audiÊncia de custÓdia no sistema penal...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
SCHÉRON BELEM RIBAS
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
CURITIBA
2016
SCHÉRON BELEM RIBAS
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Bacharel. Orientador Dr. Roberto Aurichio Junior.
CURITIBA
2016
SCHÉRON BELEM RIBAS AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO – Curitiba, 2016 –
59 p. :il. ; 30 cm.
Orientador: Roberto Aurichio Junior
- UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ , 2016.
IMPORTANTE: ESSE É APENAS UM TEXTO DE EXEMPLO DE FICHACATALOGRÁFICA. VOCÊ DEVERÁ SOLICITAR UMA FICHA CATALOGRÁFICAPARA SEU TRABALHO NA BIBLIOTECA DA SUA INSTITUIÇÃO (OUDEPARTAMENTO).
TERMO DE APROVAÇÃO
SCHÉRON BELEM RIBAS
AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Esta monografia foi julgada e aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2016.
Bacharelado em Direito Faculdade de Ciências Jurídicas
Universidade tuiuti do Paraná
____________________________________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias
Faculdade de Ciências Jurídicas Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Orientador:
_____________________________________
Prof. Roberto Aurichio Junior Universidade Tuiuti do Paraná
Banca Examinadora: ______________________________________ Professor
Universidade Tuiutu do Paraná
_____________________________________ Professor
Universidade Tuiuti do Paraná
AGRADECIMENTOS
Primeiramente à Deus e a Minha Santinha por me guiarem, dando força, luz e sabedoria para que assim concluísse com êxito e esplendor a Faculdade de Direito.
À Universidade Tuiuti do Paraná – UTP, direção, seu corpo docente e administração.
Aos meus amados pais, Gilberto Celso Ribas e Scheila Mara Belem Ribas infinitamente, por terem me proporcionado realizar este sonho, me incentivando, cobrando e apoiando incondicionalmente todas as minhas decisões, sempre com muito amor e carinho.
À minha irmã GreyceBelem Ribas e ao meu cunhado Bruno de Macedo por me apoiarem, ajudarem e estarem sempre ao meu lado.
As minha tia Claudia Mara Belem que acreditou em meu potencial e sempre me incentivou a fazer Direito.
Ao meu querido, mestre e orientador Prof. Roberto Aurichio Junior por seus ensinamentos, paciência e confiança nas minhas atividades de graduação e monografia.
Agradeço de coração e de alma à minha querida e amada Nilza, por ter trabalhado comigo através de suas energias a preparação para a realização desse trabalho e por estar sempre presente.
À minha querida professora de Ética e Moral, Danda Coelho por ter sido peça fundamental na escolhada carreira jurídica.
Aos amigos queridos que participaram de alguma forma e estiveram presente nesse período.
Por fim, agradeço à todos os professores do curso, por terem tido um papel fundamental e de suma importância em minha vida acadêmica.
DEDICATÓRIA
À Deus por estar sempre presente em minha vida.
Aos meus pais por todo afeto, amor e atenção.
À minha querida Danda Coelho.
Ao meu orientador e aos meus mestres, pelos ensinamentos transmitidos que sem
os quais não teria chego até aqui.
“A Justiça tem numa das mãos a balança em que pesa o direito, e na outra a espada de que se serve para defender. A Espada sem a balança é a força
brutal, a balança sem a espada é a impotência do direito”
Rudolf Von Ihering
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo fazer um breve relato, primeiramente a respeito do Sistema Penal Brasileiro dentro do nosso ordenamento jurídico, interligando na sequência com o Projeto Audiência de Custódia do Conselho Nacional de Justiça, sob a Resolução 213/2015. Esse projeto está em consonância com os Poderes Executivo Federal e Estadual e principalmente com o órgão administrativo do Poder Judiciário. A criação desse projeto surgiu com a intenção de freiar os excessos praticados pelo poder punitivo do Estado, visando preservar as garantias da integridade física, da vedação à tortura e da liberdade individual do cidadão de ir e vir. Com o estudo do presente trabalho intenta-se esclarecer a implantação da Audiência de Custódia através da apreciação dos tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário em questão constitucional. A finalidade dessa pesquisa é estudar o conceito, o cabimento, a validade jurídica da Audiência de Custódia e sua aplicação no âmbito jurídico, para que assim, doutrinadores e estudiosos do direito possam ter um melhor conhecimento e esclarecimento à respeito do tema e que futuramente possam utilizá-la evitando Ações Penais.
Palavras-chave: Audiência de Custódia. Direitos Humanos. Direito Penal. Garantia. Prisão.Processo Penal.Resolução.SistemaPenitenciário.
ABSTRACT
This paper aims to make a brief report about the Brazilian Penal System within our legal system, linking the sequence with the Custody Hearing Project National Council of Justice, under Resolution 213/2015. This project is aligned with the Federal, the Executive and the State Powers and mainly, with the administrative section of the Judiciary. The objective of this project is to reduce the excesses of the sentencing power of the state to preserve the guarantees of physical integrity, the prohibition on torture and the right of freedom. This study is to clarify the implementation of Custody Hearing through the assessment of the international treaties whose Brazil is a signatory in this constitutional issue. The purpose of this research is to study the concept, the suitability, the legal juridical value of this resolution and its application in the legal scope. So, theoreticians and jurists can have a better understanding and clarification regarding the Custody Hearing and use this in the future to avoid penal actions.
Keywords: Custody Hearing. Human rights.Criminal Law.Warranty.Prison.Criminal proceedings.Resolution. Penitentiary system.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADEPOL Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos
CEDH Convenção Europeia de Direitos Humanos
CF Constituição Federal
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
IDDD Instituto de Defesa do Direito de Defesa
INFOPEN Sistema Integrado de Informações Penitenciárias
OEA Organização dos Estados Americanos
ONU Organização das Nações Unidas
SISTAC Sistema de Audiências de Custódia
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ Tribunal de Justiça
TJPR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
TRF Tribunal Regional Federal
TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................11
2 SISTEMA PENAL BRASILEIRO....................................................................12
2.1 JUSTIÇA PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO....................................................................................................................12
2.2 ESPÉCIES DE PRISÕES CONTEMPLADAS.................................................15
2.3 O JUÍZO DE LEGALIDADE DA PRISÃO DENTRO DA AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA................................................................................................................22
3 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO INTERNACIONAL..........................25
3.1 PRECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS........................25
3.2 DIREITOS HUMANOS EM TRATDOS INTERNACIONAIS............................26
3.3 RATIFICAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS........................29
4 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO..............31
4.1 NOÇÕES PRELIMINARES..............................................................................31
4.2 A INSERÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO............................................................................................34
4.3 DA EFETIVIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL...................40
4.4 INSERÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ESTADO DO PARANÁ......46
5 EXPOSIÇÃO DE JURISPRUDÊNCIAS RELACIONADAS À AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA.................................................................................................................49
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................52
REFERÊNCIAS..........................................................................................................53
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1 INTRODUÇÃO
A Audiência de Custódia consiste na estrutura multidisciplinar dos Tribunais
de Justiça que recebe presos em flagrante para uma primeira análise sobre o
cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas
alternativas ao cárcere (Conselho Nacional de Justiça), é inserido na matéria
processual penal, mas de forma extraprocessual, servindo de ferramenta para a
proteção dos direitos individuais do detento.
No Brasil foi introduzida a Audiência de Custódia em decorrência das
ratificações existentes dos Pactos Internacionais que tratam sobre Direitos
Humanos. Em seu artigo IX, inc. III, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos determina que: “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de
infração penal deverá ser conduzida, sem demora à presença do juiz ou de outra
autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada
em prazo razoável ou de ser posta em liberdade (...)”.
Conforme o entendimento de Caio Paiva (2015), a Audiência de Custódia
possui três funções essenciais dentro do ordenamento jurídico. Primeiramente, que
o ordenamento brasileiro deve se harmonizar com os tratados internacionais de
direitos humanos, o qual nosso país é signatário. A prática de prisões
desnecessárias, ilegais e arbitrárias devem ser refreadas e sua terceira função é a
de poder assegurar a integridade pessoal daquela pessoa que teve a sua privação
de liberdade, exigindo desta forma uma atuação mais competente e digna das
autoridades judiciárias, em situações que forem aplicadas as medidas cautelares
diversas à prisão e também com a decretação da prisão preventiva.
Esse trabalho tem por finalidade esclarecer de forma clara e objetiva, através
de análise de obras, artigos jurídicos, jurisprudências, revisão bibliográfica básica e
complementar o instituto da Audiência de Custódia, dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, seu conceito, o cabimento, a validade jurídica das audiências e sua
aplicação no âmbito jurídico, para que assim, doutrinadores e estudiosos do direito
possam ter um melhor conhecimento e esclarecimento à respeito da audiência
supracitada e que futuramente possam utilizá-la evitando Ações Penais.
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2 SISTEMA PENAL BRASILEIRO
2.1 JUSTIÇA PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Para alcançar os benefícios da vida em sociedade, o homem teve que se
submeter a uma série de restrições e ver diminuída sua liberdade, independente da
teoria que se utilize para justificá-la, utilizando Dallari, a Teoria Natural, que tem
como expoentes Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e Ranelletti, ou até mesmo a
Teoria Contratual de Hobbes, Motesquieu e Rousseau, a partir desse momento,
existe a necessidade de coexistência de interesses e vontades individuais que
precisam ser coordenados. (BRITO, 2015).
Nesse sentido, CesareBonessana, o Marquês de Beccaria em sua obra Dos
Delitos e das penas, afirma:
“desse modo, somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade: disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exatamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante”. (BECCARIA, APUD BRITO,2015).
Essa restrição de liberdade individual, em prol de um bem maior se concretiza
na possibilidade, concedida pela sociedade, de que o Estado puna, em nome dessa
mesma sociedade, aquele agente que não respeitar as limitações estabelecidas
para a convivência social. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade
constitui o fundamento do direito de punir. (BRITO,2015).
Brito,2015 afirma que quando ocorre um ataque a bens ou interesses
tutelados pelo Estado, nasce o jus puniendi, ou seja, o direito do Estado de punir o
transgressor.
O jus puniendi possui duas características essenciais: a exclusividade da
titularidade e a limitação de sua aplicação.Apenas o Estado pode exercê-lo.
(BRITO,2015). Os princípios da reserva legal e o do devido processo legal, inseridos
no texto constitucional fazem o controle do poder punitivo do Estado. O princípio da
reserva legal se consubstancia no brocardo: nulumcrimennullapoenasinepraevia
lege, encontra-se expresso na Constituição Federal em seu artigo 5º, XXXIX, e no
artigo 1º do Código Penal, da seguinte forma: “não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Já o princípio do devido processo
legal é conceituado por Brito, 2015 como um mandamento de que não haverá pena
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sem processo – nullapoenasinejuditio - , na Constituição Federal, encontra-se no
artigo 5º, inciso LIV, declara que “ninguém será privado da liberdade ou de seus
bens sem o devido processo legal”. (BRITO,2015).
Esse dois princípios limitam a atuação do Estado em sua prerrogativa de
punição, fazendo com que o condenado passe por todos os procedimentos até a
análise feita pela jurisdição, com todas as suas garantias. (BRITO,2015).No Estado
Democrático de Direito o limite imposto ao jus puniendi é a lei.
A fórmula do devido processo legal democrático, deve ser a garantista, para
que assim possa preservar os valores consagrados em nossa Constituição
Federal.(BRITO,2015).
Conforme assevera Brito:
“O Direito Processual Penal deve ser operacionalizado como um instrumento, não deixando que tecnicidades e formalidades processuais o desviem de seu fim último, a paz social e a proteção do indivíduo. Ainda na esteira da instrumentalidade, o Processo Penal deve ser encarado como um instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais assegurados na Constituição Federal, como o estado de inocência, o contraditório, a ampla defesa, etc. Assim, o Processo Penal, como único meio de imposição de pena ao agente infrator, para a resolução do conflito social, tem, ainda, a função constitucional de defender o agente infrator do próprio Estado que o quer punir, para que este último não seja arbitrário”. (BRITO, 2015).
Não havendo respeito aos direitos humanos, é impossível existir um Estado
Democrático de Direito. A Constituição Federal, por possuir remendos e atenção aos
interesses conjecturais acaba por não ter uma observância do interesse social.
(BRITO, 2015). As garantias devem ser adequadas, como instrumentos de proteção.
O Processo Penal tem a função de defender o indivíduo contra as
arbitrariedades do próprio Estado, estabelecendo regras que deverão ser seguidas
para a consecção do jus puniendi, sob pena de se cometer injustiças e suprimir
garantias conquistadas a duras penas pelo desenvolvimento da humanidade.
(BRITO, 2015).
Durante toda a história da justiça penal houve três tipos de sistemas
processuais que vigoraram: o inquisitório, o acusatório e o misto. O sistema
inquisitório é considerado pela doutrina o mais injusto, e não poderia ser diferente,
pois as figuras do juiz e do acusador confundem-se e não há limites para os
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métodos utilizados para a obtenção da rainha das provas: a confissão. Já o sistema
acusatório vigorou durante quase toda a Antiguidade grega e romana, bem como na
Idade Média, começou a perder espaço para o sistema inquisitório. O sistema misto
pode-se dizer que possui configurações do sistema inquisitório e do sistema
acusatório, permite a consideração de provas realizadas sem o contraditório, bem
como a participação do juiz na sua produção. (BRITO,2015). Nosso sistema
processual penal possui mais semelhanças com o sistema inquisitório do que com o
sistema acusatório. (BRITO,2016).
A Constituição Federal de 1988 consagra preceitos do garantismo, que
consiste em uma composição difusa de princípios e valores sociais voltados a
atender e a preservar a dignidade da pessoa humana. O garantismo é uma
consequência da evolução dos direitos humanos. (BRITO, 2016).
Nesse contexto, Brito,2015, afirma que:
“O atual Código de Processo Penal brasileiro (1941) espelhou-se no Código de Rocco, elaborado à luz do fascismo, bem como guarda o reflexo do regime político da época de sua edição, estando em certo descompasso com a Constituição Federal de 1988. Apesar das inúmeras modificações sofridas no decorrer dos anos, ele ainda reflete o caráter repressivo da lei penal, diante do entendimento clássico à época de sua edição, que via a pena como um castigo e o processo como limitação indireta às garantias individuais consagradas. (...) O sistema penal e também o processo penal, em um Estado Democrático de Direito, deve ter como limites os direitos fundamentais acolhidos pela Constituição Federal, bem como pelos tratados e convenções internacionais de mesma natureza”. (BRITO,2015).
O Direito Penal não se auto executa, o qual exige regras processuais e
balizamento de nossa Carta Política para proteção individual. O processo, as
prisões, sua formalização e forma de cumprimento, previstos no texto constitucional,
entram diversas vezes em confronto com o Código de Processo penal atual.(BRITO,
2015).
A proteção constitucional garantista é referida em vários incisos do artigo 5º
da Constituição Federal, que se referem à garantias e aos direitos fundamentais,
destaca-se que garantia é sinônimo de proteção, sendo assim, o processo não deve
ser instrumento de vingança social. (BRITO, 2015).
Por fim, nesse contexto, o sistema processual penal é composto de princípios
norteadores, vigas mestras pelas quais todas as regras constitucionais e legais
devem ser aplicadas para que, mantendo-se a coerência sistemática, se possam
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atingir as finalidades do processo e, destarte, buscar-se a justiça como valor maior
social. (BRITO, 2015).
2.2 ESPÉCIES DE PRISÕES CONTEMPLADAS
A dignidade da pessoa humana é considerada como princípio supremo
consagrado pela Constituição Federal de 1988, o qual é basilar para um Estado
Democrático de Direito. Afonso da Silva explicita:
“(...) um tipo de Estado que tende a realizar a síntese do processo
contraditório do mundo contemporâneo, superando o estado capitalista para configurar um estado promotor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir”. (AFONSO DA SILVA, 2001)
Mesmo que o cidadão incorra em atos reprováveis perante o Estado não
poderá sofrer com o poder punitivo do Estado sob sua dignidade. Princípio o qual
deriva da ampla defesa e o contraditório, presunção de inocência, princípio da
proporcionalidade, devido processo legal, da estrita legalidade por terem a finalidade
e objetivo principal de garantir e assegurar o princípio da dignidade humana.
(SOBREIRO, 2016).
O princípio da presunção de inocência deve ser observado em se tratando de
prisões cautelares (BRASIL, 1988, artigo 5º, incisos LVII e LXI). Até ocorrer o
trânsito em julgado, o indiciado será imune de culpa presumida (CORDERO, 2000).
Outro princípio a ser utilizado pelo Poder Judiciário é da proporcionalidade,
cuja finalidade é proteger perante o poder coercitivo e punitivo do Estado, a
liberdade individual fundamental de cada cidadão (BONAVIDES, 2000).
Já ao tratar a matéria processual penal de cunho infraconstitucional pode-se
verificar que existiram várias mudanças, desde a criação do Código de processo
Penal de 1941. Essas alterações trouxeram avanços representativos os quais não
houve afastamento e nem rompimento das regras contidas no próprio Código de
Processo Penal (LOPES JR, 2011).
Segundo Dotti, “determinados dispositivos para atender a interesses
localizados quanto à natureza do bem jurídico afetado, aos meios ou modo de
execução do ilícito e a resposta penal”.
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Nessas mudanças não houve uma atuação presente da sociedade civil, a
qual deveria existir, conforme Choukr expõe: “a busca de um consenso internacional
em torno das ideias garantistas é a manifestação de um legítimo interesse social
apto a provocar reformulações de baixo para cima, com a possibilidade de ambos
setores da sociedade civil mediante o debate”.
Conforme Tucci, “impossibilidade de conceber-se um processo penal cautelar,
bem como uma ação penal cautelar no processo penal há lugar somente para a
adoção de medidas cautelares”.
As medidas cautelares como a prisão domiciliar, prisão cautelar e diversa da
prisão são espécies aplicadas anteriormente à sentença condenatória da prisão em
flagrante. A prisão preventiva e a prisão temporária garantem o ciclo normal da
investigação criminal. Essas medidas não foram relacionadas dentro de uma certa
proporcionalidade, dependendo desta forma, uma considerável apreciação judicial,
conforme artigo 282 do CPP (SOBREIRO,2016):
ARTIGO 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
E em seu § 3º do referido artigo é possível verificar a inexistência do
contraditório expresso: “§ 3º. Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de
ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a
intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças
necessárias, permanecendo os autos em juízo” (NUCCI,2016).
As espécies de prisões elencadas no contexto da Audiência de Custódia
serão expostas a seguir.
Iniciamos a reflexão sobre a prisão que antecede uma condenação transitada
em julgado com uma brilhante frase de certo Marquês italiano: “o cárcere é,
portanto, a simples custódia de um cidadão até que seja julgado culpado, e esta
custódia, em sendo essencialmente penosa, deve durar o menos tempo possível e
deve ser menos rigorosa o quanto possa. O menor tempo deve ser medido da
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necessária duração do processo e da antiguidade de quem primeiro tem o direito de
ser julgado. A restrição ao cárcere não pode ser senão a necessidade, ou de impedir
a fuga, ou para não ocultar as provas dos delitos”. (BRITO, 2015).
“A prisão antecedente à pena mais conhecida do leigo é a prisão em
flagrante, motivada pela patente autoria e materialidade daquele que está
cometendo o crime” (BRITO, 2015).
O flagare, do latim“arder, estar em brasa”, significa que as fórmulas
probatórias apontam incontestavelmente à autoria, o que permitiria a restrição da
liberdade para a concretização dos atos de investigação. Esta é a definição do
flagrante propriamente dito, ou simplesmente próprio: estar cometendo um crime.
(BRITO,2015). Conforme artigo 302 do CPP estará em flagrante quem:
Artigo 302 Considera-se em flagrante delito quem: I.está cometendo a infração penal; II.acaba de cometê-la; III. é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV. é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Brito, 2015 assegura também que o CPP vai além, e aumenta o conceito legal
de flagrante. Aquele que acabou de cometer a infração poderá ser preso em
flagrante, o que jamais conseguiu ser explicado satisfatoriamente pela doutrina.
A previsão legal de detenção em flagrante daquele que é perseguido logo após fundamentar-se não mais na “ardência” do fogo da infração, mas nos restos do combustível que precisa ser alimentado com o comburente da lei, o que é agrvado com a segunda hipótese de presunção, que possibilita a prisão de quem é encontrado logo depois com os objetos ou instrumentos do crime, quando, quem sabe, somente existirá a fumaça do que outrora poderia ter sido o “fogo do delito”. (BRITO, 2015).
O auto em flagrante poderia resultar de qualquer infração penal, mais como
um registro fático e probatório do que como uma ordem de prisão. O auto é a
materialização de que um sujeito foi surpreendido no momento em que a infração
estava sendo cometida. (BRISTO, 2015). O surgimento da prisão pode ocorrer pela
elaboração do auto, caso a autoridade policial tenha a convicção de que o retratado
no auto elaborado possua força probatória suficiente para autorizar a restrição de
liberdade. Seria correto se denominasse o auto apenas como Auto Flagrancial, sem
a referência à prisão. (BRITO, 2015).
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O conceito de prisão em flagrante delito pode serainda explicada por diversos
autores. Fernando da Costa Tourinho Filho assegura que:
“A prisão em flagrante é uma prisão provisória, que visa deter o individuo que cometeu uma infração penal, para assegurar a instrução probatória do crime, bem como para manter a ordem social diante deste atentado (...)” “(...) não obstante trate de medida cautelar, o ato de prender em flagrante não passa de simples ato administrativo levado a efeito, grosso modo, pela Polícia Civil, incumbida que é de zelar pela ordem pública”. (TOURINHO FILHO, 2015).
O que realmente é indispensável na prisão em flagrante é a tipicidade, por se
tratar de um ato meramente administrativo, a culpabilidade e a ilicitude não são
exigidas nesse contexto. Guilherme de Souza Nucci em seu Manual de Processo
Penal e Execução Penal assevera:
“A natureza jurídica da prisão em flagrante é de medida cautelar de segregação provisória do autor da infração penal”. Assim, exige-se apenas a aparência da tipicidade, não se exigindo nenhuma valoração sobre a ilicitude e a culpabilidade, outros dois requisitos para a configuração do crime. É a tipicidade o fumus boni juris (fumaça do bom direito)”.(NUCCI,
2014)
Na Resolução 213 / 2015 que versa sobre a Audiência de Custódia dispõe em
seu artigo 1º uma previsão normativa da prisão em flagrante delito: Art 1º.
Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da
motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas
da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as
circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão”. (SOBREIRO, 2016).
Lavrado o auto de prisão em flagrante, o artigo 306 do CPP determina que:
Artigo 306 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2º No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.
Após a comunicação da prisão em flagrante, o juiz deverá
fundamentadamente agir conforme os incisos do dispositivo 310 do CPP:
I.Relaxar a prisão ilegal; ou II.Converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes no artigo 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
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III.Conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
No CPP observa-se que a prisão em flagrante delito se dá através da conduta
do acusado que se enquadra com os casos pertinentes do artigo 302 e seus
incisos(NUCCI,2016).
A prisão temporária foi criada pela Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989.
Assevera Pacelli:
“se trata de uma prisão cuja finalidade é a de acautelamento das investigações do inquérito policial, consoante extrai o artigo 1º, I da Lei nº 7.960/89, no que cumprida a função de instrumentalidade, isso é, cautela. E será ainda provisória, porque tem sua duração expressamente fixada em lei, como se observa de seu artigo 2º e também do disposto no art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos)”. (PACELLI, 2013, p. 563)
Segundo Brito, 2015 a origem da prisão temporária em nosso ordenamento
jurídico não costuma ser associada à algo legítimo. Antes da Constituição Federal
de 1988, especialmente no período de ditadura militar que a antecedeu, era comum,
mas ilícito que as autoridades policiais e seus agentes “recolhessem” algumas
pessoas para que depois pudessem “averiguá-las”. (BRITO, 2015).
Essas pessoas eram mantidas presas sem que estivessem em situação de
flagrante delito ou qualquer ordem judicial. Essa prisão que inicialmente era para
investigações (ou averiguações) não era combatida e logo se tornou uma prisão
para “correção”, um castigo dado pela polícia a determinados sujeitos que
incomodavam ou impediam seu trabalho. Nessa época, tornou-se comum que as
carceragens dos distritos policiais ficassem repletas de pessoas detidas sem motivo
legal. (BRITO,2015).
A decretação da prisão temporária será possível para os casos que se
enquadram no artigo 1º, da Lei 7.960/89:
I.quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II.quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III. Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a)homicídio doloso (art.121, caput, e seu §2ª); b)sequestro ou cárcere privado (art.148, caput, e seus §§ 1º e 2º); c)roubo (art.157, caput, e seus §§1º, 2º e 3º); d)extorsão (art.158, caput, e seus §§ 1º e 2º); e)extorsão mediante sequestro (art.159, caput, e seus §§ 1º, 2º e 3º); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
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g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986)
A prisão temporária deve estar sempre vinculada a um inquérito policial que é
o instrumento reconhecido por lei para que se tenha uma investigação. Durante a
prisão, os presos temporários deverão ser mantidos em separado dos demais
presos provisórios, conforme artigo 3º da Lei nº 7.960/89, ou seja, presos em
flagrante ou por prisão preventiva.
Em se tratando de uma prisão preventiva, pode-se observar que a relação da
matéria processual penal para que se decrete uma medida cautelar é necessário
analisar a presença do fumus commissi delicti e o periculum libertatis e as condições
de admissibilidade, os quais são requisitos específicos do Processo Penal. O
primeiro pressuposto a autorizar qualquer prisão cautelar é, precipuamente, a sua
consonância com os princípios constitucionais e tratados internacionais, os quais
consagram o estado de inocência e encontram guarida na visão legalista do
processo penal. A previsão legal da prisão preventiva pode ser observada no CPP,
nos seguintes artigos (BRITO, 2015):
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta
21
não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Por Nucci a prisão preventiva é aquela que deve assegurar a “garantia da
ordem pública” por existir certa convergência de aplicação:
“Em suma, extrai-se da jurisprudência o seguinte conjunto de causas viáveis para autorizar a prisão preventiva, com base na garantia da ordem pública: a) gravidade concreta do crime; b) envolvimento com o crime organizado; c) reincidência ou maus antecedentes do agente e periculosidade; d) particular e anormal modo de execução do delito; e) repercussão efetiva em sociedade, gerando real clamor público. O ideal é associação de, pelo menos, dois desses fatores”.
A prisão preventiva pode ocorrer em qualquer fase do processo penal ou
investigação policial, sendo decretada de ofício, pelo próprio autor ou até mesmo
pelo representante do Ministério Público. (PACELLI, 2013).
Por fim, além dos pressupostos supracitados acima, existemquatro situações
de admissibilidade jurídica para a decretação da prisão preventiva: pena máxima
cominada superior a quatro anos, acusado reincidente em crime doloso, aplicação
das medidas protetivas de urgência e necessidade de identificação do acusado. Em
qualquer desses casos, não se poderá decretar a prisão preventiva se os requisitos
antecedentes do artigo 312 do Código de Processo Penal não estiverem presentes.
(BRITO, 2015).
A prisão domiciliar até muito recentemente, somente era permitida aos presos
condenados que se encontrassem em regime aberto de execução da pena, em
casos ligados a motivos humanitários, conforme observa-se no artigo 117 e 118 da
Lei de Execução Penal nº 7.210/84 (BRITO, 2015):
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciadoou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
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III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.
O Código de Processo Penal permite também que o acusado em processo
criminal possa ter sua liberdade restringida de forma menos gravosa, também por
motivos humanitários, determinando ao réu seu recolhimento em suaresidência. A
prisão domiciliar também é uma prisão, e por expressa previsão legal, para ser
decretada, deverá possuir os requisitos da prisão preventiva. O artigo 318 do CPP
preceitua que a prisão domiciliar substituirá a prisão preventiva. (BRITO, 2015).
2.3 O JUÍZO DE LEGALIDADE DA PRISÃO DENTRO DA AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA
O Código de Processo Penal brasileiro regulariza de forma clara e objetiva os
atos de detenção, observado em seus artigos 306, 310, 312, 313 e sobre as
medidas cautelares em seu artigo 282 (SOBREIRO,2016):
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serãocomunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deveráfundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento atodos os atos processuais, sob pena de revogação. Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
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Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, paragarantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta nãofornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar aprática de infrações penais; § 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seuassistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).·. II - adequação da medida à gravidade do crime circunstância do fato e condições pessoais do indiciado ou do acusado. (BRASIL, 1941).
Os artigos supracitados se relacionam com os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos. Possibilitando garantir a liberdade de ir e vir, de locomoção e
principalmente proteger contra atos de tortura ou degradantes aos indiciados. A
audiência de custódia é uma forma de verificar através de uma autoridade judiciária
a legalidade da prisão e também reduzir o surgimento de prisões ilegais.
(SOBREIRO, 2016).
Guilherme de Souza Nucci,2016 ao mencionar o artigo 306 do CPP em seu
contexto inserido na Constituição Federal de 1988, afirma que:
“É preciso salientar que tal providência precisa ser efetiva e não meramente formal, vale dizer, a autoridade encarregada do auto de prisão em flagrante deve, com eficiência e de imediato, comunicar aos familiares indicados pelo preso ou a pessoa de sua confiança, inclusive, para, se for o caso, poder ser contratado advogado para acompanhar o ato de formalização da prisão. Lembremos que, quanto à comunicação ao magistrado competente, muito embora o texto constitucional, ora reproduzido no Código de Processo Penal, pareça indicar a comunicação imediata, ou seja, no exato momento da lavratura do auto de prisão em flagrante, tão não se dá. Observe-se o disposto no §1º. deste artigo, fixando o prazo de 24 horas para que o auto de prisão chegue às mãos do juiz competente”.
24
“A Lei nº 12.403/2011 modificou os dispositivos do CPP referentes à prisão,
às medidas cautelares e à liberdade provisória, alterando as opções que estão
disponíveis ao juiz em casos de prisão em flagrante, com o objetivo de evitar a
prisão do indiciado ou do acusado antes do julgamento”. (CNJ) Por essa Lei não ter
sofrido um controle de convencionalidade, Magalhães (2010) afirma que o Código de
Processo penal não respeita o individuo.
Os juízes possuem mais informações sobre o indiciado, se houve prisão ilegal
e se todos os elementos obrigatórios estavam presentes para se realizar a prisão
provisória, através das audiências de custódia. Conforme aborda Toscano Jr:
“Na audiência de custódia não se aborda questão de mérito, senão a instrumentalidade da prisão e a incolumidade e a segurança pessoal do flagranteado, quando pairam indícios de maus-tratos ou riscos de vida sobre a pessoa presa. Não é o contato pessoal do juiz com o preso que o contamina. O distanciamento que é contamina de preconceitos, no sentido de conceitos prévios, sem maiores fundamentos. A presença do preso permite avaliar muito melhor o cabimento ou não da prisão. Traz a facticidade. (TOSCANO JR, 2015)
A eficácia da audiência de custódia, além de reduzir o número de indiciados,
também ajuda a fazer um controle dos encarceramentos, diminuindo a superlotação
nas penitenciárias. (SOBREIRO, 2016). Ao se fazer a adoção dessas audiências, é
perceptível visualizar o comprometimento do Brasil com os Tratados Internacionais
que versam sobre Direitos Humanos.Os quais serão analisados no capitulo seguinte
desse trabalho.
25
3 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO INTERNACIONAL
3.1 PRECEDENTES HISTÓRICOS DOS DIREITOS HUMANOS
As matérias que disciplinam o âmbito jurídico não necessitam de datas certas
para se determinar um marco inicial. É através da história e de fatos ocorridos, que
se baseiam em regras próprias e princípios, decorrendo de um processo gradativo
de entendimento até chegar às regras normativas.(Luana Davico)
Sendo assim, todas as inovações que se referem à justiça foram resultados
de movimentos históricos, filosóficos, jurídicos e sociais, até chegar a uma
solidificação com os direitos humanos, que prevalecem até os dias de
hoje.(SOBREIRO,2016).
Se faz desnecessário adentrar em todos os períodos históricos já existentes
para se ter a compreensão do tema aqui tratado. Uma das bases do pensamento
jurídico contemporâneo é a Magna Carta de 1215 d.C. Essa carta foi preparada por
nobres que possuíam real interesse em proteger suas terras, foi introduzida uma
garantia da qual, se não houvesse um juízo legal, as pessoas não deveriam ser
detidas.(SOBREIRO,2016).
Os juristas com o passar dos tempos inseriram o habeas corpusna Magna
Carta, construção essa que foi inicialmente respeitada pelo sistema jurídico inglês:
“Nos princípios consagrados na Magna Carta (pontualmente no que se refere à reportada cláusula trigésima nona) amalgamaram-se conquistas inerentes às liberdades públicas subjetivas insertas no elenco dos direitos fundamentais, marco inicial de um novo período em matéria das boas leis dos antecessores de João Sem Terra -, evidenciado pelas disposições tutelares contra abusos do poder.” (FONSECA, 2013, P.38)
A Carta de Segurança Real e a Carta de Seguro surgiram no direito europeu
para preservar a liberdade individual do cidadão. No período de 1428 à 1592 foi
criada a manifestação de pessoas pelo direito aragonês, o qual previa garantir a
integridade física, liberdade provisória com maior força que o próprio habeas
corpus.(SOBREIRO, 2016).
Os direitos naturais foram consolidados pelo pensamento iluminista. A
Declaração do Bom Povo Da Virginia, 1776 serviu para trazer novos pensamentos
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políticos e filosóficos, consequência da independência de colônias na América do
Norte (SILVA,2012, p. 153). A Assembleia Nacional Constituinte no ano de 1789
regeu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Com a Revolução
Francesa surgiram os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, os quais
derrubaram o Estado Absolutista monárquico (RAMOS, 2015, p. 42).
A partir desses fatos o Direito Internacional foi transferindo suas ideologias de
colaborar com a parte econômica para uma preocupação e inserção da
internacionalização jurídica, com a inclusão dos Direitos
Humanos.(SOBREIRO,2016).
Após as duas guerras mundiais houve a criação da Organização das Nações
Unidas (ONU) e também a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA),
as quais decorreram das Declarações de Direitos Humanos.(SOBREIRO,2016).
Através dessas mudanças e transformações no âmbito jurídico o homem se
tornou o principal sujeito dentro da esfera internacional e também do direito interno
(CHOUKR,2001).
3.2 DIREITOS HUMANOS EM TRATADOS INTERNACIONAIS
A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) em 22 de novembro
de 1969 foi amparada durante a Conferência Especializada Interamericana sobre
Direitos Humanos no âmbito da OEA. Essa Convenção é conhecida pelo nome de
“Pacto de São José da Costa Rica”. Versa sobre os deveres dos Estados e Direitos
Protegidos, os meios de proteção, e as disposições gerais e transitórias. No capítulo
II da parte I apresenta uma enfatização relacionada à proteção desses assuntos
(SOBREIRO,2016).
Artigo 7. Direito à liberdade pessoal
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e
nas condições previamente fixadas pelas contribuições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua
detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.
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Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seucomparecimento em juízo.
6. Toda pessoa privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa.
7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. (OEA, 1969, Capítulo II)
O resguardo da integridade psíquica e física do indivíduo é uma constante
preocupação da Comissão de Direitos Humanos. Em se tratando de Audiência de
Custódia a CADH é a mais utilizada, mas a XXI Sessão da Assembleia Geral das
Nações Unidas já havia adotado em 16 de dezembro de 1996 o PIDCP, Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o qual relaciona em seu artigo 9 uma
previsão referente à Audiência de Custódia (SOBREIRO,2016):
Artigo 9 1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à seguranças pessoais. Ninguém
poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.
2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela.
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou der posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas queaguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.
4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.
5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à repartição. (BRASIL, 1992ª, Parte III).
O raciocínio é parecido em relação aos dois Pactos, tanto o Pacto de São
José da Costa Rica e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos auferem
que a pessoa que cometeu infração penal deve ser encaminhada, sem
retardamento, para uma apreciação judicial que preserve sua integridade física e
pscicológica, aplicando de forma correta as medidas cautelares. (SOBREIRO, 2016).
28
Após ser aprovada a CADH, o Brasil e os outros países da América, os quais
são signatários, começaram a vincular dentro de seus ordenamentos jurídicos a
importante matéria referente aos Direitos Humanos. Paiva (2015, p.34) observa que:
“Pouca ou nenhuma importância teria o Direito Internacional dos Direitos Humanos
se cada país dispusesse de uma “margem de apreciação” a respeito da utilidade dos
direitos e garantias vinculados nos tratados a que - voluntariamente – aderiram”.
(SOBREIRO,2016).
Relacionado com a Audiência de Custódia, o Conjunto de Princípios para a
Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão,
criado na 76º Sessão Plenária das Nações Unidas, determina em seu princípio 37
(SOBREIRO,2016):
“As pessoas detida pela prática de uma infração penal deve ser presente a uma autoridade judiciária ou outra autoridade prevista por lei, prontamente após sua captura. Essa autoridade decidirá sem demora da legalidade e necessidade da detenção. Ninguém pode ser mantido em detenção aguardando a abertura da instrução ou julgamento salvo por ordem escrita de referida autoridade. A pessoa detida quando presente a essa autoridade, tem o direito de fazer uma declaração sobre a forma como foi tratada enquanto detenção”.
Os direitos que servem de proteção à integridade física, ao controle judicial e
à defesa são encontrados em outros pactos e outros tratados.(SOBREIRO,2016).
Na Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamento Cruéis, Desumanos
ou Degradantes, por exemplo, encontra-se matéria similar aos Pacto de São José da
Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos em seus artigos 2º,
10º e 11º:
Artigo 2º 1.Cada Estado Parte tomará medidas eficazes de cárater legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição. Artigo 10º 1.Cada Estado Parte assegurará que o ensino e a informação sobre a proibição de tortura sejam plenamente incorporados no treinamento do pessoal civil ou militar encarregado da aplicação da lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de quaisquer outras pessoas que possam participar da custódia, interrogatório ou tratamento de qualquer pessoa submetida a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão. 2.Cada Estado Parte incluirá a referida proibição nas normas ou instruções relativas aos deveres e funções de tais pessoas. Artigo 11º Cada Estado Parte manterá sistematicamente sob exame as normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório, bem como as disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas submetidas, em qualquer território sob sua jurisdição, a qualquer forma de prisão, detenção ou
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reclusão, com vistas a evitar qualquer caso de tortura. (BRASIL, 1991, Parte I)
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Convenção Internacional
para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados. O
desaparecimento forçado é definido em seu artigo 2º dessa Convenção:
Artigo 2º Para efeitos da presente Convenção, entende-se por desaparecimento forçado a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, o apoio ou o consentimento do Estado, seguido da recusa em reconhecer a privação de liberdade, ou do encobrimento do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, colocando – a assim fora do âmbito de proteção da lei. (BRASIL, 2016ª, Parte I)
Por essa Convenção os crimes serão tipificados se levarem ao
desaparecimento forçado.
As garantias de integridade física e as garantias individuais de liberdade são
tratadas em inúmeros tratados internacionais que versam sobre os direitos
humanos, o qual nossa Constituição Federal de 1988 acolheu a maioria, conforme
expressa Badaró (2014):
“Não exige a Constituição, contudo, quer tal comunicação se siga uma
audiência de convalidação da prisão ou, como se vem denominando, uma ´audiência de custódia´. Muito menos exige a Lei Maior que o preso seja imediatamente ou prontamente interrogado por um juiz, limitando-se a prever que, se interrogado – e nesse momento, normalmente o será por uma autoridade policial – terá o direito de permanecer calado”.
As Audiências de Custódia serão baseadas em tratados que versem sobre os
direitos humanos, principalmente o Pacto de São José da Costa Rica, por ser o
pioneiro a tratar sobre a dignidade da pessoa humana, sua liberdade de ir e vir e sua
integridade física. (SOBREIRO, 2016).
3.3 RATIFICAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS
A entrada em vigor da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes no âmbito internacional ocorreu pela
aprovação na XL Sessão de 10 de dezembro de 1984. Foi aprovada pelo Decreto –
Legislativo nº 4 em 23 de maio de 1989 pelo Congresso Nacional, sendo
promulgada no Brasil pelo Decreto nº 40 de 1991. (BRASIL,1991)
O Decreto Legislativo criado pelo Congresso Nacional de nº 226, de 12 de
dezembrode 1991 aprovou o conteúdo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos. Esse Pacto entrou em vigor no formato do seu artigo 49, §2º no dia 24 de
30
abril de 1992. A obrigatoriedade do cumprimento do texto completo e sua execução
se deu através do Decreto nº 592, contado da data de 06 de julho de 1992. (BRASIL,
1992ª)
Através da exigência de ratificação de 11(onze) Estados, o Pacto de São José
da Costa Rica (CADH) vigorou na data de 18 de julho de 1978. No Brasil, essa
Convenção foi aderida no dia 09 de julho de 1992, sendo promulgada pelo Decreto
nº 678 em 06 de novembro de 1992. (BRASIL, 1992b)
A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o
Desaparecimento Forçado foi o mais novo tratado internacional relacionado com os
direitos humanos acolhido pelo Brasil. Foi aprovada pelo Congresso Nacional
através do Decreto Legislativo de nº 661 em 01 de setembro de 2010 e a sua
promulgação ocorreu pelo Decreto nº 8.767, através de edição extra publicada no
Diário Oficial da União. (BRASIL, 2016a)
O Decreto supracitado é favorável às críticas que são colocadas em prática e
adotadas pelo Projeto “Audiência de Custódia” do Conselho Nacional de Justiça,
menção inserida por Choukr, 2016, o qual será explicada na análise da Resolução nº
213/2015 do CNJ.
31
4 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO
4.1 NOÇÕES PRELIMINARES
A legislação processual penal brasileira vem passando por mudanças
profundas, ocorrência de uma necessária conformação de diversos institutos
presentes no quase octogenário Código de Processo Penal ao tratados
internacionais que ratificamos e à realidade constitucional que vivenciamos desde
1998.(ANDRADE E ALFLEN, 2016).
Para chegar-se à exegese do termo “Audiência de Custódia”, primeiramente
deve ser definida a palavra custódia. Palavra essa que está relacionada ao ato de
proteger, de guardar, conforme assegura Jayme Camargo (2015): “Custódia é a
ação de guardar, de proteger, podendo significar detenção, prisão, vigilância. Para
esse estudo, custódia é o estado de quem é preso pela autoridade policial para
averiguações, ou conservado sob segurança e vigilância, como medida de
preservação, prevenção ou proteção”.
Consiste na condução do autuado preso em flagrante à presença do juiz,
permitindo dessa maneira o contato pessoal, com o intuito de assegurar os direitos
fundamentais da pessoa que é submetida à prisão, o qual, juntamente com o
Ministério Público e a defesa farão com que exista um controle acerca da real
necessidade da prisão e da legalidade. A questão de maus – tratos e de tortura
também serão apreciados. Essas audiências são decorrentes da aplicação dos
Tratados de Direitos Humanos, os quais são ratificados pelo Brasil. (CNJ – Conselho
Nacional de Justiça).
O CNJ explicita ainda que:
“O Projeto Audiência de Custódia consiste na criação de uma estrutura
multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere, garantindo que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz de Direito, em 24 horas, no máximo”.
Paiva (2015) assegura que a Audiência de Custódia consiste em:“(...), na
condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá,
a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa,
exercer um controle imediato de legalidade e da necessidade da prisão, assim como
32
apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a
presença de maus tratos ou de tortura”.
Originalmente o Projeto de Lei do Senado nº 554, de 2011 propunha a
alteração do § 1º do artigo 306 do CPP, para que o auto de prisão em flagrante e o
sujeito preso nessa condição fossem apresentados ao juiz no prazo máximo de 24
horas. Em um só momento deveria haver a oitiva do preso, o exame da (i) legalidade
da prisão e seu respectivo auto, tendo ou não, a incidência de alguma medida
cautelar pessoal (ANDRADE E ALFLEN, 2016). Veja-se:
Artigo 306, § 1
“No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.
Conforme expõe Andrade e Alflen (2016), a audiência de custódia só contaria
com a presença do juiz e do sujeito preso em flagrante, assim não se daria margem
à necessária incidência do contraditório e ampla defesa em momento anterior á
emissão de uma decisão judicial que tratará da soltura ou manutenção da prisão do
conduzido.
O projeto supracitado foi considerado “conveniente e oportuno” pelo Senador
Randolfe Rodrigues, relator da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas,
através de uma emenda foi acatado parcialmente as sugestões pela Defensoria
Pública do Estado de São Paulo, sendo inserida a necessária presença do Ministério
Público e da própria defesa técnica do indiciado, estabelecendo dessa forma como
deveria ser feito o procedimento a ser adotado na audiência de custódia (ANDRADE
E ALFLEN,2016), conforme o texto do dispositivo 306 do CPP ( incluindo seu § 1ª o
qual já foi mencionado acima):
Artigo 306 “§ 2º Na audiência de custódia de que trata o § anterior, o Juiz ouvirá o Ministério Público, que poderá, caso entenda necessária, requerer a prisão preventiva ou contra medida cautelar alternativa à prisão, em seguida ouvirá o preso e, após manifestação da defesa técnica, decidirá fundamentadamente, nos termos do art. 310. § 3º A oitiva que se refereo parágrafo anterior será registrada em autos apartados, não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará exclusivamente sobre a legalidade e necessidade da prisão, a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
33
§ 4º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. § 5º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 3º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.
O relator Senador João Capeberibe renovou a relevência e oportunidade pela
audiência de custódia, apresentando uma nova emenda ao projeto, deslocando
dessa maneira para o artigo 283 do CPP as disposições referentes a essas
audiências. Na sequência o mesmo Senador, apresentou uma nova emenda,
recolocando a audiência de custódia no rol do dispositivo 306 do CPP. (ANDRADE E
ALFLEN, 2016).
Na sequência, foi recebido o oficio (nesse oficio foi pedido à celeridade à
tramitação do PLS nº 554, de 2011), que foi encaminhado pelo Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária, o qual é vinculado ao Ministério da Justiça, na
data de 26 de novembro de 2013 a aprovação do projeto audiência de custódia.
(ANDRADE E ALFLEN, 2015).
A continuidade da formatação da audiência de custódia deu-se no ano de
2014, conforme expõe Andrade e Alflen (2016):
“(...) o Gabinete da Presidência do Poder Judiciário do estado do Rio de
Janeiro enviou ofício ao Presidente do Senado Federal, apresentando proposta de emenda ao projeto, tornando mais singela a alteraçãoa ser realizada no artigo 306 do CPP. Invocando questões ligadas á “diminuição da circulação de presos pelas ruas da cidade e nas dependências do Poder Judiciário”, “a segurança pública, à segurança institucional e, inclusive, à segurança do preso”, a intenção da Presidência daquela Corte era a realização da audiência de custódia por meio de videoconferência, dando-se sequência a um procedimento responsável pela redução em cerca de 40% na circulação de presos pela cidade do Rio de Janeiro.(ANDRADE E ALFLEN, 2016).
Foi apresentada emenda ao PLS nº 554, de 2011 pelo Senador Francisco
Dornelles, acolhendo os termos daquele ofício. No entanto, o parecer e voto do
Senador Humberto Costa, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, foi no
sentido de rejeição dessa emenda. Foram reportados os argumentos apresentados
pela Rede de Justiça Criminal e HumanRightsWacht, sendo sua posição favorável a
aprovação do texto anterior, embora modificado por nova emenda, substituir a
expressão “autoridade policial” por “Delegado de Polícia”, adequando-se assim, a
nomenclatura utilizada pela Constituição Federal.
34
4.2 A INSERÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Após a Segunda Guerra Mundial foram criados organismos que eram
voltados à proteção dos direitos humanos e principalmente à manutenção da paz e
da segurança internacional. Antigamente, a cultura ocidental, foi marcada por uma
ausência de preocupação em relação à pessoa que havia sido presa ou detida.
(ANDRADE E ALFLEN, 2016).
Em 1764, Beccaria ressaltava que “a desolação e a fome eliminadas dos
cárceres” e por outra visão que“ a prisão é mais um lugar de suplício que de
custódia do réu”.
Segundo Neto (2000), Beccaria influenciou claramente a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, França, 1789 em seus artigos 7º e 8º:
Artigo 7º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido, senão nos casos determinados pela lei e segundo as formas por ela prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou fazem executar atos arbitrários devem ser punidos, mas todo cidadão chamado ou atingido pela lei deve obedecer imediatamente, tornando-se culpado pela resistência. Artigo 8º A lei só deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias. Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.
Resultante desses artigos inclusos na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, Neto (2000) afirma que:
“A partir desse momento a pena de morte passou a ser abolida em grande parte da Europa ou quando não, esta não era aplicada. As penas corporais e as infamantes aos poucos foram desaparecendo, cedendo lugar às privativas de liberdade, para que se iniciou a construção de inúmeros presídios, surgindo então a possibilidade de reeducação dos criminosos que uma vez condenados e encarcerados poderiam ser ressocializados e reintegrados à sociedade após o cumprimento da pena.”
A partir desses contextos, o Conselho da Europa criou a Convenção Europeia
para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (CEDH), a qual
foi firmada em Roma na data de 04 de novembro de 1950. Essa Convenção tinha
por objetivo evitar que ocorresse a tortura ou maus-tratos aos indivíduos que
tivessem sido presos em flagrante ou a título preventivo por ordem das forças
estatais diversas do Poder Judiciário. (ANDRADE E ALFLEN, 2016).
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Asseveram Andrade e Alflen (2016) ainda que, o Parlamento Europeu
aprovou a Diretriz 2012/13/EU, o qual era destinada a regulamentar o direito à
informação nos procedimentos criminais como um todo. Nessa Diretriz, em relação à
pessoa detida, o Estado tem o dever de cientificá-la do direito a ser apresentada,
sem demora, a um juiz ou outra autoridade com poderes judiciais. (ANDRADE E
ALFLEN, 2000).
Dessa forma, a partir da CEDH, as portas foram abertas para que toda
pessoa presa ou detida fosse vista de uma forma mais distinta, seguindo-se outros
textos internacionais, tanto de repercussão mundial ou restrita a outros continentes.
(ANDRADE E ALFLEN, 2016).
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos foi adotado pela
Resolução n. 2.200-A (XXI) da ONU com a intenção de ampliar o rol dos direitos
constantes na Declaração Universal dos Direitos do homem que previu, que toda
pessoa presa, ou detida, o dever de ela ser levada, o mais rápido possível, à
presença de um juiz ou outra autoridade equivalente. (AnNDRADE E ALFLEN,
2000).Esse Pacto foi ratificado pelo Brasil, pelo Decreto 592, de 06 de julho de 1992,
observa-se em ser artigo 9,3:
“Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.
Seguindo esse contexto a Resolução nº 43/173, de 09 de dezembro de 1988
foi emitida pela Assembleia Geral da ONU que estabeleceu o Conjunto de Princípios
para a Proteção de Todas as Pessoas Submetidas a Qualquer Forma de Detenção
ou Prisão, observado em seu princípio 4: (ANDRADE E ALFLEN, 2016)
“PRINCÍPIO 4
Toda forma de detenção ou prisão e todas as medidas que afetam aos direitos humanos das pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão deverão ser ordenadas por um juiz ou outra autoridade, ou ficar sujeitas à fiscalização efetiva de um juiz ou outra autoridade”.
Já em âmbito regional o Pacto de São José da Costa Rica realizou a
Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, onde foi
aprovada, em 22 de novembro de 1969, a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (CADH), entrando em vigor em 18 de julho de 1978, a qual foi ratificada
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pelo Brasil em 09 de julho de 1992, pelo Decreto nº 678, reproduzindo em seus
artigo 7,5 (conforme já analisado no capítulo anterior) a necessidade de
apresentação rápida da pessoa presa a um juiz ou outra autoridade, situação que,
no Brasil , ficou conhecida como audiência de custódia. (ANDRADE E ALFLEN,
2016).
O Brasil vem se mostrando de uma forma tímida em dar plena aplicabilidade a
todos os termos da CADH, da qual é signatário. As primeiras movimentações a
respeito da audiência de custódia deu-se antes mesmo da ratificação daquela
Convenção e da própria Constituição Federal, através do Código Eleitoral (Lei nº
4.737, de 15 de julho de 1965), o qual determina a imediata apresentação judicial de
toda pessoa presa, em flagrante ou não, para que seja averiguada a legalidade
daquele ato. (ANDRADE E ALFLEN, 2016). Observado o referido diploma legal em
seu artigo 236: “Ocorrendo qualquer prisão o preso será imediatamente conduzido à
presença do juiz competente que, se verificar a ilegalidade da detenção, a relaxará e
promoverá a responsabilidade do coator”.
Semelhança essa à audiência de custódia, onde os cidadãos que forem
presos no período entre cinco dias antes e até 48 horas após o encerramento das
eleições, o qual se justifica pela vinculação expressa à apreciação do juiz da
legalidade da prisão, em época extremamente essencial que é o período eleitoral.
(ARAÚJO,2015). “Veja- se que referida hipótese não parece excluir que por ocasião
da audiência o magistrado verifique, igualmente, a necessidade da segregação
pessoal, assim como exerça um controle de custódia/proteção do direito à
integridade física do preso conduzido”, afirma Araújo, 2015.
Andrade e Alflen, 2016 explicitam que em um primeiro momento, há a
impressão de que a apresentação do preso ao Juiz Eleitoral se daria para que este
pudesse presidir o auto de prisão em flagrante, já que é disso que tratam os “atos
subsequentes” vinculados ao artigo 304 do CPP.
Ao analisar esse contexto, do Código Eleitoral com a audiência de custódia,
Andrade e Alflen,2015 concluem que:
“Na prática, a forma como a apresentação jucidial imediata do sujeito preso, referida no Código Eleitoral, vem sendo interpretada pelo Tribunal Superior Eleitoral em suas resoluções faz com que haja um sério risco de o Juiz Eleitoral estar pautando o trabalho a ser desenvolvido pelas Polícias Federal ou Estadual com atribuições eleitorais, o que levaria a abandonar a figura de juiz-garante, para se transformar em um juiz-instrutor, verdadeiro condutor da investigação criminal. Logo, tal apresentação do preso ao Juiz Eleitoral não se trataria propriamente de algum tipo de cuidado com
37
aobservância de direitos assegurados em textos internacionais, mas, em realidade, de um verdadeiro retrocesso, ao erigir a figura do juiz em responsável pelos caminhos a serem seguidos, ou não, pela polícia judiciária com atribuição eleitoral”. (ANDRADE E ALFLEN, 2016)”.
Anteriormente também à Constituição Federal, pode-se observar o Código de
Menores (Lei nº 6.697, de 1979), a qual determinava a prontaapresentação ao juiz
de toda pessoa menor de dezoito anos (linguagem da época), viesse a se envolver
na prática de infração penal, assim observado em seu artigo 99, caput: “O menor de
dezoito anos, a que se atribua autoria de infração penal, será, desde logo,
encaminhado à autoridade judicial”. (ANDRADE E ALFLEN, 2016). “A esse ato, essa
legislação deu o nome de audiência de apresentação, a qual, porém, não tinha por
objetivo assegurar qualquer garantia, uma vez que consagrada Doutrina da Situação
Irregular via o “menor” em “situação de risco” ou “perigo moral ou material” como
uma “patologia social””. (ANDRADE E ALFLEN, 2016).
A Lei nº 8.069 de 1990 sucedeu o Código de Menores, conhecida como
Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual sofreu forte influxo de movimentos, a
qual inspiraram a própria Constituição Federal, e atos normativos internacionais que
consolidavam a Doutrina da Proteção Integral. O Estatuto manteve a preocupação
em tornar obrigatória a rápida apresentação do adolescente apreendido, porém, em
face da mudança de paradigma, com outros fins. Foi criada uma diferenciação
quanto à autoridade com incumbência de recebê-lo. (ANDRADE E ALFLEN, 2016).
Exposto em seu artigo 171: “O adolescente apreendido por força de ordem judicial
será, desde logo, encaminhado à autoridade judiciária”.
Segundo Andrade e Alflen, caso a apreensão decorresse de flagrância por ato
infracional de natureza grave e/ou que haja produzido repercussão social, o
Delegado de Polícia deverá, após os trâmites normais para a confecção do auto de
apresentação ao Ministério Público (em seus artigos 174, 175, 179), concebido,
também, como órgão de defesa dos direitos da infância e da juventude. Observa-se
os artigos:
Artigo 174 Comparecendo qualquer dos pais ou responsáveis, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecersob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.
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Artigo 175 Em caso de não-liberação, a autoridade policial encaminhará, desde logo, o adolescente ao representante do Ministério Público, juntamente com cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência. § 1º Sendo impossível a apresentação imediata, a autoridade policial encaminhará o adolescente à entidade de atendimento, que fará a apresentação ao representante do Ministério Público no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. § 2º Nas localidades onde não houver entidade de atendimento, a apresentação far-se-à pela autoridade policial. A falta de repartição policial especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder o prazo referido no parágrafo anterior. Artigo 179 Apresentando o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas. Parágrafo Único. Em caso de não-apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso da Polícias Civil e Militar.
Segundo Araújo, 2015, “tal ato não se confunde com a audiência de custódia
por duas razões: a)não é realizado na presença de autoridade judicial, mas perante
o Miinistério Público; b) a atividade do promotor de justiça, neste procedimento se
revela incapaz de, por si só, reparar qualquer tipo de ilegalidade na apreensão do
adolescente ou fazê-la cessar ante sua desnecessidade, ou ainda, de custodiar o
adolescente vítima de eventual violência ou maus-tratos, isso porque, entendendo
por arquivar o expediente ou conceder a remissão.”
Os dois institutos são semelhantes, mas são distintos entre si, a audiência de
custódia, prevista na CADH somente se justifica na possibilidade de servir, se
concretamente como um instrumento de controle judicial imediato da prisão em
flagrante, de maneira similar ao que ocorre com a audi~encia de
representação.(ARAÚJO, 2016).
A nossa Corte Constitucional trouxe resultados de decisões tomadas, como a
necessidade de nossa legislação ordinária se submeter a uma dupla
compatibilidade, por alguns, denominada de dupla compatibilidade vertical, ou seja,
que além da compatibilidade da legislação ordinária com a própria Constituição
Federal, também se deve observar, sua compatibilidade com os tratados e
convenções ratificados pelo Brasil. (ANDRADE E ALFLEN, 2016). Conforme exposto
no dispositivo legal da CF: “Artigo 5º, § 3º: Os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
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Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais”.
A nossa Constituição Federal de 1988 em seu texto magno traz um rol
extenso em relação às garantias fundamentais, os quais se destacam os direitos
individuais e sociais, por se tratar de um Estado Democrático de Direito, conferido
pelo Poder Constituinte. O princípio da dignidade da pessoa humana foi
expressamente inserido pelo legislador em forma de fundamento da República
Federativa no seu art. 1º, inciso III e em seu art. 4º, inciso II fez referência aos
direitos humanos como sendo um princípio base. (SOBREIRO,2016).
Os direitos individuais e coletivos são auferidos no art. 5º da Constituição em
seu Capítulo I do Título II, onde são asseguradas as garantias à esses direitos,
associados à liberdade de locomoção e à liberdade de ir e vir, salientam-se as
garantias(SOBREIRO,2016):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, àsegurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal; XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ouameaça a direito; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo o mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los,se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de gruposarmados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
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LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel3,4; LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dostratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988)
Esses incisos supracitados são relacionados de forma direta à integridade
física do cidadão, à liberdade de locomoção e a liberdade de ir e vir, pelo fato do
próprio legislador reconhecer o abuso de torturas, de força de prisões ilegais, da
força do Estado atentando contra a liberdade individual.(SOBREIRO,2016).
Segundo Badaró (2014, p.3): “Nesse rol, contudo, não é assegurado,
expressamente, o direito de qualquer pessoa presa ser levada, sem demora, ou
mais prontamente possível, perante uma autoridade judiciária, para que esta
verifique a legalidade de sua prisão”.
4.3 DA EFETIVIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL
A partir de 2011 foi gerada uma polêmica na alteração do Código de Processo
Penal, a qual foi apresentada no Senado Federal, que seria necessária uma
adequação do nosso país em relação aos tratados e convenções assim firmados por
ele.(ANDRADE e ALFLEN, 2016).
“Trata-se do Projeto de Lei do Senado nº 554, de 2011, que prevê a pronta apresentação de toda pessoa presa em flagrante à autoridade judicial, sob o argumento de que o Brasil é um dos poucos países da América Latina – quiçá, o único – a não contemplar tal direito em sua legislação. Seria, enfim, a inserção da audiência de custódia no cenário brasileiro, nome dado pela doutrina nacional ao ato em que haveria aquela apresentação”.(ANDRADE e ALFLEN,2016).
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O Projeto de Lei do Senado Federal ficou completamente estagnado por
manifestações contrárias e de apoio pelas instituições públicas e representativas da
sociedade civil. (ANDRADE e ALFLEN, 2016). As entidades de classe e que
representam os direitos humanos fizeram diversos pedidos de urgência para que
esse projeto fosse aprovado pelo Senado Federal.
Através desta indefinição o nosso Poder Judiciário resolveu emitir posições a
respeito do tema, pelos direitos e garantias que já são assegurados em nível
infraconstitucional e constitucional e também pelos tratados e convenções ratificados
pelo Brasil. Conforme asseveram Andrade e Alflen, 2016:
“... É possível afirmar que, entre os anos de 2014 e 2015, a não realização dessa audiência foi o carro-chefe das manifestações defensivas objetivando o relaxamento da prisão preventiva daqueles indivíduos que haviam sido presos em flagrante. Em uma situação isolada e de forma independente, o Tribunal de Justiça do Maranhão chegou a emitir uma resolução disciplinando a forma como deveria se dar aquele ato na capital do seu Estado”.(ANDRADE E ALFLEN, 2016).
O Conselho Nacional de Justiça, através do ministro e também presidente do
CNJ, Ricardo Lewandowski, lançou o projeto Audiência de Custódia, no dia 06 de
fevereiro de 2015, por haver esta realidade bipartida. O projeto piloto foi iniciado no
Estado de São Paulo (centro e zona sul), em parceria com o Ministério da Justiça e
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a título experimental. Hoje já é
aplicada em todo o Estado de São Paulo. (FREIRE, 2015).
A inserção da Audiência de Custódia gerou grandes impactos nas esferas da
Segurança Pública, em níveis estruturais, modificação de algumas rotinas que já
haviam sido consolidadas. Esperava-se uma forte resistência da polícia judiciária,
pelo fato da existência da deficiência histórica. (ANDRADE E ALFLEN, 2016).
Após a inserção da prática deste projeto-piloto junto ao Tribunal De São
Paulo, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) ajuizou ação de
inconstitucionalidade (ADI nº 5.240) contra a regulamentação administrativa emitida
por aquele Tribunal, onde foram traçadas as regras e procedimentos que deveriam
ser observados para a audiência de custódia naquele Estado. (ANDRADE e
ALFLEN, 2016).
Outros tribunais de Justiça estaduais aderiram também, paralelamente ao
projeto-piloto, os quais cada um expediu sua própria regulamentação, trazendo
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desta maneira divergências com o que havia sido apresentado pelo Poder Judiciário
do Estado de São Paulo. Um dos maiores problemas foi à existência de prazos
distintos para a apresentação do indiciado ao juiz, a maioria fixou 24 horas para
essa apresentação, mas uma pequena minoria fixou em 48 horas, causando uma
desigualdade de tratamento entre os condenados. (NOTÍCIAS, 2015).
O Projeto piloto da Audiência de Custódia se faz valer pela Resolução
213/2015. A seguir serãoexpostas informações a respeito da implantação das
audiências de custódia em todo o território brasileiro.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, por
maioria de votos, na sessão da data 20 de agosto de 2015, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5240) em que a Associação dos Delegados de Polícia do
Brasil (Adepol/Brasil) questionava a realização das chamadas “audiências de
custódia". (NOTÍCIAS, 2015). Essa ação foi questionada em conjunto com o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e da Corregedoria Geral da
Justiça.(NOTÍCIAS,2015).
Pelo entendimento dos ministros do STF, auferiram não ter havido nenhuma
inovação no ordenamento jurídico com a audiência de custódia já que o direito
fundamental do preso de ser levado sem demora à presença do juiz está previsto na
Convenção Americana de Direitos Humanos, internalizada no Brasil desde 1992,
bem como em dispositivos do Código de Processo Penal (CPP) brasileiro.
(NOTÍCIAS, 2015).
A ADEPOL afirmou que a audiência de custódia poder ter sido criada apenas
por lei federal e jamais por intermédio de tal provimento autônomo, já que a
competência para legislar sobre a matéria é da União, por meio do Congresso
Nacional. Segundo a ADEPOL informou também que essa norma, repercutiu
diretamente nos interesses institucionais dos delegados de polícia, cujas atribuições
são determinadas pela Constituição Federal em seu artigo 144, §§ 4º e 6º.
(NOTÍCIAS, 2015).
“Mas de acordo com o relator da ADI, ministro Luiz Fux, o provimento
questionado não regulou normas de Direito, nem interferiu na competência de outros
Poderes na medida em que apenas promoveu atos de autogestão do tribunal,
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estipulando comandos de mera organização administrativa interna”. (NOTÍCIAS,
2015).
O ministro Ricardo Lewandowski, o qual promove uma campanha no âmbito
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em defesa da realização das audiências de
custódia, ressaltou que o Brasil é o quarto país que mais prende pessoas no mundo,
ficando atrás dos Estados Unidos da América, da China e da Rússia.(NOTÍCIAS,
2015) “As audiências já estão sendo realizadas em 12 unidades da Federação e,
segundo o ministro Lewandowski, até o final do ano, ocorrerão em todo o País. “É
uma revolução”, afirmou o ministro ao ressaltar que metade dos presos
apresentados nestas audiências está obtendo relaxamento de prisão, em razão do
menor potencial ofensivo das condutas”.(NOTÍCIAS, 2015).O presidente da Corte
também destacou a economia para os cofres públicos, tendo em vista que um preso
custa em média R$ 3 mil mensais ao erário. Segundo ele, a realização das
audiências de custódia pode gerar uma economia mensal de R$ 360 milhões
quando implementadas em todo o País, perfazendo um total de R$ 4,3 bilhões por
ano, “dinheiro que poderá ser aplicado em serviços básicos para a população, como
saúde e educação”. (NOTÍCIAS, 2015).
Existe ainda no Brasil, uma grande resistência por parte da cultura jurídica,
política e administrativa do uso da prisão provisória e a aplicação das medidas
cautelares diversas da prisão em tratar e adotar a restrição de liberdade com a
devida excepcionalidade que a Constituição Federal impõe. (BALLESTEROS, 2016).
É possível verificar, de forma indicativa e exploratória, que diante das
audiências de custódia a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva,
que se mantinha em patamares muito elevados, mesmo com a Lei de Cautelares,
começa a ser reduzida, (BALLESTEROS, 2016) conforme dados a seguir: antes da
Lei de Cautelares no Estado do Rio de Janeiro tinha-se um percentual de 83,8%
dessas conversões, após a Lei de Cautelares, 72,3% e logo após a implementação
da audiência de custódia percebe-se uma redução em cima desse percentual, 57%.
Já no Estado de São Paulo não foi diferente essa redução, antes da Lei De
Cautelares 87,9%, após a Lei de Cautelares 61,3% e com a realização das
audiências de custódia 53%.(BALLESTEROS, 2016).
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“Os dados referentes às fases antes e após a Lei de Cautelares são oriundos
da publicação “Monitorando a aplicação da Lei de Cautelares e o Uso da Prisão
Provisória nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo” (ISDP e ARP, 2014); os
dados para a fase após a implantação das audiências de custódia no Rio de Janeiro
têm como fonte o 1º (2015) e 2º (2016) “Relatórios sobre o perfil dos réus atendidos
nas audiências de custódia”, da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (do total de
1011 casos para os quais houve informação a respeito da conversão em prisão
preventiva ou concessão de liberdade); e os dados para o momento após a
implantação das audiências de custódia em São Paulo são da publicação
“Monitorando as audiências de custódia em São Paulo” do IDDD (2016). Tendo em
vista a diversidade de fontes, a comparação deve servir apenas como indicativo para
uma tendência de queda na conversão dos flagrantes em prisões preventivas, cuja
confirmação deve se dar por meio de outras pesquisas mais padronizadas e
longitudinais.”(BALLESTEROS, 2016).
Segundo Ballesteros, 2016 também são possíveis aferir que as modificações
empreendidas no âmbito do sistema de justiça criminal são extremamente
relevantes e demandam esforço e vigilância contínua daqueles envolvidos em
garantir o melhor funcionamento e resultados.
A preocupação por melhores dados e informações para avaliar e aprimorar os
pontos críticos e fundamentais, assim como, o próprio acompanhamento dos órgãos
públicos e das organizações da sociedade civil sobre os impactos que as alterações
legislativas e operacionais feitas na esfera penal têm conseguido atingir são
importantes para que se possa realizar um balanço dos alcances atingidos pelas
audiências de custódia com a sua implementação. (BALLESTEROS, 2016).
Conforme dados retirados do CNJ, até abril de 2016, foram realizadas 74.864
audiências de custódia, sendo que 35.067 são casos que resultaram em liberdade
(46,84%) e 39.797 de casos que resultaram em prisão preventiva (53,16%).
(BALLESTEROS,2016).
A partir dos dados supracitados não é possível generalizar sobre o fracasso
ou sucesso das audiências de custódia no país, pois existe uma grande discrepância
entre as rotinas locais, seja porque cada um dos estados iniciou a implementação
45
dessas audiências em momentos distintos, seja porque do fluxo dos sistemas de
justiça criminal estaduais sejam diferentes um dos outros.(BALLESTEROS,2016).
Nos Estados do Amapá, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro
e Rio Grande do Norte, por exemplo, houve uma maior taxa de concessão de
liberdade do que conversão em prisão preventiva seria recomendável averiguar os
fatores que levaram a esses resultados, para que assim possam ser disseminados
por todos os outros estados que têm mantido altas taxas de
conversão.(BALLESTEROS, 2016). Em oposição a esses resultados observa-se
que:
Em alguns estados nem todas as pessoas presas em flagrante estão sendo
apresentadas às audiências de custódia, mesmo nos locais e para os
devidos crimes que essas audiências já estariam funcionando, onde existe
uma maior frustração da apresentação é de 30,20% no Ceará e de 25% no
estado do Rio Grande do Sul, ou ainda, em locais onde as audiências
ocorrem mesmo sem a presença do preso, principalmente nos casos em
que se encontram hospitalizados em decorrência de ferimentos resultantes
do ato da prisão.(BALLESTEROS, 2016).
A diferença da quantidade de audiências de custódia realizadas entre um
estado e outro são expostas pelo CNJ. A menor quantidade realizada é no estado de
Alagoas, com 99 audiências de custódia e a maior no Estado de São Paulo, por ter
sido pioneiro na implantação dessas audiências, com 28.431 realizadas. No estado
do Paraná totaliza um número de 8.175 audiências feitas.(NOTÍCIAS, 2016).
Há também que se considerar que, avançando no tema, o Conselho Nacional
de Justiça editou novas políticas judiciárias destinadas às audiências de custódia,
desenvolvendo o Sistema de Audiências de Custódia (Sistac), que servirá para
coletar e sistematizar as estatísticas referentes aos autos das prisões em flagrantes
e suas decorrências e permitirá registrar informações mais detalhadas sobre a
situação da pessoa presa e das circunstâncias da prisão; além de determinar que os
Grupos de Monitoramento e Fiscalização dos Tribunais de Justiça dos Estados, do
Distrito Federal dos Territórios e nos Tribunais Regionais Federais sejam os
responsáveis por, entre outras atribuições, “fiscalizar e monitorar a regularidade e
funcionamento das audiências de custódia, mantendo atualizado o preenchimento
do sistema correspondente” e “produzir relatório mensal sobre a quantidade de
prisões provisórias decretadas e acompanhar o tempo de sua duração nas varas
46
com competência criminal” (Resolução CNJ n. 214/2015, art. 6º, incisos XII e III apud
BALLESTEROS, 2016).
4.4 INSERÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ESTADO DO PARANÁ
No Brasil possuímos 26 Estados e um Distrito Federal, o Estado do Paraná foi
o sétimo a aderir o Projeto Audiência de Custódia do CNJ, “já desenvolvido em São
Paulo, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso e Rio Grande do
Sul”(FREIRE, 2015). O projeto foi marcado no Estado pela assinatura de dois
documentos:
“o primeiro é um termo de adesão do Tribunal de Justiça do estado do Paraná (TJPR) ao Termo de Cooperação firmado entre CNJ, Ministério da Justiça e Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), para regulamentação do projeto em escala nacional. O segundo documento é um termo de Cooperação Técnica entre o TJPR, o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública do estado e a OAB/PR voltado para a implantação do projeto no estado”. (NOTÍCIAS, 2015)
O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e também do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) participou no dia 31 de
julho de 2015 da audiência inaugural, que implantou o projeto Audiência de Custódia
no Estado do Paraná. A participação de representantes e chefes de diversos órgãos
também se fez presente. O juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior concedeu a
liberdade provisória à um jovem de 22 anos na audiência supracitada. Foi realizada
no próprio prédio anexo do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). (FREIRE,2015).
Em janeiro de 2016, no dia 15 foi inaugurado o novo Centro de Audiências de
Custódia de Curitiba, o qual contou com a presença do presidente do CNJ e STF,
ministro Ricardo Lewandowski, o presidente e também desembargador do TJPR,
Paulo Roberto Vasconcelos, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4º Região
(TRF 4), desembargador Luiz Fernando Wowk Penteado e o governador do Estado,
Beto Richa. (NOTÍCIAS, 2015).
Conforme notícia publicada no site do CNJ, esse novo centro está localizado
no antigo Presídio do Ahú:
“(...) tem aproximadamente 600 metros quadrados. A estrutura inclui uma área de segurança, para recepção do custodiando, duas salas de audiência, salas de assistência social, de medidas e penas alternativas e de monitoramento eletrônico, e gabinetes para promotores, magistrados,
47
advogados, defensores públicos, psicológicos e assistentes sociais que fazem parte do projeto. O local conta ainda com quatro celas, cada uma com capacidade para receber até oito pessoas. A reforma de alguns móveis e a pintura do local foram feitas por detentos”. (NOTÍCIAS, 2015).
Segundo o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior cerca de 20 flagrantes
são registrados por dia na Comarca de Curitiba.(NOTICIAS, 2015).O último
levantamento realizado pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias
(INFOPEN), mostra que o Estado do Paraná possui a quinta maior população
carcerária do país, com 28.702 presos, sendo que o percentual é de 49% presos
provisórios, ficando acima da média nacional que é de 41%. (FREIRE, 2015).
O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do CNJ e também presidente do
STF, acredita que o estado do Paraná possa economizar até R$ 75 milhões por ano
com a implantação do projeto Audiência de Custódia. Em reportagem ao Conselho
Nacional de Justiça afirma: “Se conseguirmos, com as audiências de custódia,
colocar em liberdade provisória mediante condições aqueles que não oferecem risco
à sociedade, haverá economia de R$ 75 milhões, o que não é desprezível”. Nos
estados em que a audiência de custódia foi implantada, obteve-se uma redução em
40% à 50% o número de presos provisórios. (FREIRE,2015).
Em concordância com a Resolução nº 213/2015 foram editadas duas
instruções normativas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a Instrução
Normativa que regulamenta o uso do monitoramento eletrônico, nº09/2015 e a
Instrução Normativa sobre o funcionamento da audiência de custódia, nº 03/2016.
(TJPR, 2016).
No âmbito da Justiça Federal, o estado do Paraná, em se tratando de
audiência de custódia, realizou a primeira audiência nessa jurisdição, no Municipio
de Foz do Iguaçu/PR, na data de 29 de outubro de 2015, com a presença do
Ministro Ricardo Lewandowski. (NOTÍCIAS,2015).
O Tribunal Regional Federal da 4º Região fez a publicação da Resolução
Conjunta, na data de 15 de abril de 2016, a qual alguns artigos merecem destaque:
Art. 1º. A realização da audiência de custódia no âmbito da Justiça Federal da 4ª Região, nos termos da Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, dar-se-á mediante a apresentação de pessoa detida em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, em até 24 (vinte e quatro) horas da comunicação do flagrante à autoridade judicial competente. (....)
48
§ 3º As audiências de custódia que excederem o período de 24 (vinte e quatro) horas da cientificação do Juízo deverão ser justificadascomunicadas à Corregedoria Regional em até 2 (dois) dias úteis, a contar também da ciência do magistrado acerca da autuação em flagrante. Art. 2º. As audiências serão realizadas, ordinariamente, das 11 às 18 horas, inclusive durante o recesso forense do Judiciário Federal, compreendido entre 19 de dezembro e 6 de janeiro. (. . . ) § 2º. Admite-se a adoção excepcional do sistema de videoconferência para a realização da audiência de custódia nos seguintes casos, devidamente justificados pelo magistrado: I- risco à preservação da segurança do preso ou dos agentes públicos envolvidos com a realização do ato; II- inviabilidade operacional do deslocamento da pessoa detida à sede do Juízo, bem como do magistrado até o local em que custodiado o flagrado. Art. 3º. A presidência da audiência de custódia caberá, em regra, ao juiz da Subseção Judiciária a que distribuído o auto de prisão em flagrante. Art. 4º. Incumbe à Secretaria do Juízo responsável pela audiência, previamente à sua realização: I- na hipótese de inoperância do sistema Eproc, ocorrendo a comunicação da prisão em flagrante por meio de ofício em meio físico, certificar o horário preciso de seu recebimento; II- oficiar à autoridade policial para apresentação do preso no local, data e horário designados pelo juiz, salientando que a escolta deverá dar-se por agentes diversos daqueles que efetuaram a prisão; (. . . ) Art. 7º. Na hipótese de concessão da liberdade provisória, com ou sem aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, o juiz determinará, em audiência e sem retorno do autuado à delegacia, a imediata expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não se encontrar preso. § 1º Entendendo o magistrado pela utilização do sistema de vigilância telemática posicional (”tornozeleira eletrônica“), o preso deverá ser imediatamente encaminhado para a instalação do equipamento, obedecida a regulamentação específica (Provimento CORREG/TRF4 nº 46, de 08 de março de 2016). § 2º A conversão do flagrante em segregação preventiva durante a audiência deverá ser imediatamente comunicada, através dos meios oficiais, às autoridades competentes. (. . . )
Essa resolução do TRF permite que a audiência de custódia seja realizada
por videoconferência, caso exista inviabilidade do deslocamento do preso e também
por qualquer risco que exista em relação aos envolvidos. Considera também o prazo
de 24(vinte e quatro) horas, contados da ciência pelo juízo que for competente.
49
5 EXPOSIÇÃO DE JURISPRUDÊNCIAS RELACIONADAS À AUDIÊNCIA DE
CUSTÓDIA
A Audiência de Custódia pode ser feita através de videoconferência e por
utilização de gravação audiovisual, de direito às partes todo o conteúdo dos atos
processuais. Reclamação provida pelo Relator Cesar Laboissiere Loyola.
RECLAMAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. JUNTADA DE MÍDIA QUE CONTENHA GRAVAÇÃO AUDIOVISUAL AOS AUTOS DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE. DIREITO DAS PARTES DE ACESSO AOS ATOS PROCESSUAIS. DEVIDO PROCESSO LEGAL. GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. RECLAMAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. 1. A audiência de custódia, introduzida no ordenamento interno do TJDFT, através da Portaria Conjunta nº 101, de 07 de outubro de 2015, visa garantir ao preso sua apresentação à autoridade judicial competente no prazo de 24 horas, objetivando o controle da legalidade e da necessidade da prisão, bem como resguardar a integridade física e psíquica do detido. 2. O artigo 11,§§ 1º e 2º, do referido ato normativo dispõe acerca da possibilidade de utilização do sistema de gravação audiovisual nas audiências de custódia, e que, nesses casos, a ata de audiência, juntamente com a mídia, será anexada ao auto de prisão em flagrante e encaminhada ao juízo criminal competente. 3. Constitui direito das partes o acesso ao conteúdo dos atos processuais pretéritos à ação penal, tendo em vista o princípio da publicidade dos atos processuais, insculpido no inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal, só podendo ser restringido quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. 4. Reclamação conhecida e provida.(TJ-DF - PET: 20150020326944, Relator: CESAR LABOISSIERE LOYOLA, Data de Julgamento: 18/02/2016, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 29/02/2016 . Pág.: 332)
Toda pessoa presa em flagrante tem direito à passar pela Audiência de
Custódia, na situação abaixo o relator não propôs a audiência, denegando a
solicitação e assim ferindo o principio da dignidade da pessoa humana e indo contra
o conteúdo dos pactos internacionais de quais o Brasil é signatário.
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE POR INOBSERVÂNCIA DO PRECEITO CONTIDO NO § 1º DO ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E POR AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. PRISÃO PREVENTIVA. INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA. O decreto da prisão preventiva está devidamente fundamentado, tendo sido a custódia determinada para a garantia da ordem pública. Os vícios eventualmente existentes em procedimento policial ou administrativo, sejam eles irregularidades ou mesmo nulidades, não contaminam a ação penal, vez que uns ou outros se consubstanciam, para fins de propositura da ação penal, em peças simplesmente informativas. Além do mais, deparando o órgão do Ministério Público com peças de informação que comprovem a existência de crime e indícios da sua autoria, cabe-lhe oferecer a denúncia, eis que, nesta fase, vigora o princípio in dubio pro societate. Ainda que se tenha notícia da recentíssima implementação das audiências de custódia no Estado de São Paulo, onde o projeto piloto está sendo desenvolvido, não há que se falar, na hipótese, em ilegalidade da prisão do paciente por tal
50
fundamento, tendo em vista que, embora o Brasil seja signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto de San José da Costa Rica , ainda não há regulamentação acerca da realização das audiências nos tribunais pátrios. Por fim, cabe registrar que a hipótese não comporta a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, eis que a custódia do paciente se faz plenamente necessária, uma vez que adequada à gravidade do crime e às circunstâncias dos fatos. ORDEM DENEGADA. (TJ-RJ - HC: 00052083820158190000 RJ 0005208-38.2015.8.19.0000, Relator: DES. ANTONIO EDUARDO FERREIRA DUARTE, Data de Julgamento: 10/03/2015,QUARTA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/03/2015 15:23)
Na decisão abaixo o acórdão decidiu por não fazer a audiência de custódia, a
qual deveria ter sido realizada. A celeridade do processo penal deve ser aplicada
nas audiências para que assim se reduza a quantidade de existências futuras de
ações penais.
DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em julgar procedente o pedido, confirmando a liminar deferida. EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO MAJORADO. ART. 157, § 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NÃO REALIZADA.DESCUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO Nº 144/2015 - O.E.CENTRAL DE AUDIÊNCIA IMPLEMENTADA NO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. PEDIDO PROCEDENTE, COM A CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR.a) Esta Corte, antecipando-se ao prazo estipulado pelo Conselho Nacional de Justiça (arts. 15 e 17, da Resolução nº 213/2015), criou por meio da Resolução nº 144/2015, que entrou em vigor em 20.10.2015, a Central de Audiências de Custódia para realizar o referido ato quando da análise dos autos de prisão em flagrante provenientes das Delegacias e Departamentos de Polícia Judiciária do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. b) Assim, está configurado o constrangimento ilegal decorrente da não realizada da referida audiência. (TJPR - 3ª C.Criminal - HCC - 1502409-2 - Curitiba - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - - J. 10.03.2016) (TJ-PR - HC: 15024092 PR 1502409-2 (Acórdão), Relator: Rogério Kanayama, Data de Julgamento: 10/03/2016, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1769 30/03/2016)
A partir da concessão por unanimidade de votos na situação abaixo para a
Audiência de Custódia, percebe-se que faz valer a lei e fazendo prevalecer os
direitos e garantias do cidadão.
DECISÃO: ACORDAM os Senhores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conceder parcialmente a ordem, nos termos do voto do Relator. EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO DE DROGAS - ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 - PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA - AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA - MODULAÇÃO DOS EFEITOS - DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA CUSTÓDIA NA MESMA OPORTUNIDADE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO MARCADA PARA O PRÓXIMO DIA 08 DE OUTUBRO - CUSTÓDIA CAUTELAR - MOTIVAÇÃO IDÔNEA - INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA - APLICAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DO ART. 319 DO CPP - INVIABILIDADE - ORDEM CONHECIDA E PARCIALMENTE CONCEDIDA POR
51
UNANIMIDADE. 1. Em sede de modulação de efeitos, entendo que o magistrado deve aproveitar a ocasião da audiência de instrução e julgamento já designada para o próximo dia 08 de outubro, para realização da audiência de custódia, oportunidade em que deverá rever a necessidade da prisão preventiva, e analisar de forma fundamentada o não cabimento de outra medida cautelar, prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal, tendo em vista os critérios de necessidade e adequação. (TJPR - 5ª C.Criminal - HCC - 1420573-3 - Paranaguá - Rel.: José Laurindo de Souza Netto - Unânime - - J. 17.09.2015) (TJ-PR - HC: 14205733 PR 1420573-3 (Acórdão), Relator: José Laurindo de Souza Netto, Data de Julgamento: 17/09/2015, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1656 25/09/2015)
Na situação, abaixo, mais uma vez faltou atenção do poder judiciário em
realizar a Audiência de Custódia, para que houvesse dignidade no julgamento do
indiciado.
HABEAS CORPUS - ROUBO MAJORADO - RELAXAMENTO DA PRISÃO PREVENTIVA - AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA - NULIDADE - HIPÓTESE NÃO VISLUMBRADA - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - PRESENÇA DOS ELEMENTOS ENSEJADORES DA CUSTÓDIA CAUTELAR - DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. Embora reconheça a importância da audiência de custódia, entendo que a sua não realização não torna a prisão ilegal, pois o artigo 306 do Código de Processo Penal, em consonância com a Constituição Federal, é capaz de fiscalizar eventual cerceamento à liberdade, visto que o juiz deve ser comunicado da prisão no prazo de 24 horas. A decretação da custódia cautelar, independentemente de qualquer providência cautelar anterior, apenas deverá ocorrer em situações absolutamente necessárias, a saber, caso se encontre provada a presença dos requisitos do art. 312 do CPP, quais sejam, risco à ordem pública, econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar o cumprimento da lei penal, aliada às circunstâncias do art. 313 do CPP. Se o MM. Juiz fundamenta a decisão com as suas razões de decidir se sustentando em dados concretos dos autos demonstrando a necessidade da segregação, não há que se falar em constrangimento ilegal.(TJ-MG - HC: 10000160001897000 MG, Relator: Paulo Cézar Dias, Data de Julgamento: 09/03/2016, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/03/2016)
52
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, em se tratando de matéria penal e processual penal,
percebe-se uma certa carência em relação aos comandos constitucionais, dentro do
nosso país, consequência esta, da presença de medidas cautelares extremas em
que requerem um rompimento do “status libertatis”, necessitando desta forma um
melhor acompanhamento da evolução da Ciência do Direito.
Por ser revestida de forma processual penal e também possuir força
constitucional, a Audiência de Custódia é um ato de natureza cautelar, assecuratória
e também extraprocessual e deve ser aplicada de maneira a freiar, dentro dos
limites, o exercício dom poder punitivo.
O Projeto Audiência de Custódia encontra-se em estágio inicial, mas já é
possível perceber os resultados positivos em relação ao não retardamento das
apreciações judiciais, decorrentes da privação de liberdade, sendo derivadas de
pena definitiva, prisões cautelares ou flagrante delito.
O objeto desse trabalho foi analisar a Audiência de Custódia de uma forma
completa, desde sua origem até seu cumprimento dentro do teor constitucional,
juntamente com as considerações das convenções internacionais.
O Poder Judiciàrio tem o dever de tutelar os direitos dos cidadãos,
estrangeiros e incapazes por ser a última instância de acesso, podendo ocorrer uma
deturpação em relação às garantias processuais constitucionais ao se tratar de um
desenfreado sistema prisional brasileiro. Competendo ao Poder Executivo a
incumbência de acolher de forma digna a comunidade carcerária.
Ao constatar insuficiência de regulamentação aos possuidores de foro por
atribuição de função, da liberdade de prazos, de ausências referentes às exigências
que são vinculadas aos tribunais que tratam de matérias específicas e até da Corte
Suprema, percebe-se que ainda há muito o que se trabalhar e estudar em relação à
Audiência de Custódia.
53
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