audiência 3 de novembro de 2010 - catequese do papa - margarida de oingt, uma santa actual

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  • 8/8/2019 Audincia 3 de Novembro de 2010 - Catequese do Papa - Margarida de Oingt, uma santa actual

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    Catequese do Papa: Margarida de Oingt, uma santa actual

    Interveno na audincia geral de hoje

    CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 3 de Novembro de 2010 (ZENIT.org) Apresentamos, a seguir, a catequese dirigida pelo Papa aos grupos deperegrinos do mundo inteiro, reunidos na Sala Paulo VI para a audincia geral.

    ***Queridos irmos e irms:

    Com Margarida de Oingt, de quem eu gostaria de vos falar hoje, entramos naespiritualidade cartusiana, que se inspira na sntese evanglica vivida eproposta por So Bruno. No conhecemos a sua data de nascimento, aindaque alguns a situem por volta de 1240. Margarida provm de uma poderosafamlia da nobreza antiga do Lyonnais, o s Oingt. Sabemos que a sua metambm se chamava Margarida, que tinha dois irmos (Guiscardo e Lus) e trsirms (Catarina, Isabel e Ins). Esta ltima a seguir ao mosteiro, na Cartuxa,sucedendo-a depois como priora.

    No temos notcias sobre a sua infncia, mas, pelos seus escritos, podemosintuir que transcorreu tranquila, num ambiente familiar afectuoso. De facto, paraexpressar o amor sem limites de Deus, ela valorizava muito as imagens ligadas famlia, com particular referncia s figuras do pai e da me. Numameditao sua, diz assim: "Muito doce Senhor, penso nas graas especiais queme deste por tua solicitude: antes de tudo, como me protegeste desde a minhainfncia e como me afastaste do perigo e me chamaste a dedicar-me ao teusanto servio, como provieste em todas as coisas que me eram necessriaspara comer, beber, vestir e calar, e o fizeste de tal forma que no tive ocasiode pensar em todas estas coisas, a no ser na tua grande misericrdia"(Margherita d'Oingt, Scritti spirituali, Medi tazione V, 100, Cinisello Balsamo1997, p. 74).

    Sempre nas suas meditaes, intumos que entrou na Cartuxa de Polenteinsem resposta ao chamamento do Senhor, deixando tudo e aceitando a severaregra cartusiana, para ser totalmente do Senhor, para estar se mpre com Ele.Ela escreve: "Doce Senhor, eu deixei o meu pai, a minha me, os meus irmose todas as coisas deste mundo pelo teu amor; mas isso pouqussimo, porqueas riquezas deste mundo no so seno espinhos que espetam; e quanto maisas possumos, mais somos infortunados. E por isso me parece no ter deixadooutra coisa seno misria e pobreza; mas Tu sabes, doce Senhor, que se eu

    possusse mil mundos e pudesse dispor deles segundo a minha vontade, nome consideraria saciada enquanto no Te tivesse a Ti, porque Tu s a vida daminha alma; no tenho nem quero ter pai e me fora de Ti" (ibid., MeditazioneII, 32, p. 59).

    Tambm da sua vida na Cartuxa temos poucos dados. Sabemos que em 1288ela se converteu na quarta priora, cargo que manteve at a sua morte, ocorridaem 11 de Fevereiro de 1310. Dos seus escritos, contudo, no se desprendemviradas particulares no seu itinerrio espiritual. Ela concebe toda a vida como

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    um caminho de purificao at configurao plena com Cristo. Ele o livroque se escreve, que incide diariamente no prprio corao e na prpria vida,em particular a Sua paixo salvadora. Na obra Speculum, Margarida, referindo -se a si mesma em terceira pessoa, sublinha que, por graa do Senhor, "haviagravado no seu corao a santa vida que Deus Jesus Cristo levou na terra, osSeus bons exemplos e a Sua boa doutrina. Ela tinha colocado to be m o doceJesus Cristo no seu corao, que lhe parecia inclusive que este estivessepresente e que tivesse um livro fechado na sua mo, para instru-la" (ibid., I, 2-3, p. 81). "Neste livro, ela encontrava escrita a vida que Jesus Cristo levou naterra, desde o Seu Nascimento at Sua Ascenso ao Cu" (ibid., I, 12, p. 83).

    Cada dia, desde a manh, Margarida dedica-se ao estudo deste livro. E,quando o observou bem, comea a ler o livro na sua prpria conscincia, quemostra as falsidades e as mentiras da sua prpria vida (cf. ibid., I, 6-7, p. 82);escreve sobre si mesma para ajudar os demais e para fixar maisprofundamente no seu prprio corao a graa da presena de Deus, isto ,para fazer que em cada dia a sua existncia esteja marcada pela confrontaocom as palavras e aces de Jesus, com o Livro da vida d'Ele. E isso para quea vida de Cristo seja impressa na sua alma de forma estvel e profunda, atpoder ver o Livro no seu interior, ou seja, at contemplar o mistrio de DeusTrindade (cf. ibid., II, 14-22; III, 23-40, p. 84-90).

    Atravs dos seus escritos, Margarida oferece-nos alguns resqucios sobre asua espiritualidade, permitindo-nos captar alguns traos da sua personalidadee dos seus dons de governo. uma mulher muito culta; escreve habitualmenteem latim, a lngua dos eruditos, mas tambm escreve em franco-provenal, oque tambm raro: os seus escritos so, assim, os primeiros, dos que se temmemria, redigidos nessa lngua. Ela vive uma existncia rica em experinciasmsticas, descritas com simplicidade, deixando intuir o inefvel mistrio deDeus, sublinhando os limites da mente para apreend-lo e a inadequao dalngua humana para exprimi-lo. Tem uma personalidade linear, simples, aberta,de doce carga afectiva, de grande equilbrio e agudo discernimento, capaz deentrar nas profundezas do esprito humano, de descobrir os seus limites, assuas ambiguidades, mas tambm as suas aspiraes, a tenso da alma atDeus. Mostra uma destacada aptido para o governo, conjugando a suaprofunda vida espiritual mstica com o servio s irms e comunidade . Nestesentido, significativo um trecho de uma carta ao seu pai. Ela escreve: "Meudoce pai, comunico que me encontro to ocupada com as necessidades danossa casa, que no me possvel aplicar o esprito em bons pensamentos; defacto, tenho tanto a fazer, que no sei para que lado ir. No recol hemos trigono stimo ms do ano e as nossas vinhas foram destrudas pela tempestade.

    Alm disso, a nossa igreja encontra-se em to ms condies, que nos vemosobrigados a reconstru-la em parte" (ibid., Lettere, III, 14, p. 127).

    Uma monja cartusiana descreve assim a figura de Margarida: "Atravs da suaobra, revela-se uma personalidade fascinante, de inteligncia viva, orientada especulao e, ao mesmo tempo, favorecida por graas msticas: numapalavra, uma mulher santa e sbia que sabe expressar com certo humor umaintensa afectividade espiritual" (Una Monaca Certosina, Certosine, enDizionario degli Istituti di Perfezione, Roma 1975, col. 777). No dinamismo da

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    vida mstica, Margarida valoriza a experincia dos afectos naturais, purificadospela graa, como meio privilegiado para compreender mais profundamente eseguir com mais prontido e ardor a aco divina. O motivo reside no facto deque a pessoa humana criada imagem de Deus e por isso chamada aconstruir, com Deus, uma maravilhosa histria de amor, deixando-se envolver totalmente pela sua iniciativa.

    O Deus Trindade, o Deus amor que se revela em Cristo fascina-a, e Margaridavive uma relao de amor profunda com o Senhor e, por contras te, v aingratido humana at vileza, at ao paradoxo da cruz. Ela afirma que a cruzde Cristo parecida com a mesa do parto. A dor de Jesus comparada deuma me. Escreve: "A me que me carregou no ventre sofreu fortemente aodar-me luz, durante um dia ou uma noite, mas tu, dulcssimo Senhor, por mimfoste atormentado no uma noite ou um dia, mas durante mais de 30 anos (...).Quo amargamente sofreste por minha causa durante toda a vida! E quandochegou o momento do parto, o Teu trabalho foi to doloroso, que o Teu santosuor se converteu em gotas de sangue que se derramavam por todo o Teucorpo at ao cho" (ibid., Meditazione I, 33, p. 59). Margarida, evocando osrelatos da paixo, contempla estas dores com profunda compaixo. Diz: "Fostedepositado no duro leito da cruz, de forma que no podias mover-Te, virar-Teou agitar os Teus membros, como costuma fazer um homem que sofre umagrande dor, porque foste completamente estendido e Te crucificaram compregos (...); foram lacerados todos os Teus msculos e as Tuas veias (...). Mastodas essas dores (...) ainda no Te bastavam, tanto que quiseste que o Teulado fosse aberto pela lana to cruelmente, que o Teu dcil corpo foitotalmente arado e desgarrado; e o Teu sangue brotava com tanta violncia,que formava um longo caminho, quase como se fosse uma grande corrente".Referindo-se a Maria, afirma: "No era de maravilhar-se que a espada que Tedesfez o corpo penetrasse tambm no corao da Tua gloriosa me, que tantoqueria sustentar-Te (...), porque o Teu amor foi superior a todos os demaisamores" (ibid., Meditazione II, 36-39.42, p 60s).

    Queridos amigos, Margarida de Oingt convida-nos a meditar diariamente sobrea vida de dor e de amor de Jesus e da sua Me, Maria. Aqui est a nossaesperana, o sentido do nosso existir. Da contemplao do amor de Cr isto por ns nascem a fora e a alegria de responder com o mesmo amor, colocando anossa vida ao servio de Deus e dos demais. Com Margarida, dizemostambm ns: "Doce Senhor, tudo o que realizaste, por amor a mim e a todo ognero humano, leva-me a amar-Te, mas a lembrana da Tua santssimapaixo d um vigor sem igual minha potncia de afecto para amar-Te. Por isso me parece (...) ter encontrado o que tanto desejei: no amar outra coisa a

    no ser Tu, em Ti ou por amor a Ti" (ibid., Meditazione II, 46, p . 62). primeira vista, esta figura cartusiana medieval, como toda a sua vida, o seupensamento, parecem muito distantes de ns, da nossa vida, da nossa formade pensar e agir. Mas se observarmos o essencial desta vida, veremos quetambm nos diz respeito e que deveria ser to essencial tambm em nossaprpria existncia.

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    Ouvimos que Margarida concebeu o Senhor como um livro, fixou o seu olhar noSenhor, considerando-O como um espelho no qual aparece tambm a suaprpria conscincia. E a partir deste espelho, entrou luz na sua alma: deixouentrar a palavra, a vida de Cristo, o seu prprio ser e assim foi transformada; asua conscincia foi iluminada, encontrou critrios, luz e foi purificada. precisamente disso que ns precisamos: deixar entrar: as palavras, a vida, aluz de Cristo na nossa conscincia, para que seja iluminada, para quecompreenda o que verdadeiro e bom e o que mau; que seja iluminada epurificada a nossa conscincia. O lixo no est somente nas ruas do mundo.H lixo tambm nas nossas conscincias e nas nossas almas. S a luz doSenhor, a Sua fora e o Seu amor o que nos limpa, nos purifica e nos conduzno caminho recto. Portanto, sigamos Santa Margarida neste olhar dirigido aJesus. Leiamos no livro da sua vida, deixemo-nos iluminar e limpar, paraaprender a vida verdadeira. Obrigado.

    [Traduo: Aline BanchieriLibreria Editrice Vaticana]