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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ CASSIANO ROSSETIM RODRIGUES AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

CASSIANO ROSSETIM RODRIGUES

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A

DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

CURITIBA

2018

CASSIANO ROSSETIM RODRIGUES

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A DIMINUIÇÃO DA

POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Prof. Luís Roberto de Oliveira Zagonel.

CURITIBA

2018

TERMO DE APROVAÇÃO

CASSIANO ROSSETIM RODRIGUES

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A

DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção de grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, de de 2018.

Bacharelado em Direito. Universidade Tuiuti do Paraná

______________________________________________________

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

_______________________________________

Orientador: Prof. Luís Roberto de Oliveira Zagonel.

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

_________________________________________

Examinador: Prof. (a). Dr. (a).

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

___________________________________________

Examinador: Prof. (a). Dr. (a).

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

AGRADECIMENTOS

Agradeço de coração à minha mãe, Jucilene Aparecida Rossetim, e a minha avó materna, Tereza Leal de Paula, por todo apoio e contribuição que proporcionaram para que eu pudesse realizar este sonho.

Ao meu querido tio Giovani Charles Rossetim, que ajudou muito na minha

formação e na pessoa que hoje me tornei. A todos os meus familiares que me incentivaram e motivaram para que eu

chegasse até o fim deste ciclo. À Universidade Tuiuti do Paraná – UTP, direção, seu corpo docente e

administração. Agradeço muito a meu orientador Prof. Luís Roberto de Oliveira Zagonel, por

seus ensinamentos, paciência e dedicação. Por fim, agradeço a todos os professores do curso, por terem tido um papel

fundamental e de suma importância em minha vida acadêmica.

DEDICATÓRIA

À minha mãe por todo amor e comprometimento.

À minha querida Camila Gaidex.

Ao meu orientador e aos meus mestres, por toda sua dedicação e ensinamentos transmitidos.

Ao meu tio por todos os seus ensinamentos.

RESUMO

O presente trabalho tem a finalidade de analisar a contribuição da audiência de custódia para a redução da população carcerária. O trabalho é dividido em cinco capítulos, sendo o primeiro o que dá a introdução; o segundo aborda as garantias constitucionais; o terceiro conceitua as prisões cautelares, presentes em nosso ordenamento jurídico; o quarto realiza uma análise da audiência de custódia no Brasil; e o quinto apresenta as considerações finais.

Palavra-chave: audiência de custódia; redução; população carcerária.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................8

2 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS...........................................................................10

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .......................................... ..10

2.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA......................................................11

2.3 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA............................................................................12

3 PRISÕES CAUTELARES.........................................................................................15

3.1 CONCEITO DE PRISÃO........................................................................................15

3.2 ESPÉCIES DE PRISÃO CAUTELAR.....................................................................15

3.2.1 Prisão em flagrante...............................................................................................17

3.2.2 Prisão temporária..................................................................................................20

3.2.3 Prisão preventiva...................................................................................................21

4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL............................................................24

4.1 ORIGEM E OBJETIVO............................................................................................24

4.2 PROCEDIMENTO...................................................................................................25

4.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL...............................................................................28

4.4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A DIMINUIÇÃO DA

POPULAÇÃO CARCERÁRIA.........................................................................................32

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................34

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1 INTRODUÇÃO

Em 1922 o Brasil se tornou signatário Pacto Internacional dos Direitos Civis

e Políticos, o qual trouxe a garantia de qualquer pessoa presa ou encarcerada em

virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz,

para que lhe sejam seguros os seus direitos.

Neste mesmo ano, o Brasil também se tornou signatário do Pacto de São

José da Costa Rica, que também impunha o dever de garantir a apresentação de

qualquer pessoa presa a presença de uma autoridade judicial.

Foi a partir deste momento em que surgiu o dever de implementar a

audiência de custódia, mas que, no entanto, só veio a se concretizar em 2015,

através da parceria entre o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de

São Paulo.

Audiência de custódia tem importante papel para a garantia dos direitos das

pessoas que foram presas em flagrante delito, uma vez que irá averiguar vários

quesitos até que se conclua por sua liberdade, conversão em prisão em preventiva,

medidas cautelares diversas e encaminhamento assistencial/social.

É através da audiência de custódia que o indivíduo preso terá o seu primeiro

contato com a autoridade judiciária, podendo levar a seu conhecimento qualquer

violência que sofreu no ato da prisão, o que traz, sem sobram de dúvidas, maior

segurança para integridade física do acusado.

Mas a audiência de custódia não trouxe só benefícios para os acusados,

trouxe também grandes mudanças para uma questão que a muito tempo é discutida

no Brasil, a qual seja, a superlotação do sistema carcerário, quem vem se tornando

cada vez mais caótica, visto que há muito tempo o número de presos superou o

número de vagas para eles disponíveis.

Desse modo, o presente estudo tem como objetivo analisar a contribuição

que a audiência de custódia traz para redução da população carcerária no Brasil,

fazendo uma análise dos tratados internacionais que trouxeram o dever de sua

implementação.

Busca-se, ainda, verificar os princípios que a permeiam, bem como realizar

um estudo das prisões cautelares que a ensejam e as resultantes dela.

Irá ser realizada também, uma análise da origem do tema, de seu

procedimento e do resultado obtidos até agora, com base nos dados fornecidos pelo

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Conselho Nacional de Justiça, além buscar analisar a jurisprudência para mostrar

como foram dirimidas as controvérsias sobre o tema.

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2 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Este é um dos princípios basilares de nossa atual Constituição Federal/88,

tendo sua origem ao longo da história e sendo incorporada desde nossa primeira

Carta Magna, ocorrendo sua inserção no artigo 1º de nossa atual Constituição da

Republica, o qual trás vários fundamentos, sendo um deles a dignidade da pessoa

humana:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Gustavo Tepedino (2001, p. 500) explica a importância de tal princípio para o

nosso País:

A dignidade da pessoa humana torna-se o objetivo central da República, funcionalizando em sua direção a atividade econômica privada, a empresa, a propriedade, as relações de consumo. Trata-se não mais do individualismo do 16 século XVIII, marcado pela supremacia da liberdade individual, mas de um solidarismo inteiramente diverso, em que a autonomia privada e o direito subjetivo são remodelados em função dos objetivos sociais definidos pela Constituição e que, em última análise, voltam-se para o desenvolvimento da personalidade e para a emancipação do homem.

Embora não seja tipicamente penal, a dignidade da pessoa humana permeia

todo o ordenamento jurídico e tem influência tanto no Direito Penal quanto no Direito

Processual penal. Isso ocorre pelo fato de que este princípio eleva indivíduo como o

limite e fundamento do domínio político da República, sendo um complexo de

direitos e deveres fundamentais que garantem ao indivíduo a sua não submissão a

atos que sejam degradantes e desumanos, lhe assegurando que tenha as condições

mínimas para sua existência, bem como o controle sobre sua própria vida e de sua

relação com os demais indivíduos da sociedade.

Quando ligado ao Direito Penal e Processual Penal, este princípio remete

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diretamente as aplicações das penas pelo Estado, garantindo que não sejam

aplicadas penas cruéis, como por exemplo, a pena de morte, prisão perpetua e

aplicações de tortura, ou seja, se tornou um mediador entre a pretensão punitiva do

Estado e a liberdade individual do individuo.

É deste princípio que decorrem vários outros princípios basilares de nosso

ordenamento jurídico, sendo um deles o princípio da humanidade, princípio este que

segundo o Mestre André Estefam (2012, p. 130), impõe que:

As normas penais devem sempre dispensar tratamento humanizado aos sujeitos ativos de infrações penais, vedando-se a tortura, o tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III), penas de morte, de caráter perpétuo, cruéis, de banimento ou de trabalhos forçados (CF, art. 5º, XLVII).

Assim, este princípio/direito garante a todos os indivíduos o respeito à

essência humana, impedindo qualquer abuso por parte do Estado, bem como a

devida aplicação de penas que não violem este princípio basilar do Estado

Democrático de Direito.

2.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Este princípio foi incorporado ao direito brasileiro a partir de sua ratificação

1948, quando houve a Declaração dos Direitos Humanos, a qual afirmou em seu

décimo primeiro artigo que:

Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Hoje a previsão deste princípio está em nossa Constituição Federal de 1988,

em seu artigo 5º, LVII, o qual estabelece que “ninguém será considerado culpado até

transito em julgado de sentença penal condenatória”.

Este princípio é um dos quais que servem de base para nosso ordenamento

jurídico, vez que garante ao acusado de um crime que seja mantido seu estado de

inocência, até que sobrevenha ou não uma sentença condenatória transitada em

julgado.

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Este princípio também tem interferência direta no ônus da prova dentro

Processo Penal, uma vez que enquanto o acusado goza do estado de inocência, ele

será presumidamente inocente, cabendo à parte que o acusa provar a veracidade

dos fatos e a culpabilidade do agente.

Nesse sentido expõe o Professor Aury Lopes JR (2016, p. 96) sobre a

dimensão interna da presunção de inocência:

Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – inicialmente – ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?).

É importante destacar que somente após o transito em julgado de uma

condenação é que será extinta a presunção de inocência, ou seja, por mais que

exista sentença condenatória, qualquer possibilidade de interposição de recurso

ainda mantém a presunção de inocência do acusado.

No entanto, com o fim da possibilidade da interposição de recursos o

acusado poderá ser considerado culpado, conforme ponderam Alexandre Cebrian

Araújo Reis e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2012, p. 77):

Apenas quando não forem cabíveis mais recursos contra a sentença condenatória é que o réu poderá ser considerado culpado. Referido princípio, como se verá não é absoluto, pois a própria Constituição permite a prisão provisória antes da condenação, desde que preenchidos os requisitos legais (art. 5º, LXI).

Assim, o princípio da ampla defesa se mostra intimamente ligado ao direito

do acuso em realizar sua defesa diante dos fatos que lhe foram imputados.

2.3 PRINCÍPIO AMPLA DEFESA

Este princípio tem previsão no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal

de 1988, o qual enuncia que “aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e

aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes”.

Norberto Avena (2015, p. 390) explica que:

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Desta garantia inserta ao texto constitucional outras decorrem e estão previstas na própria Carta Magna, como o dever estatal de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (art. 5.", LXXIV), ou na legislação infraconstitucional, como a ordem estabelecida para a prática dos atos processuais, garantindo-se à defesa manifestar-se sempre após a acusação [...]. Observe-se que a ampla defesa não significa que esteja o acusado sempre imune às consequências processuais decorrentes da ausência injustificada a audiências, do descumprimento de prazos, da desobediência de formas processuais ou do desatendimento de notificações judiciais.

É necessário destacar que o presente principio não se confunde com o

princípio do contraditório, uma vez que o primeiro se destina a resguarda o direito de

defesa do acusado e o segundo é uma garantia que detém as partes em um

processo.

Também se faz necessário destacar que o princípio da ampla defesa é o

cerne de um processo penal justo, garantindo a ambas as partes à possibilidade de

apresentarem argumentos em seu favor e demonstrá-los, dentro do tempo

processual oportuno, sendo possível verificar a ligação entre este princípio e os

princípios da igualdade e contraditório.

Dentro do processo penal, existem duas possibilidades de exercício da

ampla defesa, sendo possível a defesa técnica e também a autodefesa. Nesse

sentido expõe Edilson Mougenot Bonfim sobre defesa técnica:

A defesa técnica é aquela exercida em nome do acusado por advogado habilitado, constituído ou nomeado, e garante a paridade de armas no processo diante da acusação, que, em regra, é exercida por um órgão do Ministério Público. A defesa técnica é indisponível. Caso o réu não possa contratar um advogado, o juiz deverá nomear para sua defesa um advogado dativo, ou, quando possível, determinar que assuma a defesa um defensor público. (2016, p. 95)

Ainda Edilson Mougenot Bonfim (2016, p. 96) sobre a autodefesa:

A autodefesa é exercida diretamente pelo acusado. É livremente dispensável, e tem por finalidade assegurar ao réu o direito de influir diretamente na formação da convicção do juiz (direito de audiência) e o direito de se fazer presente nos autos processuais (direto de presença). Assim, também, a necessidade de que o acusado seja interrogado presencialmente, conforme o preceito do art.185 do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade.

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Este princípio é de suma importância para que processo acusatório seja livre

de cerceamento de defesa, sendo garantido a partes a possibilidade de apresentar

suas teses defensivas livremente, sobre tudo, é de suma importância para o

acusado, uma vez que isso garante sua possibilidade de obter sua absolvição.

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3 PRISÕES CAUTELARES

3.1 CONCEITO DE PRISÃO

Na doutrina brasileira existem vários conceitos de prisão, sendo algumas

mais especificas e outras um tanto quanto genéricas. Mas entendimento pacífico é

que prisão é quando o individuo é recolhido ao cárcere e é aplicada a restrição a sua

liberdade, sendo uma medida imposta pelo Estado diante da pratica de uma infração

penal.

Nesse sentido Fernando da Costa Tourinho Filho conceitua prisão como

sendo:

A supressão da liberdade individual, mediante a clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir, e, tendo em vista a prisão em regime aberto e a domiciliar, podemos definir a prisão como a privação, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatória. (2012, p. 429)

Nesta mesma direção temos o conceito do ilustre Fernando Capez (2010, p.

296), o qual diz que prisão é “[...] a privação da liberdade de locomoção determinada

por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito”.

Para a doutrina pátria existem duas modalidades de prisão, sendo a primeira

a prisão-pena e a segunda prisão sem pena. Para Edilson Mougenot Bonfim (2016,

p. 571), prisão-pena:

[...] é a que decorre de sentença condenatória transitada em julgado, que aplica pena privativa de liberdade. Em nosso sistema, A prisão-pena somente existe no âmbito do direito penal, sendo, portanto, de afirmar que a prisão-pena no Brasil é aquela decorrente de sentença condenatória penal transitada em julgado. .

Para o presente trabalho, as prisões sem pena são as que têm maior

relevância, tendo em vista que as prisões cautelares guardam relação direta com a

audiência de custódia.

3.2 ESPÉCIES DE PRISÃO CAUTELAR

Diferente do que vemos no Processo Civil, no Processo Penal não existe um

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processo cautelar para garantir o devido prosseguimento de uma investigação sem

interferência do investigado, ou a prisão dele pela natureza do crime que praticou,

por exemplo. No entanto, existem outras medidas para garantir que a investigação

seja efetiva, sem interferências.

Estas medidas são conhecidas como prisões cautelares e estão previstas no

artigo 282 e seguintes do Código de Processo Penal. Cada espécie de prisão

cautelar tem um objeto específico, como por exemplo, a prisão preventiva que

poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, ou

quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

As prisões cautelares gozam de quatro características muito especificas,

sendo elas a provisoriedade, a revogabilidade, substitutividade e a excepcionalidade:

A) A provisioriedade serve para assegurar que as prisões cautelares tenham um

período de duração especifico, com o objetivo de assegurar o devido

prosseguimento da investigação, sendo certo que elas não podem ser definitivas.

B) A Revogabilidade diz respeito à possibilidade de revogar a prisão cautelar a

qualquer tempo, desde que ela não se faça mais necessária no caso concreto, ou

seja, desde que não exista mais o requisitos para que seja mantida sua imposição.

C) Já em relação à substitutividade, está diz respeito à possibilidade de

substituição de uma medida cautelar por outra, possibilidade que poderá ocorrer a

qualquer tempo se necessária.

D) A excepcionalidade das prisões cautelares, diz respeito ao caráter

excepcional da mediada aplicada, uma vez que as medidas cautelares têm como

objetivo restringir garantias e liberdades individuais consagradas em nossa

constituição.

Além destas características, é de extrema importância ressaltar que para

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ocorra uma prisão cautelar é necessário que se tenha a existência do fumus comissi

deliciti, que é a probabilidade da ocorrência do delito, que para sua caracterização,

bem como o periculum in libertatis, que representa a demonstração do risco a

liberdade do agente, conforme ensina Edilson Mougenot Bonfim:

[...] devem ser constatados os indícios de autoria (aferíveis caso a caso, conforme prudente arbítrio do magistrado) e a razoável suspeita da ocorrência do crime. Ou seja, cobra-se a existência de um lastro probatório mínimo sobre a existência do crime e do elemento subjetivo do mesmo (dolo ou culpa). [...] periculum in mora [...] consiste na demonstração do efetivo risco da liberdade e irrestrita do agente, assegurando-se o resultado prático do processo. [...] Portanto, a presença do fumus comissi delicti e do periculum in libertatis, em tese, torna-se possível a imposição da medida cautelar. Frise-se que a existência de apenas um dos requisitos não justificava a imposição das medidas, de modo que ambos devem estar cumulativamente presentes no caso em tela, conforme já decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao constatar a presença dos fumus comissi delicti, mas não o do periculum in libertatis, relativa à imprescindibilidade da medida. (2016, p. 544-546)

Em nosso ordenamento jurídico existem quatro espécies de prisão cautelar,

sendo elas a prisão preventiva (do artigo 311 ao 316 do CPP), a prisão temporária

(prevista na Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989) e a prisão em flagrante (do

artigo 301 ao 310 do CPP), as quais serão estudas adiante.

3.2.1 Prisão em flagrante

A prisão em flagrante tem sua menção na Constituição Federal, em seu

artigo 5º, LXI, o qual diz que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por

ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos

de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

A sua previsão no Código de Processo Penal está no artigo 302, o qual diz

que será considerado flagrante delito quem estiver cometendo uma infração penal,

ou quem acaba de cometê-la, além de quem é perseguido, logo após, pela

autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir

ser autor da infração ou é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas,

objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

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I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Trata-se de uma modalidade de prisão cautelar que impõe a restrição

imediata à liberdade de alguém que esteja praticando uma infração penal ou tenha

acabado de praticá-la. Dentre seus objetivos, estão evitar à consumação ou

exaurimento do delito, a fuga de quem o praticou, além de garantir integridade do

acusado e a da vítima.

Conforme Edilson Mougenot Bonfim (2016, p. 582), prisão em flagrante:

[...] é aquela realizada nas hipóteses legalmente previstas como tal. De acordo com o art. 302 do CPP, podem ser preso em flagrante não só quem está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la, como aquele que já praticou, nas circunstâncias ali especificadas.

Umas das particularidades da prisão em flagrante, é que além das

autoridades policiais e seus agentes, qualquer pessoa do povo poderá prender quem

quer que seja encontrado em flagrante delito, conforme o artigo 301 do Código de

Processo Penal:

Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

Nesse sentido, traz Alexandre Cebrian Araújo e Victor Eduardo Rios

Gonçalves (2012, p. 459):

O art. 301 do Código de Processo Penal trata deste tema dispondo que qualquer do povo pode prender quem se encontre em flagrante delito enquanto as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de fazê-lo. Daí por que a doutrina passou a distinguir as modalidades de flagrante obrigatório e facultativo. [...] Em regra, qualquer pessoa que se encontre em uma das situações elencadas no art. 302 do Código de Processo Penal pode ser presa em

flagrante. Existem, porém, algumas importantes exceções.

As exceções mencionadas pelo Autor referem-se, por exemplo, ao

presidente da república, senadores, deputados federais, candidatos, advogados e

menores de idade.

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Existem três qualificações do flagrante delito, sendo elas o flagrante próprio,

impróprio e presumido. O primeiro é o que está previsto nos incisos I e II do artigo

302, do Código de Processo Penal, sendo o momento em que o acusado está

praticando o delito ou acabou de cometê-lo. Já em relação ao segundo, é a situação

prevista no inciso III do artigo 302, do Código de Processo Penal, em que o agente é

perseguido, logo após o fato, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa,

em situação que faça presumir ser autor da infração.

No que diz respeito ao flagrante presumido, é a situação prevista no inciso

IV do artigo 302, do Código de Processo Penal, onde o agente é encontrado, logo

depois do fato, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser

ele autor da infração.

Também há de se destacar a existência de hipóteses em que o flagrante

delito não é válido, sendo elas o flagrante preparado e o forjado, que nas palavras

de Edilson Mougenot Bonfim (2016, p. 584-585) ocorrem:

[...] quando a autoridade instiga a prática de um crime, de maneira que este é cometido preponderantemente em razão de sua atuação. Para tais situações, estabelece a Súmulas 145 do Supremo Tribunal Federal que “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A hipótese não configura, destarte, flagrante delito, mas sim crime impossível por obra de agente provocador. [...] nas hipóteses em que a polícia ou terceiros forjam elementos probatórios, dispondo-os de maneira a induzir a autoridade em erro, com o intuito de incriminar determinada pessoa, causando sua prisão. Aqui não se pode falar em flagrante, uma vez que este pressupõe um crime que, no caso, não existe.

Em resumo, o flagrante delito pode ocorrer quando o agente incorre nas

hipóteses do artigo 302 do Código de Processo Penal, devendo ele ser conduzido a

autoridade judicial para averiguar irregularidades no ato da prisão, como por

exemplo, o flagrante preparado e o forjado.

Caso ocorra a constatação pelo Magistrado de ilegalidade na prisão em

flagrante, deverá realizar o relaxamento, conforme determina o artigo 5º, LXV, da

Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

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[...] LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

Caso se constado que a prisão em flagrante está dentro da legalidade e

preenche os requisitos, poderá o Magistrado, se entender necessário, converter a

prisão em flagrante em preventiva, servindo-se do artigo 312, do Código de

Processo Penal. Outra possibilidade é a concessão da liberdade provisória, que

poderá ser concedida quando o Magistrado não ver necessidade em manter a

prisão.

3.2.2 Prisão temporária

A prisão temporária é uma espécie de prisão cautelar e tem a sua

regulamentação por lei própria, a qual é a Lei nº 7.960/89. Trata-se de uma prisão

que tem como objetivo “assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar

de apuração de infração penal de natureza grave” (NUCCI, 2012, p. 585).

Tal prisão cautelar poderá ser decretada no curso do inquérito policial

podendo ser requerida pelo Ministério Público e por representação da autoridade

policial, mas não poderá ser decretada de ofício pelo Magistrado.

O artigo 1º da Lei nº 7.960/89 estabelece em quais casos poderá ser

decretada a prisão temporária, nos seguintes termos:

Art. 1° Caberá prisão temporária: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) sequestro ou cárcere privado; c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante sequestro; f) estupro, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

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m) genocídio, em qualquer de suas formas típicas; n) tráfico de drogas; o) crimes contra o sistema financeiro; p) crimes previstos na Lei de Terrorismo.

Importante destacar que a prisão temporária tem como regra a duração de

cinco dias, podendo ser prorrogada por mais cinco dias, caso seja comprovada a

sua necessidade, conforme o artigo 2º da Lei nº 7.960/89. O prazo para sua

duração não poderá durar por tempo indeterminado, caso perdure por tempo

superior ao permitido ocorra constrangimento ilegal.

Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

No entanto, caso a investigação trade de crimes hediondos, tortura, tráfico

de drogas e terrorismo, poderá o prazo da prisão temporária ser de trinta dias,

também prorrogável por igual período, caso também seja comprovada a sua

necessidade, conforme se verifica na jurisprudência abaixo:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRISÃO TEMPORÁRIA DECRETADA POR 30 DIAS. PRORROGAÇÃO POR IGUAL PERÍODO. DECISÃO FUNDAMENTADA COM BASE NO ARTIGO 1º, INCISOS I E III, ALÍNEA „A‟, DA LEI N.º 7.960/1989. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Havendo fundadas razões de ser o paciente autor dos crimes de homicídio e estupro de vulnerável praticados contra a própria filha, uma criança de apenas 03 anos de idade, e mostrando-se a constrição imprescindível para as investigações do inquérito policial, deve ser a decisão que decretou a prisão temporária pelo prazo de trinta dias, bem como a decisão que prorrogou a medida por igual período, mormente diante da notícia de que testemunhas estão sendo coagidas. 2. Presentes os requisitos autorizadores da prisão temporária, não existe ilegalidade a ser sanada. 3. Ordem denegada.

Caso tenha decorrido o prazo máximo para a permanência do acuado no

cárcere, este deverá ser posto de imediato em liberdade pela autoridade policial

coatora, independentemente da expedição de alvará de soltura, o que caso não

venha a ocorrer, dará ensejo a impetração de habeas corpus.

3.2.3 Prisão preventiva

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A prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar e tem sua previsão

no Código de Processo penal do artigo 311 ao 316, tendo como objetivo de garantir

a ordem pública, a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou

para assegurar a aplicação da lei penal, conforme explica Edilson Mougenot Bonfim

(2016, p. 598):

Prisão preventiva é a modalidade de prisão provisória, decretada pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, por representação do delegado de polícia ou de ofício, em qualquer momento da persecução penal, para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Como bem ressaltado pelo autor acima mencionado, a prisão preventiva

poderá ser decretada a qualquer tempo, seja no curso do inquérito policial ou da

ação penal. Qualquer das partes pode requere-la, sendo possível o requerimento do

querelante, do assistente de acusação, do Ministério Público, da autoridade policial e

de ofício pelo Magistrado, conforme se verifica no artigo 311 do Código de Processo

Penal:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

No artigo 313 do Código de Processo Penal estão previstas as possiblidades

em que poderá ocorrer a prisão preventiva, sendo que houver falta de motivo para

que se mantenha a prisão, deverá o Magistrado revogá-la, conforme determina o

artigo 316 do Código de Processo Penal:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei n

o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

23

Art. 316. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Para que sua decretação seja possível, também é necessário que seja

constado a existência do periculum libertatis e o fumus commissi delicti, uma vez

que se trata de prisão cautelar. Também poderá ocorrer a sua manutenção, caso o

Magistrado assim entenda em sua sentença, conforme esclarece Aury Lopes JR.

Assim, na sentença condenatória, o juiz deve, fundamentadamente, analisar a necessidade ou não de imposição/manutenção da prisão preventiva, seguindo a lógica do art. 312 (risco de fuga). É uma prisão cautelar e exige a demonstração do periculum libertatis, pois condenação o fumus commissi delicti está mais do que demonstrado. O que importa é a lógica cautelar desenhada pela prisão preventiva e seu art. 312. Portanto, nenhuma relevância tem o fato de o réu ser reincidente ou primário, pois o que legitima a prisão é sua natureza cautelar e a existência de periculum

libertatis (aqui o risco de fuga). (2016, p. 686):

O prazo de duração da presente medida poderá ser de no máximo cento e

vinte dias, prorrogáveis por igual período, caso seja constada a complexidade da

causa ou pelo fato protelatório realizado pelo Réu, conforme estabelecido na Lei

12.850/2013, em seu artigo 22:

Art. 22. Os crimes previstos nesta Lei e as infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário previsto no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), observado o disposto no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. A instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.

Aqui também deverá ser revogada a prisão do acusado, caso o prazo

máximo para a sua permanência em cárcere ultrapasse o prazo legal sem nenhuma

justificativa, havendo justificativa para manutenção da prisão, está poderá exceder

os limites ficados em lei.

Insta ressaltar, que a prisão preventiva não serve com cumprimento da

pena, uma vez que deve ser respeitado o princípio da presunção de inocência, o

qual seria violado com tal entendimento.

24

4 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO BRASIL

4.1 ORIGEM E OBJETIVO

A Audiência de Custódia teve seu primeiro respaldo legal no ano de 1992,

quando o Brasil se tornou signatário da Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos, também conhecido como o Pacto de São José da Costa Rica.

O Referido pacto dispõe em seu artigo 7.5 desta Convenção que:

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

No mesmo ano em que o Brasil se tornou signatário da Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos, também se tornou signatário do Pacto

Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sendo que neste pacto também há a

previsão de qualquer pessoa presa ou encarcerada deve ser apresentada a uma

autoridade judicial, conforme se verifica no seu artigo 9.31:

ARTIGO 9 [...] 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

Em que pese o Brasil ter se tornado signatário de dois tratados

internacionais com tal previsão, somente a mais de 20 anos depois é que foi

implementado um mecanismo pelo qual sejam cumpridos os termos em que o País

se comprometeu.

Foi somente em fevereiro de 2015, com a iniciativa do Conselho Nacional de

Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo,

1 BRASIL, UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos 10 de dezembro 1948. Acesso em 15 jan. 2018.

Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>.

25

é que foi lançado o projeto da Audiência de Custódia, sendo reguladas por meio da

resolução nº 213 de 2015.

Desde então, a Audiência de Custódia vem sendo implementada em todos

os Estados do País, com mais de 258.485 audiências realizadas em todo território

nacional.

A audiência de custódia tem como objetivo garantir que qualquer pessoa que

seja detida em virtude de um flagrante delito seja apresentada em até 24 horas

perante um juiz, para que este avalie a legalidade e necessidade da prisão,

conforme ensina Paiva:

O conceito de custódia se relaciona com o ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal (2010, p. 37):

A audiência de custódia traz relevantes mudanças, uma vez que é um meio

pelo qual pode-se garantir os direitos do acusado, possibilitando o contraditório e

buscando aplicar a lei penal e processual penal de modo eficiente.

4.2 PROCEDIMENTO

O procedimento da audiência de custódia se inicia com a prisão em flagrante

de um indivíduo que incorreu nos casos previstos no artigo 302, do Código de

Processo Penal:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Com a apreensão do acusado, deve ser lavrado o auto de prisão em

flagrante e agendada pela autoridade policial, no prazo de 24 horas, a apresentação

26

do autuado a uma autoridade judiciária, para que sejam assegurados os seus

direitos, conforme se verifica em seu artigo primeiro da resolução nº 213 de 2015 do

Conselho Nacional de Justiça:

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Ressalta-se, que nesta mesma fase deverá ocorrer a intimação do Ministério

Público e do advogado de defesa, caso esteja constituído, ou intimação de defensor

público.

Depois de autuado o flagrante e agendada a apresentação do acusado a

autoridade judiciária, o autuado deverá ser submetido ao exame clínico de corpo de

delito, e após, encaminhado ao centro de detenção provisória até que sua audiência

seja realizada.

Durante a realização da audiência de custódia, ocorrerá a manifestação do

Ministério Público, a entrevista com o acusado e em seguida ocorrerá à

manifestação da defesa, dando assim, efetividade ao princípio do contraditório,

conforme Diovaner Menezes Pires, sob orientação de Raíssa Pacheco Siqueira

Mendes, destacou em seu artigo científico sobre a audiência de custódia:

O ato que era praticado somente pelo magistrado, sem a participação dos atores processuais (Ministério Público e Defesa), agora é obrigatória à participação destes, dando efetividade ao art. 282, §3º, do CPP, no sentido de que o contraditório legitima o ato decisório, uma vez que pode acolher e rejeitar os argumentos, conta com a efetiva participação dos agentes processuais

2. (2016, p. 14)

Após as manifestações e oitiva do acusado, o Magistrado poderá decidir

pelo relaxamento da prisão, se constatada que foi ilegal, conceder liberdade

provisória, com ou sem fiança, substituir a prisão em flagrante por medidas

cautelares diversas, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, aplicar

mediação penal ou outros encaminhamentos de natureza assistencial, conforme

determina o artigo 310 e incisos, do Código de Processo Penal:

2PIRES, Diovaner Menezes Pires. Audiência de Custódia. Acesso em 27 de fev. de 2018. Disponível em:

<http://nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/documentos/artigos/b81a0fbe58059c14f3bc9ce95556fa92.pdf>.

27

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). I - relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei n

o 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -

Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Nada impede que o Magistrado que realizou a audiência de custódia seja o

mesmo responsável pela investigação criminal, conforme dispõe Thiago André

Pierobom de Ávila:

Não vemos qualquer problema no fato de a audiência de custódia ser realizada perante o mesmo juiz responsável pela fase da investigação criminal. Isso porque a oitiva do preso RIL Brasília a. 53 n. 211 jul./set. 2016 p. 301-333 317 na audiência de custódia não é um ato de investigação, mas de exercício de autodefesa perante a autoridade judiciária que deverá decidir sobre a manutenção ou não de sua custódia. Em verdade, o ideal é que a audiência de custódia fosse sempre perante o juiz natural da fase investigativa, quando não for final de semana; todavia, diante da previsível dificuldade de conciliar tal procedimento com as agendas dos Juízos, também não se vislumbra qualquer ilegalidade na realização da audiência de custódia de acordo com o sistema de plantão. (2016, p. 316-317):

Importante destacar que na audiência de custódia não deverá ser abordado

o mérito da causa, mas somente as questões objetivas da prisão e subjetivas do

acusado, conforme ressalta Toscano Jr.:

[...] na audiência de custódia não se aborda questão de mérito, senão a instrumentalidade da prisão e a incolumidade e a segurança pessoal do flagranteado, quando pairam indícios de maus-tratos ou riscos de vida sobre a pessoa presa. Não é o contato pessoal do juiz com o preso que o contamina. O distanciamento que é contamina de preconceitos, no sentido de conceitos prévios, sem maiores fundamentos. A presença do preso permite avaliar muito melhor o cabimento ou não da prisão. Traz a faticidade

3.(2015)

3 TOSCANO JR., Rosivaldo. Muito mais que Uma Audiência de Custódia. Acesso em 06 de mar. De 2018.

Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/muito-mais-que-uma-audiencia-de-custodia-por-rosivaldo-toscano-jr/>.

28

Com a efetivação deste procedimento, será assegurado ao acusado todos

os seus direitos e garantias legais, trazendo inúmeros benefícios para o acusado e

até mesmo para o sistema carcerário.

4.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

A jurisprudência vem discutindo vários pontos controvertidos sobre a

audiência de custódia, o que mostra a necessidade da analise destes julgados para

o esclarecimento do tema em questão.

Grande parte dos julgados, discute sobre a ausência da realização da

audiência de custódia, conforme se passa a analisar.

Na decisão do Habeas Corpus abaixo, constata-se que não ocorreu a

realização da audiência de custódia e houve a conversão da prisão em flagrante em

preventiva, o que levou o nobre julgador a conceder a ordem e revogar a prisão

preventiva ou a substituir por medidas cautelares diversas, uma vez que é imperioso

a realização da audiência e não existem motivos idôneos para excluir o paciente da

apresentação à autoridade judiciária:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO MAJORADO. ART. 157, § 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NÃO REALIZADA.DESCUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO Nº 144/2015 - O.E.CENTRAL DE AUDIÊNCIA IMPLEMENTADA NO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. PEDIDO PROCEDENTE, COM A CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR.a) Esta Corte, antecipando-se ao prazo estipulado pelo Conselho Nacional de Justiça (arts. 15 e 17, da Resolução nº 213/2015), criou por meio da Resolução nº 144/2015, que entrou em vigor em 20.10.2015, a Central de Audiências de Custódia para realizar o referido ato quando da análise dos autos de prisão em flagrante provenientes das Delegacias e Departamentos de Polícia Judiciária do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. b) Assim, está configurado o constrangimento ilegal decorrente da não realizada da referida audiência. (TJPR - 3ª C.Criminal - HCC - 1502409-2 - Curitiba - Rel.: Rogério Kanayama - Unânime - - J. 10.03.2016)

4

Em relação as prisões em flagrante em que o acusado não foi submetido a

realização da audiência de custódia no período em que ela ainda não havia sido

instituída, entendeu o Desembargador Roberto de Vicente que na época da prisão a

4 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Habeas Corpus nº 1.502.409-2. Acesso em 26 de mar. de

2018. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil>.

29

audiência de custódia não era ainda um procedimento padrão, mas sim um

instrumento em fase de implantação, motivo pelo qual não existe ilegalidade na

prisão:

APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓRIA. DESCABIMENTO .NA DATA DA HOMOLOGAÇÃO DO FLAGRANTE AINDA NÃO HAVIA SIDO INSTALADO SEQUER O CENTRO DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA DE CURITIBA, O QUE SOMENTE VEIO A OCORRER EM 18.12.2015 .ASSIM, QUANDO FOI HOMOLOGADO O FLAGRANTE DO RÉU AINDA NÃO HAVIA MEIOS DE SE REALIZAR AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA .AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS NOS AUTOS. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DE CONDUTA, PELO FATO DA ARMA ESTAR DESMUNICIADA, DESCABIDA, VEZ QUE O AUTO DE EXAME DE EFICIÊNCIA DE ARMA DE FOGO DEMONSTROU QUE A ARMA ESTAVA APTA A EFETUAR DISPAROS. SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.RECURSO DESPROVIDO (TJPR - 2ª C. Criminal - AC - 1499032-4 - Foz do Iguaçu - Rel.: Roberto De Vicente - Unânime - - J. 01.09.2016)

5

Nesse mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO CRIMINAL. DELITO PREVISTO NO ARTIGO 157, § 2º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DELITO PREVISTO NO ARTIGO 224-B DA LEI N° 8.069/90. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL REQUERENDO A CONDENÇÃO PELA CORRUPÇÃO DE MENORES. RECURSO DEFENSIVO PLEITEANDO, PRELIMINARMENTE, A NULIDADE DO FEITO ANTE A NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E ENTREVISTA PESSOAL COM O DEFENSOR PÚBLICO ANTES DA DEFESA PRÉVIA E, NO MÉRITO, A ABSOLVIÇÃO PELA FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. 1. Quanto a não realização da Audiência de Custódia, em que pese a previsão na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, a realização da Audiência de Custódia, por não possuir previsão legal infraconstitucional, carece de obrigatoriedade, não sendo, portanto, causa de nulidade.

6

Outro ponto controvertido que foi discutido nos tribunais é em relação ao

arquivamento de inquérito policial na audiência de custódia, o que segundo o julgado

a baixo não pode ocorrer, uma vez que o juízo da central de audiência de custódia

não tem competência para tal:

5 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Criminal de nº 1499032-4. Acesso em 26 de

mar. de 2018. Disponível em: < https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/389447006/apelacao-apl-14990324-pr-1499032-4-acordao/inteiro-teor-389447014?ref=juris-tabs>. 6 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n.º 04025336820148190001. Acesso em 16

de mar. de 2018. Disponível em: <https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/275017152/apelacao-apl-4025336820148190001-rj-0402533-6820148190001>.

30

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL EM AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA - IMPOSSIBILIDADE - AFRONTA ÀS RESOLUÇÕES 213/2015 DO CNJ E 144/2015 DO OETJPR - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA CENTRAL DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA PARA PROMOVER O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO. CONFLITO PROVIDO. (TJPR - 3ª C.Criminal em Composição Integral - CC - 1558258-4 - Curitiba - Rel.: Antonio Carlos Choma - Unânime - - J. 09.03.2017)

Em cada estado do Brasil o seu respectivo Tribunal de Justiça deve

estabelecer a regular a audiência de custódia por meio de uma resolução, que

servirá para dirimir controvérsias, por exemplo, em relação a competência para

realizar juízo de retratação em recurso em sentido estrito contra decisão do juízo da

vara de audiência de custódia, que no caso do Estado do Ceará, foi atribuída

competência restritiva a vara de audiência de custódia para que somente realize a

audiência, devendo ser realizado o juízo de retração pelo juízo no qual foi

redistribuído o caso:

PENAL. PROCESSO PENAL. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. DÚVIDA ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA REALIZAR JUÍZO DE RETRATAÇÃO EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DE SOLTURA PROFERIDA PELO JUÍZO DA VARA DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. RESOLUÇÃO N. 14/2015 DO TJCE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. De acordo com a Resolução nº 14/2015 TJCE, a competência do juízo da Vara de Audiências de Custódia é bastante restrita, encerrando-se justamente com o final da audiência, conforme dispôs o art. 5º, parágrafo único, da Resolução em comento. Após, é necessária a redistribuição do feito, cabendo o seu regular processamento à vara para a qual o mesmo foi destinado, estando aí inclusa a deliberação para futuras decisões referentes à prisão, já que agora é este o novo juízo competente da causa. A 17ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE teve sua competência alterada para passar a exercer, em caráter privativo e exclusivo no âmbito de sua jurisdição, as atribuições relativas à realização de audiências de custódia, conforme art. 7ª da Resolução nº 14/2015. Assim, se este e. Tribunal, por meio da referida resolução, restringiu a competência da aludida vara para a realização de audiências de custódia, vedando qualquer decisão posterior, nos termos do já colacionado art. 5º, parágrafo único da Resolução nº 14/2015, extrai-se que o juízo suscitante não poderia deliberar sobre posteriores pedidos, ainda que referentes à decisão atinente à prisão em flagrante. Sob este fundamento, tem-se que o exercício de juízo de retratação em recurso em sentido estrito também é matéria não atinente à competência do juízo da Vara de Audiência de Custódias e sim do juízo para o qual o feito foi redistribuído. Ademais, importante salientar que tal disposição não vai de encontro ao teor do art. 589 do Código de Processo Penal, pois o mesmo, em momento algum, restringe a competência da realização do aludido juízo de retratação ao juiz prolator da decisão. De fato, consta que "o feito será concluso ao juiz, que reformará ou sustentará o seu decisum". Contudo, a interpretação não pode ser feita de forma unicamente literal, devendo-se levar em consideração também a vontade da lei ao incluir tal dispositivo no ordenamento jurídico. Sendo assim, realizando-se uma interpretação teleológica, extrai-se que o

31

que o Código de Processo Penal quis fazer ao atribuir efeito regressivo ao recurso em sentido estrito foi permitir ao juízo a quo que reanalisasse a decisão antes do feito ser encaminhado à instância ad quem para julgamento, o que evitaria o processamento de um recurso e a consequente postergação do feito, pois a possível ilegalidade seria sanada ainda em 1º grau. De certo, o juiz que prolatou a decisão é quem, preferencialmente, teria o condão de reanalisá-la e decidir por manter ou modificar a mesma. Contudo, em algumas hipóteses, tal não será possível, como quando o magistrado não tiver mais competência para atuar naquele feito específico, tendo-se aí casos de remoção, promoção e, no presente caso, vedação expressa por parte de ato normativo do Tribunal, o que ensejaria, consequentemente, a realização do juízo de retratação pelo magistrado agora competente para dirimir o feito. Se assim não fosse e caso houvesse a necessidade de seguir à risca o procedimento do art. 589, CPP, o juiz que, por exemplo, concedeu a liberdade provisória de um réu na vara da qual era titular e que, posteriormente, fosse removido, deveria ser perseguido aonde quer que estivesse para que realizasse juízo de retratação em recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público contra a aludida soltura, o que se mostraria descabido, já que o magistrado não mais seria competente para tal ato, pois mesmo a jurisdição sendo una, é delimitada pela competência. Precedentes. Existindo restrição da competência do juízo da Vara de Audiências de Custódias, com vedação expressa à tomada de qualquer decisão posterior ao seu exaurimento (que se dá com a realização da aludida audiência), entendo que cabe ao juízo suscitado, qual seja, o da 18ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza/CE, realizar o procedimento do art. 589 do Código de Processo Penal, podendo manter ou reformar a decisão de soltura mediante substituição do ergástulo por cautelares diversas, proferida pelo Juízo da Vara de Audiência de Custódia. EXISTÊNCIA DE POSICIONAMENTO DIVERSO POR PARTE DA 2ª CÂMARA CRIMINAL DO TJCE. RELEVÂNCIA DA QUESTÃO JURÍDICA. NECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO DO ÓRGÃO ESPECIAL DESTE TRIBUNAL PARA SE EVITAR FUTURAS DIVERGÊNCIAS. ART. 29, IV DO REGIMENTO INTERNO DESTA CORTE. Compulsando o sistema de consulta processual deste Tribunal, vislumbra-se que existe precedente em sentido contrário ao aqui exposto, oriundo da 2ª Câmara Criminal desta e. Corte, por meio do qual restou consignada a competência da 17ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza – Vara de Audiências de Custódia, para exercer juízo de retratação em caso semelhante ao aqui tratado. (Proc. nº 0001607-84.2015.8.06.0000). Desta forma, tem-se que se mostra necessária a remessa destes autos ao Órgão Especial deste Tribunal de Justiça para que se pronuncie, em razão da relevância da questão - que trata sobre competência, tendo esta caráter objetivo - com o fito de que se evitem futuras divergências entre as Câmaras Criminais, consoante dispõe o art. 29, IV, do RITJCE. CONFLITO CONHECIDO E PROVIDO. DE OFÍCIO, REQUERIDA A REMESSA DO FEITO AO ÓRGÃO ESPECIAL DESTE TRIBUNAL. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Conflito de Jurisdição, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer e declarar competente o juízo suscitado da 18ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, para realizar o procedimento contido no art. 589 do CPP. De ofício, requerida a remessa do feito ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos termos do voto do Relator. Fortaleza, 1 de março de 2016 MARIA EDNA MARTINS Presidente do Órgão Julgador em exercício DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Relator.

7

7 JUSBRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Conflito de Competência de nº 0000038-

14.2016.8.06.0000. Acesso em 26 de mar. de 2018. Disponível em: <https://tj-ce.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/310581374/conflito-de-jurisdicao-cj-381420168060000-ce-0000038-1420168060000/inteiro-teor-310581385?ref=juris-tabs#>.

32

Assim, verifica-se que a jurisprudência pátria vem contribuir para a melhor

aplicação da audiência de custódia, eliminando suas controvérsias e aplicando-a de

modo mais efetivo.

4.4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO FERRAMENTA PARA A

DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Conforme os dados que são fornecidos pelo sítio do Conselho Nacional de

Justiça, desde a implementação da Audiência de Custódia até Junho de 2017, foram

realizadas 258.485 Audiências de Custódia.

De todas as Audiências realizadas, 115.497 (44,68%) audiências resultaram

em liberdade, 142.988 (55,32%) resultaram na decretação de prisão preventiva e

27.669 (10,70%) resultaram no encaminhamento social/assistencial. Estes dados

mostram de forma clara que a audiência tem sido efetiva na análise de forma rápida

dos casos que lhe são apresentados8.

Além da apresentação a uma autoridade judicial e a análise do caso com

uma resposta rápida, também foi possível verificar quando o individuo preso em

flagrante sofreu violência no ato de prisão, sendo que conforme os dados

apresentados, em 12.665 (4,90%) das audiências realizadas foram relatados caso

de violência.

Assim, olhando através dos presentes dados, constata-se que quase

metade de todas as prisões em flagrante que ocorrem no brasil até julho de 2017

resultaram em liberdade, sendo visível a quantidade de pessoas que deixaram de ir

para a carceragem.

Com a redução do número de prisões em flagrante que resultam em prisão

preventiva, proporciona-se um alívio para o sistema carcerário brasileiro, evitando o

aumento descomunal da população carcerária.

Conforme os danos fornecidos pelo CNJ, até 2014 haviam 2.634

8 CNJ. Audiência de Custódia. Dados Estatísticos / Mapa de Implantação. Acesso em 26 de mar. de 2018.

Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/sistema-carcerario-e-execucao-penal/audiencia-de-custodia/mapa-da-implantacao-da-audiencia-de-custodia-no-brasil>.

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estabelecimentos penais no Brasil, com suporte para 407.945 vagas, mas contendo

674.754 presos, ou seja, em 2014 já existia um déficit de 266.809 vagas no sistema

carcerário nacional.9

Ressalta-se que de toda essa população carcerária, 247.482 são presos

temporários, 309.932 são presos em regime fechado, 104.315 são presos em regime

semiaberto, 9.292 são presos em regime aberto e 3.140 estão cumprindo medida de

segurança.

Portanto, é de fácil constatação que a implementação da audiência de

custódia traz inúmeros benefícios não só para redução da população carcerária no

Brasil, mas também para a garantia dos direitos de todas as pessoas que são presas

em flagrante.

9 CNJ. Dados das Inspeções nos Estabelecimentos Penais. Acesso em 28 de mar. de 2018. Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo tem como objetivo verificar se a audiência de custódia

contribui para redução da população carcerária.

Tema esse que encontra respaldo em vários pactos internacionais, sendo os

principais o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São

Jose da Costa Rica, em que o Brasil se tornou signatário, trazendo para o nosso

ordenamento jurídico o dever de garantir a apresentação de toda e qualquer pessoa

à uma autoridade judiciária, quando presa em flagrante, para que lhe sejam

assegurados todos os seus direitos, inclusive seja realizada a análise de ilegalidade

no momento da prisão.

Efetivamente, a audiência de custódia resguarda vários direitos e princípios

consagrados por nossa constituição, o que mostra o quão importante foi para nosso

sistema processual penal, além de proporcionar segurança a todas as pessoas

presas em flagrante delito.

O tema apresenta vários pontos interessantes, tendo em vista que foi

recentemente implementado no País, bem como também apresenta algumas

controvérsias, muitas delas resolvidas por nossos Tribunais de justiça.

A audiência de custódia vem de fato contribuído muito para redução da

população carcerária, uma vez que realiza de forma rápida e eficiente todos os

pontos para que seja decreta a liberdade em um sentido geral, ou a manutenção da

prisão.

No entanto, não se pode imaginar que somente a audiência de custódia

resolva todo o problema da superlotação nos presídios, vez que tem a sua aplicação

limitada aos flagrantes delitos, existindo ainda inúmeras mudanças a serem

realizadas para que o sistema carcerário Brasileiro se veja desafogado.

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