Cristo evidenciam que ele era uma pessoa aberta e inclusiva. No classificava aspessoas. Ningum era indigno de se relacionar com ele, por pior que fosse seu passado.

    Os fariseus e escribas na poca de Cristo eram especialistas na ditadura do preconceito. Para eles,suas verdades eram eternas, o mundo era apenas do tamanho de sua cultura. Eram rgidos na maneira depensar, viviam num crcere intelectual. No usavam a arte da dvida contra os seus preconceitos para seesvaziar intelectualmente e se abrir para outras possibilidades de pensar. Por isso, no podiam aceitaralgum como Cristo, que rompia todos os dogmas da poca e introduzia uma nova maneira de ver a vidae compreender o mundo.

    Vejamos um exemplo de como Cristo lidava com a ditadura do preconceito.

  • Havia uma mulher samaritana, cuja moral era considerada da pior qualidade. Ela teve uma histriaincomum, totalmente fora dos padres ticos da sua sociedade. Teve tantos maridos (cinco) que talveztenha batido o recorde na sua poca. Era uma pessoa infeliz e insatisfeita. Sua necessidade contnua demudar de parceiro sexual era uma evidncia clara da sua dificuldade de sentir prazer, pois ningum acompletava, as relaes interpessoais que construa eram frgeis e sem razes. Era angustiadainteriormente e rejeitada exteriormente. Os prprios samaritanos provavelmente desviavam o olhar dela.Entretanto, um dia, algo inesperado aconteceu. Quando ela e