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REVISTA Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Ano 2012 - Abril, Maio e Junho - Número 16 Atualidades Jurídicas

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REVISTA

Revista do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Ano 2012 - Abril, Maio e Junho - Número 16

Atualidades Jurídicas

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Com grande satisfação que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil por meio da OAB Editora mais uma vez traz a lume para toda a classe advocatícia brasileira o novo número da Revista Eletrônica Atualidades Jurídicas.

Como o próprio nome diz, à Revista interessa um olhar duplo sobre a atualidade dos temas jurídicos que estão presentes no cotidiano profissional e nas defesas e sustentações orais oferecidas diariamente nos diversos Tribunais brasileiros de norte a sul do país.

Como não poderia deixar de ser em tempo de eleições municipais, o presente número é aberto com a discussão de temas do Direito Eleitoral. Dele se busca traduzir a essência das discussões com olhar atencioso à contribuição democrática que o processo eleitoral proporciona à nação.

Discute-se adiante o tema da adoção e os reflexos sociais que ele gera; os reflexos constitucionais da transação penal e, finalmente, o âmbito de responsabilidade civil que estão sujeitas as sociedades de advogados.

Por tradição da Revista, juntam-se aos artigos uma seção de Comentários e Palestras que atendem ao registro da comunicação oral dos advogados doutrinadores e professores que ministram seus conhecimentos para grandes plateias. Assim, a discussão sobre a desaposentação, a aplicação do princípio da proporcionalidade na prisão cautelar, as dificuldades do registro de patentes de invenção e a complexa diretrizes do testamento.

Na seção de Destaques, a Revista dá conta dos acontecimentos envolvendo o trabalho do CFOAB com destaque para o lançamento dos vídeos de palestras da Escola Nacional de Advocacia – ENA dentro do Programa Nacional de Educação Continuada dos advogados brasileiros.

O trabalho realizado ganha agora o mundo através dos bites da internet e esperamos que ela seja útil para os fins a que se destina.

Boa Leitura !

Luiz Alberto Gurjão Sampaio RochaConselheiro da OAB Editora

CONSELHO EDITORIAL

PresidenteOPHIR CAVALCANTE JUNIORPará

Presidente ExecutivoMARCELO HENRIQUE BRABO MAGALHÃESAlagoas

Membros EfetivosALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETOParaná

ARNALDO VERSIANI LEITE SOARESDistrito Federal

LUIZ ALBERTO GURJÃO SAMPAIO ROCHAPará

RONNIE PREUSS DUARTEPernambuco

TALES CASTELO BRANCOSão Paulo

VALTER FERREIRA DE ALENCAR PIRES REBÊLOPiauí

Apoio AdministrativoALINE MACHADO COSTA TIMMFERNANDA DEL BOSCO DE ARAUJO

Projeto GráficoSUSELE BEZERRA MIRANDA

EDITORIAL

Envio de artigos, críticas ou sugestões: [email protected]/editora

ISSN 1982-890X

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Advogadas e Advogados,

A Revista Atualidades Jurídicas de nº 16 dá continuidade ao árduo e altaneiro trabalho desenvolvido pelo Conselho da OAB Editora em conjunto com a ENA – Escolha Nacional da Advocacia.

Trata-se a mesma de um instrumento de consulta obrigatória, de natureza plural, direcionado aos mais diversos ramos do direito, com artigos assaz interessantes, os quais tratam, em sua maioria, de temas polêmicos e novos.

Destacamos, na mesma, algumais discussões por demais interessantes, como palpitantes notícias que são relevantes para a advocacia e para a sociedade como um todo.

Sem dúvida, a finalidade almejada por todos nós está sendo atingida, propiciando que o advogado tenha, cada dia mais, um instrumento de informação e formação, que o auxilie no dia a dia e nos temas mais tormentosos que lhe forem confiados.

PALAVRA DO PRESIDENTE

Esperamos, cada vez mais, contar com a colaboração de todos, que podem participar deste projeto, que não é apenas da OAB Editora e da ENA, mas de toda a advocacia, enviando-nos, para tanto, artigos, palestras, comentários, sugestões, entre outros, de forma a podermos fazer uma revista cada dia mais completa, atual e de grande importância para o desempenho da nossa profissão e para o direito, sem descurar da causa cidadã a todos nós confiada.

Saudações Oabeanas!

Marcelo Henrique Brabo MagalhãesPresidente Executivo

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REVISTA ATUALIDADES JURÍDICAS - N° 16

Destaques

Artigos Científicos

7

8

9

65

39

77

25

88

53

ABRIL, MAIO E JUNHO/2012

11

10

7

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REVISTA ATUALIDADES JURÍDICAS - N° 16

Comentários e Palestras

102

108

Lançamentos editoriais

128

129

128

129

ABRIL, MAIO E JUNHO/2012

115

121

125131

131

132

132

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ebooks

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O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lançou em 31 de maio, em caráter experimental, o novo Sistema de Ouvidoria da OAB Nacional, que proporcionará uma interação online com a entidade de forma muito mais célere e eficiente e vai gerar, consequentemente, respostas mais rápidas aos usuários. Entre os principais avanços, segundo o Ouvidor-Geral da OAB, o conselheiro federal por Sergipe, Henri Clay Andrade, estão maior facilidade e agilidade no acesso, além da criação de mecanismos específicos de interação. “Teremos, por exemplo, um tratamento destacado para responder exclusivamente aos questionamentos sobre o Exame de Ordem, pois percebemos que a maior parte das perguntas recebida pela Ouvidoria é com relação a esse assunto”, explicou Henri Clay. Para o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, “o novo sistema possibilitará uma melhor e mais avançada comunicação com a sociedade e com os advogados do Brasil”.

D E S T A Q U E S

OAB lança novo sistema de ouvidoria

Qualidade de Gestão da OAB é reconhecida e indicada ao ISO 9001

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) viu em 22 de junho recompensado seu investimento constante em qualidade: a entidade teve seu Sistema de Gestão da Qualidade recomendado à certificação do padrão normativo NBR ISO 9001:2008.

A recomendação ao ISO 9001 foi anunciada pela representante da BSI Brasil, Marisa Gaeta de

Aquino, com base numa auditoria nos processos da entidade. O anúncio foi recebido pelo presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, como o coroamento de uma luta iniciada em sua gestão “com o propósito de caminhar para realização da Ordem dos Advogados do Brasil de nossos sonhos, capacitando cada vez mais os servidores da casa, tornando nossa gestão cada vez mais profissional e criando uma cultura da qualidade, que deve ser perene dentro da instituição”. Ao receber da BSI a notícia do resultado da auditoria no Conselho Federal da OAB, o presidente nacional da OAB dedicou a recomendação ao ISO 9001 aos servidores e lembrou que esse foi só o começo. “Muito mais precisará ser feito, pois plantamos apenas a semente, que deve ser regada pelos senhores para que frutifique e que a Ordem possa sair fortalecida para realizar suas missões de bem atender à advocacia e à sociedade”, afirmou. Do anúncio da indicação do Conselho Federal da OAB ao ISO 9001 participou também o secretário-geral da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, ao lado de todos servidores do sistema.

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OAB se manifesta sobre reconhecimento de cursos jurídicos De 19 pedidos de reconhecimento de cursos jurídicos examinados em junho do corrente ano pela Comissão Nacional de Educação Jurídica do Conselho Federal da OAB, apenas um recebeu parecer favorável, enquanto de 10 pedidos para renovação de reconhecimento, seis receberam votos a favor e quatro contra. A Comissão manifestou-se desfavorável a um pedido de autorização. Cabe à OAB, de acordo com a legislação, opinar previamente nos processos de criação, reconhecimento ou credenciamento de faculdades junto ao Ministério da Educação. Os pareceres da Comissão, apesar de sua previsão legal, têm caráter meramente opinativo (e não vinculativo) junto ao Ministério da Educação. Dentre os critérios da OAB para justificar a abertura de um curso jurídico destacam-se o projeto educacional da faculdade, a qualidade do corpo docente, a estrutura física e se a instituição atende ao requisito social exigido para seu funcionamento.

Segue a relação dos 18 pedidos de reconhecimento que obtiveram parecer desfavorável da OAB: 1. Faculdade Anhanguera de Jundiaí – Jundiaí (SP); 2. Instituto de educação superior Raimundo Sá – picos (PI); 3. Faculdade do Norte Pioneiro – Santo Antonio da Platina (PR); 4. Faculdade Cambury – Goiânia (GO); 5. Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy – Duque de Caxias (RS); 6. Faculdade Maranhense São José dos Cocais – Timon (MA); 7. Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – Porto Alegre (RS); 8. Faculdade Dom Pedro II – Salvador (BA); 9. Faculdade do Sul – Itabuna (BA); 10. Centro Universitário São Camilo – Cachoeira do

Itapemirim (ES); 11. Faculdade de Palmas – Palmas (TO); 12. Faculdade de Campo Grane – Campo Grande (MS); 13. Faculdade Pan Amazônica – Belém (PA); 14. Faculdade do Sudoeste Mineiro – Juiz de Fora (MG); 15. Faculdade de Foz do Iguaçu – Foz do Iguaçu (PR); 16. Faculdade Sergipana – Aracaju (SE); 17. Faculdade do Estado do Maranhão – São Luís (MA); 18. Faculdade de Administração Escola Superior Prof. Paulo Martins – Brasília (DF). OBS: Recebeu parecer favorável a reconhecimento a Faculdade Nobre de Feira de Santana – Feira de Santana (BA)

Segue a relação dos seis pedidos de renovação que receberam parecer favorável: 1. Universidade Federal da Pernambuco – Recife (PE); 2. Universidade Federal Fluminense – Niteroi (RJ); 3. Universidade de Cuiabá – Cuiabá (MT); 4. Universidade Federal do Ceará – Fortaleza (CE); 5. Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – Campina Grande (PB); 6. Universidade Federal do Espírito Santo – Vitória (ES)

Esses são os quatro pedidos de renovação de reconhecimento que tiveram parecer desfavorável: 1. Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis – Florianópolis (SC); 2. Faculdade Maurício de Nassau – Recife (PE); 3. Instituto Pernambucano de Ensino Superior – Recife (PE); 4. Faculdades Integradas Claretianas – Rio Claro (SP).

Pedido de autorização que teve parecer desfavorável: Faculdade América Latina – Caxias (RS).

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O Programa Nacional de Educação Continuada (PNEC) da Escola Nacional de Advocacia - ENA, órgão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, já gravou em seu estúdio 22 palestras proferidas por juristas e especialistas sobre diversos ramos do Direito. Os vídeos com as palestras e os artigos a respeito do trabalho da ENA podem ser acessados no site www.oab.org.br/ena.

A Escola tem como principal missão contribuir para qualificação e aprimoramento do exercício profissional do advogado brasileiro. O estúdio da ENA, instalado em suas dependências, continua realizando periodicamente novas gravações com profissionais e especialistas nas diversas áreas do Direito, que colaboram com o trabalho da Escola de forma voluntária.

As 22 palestras do PNEC cujos vídeos já estão disponibilizados no www.oab.org.br/ena/videos.asp, com seus respectivos palestrantes e temas abordados, são os seguintes, por ordem de disposição: Paulo Roberto de Gouvêa Medina (Mandado de Segurança); Maria Artemísia Arraes Hermans (Mudanças Climáticas e a Conexão com a Rio+20); Leonardo Avelino Duarte (Noção de Interesse Público); Daniela Rodrigues Teixeira (Admissibilidade do Recurso Especial); Luiz Cláudio Silva Allemand (Seminário Reforma Tributária); Celma Mendonça Milhomem Jardim (As Teses de Defesa e o Tribunal do Júri); Flávio Buonaduce Borges (Agravos de Instrumentos); Esdras Dantas de Souza (Estatuto da Advocacia e da OAB); Marcus Vinicius Furtado Coêlho (Novo Código de Processo Civil); Cezar Britto (Mercado Internacional para o Advogado Brasileiro); Pedro Paulo Guerra de Medeiros (Modificações Recentes na Prescrição Penal); Marcus Vinicius Furtado Coêlho (Inovações na Legislação Eleitoral); Délio Lins e Silva (Reforma do Processo Penal em Tramitação no Congresso Nacional); Éfrem Paulo Porfírio de Sá Lima (Responsabilidade Civil Parental); Esdras Dantas de Souza (Tratativas Iniciais entre o Advogado e o Cliente); João Maurício Adeodato (Três Confusões

sobre a Hermenêutica Jurídica); Mário Lúcio Quintão Soares (Legitimidade do Processo Eleitoral Brasileiro); Jorge Hélio Chaves de Oliveira (Mecanismos de Reforma da Constituição); Saul Venâncio de Quadros Filho (Prerrogativas Profissionais); Romeu Felipe Bacellar Filho (Processo Administrativo na Constituição Federal); Jorge Aurélio Silva (Petição Inicial no Processo de Trabalho); José Guilherme Carvalho Zagallo (Processo Judicial Eletrônico e Certificação Digital).

ENA divulga 22 vídeos do Programa Nacional de Educação Continuada

D E S T A Q U E S

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OAB e CFC lançam obra em defesa de prestação de contas eleitorais

Os presidentes nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Juarez Domingues Carneiro, lançaram em 28 de junho a obra “Partidas Dobradas – Eleições 2012 Contabilidade Necessária”, para levar orientação a advogados, contadores, contabilistas e a partidos políticos dentro do projeto de Transparência nas Prestações de Contas das Campanhas Eleitorais de 2012, encampado pela OAB e CFC. “Temos consciência e convicção de que são fundamentais eleições limpas para o processo democrático, sem que haja qualquer influência dos poderes político e econômico, o que importa numa prestação correta das contas eleitorais”, afirmou Ophir Cavalcante na cerimônia de lançamento da obra, realizada na sede do CFC, em Brasília. Na solenidade, o presidente da OAB destacou a importância de os advogados e os profissionais da Contabilidade orientarem corretamente seus clientes, partidos políticos e candidatos para a realização de prestações de contas eleitorais transparentes e quanto a procedimentos corretos para essa execução. “Essa campanha é meritória sob dois aspectos: o educativo, para que as contas sejam bem prestadas, e o repressivo,

sustentando que contas mal feitas geram a presunção de má-fé por parte do candidato”. No seu discurso, Ophir ainda enalteceu a importância da parceria com o CFC, que sempre se fortalece nos períodos pré-eleitorais. O presidente do CFC afirmou que o objetivo da parceria é preencher o vazio existente entre o que estabelece a legislação eleitoral e a sanção prevista a candidatos que não efetuam uma prestação de contas correta e com transparência. Ao final da solenidade, Ophir e Domingues Carneiro celebraram um protocolo de intenções para dar andamento ao projeto de Transparência nas Prestações de Contas das Campanhas Eleitorais deste ano. Também integraram a mesa de lançamento da obra a presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, Maria Clara Bugarim; o presidente da Fundação Brasileira de Contabilidade (FBC), José Martonio Alves Coelho; e o procurador eleitoral Renato Brill de Góes. O secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, também participou da cerimônia na sede do CFC. A obra aborda subtemas como pesquisas eleitorais, convenções e coligações; condutas vedadas aos agentes públicos; pedido de registro; propaganda eleitoral e, por fim, formas de fiscalização das eleições.

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80 ANOS DE JUSTIÇA ELEITORAL:Perspectiva histórica e desafios democráticos futuros1

Daniel Carvalho Oliveira Valente2

RESUMO: Neste artigo científico e a título de elementos fundamentais, fez-se uma perspectiva histórica dos 80 anos da Justiça Eleitoral, celebrados em 24 de fevereiro de 2012, de modo a evidenciar os diversos períodos e fases pela qual passou a Justiça Eleitoral brasileira, mencionando ainda a fase pré-institucional que se iniciou desde o descobrimento do Brasil até 1932. Destacou-se o papel da Justiça Eleitoral no futuro do processo democrático brasileiro tendo como base a consolidação das funções atuais dessa justiça especializada, a saber: função jurisdicional, consultiva, normativa e administrativa. Projetou-se, a título de conclusões, a construção do chamado protagonismo eleitoral, tendo como base o ativismo judicial da Justiça Eleitoral e o desenvolvimento de projetos institucionais e sociais que busquem a aproximação com o eleitor e a conscientização do voto. Para essa análise, foi usado um método interdisciplinar de abordagem por se entender ser mais produtiva uma fundamentação baseada em vários ramos do direito, em especial o direito eleitoral. Os assuntos trabalhados neste artigo promoveram uma reflexão através de matérias como Introdução ao Estudo do Direito, Ciência Política, Hermenêutica Jurídica, Direito Constitucional e, é claro, o Direito Eleitoral. Os objetivos principais deste artigo residem na avaliação histórica da Justiça Eleitoral, bem como a projeção futura dos desafios desse ramo especializado do Poder Judiciário como forma de garantir o aperfeiçoamento democrático brasileiro. Os resultados esperados pelo presente trabalho é que seja utilizado como objeto de estudo e subsidio para o aperfeiçoamento das funções desempenhadas pela Justiça Eleitoral, de forma a colaborar com a consolidação do regime democrático brasileiro.

PALAVRAS-CHAVES: História da Justiça Eleitoral. Democracia. Ativismo Judicial. Educação cidadã.

ABSTRACT: In this scientific article and by way of key elements, a historical perspective of 80 years of Electoral Justice was made, concluded on February 24, 2012, in order to highlight the various periods and phases undergone by the Brazilian Electoral Justice, also mentioning the pre-institutional phase that started from the discovery of Brazil until 1932. The role of the Electoral Justice in the future of Brazilian democratic process was highlighted based on the consolidation of the current functions of this specialized justice, namely the judicial, advisory, regulatory, and administrative. Furthermore, the construction of the so-called electoral leadership was designed conclusively and it is based upon the judicial activism of Electoral Justice and the development of institutional and social projects that seek closer ties with the voter and voting awareness. For this analysis, a method of interdisciplinary approach was used in order to be more productive to understand the reasoning based on various branches of the law, particularly the Electoral Law. The subjects worked in this article promoted a reflection across subjects such as Introduction to the Study of Law, Political Science, Legal Hermeneutics, Constitutional Law, and of course, the Electoral Law. The main objectives of this paper lie in the historical evaluation of Electoral Law, and the projection of future challenges of this specialized branch of the judiciary in order to ensure the improvement of democracy in Brazil. The expected results in this paper is that it may be used as an object of study and subsidy for the improvement of the functions performed by the Electoral Justice, to cooperate with the consolidation of Brazilian democracy.

KEYWORDS: History of Electoral Justice. Democracy. Judicial activism. Citzen education.1 Trabalho vencedor do Concurso de Artigos “Ministro Sepúlveda Pertence” referente ao III Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral 2 Advogado e Membro da Comissão Nacional em Inicio de Carreira

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1 OBSERVAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A JUSTIÇA ELEITORAL E AS ELEIÇÕES NO BRASIL

Institucionalmente a história da Justiça Eleitoral no Brasil tem inicio em 24 de fevereiro de 1932, com o Decreto nº 21.0763, que criou o então Tribunal Superior da Justiça Eleitoral - TSJE, atualmente denominado de Tribunal Superior Eleitoral – TSE.

Assim como na história do Brasil existe o período pré-colonial, a Justiça Eleitoral possui o período pré-institucional, cujo início se deu em 1500, com o descobrimento do Brasil, passando pelo ano de 1822, independência do Brasil, e se encerrando em 1932, ano de criação do então TSJE – Tribunal Superior da Justiça Eleitoral.

O período pré-institucional da Justiça Eleitoral é marcado pela inexistência de um órgão especifico para apuração e condução dos processos eleitorais e das eleições no Brasil. Nos primeiros anos de descobrimento do Brasil, as eleições para os diversos cargos das vilas e cidades criadas eram regidos pelo Código Eleitoral da Ordenação do Reino4.

Outro marco histórico deu-se em 1821, quando Dom João VI, já instalado no Brasil desde a fuga da família real, ainda em 1808, designou a instalação da Junta Provisional Preparatória das Cortes, que tinha a missão de organizar as eleições dos deputados dos povos de Portugal, Algarve e do Brasil.

Surgiram nesse período também as primeiras leis eleitorais do Brasil: a Lei Eleitoral de 1822 e a Lei Eleitoral de 1824. Antes de esclarecermos os pontos dos dois diplomas legislativos, faz-se aqui um registro: o que hoje denominamos de “lei eleitoral”, anteriormente e àquela época chamavam-se de “instruções”, classificação essa utilizada nos dias atuais pelo TSE quando da edição das chamadas Resoluções das Eleições.

A Lei Eleitoral de 19 de junho de 18225 restringia o voto somente às classes sociais mais favorecidas e donos de engenhos e fábricas, divergindo dos sistemas de votação das leis até então adotadas que optavam pelo voto universal, pois serviam tanto ao Brasil como a Portugal.

Com a proclamação da República, em 1889, tivemos a primeira Carta Constitucional republicana, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 18916. Logo após, vieram mudanças na legislação eleitoral.

Em 1892, foi sancionada pelo Presidente da República Floriano Peixoto a Lei nº 35, de 26 de janeiro de 18927, que “Estabelece o processo para as eleições federaes[sic]” , regulamentava as eleições e o voto no Brasil republicano. Mudava-se a forma de governo, mas os privilégios quanto ao exercício do voto permaneciam.

Esse período da história republicana, foi marcado pelo fenômeno denominado “coronelismo”. Nessa época o título de coronel era recebido ou comprado por fazendeiros ricos e comerciantes abastados, sendo a mais alta patente da Guarda Nacional.

Eram esses coronéis que controlavam e manipulavam as eleições locais da época, sendo que ao seu redor giravam as oligarquias regionais. Foi esse coronelismo e os ilícitos eleitorais dele decorrentes que fincaram as bases da revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder. As palavras de Walter Costa Porto8 são precisas e merecem destaque:

Todos eles tinham o seu ‘curral’ eleitoral, isto é, eleitores cativos que votavam sempre nos candidatos por eles indicados, em geral através de troca de favores fundados na relação de

3 BRASIL, Decreto 21.076 de 24 de fevereiro de 1932. Decreta o Código Eleitoral. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583-norma-pe.html>. Acesso em 16 abr. 2012.4 FERREIRA,Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal. 2005. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eleitoral.html>. Acesso em 22 abr. 2012.5 Ibid.6 BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm>. Acesso em 24 Abr. 2012.7 BRASIL. Lei Ordinária 35 de 26 de janeiro de 1892. Estabelece o processo para as eleições federaes. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/b2394d7e1ab9a970032569b9004e148d/169fa893a9da0eb1032569fa006f1015?OpenDocument>. Acesso em 24 Abr. 2012.8 PORTO, Walter Costa. Constituições brasileiras:1937. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos,1999.

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compadrio. Assim, os votos despejados nos candidatos dos coronéis ficaram conheci dos como “votos de cabresto”. Porém, quando a vontade dos coronéis não era atendida, eles a impunham com seus bandos armados - os jagunços -, que garantiam a eleição de seus candidatos pela violência.

Ao final dos anos 20, o sistema do café-com-leite fragilizou-se, tendo como desfecho as eleições presidenciais de 1930, que mergulhada em um manancial de fraudes eleitorais, resultou na derrota de Getúlio Vargas para o candidato governista Júlio Prestes, culminando assim na revolução que levou Vargas ao comando da nação.

É válido ressaltar que estes fatos foram ocasionados pela ausência de um órgão administrador das eleições que as conduzissem de maneira organizada e imparcial, pois até então a apuração dos votos era feita pelo poder legislativo.

Após décadas de fraudes eleitorais, a sociedade cansada dessa situação ansiava por eleições organizadas e imparciais, de modo que em 1932 foi sancionado o novo Código Eleitoral.

Este diploma legal criou a Justiça Eleitoral incumbindo-a da administração das eleições. Todavia, alguns anos depois, em 1937, fora promulgada uma nova Constituição para legitimar o recente golpe de estado promovido pelo Chefe do Executivo. Esta Carta Magna extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições livres e estabeleceu eleição indireta para Presidente da República.

Tendo em vista a derrota dos regimes nazi-fascistas no final da guerra ou até mesmo devidos várias pressões que vinha sofrendo, no início de 1945 foi feita uma emenda à Constituição, marcando eleições para dezembro. Deste modo, em 28 de maio de 1945 foi publicado o Decreto-Lei n° 7.5869 que regulamentava o alistamento eleitoral e as eleições, ou seja, praticamente um novo código eleitoral.

É importante observar, neste momento, que os anseios sociais por eleições organizadas e imparciais traduziu-se no citado diploma, o qual além de reabilitar a Justiça Eleitoral lhe deu poderes especiais para chefiar as eleições, a saber: função consultiva, função jurisdicional, função regulamentar e função administrativa (art. 9º, e, f, g, k). Impende ressaltar, pela leitura do art. 6º do citado Decreto-Lei, que os únicos órgãos responsáveis pela administração das eleições foram os componentes da Justiça Eleitoral.

Outrossim, após a queda de Vargas, fez-se necessária a elaboração de uma nova constituição, a Constituição de 1946. Esta Carta Magna manteve todos os poderes atribuídos pelo Decreto-Lei 7.586/45 à Justiça Eleitoral. Mais adiante, em 1950 foi instituído o novo Código Eleitoral, por intermédio da Lei 1.164/5010, que conjuntamente com a Constituição de 1946 contemplaram a população com direitos políticos. Isto deu início ao problema de os cidadãos brasileiros aprenderem a lidar com os direitos políticos.

O Código Eleitoral de 1950 basicamente manteve a estrutura da Justiça Eleitoral intacta, estabelecendo no seu art.12 todas as funções retro mencionadas, que é praticamente a cópia do art. 9º do Decreto-Lei 7.586/45.

Pode-se notar que a Justiça Eleitoral, no período de 1945 a 1964, foi totalmente revigorada e exerceu o papel de guardiã das eleições. Ocorre que instabilidades políticas levaram o cenário nacional ao golpe militar de 1964. Ora, se o período pós-queda de Vargas até o início da ditadura militar foi uma época de grande evolução e firmamento da Justiça Eleitoral na condução das eleições brasileiras, os deslindes que premiaram o início da ditadura até seu final foram marcados pela limitação e enfraquecimento dessa Justiça especializada no comando das eleições.

No decorrer da ditadura militar, a Justiça Eleitoral teve um papel secundário, pois o país suportou um sistema eleitoral imposto de maneira tirana, onde a soberania popular ao invés de ser preservada era subjugada. Vários atos institucionais e emendas à Constituição davam ao Regime Militar o poder de conduzir os processos eleitorais de acordo com suas vontades.

9 BRASIL, Decreto-Lei 7.586 de 25 de maio de 1945. Regula, em todo país, o alistamento eleitoral e a eleições a que se refere o artigo 4º da Lei Constitucional n. 9, de 28 de fevereiro de 1945. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-7586-28-maio-1945-417387-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 22 abr. 2012.10 BRASIL, Lei 1.164 de 24 de julho de 1950. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=139100&norma=160561>. Acesso em 22 abr. 2012.

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Embora fossem constantemente limitados os poderes da Justiça Eleitoral, a sua função como administradora das eleições foi mantida, inclusive em alçada constitucional.

A partir do golpe militar todo o calendário eleitoral era determinado pelo comando militar por intermédio de atos institucionais – AIs ou por atos complementares - ACs. Nesse sentido, vejamos algumas normas eleitorais editadas pela ditadura11:

NORMA CONTEÚDOAI-2 Instituiu eleições indiretas e extinguiu todos os partidos registrados pela Justiça EleitoralAC-4 Instituiu os únicos partidos que poderiam existir, ARENA e MDB

AC-9 Dispunha sobre as inscrições para as eleições indiretas

AI-3 Estabeleceu o calendário eleitoral

AI-5Transferiu para o executivo a competência para decretar a suspensão dos direitos políticos de qualquer pessoa e cassar mandatos parlamentares

AI-7 Suspendeu todas as eleições do ano de 1970 e publicou a lista de cassaçõesAI-11 Estabeleceu novo calendário eleitoral e o regulamento das eleiçõesAI-15 Fixou eleições nos municípios sob intervenção federal

É forçoso concluir que a Justiça Eleitoral durante a ditadura militar teve o papel de administrar as eleições, porém tal função foi afetada pelo olhar severo e sorrateiro de uma ditadura, a qual tinha o poder de regulamentar e administrar os pontos principais, cabendo ao judiciário especializado função jurisdicional e consultiva, já que a regulamentar encontrava-se praticamente extinta e a administrativa em muito mitigada.

Nesse período foi editado um novo Código Eleitoral, Lei 4.747 de 15 de julho de 196512, o qual até agora resta vigente. Não obstante o Código Eleitoral utilizado na atualidade ter sido editado durante a ditadura militar, a sua utilização encontra-se guarida tendo em vista a nova ordem constitucional vigente desde a Carta de 88.

Com o fim dos governos militares o Brasil passou a viver um novo processo de redemocratização, no qual a Justiça Eleitoral marcou fortemente a sua presença no cenário político nacional, promovendo, dentre outras medidas para garantir a segurança do voto, o recadastramento geral em 1986, que alimentou, pela primeira vez na história da Justiça Eleitoral, um banco de dados único de eleitores brasileiros. Tal fato serviu de base para, dez anos depois, a votação por meio de urnas eletrônicas.

Para melhor entender o que representou a Justiça Eleitoral neste período de transição, vejamos os comentários de Maria Teresa Sadek sobre a atuação da daquela nas eleições presidenciais de 1989, que foi a primeira eleição presidencial pós ditadura:

Qualquer que seja a avaliação que se faça das eleições presidenciais de 1989, não se pode deixar de destacar o papel da justiça eleitoral, que foi, sem dúvida, um ator decisivo durante todo o processo, contribuindo de modo significativo para que o pleito se desenvolvesse dentro de um quadro de liberdade e respeito à lei. Sua atuação e sua presença foram marcantes em todas as fases, das primeiras providências até a votação e apuração dos votos, bem como na divulgação e proclamação dos resultados finais.[…] Espaços abertos pela legislação, que poderiam transforma-se em importante fator gerador de instabilidade ou mesmo de descrédito do processo eleitoral, foram ocupados pela justiça eleitoral. Agindo dessa forma, ela manteve a estabilidade do processo e reafirmou sua autoridade regulamentadora.13

11 WIKIPÉDIA. Atos Institucionais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Atos_Institucionais>. Acesso em 24 abr. 2012.12 BRASIL, Lei Federal 4.737 de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737compilado.htm>. Acesso em 24 abr. 2012.13 SADEK, Tereza. A Justiça eleitoral no Processo de Redemocratização. De Geisel a Collor: O Balanço da Transição. São Paulo, MCT/CNPq/

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A avaliação feita pela cientista social é de grande valia, pois enfatiza, em grande monta, o desempenho positivo que logrou a Justiça Eleitoral naquele primeiro e grande momento por que passava a democracia brasileira. O período, em comento, marcou o renascimento da Justiça Eleitoral como instituição forte na administração das eleições.

2 O ATUAL CONTEXTO DA JUSTIÇA ELEITORAL NO BRASIL

Utilizando-se d’as palavras do ex-ministro do Superior Tribunal Eleitoral, Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, podemos dizer que: “à Justiça Eleitoral incumbe tornar verdade a verdade das urnas, a verdade eleitoral”14.

Porém, para que seja efetivada a vontade do eleitorado revelada às urnas, impõe-se um rígido controle do processo eleitoral, que desencadeia em um conjunto de atos, cuja a finalidade precípua é controlar as ações dos partidos políticos e dos candidatos.

Conforme afirma Suzana de Camargo Gomes:

O processo eleitoral consiste no conjunto de atos pertinentes à execução do pleito e reconhecimento dos leitos, pelo que engloba atos que vão desde a organização das eleições até a sua realização e divulgação dos resultados, com a ulterior diplomação dos escolhidos. E aos Juízes Eleitorais é outorgada competência justamente para dirigir o processo eleitoral em todas as suas fases. 15

Assim, para a efetividade do processo eleitoral, que vai da escolha de candidatos em convenções partidárias até sua eleição, torna-se necessário a existência de quatro funções essenciais, as quais são desempenhadas pela Justiça Eleitoral nos termos do modelo constitucional adotado pela Carta Magna de 1988.

Função jurisdicional, que é a competência para a resolução de conflitos eleitorais sobre todos os atos do processo eleitoral, bem como julgar os casos referentes ao processo eleitoral, tais como: os pedidos de registro de candidatos; as representações sobre propaganda eleitoral; as ações para apuração dos crimes eleitorais, entre outros.

Função administrativa, que trata dos atos preparativos, da organização e da administração de todo processo eleitoral, sendo responsável pelo alistamento de eleitores; transferência de domicílios eleitorais; administração do cadastro eleitoral; atos preparatórios à votação e à sua realização; apuração e totalização dos votos; proclamação dos resultados das eleições; e expedição de diplomas aos eleitos.

Função normativa, que é a competência para expedir normas que deem a garantia à execução da legislação eleitoral. Nesse sentido podemos descrever a competência do Tribunal Superior Eleitoral para expedir Resoluções com instruções para a fiel execução da legislação eleitoral conforme dispõe o Código Eleitoral em seu art. 1º, parágrafo único e art. 23, IX; Lei 9096/95, art. 61 e Lei 9.504/97, art. 105.

Função consultiva, que diz respeito à competência para responder a consultas feitas sobre matéria eleitoral em tese, onde o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais respondem a questionamentos formulados, em tese, por pessoas legitimadas nos termos do Código Eleitoral, art. 23, XII e art. 30, VIII.

Dentro do atual funcionamento da Justiça Eleitoral, cumpre registrar o processo de aperfeiçoamento do voto como uma das ações mais destacadas da Justiça Eleitoral nos últimos anos e na atualidade. Ao garantir a segurança e o sigilo do voto, a Justiça Eleitoral toma para si o que há de mais importante no regime democrático: a preservação da vontade popular.

No dia 03 de outubro de 1996, as eleições municipais daquele ano foram marcadas pela utilização das urnas eletrônicas, possibilitando uma maior segurança ao sistema de votação, além de apuração das eleições em tempo recorde.

A urna eletrônica surgiu como um equipamento capaz de fazer a captação do voto e o seu armazenamento de

IDESP, 1990. Pagina 158.14 VELOSO, Carlos Mário da Silva. Disponível em: <http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud8/just_ref.htm>. Acesso em 24 abr. 2012.15 GOMES, Suzana de Camargo. A Justiça Eleitoral e sua competência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 192-193

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forma cumulativa, ágil, econômica e rápida. Por outro lado, o equipamento tem a tarefa de garantir a segurança dos votos nela inseridos e prover ainda a contabilização destes. A construção da urna eletrônica buscou desde a sua concepção trazer mais confiabilidade ao voto, para que pudesse superar em níveis de segurança a votação em cédulas de papel, bem como, minimizar os riscos de fraude, vazamento de informações, sabotagem, erros e acidentes.

Portanto, o continuo aperfeiçoamento do voto até chegarmos ao voto em urna eletrônica tem se tornado importante instrumento tecnológico para garantir que a vontade do eleitor se reflita no resultado das eleições de forma plena.

Nesse avançar tecnológico da Justiça Eleitoral para bem exercer suas funções, merece destaque o voto biométrico que é o método de reconhecimento de medidas biológicas para identificar o eleitor brasileiro e será utilizado nas eleições municipais de 2012 para atender mais de sete milhões de eleitores16.

Além disso, outro dado atual e que merece registro no que tange aos 80 anos da Justiça Eleitoral é que ela está sendo presidida pela 1ª vez por uma mulher. A Ministra do Supremo Carmen Lúcia, desde o último dia 18 de abril de 2012, é a primeira mulher a assumir a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral e terá a importante missão de conduzir as eleições nos mais de 5(cinco) mil municípios do Brasil, encerrando seu mandato em novembro de 2013.

3 DESAFIOS FUTUROS DA JUSTIÇA ELEITORAL NO BRASIL

Como visto, a Justiça Eleitoral no Brasil passou por diversas transformações ao longo da História do Brasil. Nesse contexto podemos afirmar que o atual patamar em que a mesma esta inserida na sociedade é o de maior e melhor respeitabilidade.

Atualmente é a Justiça Eleitoral responsável pela condução das eleições no Brasil, bem como a garantia da legitimidade do processo eleitoral e o livre exercício do direito de votar e ser votado, tudo isso com o fim maior de garantir e fortalecer o regime democrático.

Apesar alta credibilidade gozada no âmbito da sociedade pátria e das instituições em geral pela Justiça Eleitoral, nas eleições haviam constantes atos ilícitos eleitorais, indo desde propaganda eleitoral antecipada, passando pela compra de votos e chegando até a utilização de caixa dois na contabilidade das campanhas eleitorais.

Assim, dentre os desafios da Justiça Eleitoral do novo milênio está o seu fortalecimento para fins de preservar a democracia e a credibilidade das eleições no Brasil, combatendo os ilícitos eleitorais e garantindo a soberania da vontade popular.

Nesse contexto surgem algumas alternativas de fortalecimento, sendo a primeira delas o ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral. A jurisdição, quando exercida pelo Poder Judiciário e pelas suas características, possui um caráter transformador da ordem sócio-política garantindo direitos a pessoas e consolidando situações jurídicas de modo a fortalecer ou não a democracia.

A judicialização da política no Brasil tem como marco a promulgação da Constituição de 1988, que trouxe uma maior independência e um conjunto de prerrogativas ao Poder Judiciário e a seus membros.

Tivemos assim uma reconfiguração político institucional na relação entre os Poderes no Brasil, com o Judiciário como um todo (e a Justiça Eleitoral é parte desse conjunto) assumindo uma nova face, agora sob a égide de um regime democrático e sem a subordinação de fato ou de direito ao Poder Executivo.

Nas lições de Loiane Verbicaro, ao abordar o tema da judicialização da política, temos:

No Brasil, após o processo de democratização e constitucionalização do país, a conjuntura política, econômica e social favoreceu a intervenção dos tribunais em questões políticas, a fim de resguardar a supremacia da Constituição, dos direitos fundamentais e da democracia. Tal fenômeno de judicialização da política no Brasil não foi monolítico. Vários fatores contribuíram

16 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Biometria e urna eletrônica. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/biometria-e-urna-eletronica>. Acesso em 25 abr. 2012.

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para a consolidação desse modelo. São eles: a promulgação da Constituição Federal de 1988; a universalização do acesso à justiça; a estrutura tripartite de organização dos poderes do Estado; a existência de uma Carta Constitucional com textura aberta, normas programáticas e cláusulas indeterminadas; a crise do paradigma formalista de interpretação inspirados nas premissas do positivismo jurídico; a ampliação do espaço reservado ao Supremo Tribunal Federal; […]; a existência de novas forças sociais representadas por importantes movimentos, organizações, grupos sociais; o agravamento da crise econômica nas últimas décadas do século XX; a ineficácia da política macroeconômica do país e a consequente explosão de crise social; a hipertrofia legislativa; a desproporcionalidade da representação política e a crescente ineficácia do sistema político decisório.17

Nesse contexto, faz-se imperativo compreender que o fenômeno da judicialização da política é decorrente do necessário e importante processo de amadurecimento do regime democrático e do exercício da cidadania na sociedade com um todo.

Assim, no judiciário brasileiro como um todo o fenômeno da judicialização da política é algo que tem alcançado significativo patamar nas últimas décadas. Na Justiça Eleitoral tal fenômeno tem se mostrado tão firme quanto nas outras esferas do judiciário, porém a sua importância é de maior magnitude.

É através desse instituto ou, como queiram alguns, desse “fenômeno”, que a Justiça Eleitoral tem procurado garantir a plena eficácia da sua missão constitucional e ver fortalecida a democracia. Vejamos alguns exemplos práticos dos últimos anos.

A Resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 22.610, de 25 de outubro de 200718 é um clássico exemplo de ativismo judicial da Justiça Eleitoral. Tal ato normativo editado pelo TSE disciplina o processo de perda de cargo eletivo, estabelece prazos eleitorais e trata da justificação de desfiliação partidária.

Tal Resolução foi fruto de amplo debate na sociedade e nos tribunais eleitorais sobre o “troca-troca” de partidos que se observava no Congresso Nacional e nas Casas Legislativas pelo Brasil afora logo após as eleições, o que representava, em verdade, um gritante desrespeito à vontade do eleitor, prejudicando a democracia brasileira como um todo.

Assim, baseando-se nesse espírito de moralização política da sociedade e na busca de preservar os valores democráticos, que tem como um dos seus pilares de sustentação a existência de partidos políticos fortes, os Ministros do TSE por maioria de votos de 6(seis) a 1(um), nos autos da consulta nº 1398/DF, responderam afirmativamente à indagação do então Partido da Frente Liberal – PFL no sentido de que os Partidos Políticos e as Coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.

Criou-se, deixe-se claro, criou-se uma nova hipótese de perda do mandato eletivo até então desconhecida, vez que nem a Constituição Federal e nem as leis eleitorais tratavam do tema. E nesse caso, o TSE, assim como o Supremo Tribunal Federal, agiram bem. Ainda que se diga, e é verdade, que o TSE nesse caso legislou, o mesmo fez dentro de uma ordem constitucional e política marcada pelo enfraquecimento da democracia, tendo em vista a banalização do instituto da fidelidade partidária e a omissão intencional do Congresso Nacional em legislar sobre o tema.

Após o ano de 2007, mudou-se drasticamente o panorama da (in)fidelidade partidária no Brasil, sendo que os atuais candidatos eleitos estão respeitando a vontade do eleitor na medida em que permanecem no partido ao qual foram eleitos. E caso não seja mais possível a sua permanência na agremiação partidária, a própria Resolução disciplina o procedimento de saída sem que se tenha como consequência a perda do mandato, devendo nesse caso estar configurada a chamada justa causa para a saída da agremiação.

17 VERBICARO, Loiane. Os direitos humanos à luz da história e do sistema jurídico contemporâneo. Revista Jurídica Cesumar, v.7, n.1, p-31-56, jan/jun. 2007.18 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 22.610 de 25 de outubro de 2007. Resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/internet/partidos/fidelidade_partidaria/res22610.pdf>. Acesso em 24 de Abr. 2012.

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Semelhante situação estar-se a vivenciar nas eleições 2012 com relação às prestações de contas dos candidatos no âmbito da Justiça Eleitoral. Anteriormente à Resolução 23.376, de 01 de março de 201219, vigorava no âmbito eleitoral o entendimento, até então pacificado no TSE, de que para fins de obtenção da certidão de quitação eleitoral era suficiente que o candidato apenas apresentasse a prestação de contas eleitoral.

Pois bem, com a nova resolução para as eleições de 2012, o TSE evoluiu sua posição no sentido de que não basta a simples apresentação de prestação de contas de campanha eleitoral para fins de obtenção da certidão de quitação, sendo necessária a aprovação dessas contas.

No julgamento teve-se a colisão de dois princípios fundamentais: o da legalidade, tese vencida na qual se argumentou que o TSE não poderia tratar do tema, vez que esse assunto é de competência exclusiva do Congresso Nacional. E o outro princípio foi o da isonomia, tese vencedora e acolhida pela maioria de 4(quatro) ministros do TSE.

Nesse último caso, na tese vencedora entendeu-se que os candidatos que tem sua prestação de contas aprovada e os que têm a sanção de reprovação das contas não podem ter o mesmo tratamento jurídico e se enquadrar na mesma situação fática. Estaria então a Justiça Eleitoral aplicando o princípio da isonomia, em seu sentido material e não meramente formal, na medida em que não se pode dar tratamento idêntico a quem não possui a mesma situação jurídica.

Lembrando Rui Barbosa, ao discursar para os formandos em Direito da Universidade Federal de São Paulo em 1920, cabe ressaltar:

....a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.20

Nesse contexto, tanto a Resolução 23.376, de 01 de março de 2012, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012, como a Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007, que disciplinou a fidelidade partidária no Brasil, são exemplos claros e positivos de ativismo judicial na Justiça Eleitoral.

Assim, o ativismo judicial no âmbito da Justiça Eleitoral tem servido data vênia os que pensam de modo diverso, como um instrumento e mecanismo de fortalecimento da Justiça Eleitoral, da força normativa da Constituição Federal e da democracia brasileira como um todo.

Além do ativismo judicial, a Justiça Eleitoral desempenha outro importante papel no futuro da democracia no Brasil, que é o da educação para cidadania e para a democracia.

De início, faz-se necessário chamar a atenção para o tema da educação no Brasil de hoje. Infelizmente e apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, ainda temos um país com milhões de analfabetos e com graves desigualdades sociais. Para se ter uma ideia, na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 200921, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou-se que o Brasil possui 14,1 milhões de analfabetos, sendo a maioria concentrada entre homens, maiores de 25 anos e com domicílio na Região Nordeste.

Não obstante a importância do tema, cabe questionar: qual o papel da Justiça Eleitoral nesse contexto? Ou melhor: cabe à Justiça Eleitoral fazer algo com relação ao nível educacional em que vivemos de modo a melhorar a “qualidade do voto”?

19 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 23.376 de 01 de março de 2012. Dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012. Disponível em: < http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-resolucao-23376/view?searchterm=None>. Acesso em 24 Abr. 2012.

20 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 3921 BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . PNAD: Síntese 2009. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf>. Acesso em 24 Abr. 2012.

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Em tese, a resposta seria negativa para tais perguntas, vez que a educação é dever do Estado e da família, sendo que nesse caso Estado entende-se os entes federativos União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cada um com suas atribuições de acordo com a Constituição Federal e a legislação vigente. Aprofundando a resposta com viés negativo, temos que no âmbito de cada um dos entes federativos, cabe ao Poder Executivo a responsabilidade pelo ensino público, de modo que na União temos o Ministério da Educação e Cultura, nos Estados, Distrito Federal e Municípios temos as respectivas Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Porém, como tudo no direito e de igual modo na Justiça Eleitoral, nada é tão simples ou tão óbvio como possa parecer. Para fins de desenvolvermos uma educação cidadã no Brasil faz-se necessário uma maior participação e colaboração da Justiça Eleitoral de modo a se aproximar da sociedade em geral e conscientizar a população em geral sobre o exercício do voto livre e consciente.

Democracia sem educação cidadã é mera ilusão de ótica, de modo que pode a Justiça Eleitoral, através das Escolas Judiciais Eleitorais, colaborar e por que não dizer protagonizar um processo de aproximação com a população e sociedade em geral de modo a conscientizá-la sobre a democracia, a cidadania e o exercício do voto.

Como já visto, a Justiça Eleitoral brasileira22 é um ramo especializado do Poder Judiciário, com as quatro áreas de atuação: jurisdicional, em que se destaca a competência para julgar questões eleitorais; administrativa, na qual é responsável pela organização e realização de eleições, referendos e plebiscitos; a consultiva que corresponde a respostas sobre questionamentos jurídicos relevantes; e regulamentar, em que elabora normas referentes ao processo eleitoral.

Em verdade, os avanços na atuação administrativa da Justiça Eleitoral nos últimos anos dão conta de que é irreversível o processo de aproximação cada vez maior desse ramo do Poder Judiciário com a população. E junto com isso, temos a aqui citada educação cidadã para a democracia.

A título de ilustração trazemos à baila algumas iniciativas do Tribunal Superior Eleitoral e de alguns Tribunais Regionais Eleitorais com vistas a se aproximar e educar para a democracia.

O serviço de ouvidorias é hoje uma realidade em todos os Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral, sendo um espaço institucional de comunicação direta da população com a Justiça Eleitoral. Além disso, temos no período eleitoral em cada Estado e no TSE a implantação da Central do Eleitor23 criada com o objetivo de esclarecer aos eleitores as dúvidas relacionadas a eleições. A título de ilustração, sobre o serviço de Ouvidoria o sítio da Justiça Eleitoral do Piauí24 assim dispõe:

A Ouvidoria da Justiça Eleitoral do Piauí é o órgão responsável pela aproximação entre o cidadão e a Justiça Eleitoral, sendo indispensável a participação da sociedade para o aperfeiçoamento dos serviços prestados e, consequentemente, para o fortalecimento da Democracia Participativa.

Outra importante iniciativa educacional é a implantação do chamado Projeto “Eleitor do Futuro”25 idealizado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando Corregedor do Tribunal Superior Eleitoral e implantado por alguns Estados da federação em parceria com o UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância. No TSE tal projeto é assim disciplinado:

22 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. A Justiça Eleitoral no Brasil. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/institucional/a-justica-eleitoral>. Acesso em 16 Abr. 2012.23 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Disque-Eleitor. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/eleitor/disque-eleitor>. Acesso em 16 Abr. 2012.24 BRASIL, Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. Ouvidoria da Justiça Eleitoral. Disponível em: < http://www.tre-pi.jus.br/novo/ouvidoria/>. Acesso em 16 Abr. 2012.25 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Eleitor do futuro. Disponível em: < http://www.justicaeleitoral.jus.br/eleitor/eleitor-do-futuro>. Acesso em 16 Abr. 2012.

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O projeto Eleitor do Futuro foi concebido para estimular a participação cidadã de crianças e adolescentes no processo eleitoral. A Justiça Eleitoral brasileira acredita que a formação das crianças e dos adolescentes inclui a capacitação e mobilização dos jovens para o exercício consciente do voto no processo democrático. As escolas judiciárias (do TSE e dos TREs) são responsáveis pela gestão do projeto, que é feito em parceria com agentes e instituições públicas e privadas. O Eleitor do Futuro inclui atividades diversas, como aulas, palestras e seminários; visitação a casas legislativas, a órgãos do Poder Judiciário e demais setores da administração pública.

Algo inovador e que pode ser implantado nos Estados são os chamados Centros de Memória da Justiça Eleitoral, nos moldes do Centro de Memória do TSE26 que sobre o tema, assim esclarece:

A arte e a cultura geram oportunidades de ampliar a compreensão do mundo e estimular a criatividade. O contato com novas ideias, percepções e expressões favorece a autorrenovação pela aquisição de novos conhecimentos, gerando qualidade de vida, autoestima e laços de identidade entre as pessoas. Da mesma forma, a preservação e a divulgação da memória da Justiça Eleitoral brasileira contribuem para a formação de indivíduos críticos, na medida em que proporciona a reflexão sobre o processo de construção da cidadania nacional ao longo de cinco séculos de história. O Centro de Memória do TSE, ao difundir a memória da Justiça Eleitoral por meio de produções teóricas ou de ações culturais, atua no fortalecimento do sistema democrático, possibilitando melhor compreensão dos processos sociais em diferentes gerações e, por conseguinte, seus distintos impactos na população brasileira.

Além dessas iniciativas inúmeras outras podem ser citadas no sentido de confirmar a importância da Justiça Eleitoral desenvolver ações no sentido de promover a educação cidadã, garantindo, via de consequência a preservação e fortalecimento da democracia. O tema em apreço é abordado pelo escritor Norberto Bobbio27, para quem a apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia, inclusive no chamado primeiro mundo. Dentre as promessas não cumpridas para a consolidação do ideal democrático, aponta ele o relativo fracasso da educação para a cidadania, de modo que por vezes os cidadãos de hoje podem ser comparado com os súditos de outrora.

É nesse cenário de certa apatia ou mesmo descrédito da classe política que a Justiça Eleitoral deve e pode protagonizar uma educação cidadã e que sirva para fortalecer a democracia brasileira.

4 CONCLUSÃO

A Justiça Eleitoral no Brasil ao longo dos seus 80 anos teve destacada contribuição no processo de aperfeiçoamento da democracia de modo que atualmente tem essa justiça especializada importante papel na condução das eleições e na preservação dos valores democráticos e do sufrágio eleitoral.

Através dos seus órgãos e tribunais, a Justiça Eleitoral tem se tornado cada vez mais a guardiã da democracia brasileira, primando sempre pela obediência irrestrita às leis eleitorais e às determinações constitucionais. Nessa linha, o seu papel para o futuro do processo democrático brasileiro reside fundamentalmente no pleno exercício das suas funções essenciais: jurisdicional; administrativa; normativa e consultiva.

Projeta-se como fundamental para o futuro do processo democrático brasileiro que a Justiça Eleitoral exerça de forma ampla o ativismo judicial como medida para garantir e potencializar a efetivação das suas missões constitucionais e dos valores democráticos.

26 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Memória e cultura. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/institucional/memoria-e-cultura>. Acesso em 16 Abr. 2012. 27 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. rev. ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Além do ativismo judicial, cabe à Justiça Eleitoral fomentar um contínuo processo de aperfeiçoamento educacional para o voto, ou como melhor denominamos, deve a Justiça Eleitoral potencializar a promoção da educação para a cidadania, através de projetos institucionais e sociais que envolvam a aproximação com o eleitor e trate da pedagogia e da importância do voto consciente.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARREIROS NETO, Jaime. Histórico do processo eleitoral brasileiro e retrospectiva das eleições. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12872/historico-do-processo-eleitoral-brasileiro-e-retrospectiva-das-eleicoes#ixzz1rVqEc9iZ>. Acesso em 16 Abr. 2012.

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BRASIL, Decreto-Lei 7.586 de 25 de maio de 1945. Regula, em todo país, o alistamento eleitoral e a eleições a que se refere o artigo 4º da Lei Constitucional n. 9, de 28 de fevereiro de 1945. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-7586-28-maio-1945-417387-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 22 abr. 2012.

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ABUSO DO PODER REGULAMENTAR E TSE:Contas eleitorais rejeitadas e quitação eleitoral - as eleições de 2012

(reflexos do “moralismo eleitoral”)1

Ruy Samuel Espíndola.2

“As regras eleitorais se referem à concretização do princípio de legitimação do exercício do poder político. Exige-se, para a sua imposição, ampla discussão parlamentar, com caráter fortemente deliberativo e com a participação das minorias. A legitimidade para a restrição de direitos – direitos políticos, como a elegibilidade (...) – está, por força do princípio do Estado de Direito, no órgão representativo. Apenas o Parlamento pode ditar normas sobre a disputa eleitoral.

Em nome, simultaneamente, de uma necessária “moralização” do processo e de um imperioso impulso na reforma política, o Tribunal Superior Eleitoral vem, frequentemente, inovando em matéria eleitoral, criando direitos e obrigações (...).” Eneida Desirre Salgado

O poder regulamentar do TSE está positivado no Código Eleitoral de 1965 e na Lei 9.504/97 e não na Constituição da República.3 A Constituição de 1988 não o recepcionou.4 O poder regulamentar do Presidente vem

1 Suma de exposição a ser apresentada no painel “Judicialização da Política: Tribunal Superior Eleitoral e Abuso do Poder Regulamentar”, que integra o programa do II Congresso de Ciência Política e de Direito Eleitoral do Piauí, que ocorrerá entre os dias 14 a 16.06.12, em Teresina, no auditório da Justiça Federal.2 Professor de Direito Constitucional da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina e Professor de Direito Eleitoral da ESA/OAB/SC – Mestre em Direito Público pela UFSC – Autor do livro “Conceito de Princípios Constitucionais”, RT – Conferencista Internacional – Secretário de Comissão Especial do Conselho Federal da OAB - Sócio gerente da Espíndola & Valgas, Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC – Advogado militante perante o TSE e STF - [email protected] e www.espindolaevalgas.com.br 3 O Código Eleitoral foi instituído pela Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Nos seguintes artigos nele se positivou o que tem se entendido como poder regulamentar do TSE: “Art. 21 Os Tribunais e juízes inferiores devem dar imediato cumprimento às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral. (...). Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior, (...) IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código; (...) XVIII - tomar quaisquer outras providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral.” Interessante observar que em 29.09.09 houve alteração legislativa no Código Eleitoral, em que se aludiu, expressamente, ao exercício deste poder regulamentar pelo TSE: “Art. 233-A. Aos eleitores em trânsito no território nacional é igualmente assegurado o direito de voto nas eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, em urnas especialmente instaladas nas capitais dos Estados e na forma regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”. O artigo 61 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) referenda a mesma tese: “O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução desta Lei.” A corroborar nossa afirmação o escólio de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, em Poder Normativo da Justiça Eleitoral, João Pessoa, Sal da Terra, 2004: “O título genérico ́ Instruções´, regras que explicitam a legislação eleitoral, normalmente editadas através de Resoluções, com nítido caráter vinculativo e força de regra geral, materializa o poder regulamentar atribuído ao Tribunal Superior Eleitoral, sendo de grande utilidade, posto que interpreta, não só os dispositivos do Código Eleitoral, mas também as leis eleitorais esparsas, o que facilita o seu entendimento e aplicabilidade. (...). A atividade regulamentar é característica da função administrativa da Justiça Eleitoral, através da qual o Tribunal Superior Eleitoral expede Instruções, que são atos normativos de caráter abstrato, com a função de explicitar a lei eleitoral, a exemplo do regulamento expedido pelo Poder Executivo.” (p. 37). “A função regulamentar da Justiça Eleitoral apresenta-se através das Instruções Normativas Eleitorais, que são editadas através de Resoluções. As Instruções Eleitorais são atos normativos editados por força da própria lei eleitoral e decorrem do poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral.” (p. 49). “Sendo as Instruções do Tribunal Superior Eleitoral a materialização do poder regulamentar dessa justiça especializada, assemelhando-se aos Decretos emanados do Poder Executivo, através do qual o Presidente da República exerce a mesma função de regulamentar as leis, elas não ´traduzem emanação da função legislativa, mas verdadeira atividade administrativa de caráter normativo.” (p. 55).Igualmente, Eneida Desirre Salgado: “A elaboração das “instruções” para o fiel cumprimento da legislação eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral fundamenta-se em dispositivos infraconstitucionais: no parágrafo único do artigo 1º e no inciso IX do artigo 23 do Código Eleitoral, no artigo 61 da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e no artigo 105 da Lei das Eleições (Lei 9.504/97).” Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral. Tese para obtenção do grau de Doutor em Direito, Universidade Federal do Paraná, 2010, p. 302.4 Vide rol de dispositivos constitucionais que não o trataram, sequer reflexamente, constante dos artigos 118 a 121 da CF.

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nela previsto.5 Assim como o do CNJ.6 A lei 9.504/97, alterada em 29.09.09 (pela Lei 12.034), em seu artigo 105, foi mais além, ao fixar o

que a Constituição da República não conferiu ao TSE:

Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).

Tal dispositivo, embora contrário à Constituição, expressa o ânimo jurídico de estabelecer limites ao poder regulamentar do TSE7, para que esse órgão do judiciário se contenha nos limites próprios dessa atividade normativa, que é dar fiel execução às leis, sem alterá-la ao sabor das conveniências da autoridade com poder normante8. Mas além desse ânimo, a lei eleitoral impôs duas questões, que afetam ao tema deste ensaio: não poderá o TSE com as instruções regulamentares, restringir direitos (como o de candidatura...), e deverá ouvir, previamente, em audiência pública, os delegados e representantes dos partidos políticos.9

Não obstante a regra da lei 9.504/97, a base do poder regulamentar para o TSE é inconstitucional, pois não encontra chão na vigente ordem constitucional10. E a lei 9.504/97 não poderia ter ido além do quanto fixado na Constituição. O artigo 105 dessa lei, conferido pela lei 12.034/09, é inconstitucional, pois o poder regulamentar é poder sob reserva de constituição e não pode ser conferido aos órgãos constitucionais pelo alvedrio do legislador ordinário.

Já tivemos oportunidade de sublinhar tal ideia em trabalho que tratou da separação de poderes e princípio da legalidade, temas iluminantes da compreensão do poder regulamentar entre nós:

“Essa concepção está presente na teoria constitucional contemporânea, no constitucionalismo

5 Constituição da República de 1988: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...). IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”6 Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009) (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União.”7 Com muita propriedade, sobre esse dispositivo, critica Eneida Desirre Salgado: “Os legisladores se deram conta dessa interferência indevida e, por meio de uma norma jurídica, estabeleceram, de maneira acaciana e conceitualmente equivocada, que a competência do Tribunal Superior Eleitoral para editar intruções tem caráter regulamentar e não pode restringir direitos ou estabelecer sanções não previstas em lei. E foi além: impôs a participação dos partidos.” (negritamos!). Ob. cit., p. 314..8 Ver Eneida Desirre Salgado “... caso se conceba, erroneamente, a competência regulamentar da Justiça Eleitoral como válida, deve-se reconhecer-se os limites estritos deste poder. A competência regulamentar é uma espécie de poder normativo, mas vinculada, no ordenamento jurídico brasileiro, à edição de normas secundárias para a execução direta de uma lei específica. Seu fundamento formal deriva da Constituição e seu alcance não atinge a regulamentação direta das normas constitucionais – competência, por excelência, do Poder Legislativo.” (acrescentamos itálico!) Ob. cit, p. 302 9 Os partidos, através de seus representantes, não foram ouvidos sobre o tema, já que há 18 legendas a procurar a Presidência da Suprema Corte Eleitoral para demover o TSE de levar adiante este excesso normativo, como noticiado pela grande imprensa, em 15.03.12.10 Vale destacar, outra vez, as lições de Eneida Desirre Salgado: “a atuação da Justiça Eleitoral na expedição de resoluções é inconstitucional. Sem previsão expressa na Constituição e em face de uma função atípica, não se pode considerar a possibilidade de elaboração de normas, ainda que secundárias, pelo Poder Judiciário.” p. 301. “A Justiça Eleitoral não está entre os órgãos competentes para a expedição de atos normativos segundo a Constituição. Logo, a elaboração de resoluções não tem respaldo constitucional. Não obstante, essa questão não se coloca, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência. O que se pode admitir é a expedição de instruções, compreendidas adequadamente – que se destinem apenas à atuação administrativa da Justiça Eleitoral, sem possibilidade de seus efeitos atingirem os particulares.” p. 302. Cf. sua tese Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral, ob. cit.

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hodierno, e, principalmente, nas constituições atuais, como a brasileira de 1988 (artigo 2º). Nela, a separação de poderes é objeto de reserva de Constituição, ou seja, o que cabe na matéria atinente ao princípio da separação deve estar tratado diretamente, expressa e/ou implicitamente, no texto constitucional.

Essa reserva de constituição se justificaria, entre tantas razões, por exigência de regulação firme, segura e estável das relações e controles recíprocos entre os órgãos de poder, especialmente entre o Legislativo e o Governo, aqui entendido como Executivo, sem descurar-se do Judiciário. Essa exigência político-jurídica revela-se no ideário que afirma que é na Constituição que as linhas mestras e toda a matéria pertinente ao tema separação de poderes se exaure, especialmente no que toca às competências/atribuições dos órgãos de poder, não só em relação às suas tarefas e missões constitucionais relativamente à sociedade, mas, especialmente, nas suas relações entre si e nas suas relações intra-poderes, ou melhor: no que toca ao relacionamento entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, tudo deve estar positivado através de regras jurídicas contidas e exauridas no texto constitucional.

Segundo Hans Kelsen a matéria referente à separação de poderes, suas funções, seus agentes, suas prerrogativas, seus procedimentos mínimos de atuação, deve ser objeto de reserva de constituição, pois tratá-la em legislação ordinária é permitir que as relações entre poderes, que devem ser regradas estavelmente, possam ser alteradas por maiorias parlamentares circunstanciais, o que implicaria grande instabilidade nas relações institucionais entre os Poderes do Estado (Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo, Martins Fontes, 1990). Assim não fosse o jogo do poder não teria regras claras, precisas, garantidoras de calculabilidade e segurança jurídicas (noberto bobbio, “Governo dos Homens ou Governo das Leis”,O Futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo, 4 ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, p. 151/171).

Nesse víeis, o que estivesse seguro hoje, através regra positiva, facilmente seria alterado amanhã, quando forças políticas circunstantes pudessem mudar, ordinariamente, o cenário estabelecido pelo Direito.”11.

Razões históricas, de conveniência política, pragmáticas, “de bom senso”, de “natureza das coisas” (jusnaturalistas), não podem validar perante nosso Direito Positivo o poder regulamentar do TSE.12 Todavia, além da base deste poder ser inconstitucional para o TSE,13 o seu exercício por esta Corte tem sido inconstitucional,

11 Cf. Ruy Samuel Espíndola. Separação de Poderes, Legalidade Administrativa e Anuência Legislativa para Aquisição de Imóvel por Doação. Revista Interesse Público. Porto Alegre: Nota Dez, ano 2005, n.34, p. 235-26512 Suma dessas razões extrajurídicas foram sumariadas por Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, em Poder Normativo da Justiça Eleitoral, João Pessoa, Sal da Terra, 2004: - o poder regulamentar do TSE se justificaria, como exceção ao poder regulamentar do presidente, pois essa autoridade tem interesse político-partidário no resultado eleitoral (p. 18). Também o “bom senso” e a “natureza das coisas”, “na prática”, afirmam que o TSE deva continuar a exercer poder regulamentar (p. 44). Ainda, tal poder seria “inerente e peculiar às tarefas administrativa e judicial da Justiça Eleitoral” (p. 45). Razões históricas e até pragmáticas justificariam a função regulamentar da Justiça Eleitoral (p. 45). Suprimido esse poder da justiça eleitoral, o processo eleitoral seria prejudicado, entregue a lerdeza do Legislativo (p. 45). Ainda como razão pragmática, se alega que como é próprio ao Executivo regulamentar as leis ordinárias, ao Poder Judiciário caberia regulamentar as leis eleitorais. (p. 45). Cabe enfatizar: nenhuma dessas razões, verdadeira e validamente, se ambienta no Direito Positivo brasileiro; elas não podem receber o aceite da doutrina especializada ou o referendo de exegeses do Judiciário que estejam fundadas em razões jurídico-constitucionais positivas; fundadas em reflexão séria e comprometida com os direitos das pessoas e com os limites dos poderes de estado; fundadas em bases argumentativas jusfundamentais (Robert Alexy); fundadas sobre a inteligência hodierna do que se convencionou chamar de Estado Democrático de Direito.13 Como referenda o tratadista brasileiro do poder regulamentar, tendo em conta a ordem constitucional antecedente que fora mais complacente, em suas normativas, com atos normativos sem elaboração e debates congressuais parlamentares, Diógenes Gasparini, Poder Regulamentar, 2 ed., São Paulo, RT, 1982: “No que diz respeito à competência, só os chefes dos Poderes Executivos, em nosso sistema, podem editar regulamentos. É,

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muitas vezes.14

É o caso da regra instituída por “ato de interpretação”, com reflexos para aqueles candidatos que tiveram contas rejeitadas em 2010, e que irão postular mandatos de vereador ou prefeito nas eleições de 2012. Falamos da “interpretação normativa” que o TSE “inseriu”, novamente,15 na Resolução 23.376/12, artigo 52, § 2º 16.

O TSE, por 04 votos a 03, agiu como se não houvesse diferença entre positivação de uma regra, pelo poder constitucionalmente instituído para produzi-la (o Congresso Nacional), e o ato de interpretação e aplicação da mesma pelo poder próprio (Justiça Eleitoral). Agiu como se não houvesse um limite para o intérprete no ato de interpretar o enunciado linguístico do dispositivo e o produto do resultado desta interpretação: a norma jurídica válida. No caso, transbordou dos limites interpretativos do § 7º, do artigo 11 da Lei ordinária 9.504/97,17 que fala da apresentação de contas e quitação eleitoral18. Assim agindo, este Tribunal Superior, ilegitimamente, portanto, uma atribuição privativa.” (p. 9) “O regulamento é ato privativo e indelegável dos chefes dos Poderes Executivo da União, dos Estados e dos Municípios. Nulo é o regulamento expedido por outro órgão, agente ou pessoa.” (p. 159).14 Rememoremos exemplo emblemático ocorrido durante a eleição de 2008 – e que nos fez, na qualidade de advogado, aduzir tema de inconstitucionalidade perante a justiça eleitoral. Para os fins deste ensaio readaptamos os argumentos advocatícios outrora deduzidos em processo judicial: “Inconstitucionalidade material do inciso X, do artigo 1°, da Resolução-TSE n. 22.623/07 - Violação a regras e a princípios que compõem a disciplina constitucional da legalidade (artigos 1°, caput, 5º, II, XXXIX, c/c 84, IV, da Constituição da República) – Instituição de obrigação de registrar informação quanto ao número de registro da empresa responsável pela pesquisa eleitoral no Conselho Regional de Estatística – Positivação não por lei emanada do Congresso Nacional e sim por mera resolução expedida pelo TSE –– Malferimento do princípio da reserva legal em matéria sancionadora eleitoral. O inciso X não tem previsão no artigo 33 da Lei 9.504/97. Não está referido em qualquer dispositivo da Lei 9.504/97 ou em qualquer outra lei eleitoral. Tal dispositivo tribunalício é inconstitucional, pois não se assentou na lei, mas no puro arbítrio normante do TSE. Esse regulamento/resolução, introduziu incabível regra de obrigação de prestar informações à justiça eleitoral, com sanção de multa pecuniária de 50.000 a 100.000 UFIR’s, afrontando o princípio constitucional da legalidade (artigos 1°, 5º, II, c/c 84, IV, CF). Essa crítica se aplica, em todos os seus argumentos, à previsão novidadeira de que a rejeição de contas em 2010, não poderá ensejar quitação eleitoral a ser dada para a eleição de 2012. Lembramos, ainda, que impedir registro de candidatura é, em termos teóricos e pragmáticos, gerar inelegibilidade (ver Adriano da Costa Soares, em seu Instituições de Direito Eleitoral, 7 ed., Rio de Janeiro, Lumem Juris, 2008, p. 03/60). Outro exemplo de atuação inconstitucional do TSE, em matéria regulamentar (ou normativa) é lembrada por Eneida Desirre Salgado:“O artigo 6º da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) trata da possibilidade das coligações. A interpretação tomada na eleição de 1998 foi afastada em 2002 por uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (consulta 715). A partir dessa nova interpretação, dada em 26 de fevereiro de 2006, as coligações que se realizaram neste ano tiveram que obedecer à “verticalização das coligações”. Essa “interpretação” do Tribunal Superior Eleitoral foi afastada pela Emenda Constitucional 52, de 08 de março de 2006. Essa decisão legislativa, que alcançou consenso qualificado nas duas casas, em duas votações, previa sua aplicação nas eleições de 2006. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, paradoxalmente, declarou inconstitucional esse dispositivo em ação direta de inconstitucionalidade (3685-8). A emenda teve que esperar o prazo do artigo 16 da Constituição. A resolução foi aplicada imediatamente. Joel José Cândido sublinha que a menos de quatro meses da realização das convenções já havia tratativas em curso sobre candidatos e vices, bem como pesquisas de intenção de voto a respeito de nomes já cogitados. Houve prejuízo do processo eleitoral com a modificação do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral. Mais do que isso. Como aponta Monica Herman Salem Caggiano, a imposição de verticalização fere a autonomia partidária e é matéria reservada à lei e não ao regulamento.” (p. 309). Cf. Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral, ob. cit.15 “Novamente”, pois já debatido no TSE, durante o pleito de 2008, com a introdução formal da criticada regra. Todavia, repelido pelo próprio Tribunal Superior, por entendê-la desbordante do texto legal. Agora volta à tona regra/exegese que se entendia sepultada por que incompatível com missão regulamentar... por certo, que ao reboque de moralismo eleitoral!16 “Art. 52. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada até 8 dias antes da diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 30, § 1. (...) § 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral.

17 “Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições. (...). § 7o A certidão de quitação eleitoral abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009).”18 Transcrevemos opinião de Lênio Streck, que criticou “a superação” do artigo 501 do CPC por abuso hermenêutico do STJ, em caso de relatoria da Ministra Nancy Andrighi (mesma ministra que ocasinou o ponto criticado neste ensaio). Sua palavras aplicam-se, como luvas, ao ponto ora em crítica: “.... nenhum movimento por parte da doutrina, visando a buscar demonstrar ao Tribunal que ele não pode “legislar”. Não é tarefa do Judiciário “fazer leis”. Cada Poder faz a sua “tarefa” na democracia. (...). Digo eu: na democracia é assim: o parlamento faz as leis e o Judiciário as faz cumprir... (...), só há seis hipóteses em que o Judiciário pode deixar de cumprir a lei... Fora destas, só resta aos membros do Judiciário se candidatarem ao parlamento! (...) . Isso

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“reescreveu” o dispositivo legal, como se legislador fosse.19 Alterou a normativa positivada pelo legislador eleitoral, em usurpação de sua competência e em afronta aos direitos políticos dos cidadãos (tanto dos eleitores, quanto de futuros candidatos).20 E isso lhe é vedado pela ordem constitucional vigente.21 Feriu o chamado princípio do congelamento hierárquico, tão bem explicado por J. J. Gomes Canotilho.22

O entendimento do TSE no caso da negativa de conferir quitação eleitoral a quem teve contas rejeitadas na eleição de 2010, fere os princípios da legalidade e o da separação de poderes. E o princípio da segurança jurídica, corolário dos dois últimos – já se sabe que 21.000 pessoas serão afetadas, retroativamente, como esclareceu a Ministra Nancy Andrighi23. tudo, para Lênio: “diz respeito ao debate contemporâneo entre democracia e constitucionalismo e ao dilema que dele se extrai: de que forma podemos controlar o poder de quem decide, para, com isso, evitar que o Judiciário atropele as decisões da vontade geral.” E conclui o afamado jus-filósofo: “Para encerrar mesmo: para além de tudo o que foi dito, penso que a decisão em tela assume ainda maior relevância em face de seu conteúdo simbólico (no sentido de Castoriadis e Lacan). A pergunta que fica é: quais são os limites da interpretação do direito? E quais são os limites dos “princípios” (?) da razoabilidade e da proporcionalidade? Seriam tais “princípios” álibis para o exercício de arbitrariedades hermenêuticas? Ou seriam apenas mantras retóricos ou enunciados performativos? Na verdade, mesmo que uma lei nos cause aborrecimento, se não tivermos argumentos constitucionais para ultrapassá-la, teremos que aplicá-la. Mesmo contra a nossa vontade.” Cf. seu Ministros do STJ não devem se aborrecer com a lei. Revista Conjur, Coluna Senso Incomum, de 07.06.12: http://www.conjur.com.br/2012-jun-07/senso-incomum-nao-aborreca-lei-ministra-nancy-andrighi, acesso em 11.06.12.19 E nesse sentido calha a crítica jurídica defluente deste precedente do STF: “Lei 6.683/1979, a chamada ‘lei de anistia’. (...) princípio democrático e princípio repu blicano: não violação. (...) No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele, produzir distintas normas. Mas nem mesmo o STF está autorizado a reescrever leis de anistia. Revisão de lei de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá – ou não – de ser feita pelo Poder Legislativo, não pelo Poder Judiciário.” (ADPF 153, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-4-2010, Plenário, DJE de 6-8-2010.) (negritamos e acrescentamos itálico!)20 Citando José Delgado, Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, em Poder Normativo da Justiça Eleitoral, ob. cit.: “o regulamento eleitoral, quando expedido, deve se submeter às limitações legais que sobre ele, normalmente, recaem, pelo que não deve, em nenhuma hipótese, alcançar a integridade de qualquer direito ou garantia fundamental do cidadão, nem diminuir ou aumentar os limites dos direitos subjetivos constituídos pela lei eleitoral.” (p. 85)Essa também é a opinião da eleitoralista Eneida Desirre Salgado:

“De qualquer forma, os regulamentos não podem, sob pena de inconstitucionalidade, alterar ou substituir leis. Não podem criar direitos ou obrigações. Não podem restringir nem ultrapassar a lei. E os regulamentos de execução estão essencialmente limitados pela lei que os fundamenta. Não se podem admitir regulamentos emanados do Poder Judiciário em matéria eleitoral. Menos ainda a possibilidade de regulamentos autônomos em face do princípio constitucional da estrita legalidade.” (p. 302-303)“A atuação do Tribunal Superior Eleitoral em matéria de resoluções, se admitida (inobstante sua inconstitucionalidade), deve se subordinar à noção de função regulamentar de maneira estrita: aquela em que não há espaço para discricionariedade qualquer, mas apenas se deve desdobrar, especificar o que a lei determina de modo genérico. Dessa forma, as resoluções eleitorais devem se restringir a esclarecer datas, competências e procedimentos para a eleição específica que será disputada, facilitando a compreensão da legislação eleitoral. Apenas isso. (...).As resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, se afastada sua inconstitucionalidade absoluta, somente podem ter a natureza jurídica de regulamentos de execução, destinados a facilitar a execução da lei, precisando o conteúdo dos seus conceitos e determinando os procedimentos a serem tomados pela Justiça Eleitoral em sua função administrativa. Não inovam a ordem jurídica, não podem operar contra a lei, para além da lei, são completamente subordinados à lei: “Qualquer de suas disposições que contrarie dispositivo de lei a que o mesmo [o regulamento de execução] se refere, ou de qualquer outra lei, não pode ter aplicação”. (p. 305). Cf. Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral. Ob. cit.21 Cf. Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, em Poder Normativo da Justiça Eleitoral, ob. cit.: “... a função normativa da Justiça Eleitoral é atividade normativa secundária, porquanto expressa através das Instruções Normativas, que não estão elencadas como atos normativos primários, previstos no art. 59 da Constituição Federal, não possuindo o poder de inovar a ordem jurídica.” (p. 80) “...Pinto Ferreira: ´As Instruções do Tribunal Superior Eleitoral devem concordar com o texto legal, para que tenham eficácia . (...) a Corte Eleitoral não pode, por ocasião do exercício dessa competência, puramente regulamentar, alterar o texto da lei.” (p. 82)22 Eneida Desirre Salgado, citando Canotilho, explica este princípio: “José Joaquim Gomes Canotilho assim explica o princípio do congelamento do grau hierárquico: “Quando uma matéria tiver sido regulada por acto legislativo, o grau hierárquico desta regulamentação fica congelado, e só um outro acto legislativo poderá incidir sobre a mesma matéria, interpretando, alterando, revogando ou integrando a lei anterior” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Op. cit., p. 780-781).” Ob. cit, p. 307, nota 1213,.23 Houve interessante reação congressual, por parte do deputado federal Pauderney Avelino (DEM-AM), quanto a essa específica decisão do TSE, como nos mostra a seguinte notícia (re)publicada no número 14, de 4.5.2012, do Boletim Eleitoral Gabriela Rollemberg Advocacia: “4.5.2012 Projeto torna lei exigência de aprovação de contas de campanhas para candidatos - A Câmara analisa o Projeto de Lei 3356/12, do deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), que torna obrigatória a aprovação das contas de campanhas eleitorais para a obtenção de certidão de quitação eleitoral – uma das exigências para o registro de candidatura. O autor lembra que recentemente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou resolução (23.376/12) com o mesmo propósito. Ele argumenta, no entanto, que uma resolução não pode alterar o conteúdo de uma lei (Lei das Eleições - 9.504/97). A lei atual estabelece a obrigatoriedade apenas da apresentação das contas de campanha pelo candidato. Não há dispositivo sobre a necessidade de aprovação das contas pela

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O poder que produz a norma não pode aplicá-la, em julgamentos, em casos concretos. Só o STF pode fazê-lo, no caso de súmulas vinculantes, por autorização constitucional expressa.24 O princípio constitucional estruturante da separação de poderes foi violado,25 assim como o princípio geral da legalidade (que no caso é de reserva qualificada, pois reclamaria lei complementar), 26+27 no caso da regra da resolução em crítica.

Esse poder regulamentar do TSE deve ser suprimido, por revogação, em reforma do Código Eleitoral e da Legislação eleitoral.

Por outro lado, em termos pragmáticos, a consequência da regra criada por resolução interpretativa (a que nega quitação eleitoral aos que tiverem as contas rejeitadas), é, às avessas do direito, criação de nova hipótese de inelegibilidade, mediante resolução do TSE e não por lei complementar concretizante do § 9º do artigo 14, da CF.28+29 Assim, o TSE agride os direitos fundamentais de candidatura dos cidadãos, pois criou situação jurídica

Justiça Eleitoral. “Numa época em que a Lei da Ficha Limpa, quase em sua totalidade, foi validada pelo STF, não justifica permitir que candidatos sem contas julgadas e aprovadas disputem eleições”, afirma o deputado. Tramitação -A proposta será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e pelo Plenário. Leia o original desta notícia em: Pernambuco.com http://www.pernambuco.com´.”

24 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)(Vide Lei nº 11.417, de 2006). § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”25 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”26 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”27 Sobre esses três princípios (separação de poderes, legalidade administrativa e segurança jurídica) vejam ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa. Anotações em torno de questões contemporâneas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3138, 3 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/20988>. Acesso em: 3 fev. 2012. E do mesmo autor Separação de Poderes, Legalidade Administrativa e Anuência Legislativa para Aquisição de Imóvel por Doação. Revista Interesse Público. Porto Alegre: Nota Dez, n.34, ano 2005, p. 235-265.28 “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).”29 Essa opinião é também a do maior dos eleitoralista, Adriano da Costa Soares, manifestada em seu afamado blog: “(...) me impressiona (...) a discussão sobre a inelegibilidade (isso mesmo, chamemos as coisas pelo nome) cominada pela rejeição de contas, representada pela negativa de certidão de quitação eleitoral, mesmo em expressa e desabrida ofensa à Lei 9.504/97, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.300/2006 , conforme notícia veiculada no site do Tribunal Superior Eleitoral:

Ao apresentar seu voto-vista na sessão desta noite, a ministra Nancy Andrighi defendeu a exigência não apenas da apresentação das contas, como ocorreu nas Eleições 2010, mas também da sua aprovação pela Justiça Eleitoral para fins de obter a certidão de quitação eleitoral. A certidão de quitação eleitoral é documento necessário para obtenção do registro de candidatura, sem o qual o candidato não pode concorrer. De acordo com a ministra, não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que tiver suas contas reprovadas. (...)“O candidato que foi negligente e não observou os ditames legais não pode ter o mesmo tratamento daquele zeloso que cumpriu com seus deveres. Assim, a aprovação das contas não pode ter a mesma conseqüência da desaprovação”, disse Nancy Andrighi ao reafirmar que quem teve contas rejeitadas não está quite com a Justiça Eleitoral. (...) Ela destacou ainda que existem mais de 21 mil candidatos que tiveram contas reprovadas e que se encaixam nessa situação. (...) Por essas razões, a ministra sugeriu a inclusão de um dispositivo na resolução para se adequar ao novo entendimento. O dispositivo a ser incluído já estava previsto na Resolução 22.715/2008 (artigo 41, parágrafo 3º) e prevê que “a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral”. (...) Já tive oportunidade de escrever sobre esse tema no blog. O que me espanta, nessa quadra, é que os votos vencedores da decisão simplesmente, sem pejo, criaram uma espécie de “direito achado na rua”. Substituindo as razões do legislador, sobrepuseram-lhe as razões políticas do julgador, aplicando o “eu acho” judicial, que vale mais do que a norma positivada. O “eu acho judicial” termina sendo uma abolição da segurança jurídica, de um lado, e um abuso do poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, de outro lado, que apenas poderia editar resoluções regulamentares nos limites precisos. (...) Apesar do abuso de poder regulamentar - que às mancheias fica evidenciado nessa decisão do TSE -, impressiona o

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não prevista em lei complementar, restritiva do status activus.O fichalimpismo majoritário do TSE é contra constitutione e contra legem. 30 E no caso em comento

namora com um aspecto do fascismo:31 aquele que desrespeita à democracia representativa e aos direitos fundamentais com alto clamor popular. Se o TSE insistir nesse abuso inconstitucional,32 devem as 18 legendas partidárias que recorreram a Corte suspender a resolução,33 por excesso de poder regulamentar,34 com base no artigo 49, V, da Constituição.35 Ou seja, esses partidos políticos, através do Congresso Nacional, devem impugnar esse excesso inconstitucional da mais alta corte eleitoral do País.

A um primeiro olhar pode-se aduzir que a suspensividade prevista no dispositivo constitucional, como poder atribuído ao congresso nacional, abarcaria apenas o poder regulamentar do poder executivo, excluso o exercido por outros poderes da República. Pensamos que tal interpretação não seja a mais adequada, por que quando da edição da Constituição de 1988, somente o Executivo detinha o poder regulamentar. Emenda constitucional o estendeu ao CNJ, sem que o conteúdo tutelar do dispositivo V, do artigo 49 fosse atualizado em sua redação. Todavia a mudança da letra da constituição, relativamente ao CNJ, mutou a forma de se compreender o inciso V, do artigo 49. Ou seja, operou-se mutação na competência tutelar: qualquer poder regulamentar, exercido por qualquer autoridade autorizada a fazê-lo, pode sofrer a suspensão do artigo 49, inciso V, desde que desborde dos limites constitucionais de seu exercício. Trata-se de mutação constitucional operada no conteúdo normativo dos poderes de suspensividade de ato regulamentar desbordante da Constituição.

Assim, é preciso uma resposta da democracia representativa aos excessos da autocracia judicial.36

apelo à insegurança jurídica que ela suscita.” Texto Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era do “fichalimpismo”, acesso em 22.04.12 (negritamos).30 A expressão foi cunhada por Adriano da Costa Soares - http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/search/label/fichalimpismo - Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era do “fichalimpismo”, acesso em 22.04.12.31 A interxtualidade dessa colocação pressupõe as seguintes leituras: Norberto Bobbio, Ensayos sobre el Fascismo. trad. Luis Rossi. Buenos Aires, Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 2006. 175 p; Michael Mann. Fascistas. trad. Clóvis Marques. RJ e SP: Record, 2008. 556 p.32 33 No sentido exposto, calha lembrar precedente do STF: “O princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações. Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucional­mente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal. O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua contra legem ou praeter legem, não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, V, da CF e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar (...)’. Doutrina. Precedentes (RE 318.873-AgR/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.).” (AC 1.033­AgR­QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-5-2006, Plenário, DJ de 16-6-2006.) (itálicos acrescentados!)Conforme notícia retirada do Blog Midiajur, acesso em 22.04.12, http://www.midiajur.com.br/conteudo.php?sid=235&cid=2627: “Partidos pedem que TSE reveja decisão sobre contas ­ Corte decidiu que rejeição de contas é motivo para não expedição de quitação eleitoral - GABRIELA GUERREIRO ­ FOLHA DE S. PAULO ­ Representantes de 18 partidos vão pedir ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que reconsidere a decisão de proibir, nas eleições municipais deste ano, candidaturas de políticos que tiveram as contas da campanha eleitoral de 2010 rejeitadas.” Publicada em 15.03.12.

34 Da lição imorredoura do grande Geraldo Ataliba, retiramos o seguinte excerto: “É próprio da lei o criar, extinguir ou modificar normativamente direitos, de modo inauguralmente inovador. Só o órgão legislativo, no nosso sistema, tem competência para modificar, no plano normativo, a ordem jurídica. Só os órgãos representativos podem instaurar ou suprimir direitos ou situações genéricas e abstratas. ´Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão de competência legislativa´ (Celso Antonio Bandeira de Mello...).” Cf. seu clássico República e Constituição, 2 ed., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 147. (acrescentamos negrito e itálicos).35 “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.”36 Sobre o conceito de democracia representativa, ver ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Democracia participativa: autoconvocação de referendos e plebiscitos pela população. Análise do caso brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21124>. Acesso em: 18 fev. 2012.

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Esse excesso do TSE é apenas um dos aspectos de uma guerra silenciosa sendo travada entre os poderes da república. Há um levante dos sem mandato político contra os com mandato político. Há muitos agentes políticos sem mandato querendo se adonarem de parcela da representação que só cabe aos eleitos pelo voto popular e com respaldo popular. Não podemos aceitar o elitismo de Platão, com “juízes filósofos” que dirão ao povo quem deve e como se deve governar. Isso cabe ao povo escolher e dizer! Esse é o espaço da democracia representativa. O caminho majoritário escolhido pelo TSE, no caso das contas eleitorais rejeitadas em 2010, leva-nos ao atalho da autocracia judiciária.

Essa “guerra” ainda não percebida pelos mandatários políticos, ora tem como alvo o flanco do mandato político, da representação, do direito de escolha livre e independente, pelo eleitor, de seus representantes. Nesse processo bélico inconfesso, não tem havido contenção em se atacar, sem medidas, o direito político fundamental de candidatura, a outra face da pedra angular da democracia representativa.

Que não fique sem resposta institucional legítima, pelos exercentes de mandato eletivo, esse ataque à liberdade fundamental de candidaturas37. O TSE, com essa medida inconstitucional majoritária (por 04 x 03), dá

37 Uma resposta interessante ao TSE, e muito bem fundamentada (levantando muitos debatidos neste ensaio e outros mais), foi feita por parlamentar em maio de 2012. Talvez inócua para este ano de eleições municipais, em face dos impedimentos do artigo 16 da CF. Ela se consubstancia no projeto de lei PL-3839/2012 de autoria do Deputado Federal Roberto Balestra (Góias). Vale conhecer o teor do projeto e de sua precisa justificativa para avaliarmos sua proficuidade ao debate crítico:

“Projeto de Lei n° /2012 (Do Dep. Roberto Balestra ) Altera a redação da Lei n° 9.504, de 30 de setembro de 1997. Art. 1º - A Lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações: Art.11................……………................................................................................... ............................................................................................................. § 8o Para fins de expedição da certidão de que trata o § 7o, considerar-se-ão quites aqueles que: III – apresentarem à Justiça Eleitoral a prestação de contas de campanha eleitoral nos termos desta Lei, ainda que as contas sejam desaprovadas. Art.30................................................................................................... .............................................................................................................§ 5º A decisão que desaprovar as contas sujeitará o candidato unicamente ao pagamento de multa no valor equivalente ao das irregularidades detectadas, acrescida de 10 % (dez por cento). § 6º Da decisão que julgar as contas prestadas pelos candidatos e comitês financeiros caberá recurso ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias, a contar da publicação no Diário Oficial. § 7o No mesmo prazo previsto no § 6o, caberá recurso especial para o Tribunal Superior Eleitoral, nas hipóteses previstas nos incisos I e II do § 4o do art. 121 da Constituição Federal. § 8o O disposto neste artigo aplica-se aos processos judiciais pendentes. § 9º Os recursos arrecadados com o pagamento da multa prevista no § 5º deste artigo serão utilizados para compor o Fundo Partidário estabelecido no art. 38 da Lei nº 9.096/1995. Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.”

“JUSTIFICAÇÃO A alteração legislativa aqui proposta tem por primeiro objetivo esclarecer os critérios a serem adotados para expedição da certidão de quitação eleitoral pela Justiça Eleitoral, documento exigido no artigo 11, § 1º, VI, da Lei Geral das Eleições (Lei nº 9.504/97) dentre aqueles a serem apresentados pelos partidos e coligações para viabilizar o registro de candidatura, ao início do processo eleitoral.Essa preocupação não é nova, aliás, pois já foi objeto de modificação legislativa introduzida através da Lei nº 12.034/2009, que acresceu o § 7º ao aludido artigo 11. Naquela oportunidade, o Congresso Nacional houve por bem indicar os termos exatos do conteúdo da certidão de quitação eleitoral, fixando, no que toca à prestação de contas, que o documento abrange exclusivamente “a apresentação de contas de campanha eleitoral”. Assim, a alteração legislativa de 2009 pretendeu delinear que o candidato deixaria de ser considerado quite com Justiça Eleitoral apenas e tão somente se deixasse de apresentar prestação de contas de sua campanha, o que se depreende da inserção do vocábulo “exclusivamente” ao início do parágrafo incluído no artigo 11 da Lei das Eleições, a indicar justamente que apenas a falta de entrega da prestação obstaria a expedição da certidão de quitação eleitoral, ao passo em que outras irregularidades concernentes à contas da campanha – como a desaprovação da prestação de contas – não teriam o mesmo efeito. É necessário salientar, ainda, que a alteração legislativa produzida com a expedição da Lei nº 12.034/2009, nesse ponto, restabeleceu a jurisprudência consolidada no Tribunal Superior Eleitoral a respeito do conteúdo da certidão de quitação eleitoral. A orientação jurisprudencial havia sido modificada por aquela egrégia Corte Superior quando da edição da Resolução nº 22.715/2008, em que foi previsto, pela primeira vez, o impedimento para a expedição de certidão de quitação eleitoral em favor do candidato “durante o curso do mandato ao qual concorreu”, em caso de desaprovação das contas de campanha eleitoral (art. 41, § 3º). Nesse contexto, a aprovação da Lei nº 12.034/2009 manifestou por parte do Congresso Nacional sinalização em sentido contrário à interpretação adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral no ano anterior na Resolução nº 22.715, relativamente ao conteúdo da certidão de quitação eleitoral. Na mesma Lei nº 12.034/2009, por sinal, o Legislativo Federal introduziu modificação no texto do artigo 105 da Lei nº 9.504/97 em que enunciou explicitamente vedação à possibilidade de o Tribunal Superior Eleitoral restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas na lei, quando da edição das instruções necessárias à execução da legislação eleitoral, nos anos em que se disputam eleições.

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outra demonstração de agravo à democracia representativa e aos direitos políticos. A primeira demonstração lesiva foi a inconstitucional resposta em consulta, que entendeu aplicável

a lei ficha limpa ao pleito eleitoral de 2010.38 Não fosse pela sua exegese precipitada, respaldada também sem unanimidade (06 x 01), teria se poupado o corpo eleitoral da insegurança vivida até a decisão saneadora do STF, em março de 2011.39

Agora o TSE inaugura nova desavença com disposições constitucionais insofismáveis e com a clara letra da lei eleitoral ordinária.

No entanto, a questão voltou à baila neste ano de 2012, com a expedição da Resolução nº 23.376 pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral, cujo artigo 52, § 2º, estabelece que “a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral”. A interpretação assim concebida, porém, havia sido afastada pelo Congresso Nacional em 2009, e não deve prevalecer na espécie, por diversas razões. Inicialmente, é preciso apontar, respeitosamente, a inadequação de adoção de regulamentação restritiva de direitos individuais sem apoio em literal dispositivo de lei, como ocorre na espécie. Nesse sentido, há de se constatar que a negativa de expedição de certidão de quitação eleitoral acarreta ao eleitor, do ponto de vista prático, impossibilidade de apresentação de um dos documentos legalmente exigidos para a instrução do pedido de registro de candidatura, do que decorre, simplesmente, a restrição de exercício de direitos políticos passivos. E estes se apresentam, no sistema jurídico brasileiro, como direitos fundamentais regulados diretamente no texto da Constituição Federal, aqui tolhidos sem apoio em disposição legal expressa, mas apenas por força de interpretação emanada de respeitabilíssima corte judicial, inscrita em ato regulamentar de natureza infralegal. Sem outras considerações, a adoção de restrição de direitos políticos sem apoio em texto expresso em lei, além de configurar preocupante precedente de violação de direitos individuais constitucionalmente instituídos, pode ser compreendida como descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil no plano internacional, notadamente o Pacto de San Jose da Costa Rica, que em seu art. 23.2 estabelece que somente lei pode regular o exercício dos direitos políticos, apenas sendo admissíveis restrições por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação por juiz competente em processo penal. De outro lado, é certo que a simples rejeição de contas de campanha eleitoral não pode, por si só, e sem outras considerações, conduzir à restrição dos direitos políticos, à falta de outros elementos configuradores de conduta reprovável do ponto de vista moral. Sobrepaira no direito eleitoral brasileiro a prescrição inserta no artigo 14, § 9º, da Constituição Federal, segundo a qual poderão ser criadas (pelo Congresso Nacional) hipóteses de inelegibilidade através de lei complementar (jamais por meio de resolução do Tribunal Superior Eleitoral) “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. É fácil constatar que a simples rejeição de prestação de contas – decisão à qual a Justiça Eleitoral sempre emprestou caráter puramente administrativo, sem sequer admitir como passível de exame em recurso especial (questão também modificada através da Lei nº 12.034/2009, com a introdução do § 6º no art. 30 da Lei das Eleições) – não carrega em si conteúdo capaz de conspurcar a moralidade ou a probidade do candidato interessado. As discussões, muitas vezes meramente burocráticas, centradas no cumprimento de exigências contábeis, travadas no exame de prestações de contas de campanha, simplesmente não se relacionam com os bens constitucionalmente protegidos no § 9º do art. 14 da Carta Política, únicos capazes de fazer gerar restrições para o exercício dos direitos políticos passivos. Nesse aspecto, a restrição de direitos a partir da simples rejeição de contas mostra-se irrazoável, porque não apoiada nos critérios constitucionalmente definidos para o estabelecimento de restrições ao exercício dos direitos políticos. Comparativamente, tome-se a inelegibilidade estabelecida, já com as alterações da Lei da Ficha Limpa, no art. 1º, I, “g” da Lei Complementar nº 64/90. No citado dispositivo, a rejeição de contas de cargos ou funções públicas é instituída como causa de inelegibilidade apenas em face de decisão irrecorrível do órgão competente, e somente quando se apontar em tal decisão o cometimento de “irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa” pelo agente responsável. Não é razoável equiparar as consequências da simples desaprovação de contas de campanha, desacompanhada de qualquer nota de comportamento pessoal imoral ou ímprobo do candidato, às da rejeição das contas de gestão pública, para as quais a lei (complementar) aplica inelegibilidade somente quando configurada conduta pessoal dolosa de improbidade administrativa. Além disso, a restrição estabelecida no artigo 52, § 2º, da Resolução 23.376/2012 expedida pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral está prevista para vigorar por tempo indeterminado, resvalando para a inconstitucionalidade, na medida em que o artigo 14, § 9º, da Constituição da República impõe, para a criação de inelegibilidades, a obrigatoriedade de fixação do seu prazo. Mais uma vez, não é razoável permitir a criação de cerceio ao exercício dos direitos políticos passivos (falta de quitação eleitoral) sem a fixação do respectivo prazo de cessação, se as inelegibilidades fixadas em lei complementar devem manifestar seus respectivos prazos de incidência, por expressa dicção constitucional. O projeto ora apresentado também se preocupa com a adoção de sanções aos candidatos, no caso de desaprovação de suas contas de campanha, de modo a possibilitar ao Poder Judiciário a adoção de punições contra aqueles que não respeitem as normas legais e regulamentares pertinentes à arrecadação e aplicação de recursos financeiros das campanhas eleitorais. As penalidades previstas mostram-se adequadas ao tipo de irregularidade em questão, e não prejudicam a aplicação, quando for o caso, das consequências estabelecidas no artigo 30-A da Lei nº 9.504/97, que podem alcançar a cassação do registro de candidatura ou do diploma. Sala das Sessões, em de maio de 2012.” (sublinhamos, negritamos e acrescentamos itálico).38 Consulta nº 112026 - Brasília/DF - Acórdão de 10/06/2010 - Relator Min. HAMILTON CARVALHIDO - DJE 30/9/2010 - Ementa: “CONSULTA. ALTERAÇÃO. NORMA ELEITORAL. LEI COMPLEMENTAR Nº 135/2010. APLICABILIDADE. ELEIÇÕES 2010. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO PROCESSO ELEITORAL. OBSERVÂNCIA DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PRECEDENTES. - Consulta conhecida e respondida afirmativamente.”39 RE 633703 / MG – Relator: Min. GILMAR MENDES, J. 23/03/2011: “LEI COMPLEMENTAR 135/2010, DENOMINADA LEI DA FICHA LIMPA. INAPLICABILIDADE ÀS ELEIÇÕES GERAIS 2010. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL (ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). I. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ELEITORAL. (...) II. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE DE CHANCES. (...). III. O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL DAS MINORIAS E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL NA DEMOCRACIA. (...). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (...).”

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A era Robespierre na jurisprudência eleitoral brasileira,40 com certeza, aplaude tais medidas. Todavia, a razão e o direito devem combatê-las dentro das quadras da legalidade e da constitucionalidade. Moralidade sem legalidade e sem constitucionalidade é puro arbítrio judicial. No ponto, ataque à democracia e aos direitos políticos fundamentais.

Essa medida do TSE é fichalimpista. E há no fichalimpismo um processo crescente de marginalização dos políticos e de demonização da política representativa41. Há um processo inconfesso de infantilização do

40 A alusão a Robespierre pressupõe a leitura de textos que analisam a intolerância que desencadeou esse singular personagem da revolução francesa sobre as pessoas que não se alinharam ao seu pensamento político. Remete ao seu radicalismo moral - como um marco desse evento histórico - que derramou muito sangue, sem devido processo legal, dos adversários de suas concepções moralistas sobre a composição e funcionamento da sociedade e os direitos de seus indivíduos. Para tal, servimo-nos de Marie­Laure Suzini. Elogio da Corrupção: os incorruptíveis e seus corruptos. trad. Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2010. 208 p. e Simon Schama. Cidadãos – uma crônica da Revolução Francesa. trad. Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 725 p.41 Tivemos a oportunidade de escrever textos críticos sobre o ideário ficha limpa e o moralismo que o sustenta, com aportes críticos à Lei Complementar 135/10 e em defesa dos direitos políticos fundamentais de candidatura e voto. Concordamos com a crítica de Adriano Soares e entendemos que o termo fichalimpismo é adequado como expressão de reflexão crítica. Assim, para a eventual consulta do atento leitor: Ruy Samuel Espíndola. STF, insegurança jurídica e eleições em 2012: Até quando o embate entre moralistas e constitucionalistas em torno da lei ficha limpa? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2827, 29 mar. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18790>. Acesso em: 2 maio 2011; ---. A lei Ficha Limpa em revista e os empates no STF: liberdades políticas em questão e o dilema entre o politicamente correto e o constitucionalmente sustentável. Revista Interesse Público. Porto Alegre: Nota set./out., n.69, ano XIII, 2011, p. 93-108;---.  Lei Ficha Limpa estadual e limites constitucionais de sua produção legislativa. Análise da inacessibilidade a cargos em comissão por condenados por improbidade administrativa sem trânsito em julgado: o caso da lei catarinense. Revista Brasileira de Direito Eleitoral. RBDE. Belo Horizonte: Fórum, ano 3, n. 5, jul./dez, 2011;---. Constituição é seguro critério de julgamento (Moralidade é constitucional, mas não constitui direito fundamental [título original: Moralistas versus Constitucionalistas – o caso Roriz, no STF] Revista Consultor Jurídico, 26 de setembro de 2010. http://www.conjur.com.br/2010-set-26/moralidade-constitucional-nao-constitui-direito-fundamental.

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leitor e de sua capacidade de escolha. Há um excessivo moralismo eleitoral,42 43pernicioso para a democracia constitucional e seu regime de direitos.44

A era Robespierre no Direito Eleitoral precisa de resposta de quem pode acionar os mecanismos institucionais para fazer valer o Estado Democrático de Direito e seus princípios basilares.

Se o TSE não revogar o seu excesso, que o Congresso o suspenda, a bem da democracia constitucional e dos direitos políticos fundamentais de candidatura e de voto.

E se até 05 de julho de 201245 não ocorrer a revogação ou a suspensão desse arremedo de regra

42 A noção crítica de moralismo eleitoral, mote titular deste ensaio, tem sido desenvolvida pelo eleitoralista Adriano da Costa Soares. O seu bog está repleto de excertos elucidativos. Exemplo é o do post http://adrianosoaresdacosta.blogspot.com.br/search/label/fichalimpismo - Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era do “fichalimpismo”, acesso em 22.04.12:“Já há algum tempo tenho chamado a atenção para o que denominei de “moralismo eleitoral”, um fenômeno perigoso que tem invadido a cidadela da jurisprudência eleitoral. (...). O moralismo eleitoral transforma todos os debates jurídicos eleitorais em debates morais e - o que é tanto pior! - sempre no compromisso de interditar o mais que possível que os políticos sejam... políticos. Há sempre um sentimento embutido nessa lógica: entrou na política, bandido é. E, na ânsia de higienização da política, deseja-se acabar com os políticos, o que nada mais é do que selar o fim da própria democracia. E, nessa concepção de mundo, esqueceram de um pequeno detalhe: o expurgo a ser feito deveria ser através do voto, salvo em casos extremos de crimes adrede positivados. Mais, em uma era da entronização acrítica do “fichalimpismo”, o moralismo eleitoral reina absoluto, sem compromisso nenhum com o direito positivo vigente. É a justiça de mão própria togada, armada do direito achado na rua...” Os seguintes e elucidativos trechos de sua doutrina foram retirados de outros posts do mesmo blog: “Trata-se de uma marcha insana de muitos em defesa do moralismo eleitoral, para a instauração de uma democracia sem votos, sem eleitor. Uma visão ingênua, casuística, em certo sentido reacionária. É a tentativa de construção de uma democracia tutelada, ao fim e ao cabo, de uma democracia sem previsibilidade, em que a segurança jurídica é um mal a ser combatido, em que as garantias individuais não passam de um estorvo pequeno burguês.” “É isso, afinal, do que se trata: o moralismo eleitoral não respeita a Constituição Federal nem o ordenamento jurídico. Em nome da ética na política, às favas com os escrúpulos....” “Tenho combatido o que passei a denominar de moralismo eleitoral, ou seja, a adulteração da interpretação das normas jurídicas eleitorais pela aplicação de critérios acentuadamente morais, muitas vezes em aberta divergência com o próprio ordenamento jurídico posto. Em nome de princípios defendidos por determinadas minorias (ou mesmo maiorias, pouco importa) afasta-se a aplicação de determinada norma jurídica positivada, recriando antidemocraticamente o próprio ordenamento jurídico, sem observar os meios próprios para tanto. (...). Esse fenômeno crescente de, a partir de uma leitura principiológica da Constituição, enfraquecimento da própria positividade das normas infraconstitucionais ao ponto limite de deixarem elas de ser vinculativas para o aplicador, passou a ser sentido de modo alarmante na leitura que vem se fazendo de relevantes questões eleitorais (...).” “ (...). moralismo eleitoral parte normalmente de uma compreensão equivocada da teoria da inelegibilidade, que se põe a serviço de um certo justiçamento antidemocrático, ainda que movido pelas melhores intenções. Não há dúvidas que é necessário depurarmos as nossas instituições, porém essa é uma tarefa complexa, que não se esgota em medidas irrefletidas, movidas por um certo voluntarismo, que de tanto simplificar os problemas apenas cria novos problemas.”“Ora, em uma democracia, quem deve afastar o mau político é o eleitor pelo voto. O critério de definição? Cabe ao eleitor definir. Porém, essa minoria não acredita na democracia, não acredita no eleitor: prefere, então, criar critérios de exclusão previamente. Antidemocraticamente. (...). Ah, mas o eleitor é analfabeto, dirão alguns. Ah, mas o eleitor vende o voto, dirão outros. Certo, então proibamos o pobre e o analfabeto de votar. Quem terá coragem de abertamente defender essa tese absurda? Ninguém, por evidente. Então, fingem defender a democracia, quando na verdade pretendem é criar, às avessas, uma espécie de sufrágio censitário. O eleitor vai votar, é certo, mas em uma lista antes já submetida a um processo de higienização ideológica. A isso chamo de moralismo eleitoral, essa forma fundamentalista de aplicação de uma certa moral ao processo eletivo.” “Mas o hipermoralismo eleitoral não quer saber o que é juridicamente sustentável ou não; interessa a sua sanha macartista, ainda que a Constituição seja desrespeitada. Este é o ponto: estamos sempre criando atalhos para sustentar essas normas inconstitucionais, mas com apelo popular, conferindo, assim, ao ordenamento jurídico um tratamento bizarro, sem pé nem cabeça, alimentando a insegurança jurídica. É disso que se trata. A mim me parece que não podemos negociar a aplicação adequada da Constituição; devem-se evitar soluções casuísticas que, ao final, se voltarão contra a própria sociedade.” (negritamos e acrescentamos colchetes e itálicos]43 Vale lembrar Gilberto Amado, que nos dá elementos para a crítica deste moralismo eleitoral: “Convém não esquecer que em política a idéia de perfeição é uma idéia criminosa que deve ser combatida como um dos maiores males que podem afligir os povos. O que se deve procurar é um justo equilíbrio, o menor mal entre os males, pois os homens não encontraram ainda o meio de realizar, na coexistência social, o paraíso terrestre.” Em seu livro jurídico Eleição e Representação. Apud SALGADO, Eneida Desirre. Princípios Constitucionais Estruturantes do Direito Eleitoral. Tese para obtenção do grau de Doutor em Direito, Universidade Federal do Paraná, 2010, p. 313, nota 1238.44 Sobre a idéia de democracia e seus profundos vínculos normativo-constitucionais, vide ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. A Constituição como garantia da democracia. O papel dos princípios constitucionais. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3146, 11 fev. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/21059>. Acesso em: 11 fev. 2012.45 O site do TSE, ícone de notícias, em 08 de junho de 2012 , as17h2, informou: “ Está na pauta da sessão administrativa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desta terça-feira (12.06.12) (...) o pedido de reconsideração da decisão que exige dos candidatos às Eleições 2012 a aprovação das contas eleitorais para a obtenção do registro de candidatura. A decisão foi tomada pelo TSE na sessão do dia 1º de março, por maioria de votos. (...) O pedido de reconsideração da decisão que exige dos candidatos às Eleições 2012 a aprovação das contas eleitorais para a obtenção do registro de candidatura foi apresentado pelo PT. Depois, outros 13 partidos o endossaram. No documento encaminhado ao TSE, todos alegam que a inovação adotada para as eleições deste ano afronta a legislação eleitoral e a própria Constituição Federal. (...). As legendas afirmam que a Minirreforma Eleitoral (Lei nº 12.034/2009) deixou claro que a abrangência da quitação eleitoral inclui apenas a apresentação das contas pelo candidato, afastando a exigência do julgamento do mérito. Para os partidos, eventuais irregularidades poderão ou não resultar em penalidades de restrição ou cassação de direitos desde que o processo

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regulamentar – Resolução 23.376/12, artigo 52, § 2 º- que as defesas judiciais das candidaturas, arguam, incidenter tantum, nos processos de registro, o descompasso da resolução tanto com a lei 9.507/97, quanto com a Constituição, demonstrando a sua ilegalidade, e, sobretudo, a sua inconstitucionalidade.

Ou seja, acionem, nos processos judiciais eleitorais, os controles de legalidade e de constitucionalidade, para que a magistratura eleitoral negue aplicação ao dispositivo da dita resolução, ou por controle de legalidade, ou por controle de constitucionalidade.

Pois não é válido para uma mera resolução do TSE inovar a disciplina normativa estabelecida pelo Legislador ordinário, com afronta à Constituição da República e à Lei 9.504/9746. A prerrogativa de inovar a ordem jurídico-material eleitoral cinge-se ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, como estabelece as normas constitucionais de competência legislativa e as pertinentes ao processo legislativo federal (artigo 22, I, 44, 48, caput, 84, IV, primeira parte, da CR).

Assim, qualquer partido político, entre os 18 reclamantes, poderá ajuizar ação direta de inconstitucionalidade junto ao STF para barrar a inconstitucionalidade denunciada neste ensaio, que aponta o exercício inconstitucional e excessivo de poder regulamentar pelo TSE. E a causa de pedir primeira dessa adin, sequer precisaria ser a desavença entre a resolução do Tribunal Superior e o texto da lei 9.504/97,47 mas, sobretudo, o desacordo entre o ilegítimo poder regulamentar do TSE e o seu descompasso com a ordem constitucional vigente.48

judicial seja instaurado com as devidas garantias constitucionais asseguradas ao acusado. (....). Assim, o TSE teria criado uma “sanção de inelegibilidade não prevista em lei”, contrariando a legislação eleitoral e os princípios constitucionais da segurança jurídica e da anterioridade da lei eleitoral. (...). Além do PT, assinam o pedido os seguintes partidos: PMDB, PSDB, DEM, PTB, PR, PSB, PP, PSD, PRTB, PV, PCdoB, PRP e PPS.” (acrescentamos itálicos!) Os treze partidos utilizam parte dos argumentos deduzidos neste nosso ensaio para impugnar a “produção normativa” inconstitucional do TSE.46 Posição diametralmente oposta à nossa e muito alentadora à função normante do TSE, é retratada no artigo de ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Reflexões sobre a nova tipologia das resoluções do tribunal superior eleitoral. Estudos Eleitorais. Brasília, TSE, v. 5, n. 2, maio/ago 2010, p. 89/101. Nesse texto, o autor classifica, a seu critério, as resoluções do TSE em quatro tipos distintos: i) normativas; ii) regulamentares; iii) contenciosas-administrativas; iv) consultas (cf. p. 94, ob. cit.). A primeira espécie constituiria “lei em sentido material”. Teria “conteúdo de ato normativo primário”. O STF corroboraria tal entendimento, na opinião do autor. A segunda espécie, seria “ato normativo secundário, simplesmente regulamentar, que não pode ser objeto de fiscalização abstrata de constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.” (cf. p. 94, ob. cit.).47 O que poderia atrair a censura do STF para o exercício de adin sobre regulamento excessivo à lei: ADI N. 2.549-DF - RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI: “CONSTITUCIONAL (...). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRELIMINARES DE (...). IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE CONCENTRADO DE DECRETO REGULAMENTAR REJEITADAS. (...). PARCIAL PROCEDÊNCIA. (...). III - Rejeição da alegação de impossibilidade de controle concentrado de decreto regulamentar, posto não se tratar de mero antagonismo entre ato infralegal, de um lado, e lei em sentido formal, de outro. A controvérsia enfrentada diz respeito ao ato administrativo normativo editado em perfeita consonância com a lei regulamentada, mas que, assim como ela, supostamente estaria a atentar contra o texto constitucional.” Corroborando essa afirmativa vai a doutrina de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, em Poder Normativo da Justiça Eleitoral, João Pessoa, Sal da Terra, 2004, p. 74.48 Assim, mais uma vez, o ensinamento de Paulo José M. Lacerda, Renato César Carneiro e Valter Félix da Silva, obra citada: “As Resoluções dos Tribunais Eleitorais podem ser alvo do controle de constitucionalidade, pois se enquadram no conceito de ato normativo descrito no art. 102, I, ´a´, da Constituição Federal. (...). Sendo assim, compete ao Supremo Tribunal Federal o controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos federais, incluindo-se neste rol as resoluções advindas do tribunal Superior Eleitoral, na forma de Instruções Normativas. Noutro aspecto, cabe a qualquer Juiz ou Tribunal Eleitoral exercer o controle difuso dessas atos, via incidente de inconstitucionalidade (...).” (p. 71/72).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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---. Constituição é seguro critério de julgamento (Moralidade é constitucional, mas não constitui direito fundamental [título original: Moralistas versus Constitucionalistas – o caso Roriz, no STF] Revista Consultor

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DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA – ASPECTOS RELEVANTES

Valter Ferreira de Alencar Pires Rebelo1

RESUMO: O presente trabalho versa sobre o parágrafo único do artigo 22 da Lei n° 9.096, de 19 de setembro de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos e regulamenta os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. No parágrafo único do artigo 22 verifica-se a inscrição simultânea em dois partidos políticos, chamada de dupla filiação. Analisaremos as definições sobre partido político, filiação e dupla filiação; bem como apresentaremos a legislação aplicável, jurisprudência pertinente à matéria e suas implicações decorrentes dos dispositivos legais. Traçaremos os limites de atuação do legislativo e das disposições jurisprudenciais, dando-se relevância ao fato da aplicação da sanção de nulidade e da determinação do cancelamento de ambas as filiações. Por fim, fomentaremos a discussão sobre a matéria em destaque, por considerarmos ser a mesma de extrema relevância para a aplicação dos mencionados diplomas legais.

Palavras­chave: Dupla Filiação Partidária. Nulidade. Interpretação.

1 Advogado, com especialização em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Piauí, Doutorando em Direito Processual pela Universidade Federal de Salamanca Espanha, Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Piauí, Membro da Escola Nacional de Advocacia, Ex Conselheiro Federal na Ordem dos Advogados do Brasil, professor, autor de livros e artigos.

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1 PARTIDO POLÍTICO, FILIAÇÃO E DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

1.1 PARTIDO POLÍTICO Em nosso país os partidos políticos nasceram das disputas entre as famílias Pires e Camargo, que

deram origem aos primeiros grupos políticos rivais. O termo “partido político” passou a figurar nos diplomas legais a partir da Segunda República, mas somente após a promulgação do Decreto-Lei nº 7.586, os partidos passaram a ter o monopólio da indicação dos candidatos2.

Historicamente, o Brasil teve sete períodos partidários, a saber: Monarquia, Primeira República, a da Segunda República, a da Quarta República, a do Golpe Militar (com o bipartidarismo), a da Reforma de 1979 e a sétima e atual, que iniciou em 1985, com a Emenda Constitucional nº 25, marcada pela expansão do pluripartidarismo3.

Com o advento da Constituição de 1988, o pluralismo político foi firmado, e, conseqüentemente, as agremiações partidárias adquiriram o status de garantia fundamental.

Neste sentido explica Francisco de Assis Sanseverino:

A Constituição prevê, como fundamento de Estado Democrático de Direito, entre outros o pluralismo político (art. 1º, V). E, como desdobramento do Princípio Democrático, no art. 17, dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais, prevê os Partidos Políticos4.

Os princípios fundamentais tratados no artigo primeiro do Título I da nossa Carta Magna, encontramos no inciso V, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil o pluralismo político, incluindo no seu significado a idéia de pluralidade de partidos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:(...)V - o pluralismo político.

No Título II, Capítulo IV, que dispõe sobre os direitos políticos, foi inserida no artigo 14, §3º, V, a filiação partidária como condição de elegibilidade, ou seja, condição exigida para que um eleitor possa se candidatar a cargo eletivo, assim vejamos:

Art. 14. (...)(...)§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:(...)V - a filiação partidária;

2 Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: http://www.tse.gov.br/institucional/centro_memoria/historia_eleicoes_brasil/os_partidos_politicos/os-partidos-politicos.html. Acesso em: 14/09/08.3 op. cit.4 SANSEVERINO, Francisco de Assis Vieira. Direito Eleitoral. 2ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. p.214

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Em seguida, no Capítulo V do mesmo título, foram prescritas diretrizes que regem os partidos políticos, na forma do seu artigo 17:

“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional;II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.§ 2º - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.§ 4º - É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar”.

No citado dispositivo, delineiam-se as características gerais dos partidos, pois a própria carta constitucional deixou ao arbítrio dessas agremiações a definição de sua estrutura interna, organização e funcionamento e, ainda, determinou que nos seus estatutos fossem estabelecidas as normas sobre disciplina e fidelidade partidária.

Somente em 1995, os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal, foram regulamentados pela Lei nº 9.096 que dispõe sobre partidos políticos, como explica Francisco de Assis Vieira Sanseverino:

Posteriormente, a Constituição foi regulamentada, neste ponto, com o advento da Lei nº 9.096/95 (LOPP). A qual dispõe sobre a autonomia dos partidos políticos nos temas que dizem respeito à sua organização interna5.

No seu artigo 1º, a lei de organização partidária define partido político da seguinte maneira:

Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição federal.

Da sua definição legal, portanto, extrai-se a sua finalidade e natureza jurídica, que é a de pessoa jurídica de direito privado: “Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, após, dá-se o registro no Tribunal Superior Eleitoral (art. 17, § 2º, CF)”6. Porém, o conceito de partido político não se resume à sua natureza e finalidade; possui um significado mais abrangente, como ensina Djalma Pinto:5 op. cit p.217.6 op. cit p.216.

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Os partidos políticos, pessoas jurídicas de direito privado, são associações de pessoas unidas por ideais comuns, que buscam atingir o poder para conduzir os interesses da sociedade de acordo com certos princípios ou gerenciar o Estado segundo prioridades que julgam adequadas para determinado momento7.

Pelo exposto podemos concluir que não há no diploma constitucional ou legal, uma concepção de partido político que atinja seu significado integral. Tarefa esta que de forma transversa fica a cargo dos doutrinadores. Neste sentido podemos citar o posicionamento de Vera Maria Nunes Michels:

Podemos entender, assim, que o partido político, como pessoa jurídica de direito privado, é um grupo social de relevante amplitude, destinado à arregimentação coletiva, em torno de idéias e de interesses, para levar seus membros a compartilhar do poder decisório nas instâncias governamentais8.

Assim podemos, em poucas palavras, delimitar que o partido político forma-se por um grupo de pessoas unidas, livremente, que comungam de ideais comuns e que pretendem ver aplicado na prática suas propostas e convicções na condução do país.

1.2 FILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

1.2.1 FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

A Constituição Federal de 1988 dispõe como condição de elegibilidade a filiação a um partido político, a chamada filiação partidária. A Lei nº. 9.096/95, no seu art. 18, dispõe: “Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcional”.

A filiação partidária consolida-se por meio da inscrição do eleitor, nascendo assim direitos e deveres à ambas as partes, consistindo na conexão que une o cidadão a um determinado partido político.

A Constituição Federal, em seu artigo 14, §3°, inciso V, que assim prevê: Art. 14. (...)(...)§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:(...)V - a filiação partidária;

A Lei nº 9.096/95, disciplinadora da organização partidária, dispõe sobre a filiação nos artigos 16 a 22, prescrevendo deste a filiação a partido até o cancelamento imediato da filiação partidária.

Aos partidos políticos é dada a faculdade de eleger as normas de sua estrutura interna, dentro dos limites estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 17 da Constituição Federal.

7 PINTO, Djalma. Direito Eleitoral. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.938 MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito Eleitoral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.157.

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“(...)§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

A independência dada ao partido político na elaboração de suas normas de estrutura encontram-se também dispostas no artigo 14 da Lei n. 9.096/95.

Art. 14 Observadas as disposições constitucionais e as desta Lei, o partido é livre para fixar, em seu programa, seus objetivos políticos e para estabelecer, em seu estatuto, a sua estrutura interna, organização e funcionamento.

No inciso II do artigo 15, a LOPP, mais uma vez destacou a necessidade de se estabelecer no estatuto do partido o dispositivo pertinente a filiação e desligamento de seus membros.

Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:(...)II - filiação e desligamento de seus membros;

O legislador atribuiu ao partido político a independência ao instituir as regras que irão reger a filiação de um eleitor a sua agremiação e, também, as de desfiliação, assim, constatamos que a filiação a um partido político está condicionada as regras ditadas pelo seu próprio estatuto, que por sua vez deverá respeitar os ditames previstos nas leis específicas.

1.2.2 DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA

A Constituição Federal no parágrafo primeiro do artigo 17, determina que os partidos devem estabelecer nos seus estatutos normas sobre disciplina e fidelidade partidária, o que sugere ser a filiação restrita a apenas um partido político, não sendo permitida a inscrição do eleitor a duas ou mais agremiações, o que configuraria a dupla filiação.

O parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, prescreve o procedimento a ser adotado para que ao filiar-se a outro partido o eleitor não se coloque em situação de duplicidade de filiações, nos seguintes termos:

Art. 22. (...)(...)Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.

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Da leitura do artigo, depreende-se que existem duas formas de cancelamento da inscrição ao partido político que são reguladas pela lei, e que para cada uma delas exige-se o respeito ao respectivo procedimento de desfiliação. Uma verifica-se com o desligamento antes da filiação ao novo partido e a outra quando a desfiliação ocorre posteriormente à inscrição a outro partido, como ensina Djalma Pinto:

Para desligamento do partido, a lei disponibiliza duas formas que acabam, visivelmente, por estimular a troca de agremiações no ano que antecede o pleito, a saber: (a) o filiado comunica por escrito seu desligamento ao Juiz Eleitoral da Zona de sua inscrição e ao órgão de direção municipal de seu partido. Após dois dias da entrega dessa comunicação, tem-se por extinto o vínculo partidário; (b) o (p. 155) cidadão se filia em outro partido, comunicando seu desligamento à agremiação partidária e ao Juiz Eleitoral de sua respectiva zona, no dia imediato ao da nova filiação. A não-comunicação no dia imediato acarreta a configuração de dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas (parágrafo único do art. 22, da Lei nº 9.096/95)9.

Não sendo cumprida a exigência legal contida na segunda parte do parágrafo único do referido artigo, a lei estabelece que estará configurada a dupla filiação partidária, prescrevendo sanção para a sua ocorrência. A vedação do ordenamento jurídico brasileiro justifica-se pelo instituto da fidelidade partidária, que exige que o eleitor seja fiel ao seu partido.

Assim, a dupla filiação se caracteriza quando o eleitor não procede conforme a lei e permanece inscrito em dois ou mais partidos ao mesmo tempo.

A disciplina que vigora hoje para a situação da duplicidade de filiação partidária é a de que, verificada a sua incidência, consideram-se as duas filiações nulas para todos os efeitos, conforme a parte final do já citado parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95.

Desse modo, constatada a duplicidade de filiações, automaticamente serão ambas declaradas nulas, ficando o eleitor sem inscrição a qualquer partido político.

Quando a configuração da dupla filiação ocorrer com um candidato a cargo eletivo, estará ele impedido de concorrer ao pleito, se a anulação de ambas ocorrer dentro do prazo de um ano antes do pleito, pois como se sabe, a filiação partidária é condição de elegibilidade prevista na Constituição Federal. Djalma Pinto, então, conclui que “A filiação deve ser única. A dupla filiação acarreta a nulidade de ambas e, por via de conseqüência, a inelegibilidade” 10.

Destaca-se, porém, que não há previsão de sanção na legislação vigente para o caso de uma terceira filiação, ou seja, a de o eleitor encontrar-se filiado a três partidos políticos. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira comenta entendimento do TSE sobre a situação de uma terceira filiação, e a chamou de triplicidade de filiações:

No caso de tripla filiação, o TSE, no Recurso Especial 16.477, entendeu que a duplicidade provoca a nulidade das duas primeiras, para ambos os efeitos, logo, sua filiação a um terceiro partido é absolutamente legal, uma vez que “estava naquele momento sem partido e completamente livre para procurar a legenda que bem entendesse” 11.

9 PINTO, Djalma. Direito Eleitoral. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.154.10 op.cit. p.153.11 CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua. Partidos Políticos. Disponível em: www.portaltcc.com.br. Material da 1ª aula da Disciplina Partidos Políticos e Reforma Política-Eleitoral, ministrada no Curso de

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Aquele que se encontra filiado a três partidos políticos ao mesmo tempo, portanto, estará com sua última inscrição em condições legais de exercício, como também aquele que apresentando dupla filiação, filia-se a um terceiro partido, para escapar do alcance da sanção legislativa.

Não há previsão legal de qual o processo a ser adotado no caso de duplicidade de filiação, ficando a cargo das resoluções, porém imprescindível o respeito ao contraditório e a ampla defesa como ensina Thales Tácito Luz de Pádua Cerqueira ao comentar o assunto:

A Lei 9096/95 silencia, mas deve observar a CF/88, artigo 5, LV, com contraditório e ampla defesa ao procedimento iniciado, devendo ser o mesmo intimado da decisão, para, querendo, recorra (Acórdão 19.368 e 19.377, de 11/9/2001 – Rel. Min. Fernando Neves)12.

Logo, nos casos de duplicidade de filiação, apesar de constatada a omissão legislativa, é necessário o respeito aos princípios processuais constitucionais, sobretudo o do contraditório e da ampla defesa e, também, ao disposto nas resoluções respectivas.

2 LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PERTINENTE

2.1 LEGISLAÇÃO

Quanto à legislação aplicável, merece menção a revogada Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971, Lei Orgânica dos Partidos Políticos, alterada pela Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979, que deu nova redação ao artigo 69, inserindo dentre os casos de cancelamento automático da filiação partidária, a filiação a outro partido:

Art. 69. O cancelamento da filiação partidária verificar-se-á, automaticamente, nos casos:(...)IV - de filiação a outro partido.

Em 1982, o Tribunal Superior Eleitoral respondeu a Consulta nº 6.490 estabelecendo que:

Ocorrendo dupla inscrição partidária será automaticamente cancelada a mais antiga (LOPP, art. 69, IV, com redação dada pela Lei nº 6.767/79), mesmo que não tenham sido cumpridas as exigências do artigo 67 da mesma lei. (Resolução nº 11.338 de 24 de junho de 1982)

Dessa forma, era muito simples o procedimento para tratar dos casos de filiação concomitante a dois partidos, pois, verificada sua ocorrência, o cancelamento da filiação anterior era automático, permanecendo a inscrição ao último partido.

A antiga Súmula 14 do TSE prescrevia que só ficava caracterizada a duplicidade de filiações se a nova filiação ocorresse após a remessa das listas de filiados; ou seja, aplicou-se uma interpretação mais elástica:

Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Eleitoral – UNISUL/REDE LFG.12 op.cit.

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Súmula nº 14 (Cancelada) NE : A Súmula nº 14, publicada no DJ de 25, 26 e 27.9.96, foi cancelada pela Res.-TSE nº 21.885/2004. Assim determinava: “A duplicidade de que cuida o parágrafo único do artigo 22 da Lei nº 9.096/95 somente fica caracterizada caso a nova filiação houver ocorrido após a remessa das listas previstas no parágrafo único do artigo 58 da referida lei”.

Atualmente, entretanto, vimos que a Lei nº 9.096/95 é a que regula o assunto, e o aborda no parágrafo único do seu artigo 22:

Art. 22. O cancelamento imediato da filiação partidária verifica-se nos casos de:(...)Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.

Em resposta à Consulta nº 927, o Tribunal Superior Eleitoral ratificou o disposto no referido preceito legal quanto à configuração da dupla filiação e à aplicação da sanção pela sua ocorrência:

Quem se filia a novo partido “deve fazer comunicação ao partido e ao Juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos”, nos precisos termos do parágrafo único do art. 22 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos. (Resolução TSE n. 21.572/03, Consulta n. 927 – Classe 5ª – DF, rel. originária Min. Ellen Gracie, rel. para a resolução Min. Luiz Carlos Madeira)

Esse posicionamento rígido da norma e de sua exegese caracteriza uma mudança substancial em relação ao anterior regramento sobre a troca de agremiação. A mudança normativa visa, sobretudo, coibir a infidelidade partidária.

Todavia, quando se trata de filiações concomitantes em que uma delas foi firmada sob a égide da Lei n. 5.682/71, o Tribunal Superior Eleitoral adotou o entendimento de que não ficaria configurada a duplicidade de filiação:

“(...) Registro. Duplicidade de filiação partidária. Não configura duplicidade de filiação a adesão a partido político na vigência da Lei no 5.682/71 e, posteriormente, a outro, quando já vigorava a Lei no 9.096/95. Havendo adesão a partidos distintos sob a égide da Lei no 9.096/95, há duplicidade de filiação. (...)” (Ac. no 23.502, de 21.9.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, red. Designado Min. Luiz Carlos Madeira.)

A necessidade desse posicionamento se deu pelo fato de existirem filiações efetivadas sob a vigência da Lei n. 5.682/71.

Ao tratar das instruções para fundação, organização, funcionamento e extinção dos partidos políticos, a Resolução TSE n. 19.406, de 5.12.95, no parágrafo quinto do seu artigo 36, com redação dada pela Resolução nº 22.086, de 20.9.2005, fixa o procedimento a ser adotado quando constatada a dupla filiação:

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Art. 36. Nos dias 8 a 14 dos meses de abril e outubro de cada ano, durante o expediente normal dos cartórios, o partido, por seus órgãos de direção municipais, regionais ou nacional, enviará ao juiz eleitoral da respectiva zona, para arquivamento e publicação na sede do cartório, a relação atualizada dos nomes de todos os seus filiados na respectiva zona eleitoral, da qual constará, também, o número dos títulos eleitorais e das seções em que estão inscritos e a data do deferimento das respectivas filiações (Lei nº 9.096/95, art. 19, caput, redação dada pela Lei nº 9.504/97, art. 103). (Artigo com redação alterada pela Resolução nº 22.086, de 20.9.2005).

(...)

§ 5º Constatada a ocorrência de dupla filiação, após a devida instrução, o chefe de cartório dará ciência ao juiz, que, de imediato, declarará a nulidade de ambas, determinando comunicação aos partidos interessados e ao eleitor (Lei nº 9.096/95, art. 22, parágrafo único).

A Resolução nº 21.574, de 27.11.2003, que dispõe sobre o Sistema de Filiação Partidária, também estabelece as medidas a serem adotadas no caso de duplicidade de filiações no § 1º do artigo 6º, alterado pela Res. TSE n. 22.085/2005:

Art. 6º A comunicação obrigatória do eleitor que se filia a outro partido ao juiz eleitoral da zona em que é inscrito, com a finalidade de cancelamento da filiação anterior, recebida no cartório até o dia imediato ao da nova filiação, ensejará o correspondente registro de desfiliação na última relação do partido, anteriormente arquivada no sistema. § 1º Quando a comunicação de que trata o caput for recebida no cartório após o dia imediato ao da nova filiação, o sistema alterará a situação da filiação anotada para o partido anterior, que passará a figurar como sub judice, e gerará comunicação de ocorrência relativa à duplicidade de filiações, nos termos do art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95, a ser imediatamente submetida ao juiz eleitoral para decisão.

Dessa forma, caso o eleitor comunique sua desfiliação após o dia seguinte ao da nova inscrição, a

filiação anterior passará a figurar como sub judice e será submetida ao juiz eleitoral para decisão.

2.2 JURISPRUDÊNCIA

Observando o posicionamento de alguns tribunais regionais eleitorais, constata-se geralmente um rigor na aplicação do parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, como também é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, e nesse sentido, em voto exarado na já citada Consulta n. 927, o então Ministro Fernando Neves confirmou:

A matéria relativa à caracterização de duplicidade de filiações já foi, por diversas vezes, objeto de exame nesta Corte, tendo a jurisprudência se posicionado pela aplicação rigorosa das regras contidas na Lei no 9.096/95 quanto às exigidas comunicações. A orientação que foi seguida nas eleições municipais de 2000 consolidou-se, no julgamento do Recurso Especial no 16.410, de 12.9.2000, relator o Ministro Waldemar Zveiter, tendo sido seguida também no pleito de 2002 (Acórdão no 19.556, de 18.6.2002). Em ambas, fiquei vencido. (Resolução TSE n. 21.572/03, Consulta n. 927 – Classe 5ª – DF, rel. originária Min. Ellen Gracie, rel. para a resolução Min. Luiz Carlos Madeira)

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O entendimento assentado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro é um dos exemplos dessa interpretação mais rígida do dispositivo legal em comento:

FILIAÇÃO. DUPLICIDADE. NULIDADE. CARACTERIZAÇÃO.

- Recurso que objetiva a reforma de decisão que cancelou as filiações partidárias da recorrente.

- Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva zona eleitoral até o dia imediato ao da nova filiação, sob pena de incidir em dupla filiação partidária (art. 22, parágrafo único, da Lei nº 9.096/95). (Acórdão 34.538 – TRE/RJ 24/06/2008 rel. Luiz Umpierre de Mello Serra)

O Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina demonstrou uma flexibilização na interpretação da norma quando, em decisão recente, defendeu ser insuficiente para configurar a dupla filiação a comunicação de desfiliação posterior à filiação ao novo partido, nos seguintes termos:

- RECURSO - ALEGAÇÃO DE DUPLA FILIAÇÃO PARTIDÁRIA - SUPOSTA INOBSERVÂNCIA DO PRAZO EXIGIDO PELO ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N. 9.096/1995 - DATA DA NOVA FILIAÇÃO ANTERIOR A DA DESFILIAÇÃO DO ANTIGO PARTIDO - ELEMENTOS PROBATÓRIOS A DEMONSTRAR TER OCORRIDO A COMUNICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO À JUSTIÇA ELEITORAL E AO ANTIGO PARTIDO ANTES DA REMESSA DA LISTA DE FILIADOS - FORMALIDADES LEGAIS ATENDIDAS - NOVA FILIAÇÃO VÁLIDA - DESPROVIMENTO.

O fato do eleitor ter entregue a comunicação de desfiliação em data posterior à data nova filiação é insuficiente para configurar a duplicidade de vínculos partidários, quando há provas seguras de que essa informação foi levada ao conhecimento do antigo partido antes de iniciado o prazo para remessa da listagem de filiados à Justiça Eleitoral, previsto pelo art. 19 da Lei n. 9.096/1995 [TRESC Ac. n. 22.156, de 20.5.2008]. (ACÓRDÃO 22731 TRE/ SC, de 04/09/2008, rel. Cláudio Barreto Dutra)

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral pronunciou-se no ARESPE nº 22.375, in verbis:

Havendo o candidato feito comunicação de sua desfiliação à Justiça Eleitoral e à agremiação partidária antes do envio das listas a que se refere o art. 19 da Lei no 9.096/95, não há falar em dupla militância. (ARESPE no 22.375, PR, de 24-9-2004, rel. originário Min. Carlos Velloso. Rel. para o acórdão Min. Gilmar Mendes.)

Pelo exposto, verifica-se que a tendência de alguns tribunais é de aplicação rigorosa do dispositivo legal, enquanto outros já permitem uma ampliação da interpretação, tornando menos rígida sua incidência, com a adaptação a cada caso concreto.

O Tribunal Superior Eleitoral, na aplicação imediata da sanção legal em caso de duplicidade sem a observância do contraditório, manifestou-se no sentido de que deve-se respeitar o princípio básico insculpido na Carta Magna do contraditório.

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Reiterando a imprescindibilidade do contraditório, David Magalhães de Azevedo, ensina que há exigência normativa de se submeter o caso ao Juiz Eleitoral para que ordene a instrução e só então decida:

O sistema jurídico vigente determina seja o caso submetido ao Juiz Eleitoral de 1º Grau, detentor do juízo natural para processar e decidir questões que tais; único, portanto, com a imprescindível competência, o qual, somente após ordenar a pertinente instrução, estará apto a decidir13.

O autor cita como exemplo o Recurso Especial interposto contra Acórdão do TRE/PI que o TSE sequer conheceu:

‘EMENTA: REGISTRO – DUPLICIDADE DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA – FALTA DE CONTROLE OPORTUNO PELA JUSTIÇA ELEITORAL.

Compete à Justiça Eleitoral providenciar com rapidez as providências previstas nos parágrafos do art. 36, da Resolução TSE 19.406/95. Não o fazendo oportunamente não é justo que venha a fazê­lo quando do pedido de registro de candidatura.

A comunicação de desfiliação ao Partido Político e à Justiça Eleitoral, ainda que fora do prazo, extingue, para todos os efeitos a filiação partidária.

Deve prevalecer a manifestação de vontade do eleitor em manter-se filiado a determinado partido político, quando suas filiações, em caso de duplicidade, não foram oportunamente anuladas pela Justiça Eleitoral, principalmente nos casos em que os autos demonstram claramente a militância em determinada agremiação, em detrimento daquela que caiu em desuso.

Por unanimidade’

(...)

A decisão recorrida entendeu que a comunicação, ainda que fora do prazo, impede a declaração de nulidade das filiações, mormente porque o Cartório Eleitoral não verificando a existência da duplicidade, não procedeu como determinado no § 1º do art. 36 da Resolução nº 19.406/95.

Entretanto, o recorrente apenas alega a falta de comunicações tempestivas, deixando de atacar o fundamento que diz com a impossibilidade de se declarar a nulidade das filiações em sede de pedido de registro, se a duplicidade não tiver sido detectada e declarada pela própria Justiça Eleitoral.

Ante o exposto, não conheço do presente recurso especial, com base no art. 36, § 6º do art. 36 do RITSE.

Brasília, 25 de Setembro de 2000

Ministro FERNANDO NEVES, Relator”

(TSE. RESPE nº 17706)14

13 AZEVEDO, David Magalhães de. Considerações acerca da duplicidade de filiação e implicações no registro de candidatura. Maceió, agosto de 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8854. Acesso em 22/09/2008.14 op. cit.

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Esta decisão do Tribunal Superior Eleitoral teve como relator o então Ministro Fernando Neves, que apresenta uma interpretação mais branda da legislação, como na referida situação em que o Cartório Eleitoral não adotou o procedimento previsto no parágrafo primeiro do artigo 36 da Resolução n. 19.406/95. Podemos considerar de grande relevância a posição do Tribunal Superior Eleiroral quando configurada a má fé do partido político na não comunicação da desfiliação partidária, que assim tem se pronunciado:

Legitimidade

“Recurso especial. Filiação. Duplicidade. Comunicação à Justiça Eleitoral.Ausência. Partido. Desídia. A falta de comunicação da desfiliação partidária à Justiça Eleitoral conduz a duplicidade de filiação (art. 22, parágrafo único, da Lei no 9.096/95). Comprovadas, entretanto, a desfiliação de fato ocorrida há vários anos e a má-fé do partido abandonado, a dupla filiação não se tipifica.” NE: Pedido de exclusão de nome da relação de filiados do PTB. O partido político, intimado, quedou-se inerte, não se manifestando, também, por ocasião da sentença que reconheceu caracterizada a duplicidade de filiação. “Somente após o acórdão que afastou essa situação, o PTB compareceu aos autos para interpor recurso especial, pleiteando a duplicidade mencionada.” Afastamento da preliminar de ilegitimidade do recorrente. 15

(Ac. no 21.664, de 9.9.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.)

Pelos aspectos legais e doutrinários levantados observamo, que na prática, os Tribunais adotam diferentes posicionamentos quanto à aplicação do parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, o que nos leva a refletir sobre a necessidade de uma nova interpretação do seu texto ou um aprimoramento de sua redação.

15 Disponível em http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/temas_selecionados/2.pdf. Acesso em 23/08/2009.

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CONCLUSÃO

A Carta Magna de 1988, declinou como um dos fundamentos da república Federativa do Brasil, o pluralismo político, e, conseqüentemente assim consolidando o pluripartidarismo. Neste sentido elevou-se os partidos ao papel de destaque na democracia brasileira, que para se fazer existente exige a filiação partidária como condição de elegibilidade.

Os partidos políticos adquiriram autonomia para a criação e extinção de seus estatutos, neles estabelecendo regras de estrutura, organização e funcionamento, sendo portanto, neles disciplinados a fidelidade partidária e sua desfiliação.

A autonomia auferida aos partidos políticos na elaboração de suas normas de estrutura encontram-se também dispostas no artigo 14 da Lei n. 9.096/95, denota-se à atribuição ao partido político da natureza jurídica de direito privado, retirando-se da Justiça Eleitoral a competência para fiscalizar as questões partidárias internas, permitindo que as informações prestadas pelas agremiações prevaleçam sobre as concedidas pela justiça.

Por tratar-se de assunto de considerável peso e com reflexos que atingem diretamente os rumos do País, o mesmo é pauta de muitas discussões e de constantes debates entre os juristas.

Os tribunais, em geral, vêm se mantendo fiéis aos rigores legais na interpretação do parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, muito embora existam expoentes contrários, quando observados fatos relevantes e de conteúdo sustentável.

Aos partidos políticos cumpre a função de auxiliar o processo eleitoral, sem qualquer envolvimento de caráter pessoal, devendo estes cumprirem de forma rigorosa e integral as diretrizes previstas em seus estatutos, enquanto que à Justiça Eleitoral deve desempenhar seu papel, respeitando os princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na busca de garantir ao cidadão o efetivo cumprimento dos dispositivos legais

Sem a intenção de esgotar a matéria, mas no intuito de fomentar a reflexão quanto a interpretação do parágrafo único do artigo 22 da Lei n. 9.096/95, abordamos os pontos explanados na medida em que os consideramos relevantes e por fim concluímos: um país democrático se constrói com a participação ativa da sociedade em harmonia com os três poderes, e que somente juntos, cada qual cumprindo o seu papel é que caminharemos para um futuro com iguais oportunidades para cada um dos cidadãos.

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REFERÊNCIAS

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FORO PRIVILEGIADO: UMA TRADIÇÃO IMPERIALISTA QUE ROMPE O SÉCULO XXI PROVOCANDO POLÊMICA.

Maria Denize Campello1

RESUMO: O presente trabalho versa sobre o instituto do Foro Privilegiado e seu histórico no Direito Constitucional Brasileiro, demonstrando a materialização da forte influência portuguesa presente inclusive na atual Constituição, promulgada em 1988. Neste, são abordadas as discussões polêmicas a respeito do instituto e o fato dele ter contribuído sobremaneira para o aumento da impunidade, da corrupção e do corporativismo. Na sequencia, se traz as opiniões sobre o assunto no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal, entre juízes e doutrinadores. Por fim, os debates sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 130/2007, que foi admitida pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, no início de 2008, e que reabre a discussão em torno do tema, e a Ação Penal 470. O projeto, objeto de emenda constitucional, pretende dar por encerrado o instituto, retirando do texto da atual Carta Magna todas as 19 previsões de foro privilegiado e fulminar de vez tal instituto.

PALAVRAS-CHAVE: Foro Privilegiado. Direito Constitucional. Súmula 394. Lei 10.628.

INTRODUÇÃO

A Constituição Brasileira em vigor confere a determinados ocupantes de cargos públicos a prerrogativa de serem julgados pelos crimes comuns em foros especiais, prevendo que os integrantes dos mais altos cargos dos poderes executivo, legislativo e judiciário sejam julgados em foro diferenciado do que está submetido o cidadão comum, em razão da função que exercem. Tal instituto, denominado pelo ordenamento jurídico brasileiro de Foro Privilegiado, tem paulatina e timidamente se perpetuado em nosso direito.

Exatamente, com o objetivo de analisar o instituto jurídico do foro privilegiado à luz da Constituição Brasileira, trazendo a opinião de diversos doutrinadores e juristas renomados a respeito de tão polêmico tema é que se ousa apresentar este trabalho, trazendo algumas reflexões oportunas. Não se pretende esgotar o assunto, mas apresentar as divergências existentes sobre este instituto jurídico no direito brasileiro, pela riqueza e polêmica que o tema, ainda hoje, suscita, assim como seu histórico em nossas constituições. O foro privilegiado sempre foi assunto de interesse por parte de cientistas que estudam o direito e daqueles que buscam seus fundamentos no debate, pois é campo fértil a acirradas discussões, sendo, por este motivo, um assunto que se coaduna perfeitamente com a área de pesquisa, haja vista a ausência de pacificação na jurisprudência e na doutrina brasileira.

1 Advogada, pós-graduada em Direito Público e Orçamento Público.

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O trabalho ora apresentado pretende demonstrar o alargamento de tal instituto jurídico ao longo dos anos e, como já referido anteriormente, trazer os debates sobre a matéria. Por fim, será analisada a Proposta de Emenda Constitucional 130, de 2007, que tramita na Câmara dos Deputados, que traz em seu bojo a pretensão de fulminar o instituto do foro privilegiado e a discussão que envolve a ação penal 470. Passados quase 24 anos da promulgação da atual Carta Magna considera-se oportuno repensar o instituto do foro privilegiado, visto que a constituição passou por tantas reformas e nenhuma foi capaz de suscitar o debate sobre o fim deste instituto, sempre presente no ordenamento jurídico brasileiro.

1 O FORO PRIVILEGIADO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Ao observar a longa história constitucional, pode parecer estranho o fato de que mesmo no período imperial, em que os princípios monárquico-hereditários vigoravam em nosso país, as constituições brasileiras negavam tal instituto, expressando essa negação no capítulo dedicado aos direitos e às garantias individuais, muito embora, em outros capítulos, excepcionassem algumas funções públicas, fazendo jus ao nosso passado imperialista. Quase um contrassenso: proibindo de um lado e excepcionando de outro.

A Constituição de 1824, outorgada por Dom Pedro I, em seu art. 179, XVII, concedia foro especial “aos membros da família imperial, Ministros de Estado, Senadores, Deputados [...] Secretários e Conselheiros de Estado” para os crimes de responsabilidade (DELGADO, 2003, p.330). Ademais, no artigo 164, inciso II, existia também a previsão de que o Supremo Tribunal de Justiça que, entre outras atribuições, deveria conhecer dos delitos que cometessem os seus Ministros, os Ministros das Relações, os Empregados do Corpo Diplomático, e os Presidentes das Províncias. Desta forma, a primeira constituição do nosso país materializava a forte influência de Portugal sobre o Brasil (BRASIL, 1924). A primeira e única constituição do período imperial marcou o início do privilégio às elites portuguesas que ocupavam postos chaves na administração pública.

A Constituição Republicana de 1891, em seu art. 72, previa a inexistência do foro privilegiado, conferia igualdade a todos perante a lei e proibia expressamente as prerrogativas de nascimento e de nobreza extinguindo as ordens honoríficas. Porém, o seu artigo 33 determinava competência privativa do Senado para julgar o Presidente da República e os demais funcionários federais. A prerrogativa de foro marcou também os artigos 57, §2.º e 59, que enumeravam as causas de competência originária do Supremo Tribunal e do Senado (BRASIL, 1891).

A Carta Magna de 1934, marcada pelo início da era Vargas, em seu art 113, nº 25, inovou trazendo junto à cláusula proibitiva do foro privilegiado a vedação aos tribunais de exceção, admitindo, porém, juízes especiais em função da natureza das causas. O foro privativo estava presente nos artigos 76, I, “a”, “b”, “c” e 104, “f” da mesma norma (BRASIL,1934).

Já a Constituição ditatorial de 1937, terceira constituição da república, chamada de “polaca”, não previa proibição de foro de exceção, omitindo-se a respeito do assunto, porém, não deixava de prever algumas hipóteses de foro privilegiado no artigo 101, por exemplo, em que trata da competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar uma infinidade de autoridades, como os seus próprios Ministros, juízes, diplomatas, etc. A mesma carta trazia, também, no art. 43, a previsão de que os membros do parlamento responderiam perante

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a sua respectiva Câmara “pelas opiniões e votos que, emitirem no exercício de suas funções” e, ainda, “não estarão, porém, isentos da responsabilidade civil e criminal por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime”. E continuava excepcionalizando o foro no art. 103, alínea “e” ao conferir competência privativa do Tribunal de Apelação para o processo e julgamento dos juízes. Paralelamente, introduziu no nosso Direito Constitucional a previsão contida no artigo 87, definindo que o Presidente da República no exercício de suas funções não seria responsabilizado por atos estranhos a elas (BRASIL, 1937).

A promulgação da Constituição de 1946 restabeleceu os princípios democráticos e trouxe novamente a proibição no art. 141, §26, mas ainda assim manteve as inviolabilidades parlamentares por opiniões, palavras e votos e inúmeras previsões de foro privilegiado de competência do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos e do Senado Federal. A Carta de 67, não se furtou de repetir as exceções dos privilégios de foro, perpetuando, por mais de 40 anos, tal instituto (ROLIM, 2005, p.110).

Finalmente, a Constituição de 1988, dita “Constituição Cidadã”, considerada por todos como a constituição mais democrática que o nosso país já teve, não previu de forma expressa a proibição do foro especial, embora em seu art 5º, XXXVII traga o princípio da vedação a “juízo ou tribunal de exceção”. E mais, trouxe 19 hipóteses de privilégio de foro em seu texto, sendo, assim, a mais generosa de todas elas, confirmadas no quadro a seguir, apresentado pela Associação dos Magistrados do Brasil – AMB (COLLAÇO, 2007, p.26):

Autoridade Local de Julgamento Base LegalPresidente e Vice-Presidente da República STF art. 102, I, b, CR/88Deputados Federais e Senadores STF art. 102, I, b, CR/88Ministros de Estado STF art. 102, I, b, CR/88Procurador-Geral da República STF art. 102, I, b, CR/88Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica STF art. 102, I, c, CR/88Membros do Tribunal de Contas da União STF art. 102, I, c, CR/88Membros dos Tribunais Superiores (STJ, STM, TSE, TST) STF art. 102, I, c, CR/88Chefes de missão diplomática de caráter permanente STF art. 102, I, c, CR/88Governadores STJ art. 105, I, a CR/88Desembargadores dos Tribunais de Justiça STJ art. 105, I, a CR/88Membros do Tribunais de Contas Estaduais STJ art. 105, I, a CR/88Membros dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais Eleitorais e dos Tribunais Regionais do Trabalho STJ art. 105, I, a CR/88

Membros dos Conselhos dos Tribunais de Contas dos Municípios STJ art. 105, I, a CR/88

Membros do MPU que oficiem perante os Tribunais STJ art. 105, I, a CR/88Juízes federais, militares e do trabalho TRFs art. 108, I, a CR/88Membros do MPU TRFs art. 108, I, a CR/88Prefeitos TJs art. 29, X CR/88Juízes Estaduais TJs art. 96, III CR/88Promotores de Justiça TJs art. 96, III CR/88

(O quadro a cima foi retirado de COLLAÇO, Rodrigo Tolentino de Carvalho. Juízes Contra a Corrupção. Fim do Foro Privilegiado. Disponível em: http:/www.amb.com.br/portal/docs/notícias/estudo_corrupcao.pdf. Acesso em: 27 set. 2009.)

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Frente ao histórico ora descrito, é notório que todos os legisladores originários ainda guardam identidade com a nossa história imperialista e não conseguiram até hoje extinguir do Direito Constitucional Brasileiro esses resquícios.

2 O QUE PENSAM DOUTRINADORES, JUÍZES, PARLAMENTARES, MINISTROS

Uma pesquisa realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, em 2007, provocou reações acaloradas na suprema corte de nosso país. Tamanha manifestação teve como fundamento a reprodução de um diagnóstico dos processos que tramitam no Supremo Tribunal Federal - STF e no Superior Tribunal de Justiça - STJ referentes aos detentores do foro especial. O estudo demonstrou a morosidade nos julgamentos dos processos vinculados à corrupção e as autoridades detentoras de prerrogativa de foro. Além disso, o documento propôs um pacote de sugestões em defesa do patrimônio público, do combate à corrupção e do fim da impunidade das autoridades, inclusive defendendo o fim do foro privilegiado (COLLAÇO, 2007).

Se todos os cidadãos devem gozar do mesmo tratamento, se a Constituição Federal Brasileira elencou o princípio da igualdade como um dos princípios norteadores da democracia e do ordenamento jurídico pátrio, e, se o estado brasileiro ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos com a intenção de promover políticas em defesa dos direitos fundamentais, porque motivo resolve outorgar privilégios a determinadas funções públicas? A resposta a esta pergunta ainda hoje suscita debates por todo o país.

Morais (2002) sustenta que o princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos bastante distintos: um deles na criação das normas impedindo que possam criar tratamento extremamente diverso a pessoas que se encontrem em situações semelhantes e outro quando no momento de interpretação das leis e atos normativos de forma isonômica, igualitária. Tem-se a impressão que este primeiro plano ainda está distante dos princípios democráticos e republicanos, pois não são poucas as regras editadas com intuito de conceder benefícios, como se pode perceber nos textos constitucionais brasileiros.

O jurista Fábio Konder Comparato já se pronunciou sobre as discriminações legais. Com uma breve indagação, faz menção às desigualdades de tratamentos no que se refere a diferentes categorias e elenca preceitos do Código de Processo Penal que refletem estes privilégios:

Se a Constituição proíbe certas e determinadas discriminações perante a lei, significará isto que está admitindo implicitamente, desigualdades de tratamento jurídico fundadas em outros critérios ou qualidades pessoais, não mencionadas?O artigo 295 do Código de Processo Penal enumera nada menos que 11 categorias de cidadãos com direito a serem recolhidos a quartéis e prisões especiais [...] (COMPARATO, 1996, p.47)

O renomado jurista segue seu raciocínio justificando que o privilégio somente terá razão de existir se for fundamentado no interesse público, caso contrário haverá violação ao princípio da isonomia. Afirma ainda que a justificativa fundamentada no interesse público se dá pela utilidade comum da Declaração de 1789, referindo-se a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão. E completa seu pensamento com o exemplo

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da prisão especial, prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal, que não guarda relação com o interesse público, embora preveja 11 categorias de cidadãos com direito a prisões especiais.

Ferreira (1983) concorda com o entendimento de que as prerrogativas parlamentares ferem o direito constitucional da igualdade. Considera um instituto odioso. Por outro lado, considera importante a permanência do instituto para o desenvolvimento da atividade parlamentar.

Por ser um instituto secular, antigos estudiosos do assunto já manifestavam suas opiniões. Interessante observar que no início do século passado, em 1948, o Desembargador Flóscolo da Nóbrega (1948, p.115) já se pronunciava a respeito do foro privilegiado de forma extremada considerando “o instituto obsoleto, caduco, anacrônico, incompatível com a nossa época” e revelava ainda que o foro privilegiado “vigora pela força da inércia dos órgãos atrofiados”. É claro que sua opinião foi, e ainda é, contraditada por doutrinadores, juristas e especialistas em direito. Porém, o aumento no número de crimes envolvendo autoridades públicas e a necessidade urgente do estado brasileiro em adotar medidas que possam colaborar com a punição das autoridades tem trazido o assunto às discussões e fomentado a indignação de juízes, advogados e da população em geral contra as imunidades por prerrogativa de foro.

Mormente, no sentido de fortalecer a tese de que o foro especial contraria os princípios democráticos da igualdade e do juiz natural, vale lembrar a competência constitucional do Tribunal do Júri para julgar crimes dolosos contra a vida, porém, com exceção: “todas as autoridades com foro de processo e julgamento previstos diretamente pela Constituição Federal, mesmo que cometam crimes dolosos contra a vida, estarão excluídas do Tribunal do Júri [...]” (MORAES, 2002, p.111).

Diante de tal prerrogativa, não restam dúvidas de que o Tribunal do Júri foi instituído para julgar cidadãos comuns, excluindo-se do manto sagrado do julgamento popular os privilegiados pelo texto constitucional.

Nos plenários das duas casas legislativas, o instituto do privilégio de foro sempre foi tema de debates. Em consulta aos Anais do Senado Federal, encontra-se o pronunciamento proferido pelo ilustríssimo ex-senador Bernardo Cabral (1998) defendendo o fim de tal prerrogativa por intermédio de uma Proposta de Emenda a Constituição, de sua autoria (PEC 012/1998). Segundo o parlamentar, aqueles que cometeram crimes que não tenham nenhuma conexão com a atividade parlamentar não podem contar com o privilégio da imunidade. Em aparte ao seu pronunciamento a também ex-senadora Benedita da Silva assim se pronunciou:

A proposta apresentada por Vossa Excelência não encontrou eco, porque existiam em nosso meio alguns parlamentares que faziam uso de seus mandatos exatamente para se proteger das irregularidades cometidas... . Não podemos, de forma alguma, deixar que, em nome da imunidade, existam irregularidades, perseguições ou impunidade [...] (SILVA, 1998, p.886)

O tema continua atual. O senador Paulo Paim (2008, p.4) se pronunciou na tribuna do Senado Federal defendendo uma sociedade igualitária, afirmando que a previsão de prerrogativa de foro “fere os princípios da igualdade, do juiz natural e da democracia”. Aparteado pelo Senador Suplicy observa-se que seu voto pelo fim do instituto não é singular, encontra eco em seus pares.

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Mas a discussão não se limita aos doutrinadores e parlamentares. Chega à corte suprema, por diversos debates. Alguns juízes e ministros já comentaram o instituto. Em março de 2008, o Ministro Gilmar Mendes defendeu o foro privilegiado, em sabatina ocorrida na Comissão de Constituição e Justiça ocorrida no Senado Federal. Para justificar sua posição a favor do foro especial proferiu: “Imagine o presidente Lula, em período pré-eleitoral, sendo acusado em vários lugares de crime eleitoral, tendo que depor numa delegacia de polícia. Isso demonstra o acerto do foro privilegiado” (ARRAIS, 2008, p.1). Esta justificativa tem sido a defesa daqueles que lutam pela permanência e necessidade da preservação do instituto.

Esse entendimento não encontra apoio unânime entre magistrados, membros da Corte e do Conselho Nacional de Justiça. Para o conselheiro Alexandre de Morais os Tribunais Superiores devem se ater as funções pertinentes ao julgamento de recursos e não as atividades de primeira instância (TEIXEIRA, 2006, p.E1). O memorável julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal que cancelou a Súmula 3942, que extinguiu o foro para além do mandato, também foi terreno fértil para o debate da matéria. O registro feito pelo Ministro Carlos Veloso, no referido julgamento, revela que o foro especial em nosso ordenamento deve-se ao fato de termos sido império, os norte americanos, que sempre foram república não conhecem esse instituto (VIEIRA, 2005, p.168). Na ocasião o relator Ministro Sidney Sanches entendeu que a regra deve ser interpretada restritivamente e por isso não é cabível manter a prerrogativa para ex-parlamentares.

Tourinho Filho acredita que o tratamento especial não conflita com os princípios constitucionais. Para o doutrinador, existe diferença entre Prerrogativa de Função e Foro Privilegiado. O que a Constituição veda e proíbe é o privilegio e não a prerrogativa em atenção à relevância do cargo ou função, e que, o “privilégio decorre de benefício à pessoa, ao passo que a prerrogativa envolve a função” (TOURINHO FILHO, 1990, p. 109).

Ademais, Gomes (2003) entende que, o foro especial depois de encerrado o mandato ou a investidura no cargo, passa a ter caráter de privilégio pessoal. Não se justifica, não é razoável. Para o penalista o foro existe em respeito ao cargo que o sujeito ocupa e que cessado o exercício da função, todas essas razões desaparecem (cessante causa cessat effectus), se coadunando ao atual entendimento do Supremo.

Porém, o legislador tão logo se viu atingido em seu benefício, com o cancelamento da citada súmula, “repristina” a matéria alterando o artigo 84 Código Penal e inclui a previsão de foro especial mesmo após o encerramento do exercício da função, mediante edição da Lei 10.628. Movidos pela indignação e pela inconstitucionalidade da previsão em norma infra-inconstitucional, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 2797/2002, que posteriormente veio a ser julgada, confirmando a tese da Associação (STF, 2002).

Por fim, Nucci (2006) critica a existência do foro privilegiado. Para o moderno doutrinador, se a justiça cível trata de forma igual, sem distinção, a regra deveria valer também para a justiça criminal. Acredita, ainda, que o atual entendimento a respeito do foro por prerrogativa de função poderá ser alterada. Para tal, será necessário um maior amadurecimento social, mas esta é uma questão para o futuro.

2 Súmula 394 – cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a por competência especial prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação do exercício.

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3 A PEC 130/2007

Em 2007, com a apresentação da proposta de emenda constitucional do Deputado Federal Marcelo Itagiba (PEC 130/2007), as discussões sobre o foro por prerrogativa de função voltaram ao centro das atenções da mídia nacional. A proposta “Revoga o inciso X do art. 29; o inciso III do art. 96; as alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102; a alínea “a” do inciso I do art. 105; e a alínea “a” do inciso I do art. 108, todos da Constituição Federal.” (ITAGIBA, 2007, p.1). Em verdade a emenda pretende por fim a todos os 19 dispositivos que garantem a prerrogativa de foro. Na justificativa do projeto Itagiba (2007) defende que nenhuma norma pode conceder o desequilíbrio entre os cidadãos, e o foro especial em favor de quem quer que seja fere os valores republicanos de igualdade. Ao ser distribuída à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados o presidente designou como relator o Deputado Federal Regis de Oliveira. Em 18 de março de 2008, a matéria foi aprovada por unanimidade pelos membros daquela Comissão. Regis (2008), em seu relatório, defendeu a matéria enaltecendo os princípios de igualdade perante a lei e considerou que o momento era oportuno para discussão do assunto. Em entrevista concedida a presente pesquisadora o autor da PEC, ao responder sobre os motivos que o levaram a propor o referido projeto, assim se pronunciou:

Durante uma reunião que houve na AMB, com o movimento “Juízes contra a corrupção”, fiz um pronunciamento e um compromisso de apresentar uma emenda Constitucional com o objetivo de acabar com o foro especial para todos. (ITAGIBA, 2008).

O Deputado não acredita ser fácil a aprovação de tal matéria, mas entende ser possível. No Senado Federal a proposição já tem o voto declarado de dois senadores: Paulo Paim e Eduardo Suplicy, conforme já citado anteriormente. Ao aparte concedido pelo senador gaúcho quando defendeu a aprovação da PEC 130/2007, Suplicy (2008) elogiou o pronunciamento e disse entender que o foro especial não deveria ser prerrogativa de parlamentares. Na mesma época, o Jornal O Globo publicou artigo com o título “Os mais Iguais”, em que o autor da proposta assim definiu tais prerrogativas:

Somos um país cuja desigualdade vai do supermercado aos tribunais, onde homem comum, na condição de réu e de vítima, não recebe qualquer tratamento privilegiado. Não é possível que autoridades continuem se alimentando do privilégio de responder a acusações de crimes comuns em cortes especiais num país que tem fome e sede de justiça. (ITAGIBA, 2008)

Na prática, sabe-se que a prerrogativa de foro transformou-se, ao longo da história, em sinônimo de impunidade, já que as ações contra autoridades acabam sendo prejudicadas pela excessiva demanda das cortes superiores. Dados levantados pela Associação dos Magistrados Brasileiros e divulgados na comissão especial que discutiu a PEC 130/2007 mostram que entre 1998 e 2006 o Superior Tribunal de Justiça recebeu 483 processos envolvendo acusados com foro privilegiado – 16 pessoas foram julgadas, 5 condenadas, 11 absolvidas e 71 processos prescreveram (PINTO, 2008, p.4).

Regis (2009), ao proferir belíssimo e coerente relatório, apresentou um substitutivo que não extingue de vez o instituto, mas melhora a atual previsão. O longo relatório traz uma pesquisa realizada no STF com intuito de demonstrar o excesso de processos que tramitam naquela corte contra parlamentares. Segundo o relator, existem em tramitação cinquenta e sete (57) inquéritos contra 26 senadores e quatrocentos e quarenta

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e seis (446) processos contra 147 (cento e quarenta e sete) deputados. Diante de tantos processos, o Deputado acredita que tal prerrogativa “mantém os parlamentares ao abrigo de qualquer punição. Tem servido, realmente, para a absoluta impunidade” (REGIS, 2009, p. 33).

Collaço (2007), como presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros -AMB, ataca o foro privilegiado e pede prisão para políticos corruptos, considera que os processos devam ser otimizados e os julgamentos que objetivem o combate a corrupção sejam priorizados.

Abramo (2006, p. A4), diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, afirma que “o mandato parlamentar se transformou em atração para criminosos”. Compara o parlamento brasileiro a um “grande guarda-chuva contra a ação da Justiça.” E considera o mandato uma proteção contra infratores.

Fernando de Mattos (2008), representante da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE declarou, em audiência na Câmara dos Deputados, que os juízes federais ainda não tiraram uma posição a respeito do foro privilegiado dentro da categoria, porém aceitam a forma como o instituto está concebido e concordam que deveria ser restrito a poucos casos.

Em 11 de novembro de 2009, em sessão presidida pelo deputado Michel Temer, a PEC 130/2007 teve seu substitutivo rejeitado (Sim: 260; não: 121; abstenção: 31) e a matéria foi retirada de pauta. Desde aquela data não sofreu qualquer movimentação junto à Câmara dos Deputados.

Vale lembrar, porem, que o assunto não foi esquecido. A discussão sobre a prerrogativa de foro reacende a chama dos apaixonados pelo assunto toda a vez que matéria volta a figurar nas páginas dos jornais, revistas, blogs...

4 A AÇÃO PENAL 470

A Ação Penal 470, que tramita no Supremo Tribunal Federal, trata de um dos maiores escândalos políticos do período republicano. Ocorrido durante o mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva, o crime foi realizado com a finalidade de saldar dívidas de campanha com dinheiro não contabilizado, o chamado caixa 2. Intitulado pela mídia de “mensalão” a ação envolve denuncias de compra de votos de parlamentares, corrupção, peculato, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e crimes contra a ordem tributária e o sistema financeiro.

Com o inicio do julgamento, ressurge no meio jurídico a discussão sobre o foro privilegiado e a vocação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Para os ministros do Supremo (9 votos contra 2), embora a maioria dos acusados não possua prerrogativa de foro no STF, as acusações estão ligadas ao mesmo fato, o que justifica o julgamento em conjunto naquela Corte. Desta feita, decidem analisar as condutas de todos os envolvidos, contrariando a tese do advogado e ex Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos, que requereu o desmembramento da ação penal. Apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello votaram a favor do desmembramento do processo. Dos 38 réus que figuram no polo passivo da ação penal, somente três

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atraem o foro para o STF, são eles: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). Sabemos que um capítulo importante da história desse arcaico instituto esta sendo escrito pelos excelentíssimos ministros que julgam o “mensalão” e se debruçam sobre a árdua tarefa de analisar as mais de 50 mil páginas.

Vale ressaltar, que a etapa inicial do julgamento já reflete a responsabilidade, a isenção e a seriedade dos ministros ao julgar a organização criminosa. A ação penal, que começou a ser apreciada em 2 de agosto de 2012, imputou aos primeiros réus condenações por crimes de corrupção e peculato. Soma-se até agora 8 condenações, de um julgamento imparcial e altamente técnico, com fulcro nos princípios da ampla defesa e do contraditório com a mais plena e eficaz realização da Justiça

Quem sabe a dificuldade de manejar um processo tão complexo e extenso não seja o inicio para repensar os destinos do foro por prerrogativa de função?

O editor Josemar Dantas, do Correio Brasiliense, ao falar de foro privilegiado cita o caso do presidente Bill Clinton com a Sra. Monica Lewinsky e comenta:

Na mais exaltada democracia do planeta, o presidente da República é julgado, nas hipóteses de crimes comuns, pelas instâncias inferiores da organização judiciária. (DANTAS, 2008)

O fato da ação penal 470 não ser desmembrada, mantendo-se o julgamento de todos os réus no Supremo, certamente, fere princípios fundamentais. A extensão da prerrogativa de foro é assunto que até hoje o STF não firmou jurisprudência, talvez este seja o momento apropriado.

Acredita-se que o debate está lançado. Ademais, não podemos nos furtar, enquanto cidadãos, de fazer valer a justiça, a ética e a isonomia de condições. É preciso também que os congressistas ouçam a voz das ruas e legislem de acordo com as aspirações da maioria.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente reflexão levanta a discussão sobre o instituto do foro privilegiado, uma prerrogativa atinente às imunidades formais, que, dentro do direito constitucional brasileiro, vem se perpetuando desde a Constituição de 1924 até os dias atuais. Buscamos, nas palavras de doutrinadores, professores, juízes, advogados, políticos e ministros, a demonstração de quanto é polêmica tal prerrogativa. Foram listadas algumas consequências oriundas desses privilégios, em especial a impunidade. Não nos furtamos adentrar nas decisões do Supremo Tribunal Federal no tocante ao cancelamento da Súmula 394 e a declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.628, que veio para “repristinar” a matéria já decidida pelo Supremo Tribunal Federal, editada de forma casuística por aqueles que pretendiam se beneficiar. Ademais, foi trazido à luz do Direito Constitucional o pensamento dos verdadeiros representantes do povo, os legitimados para propor e aprovar a alteração constitucional que poderá por fim ao foro por prerrogativa de função, ou pelo menos reduzir estas prerrogativas.

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Na conclusão deste trabalho pretende-se registrar uma posição idealista, de ter uma constituição avançada, moderna, que esteja de acordo com o pensamento e o desejo de todo cidadão e cidadã deste país. Uma constituição que privilegie aqueles que realmente precisam de privilégios, dentro do princípio de igualdade substancial. Lamenta-se que o desprezo de alguns cidadãos públicos pelas ideias de igualdade, de ética e moral ainda persista, pois são cada vez mais raros os que podem levantar essas bandeiras sem medo de que pese sobre eles alguma imputação desonrosa. Diferentemente do objetivo pela qual foi criado o instituto, ele não passa de simples privilégio pessoal que, ao invés de defender o interesse e a ordem pública, a estas vilipendiam através da certeza de impunidade da qual se favorecem a corrupção e a imoralidade, quer administrativa, pessoal ou criminal.

Por todo exposto, fica a certeza que é chegada a hora de se repensar os privilégios constitucionais. Urge que seja enterrada de vez essa proteção inescrupulosa dada aos mandatos. Mandatos estes conferidos pelo princípio sagrado da democracia. Uma luz se acende nessa trajetória. A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 130/2007 poderá ser o início do fim dessa regalia. Assim, tem-se o entendimento de que é injustificável e inaceitável tal prerrogativa e almeja-se acreditar que a manutenção deste instituto no Direito Brasileiro está com os dias contados.

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PARTO ANÔNIMO, ABANDONO INFANTIL E MOROSIDADE NOS PROCESSOS DE ADOÇÃO1

Tátilla Gomes Versiani2

RESUMO: O presente estudo analisa a politização da maternidade e a inserção do instituto do parto em anonimato no ordenamento jurídico nacional, bem como sua repercussão política e social. Investiga, igualmente, se o parto anônimo seria alternativa eficaz à morosidade nos processos de adoção e se a incorporação desse instituto pelo ordenamento jurídico brasileiro atenderia ao âmago da Emenda Constitucional nº. 45 (EC nº. 45/2004), realizando, sobremaneira, o ideal de Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Maternidade. Parto anônimo. Celeridade processual

SUMÁRIO: Introdução. 1 Welfare State e biopolítica. 2 Maternidade e biopolítica. 3 Parto anônimo como biopolítica: origens e práticas em diversos países. 4 Parto anônimo: possíveis repercussões jurídicas e sociais. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem por escopo revelar, mediante a utilização do método bibliográfico e dedutivo de pesquisas, se a politização da maternidade e a adoção do parto em anonimato no Brasil realizam o ideal de Justiça. Colima ainda investigar se, como política de gestão da vida, o parto anônimo seria instrumento hábil à efetivação dos princípios norteadores da Emenda Constitucional nº. 45 (EC nº. 45/2004), da dignidade e do melhor interesse da criança, em se tratando de processos de adoção.

1 Artigo científico, resultado do módulo “Família e Sucessões”, integrante do Projeto de Pesquisa “Reforma do Judiciário” do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Produzido sob a orientação da profª. Ms. Ionete de Magalhães Souza e profª. Esp. Ana Clarice Abuquerque Leal Texeira. 2 Bacharel em Direito pela Universidade de Montes Claros – UNIMONTES. Especialista em Direito pelo Instituto de Ensino Superior COC. Advogada.

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1 WELFARE STATE E BIOPOLÍTICA

O Estado do bem-estar social (Welfare State) surgiu como resposta à emergência da democracia de massas, objetivando conservar o corpo social coeso e desenvolver, harmonicamente, a vida em sociedade através da adoção de medidas de proteção social.

O Welfare State é fruto do manejo das políticas de distribuição, pautadas numa Justiça distributiva, hedônica e utilitarista, que colima a consecução de um bem-estar social geral por meio do sacrifício mínimo da pessoa. É o que obtempera o filósofo inglês Jeremy Bentham ao dissertar acerca da teoria utilitarista, construindo uma escala axiológica em que o valor atribuído a certa conduta em sociedade é auferido em razão da satisfação que oferece ao corpo social como um todo. (BENTHAM, 1979, p.65).

Em contrapartida, o também filósofo John Rawls em sua obra “Uma teoria da Justiça”, com intuito de alcançar o equilíbrio entre utilitarismo e intuicionismo, aduz que a igualdade deve deixar de ser vista em abstrato, atingindo conteúdo social, político e econômico concreto (RAWLS, 2000, p. 3).

No que tange ao estabelecimento do Welfare State, decorre dele a tomada pelo Estado do controle e gestão de políticas voltadas para os segmentos minoritários da sociedade, que visam colocá-los em situação equânime de oportunidades em relação ao corpo social como um todo.

No Brasil, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/1988), a luta política do Welfare State foi transposta à seara jurídica. Isto porque a CRFB/1988 transformou o Estado brasileiro em provedor/garantidor de direitos sociais mínimos, tais como saúde, educação e lazer, aspectos básicos que uma sociedade justa e democrática deve assegurar a seus membros. Vê-se, neste ponto, liame indissociável entre o jurídico, o social e o político que se deu mediante a institucionalização dos direitos sociais.

Obtempera Sônia Draibe que a CRFB/1988 representou grande avanço, porquanto coíbe iniqüidades e amplia os direitos especialmente no que tange a área trabalhista e a seguridade social (DRAIBE, 1989, p. 218) sendo perceptível, ainda, a jurisdicionalização do político, pois a omissão do Estado com relação à satisfação desses direitos faz com que, não raras vezes, e mediante provocação do cidadão, o Judiciário exerça função de garantidor da efetividade dos direitos sociais mínimos ou fundamentais, sustentáculos de uma sociedade democrática.

Nesse contexto, surgem as políticas públicas de gestão da vida objetivando proteger precipuamente a mulher, detentora de um “biopoder”, que é a capacidade de gerar vida.

Marylin Yalom se refere a uma “politização do seio feminino” ao descrever as condições de surgimento do fenômeno que, na afluência da urbanização, do fortalecimento do sistema capitalista de produção e do surgimento e consolidação dos Estados Nacionais no decorrer dos séculos XVII, XVIII e XIX coloca a mulher, como mãe em potencial, no cerne das políticas voltadas à proteção da vida e da criança (YALOM, 1997).

Intitulando esse fenômeno de “biopolítica”, Michel Foucault em sua obra “História da sexualidade” afirma ser esta um processo de interferência do Estado/sociedade sobre a saúde, o corpo, as condições de viver, as formas de se alimentar e morar, enfim, em todo o espaço da existência da mulher e da família, favorecendo seu desenvolvimento e bem-estar (FOUCAULT, 1993, p.135).

2. MATERNIDADE E BIOPOLÍTICA

Michel Foucault ensina que a medicina é, sobretudo, uma estratégia “biopolítica”, já que o controle social se efetiva não só pela consciência, mas também “no corpo e com o corpo”. Preleciona, ainda, que a “biopolítica” trata da necessária “medicalização” do existir da mulher mediante a adoção pelo Estado de práticas de intervenção em sua saúde, higiene e bem-estar (FOUCAULT, 1993, p. 137).

Certo é que esta intervenção estatal no existir feminino perpassa não só pelo discurso médico, mas, sobremaneira, pelo discurso pedagógico, moral, econômico e jurídico, com objetivo primordial de manter o corpo social pacífico e harmônico.

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Neste contexto, surgem as políticas públicas de gestão da vida objetivando proteger, precipuamente a mulher, detentora de um “biopoder”, que é a capacidade de gerar vida.

Relativamente à maternidade, o Estado estabelece padrões de comportamento para as mulheres-mãe com a finalidade específica de garantir ao nascituro, à criança e à família um coexistir harmônico e saudável a bem da coletividade, adequando a conduta individual à coletiva. Em outras palavras, entende-se que o bem-estar da mulher, mãe em potencial, propiciaria um bem-estar geral na sociedade. Por isso a atenção volta-se à promoção de políticas públicas em favor da mulher enquanto mãe e mantenedora da solidez da instituição familiar.

Assim, no decorrer dos séculos XIX e XX, multiplicaram-se os debates e propostas acerca dos cuidados com as mulheres, passando estes a serem exercidos com maior controle e rigor, sobremaneira quando se tratava da saúde das gestantes e mães (KNIBIELER, 1996, p. 359).

A estas mulheres, o Estado passa a destinar, gradativamente, cuidados mais específicos com uso das várias tecnologias, sendo possível, referir-se a uma politização da maternidade, o que demanda maior dispêndio de recursos estatais em políticas e práticas assistenciais voltadas principalmente às mulheres mães (MEYER, 2003).

A partir da década de 1960, momento em que o feminismo volta-se às construções teóricas, a mulher passa a ser vista pela sociedade capitalista ocidental também como produtora e consumidora, o que torna economicamente viável a emancipação feminina, o controle da natalidade e de aspectos outros dela decorrentes, provocando, dessa maneira, um traslado da ótica capitalista ocidental ao panorama sócio-cultural mundial.

Assim, por vários motivos, sejam eles de ordem econômica - a inserção da mulher no mercado como produtora e consumidora- de ordem política ou social – a colocação do Estado como provedor/garantidor dos direitos fundamentais, precipuamente o mais elementar deles : a vida- há uma politização da maternidade que se desdobra numa multiplicidade de sujeitos, em que o Estado, ao ofertar proteção especial à figura da mulher, salvaguarda a criança, garantindo-lhe o mais fundamental dos direitos: a vida. Por consectário, os argumentos e discussões acerca da dignidade humana e dos Direitos Humanos abrangem, de maneira especial, os direitos da mulher, os direitos sexuais e reprodutivos, os da criança e do adolescente e, ainda, os do nascituro.

À mulher-mãe se atribui, por conseguinte, responsabilidade quase que exclusiva pelo desenvolvimento cognitivo, afetivo e físico do nascituro e da criança. Trata-se de uma questão cultural, pois há leis no cenário jurídico nacional que buscam efetivar o exercício da corresponsabilidade parental, tais como as leis de alimentos e as que regulamentam os alimentos à gestante e as sucessões.

Vê-se que, conforme anuncia Dagmar Meyer, conquanto o movimento feminista tenha emancipado a mulher relativamente aos mais diversos aspectos da convivência social (aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais) dificultou o exercício da maternidade ao torná-lo excessivamente abrangente e interventor.

3 PARTO ANÔNIMO COMO BIOPOLÍTICA: ORIGEM E PRÁTICAS EM DIVERSOS PAÍSES

Particularmente a partir do século XX os cuidados e assistência prestados à mulher, “guardiã do espaço vital humano” (MAKAROOUN, 1999, p.206), e à família, por consectário foram transpostos da esfera privada à pública através da institucionalização da assistência às gestantes e parturientes.

A análise dos conhecimentos, das políticas e dos programas de saúde e educação promovidos pelo Estado permite concluir que a mulher-mãe é um ser múltiplo, porquanto agente de promoção da inclusão social, provedora e executora dos cuidados com as crianças e com a família.

Desta forma, a maternidade, seja desejada, seja recusada, está no foco das definições culturais e históricas do feminino, já que o corpo da mulher passa a se comunicar com o corpo social, com o espaço familiar e com a vida das crianças, decorrendo disso uma socialização das condutas de procriação associadas aos aspectos econômicos, políticos e médicos, conforme foi explanado anteriormente.

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Neste ínterim, educar e capacitar mulheres para essa forma de maternidade torna-se prioridade nas políticas públicas e programas de promoção e inclusão social, que têm valorizado a mulher como sujeito proativo da por sua aptidão de se inserir concomitantemente na estrutura familiar e no mercado de trabalho.

Com o crescente desenvolvimento técnico-científico, especialmente no que concerne à biotecnologia em genética e tecnologias de imagens, há uma inserção indubitável do nascituro numa rede de controle da vida mediante um monitoramento minucioso e antecipado de seu desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.

Paul Virilio aponta em sua obra “A arte do motor” que as essas tecnologias a serviço da saúde e da vida constituem um paradigma de controle que deixa transparecer a expansão capitalista que abrange também o material genético e hereditário do ser humano ainda no útero materno (VIRILIO, 1996, p. 91).

Dessa maneira, os discursos acerca dos direitos humanos universais ou de grupos e sobre a politização da maternidade ambivalência entre universalismo X particularismo e entre a posição política e ponto de vista de seus diversos formuladores. Tais tensões decorrem tanto das políticas estatais como também das lutas dos movimentos sociais, seara em que as noções de direitos universais se tornam múltiplas.

No momento em que essas noções estabelecem novos sujeitos de direitos, essa multiplicidade formula questões de difícil solução, sobretudo ao contrapor, contestar ou suspender direitos mútuos ou de outros sujeitos com os quais estes se relacionam, a exemplo do que apontam Schmied e Lupton, ao afirmarem que, quanto à relação mãe-nascituro ou mãe-bebê em algumas áreas, tais como na Psicologia e no Direito, e teorizações há uma conceituação excessivamente linear e estática, que não aborda a tensão e ambigüidade que estas relações permeiam (SCHMIED; LUPTON 2001, p. 33)

Hodiernamente, o nascituro é visto como sujeito de direitos e não mais como extensão do corpo materno, portio mulieris vel viscerum. Nessa perspectiva, um ambiente uterino saudável passa a ser concebido como um direito deste sujeito político e, em concordância com o que assevera Dagmar Meyer, a mulher que não proporciona ao nascituro esse ambiente é tida como “desviante, negligente, ignorante ou, na pior das hipóteses, como criminosa em potencial” (MEYER, 2003).

As ações que envolvem os programas e políticas de educação e saúde contrapõem um dos maiores esforços do movimento feminista: o de demonstrar que mulher e mãe são sujeitos essencialmente distintos, que não se sobrepõem, tampouco consiste um extensão do outro, ao passo que, os programas e políticas de educação e saúde ao valorizar a capacidade de inserção concomitante da mulher no mercado de trabalho e na família, posiciona a mulher, enquanto sujeito-mãe, como responsável exclusiva por propiciar inclusão social e promover a educação e saúde das crianças (KLEIN, 2003 p. 126; MEYER, 2003, p. 38).

Incorporando novos e progressistas paradigmas de família, alguns desses programas têm elevado ao patamar do natural não só a ausência do homem-pai nos núcleos familiares, principalmente naqueles mais pobres, mas, sobretudo sua “des-responsabilização” pela vida, saúde e educação das crianças.

Nesse discurso, o homem tem sido posicionado como agente perturbador de cuidados. Há, por conseguinte, um reforço da responsabilidade da mulher pela reprodução biológica, pela educação dos filhos e pela saúde e inclusão social da família. O parto anônimo, como política de gestão da vida, pode, tranquilamente, ser inserido neste contexto.

Instituto de designação recente recebe influência direta do que se denominou na Itália de ruota dei trovatelli ou roda dos expostos ou roda dos enjeitados, que, ainda na Idade Média, representou a primeira iniciativa pública voltada ao atendimento às crianças rejeitadas.

No Brasil Colônia, esta prática largamente utilizada até 1948,e se iniciou por volta de 1739, no Estado do Rio de Janeiro, ocasião em que Romão de Mattos Duarte doou a quantia de 32 mil cruzados direcionados à criação de um local aparelhado para abrigar crianças rejeitadas.

Tema de importantes teses de médicos higienistas e instituto de forte inspiração cristã, a roda dos enjeitados deixa transparecer os usos e costumes da época, exercendo, notadamente, papel regulador de condutas desviantes nos núcleos familiares, segregando a prole decorrente das práticas reprodutivas restritas ao casamento

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daquela havida fora desse âmbito, ou seja, resultante de relações tidas como espúrias pela sociedade e pela Igreja. Nesse sentido, a roda funcionou como “medida eugênica de preservação da família” (BARBOSA, 1999, p. 255).

Mencione-se que a roda possuía a função de proteger as crianças enjeitadas do preconceito e sanções sociais de sua origem. Ressalta-se, ainda, que, concomitantemente à instituição da Casa dos Expostos, os conventos passaram a abrigar as mulheres maculadas pela desonra de uma gestação que atentava contra a moral social pré-estabelecida, acontecimento que tornava a mulher indigna da convivência familiar.

Negava-se à mulher o direito à maternidade para remediar o escândalo amoroso e minimizar os efeitos da conduta desviante dos pais na vida da criança enjeitada, como uma manifestação paradoxal de amor.

Posteriormente, mas ainda no período colonial, assiste-se a uma alta nos índice de crianças entregues ao abandono, especialmente em áreas portuárias cariocas e baianas. Algumas das causas do aumento desses números, consoante afirmam os historiadores, são: o controle de natalidade, a miséria e a indigência. Importante lembrar, todavia, que certamente existiam casos de abandonos motivados pelo desamor e irresponsabilidade dos progenitores.

Fato é que, em dado momento, a roda dos expostos tornou-se alvo de severas críticas, considerando-se as condições precárias e muitas vezes insalubres das Santas Casas que culminaram com o aumento da mortalidade infantil nesses locais, talvez em função da crescente demanda desse mecanismo em contraposição à falta de recursos destinados à manutenção das Casas dos expostos. No Brasil, mais precisamente em 1948, foi desativada a última roda, esta situada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Tanto o parto anônimo, quanto a portinhola de bebês se constituem como uma tentativa de proteger a vida das crianças enjeitadas.

Entende-se por portinhola de bebês o mecanismo segundo o qual a criança é deixada em local seguro e aquecido, onde será recepcionada pela equipe dos hospitais ou casas de saúde, sem que haja qualquer possibilidade de identificação do depositante.

Já o instituto do parto anônimo diz respeito ao direito de entrega exercido pela mulher que coloca a criança recém-nascida, sua filha, à disposição para adoção nos hospitais e casas de saúde sem qualquer imputação civil ou penal. A identidade da mãe e os dados concernentes à identidade genética da criança ficam ocultos e em poder do Estado, que garante à mulher assistência médica e psicológica gratuita durante a gestação e após o parto e até a entrega. Uma vez efetuada a escolha, frise-se, pela mulher, o que ignora a existência e vontade do pai e dos parentes biológicos ou socioafetivos da criança, e passado o tempo determinado pela legislação para que se evitem os vícios de vontade, há uma renúncia da mãe a autoridade parental sem possibilidade de arrependimento. Até ser adotada, a criança fica sem identidade e sob tutela estatal.

A origem genética da pessoa submetida à prática do parto anônimo torna-se sub-reptícia e seu resgate só se torna possível na ocorrência das hipóteses pontuadas em lei e mediante requerimento ao Poder Judiciário, sem que isso implique, entretanto, em qualquer reconhecimento do vínculo entre a mãe e/ou pai biológico e a pessoa submetida a essa prática.

França, país que primeiro instituiu o parto anônimo e o intitulou de accouchement sous X, obteve vitória no Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH) no caso Odièvre X França, ocasião em que o instituto previsto pela legislação francesa foi declarado compatível com a Convenção Européia de Direitos do Homem.

Segundo o entendimento de Henrique Prata, o TEDH ao apreciar a compatibilidade do instituto com a Convenção Européia dos Direitos do Homem, observou os pressupostos constantes no catálogo do art. 8º, inciso II da Convenção e analisou, tão somente, a discricionariedade para na confecção da lei e se houve, in casu, proporcionalidade dos interesses da pessoa em contraposição aos bens jurídicos protegidos pela Convenção, tais como a liberdade e a saúde. Para Henrique Prata, o TEDH não emitiu qualquer juízo de valor acerca da lei francesa, nem recomendou à França revisão da valoração atribuída aos interesses da criança ou da mãe (PRATA, p.107). Dessa maneira, com a legislação em comento, a França não teria ultrapassado sua discricionariedade nem contrariado a Convenção Européia de Direitos do Homem.

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Henrique Prata critica a decisão do TEDH no caso Odièvre X França por julgar que, com a decisão, ainda resta discricionariedade para que outros Estados Europeus instituam o parto anônimo da maneira que julgarem melhor, haja vista que o Tribunal não apontou o sistema de parto anônimo francês como mais adequado, nem fez opção por qualquer modelo. O jurista observa também que não há na Europa consenso contrário acerca da institucionalização da prática do parto anônimo (PRATA, p.108-109).

Na Alemanha, a prática do parto anônimo e da portinhola de bebês (babyklappe ou janelas de Moisés) não têm aprovação oficial. Porém, fomentadores de projetos sociais voltados aos cuidados com a juventude e as mulheres grávidas têm dado apoio a quem deseja efetuar a entrega anônima do bebê nas também chamadas janelas de Moisés.

O abandono da criança numa portinhola não gera maiores conflitos relativamente ao estado de filiação, haja vista que nos ditames da Lei alemã de Registro Civil das Pessoas Naturais, a criança entregue na janela de Moisés receberá o mesmo tratamento da criança enjeitada, devendo os servidores da administração atribuir nome e sobrenome à mesma, indicando uma provável data do nascimento nos Livros de Registros de Assentos de Nascimento.

Baseando-se no paradigma alemão, Kumamoto, cidade japonesa, adotou de forma não oficial as portinholas nominando-as de konotori no yurikago, incubadora com temperatura adequada para o bebê com cesto pelo lado de fora do hospital ou casa de saúde destinada à recepção de crianças expostas.

Em território italiano, a prática do abandono seguro é conhecida como “culla per la vita” e entrou em vigência aproximadamente no ano de 1997 com o intuito precípuo de atender imigrantes e meretrizes que, impedidas por seus cáftens de manter consigo os filhos, praticavam o abandono dos bebês em condições desumanas.

Áutria, Suíça, Filipinas, África do Sul, Paquistão e Luxemburgo também instituíram a portinhola de bebês ou baby hatches para salvaguardar a vida e dignidade dos recém-nascidos não desejados.

A Associação Moeder voor Moeder colocou em funcionamento a primeira portinhola belga no ano de 2000 no distrito de Antwerp. República Tcheca teve em Praga a instalação da primeira portinhola em 2005.

Hungria e Índia também adotaram o mecanismo em 1996 e 1994, respectivamente, sendo que em Índia mecanismo foi instituído primeiramente no estado de Tamil Nadu com o intuito de minorar o número de mortes dos bebês do sexo feminino.

Espanha, verificando as controvérsias jurídicas e a ineficácia do instituto para a proteção da vida e dignidade do nascituro e dos envolvidos na prática do parto anônimo, eliminou-o de sua legislação em 1999, tendo a Suprema Corte espanhola julgado pela inconstitucionalidade e expurgado do ordenamento jurídico espanhol o art. 47 da Lei de Registro Civil de oito de junho de 1957 que permitia o registro da criança sem o nome da mãe.

Na ocasião, a corte espanhola motivou a decisão argumentando que a legalização dessa prática atinge o direito fundamental de igualdade de direitos e responsabilidades de ambos os pais. Para a corte, o instituto coloca para a figura materna toda a responsabilidade para com o filho que ambos, pai e mãe, geraram, excluindo a figura paterna, como se o poder familiar tivesse como titular somente a mãe. Em suma, a Suprema Corte considerou que a institucionalização da prática do parto anônimo atinge o direito fundamental do ser humano de conhecer sua origem genética. Concluiu, ainda, que a manutenção do anonimato da mãe colide com os princípios da livre investigação dos laços biológicos.

Intitulado de Baby Safe Haven, nos Estados Unidos da América (E.U.A) todos os estados possuem leis que regulam, a seu modo, o instituto em comento, sendo que o Texas foi o primeiro estado estadunidense a aprovar, em 1999, a lei do abandono seguro, instituindo que a mãe ou o pai do bebê de até sessenta dias de idade poderá, caso queira, deixá-lo com o servidor que esteja em plantão em qualquer hospital, com prestador de serviços médicos de emergência ou com servidor de agência de bem-estar da criança. Ausentes traços de maus-tratos ou abuso, não haverá qualquer imputação penal aos pais ou a quem no lugar deles efetue a entrega anônima do recém-nascido.

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Nos E.U.A o abandono seguro é, em verdade, o mesmo mecanismo utilizado pela da portinhola de bebês. Não há obrigatoriedade do registro de informações mínimas acerca da origem genética e história médica da criança submetida a essa prática. Esse registro só ocorre caso o pai e/ou a mãe, ou alguém por eles e mediante autorização dos mesmos, o fizer de forma espontânea. Uma vez efetivada a entrega, consoante informações obtidas no site da National Safen Haven Aliance (NSHA), http://www.nationalsafehavenalliance.org/, as autoridades de todos os Estados Unidos da América (E.U.A) são notificadas, a fim de que se certifiquem de que nenhum familiar ou parente próximo tenha interesse em criar e cuidar da criança entregue ao programa.

Em fevereiro de 2003, a Conferência Nacional dos Legislativos Estaduais apontou em relatório que as leis que regulamentam o abandono seguro não resolvem o problema do abandono de recém-nascidos (Conferência dos Legislativos Estaduais, 2003).

Com os mesmos resultados, o Evan B. Donaldson Adoption Institute também publicou em 11 de março de 2003 um relatório demonstrando a ineficácia e as conseqüências negativas das leis que regulamentam abandono seguro. Para o instituto, a regulamentação jurídica do instituto do Safe Haven Baby não tem contribuído de forma significativa para a diminuição da ocorrência do abandono ilegal e tem produzido resultados indesejáveis porque dão impressão de que o abandono e a irresponsabilidade parental são práticas aceitáveis.

Outro malefício que o relatório aponta e que já foi mencionado neste estudo é a facilidade do progenitor ser preterido na legislação que regulamenta o abandono seguro em alguns estados, como se a vontade de um dos genitores em abandonar a criança suplantasse o desejo de seu consorte.

Ademais, na concepção do Instituto, a admissão da prática do abandono seguro tem dificultado a adoção das crianças a ela submetidas porque, em muitos casos, não há como contatar o outro genitor para receber dele a permissão para encaminhar o bebê para a adoção, o que resulta numa permanência maior da criança sob custódia estatal até que sejam preenchidos os requisitos exigidos por lei, ao passo que quando a mãe e/ou pai opta(m) pela adoção quando ainda gestante há uma rápida inserção da criança numa família substituta.

O Instituto aponta que o fato de a legislação sobre abandono seguro não dispor acerca de um tempo mínimo para que a mãe e/ou pai renunciem seus direitos sobre a criança juntamente com o fato de não mencionar auxilio médico e psicológico ao pai e/ou mãe que desejam submeter seu filho a esta prática pode gerar graves conseqüências no estado de espírito dos pais.

O relatório do Instituto revela, ainda, que a inexistência de dados relativos a história familiar da pessoa podem atrapalhar seriamente a detecção de doenças genéticas ou hereditárias raras (Evan B. Donaldson Adoption Institute, 2003). Assim, ao negar o direito de conhecimento da origem genética a institucionalização do abandono seguro estaria restringindo o direito à saúde já que um rápido diagnóstico de doenças genéticas ou hereditárias raras.

Partindo da análise da perspectiva mental, o relatório aponta que pessoas criadas por pais adotivos têm uma necessidade psicológica de conhecer sua origem biológica, o que é imanente a sua condição humana. Qualquer disposição que acolha o contrário danifica um aspecto da essência humana e, consequentemente, atinge a dignidade da natureza humana, em razão do que deverá ser repelida.

As leis de abandono seguro não incentivam que as mulheres realizem seus partos em hospitais e unidades de saúde, ou seja, as leis não tratam a questão do abandono como sendo também uma questão pedagógica e de saúde, fazendo com que haja mortalidade dos recém-nascidos mesmo nos abrigos, quando estão sob custódia estatal, já que é verificada, tão-somente, as condições aparentes da criança que está sendo entregue, não sendo feito qualquer exame clínico no ato da entrega.

4 PARTO ANÔNIMO: POSSÍVEIS REPERCUSSÕES JURÍDICAS E SOCIAIS

Nota-se que a polêmica que envolve o tema demanda uma acurada análise das implicações jurídicas, tais como os efeitos da ausência de filiação nos registros das crianças submetidas à prática do parto anônimo e da portinhola de bebês sobre a aplicação da Convenção de Haia, por exemplo, os efeitos biopsicossociais de

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uma identidade genética sub-reptícia sobre a pessoa sua influência nos arranjos familiares e ainda as implicações éticas e políticas que envolvem a adoção e legalização dessas práticas, bem como a responsabilidade por qualquer espécie de agressão à saúde mental das pessoas nelas envolvidas.

No Brasil, um Projeto de Lei (PL), elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e proposto na Câmara Federal pelo Deputado Eduardo Valverde (PT-RO), dispõe sobre direitos reprodutivos da mulher, visando coibir o abandono de recém-nascidos através da regulamentação do parto em anonimato no Brasil. Consoante os termos do projeto, bem como de seus apensos, à progenitora não é atribuída qualquer responsabilidade jurídica com relação à criança, que poderá ser entregue para adoção em casas de saúde, devendo ela informar dados acerca de sua saúde e a do pai da criança.

No que concerne ao direito de vindicação do pai e demais parentes biológicos da criança, este poderá ser exercido mediante prova do liame genético e no prazo de 30 dias, ignorando-se o afeto como elemento constitutivo da família, na contramão do que apregoa o Direito de Família constitucional contemporâneo.

Ao justificar a iniciativa da elaboração do mencionado PL, o IBDFAM apregoou que, com a incorporação do instituto ao ordenamento nacional, haverá a substituição do abandono do recém-nascido pela entrega do mesmo à adoção, afastando a clandestinidade do abandono e suas nefastas conseqüências, salvaguardando, sobremaneira, a dignidade, a saúde e a integridade do recém nascido, lhe garantindo o direito à vida e à convivência familiar por meio da sua institucionalização e posterior entrega aos pais adotivos.

Para os defensores do projeto, a institucionalização do parto anônimo no Brasil encontra amparo jurídico nos princípios abrangidos pela CRFB/1988 em seu art. 1º, III, no art. 5°, caput e, ainda, no princípio da proteção especial à criança (art. 227). Para eles, a adoção do instituto em menção encontra respaldo, ainda, no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069 de 1990 - ECA), que garante à criança um nascimento e desenvolvimento sadios e condições dignas de existência por meio da efetivação de políticas públicas voltadas a este intento. Sobre a tramitação deste PL, insta mencionar que a proposta foi arquivada, via memorando, em 28 de julho de 2011. No entanto, o tema ainda tem sido discutido e controverso.

Os que defendem a legalização do parto em anonimato afirmam que, demandando políticas efetivas por parte do poder público, esta afastaria a clandestinidade do abandono e protegeria, sobremaneira, a vida e a integridade do recém-nascido. Haveria, então, a descriminalização da conduta dos progenitores mediante a substituição do abandono pela entrega da criança a hospitais ou unidades de saúde, potencializando sua inserção num novo núcleo familiar com o encaminhamento destas crianças à adoção. O que é garantido à mulher, por conseguinte, é a liberdade de escolha com relação à assunção de responsabilidades pelo filho que ela gerou e o amplo acesso a rede de saúde pública. Este ponto revela a fragilidade da iniciativa, pois se sabe que o acesso a saúde pública em nosso país é problemático.

A jurista Fabíola Alburquerque pontua que o parto anônimo é um instituto que almeja o equilíbrio de interesses opostos por garantir que a criança não planejada esteja a salvo do abandono, aborto ou infanticídio, além de salvaguardar o direito ao anonimato à mulher que dá á luz a uma criança, mas que não deseja ser mãe (ALBUQUERQUE, p.11). Todavia, com relação à assertiva da jurista, cumpre observar que se o que justifica a institucionalização do parto anônimo é, justamente, a ausência de qualquer imputação criminal ou responsabilização civil com a desvinculação materno-filial para a mulher que opta pela entrega, a quem ou para quê servirá a ocultação da origem genética das pessoas submetidas a esta prática? A questão envolve, nitidamente, a forma com que a mulher tem sido posicionada na sociedade e nas políticas públicas: como detentora de uma capacidade inata para conceber e cuidar dos filhos.

A maternidade sigilosa que compreende o abandono ou entrega perpassa por questões bem mais complexas tais como as que permeiam as políticas públicas preventivas, constituindo-se como problema social que demanda ações e investimentos que propiciem de fato uma orientação para a prática sexual responsável, bem como a quebra do mito do determinismo biológico que envolve a sexualidade feminina, mediante o vislumbre da importância do planejamento familiar, tal qual o previsto na Lei nº 9.263/96.

Ressalte-se que, na hipótese de ocorrer uma gravidez não programada não existe nenhum empecilho no ordenamento jurídico brasileiro para a adoção do nascituro para que se garanta, ainda no útero, uma existência

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digna do bebê. Cumpre ressaltar que a adoção também extingue o vínculo parental entre a criança adotada e seus pais biológicos.

A iniciativa do legislador seria equivocada porque não trata o problema do abandono de recém-nascidos em sua origem. Ignora, portanto, a possibilidade de melhoria ou reformulação das iniciativas de conscientização, de controle de natalidade e de ajuda social ofertada pelo Estado Brasileiro à juventude e, principalmente, às mulheres. Ignora ainda a existência e vontade do pai e dos parentes biológicos ou socioafetivos da criança no que concerne ao direito de vindicar criança para criá-la junto á família biológica e/ou socioafetiva.

A referida proposta significa um retrocesso do paradigma de proteção à infância, já que não atenta a uma perspectiva holística dos vários direitos que a institucionalização do parto anônimo afetaria, já que viola o direito da criança à convivência familiar de várias maneiras, desconsiderando tanto o direito do pai quanto o da família natural extensa ou socioafetiva.

O projeto se equivoca ao pressupor que o abandono de crianças decorre tão-somente de aspectos psicológicos, ignorando o aspecto socioeconômico ou fatores culturais e de gênero, os quais a instituição do parto anônimo só contribuiria para manter.

Ressalta-se, ainda, que mencionado PL desconsidera o direito patrimonial e sucessório da criança submetida à prática do parto em anonimato, em patente confronto com o que estabelece a CRFB/1988 em seu art. 227.

Outro ponto questionável da proposta trazida pelo PL, diz respeito ao aspecto estrutural do projeto, que delega toda a responsabilidade pelo acolhimento da criança a estabelecimentos de saúde, sendo eles, pelos termos do PL, incumbidos de encaminhar os filhos anônimos à adoção, ignorando, sobremaneira, a competência exclusiva das Varas da Infância e Juventude e a intervenção obrigatória do Ministério Público na destituição da autoridade parental e na inserção da criança em família substituta.

Ressalta-se que os procedimentos previstos no ECA já são sigilosos e a conduta da mãe que se apresenta ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e Juventude declarando a intenção de encaminhar o filho a uma família substituta , mediante, adoção, inclusive, não tipifica crime e não gera qualquer tipo de responsabilização. A mãe receberá todo o apoio e orientação social, jurídica e psicológica imanentes à situação, devendo a família natural extensa e a socioafetiva ser contatada nos termos do que estabelece o art. 5º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

Razoável considerar as possíveis conseqüências da inserção do parto anônimo no ordenamento jurídico nacional. É possível que a legalização da prática se torne um incentivo ao abandono precipitado de crianças de famílias economicamente desfavorecidas. Ademais, corre-se o risco de rejeição e maior institucionalização de crianças com problemas congênitos, o que contribui para a promoção de uma cultura de discriminação das crianças e da posição socioeconomica das mulheres que submetem suas crianças a esta prática.

O parto anônimo, tal qual vem sendo entendido, dificulta a adoção das crianças a ela submetidas provocando sua maior institucionalização porque, em muitos casos, não há como contatar o outro genitor, quando identificado, para receber dele a permissão para encaminhar a criança para a adoção. Via de consequência, a prática do parto anônimo certamente atingirá o direito da criança em várias esferas, principalmente no que tange à convivência familiar e ao direito de conhecer sua identidade genética.

Nesse ínterim, forçoso concluir que a instituição do parto anônimo, além de ofender o direito à identidade e historicidade, enquanto atributos da dignidade da natureza humana, não contribui para a prevenção do abandono de recém-nascidos em condições desumanas. Ademais, o conhecimento do patrimônio genético e do histórico familiar da pessoa é essencial á prevenção, tratamento e cura de doenças genéticas ou hereditárias. Negar à pessoa essa ciência atinge, ainda que de maneira indireta, seu direito à saúde e ao tratamento adequado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A institucionalização da prática do parto anônimo no ordenamento jurídico brasileiro, além de não resolver o problema do abandono de recém-nascidos, exige do aparelho estatal e judiciário um aparato que este não possui. Traz, ainda, problemas outros, pois da simples leitura do texto da lei depreende-se que a vontade da genitora supre a vontade do pai da criança e de sua família natural extensa ou socioafetiva, chegando ser possível, inclusive, a retirada da criança do convívio familiar sem que a família haja consentido ou tomado conhecimento da submissão do recém-nascido a esta prática.

A prática e legalização do parto em anonimato no ordenamento jurídico brasileiro não contribuiriam em nada para efetivação do direito à razoável duração do processo, tampouco imprimiria celeridade aos procedimentos para a adoção, restando nítido não ser este o escopo do PL, já que o citado projeto não tratou dos procedimentos de armazenamento de informações e registros, aplicando-se, assim, mesmo com a legalização do instituto do parto anônimo, as mesmas formalidades do procedimento comum.

Consoante o elucidado no decorrer do presente estudo, a legalização do parto anônimo em legislação nacional traria consigo grande impacto social através da maior institucionalização de recém-nascidos, o que demandaria reestruturação não só de hospitais e unidades de saúde, mas também das Varas da Infância e Juventude; reestruturação essa, inclusive, no que tange aos recursos humanos, exigindo-se uma multidisciplinaridade entre medicina, psicologia, sociologia e direito.

Insta salientar que o PL apresenta má técnica legislativa e é pouco jurídico ao ignorar, através de seu texto, a competência exclusiva das Varas da Infância e Juventude e a intervenção obrigatória do Ministério Público na destituição da autoridade parental e na inserção da criança em família substituta.

A EC nº. 45/2004, que traz também como sustentáculo a prestação de tutela jurisdicional de forma célere e tempestiva, não propicia mecanismos que conceda um aparato judicial e mecanismos legais capazes de promover a reestruturação do Judiciário para bem administrar e fiscalizar esse tipo de prática.

Conferir celeridade ao processo sugere a modificação quantitativa e qualitativa na estrutura funcional do Poder Judiciário, atribuindo-lhe aparato mais eficiente e eficaz. Requer também a instituição de mecanismos que incentivem a resolução extrajudicial dos conflitos, bem como aqueles que estimulem, em juízo, a conciliação dos litigantes acerca do objeto da demanda a qualquer tempo. Demanda, ainda, a formulação de técnicas processuais que minorem o tempo despendido para cumprimento dos atos judiciais, sem prejudicar, entretanto, as garantias e princípios constitucionais do processo.

A inserção da aludida prática no contexto jurídico nacional ocasionaria vários impasses nos mais variados âmbitos do relacionamento humano, inclusive em âmbito jurídico. A admissão da prática do parto em anonimato no ordenamento jurídico nacional não contribuiria em nada à efetivação do direito à razoável duração do processo, tampouco imprimiria celeridade aos procedimentos para a adoção.

Conceber que a prestação de uma tutela jurisdicional célere possa acarretar lesão à dignidade da natureza humana é sagrar uma injustiça e suscitar inquietude no corpo social, resultados completamente adversos aos desígnios políticos e sociais do processo no Estado Democrático de Direito.

A inclusão do parto anônimo no panorama jurídico-social hodierno, consequentemente, não tutelará de forma eficaz a dignidade das crianças e demais envolvidos nessa prática, tratando-se, inclusive, de inovação legislativa desnecessária, inconstitucional e contrária a tendência do Direito de família contemporâneo de valorizar o afeto como elemento constitutivo da família hodierna.

Representa, sobretudo, inovação legislativa desnecessária, principalmente depois de promulgada a Lei nº. 12.010/2009, alcunhada de “nova lei nacional da adoção”, haja vista que esta dispõe acerca de mecanismos que imprimem maior celeridade aos processos de adoção e que permitem a rápida inserção da criança entregue em abrigos em um núcleo familiar, ressalvando logo em seu art. 1º que a intervenção do Estado para a proteção integral da criança e adolescente deve ser voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural,

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aspecto que a legalização do parto anônimo no Brasil, em função dos inúmeros argumentos despendidos neste estudo, torna de difícil aplicação.

A inserção do parto anônimo no panorama jurídico-social hodierno, portanto, não tutelará de forma eficaz a dignidade das crianças envolvidas nessa prática, tratando-se, inclusive, de inovação legislativa desnecessária, inconstitucional e contrária a tendência do Direito de família contemporâneo de valorizar o afeto como elemento constitutivo da família hodierna.

A Inclusão do § 5º no art. 8º do ECA pela “nova Lei de adoção”estende a assistência apontada nesse dispositivo a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar os filhos para adoção, restando patente a falta de necessidade de uma nova lei colimando os mesmos fins e com os mesmos efeitos práticos. Admitir o anonimato da origem genética é negar à criança parte de sua historia e sua própria identidade.

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REFLEXOS CONSTITUCIONAIS NO INSTITUTO DA TRANSAÇÃO PENAL. UMA VISÃO NEOCONSTITUCIONAL.

Heres Pereira Silva1

SUMÁRIO: RESUMO. INTRODUÇÃO. 1. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL. 2. NA APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS HÁ UM ESTÍMULO PARA O COMETIMENTO DE OUTROS DELITOS? 3. A TRANSAÇÃO PENAL SOB A ÓTICA DO DIREITO COMPARADO. O “PLEA BARGAINING” FUNCIONA NO BRASIL? CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

RESUMO: Pretende-se com o presente trabalho, tecer comentários, sem, contudo, aprofundar-se nos diversos aspectos da transação penal prevista no art. 76 da Lei dos Juizados Especiais (9.099/95), nos limitando a uma visão puramente constitucional. Ao falar do instituto da Transação Penal, tivemos como norte 3 questões, que incitam o pensamento do leitor ao aspecto constitucional. Neste trabalho apresentamos um axioma pós-positivo, metajurídico ou simplesmente principiológico. Tratamos também da transação no contexto social, pincelando o princípio da adequação social. Por fim, estabelecemos uma comparação entre a “nossa” transação penal e o acordo entre acusador e acusado no “plea bargaining” norte-americano, fazendo um estudo do Direito Comparado.

PALAVRAS-CHAVE: transação penal, Constituição, princípios constitucionais, penas alternativas.

ABSTRACT: It is intended with this work, commenting, without, however, deeper into the various aspects of the criminal transaction provided for in art. 76 of the Law of Special Courts (9099/95), limiting ourselves to a purely constitutional. In speaking of the Institute of Criminal Transaction, as north had three questions that incite the reader’s thought to the aspect of the Constitution. We present an axiom post-positive, or simply metalegal principlelogy. We also treated the transaction in the social context, brushing the principle of social adequacy. Finally, we establish a comparison between “our” criminal transaction and the agreement between accuser and accused in the “plea bargaining” U.S., making a study of comparative law.

KEY WORDS: criminal transaction, Constitution, constitutional principles, alternative sentencing.

1 Pós-graduado em Direito Constitucional pela UNESA.

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INTRODUÇÃO

Passaremos, nas linhas que se seguem, a discutir sobre a constitucionalidade do instituto da transação penal, mesmo que a própria Carta Maior discipline o referido instituto em seu art. 98, I, temos que observar os reflexos constitucionais através dos princípios que regulam o processo e, que estão elencados no art. 5° da Constituição, pois, o artigo regulador do instituto da transação penal é norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, precisa de normas infraconstitucionais que abordem o tema proposto pela Constituição, sendo assim, deve-se interpretar a transação através de um contexto principiológico, confrontando o tema com os direitos fundamentais, de forma a rechaçar qualquer ameaça de violação aos preceitos constitucionais.

O Direito Brasileiro atual vive uma era pós-positivista, ou seja, não visualiza apenas a literalidade da lei, antes procura entender o porquê da lei, o que a criou, a ratio essendi, em qual princípio está baseada.2

Portanto para debate da constitucionalidade do tema em questão, buscaremos realizar uma análise pós-positivista do instituto da transação penal, através dos princípios informadores do processo, bem como dos princípios e garantias constitucionais.

Desta forma, estando pautado nos direitos fundamentais e na base principiológica, percebemos um choque entre esses direitos, principalmente no que tange ao devido processo legal, donde decorrem os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Pois bem, quando falamos em infração penal falamos em direito material, que deverá ser satisfeito pela via processual, a partir dai falaremos em processo penal, dado o caráter instrumental deste em relação àquele. Sendo o processo, o meio necessário para se chegar à sanção. Temos, portanto, que verificar os princípios que regem este processo, o que não poderia ser diferente nas infrações de menor potencialidade, que são aquelas atendidas pela Lei dos Juizados Especiais. O art. 61 da Lei 9.099/95 define os crimes considerados de menor potencial ofensivo, in verbis: “Consideram-se crimes de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”

Abramos rapidamente um parêntese para a definição da menor potencialidade. A Lei 9.099 de 1995 definiu de acordo com o citado acima quais são os crimes de menor potencial ofensivo, porém com o advento da Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259/01, antigo art. 2°) este conceito sofreu alterações. Ocorre que a Lei 11.313/06 repristinou o art. 61 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ao dar nova redação ao art. 2° da Lei 10.259/01.

Nestes tipos de crime o procedimento especial é inaugurado com a denúncia ou queixa. Estando presentes o MP, o autor do fato e a vítima, acompanhados de seus advogados3, o juiz verificará a possibilidade de 2 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional Brasileiro (posmodernidade, teoria crítica e pospositivismo). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em 22 out. 2009.

3 Na prática, vemos as audiências preliminares do JECRIM, serem realizadas sem a presença de defensor. O que, em regra, deve gerar nulidade absoluta, haja vista o teor do art. 133 da Constituição, segundo o qual, o advogado é indispensável à administração da justiça, bem como o art. 2º do

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composição dos danos civis, que sendo aceita será reduzida a termo e homologado pelo magistrado, tendo eficácia de título executivo judicial. Paremos neste parágrafo para analisar o primeiro passo, na audiência preliminar.

A composição dos danos civis nos remete a idéia do Direito Penal Mínimo, teoria que diz que o Direito Penal é ultima ratio e que diversos tipos penais poderiam ter solução por outros ramos do direito que não o Direito Penal. Portanto a composição dos danos é instituto alinhado com o Direito Penal moderno. Problema maior tem-se quando é frustrada esta composição, já que o ofendido ganha o direito de representação verbal (em ação penal pública condicionada), mas o MP pode propor a transação penal, mesmo com a devida representação do ofendido. Isto se dá porque o art. 29 do CPP prevê que o MP pode retomar a ação como parte principal da demanda.

Vencidos os debates sobre a composição civil, tratemos da transação penal. Este instituto foi introduzido em nosso ordenamento pela Lei 9.099/95 (previsto no art. 76) tendo como fundamento o art. 98, I da CRFB/88. Contudo não podemos compará-lo com institutos de outros ordenamentos, que também prevêem a transação, como o plea of guilty do direito inglês e a bargaining do direito norte-americano, isso por que nestes países, o direito é regido pela common law, diferente do ordenamento brasileiro, que é civil law.

1. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA TRANSAÇÃO PENAL

A nossa Constituição de 1988, é a Lei Maior que vigora no Estado Brasileiro, sendo assim, no que tange às legislações infraconstitucionais, temos duas situações: quando uma legislação é contrária à Constituição, porém é anterior a esta, falamos que não foi recepcionada pela CF de 1988, por outro lado, quando uma legislação é posterior a Constituição e contrária a ela, devemos dizer que esta lei é inconstitucional.

Este último caso se dá com a Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais, na Lei 9.099 de 1995, por ser posterior à Constituição de 1988, dá-se pela inconstitucionalidade, entretanto a existência desta Lei se deve ao inciso I do art. 98 da própria Carta Maior, ou seja, a Lei 9.099 é a lei que dá eficácia ao artigo constitucional supramencionado.

Sendo um mandamento constitucional, como podemos falar de inconstitucionalidade do procedimento transacional?

Como afirma Augusto Zimmermann4 os princípios constitucionais são “luzes irradiantes” de interpretação constitucional. Assim sendo, não podemos nos abster a uma mera interpretação positiva, legal, mas pós-positivista, metajurídica. Passaremos portando a estabelecer uma interpretação baseada em princípios, que por vezes se confundem com garantias fundamentais, tais como o devido processo legal, o princípio da não-culpabilidade etc.

EAOAB e o art. 564, III, “c” do CPP. Entretanto, como na maioria das vezes, chega-se à uma conciliação ou à transação penal, tal nulidade não chega a ser argüida.4 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

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O devido processo legal é um instituto que teve origens em 1215, com a Magna Carta dos ingleses, na cláusula 395, que dizia que nenhum homem livre será detido ou aprisionado de seus bens ou de seus direitos legais ou exilado ou de qualquer modo prejudicado sem o devido processo legal. Chegou ao Brasil, de forma tímida, em 1831 com o Código de Processo Criminal e com o Regulamento 737 de 1850. Após vários diplomas legais mencionarem de forma implícita o princípio do “due process of law”, a constituição de 1988 erigiu o devido processo legal à categoria de garantia constitucional expressa. O inciso LIV do art. 5º, pela primeira vez, na história do Brasil, traz a cláusula do devido processo legal6.

Pois bem, temos que a liberdade é a regra; o cerceamento à liberdade de locomoção, a exceção. Ao transacionar, o MP, deixa de aplicar a pena privativa de liberdade, para aplicação da restritiva de direitos ou multa e de acordo com o art. 43, IV do Código Penal, uma das penas restritivas de direito, à guisa de exemplo, é a limitação de fim de semana, que é por sua vez uma restrição à liberdade do indivíduo, alvo da transação.

Há, portanto, a nosso ver ferimento à garantia do devido processo legal, vejamos: o MP, preenchidos os requisitos que autorizam a concessão da transação penal, oferece ao (suposto) autor do fato a aplicação imediata da pena restritiva de direitos, sem o contraditório e a ampla defesa, sem observar o princípio da presunção de inocência. Para melhor compreensão basta pensar no caso do indivíduo que não praticou o ato delituoso, ter de sofrer pena restritiva de direitos, sem a oportunidade de defesa, sem o devido processo legal.

Claro que, como o instituto tem natureza jurídica de direito subjetivo do réu, ele pode não aceitar a proposta e se ver processado com tais garantias, mas não se pode admitir a oferta do instituto, sem que o promotor de justiça tenha meios para saber se há indícios de autoria ou participação, pois se restar comprovado que não houve autoria, ele (MP) pode requerer o arquivamento do inquérito, na forma do art. 28 do CPP, ocasião bem mais sensata, a nosso ver.

Em posição contrária a esta, alguns autores7 dizem que no âmbito dos juizados especiais criminais a própria Constituição autorizou este procedimento, sendo, portanto, este o devido processo legal nas infrações de menor potencial ofensivo. É a adoção do Bill of attainder (ato legislativo com que se inflige pena sem processo judicial) em nosso ordenamento.

Porém, devemos entender que mesmo na Magna Carta de 1215, o Bill of attainder foi abolido. Pensava-se que a pena que a lei impunha preenchia os requisitos da cláusula 39, entretanto estes requisitos não eram suficientes para que o julgamento fosse justo, sendo então a justiça o grande objetivo do due process of law.

Ao falarmos em Bill of attainder não podemos deixar de falar na regra nulla poena sine judicio. Esta regra proíbe que seja aplicada qualquer pena sem prévia realização de um processo8. Ademais a Constituição

5 Cláusula 39 - Nullus liber homo capiatur, vel imprisonetur, aut disseisiatur, aut utlagetur, aut exuletur, aut aliquo modo destruatur, nec super eum ibimus, nec super eum mittemus, nisi per legale judicium parium suorum vel per legem terre. (Nenhum homem livre será detido ou aprisionado ou privado de seus bens ou de seus direitos legais ou exilado ou de qualquer modo prejudicado. Não procederemos nem mandaremos proceder contra ele, a não ser pelo julgamento regular dos seus pares ou de acordo com as leis do país.).6 RASLAN, Fabiana Duarte. O devido processo legal: breve análise de seu conteúdo e alcance. Rio de Janeiro. 11/2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11309>. Acesso em 01 nov. 2009.7 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.8 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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Brasileira, assegura aos acusados de crimes a mais ampla defesa (art. 5°, inc. LV) assegura também, que todo o processo estatal será feito em contraditório, ou seja, que ambas as partes terão necessariamente conhecimento de todas as alegações e provas produzidas pela parte adversária, com a oportunidade de discuti-las e contrariá-las.

Como corolário do devido processo legal temos os princípios do contraditório e da ampla defesa. Que serão analisados sob a ótica processual penal dentro do instituto objeto do nosso estudo.

Preceitua o inciso LV do art. 5° da CF que serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Em linha com nossa Constituição e corroborando com o princípio do contraditório, o art. 8° do Pacto de San José da Costa Rica9, elenca as garantias do acusado, tais como: direito de ser ouvido, razoável duração do processo, entre outras.

O contraditório encontra expressão no princípio básico romano audiatur et altera pars, ou seja, a outra parte também deve ser ouvida, in casu, o (suposto) autor do fato.10

É certo que, no sistema inquisitivo não há contraditório11, uma vez que o sujeito é apenas objeto de investigação. É o que ocorre, por exemplo, no inquérito policial. Há que se observar, entretanto, que no procedimento dos Juizados Especiais Criminais, já está vencida a fase de investigação, ou seja, há, ou pelo menos deveria haver um verdadeiro processo criminal, com todas as garantias constitucionais.

O parquet ao investir contra o acusado, não lhe dá o direito ao contraditório, vez que o (suposto) autor do fato, simplesmente aceita ou rejeita a transação penal, e mais, se quiser ver o seu direito ao contraditório assegurado deve rejeitar a proposta do MP e ver seu processo seguir o caminho do procedimento sumaríssimo, que é o procedimento da Lei 9.099/95.

O acusado terá problemas se o crime que lhe é imputado for de maior complexidade, o MP poderá requerer o encaminhamento das peças existentes para a adoção do procedimento comum, que é menos célere, ou seja, mais um ônus para o acusado.

Por último, mas não menos importante, (pelo contrário) o princípio da presunção de inocência, emanado do due process of law é consagrado em diversas constituições em todo o mundo. Por todos, a Declaração Universal dos Direitos do Homem12, da ONU, em seu art. 11 consagra o princípio em comento que diz que toda a pessoa acusada de um crime tem o direito de ser presumido inocente até provado que seja culpado, de acordo com a lei, em um julgamento público no qual ele tem todas as garantias necessárias à sua defesa.

Em nosso ordenamento, tal princípio encontra-se no inc. LVII do art. 5º da CF asseverando que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.9 Art. 8º - Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.10 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.11 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.12 Art. 11 - “Everyone charged with a penal offense has the right to be presumed innocent until proved guilty according to law in a public Trial at which He has all the guaranties necessary for his defense.”(Toda a pessoa acusada de um crime tem o direito de ser presumido inocente até provado que seja culpado, de acordo com a lei, em um julgamento público no qual ele tem todas as garantias necessárias à sua defesa.”).

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Há, no instituto da transação penal, grave ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, já que deixam de ser observadas as garantias constitucionais do acusado e, se o MP oferece pena restritiva de direito (atinge a liberdade) ou multa (atinge os bens) sem prova, não está presumindo a inocência do acusado, mas sim fazendo juízo antecipado do caso.

2. NA APLICAÇÃO DE PENAS ALTERNATIVAS HÁ UM ESTÍMULO PARA O COMETIMENTO DE OUTROS DELITOS?

O Direito tem como principal fonte a Lei, e em se tratando de Direito Penal, que é o ramo do Direito que pune o indivíduo, privando-o de sua liberdade, temos o princípio da legalidade como um dos mais importantes; esse princípio reza que não há crime sem norma anterior que o defina, temos, então, a irretroatividade da legislação penal, contudo não é objeto de nosso tema.

Entretanto quando não há lei que discipline um caso específico, o juiz está autorizado a preencher tal lacuna com a analogia os princípios gerais de direito e os costumes, já em Direito Penal a analogia somente é usada em bonam partem e os costumes morrem com o princípio da adequação social. Visto que este princípio recebeu ampla crítica doutrinária, embora tenha sido criado por ela; diz que as condutas aceitas no meio social não devem ser punidas, contudo temos que, os costumes não revogam Leis e o magistrado não pode dar uma Lei, em pleno vigor, por revogada, sob pena de ferir o princípio constitucional da separação dos poderes.

Sendo assim, aquelas condutas vistas como de pouca monta na sociedade, acabam por ser julgadas e penalizadas (não obstante posição majoritária em afirmar que o instituto aplica medidas despenalizadoras, não há que se falar nesta hipótese, pois a transação penal não exime de pena, mas troca a carceragem pela restrição de direitos, que também é pena), sem que se tenha apurado fatos.

Já que existe uma troca de pena, ou seja, o indivíduo que comete um crime de menor potencial ofensivo e preenche os requisitos da transação (passando a ter o direito subjetivo ao instituto), gera no bojo da sociedade um sentido de impunidade.

O povo como pessoas não habilitadas (juridicamente falando) veem um crime ser cometido e o indivíduo pagar “apenas” uma cesta básica, por exemplo.

Ora, se o sujeito não cometeu o crime (e é esse o nosso foco, o sujeito inocente), a aplicação desta medida é extremamente injusta, mas a sociedade pode vê-la como um acordo (e o é), entre o Estado e um (suposto) deliquente, pois o Estado não o declarou inocente, já que não teve a instrução processual.

Ralf Dahrendorf13, criticando o raciocínio das penas substitutivas, assevera: “Uma teoria penal que abomina a detenção a ponto de substituí-la totalmente por multas e trabalho útil, por ‘restrições ao padrão de vida’, não só contém um erro intelectual, pois confunde lei e economia, como também está socialmente errada.

13 DAHRENDORF apud GRECO, Rogério. Direito Penal do Inimigo. Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/blog/?page_id=31>. Acesso em 15 out. 2009.

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Ela sacrifica a sociedade pelo indivíduo”. Rogério Greco14,no mesmo artigo, critica a posição de Ralf Dahrendorf, pois se trata de Direito Penal Máximo, e não o Direito Penal Mínimo defendido veementemente por aquele autor.

Na verdade, concordamos com a ideia de Direito Penal Mínimo, na qual, o Estado punirá apenas os bens de maior relevância, onde “reina” o princípio da ultima ratio do Direito Penal. O que criticamos, nesta modesta tese é que princípios não estão sendo observados (conforme visto supra). Não lutamos, aqui por carceragem para os crimes de menor potencial ofensivo; a ideia trazida pela Constituição é boa, mas mal aplicada pela legislação infraconstitucional.

Ocorre que ao trocar as penas, o Estado, sem a devida instrução a qual o sujeito tem direito (e Direito Constitucional), descredibiliza o sistema penal perante o povo. Parafraseando Beccaria15: o conhecimento e a certeza da punição impregnam à mente do indivíduo que quer praticar um crime. Sendo assim, o sujeito que tem a certeza de que será impune, ou que poderá suportar sem problemas as penas alternativas não encontra freios para a prática de um crime.

O Garantismo Penal surgiu para trazer ao acusado as garantias de seu julgamento, evitando assim, a imposição de pena injusta e fortalecendo a credibilidade do judiciário nos demais do povo, assim como limitar o jus puniendi do Estado. Afinal o contrato social reza que parte dos nossos direitos foram cedidos ao Estado para que este pudesse punir quem realmente cometeu um delito.

O procedimento da transação penal fere também o contrato social, destarte também traz certos incômodos sociais.

O que nós mais vemos no meio social, são aqueles crimes cometidos por jovens de classe média, na zona sul do Rio de Janeiro, à guisa de exemplo, a lesão corporal leve, prevista no caput do art. 129 do CP.

No exemplo acima, sendo o sujeito realmente culpado, a ideia do Direito Penal Mínimo está sendo aplica, não encarcera o sujeito, e ele indeniza a vítima. Só que a sociedade, como não está habilitada para entender esta questão, diz que o judiciário falhou. Na verdade como bem frisado por Rogério Greco, as pessoas querem Direito Penal Máximo para os outros, mas para elas e seus parentes, se possível, nem o mínimo.

No caso do sujeito ser inocente e aceitar a pena, o Estado, sem apurar culpa, está punindo um cidadão inocente, podendo criar nele e naqueles que conheceram a situação fática que o pôs ali, um sentimento de justiça falsa.

Claro que nenhum dos três poderes, pode realizar os atos de sua competência baseados apenas no clamor social, mas o Judiciário, com a imposição de pena, sem processo, acaba por criar mal-estar social, além de ser uma aberração jurídica.

14 Ibidem.

15 BECCARIA. Cesare. Dos Delitos e das Penas. 3. ed. Rio de Janeiro: RT. 2006

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Nas palavras de Rudolf Von Ihering: “A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve para o defender. A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito.”

Completando o pensamento de Ihering, leciona Roberto Nobbio que “Direito e poder são duas faces da mesma moeda. Uma sociedade bem organizada precisa das duas. Nos lugares onde o Direito é impotente, a sociedade corre o risco de se precipitar na anarquia; onde o poder não é controlado, corre o risco oposto, do despotismo”.

O Direito não pode se mostrar impotente perante a sociedade e, com a transação penal, ora o Direito se mostra fraco, quando negocia a culpabilidade de um sujeito criminoso e, ao mesmo tempo, com um descontrole de poder, pois concede prerrogativas para o “parquet” se utilizar do nulla poena sine judicio.

3. A TRANSAÇÃO PENAL SOB A ÓTICA DO DIREITO COMPARADO. O “PLEA BARGAINING” FUNCIONA NO BRASIL?

O Direito Comparado é uma ciência jurídica que estuda as similitudes e diferenças entre os “direitos” de outros Estados.

Cada país, no mundo, tem uma população, e cada população sua cultura jurídica, podemos ver na Inglaterra, nos Estados Unidos da América e em outros países de língua inglesa, o sistema da “Common Law”, que forja o seu Direito em precedentes dos Tribunais, criando, assim, em todo o país, um Direito Comum.

Sendo assim, nesses países a jurisprudência é a fonte principal do Direito, ou seja, o juiz ao aplicar a solução ao caso, antes de olhar a lei, procura decisões dadas em casos semelhantes.

Em nosso país, assim como, em Portugal, em vários países europeus, no Japão e em toda a América Latina, dentre outros, o Direito sofre a influência do Direito Romano, é o que chamamos de “Civil Law”.

O legislador Constituinte, buscou inspiração neste Direito Comparado, para instituir no inciso I do art. 98, a transação penal.

O Direito norte-americano, influenciado pelo Direito inglês, adotou o chamado “plea bargaining”, e o Direito inglês por sua vez tem o chamado “plea of guilty”, ambos têm a mesma idéia de transação entre acusação e defesa. Traçaremos, aqui, as semelhanças entre estes institutos.

O “plea bargaining” trata-se de instituto relativo à uma justiça consensual, muitos criticam por se tratar de negociação do Estado com um bandido, pois na verdade, o Estado está ali para aplicar a pena relativa ao seu crime e não para negociar com ele.

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Contudo o direito estadunidense se utiliza com frenquência deste instituto. Ángel Tinoco Pastrana16, definindo o “plea bargaining” assevera que é uma negociação entre acusador e acusado, feita a qualquer momento, mas sempre antes da sentença, pela qual o acusado admite, ou não sua culpabilidade, renunciando ao julgamento, que normalmente seria perante o tribunal do júri. Em troca do julgamento, em que haveria ampla possibilidade de argumentar e provar, o acusado recebe certas concessões que lhe são vantajosas.

Aqui no Brasil, a transação prevista no art. 76 da Lei 9.099/95, só é utiliza nos crimes de menor potencial ofensivo, diferentemente do direito anglo-saxão, que se utiliza do “plea bargaining” e do “plea guilty” (Inglaterra), em qualquer caso criminal.

Outra diferença é no que tange a discricionariedade do acusador público, no direito norte-americano e a obrigatoriedade de oferecimento por parte do promotor brasileiro, da transação, desde que preenchidos os requisitos de concessão. Já no Direito Inglês, a negociação é menos ampla, já que um crime cometido na Inglaterra é visto como atentado à Coroa17.

Vencidas as premissas conceituais, a questão que nos norteia nesta seção, diz respeito à funcionalidade da justiça criminal consensual no Brasil. Como visto anteriormente a negociação entre promotoria e suposto autor do fato, pode trazer um sentimento social de impunidade, quiçá um estímulo para cometimento de crimes de bagatela.

A justiça consensual é utilizada em vários países, como podemos ver, v.g., no Direito Inglês e Norte-Americano, mas deve-se observar a forma como esta negociação é feita. Muitas vezes, a sociedade (tendo em vista o contrato social) é sacrificada pela negociação, gerando, assim, o sentimento de impunidade.

Roberto Kant de Lima18, entretanto argumenta que nos dois países, Inglaterra e Estados Unidos a justiça consensual é um sucesso nos tribunais, embora não fiquem livres de resistências a este instrumento de controle social, contudo tal sistema de controle é baseado na origem local, popular e democrática da lei, ou seja, opera-se a Lei no sistema da “Common Law.”

A relevância do “tipo de Direito” (Common Law ou Civil Law), traz, inegavelmente grande impacto para a aceitação de uma negociação, já que as sociedades inglesas e estadunidenses conhecem o direito através de seus precedentes, já a sociedade brasileira não está preparada para receber a arbitragem, menos ainda a justiça negociada, ela (sociedade), quer a aplicação da norma, como se o direito fosse a solução para as mazelas da sociedade.

Na justiça negociada, já dizia Nelson Hungria: “mais uma polegada, e o crime seria uma espécie de contrato por adesão: o delinqüente aceita a ‘obrigação de sofrer a pena’ para ter o ‘direito’ à ação criminosa.”.

16 PASTRANA apud PRADO, Geraldo. Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.17 PRADO, Geraldo. Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.18 LIMA apud PRADO. Geraldo. Elementos para uma Análise Crítica da Transação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto neste trabalho, pode-se considerar que o instituto da transação penal nos coloca numa situação no mínimo estranha, pois embora esteja dando eficácia a um mandamento constitucional, esta legislação infraconstitucional fere alguns princípios.

O Direito Brasileiro moderno vive uma era pós-positivista, ou seja, enxerga o Direito através de princípios, o exegeta deve analisar uma lei tendo em vista tais princípios constitucionais.

Observamos mais atentamente os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência.

Os últimos decorrem do primeiro. O princípio do devido processo legal, consagrado na Constituição, não é observado no procedimento transacional, de forma que muitos autores afirmam ser a transação o próprio devido processo legal deste procedimento. Contudo este entendimento fere o Garantismo Penal.

A não observância deste princípio nos remete ao “Bill of Attainder”, que é o ato de Estatal de punir sem processo, no entanto, já na Carta Magna dos ingleses o “Bill of Attainder” fora abolido. Não há que se falar em devido processo legal, sem mencionar a regra nulla poena sine judicio, ou seja, não há pena sem processo.

O Direito quanto ao fator social, também sofre com o instituto, que pode gerar no meio social o sentimento de impunidade, e a facilitação de crimes de bagatela.

No Direito Comparado, citamos o “plea bargaining”, instituto adotado nos Estados Unidos da América, traçando as diferenças entre os dois institutos e principalmente suas similitudes.

No presente trabalho, não queremos ir contra o axioma do Direito Penal Mínimo, ao contrário, somos adeptos do princípio da ultima ratio, o que queremos é a aplicação da transação penal, após a instrução processual e, não antes dela, pois o Estado pode definir como criminoso, um inocente que não tem como se defender no processo, acabando por aceitar a proposta do Ministério Público.

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REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 22 out. 2009.

BECCARIA. Cesare. Dos delitos e das penas. 3. ed. Rio de Janeiro: RT. 2006.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

GRECO, Rogério. Direito penal do inimigo. Disponível em: <http://www.rogeriogreco.com.br/blog/?page_id=31>. Acesso em: 15 out. 2009.

PRADO, Geraldo. Elementos para uma análise crítica da transação penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

RASLAN, Fabiana Duarte. O devido processo legal: breve análise de seu conteúdo e alcance. Rio de Janeiro. 11/2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11309> Acesso em: 01 nov. 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS

Luiz Carlos de Assis Júnior1*

RESUMO: O presente trabalho trata da responsabilidade civil da sociedade de advogados. Vista por muitos doutrinadores como sendo objetiva, aqui se demonstra o contrário, que a responsabilidade desta espécie societária é, em regra, subjetiva. Além disso, para se alcançar esta conclusão, é investigada a aplicabilidade da Lei 8.078/90 aos serviços advocatícios, pelo que se conclui negativamente. Só em casos taxativos é que a responsabilidade da sociedade de advogados será objetiva.

PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; sociedade de advogados; serviço advocatício.

ABSTRACT: This paper is about Law firm liability. Whilst many of the juridical scientists see it as without culpability, it shows the opposite, that this kind of liability is a steady culpability-based responsibility. Furthermore, for us to achieve this point, it was investigated the applicability of consumer’s Law on attorney services, which led to a negative conclusion. Only in indicative cases the Law firm responsibility will be objective.

KEY-WORDS: liability; law firm; advocacy service.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O empresário no novo Código Civil e a sociedade de advogados; 3. A (in)aplicabilidade do CDC na prestação de serviços advocatícios; 4. A responsabilidade civil da sociedade de advogados; 5. Conclusões; 6. Referências.

1 * Mestre em Direito pela UFBA; Professor de Direito Civil da UNIFACS; Professor convidado da Escola Superior de Advocacia (ESAD); Professor colaborador dos cursos de Pós-graduação da UNIFACS; Professor Substituto de Processo Civil na UFBA (2010/2011); Defensor Público do Estado da Bahia. E-mail do autor: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, em seu artigo 15, caput, preceitua que os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma por ele disciplinada. Tem-se verificado na doutrina vozes que defendem a responsabilidade civil objetiva da sociedade de advogados ilimitadamente, sem se atentar para determinados aspectos destas sociedades que poderiam levar a conclusões opostas.

Em sendo assim, a sociedade de advogados classifica-se como societária ou simples ou, ainda, seria uma sociedade sui generis? A participação de advogados associados caracteriza “elemento de empresa”? Teria a sociedade de advogados um fim mercantil ou seria apenas um instrumento de prestação de serviços advocatícios, e que implicações isso representa em sua responsabilidade civil?

Foram essas interrogações, dentre outras inquietações, que conduziram o presente trabalho, o qual se mostra de grande valia na interpretação e aplicação do direito correspondente ao tema.

O primeiro momento deste artigo é introdutório, onde se tem alguns conceitos gerais do direito empresarial. Serão definidos conceitos elementares, tais como o de empresário e o de elemento de empresa, seguido de um comparativo desses conceitos com o instituto da sociedade de advogados.

A finalidade é investigar a real natureza da sociedade de advogados, se possui natureza empresária, simples ou se se caracteriza como uma sociedade especial, um instrumento de execução de trabalho intelectual dos advogados.

O segundo momento é decisivo para a questão ora tratada. Será investigada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na prestação de serviços advocatícios. Pressupondo-se que a sociedade de advogados confunde-se na pessoa dos advogados que a compõem, e que ela não realiza o serviço advocatício, mas o advogado, então, a investigação da aplicabilidade do CDC nos serviços de advocacia é essencial para elucidar os problemas acima.

De se notar que o serviço do qual trata este microssistema jurídico consumerista é geral, de forma que, identificando-se os serviços advocatícios como uma espécie de serviços, e sobre o qual recai a regulamentação de lei especialíssima, a aplicabilidade do CDC aos serviços advocatícios estaria afastada.

Partindo-se desta premissa, a última etapa demonstra que, em sendo a sociedade de advogados sui generis, mero instrumento para prestação de serviços por esses profissionais liberais, e em não se aplicando a Lei 8.078/90 aos os serviços advocatícios, esta lei também não se aplica à sociedade de advogados.

O presente trabalho, portanto, demonstra que a responsabilidade civil da sociedade de advogados está fundada na culpa dos profissionais que realizam a atividade, admitindo-se, porém, algumas situações especiais nas quais esta responsabilidade é objetivada. A razão está na própria natureza da atividade prestada pelos advogados e na função instrumental desta espécie sui generis de sociedade. A culpa a ser investigada não é da sociedade em

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si, mas do advogado que prestou o serviço; a peculiaridade está em que responderá, por eventual dano, primeiro o patrimônio da sociedade e, subsidiária e ilimitadamente, o de todos os advogados que se reuniram em sociedade.

A sociedade em destaque é espécie do gênero societário no ordenamento pátrio, cujas características a individualiza na seara da responsabilidade civil e abala a concepção de aplicação indiscriminada do código consumerista em toda e qualquer relação de prestação de serviço.

Finalmente, cumpre destacar que os resultados alcançados nesta pesquisa são de grande valia na aplicação e interpretação do direito acerca do tema, bem assim, confere maior segurança aos advogados na prestação de seus serviços contra a possível prática abusiva de imputação de responsabilidade objetiva às sociedades de advogados.

2 O EMPRESÁRIO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E A SOCIEDADE DE ADVOGADOS

Tendo formalmente vigorado em nosso ordenamento jurídico até a entrada em vigor do novo Código Civil, a teoria dos atos de comércio deu lugar à teoria da empresa, a qual incluiu entre as atividades empresariais serviços que aquela definia como atividades civis.

Em outras palavras, com a teoria da empresa, toda atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens, ou prestação serviços, salvo exceção, constitui atividade empresarial.

Automaticamente, a própria figura do empresário sofreu os reflexos da teoria da empresa e, se sob a égide da teoria dos atos de comércio, comerciante era aquele que praticava os atos de comércio taxativamente elencados, agora, é empresário quem explora atividade econômica de forma organizada.

O ilustre professor Irineu Mariani chama a atenção para as expressões atividade e organizada. A primeira lembra ação, sendo os bens e serviços resultados da ação humana; e a segunda se refere ao modo bem estruturado como a atividade é realizada e explorada.2

Com efeito, o artigo 966 do Código Civil brasileiro estabelece, como regra, que o exercício profissional de uma atividade econômica organizada para a produção de bens ou prestação de serviços é característico do empresário.

No parágrafo único do mesmo dispositivo, porém, a Lei 10.406/2002 definiu algumas exceções a essa regra: trata-se do exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística; são situações nas quais pode haver atividade, organização e lucro, mas são consideradas não-empresariais.

Além disso, o exercício destas espécies de atividade ainda pode contar com auxiliares e colaboradores, isto é, empregados e etc., que não perde seu caráter não-empresarial, salvo nas hipóteses em que o exercício da profissão constituir elemento de empresa3.2 MARIANI, Irineu. Direito de empresa, atividade empresarial, empresa e empresário. Revista dos Tribunais. Ano 95, fev 2006, v. 844. p. 29.3 Lei 10.406/02. Art. 966 [...]. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária

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O elemento de empresa, por sua vez, não possui conceito harmônico na doutrina. Conforme as lições de Mônica Gusmão, o elemento de empresa está associado à exploração organizada da atividade econômica, não realizada pessoalmente, mas por meio de terceiros contratados4.

De outro lado, com a clareza que lhe é peculiar, Irineu Mariani disseca o termo para só depois explicá-lo. A palavra elemento denota aquilo que é componente de um todo; já o termo empresa constitui o uso infeliz pelo legislador da expressão para designar, in casu, atividade empresarial. Desta forma, elemento de empresa significa a parte de uma atividade empresarial, de forma que, se uma profissão intelectual é parte de atividade empresarial, ela deixa de ser atividade não-empresária.5

A par dessas considerações, questiona-se a natureza da sociedade de advogados, se empresária ou simples ou, ainda, sui generis.

Com efeito, dentre as profissões corriqueiramente citadas como atividade não-empresarial está a advocacia, justamente por seu caráter intelectual. Então, advogados que se reúnem em sociedade com finalidade advocatícia não constituem empresa. E nem poderiam, uma vez que a Lei 8.906/94, em seu artigo 16, caput, é cristalina ao estabelecer que a sociedade de advogados não pode apresentar forma ou características mercantis6.

Em sendo a advocacia uma profissão intelectual, os profissionais dessa área, a priori, apenas poderiam se organizar em sociedade simples. Não obstante, essa assertiva deve ser verificada sob a autoridade da Lei 8.906/94, artigos 15 a 17, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, e do Provimento OAB 112/2006.

A Lei 8.906/94 determina que os advogados podem se reunir em sociedade civil cujo objeto será necessariamente a prestação de serviço de advocacia. É que a sociedade de advogados não se confunde com a sociedade simples regulada nos artigos 997 e seguintes do Código Civil, haja vista as peculiaridades que a destaca no direito empresarial. O seu registro, por exemplo, deve ocorrer obrigatoriamente no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.

A sociedade de advogados jamais terá forma empresarial e, frise-se, não pode adotar nome fantasia nem realizar atividades estranhas à própria advocacia, devendo constar o nome de pelo menos um advogado em sua razão social. Mais singular, ainda, é a proibição de que qualquer pessoa jurídica com registro nos cartórios civis de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais tenha entre seus objetos a atividade advocatícia. Por isso mesmo, a atividade advocatícia jamais poderá constituir elemento de atividade empresarial.

Todas as características descritas apontam para a sutil natureza da sociedade de advogados. Mas a natureza sui generis deste instituto desponta na redação do artigo 37 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, a qual prevê o agrupamento de advogados com finalidade de colaboração profissional recíproca.

ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.4 GUSMÃO, Mônica. Lições de direito empresarial. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 14.5 Op. cit., p. 33.6 O uso do termo mercantis se explica porque o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil é anterior ao Código Civil de 2002, quando ainda vigorava formalmente a teoria dos atos de comércio. Assim, à luz da teoria da empresa, por mercantis deve-se entender empresariais.

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O magistério de Ênio Santarelli Zuliani, no mesmo sentido, assinala como objetivo primeiro da sociedade de advogados o intercâmbio de cooperação profissional, um aperfeiçoamento na recíproca prestação de serviços.7

A realidade também não é outra, destacando Sérgio Novais Dias a composição exclusivamente de pessoas da sociedade de advogados e a rejeição do modelo empresarial adotados em outros países para não deformar a atividade advocatícia. Nota que, por impossibilidade legal, o cliente não contrata a sociedade, mas sim um ou mais advogados em específico, outorgando-lhes mandato.8

Diante dessas considerações, é forçoso concluir que a sociedade de advogados possui natureza sui generis9, não se confundindo com a sociedade empresária ou simples previstas no Código Civil brasileiro. A sociedade de advogados possui legislação, organização e características próprias, o que a individualiza no direito empresarial. A atividade dessa sociedade sempre se confunde com a dos profissionais que a compõem, e nunca é prestada pela sociedade em si, mas sempre por um ou mais advogados.

3 A (IN)APLICABILIDADE DO CDC NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIO

Tendo em vista a característica sui generis da sociedade de advogados, cujos serviços advocatícios são prestados pelos próprios profissionais em grau máximo de pessoalidade, faz-se imperiosa a avaliação da natureza da própria atividade advocatícia frente ao Código de Defesa do Consumidor.

Como se passa a demonstrar, o CDC não goza de aplicabilidade no campo da prestação de serviço da espécie advocatícia, pois, este possui regulamentação própria. Essa demonstração é de suma importância para o objetivo a que se propõe este trabalho.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a responsabilidade profissional do advogado ganha lugar de destaque na discussão acerca dos limites de sua incidência, principalmente com a promulgação da Lei 8.906/94, o Estatuto da Ordem da Advocacia.

Facilmente, encontram-se na doutrina posicionamentos adeptos do entendimento segundo o qual a Lei 8.078/90 se aplica às relações jurídicas existentes entre o advogado e o cliente. Pautam-se na premissa de que o advogado é “um genuíno prestador de serviços, sendo razoável que, nessa qualidade, a norma de regência em casos de apuração de responsabilidade civil dos profissionais liberais seja o Código de Defesa do Consumidor”10.

Como se percebe, o tema tem sido abordado sobre uma faceta, a de que o advogado é um prestador de serviços e, nesta qualidade, sofreria incidência do CDC em suas relações com o cliente.

7 ZULIANI, Ênio Santarelli. Responsabilidade civil do advogado. Revista da Escola Paulista de Magistratura, ano 4, n.1, jan/jun 2003. p. 156.8 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São Paulo: LTr, 1999. p. 399 No mesmo sentido: DIAS, Sérgio Novais. Op. cit.; LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007; MONTENEGRO, Antônio Lindbergh C. Ressarcimento de danos. 8.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005; ARAÚJO, Justino Magno. Aspectos da responsabilidade civil do advogado. Revista da Escola Paulista da Magistratura, ano 6, nº 1, jul/dez 2005, p. 41-61.10 ROSSI, Júlio César. Responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados. São Paulo: Atlas, 2007. p. 93.

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Entretanto, a questão merece ser analisada por um prisma diverso: o da natureza do serviço prestado pelo advogado.

O CDC estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, exigindo uma relação jurídica na qual sejam partes um consumidor e um prestador de serviço como suporte fático para a efetiva incidência de suas normas; mais que isso, é exigido que o serviço prestado pelo profissional liberal seja fornecido no mercado de consumo.

Entender o que vem a ser serviço fornecido no mercado de consumo é o ponto determinante para se compreender a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas relações jurídicas envolvendo o advogado e o cliente.

Ao defender a aplicabilidade do CDC ao advogado, Sílvia Vassilieff frisa que não há incompatibilidade entre a Lei 8.078/1990 e o Estatuto da Advocacia:

O argumento de que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao advogado foi revogada pelo artigo 32 (‘o advogado é responsável pelos atos que no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa’) do Estatuto da Advocacia e a Ordem do Advogado do Brasil, Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994, lei posterior especial, não prevalece, pois não há incompatibilidade entre as normas nem nova regulamentação integral da matéria.11 (grifou-se)

Em verdade, sempre que as conseqüências jurídicas das normas jurídicas concorrentes são compatíveis entre si, trata-se de se as conseqüências jurídicas da norma especial apenas complementam – segundo a intenção reguladora da lei – a norma geral, a modificam ou devem substituí-la em seu campo de aplicação.12

De fato, não há incompatibilidade entre as normas ora destacadas, porque ambas, normas de mesma hierarquia, estão em harmonia no ordenamento jurídico brasileiro.

Ocorre que a Lei 8.078/90, apesar de especial em relação ao Código Civil, regulamenta as relações de consumo em geral, isto é, o gênero, estando aí incluídas aquelas relações em que o profissional liberal atua fornecendo algum serviço.

Por outro lado, a Lei 8.906/94 é especialíssima em relação à Lei 8.078/90 e, apesar de não tê-la revogado, o Estatuto da Advocacia restringiu o seu campo de aplicação porquanto normatiza todas as relações jurídicas entre o advogado – profissional liberal – e seu cliente.

Esta é uma questão de interpretação em que, segundo o pensamento de Karl Larenz acerca do concurso de normas, a relação lógica de especialidade leva necessariamente ao afastamento da norma mais geral, pois, em caso contrário, a norma mais especial não teria nenhum campo de aplicação.13

11 VASSILIEFF, Sílvia. Responsabilidade civil do advogado. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 44.12 LARENZ, Karl. Metodología de la ciencia del derecho. Traducción y revisión de Marcelino Rodríguez Molinero. Barcelona: Ariel, 2001. p. 261. “En efecto, siempre que las consecuencias jurídicas de las normas jurídicas concurrentes son compatibles entre si, se trata de si las consecuencias jurídicas de la norma más especial sólo complementan – según la intención reguladora de la ley – a la norma más general, la modifícan o, en cambio, deben sustituirla en sú âmbito de aplicación”.13 Id. Ibid. p. 261. “[...] la relación lógica de especialidad conduce necesariamente al desplazamiento de la norma más general, ya que, en caso

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Para que uma relação jurídica sofra incidência do Código de Defesa do Consumidor, deve reunir, no mínimo, um destinatário final do serviço – o consumidor – e um profissional liberal que preste serviço. O serviço, entretanto, deve ser abarcado como atividade fornecida no mercado de consumo, o que não se vislumbra do serviço prestado pelo advogado.

A Lei 8.906/94 dispõe em seu artigo 31, incisos III e IV, que ao advogado é proibido valer-se de agenciador de causas e da captação de causas, com ou sem a intervenção de terceiros. Além disso, em face dos princípios que norteiam a advocacia, ao profissional do direito ainda é vedado o uso da publicidade e o oferecimento de serviços de massa.

Importa destacar e repisar que todas essas restrições afetam direta e imediatamente a sociedade de advogados, implicando em sérias limitações na sua organização. A sociedade está claramente impedida para o oferecimento de serviços em massa. A extensão das restrições dos advogados à sociedade resulta da unidade advogado/sociedade.

Essas peculiaridades do serviço advocatício extrapolam os limites do conceito de serviço de que se vale o CDC para delimitar a relação de consumo sujeita a sua incidência. Com isso, a Lei 8.906/94 está a regulamentar um tipo especial de serviço, o serviço advocatício.

O Estatuto da Advocacia regulamenta toda relação entre cliente e advogado, desde a celebração de contrato (tácito ou expresso), a fixação dos honorários e sua cobrança, até a espécie de responsabilidade destes profissionais, inclusive quando reunidos em sociedade. Destaque-se, ainda, que o que diferencia um advogado associado é sua obrigação de fazer constar na procuração o nome da sociedade da qual faz parte.

Destarte, a prestação da espécie serviço advocatício está exaustivamente regulamentada pela Lei 8.906/94. Pensar de outro modo seria afirmar que esta lei não possui nenhum campo de aplicação, afinal, seu campo é restrito às relações jurídicas entre advogado ou advogados em sociedade e cliente.

A questão da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo que, em abril de 2004, no Recurso Especial nº 364.168/SE, a Terceira Turma entendeu por sua aplicabilidade nas prestações de serviços advocatícios; foram vencidos os votos dos Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho. Posteriormente, em outubro do mesmo ano, no REsp 651.278/RS, a mesma Turma votou mais uma vez pela não incidência do CDC nas relações jurídicas entre advogado e seu cliente, tendo o Relator, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, registrado seu verdadeiro entendimento sobre a matéria:

Na minha perspectiva, deveria prevalecer a impugnação sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor à relação entre o advogado e seu cliente [...]. Todavia, fiquei vencido nesta Turma (REsp nº 364.168/SE, Relator o Ministro Pádua Ribeiro, DJ de 21/06/2004). Assim, até que seja possível rever a matéria na Segunda Seção ou na Corte Especial, ressalvo minha posição e acompanho a maioria aqui formada.14

contrario, la norma más especial no tendría ningún campo de aplicación”.14 BRASIL. STJ – 3ª Turma – REsp. 651.278/RS – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU de 17.12.2004.

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Em 2006, no Recurso Especial 757.867/RS, a Terceira Turma do STJ mudou o seu entendimento e, à unanimidade15, decidiu pela não aplicação da Lei 8.078/90 nos contratos de prestação de serviços advocatícios. Tratava o caso sobre suposta abusividade de cláusula que previa honorário acima do usualmente cobrado, tendo-se decidido que deve prevalecer a regra do pacta sunt servanda16.

O problema da aplicabilidade do CDC à prestação de serviços advocatícios foi também enfrentado, por duas vezes, pela Quarta Turma do STJ e, em ambas, decidiu-se à unanimidade pela inaplicabilidade da Lei 8.078/90 nas relações entre advogados e clientes.

Primeiro, sob a relatoria do Ministro Cesar Asfor Rocha, em agosto de 2003, no Recurso Especial 539.077/MS, cujo acórdão foi ementado com ênfase para a inexistência de relação de consumo nos serviços prestados por advogados, sob a justificativa da incidência de norma específica, a Lei 8.906/94, e do não fornecimento da prestação de advocacia no mercado de consumo. Evidenciou-se, ainda, que a necessidade de o advogado manter sua independência em qualquer circunstância e estar impedido da captação de causas ou da utilização de agenciador, demonstram a incompatibilidade de sua atividade como do gênero de consumo.17

Finalmente, no Recurso Especial 532.377/RJ, sob a relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça não fugiu dessa linha de raciocínio: decidiu que “as relações contratuais entre clientes e advogados são regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei 8.906/94, a elas não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor”.18

Desta feita, não há dúvidas de que, conforme a jurisprudência aqui empreendida, a razão está com o Superior Tribunal de Justiça que, corretamente, está solidificando a inaplicabilidade da Lei 8.078/90 nas relações que envolvam prestação de serviço da espécie advocatícia.

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS

As considerações anteriores levam à necessária conclusão de que a responsabilidade da sociedade de advogados não deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, tampouco tem como referência absoluta as normas a respeito do tema insculpidas no Código Civil. Em verdade, a responsabilidade da sociedade de advogados encontra sua fonte regimental primeira na Lei 8.906/94, nos regulamentos dela provenientes e, só subsidiariamente, no Código Civil.

Ademais, duas premissas emergem da análise aqui empreendida: a primeira, de que a sociedade de advogados se confunde com os seus profissionais e os serviços nunca são prestados pela sociedade em si, mas por algum ou alguns dos advogados que a compõe; e a segunda, que o CDC é inaplicável às atividades advocatícias.15 Note-se, os Ministros Humberto Gomes de Barros, Nancy Andrighi, e Antônio de Pádua Ribeiro, que tinham antes votado pela aplicabilidade do CDC nas relações entre advogados e clientes, modificaram seu entendimento para reconhecer a inaplicabilidade da Lei 8.078/90 na prestação de serviços advocatícios.16 BRASIL. STJ – 3ª Turma – REsp. 757.867/RS – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. em 21.09.2006.17 BRASIL. STJ – 4ª Turma – REsp. 532.377/RJ – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. em 21.08.2003.18 BRASIL. STJ – 4ª Turma – REsp. 539.077/MS – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – j. em 26.04.2005.

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A construção deste pensamento silogístico leva à conclusão de que a sociedade de advogados, assim como os advogados em si, está fora do campo de aplicação do CDC e da forma como ele regulamenta a responsabilidade civil, em função da natureza dos serviços prestados: serviços da espécie advocatícios, os quais possuem regulamentação especialíssima.

No que tange à primeira premissa, a advocacia praticada por advogado uniprofissional ou reunido em sociedade, é a mesma. Para este profissional os prazos são parte integrante da atividade e, independentemente do grau de razão do cliente, a postulação intempestiva ou extemporânea não garante direito, razão porque deve o advogado controlar e cumprir seus prazos; e, nem mesmo nas férias forenses está o advogado dispensado de seu labor, uma vez que deve estar atento ao cumprimento de prazos e andamento processual no período19.

Esta é a realidade da advocacia, mesmo quando prestada por advogado reunido em sociedade com outros colegas. A quantidade de trabalho dedicado à causa para satisfação do direito do cliente não diminui porque o advogado se organiza em sociedade e nem os prazos a ser cumpridos sofrem dilação. O serviço advocatício não sofre nenhuma modificação quando prestado por profissionais da advocacia que se reúnem em sociedade. A reunião em sociedade por advogados não proporciona benefícios na execução da atividade em virtude da organização profissional, justamente porque o serviço advocatício continua a ser prestado por um ou mais advogados pessoalmente, e todas as limitações ínsitas ao advogado alcançam a sociedade.

Isso leva à inafastável conclusão de que a sociedade de advogados é mero instrumento de prestação do serviço pelos advogados que a compõem, cuja finalidade é dividir o mesmo imóvel para atender os clientes e compartilhar despesas, garantir que haja um advogado pronto para se ocupar da causa e assegurar o cumprimento dos atos postulatórios nos prazos legais, etc. A prestação advocatícia em sociedade, então, permanece intuito personae e meramente intelectual, estando sujeita, no que tange estritamente ao serviço de advocacia, à lei 8.906/94.

Ademais, a relação jurídica de prestação advocatícia não se concretiza entre a sociedade e o cliente, mas entre o advogado e o cliente. Este “não contrata a pessoa jurídica da sociedade de advogados, até porque legalmente não poderia, mas sim um determinado ou dois ou mais advogados, ou todos os advogados integrantes da sociedade”20.

Em dissertação de mestrado, Júlio César Rossi força uma interpretação no sentido de que a participação de auxiliares e colaboradores, ou mesmo de advogados associados, na sociedade de advogados possa caracterizar elemento de atividade empresarial; conclui que a responsabilidade civil destas sociedades é de natureza objetiva nos termos da regra geral insculpida no Código de Defesa do Consumidor.21

Ocorre que, como foi demonstrado nos tópicos anteriores, a possibilidade de exercício de profissão intelectual com participação de auxiliares e colaboradores é legalmente permitida e não descaracteriza a natureza intelectual do serviço prestado. A advocacia é, por lei, proibida de se constituir elemento de atividade empresarial, de forma que essa profissão sempre será uma atividade intelectual, ainda que praticada em sociedade

19 DIAS, Sergio Novais. Op. cit., p. 18-20.20 DIAS, Sérgio Novais. Op. cit., p. 39.21 Cf. ROSSI, Júlio César. Responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados. São Paulo: Atlas, 2007. p. 129 e ss.

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de advogados. A natureza do serviço prestado por advogados em sociedade não sofre mutação, permanecendo de índole meramente intelectual.

Pensar de forma contrária seria admitir que no direito empresarial as cooperativas possam assumir forma de sociedade anônima e que as sociedades por ações possam ser não-empresárias; de fato, isso é impensável.

Ainda que se admitisse a aplicabilidade do CDC à advocacia, a responsabilidade da sociedade de advogados continuaria a ser fundada, em regra, na culpa. A culpa a ser buscada aqui não é da sociedade, mas do advogado ou advogados que prestaram o serviço advocatício, sendo que o patrimônio da sociedade constituirá garantia primeira em eventual execução pelo cliente lesado.

A responsabilidade subjetiva da espécie de sociedades aqui estudada é prevista no próprio Estatuto da Advocacia e da OAB, em seu artigo 17. Este dispositivo preceitua que “além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer”; mutatis mutandis, seria o mesmo que dizer: além do advogado sócio, a sociedade também responde pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia.

Em linha de raciocínio análoga, Sílvia Vassilieff apresenta argumentos convincentes que levam a concluir que a responsabilidade das sociedades advocatícias não é objetiva, na medida em que não há elemento de empresa e os advogados-sócios continuam a atuar pessoalmente e a responder ilimitadamente pelos danos que eventualmente causem, in verbis:

Pela legislação brasileira, as sociedades de advocacia são de pessoas e não se admite que a responsabilidade de seus sócios seja afastada. Essa peculiaridade das nossas sociedades de advocacia exclui a responsabilização objetiva e reafirma a subjetividade da responsabilização dos advogados como prestadores de serviços profissionais liberais e não como empresários, mesmo se associados na forma de um grande escritório. 22

De outro lado, há que ser vista com cautela a responsabilidade da sociedade de advogados frente aos artigos 932, III, 933 e 942, todos do Código Civil brasileiro23.

Estes dispositivos tratam das relações gerais de subordinação dos empregados aos patrões; estes assumem o risco da atividade de seus empregados ou subordinados. Não é necessária a existência de contrato de trabalho stricto sensu, mas que haja poder diretivo de um sobre o outro.

Nestas circunstâncias, fala-se em fatos praticados por terceiros, em que a sociedade de advogados, se empregadora, responderá objetivamente pelos danos causados por seus empregados ou prepostos a terceiros, desde que o ato ilícito do subordinado tenha ocorrido no desempenho de tarefa de que foi incumbido pelo comitente. É o caso, v.g., da secretária ou do estagiário que extravia documentos do cliente, os quais eram imprescindíveis para

22 Op. cit. p. 111.23 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I ao V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

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instrução da petição inicial. Neste caso, a sociedade empregadora responderá, nos termos dos dispositivos legais acima, objetivamente pelos danos causados ao cliente, ressalvado o seu direito de regresso contra o subordinado desde que demonstrada sua culpa.

A questão é ainda mais interessante quando se cogita a possibilidade de a sociedade de advogados responder objetivamente pelos atos de um outro advogado, o que estaria condicionado, nos termos dos supramencionados dispositivos do Código Civil, à demonstração da subordinação.

O problema da subordinação de um advogado a outro estaria nos artigos 6º24 e 31, §1º25, ambos do Estatuto da Advocacia, que preconizam a independência no exercício da advocacia.

De se notar, contudo, que a própria lei 8.906/94 estabelece em seu artigo 18 e seguintes a figura do advogado empregado. Nestes termos, deve ser aceita a possibilidade de que uma sociedade de advogados tenha um ou mais advogados como empregados. Nesta hipótese, a sociedade empregadora responderá objetivamente pelos atos praticados pelo advogado empregado no exercício do trabalho que lhe competir.

A averiguação da subordinação deverá ser aferida em cada caso concreto, pois, na sua ausência, a sociedade responderá subjetivamente na medida em que seja demonstrada a culpa do advogado ou dos advogados que atuaram negligentemente.

Em qualquer das hipóteses, além da sociedade de advogados, responderão os próprios advogados que a compõem subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados com o seu patrimônio pessoal, nos termos do artigo 17 da Lei 8.906/84.

5 CONCLUSÕES

Ao se investigar a natureza da responsabilidade civil da sociedade de advogados, estabeleceu-se alguns conceitos elementares do direito empresarial os quais foram importantes na condução às conclusões a que se chegou.

Entendeu-se por elemento de empresa uma parte que compõe a atividade empresarial como um todo. Em conseqüência, uma atividade intelectual, isto é, não-empresária, que componha elemento de atividade empresarial organizada, perde o seu caráter intelectual e passa a constituir uma atividade empresarial.

Mas a advocacia, por expressa previsão legal, não pode constituir elemento de empresa. Nenhuma sociedade com registro nas juntas comerciais e nos cartórios civis de pessoas jurídicas jamais terá a advocacia entre suas atividades objeto de exploração. E nenhuma sociedade de advogados pode ter por objeto outra atividade que não a advocacia.24 Lei 8.906/94, art. 6º. Não há hierarquia nem subordinação entre advogado [...] devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.25 Lei 8.906/94, art. 31, §1º. o advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

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Essas imposições legais conduzem à conclusão de que a advocacia jamais poderá constituir elemento de atividade empresarial e, mutatis mutandis, é impossível á sociedade de advogados constituir-se sociedade empresária.

Há dispositivo legal que afasta o caráter empresarial da sociedade de advogados. É como a cooperativa, nunca poderá ter outra forma que não a simples; ou a sociedade por ações, que obrigatoriamente deve ser empresária.

A natureza jurídica da sociedade de advogados não é de sociedade simples, tampouco de sociedade empresária. Ela é uma espécie sui generis no direito empresarial, por uma razão finalística: não visa ela explorar uma determinada atividade empresarial, mas servir como instrumento de colaboração profissional recíproca.

Essa definição também encontra respaldo na realidade da profissão. É que o cliente não contrata a sociedade, mas sim um ou mais advogados em específico, outorgando-lhe mandato. E, mesmo que não se organizassem em sociedade, dois ou mais advogados poderiam perfeitamente exercer a profissão em parceria, como se em sociedade o fizessem. A diferença, além de tributária, é que os advogados reunidos em sociedade devem fazer referência a esta em suas procurações e gozam do benefício da ordem em relação ao patrimônio societário no caso de responsabilidade.

O serviço da espécie advocatícia não é prestado pela sociedade. Esta, conclui-se, é instrumento de finalidade cooperativa inter advogados. Por todas essas características, tem-se que a sociedade de advogados é de natureza sui generis.

No que tange às espécies de serviços, verificou-se que a advocacia não compõe o gênero dos serviços oferecidos no mercado de consumo. É um serviço especial quando comparado com os serviços tratados pelo Código de Defesa do Consumidor.

Constatou-se que a Lei 8.906/94, que regulamenta a advocacia, é especialíssima em comparação com a Lei 8.078/90; com a promulgação daquela, esta sofreu restrição do seu campo de aplicação, deixando de incidir sobre a atividade advocatícia, a qual passou a ser inteiramente regulada pelo Estatuto da Advocacia e da OAB.

A sociedade de advogados, por sua vez, também está inteiramente regulamentada na Lei 8.906/94 e regulamentos dela decorrentes, sofrendo todas as restrições que os advogados têm, seja atuando só ou em sociedade. O advogado que advoga só ou em parceria ou, ainda, reunido em sociedade, está proibido de oferecer o seu serviço no mercado de consumo, de promover a captação de clientela, fazer uso de propagandas ou oferecer serviço em massa.

Assim, em sendo a advocacia uma espécie de serviço, inteiramente regulamentada por lei própria, não sofre a incidência do Código de Defesa do Consumidor. E, em sendo a sociedade de advogados de natureza sui generis, exaustiva e peculiarmente regradas nos moldes da Lei 8.906/94, também está fora da aplicabilidade da Lei 8.078/90.

Estas conclusões têm o respaldo da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. A pesquisa jurisprudencial no acervo decisório deste Tribunal mostrou que o tema foi enfrentado por cinco vezes, entre

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agosto de 2003 e abril de 2005. Em duas delas, o STJ havia decido pela aplicabilidade do código consumerista aos serviços advocatícios, porém, após estudo mais minucioso sobre a matéria e tendo em conta o caráter não mercantil da advocacia, ele firmou a inaplicabilidade do CDC a esta espécie de serviços.

A responsabilidade da sociedade de advogados, então, não pode ser vista à luz da Lei 8.078/90, mas sim com respaldo na lei que a regulamenta, a Lei 8.906/94 e, subsidiariamente, recorre-se ao Código Civil.

Os atos de advogados são privativos; apenas a pessoa física pode realizá-los, razão pela qual é impossível ao cliente contratar serviços advocatícios a serem prestados por uma sociedade, eis que eles serão sempre exercidos pessoalmente por um advogado. Por isso, numa investigação de responsabilidade, esta não será investigada na conduta da sociedade, mas na forma como se postou e diligenciou o advogado que atuou numa determinada causa.

Com isso, e ao arrepio de respeitadas vozes no campo doutrinário, concluiu-se pela responsabilidade subjetiva da sociedade de advogados como regra.

Não se ignora a possibilidade de a sociedade de advogados possuir subordinados e empregados, como é o caso de estagiários, de secretárias e mesmo de advogados empregados.

Nestas hipóteses a sociedade de advogados responderá objetivamente pelos danos que seus subordinados e empregados causarem a terceiros. A averiguação da subordinação ocorrerá por meio dos indícios apresentados no caso concreto, os quais, se não verificados, fica afastada a objetividade da responsabilidade, mantendo-se a regra da responsabilidade subjetiva.

Fazendo referência à utilidade prática desta pesquisa, ela deverá proporcionar maior segurança e possibilidade de planejamento pelos profissionais advocatícios em sua organização para o exercício da advocacia.

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REFERÊNCIAS

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______. Superior Tribunal de Justiça – 3ª Turma – REsp. 757.867/RS – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – j. em 21.09.2006

______. Superior Tribunal de Justiça – 4ª Turma – REsp. 532.377/RJ – Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. em 21.08.2003.

______. Superior Tribunal de Justiça – 4ª Turma – REsp. 539.077/MS – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – j. em 26.04.2005.

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GUSMÃO, Mônica. Lições de direito empresarial. 6.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007

LARENZ, Karl. Metodología de la ciencia del derecho. Traducción y revisión de Marcelino Rodríguez Molinero. Barcelona: Ariel, 2001.

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MARIANI, Irineu. Direito de empresa, atividade empresarial, empresa e empresário. Revista dos Tribunais. Ano 95, fev 2006, v. 844.

MONTENEGRO, Antônio Lindbergh C. Ressarcimento de danos. 8.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

ROSSI, Júlio César. Responsabilidade civil do advogado e da sociedade de advogados. São Paulo: Atlas, 2007.

VASSILIEFF, Sílvia. Responsabilidade civil do advogado. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

ZULIANI, Ênio Santarelli. Responsabilidade civil do advogado. Revista da Escola Paulista de Magistratura, ano 4, n.1, jan/jun 2003.

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A DESAPOSENTAÇÃO E A PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Sérgio Henrique Salvador1

O tema em comento, não obstante sua destacada atualidade no contexto previdenciário, requer uma análise mais detida da aplicabilidade do instituto dentro da sistemática da Seguridade Social e seus constitucionais propósitos afirmadores.

De fato, para este valioso fim, valemo-nos da noção sistêmica para a compreensão axiológica e jurídica do instituto dentro do direito positivo, tal qual, em singular lição, o Professor Wagner Balera2, leciona a respeito: “Chave para a compreensão do estudo das normas jurídicas, a noção de sistema é apta a situar o direito positivo a partir dos elementares critérios de vigência, validade e eficácia”.

Sabido que a Carta Cidadã de 1988 veio a colacionar em seus dispositivos, vários e imprescindíveis direitos sociais magnamente tutelados, dentre eles, a Previdência Social, tal qual inserida na dimensão constitucional através do artigo 6º do Estatuto Supremo.

Neste ínterim, mister compreender qualquer instituto previdenciário dentro do conceito sistêmico e importante do direito social, tão evoluído dentro dos ordenamentos jurídicos contemporâneos quanto a sua formalidade e aposição no cenário jurídico constitucional, mas, que a todo o tempo, prescinde de adequação aos destinatários, de maneira a justificar a proteção social garantida pela Lex Fundamentallis.

A este prisma, de resguardo e tutela dos direitos sociais, como valores e pilastras fundamentais de qualquer sociedade organizada, o Professor Celso Barroso Leite3, já apontava que:“(...) a proteção social tem como objetivo básico garantir ao ser humano a capacidade de consumo, a satisfação de suas necessidades essenciais, que não se esgotam na simples subsistência”.

Ao intérprete e ao operador do direito então, no manuseio dos institutos do Direito Previdenciário, possuem não só um trato jurídico simples e individual entre o sujeito de direitos e, de outro lado, o responsável pelo cumprimento de tal obrigação jurídica oriundo deste relacionamento, mas, sob a ótica mandamental, detém em mãos, verdadeiros valores a serem precipuamente observados, defendidos e protegidos em situação de pré-existência ao que se depara o aplicador das normas, quando esse, deve piamente observar o que se está tutelando quando da aplicação dos métodos da hermenêutica previdenciária.

1 Advogado em Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito (EPD/SP). Pós-Graduando em Processo Civil pela PUC/SP-COGEAE). Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários (IBEP/SP). Professor da FEPI – Centro Universitário de Itajubá. Presidente da Comissão de Assuntos Previdenciários da 23ª Subseção da OAB/MG (Itajubá/MG). Autor da obra “Desaposentação – Aspectos Teóricos e Práticos” da Editora LTr. 2 Wagner Balera, “As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro”, in As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, Coordenador Hugo de Brito Machado, editora dialética, 2003, pag. 562. 3 LEITE, Celso Barroso. A proteção social no Brasil. p.83.

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Por certo, que a esta altura, fácil já aferir que o instituto da DESAPOSENTAÇÃO também vem a se justificar neste constitucional conceito de valor social, já que o intuito previdenciário encontra na dignidade humana um de seus principais aspectos diretivos.

Em que pese a atualidade da discussão em torno deste valioso instrumento jurídico e previdenciário de proteção social, a desaposentação já era tratada em 1996 pelo Professor Wladimir Novaes Martinez, em um artigo intitulado “Direito à Desaposentação”, no 09º Congresso Brasileiro de Previdência Social, pela editora LTr, em São Paulo, razão de que sua atual notoriedade no seio social, deve ser compreendida à luz da necessidade preemente da própria sociedade, destinatária da tutela jurídica, em buscar mecanismos que visam a evolução e o aprimoramento dos direitos sociais insculpidos na Lei das Leis, onde o desejo da desaposentação vem somente evidenciar que há necessidade de se tutelar efetivamente uma qualidade de vida, como fruto do valor humano.

Longe da finalidade desta pequena abordagem, é a exploração histórica do assunto, até pelo fato que a compreensão de seu significado traz à lume, o que já prevê a própria Carta Magna, sendo necessário alocar o objeto da discussão ao seu fato gerador e a sua correspondente adequação constitucional dentro da semântica dos valores sufragados pela coletividade.

A este ponto, merece imediata censura àqueles que de maneira veemente negam a possibilidade jurídica da aplicação do instituto por si só, que, sabe-se, somente ocorre via tutela judiciária, eis que, apesar de respeitosas, lúcidas e coerentes, não fazem a aplicação do instituto dentro da noção sistemática, como antes relatado pelo Percuciente Jurista Professor Wagner Balera.

Antes, porém, de consignar os pontos nevrálgicos da aplicação do instituto em exame, mister trazer à baila, a análise conceitual do assunto. A este aspecto, o Professor André Studart Leitão4, define que “A desaposentação, como a própria nomenclatura sugere, consiste no desfazimento do ato concessório da aposentadoria, por vontade do beneficiário”. Também o Professor Fábio Zambitte Ibrahim5 conceitua o tema como: “A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”. Também, os conhecidos e conceituados Professores Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari6 de igual forma, assim ministram sob o tema em estudo, “(...) é ato de desfazimento da aposentadoria por vontade do titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”.

Ao que se vê, destacada doutrina coloca o assunto em exame em singular análise, já que das previsões conceituais emergem-se os fatos geradores de sua justificação jurídica. Portanto, desaposentar-se é refazer algo, ou seja, alterar uma situação jurídica existente e positivada para uma outra, de igual natureza, mas com outros desdobramentos e efeitos jurídicos futuros.

4 LEITÃO, André Studart. APOSENTADORIA ESPECIAL. Editora Quartier Latin. 2007, página 233. 5 ZAMBITTE, Fábio Ibrahim. DESAPOSENTAÇÃO O Caminho Para Uma Melhor Aposentadoria. Editora Impetus. 2009. pagina 36.6 CASTRO, Alberto Pereira e LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 4ª Ed. São Paulo: LTr, 2000, p.488.

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Fácil, pois, aferir que o instituto somente se justifica com a existência válida da aposentadoria como fruto do ato jurídico da aposentação. Para tanto, não é crível dissociar de tal fato jurídico a deliberação voluntária do sujeito de direito, abrangido pela proteção previdenciária, o destinatário do pacote previdenciário.

Com efeito, almeja-se a alteração temporal de um ato jurídico do presente, constituído no passado, mas com fim colimado de mudança para o futuro, isto é, com efeitos jurídicos a serem sentidos a partir da alteração perpetrada.

A este aspecto, indubitavelmente, o ato positivo da aposentação ganha contornos jurídicos da disponibilidade, inserindo-se no patrimônio jurídico do tutelado como de direito disponível, já que sua vontade, justificada pelo seu fim, ganha relevo dentro da essência da tutela previdenciária.

Qualificando o ato positivo da aposentação, que resulta na aposentadoria, como um direito disponível, o horizonte norteador da desaposentação ganha novos ares, já que o titular de direitos, delibera, a seu exclusivo crivo exercer ou não tal prerrogativa, que, repita-se, trata-se de direito disponível.

Em plena percepção acerca desta notória disponibilidade da aposentadoria previdenciária, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já há alguns anos, através de suas ínclitas duas Turmas Julgadoras da matéria, já assentou acerca deste prisma, ou seja, o Guardião da Legislação Federal, englobando a análise de todos os diplomas jurídicos previdenciários correlatos, através de vários e reiterados julgados asseverou sobre a disponibilidade jurídica da prestação previdenciária. Neste diapasão, vale conferir: REsp 692.628-DF de Relatoria do Eminente Ministro Nilson Naves.

Como já adiantado, a existência e viabilidade da desaposentação no cenário jurídico do momento, já mostra tormentosa discussão jurídica no seio judicial, em especial de que sua aceitação encontra forte resistência nos meandros da própria ciência jurídica, acompanhada por oscilações dos Tribunais, bem como de franco e sólido debate doutrinário a respeito.

Propositadamente, o vertente estudo não almeja o esgotamento criterioso do assunto, mas trazer a reflexão que a essência do direito social perseguido não deve tão somente ser pano de fundo de uma realidade social hipoteticamente sonhada, mas, em sentido contrário, tem de ser o alvo principal a dar segurança jurídica a coexistência da sociedade, já que a dignidade humana se insere nas pilastras da República, em que os instrumentos jurídicos existentes, em especial, os específicos pela natureza social, como o caso, ganham uma singular roupagem quando da aplicação pelos operadores do direito.

Em suma, sendo valioso o embate e a discussão especialmente para a edificação dos institutos da ciência jurídica, as opiniões contrárias a plena aplicação da desaposentação, com ferrenhos defensores, ventilam sobre os seguintes pontos: a) falta de autorização legal e expressa; b) a aposentadoria é um ato jurídico perfeito e convalidado; c) o artigo 181-B do Regulamento da Previdência Social aduz acerca da irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria; d) aplicação da prescrição do artigo 103, da Lei 8.213/1991; e) o ato de concessão é ato administrativo, portanto sujeito a normas administrativas; f) existência de uma relação jurídica bilateral que prescinde da anuência de ambas as partes; g) ofensa a segurança jurídica; h) inviabilização no mesmo regime de previdência; i) ofensa ao equilíbrio atuarial; j) enriquecimento ilícito, etc.

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Percebe-se, que a discussão acerca da aceitação do instituto encontra lúcidos e combativos argumentos, em especial a serem enfrentados pelos adeptos e defensores do tema em discussão, que, por sua vez, trilham a análise de aceitação aos seguintes aspectos: a) no ato jurídico perfeito da aposentação prevalece a vontade do titular ante a relação de proteção previdenciária contraída com a Administração Pública; b) ausência de vedação constitucional ou legal, onde a sua autorização é presumida. O princípio da legalidade determina que a Administração Pública somente poderá impor restrições previstas em lei; c) ausência de vícios insanáveis no deferimento; d) manifestação da intenção do trabalhador; e) trata-se de direito renunciável; f) aplicação do princípio da norma mais benéfica; g) ausência de dano do patrimônio da União ou do INSS a prejudicar a massa colegiada protegida; h) ausência de pretensão de prejudicar terceiros; i) a irrenunciabilidade está prevista em norma infra-legal de legalidade duvidosa; j) ausência de enriquecimento ilícito pela natureza alimentar do benefício entendendo-se que este já foi “consumido”; l) ausência de ofensa do equilíbrio financeiro-atuarial, pois o segurado irá receber aquele benefício até o fim da vida, etc.

Fácil então aferir que a possibilidade jurídica da desaposentação ainda é tímida, se encontrando em situação de calorosas discussões, seja da coesa doutrina a respeito, seja pelos entendimentos judiciais totalmente respeitáveis.

Não bastasse a análise fria da possibilidade ou não de aplicação do instituto em estudo no ordenamento jurídico pátrio, outro norte tem tormentado sobremaneira os estudiosos do Direito. Ora, se o ato da desaposentação é cancelar uma aposentadoria, com a conseqüente cessação da atual prestação, com vistas a uma nova, em melhores condições econômicas, se valendo do período computado no benefício a ser cessado, como ficam os valores até então disponibilizados e absorvidos pelo pretendente quando da fruição do benefício a ser cancelado?

Ao que se vê, a complexidade da aplicação deste instituto ganha sensível destaque em todos os momentos, seja pela análise de sua viabilidade, ou ainda, pelo impacto atuarial que deve ser observado na política de seguridade social.

Por certo, que desde os primórdios do Direito Romano, a realização dos tratos jurídicos sempre foi norteada pelo equilíbrio.

Neste ponto, o equilíbrio do tipo financeiro e atuário das contas públicas, de maneiramente veemente tem sido usado aos adeptos da corrente que propaga a devolução e restituição do que foi auferido, como, aliás, defendeu o Professor Wladimir Novaes Martinez, no Congresso Previdenciário realizado em setembro de 2009 na cidade Campinas, Estado de São Paulo.

De outro lado, também os Tribunais Federais de maneira majoritária, quando aceitam a viabilidade do instituto da desaposentação, determinam a devolução do monetariamente auferido, arrazoando as decisões, dentre vários argumentos, a necessidade de observância do já aludido equilíbrio também disposto no texto Constitucional, calcado pela segurança jurídica.

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Por sua vez, de maneira já reiterada e pacífica, o Tribunal da Cidadania7, em recente julgado, mais uma vez assentou acerca da viabilidade da desaposentação no ordenamento jurídico pátrio, bem como, na desnecessidade de devolução aos cofres públicos de qualquer quantia acerca do benefício previdenciário pretérito, valendo conferir valioso precedente a respeito: “RENUNCIA. APOSENTADORIA. UTILIZAÇÃO. TEMPO. A Turma, por maioria, reiterou o entendimento de que o segurado pode renunciar à sua aposentadoria e reaproveitar o tempo de contribuição para fins de concessão de benefício no mesmo regime ou em outro regime previdenciário, não necessitando devolver os proventos já percebidos; pois, enquanto perdurou a aposentadoria, os pagamentos de natureza alimentar eram indiscutivelmente devidos”.

Aludido posicionamento, ainda traz o revestimento alimentar da prestação previdenciária, como outro argumento, quiçá coeso, a não justificar a tentativa autárquica de se almejar a devolução do que foi auferido.

Deveras, esta análise do Sodalício Especial premia sobremaneira os defensores do instituto em todos os âmbitos, afastando de vez, a análise criteriosa e também robusta, àqueles que não reconhecem a desaposentação no cenário jurídico pátrio.

Como antes mencionado, a reflexão almejada ao vertente e modesto estudo, é a compreensão da aplicação do instituto da desaposentação com base na conceituação constitucional do direito social.

Ora, o operador do direito em todos os meandros da aplicação das técnicas jurídicas, especificamente ao tema em voga, há de se nortear pela proteção constitucional que advém do uso e fruição dos benefícios previdenciários.

Evidente, que a desaposentação somente se justifica no plano factual, quando a alteração da relação jurídica previdenciária existente, se alternar para melhor, onde o sujeito protegido pela tutela previdenciária há de auferir uma melhor qualidade de vida, como fruto do exercício da nova aposentadoria em ganhos reais, quando então a adequação das finalidades constitucionais da Previdência Social como um direito social estará se concretizando.

Assim, imperioso destacar que a análise fria, restrita e alocada tão somente a obstáculos procedimentais a justificar a não convalidação do instituto da desaposentação no cenário jurídico hodierno, há de dar guarida e lugar a uma análise mais ampla, macro e contumaz dos primados constitucionais, onde a Previdência Social é encontrada em lugar de destaque.

Enfrentar o tema arrimando tão somente no tecnicismo jurídico, serve para prolongar o assunto e os entraves científicos de afirmação, complexando ainda mais os nevrálgicos pontos da abordagem. Entretanto, aferindo a desaposentação como um método de essência da proteção previdenciária, constitucionalmente resguardado, é dar firmamento a valores eleitos pela Sociedade como primordiais a sua existência, mesmo antes de condensá-los em diplomas legais.

Portanto, a desaposentação deve ser vista como um exercício deliberativo do trabalhador, que na condição jurídica de inativo, mas, fáticamente ativo, contribuindo novamente ao Sistema Securitário Social, almeja uma melhor prestação previdenciária, se valendo do mecanismo constitucional de base da Previdência

7 STJ – Resp. 1.113.682-SC, Rel.Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJ 23/02/2010.

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Social como um direito social, que por sua vez, garante uma vida digna condizente com as necessidades do tutelado.

Sendo, pois, o exercício de um direito social não negado, mas que se busca aprimoramento, edificação e evolução, sobretudo a propiciar e revelar a condição constitucional de dignidade da pessoa humana, tal qual inserido como um dos fundamentos da República, nos dizeres do artigo 1º, inciso III da Lei Suprema, a desaposentação reflete a concretização plena da proteção previdenciária, onde uma melhor condição de vida se torna o alvo do beneficiário do sistema de protetivo, cujo ente Estatal a que está vinculado tem a obrigação e o dever de instrumentalizar com eficácia a pretensão apresentada.

Norberto Bobbio8 assevera que os direitos sociais considerados humanos, não bastam serem previstos, mas sim, efetivos, sendo valiosa sua lição: “...uma coisa é falar dos direitos humanos, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos cada vez mais convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva...”.

Portanto, a aparente complexidade da matéria em discussão, ganha contornos jurídicos claros e esclarecedores quando a aplicação do instituto da desaposentação é aferida mediante a inserção imprescindível de valores constitucionais, já que são alvo e razão de existência da proteção previdenciária, merecendo sempre, análise acurada pelo operador do direito face aos postulados inseridos na Lei das Leis, eleitos pelos beneficiários da tutela estatal como primordiais a consecução dos princípios basilares para a constituição de uma Sociedade Livre, Justa e Solidária.

8 BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. São Paulo: Paz. Terra e Política, 1986. p.63.

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O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO REQUISITO DE CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR

Bruno Vasconcelos Barros1

PALAVRAS-CHAVES: princípios, proporcionalidade, processo penal, prisão cautelar.

1 INTRODUÇÃO

No Estado democrático de direito se pretende que as esferas do poder público se limitem ao máximo a não restringir direitos e garantias fundamentais do corpo social. Em caso de necessidade de restrição de direitos, não deve haver excessos, em outras palavras, sempre que se quiser restringir direito fundamental é preciso verificar se realmente é necessário e se não há outro meio menos gravoso para se chegar ao fim desejado.

A proporcionalidade nasceu sob a expectativa de limitar o poder estatal de restringir as liberdades do corpo social. Inicialmente, surgiu para ser aplicado no direito administrativo e constitucional, mas galgou larga aplicação em todas as áreas do direito e, principalmente, no processo penal, ramos do direito que tem a potencialidade de atingir mais gravosamente os direitos individuais.

O Estado democrático de direito que deveria ter o compromisso de promover a justiça e materializar as garantias e direitos constitucionais, em homenagem ao combate e diminuição da criminalidade, entrou num espiral de retrocesso, tornando-se um estado policialesco, utilizando o processo penal como instrumento de punição e não como garantia do indivíduo contra a ingerência pública, tornando, em muitos casos, as garantias constitucionais em letra morta.

As medidas cautelares de privação de liberdade têm tido larga utilização no processo penal brasileiro. O que deveria ser exceção se tornou uma quase regra. Tem-se um número elástico de possibilidades de prender alguém antes de o trânsito em julgado da sentença e pelos mais diversos motivos.

O Estado tem sido rápido em prender provisoriamente e lento em dar a resposta definitiva. Certamente, por ser mais simples e, ao mesmo tempo, garantir que a sede de vingança social seja saciada, pois de forma rápida e notória a sociedade observa a reação estatal que toma posse da liberdade de alguém, encarcerando-o.

No sistema processual pátrio ainda se decreta prisão preventiva em casos de crimes cuja pena mínima não é superior a um ano, quando, em regra, seria possível uma suspensão condicional do processo. Decreta-se prisão em crimes dolosos sem violência ou grave ameaça a pessoa cuja pena máxima não ultrapassa quatro anos, 1 Advogado Criminalista, especialista em Direito Constitucional e Processo, professor da graduação e pós-graduação do CESMAC, Conselheiro da Associação dos Advogados Criminalistas por Alagoas.

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quando o Código Penal previu, no seu artigo 44, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ainda se mantém preso um cidadão por anos, sem julgamento, mesmo quando o tempo de encarceramento provisório já permitiria a progressão de regime ou mesmo livramento Condicional.

No sistema pátrio a prisão temporária (Lei n.7960/89), apesar de tão criticada, sendo verdadeira prisão para averiguação, está em pleno vigor e sendo aplicada sem nenhuma moderação, basta verificar as midiáticas operações federais e estaduais em todo o Brasil. Segundo o próprio texto da Lei, essa modalidade de prisão tem finalidade de produção desimpedida de prova, podendo ser decretada inclusive quando o suspeito não tem residência ou identificação civil. Estando no século XXI não haveria outros meios menos gravosos para se conseguir o fim pretendido? Não bastaria a intimação para interrogar o suspeito? Não bastaria a quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico? Não bastaria uma ordem de busca e apreensão ou de exibição de coisas ou documentos? Se não tem identificação, não seria fácil para o estado providenciar?

É nesse contexto que o presente estudo propõe a aplicação do princípio da proporcionalidade como requisito de validade constitucional do decreto de prisão cautelar ou de sua manutenção.

2 PROPORCIONALIDADE – CONCEITO – NOMENCLATURA – FUNDAMENTO - CONTEÚDO - FINALIDADE

Segundo Willis Santiago a proporcionalidade traz a idéia de “uma limitação do poder estatal em beneficio da garantia de integridade física e moral, dos que lhe estão sub-rogados”2. Nessa mesma linha D`Urso, afirmando que é consenso doutrinário e jurisprudencial que a proporcionalidade tem “natureza de contenção e moderação dos atos estatais em favor da proteção dos direitos do cidadão”, em parágrafo posterior cita Bonavides, quando afirmou que “a proporcionalidade ó o instrumento mais poderoso de garantia dos direitos fundamentais” 3.

A doutrina brasileira, na maioria, utiliza a expressão “princípio da proporcionalidade”4. No entanto, alguns doutrinadores seguem outras nomenclaturas, tais como, “postulado da proporcionalidade”5, “regra da proporcionalidade”, “máxima da proporcionalidade”6.

Apesar de o nomem iuris não ser o centro presente estudo, concorda-se com Humberto Ávila que tal definição vai além da questão de nomenclatura, sendo “um problema fenomênico, de coerência e de justificação” 7. Destaque-se, entretanto, que para alguns autores, a questão de qual denominação seria a mais correta não influencia no resultado prático, nesse sentido, Wilson Steinmetz, in verbis:

2 GUERRA FILHO. Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Devido Processo Legal. In: DA SILVA.Virgílio Afonso (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 256.3 D`URSO. Flávia. Princípio Constitucional da Proporcionalidade no Processo Penal. São Paulo:Atlas, 2007, p. 47-48.4 Vide, por exemplo, Fabio Machado de Almeida in Medidas Substitutivas e Alternativas à Prisão Cautelar, D`Urso, op. cit., Paulo Bonavides in Curso de Direito Constitucional.5 ÁVILA. Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. Edição. São Paulo: Malheiros. 2009, p.134-139.6 ALEXY. Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros.7 Op. cit. p.138.

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Há uma tendência no discurso jurídico de qualificar como “princípios” normas que são havidas, por razões diversas (ora razões jurídicas, ora razões axiológicas, ora razões empíricas), como muito importantes no ou para o sistema jurídico.

Não está claro, ainda, se, no plano interpretativo-aplicativo, a questão terminológica produz interferências conceituais e metodológicas relevantes do ponto de vista dos resultados práticos e sua justificabilidade e controlabilidade racionais. Dizendo de outro modo, não está claro se o dissenso terminológico tem implicações hemenêutico-constitucionais relevantes. 8

Por concordar com Santiago, adota-se, neste estudo a nomenclatura princípio da proporcionalidade.

Mesmo sem um consenso sobre a melhor nomenclatura, a proporcionalidade é reconhecidamente mandamento constitucional, embora a doutrina difira quanto a seu fundamento. A proposta é que seja considerada uma garantia fundamental, na esteira do pensamento de Willis Santiago:

O Princípio da proporcionalidade se consubstancia em uma garantia fundamental, ou seja, direito fundamental com uma dimensão processual, de tutela de outros direitos – e garantias – fundamentais, passível de se derivar da “cláusula do devido processo” 9.

Para alguns o fundamento desta garantia fundamental está no estado social de direito, para outros no devido processo legal e há os que afirmam que está implícita em várias normas constitucionais se subsumindo, portanto, no art. 5, parágrafo 2 da CF/88. O certo é que, como dito, a proporcionalidade é um princípio garantidor.

É preciso esclarecer, desde logo, que a proporcionalidade tratada não é a mera proporção, como se encontra em Ferrajoli (princípio de proporcionalidade da pena) 10, ou em Ripolés (princípio da proporcionalidade) 11, como pareceu querer dizer D`Urso quando citou Beccaria – “deve haver proporção entre crimes e castigos” - e Aristóteles – “(...) o proporcional é o meio-termo, e o justo é o proporcional” 12. A proporcionalidade aqui tratada é a descrita por Humberto Ávila, que chama a atenção para que “a idéia de proporção é recorrente na Ciência do Direito”13 e que “a idéia de proporção perpassa todo o Direito, sem limites ou critérios”14. Eis a concepção da proporcionalidade que se propõe:

O postulado da proporcionalidade não se confunde com a idéia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio

8 STEINMETZ.Wilson. Princípio da Proporcionalidade e Atos de Autonomia Privada Restritivos de Direitos Fundamentais., p. 267. In: DA SILVA. Virgílio Afonso (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 12, nota de rodapé 01.9 Op. cit. p. 267.10 FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 366.11 RIPÓLLES. José Luis Díez. A Racionalidade das Leis Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005, 171.12 Op. cit., p. 49-50.13 Op. cit., p.161.14 Idem, ibidem.

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promove o fim), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?).15

A adequação (também denominado de idoneidade), a necessidade (também denominado de exigibilidade) e a proporcionalidade em sentido estrito são tidos como “elementos”, “máximas parciais”, “requisitos intrínsecos” ou “princípios parciais ou subprincípios da proporcionalidade”, conferem à proporcionalidade “densificação concretizadora a um direito fundamental” 16. Na verdade, a análise da proporcionalidade de uma medida estatal passa pela análise dos requisitos ou subprincípios citados.

Não se pode olvidar do conflito existente no processo penal entre a liberdade do cidadão e a pretensão punitiva do estado. É nesse contexto que a proporcionalidade surge como limitadora das ingerências estatais nas liberdades do corpo social. Como bem afirmou D`Urso, “a proporcionalidade contextualiza-se no processo penal como instrumento para garantir e concretizar valores de índole constitucional no caso concreto” 17.

3 PROCESSO PENAL E PRISÃO CAUTELAR

Destaca-se que próprio processo penal tem natureza vexatória, tornando-se, ele mesmo, numa pena. O cidadão que publicamente responde a imputação já é tido, equivocadamente, pela sociedade, como culpado.

Ora, se o processo, por si só, é estigmatizante, como bem afirmou Lopes Jr., “o imputado (...) pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da angustia” 18, o que dizer do imputado que está cautelarmente preso? Por óbvio que sua situação se agrava quando ele está diante de uma prisão cautelar. Como preleciona Lopes Jr., a prisão cautelar é uma “violência” e em trecho posterior, “uma prisão cautelar conduz a inexorável bancarrota do imputado e seus familiares”. 19

Se a pena, segundo Carrara, é “o mal que a autoridade pública inflige a um culpado em razão de delito por ele praticado” 20. Muito mais aviltante é a prisão cautelar. Não sem motivo que Hobbes citado por Ferrajoli afirmou que a prisão processual é “um ato de hostilidade”21 e Voltere afirmou que “o modo pelo qual em muitos Estados se prende cautelarmente um homem assemelha-se muito a um assalto de bandidos”22

Na legislação brasileira a prisão antes do trânsito e julgado da sentença está prevista constitucionalmente e regulada pela legislação processual pátria.

15 ÁVILA, op. cit., p.161-162.16 D`URSO, op. cit. p., 66.17 Op. cit., p. 101.18 LOPES Jr. Aury. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2006, p. 7.19 Op. cit., p. 7 e 9.20 CARRARA, Francesco. Programa de Direito Criminal, vol. II. Campinas: LZN Editora, 2002, p. 43.21 Op. cit., 508.22 Idem, ibidem.

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O termo prisão “designa a privação de liberdade do indivíduo, por motivo lícito ou por ordem legal, mediante clausura”23. Tendo como marco diferenciador a sentença final condenatória, a prisão tem duas modalidades: prisão-pena e prisão sem pena.

A prisão cautelar é espécie de prisão sem pena. Tendo natureza de cautela é meio para a realização de um fim, não podendo ser um fim em si mesmo. Não pode servir como punição ou prevenção de criminalidade, sob risco de transmudar sua natureza jurídica para prisão pena, o que atingiria o princípio da presunção de inocência. 24

O processo penal brasileiro prevê cinco formas de prisão antes do trânsito em julgado da sentença, a saber: 1) prisão preventiva (art. 311 a 316 do CPP); 2) Prisão em flagrante (art. 301 a 310 do CPP); 3) prisão temporária (Lei 7.960/1989); 4) prisão de corrente de pronúncia; 5) prisão por condenação recorrível.

4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO REQUISITO DE CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CAUTELAR

Tendo o Estado feito a opção de instituir o instituto da prisão cautelar, deve rodeá-lo de limitações para que o aplicador da lei não abuse do poder de cautela e fira os núcleos de diversos direitos e garantias fundamentais.

Por outro lado, o aplicador tem que, obrigatoriamente, ao fazer o exame da necessidade, ou não, da prisão cautelar, no caso concreto, fazer uma leitura constitucional para verificação se o ato de restrição de liberdade, respeita o conteúdo mínimo das garantias fundamentais. Nesse sentido o pensamento de D’Urso:

A norma que permite a invasão a esses direitos individuais deve ser interpretada. O caráter concretizante da hermenêutica constitucional, bem como do processo penal na efetivação da justiça material, que alia princípios constitucionais de caráter normativo à realidade, demanda do juiz criminal nas suas decisões uma interpretação construtiva da Lei para que, nos conflitos e nas restrições a direitos fundamentais permaneça intocado o núcleo essencial desses direitos, qual seja, a dignidade humana. 25

Fábio Delmanto informa que o marco histórico da necessidade de impor limites ao poder estatal de restringir a liberdade do indivíduo, antes do trânsito em julgado, foi a morte do Dr. Hoffle em 1925, conhecido político, preso cautelarmente, que causou grande polêmica na Alemanha. Informa ainda que “a justificação dogmática da proporcionalidade somente se fixou durante a Segunda Guerra Mundial”, quando se tornou corrente a idéia que as normas processuais deviam ser limitadas pelas normas constitucionais e seus valores.26

23 BONFIM, op. cit., p. 365.24 Vide nesse sentido25 D`URSO, op. cit., p. 94.26 Op. cit., p. 53.

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A Como já dito a proporcionalidade tem como elementos, a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Não é possível reduzir seu conteúdo ao mero exame da proporcionalidade em sentido estrito (ponderação), como, aparentemente pretendeu Pacelli27, no que pese ser um avanço, tendo em vista que muitos aplicadores desprezam totalmente a garantia da proporcionalidade.

Em se tratando de prisão cautelar o interprete deve, diante do caso concreto, analisar os pressupostos e requisitos daquela espécie de prisão (por exemplo a prisão preventiva). Após verificar que estão presentes os pressupostos e um dos requisitos deve utilizar a proporcionalidade e seus sub-princípios, ou elementos, antes de decretar a prisão. Deve, portanto, diante do caso concreto perguntar se: 1) Qual o fim pretendido? Com o meio escolhido (prisão cautelar) alcançarei ao fim pretendido? 2) Há outro meio (medidas cautelares substitutivas28) que não a prisão cautelar para se chegar ao mesmo fim? 3) O fim a ser alcançado é tão importante que justifica a restrição a liberdade?

Ao verificar que qualquer dos elementos da proporcionalidade não foi satisfeito não deve decretar a prisão cautelar. E caso, já haja prisão cautelar, deve revogá-la, sob pena em ambos os casos de ferir garantias fundamentais, e, por conseguinte, de tomar uma decisão inconstitucional. Nessa linha de pensamento, conclui-se com a lição de Fábio Delmanto:

A proporcionalidade constitui, sem dúvida, um dos princípios mais importantes para o tema em estudo, posto que, ao denunciar a eventual desproporcionalidade da prisão provisória no caso concreto (seja por desnecessidade, inadequação ou mesmo desproporcionalidade da medida em relação à pena previsivelmente aplicada), exige seja afastada ou mesmo evitada (...). 29

O que se propõe é avançar, e tomar a proporcionalidade como “importantíssima ferramenta processual para evitar abusos na aplicação das medidas restritivas de liberdade do acusado, que, antes de tudo, deve ser considerado presumivelmente inocente”. 30

27 DE OLIVEIRA. Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: DelRey, 2005, p. 389-392. 28 DELMANTO, op. cit., p. 29.29 Op. cit., p. 30.30 DELMANTO, op. cit., p. 29.

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5 CONCLUSÃO

A prisão cautelar é extremamente aviltante. Primeiro porque se corre o risco de encarcerar um inocente, o que por si só deveria reduzir ao máximo sua aplicação. Segundo porque, como toda prisão, afeta vários bens jurídicos do indivíduo e vários aspectos de sua vida.

Seria infantil acreditar que a prisão seja provisória ou prisão pena, afeta somente a liberdade do indivíduo. A prisão afeta a honra, a família, a carreira, a auto-estima, a integridade física e psíquica do preso, afetando, por conseguinte, a garantia basilar da dignidade da pessoa humana.

Não se deve esquecer que a prisão cautelar é meio para a realização de um fim, não podendo ser um fim em si mesmo. Não pode servir como punição ou prevenção de criminalidade, sob risco de transmudar sua natureza jurídica para prisão pena, o que atingiria o princípio da presunção de inocência.

Não é difícil verificar no dia-a-dia forense, prisões sendo decretada de forma automática, ou pior, para satisfazer anseios midiáticos, na maioria das vezes sem fundamentação idônea, sem natureza de cautelar, mas verdadeiras antecipações de pena.

No atual estado de evolução do pensamento científico é impossível que se continue aplicando as regras processuais penais restritivas de liberdade, sem levar em conta os princípios, as regras e os postulados constitucionais, expressos ou implícitos, e seus valores – de maneira específica da garantia fundamental da proporcionalidade - o que levaria a interpretação dos textos legais aos velhos moldes do positivismo e da escola exegética.

Para que as decisões sejam válidas sob a ótica constitucional, é imperativo que o aplicador, antes de restringir qualquer garantia fundamental para se atingir determinado fim, faça uma avaliação criteriosa, uma releitura das antigas regras processuais, pelas lentes da proporcionalidade, extraindo a norma que regulará cada caso em concreto.

Em se tratando de restrição de liberdade antes do trânsito em julgado – prisão cautelar - a proporcionalidade - e seus subprincípios, ou elementos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – permite que o intérprete faça um juízo da real necessidade da prisão. Ele deve perguntar se: 1) Qual o fim pretendido? Com o meio escolhido (prisão cautelar) alcançarei ao fim pretendido? 2) Há outro meio (medidas cautelares substitutivas) que não a prisão cautelar para se chegar ao mesmo fim? 3) O fim a ser alcançado é tão importante que justifica a restrição a liberdade?

O aplicador da Lei (ou o intérprete) verifique a validade dos requisitos das prisões cautelares através da proporcionalidade. E, utilize a proporcionalidade (seus subprincípios) como requisito constitucional ao decretar ou manter a prisão cautelar.

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PATENTES DE INVENÇÃO NO BRASIL: A FALTA DE NORMATIZAÇÃO A RESPEITO DAS PRÁTICAS ANTI­COMPETITIVAS E AS CLÁUSULAS RESTRITIVAS

NOS CONTRATOS DE LICENCIAMENTO

Priscila Souza da Silva1

RESUMO: O presente artigo sinaliza a necessidade de normatização acerca das práticas anti-competitivas e cláusulas restritivas nos contratos de licenciamento de patentes de invenção no Brasil. Apesar do Acordo TRIPS, do qual o Brasil é signatário, ter identificado que várias práticas estavam gerando prejuízos aos direitos de propriedade intelectual, à concorrência, o comércio e impedindo o a transferência e disseminação de tecnologia, a legislação brasileira não vem acompanhando tal disciplina, porquanto inexiste no ordenamento jurídico pátrio qualquer controle expresso de práticas de concorrência desleal nos contratos de licença de invenção. Tal carência normativa enfraquece a própria disciplina internacional, a ponto de naufragar o seu verdadeiro objetivo, a segurança jurídica dos contratos de licenciamento de invenções e harmonização das normas sobre propriedade intelectual.

PALAVRAS-CHAVES: Patentes de invenção. Contratos de licenciamento. Práticas anti-competitivas. Ausência de norma interna.

ABSTRACT: This paper indicates the necessity of regulation on anti-competitive practices and restrictive clauses in licensing agreements for patents in Brazil. Although the TRIPS Agreement, of which Brazil is a signatory, have identified several practices that were causing damage to intellectual property rights, competition, trade and preventing the transfer and dissemination of technology, Brazilian law has not kept up such discipline, because does not exist in Brazilian law any control express unfair competition in the license for invention. Such deficiency weakens the normative discipline internationally as to sink its true objective, legal security of licensing of inventions and harmonization of intellectual property’s protection.

KEY-WORDS: Licence for invention. Patents. Anti-competitive practices in Brazil.

1 Advogada inscrita na Seccional Paraíba, Pós-Graduanda em Ministério Público, Ordem Jurídica e Cidadania pela FESMIP-PB

C O M E N T Á R I O S E P A L E S T R A S

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1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos séculos, a humanidade vem sendo permeada pela atividade inventiva de “homens com intelecto muito aguçado, capazes de inventar e descobrir vários artifícios engenhosos” (BARCELLOS, 2007, p.21), tais como: o eletroscópio (William Gilbert – 1600); telégrafo (Joseph Henry e Samuel Morse – 1835); o dínamo (Siemens – 1867); o telefone (Alexandre Graham Bell, patente US 174.465 de 07/03/1876); o elevador (Elisha Graves Otis, patente US 31.128, de 15/01/1861); a lâmpada elétrica (Thomas Alva Edison, patente US 223.898 de 27/01/1880), etc. (BARCELLOS, 2007, p.22)

É certo que, em razão dos estudos, indagações e árduos experimentos, aquele que cria algo novo e o torna público, contribui para o desenvolvimento tecnológico e econômico de um país ou mesmo do mundo, e merece obter, caso preencha os requisitos legais da aplicação industrial, novidade e atividade inventiva, um privilégio temporário para lhe certificar que terceiros, sem autorização, não possam fazer uso de sua “tecnologia”.

Não se pode olvidar que a proteção dos inventos, por meio da carta ou registro de patente, acaba por criar um monopólio privado provisório, haja vista que assegura ao titular do direito sobre a patente a exclusividade da exploração. Em outras palavras, tal cobertura garante o uso, a fruição e, também, a possibilidade de transferir a terceiros parcial (contratos de licenciamento) ou totalmente (contratos de cessão) esses direitos, já que boa parte das invenções implicam em altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Na hodierna conjuntura mundial, a Era do “tecno-globalismo”(LASTRES, 1999, p.21), os avanços na ciência e na técnica – produtos da genialidade inventiva do homem – vêm contribuindo para a aceleração da globalização econômica, de forma que a busca pela obtenção de patentes de invenção e o número de contratos de exploração deste direito de propriedade industrial têm aumentado vertiginosamente.

Segundo dados da Organização Mundial de Propriedade Intelectual2 (OMPI), no ano 2007, foram depositados cerca 158.400 pedidos de patente através do Patent Cooperation Treaty (PCT). No Brasil, conforme o Instituto Nacional da Propriedade Industrial3 (INPI), entre os anos de 1997 e 2007, foram depositados 69.791 pedidos de depósito de patentes de invenção.

Neste espectro, é perceptível que as patentes importam em um diferencial competitivo ao industrial. Na medida em que aumentam os interesses pelo registro das invenções, instigam-se, outrossim, os ideais de concorrência, o que, não raras vezes, gera conflitos envolvendo produtos e processos patenteados e o surgimento de práticas tendenciosas à manipulação do mercado, tais como: vendas casadas, patent pooling, cross licensing, imposição de royalties além ou depois da expiração da patente, etc.; ou mesmo de restrições excessivas à exploração nos contratos.

Com efeito, apesar da valorização dos interesses sobre as patentes de invenção, das perpectivas comerciais e dos vários acordos internacionais, no Brasil, ainda são insuficientes os estudos sobre o assunto, por força, talvez, da nebulosa relação entre Direto e tecnologia.

2 World Patent Report: a statistical review (2008).Disponível em:http://www.wipo.int/ export /sites/ww w/ipstats/en/statistics/patents/pdf/wipo_pub_ 931.pdf> Acesso em: 12 de dezembro de 2008.3 Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-esquerdo/ instituto/ resolveUid/ 37f40ccbbec76f54b63 ae770dea96de7> Acesso em 12 de dezembro de 2008.

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Desta feita, a abordagem do tema apresenta extrema relevância acadêmica, jurídica e social, porquanto visa analisar as nuanças do direito sobre patentes de invenção e a concorrência, e identificar as principais práticas e cláusulas prejudiciais à competitividade, mormente no momento em que o Governo Federal está estimulando a criatividade das empresas nacionais através de parcerias com as universidades e instituições de pesquisa, mediante incentivos fiscais ao patenteamento internacional das criações nacionais (art. 40 da Lei nº 10.637/2002), e impulsionando a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo (Lei nº 10.973, de 02/12/2004), o que, em tese, ensejará a formação de novos contratos de exploração dos direitos exclusivos.

2 PATENTES DE INVENÇÃO E O PROBLEMA DA FALTA DE NORMATIZAÇÃO INTERNA SOBRE PRÁTICAS ANTI-COMPETITIVAS

Inicialmente, convém explicitar que as patentes – importante meio impulsionador do crescimento econômico (SCHUMPETER apud CHINEN, 1997, p.52) – são concedidas àqueles que, ao criar algo novo, seja um produto ou processo, preencham os requisitos da aplicação industrial, novidade e atividade inventiva, de forma que estes possam ter a oportunidade de ressarcimento dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento e dos custos de aplicação industrial de sua inovação (FURTADO, 1996, p.42).

Tal concessão visa estabelecer, assim, um privilégio de exploração da patente, durante certo lapso de tempo, a fim de que do invento terceiros não possam fazer uso sem autorização do titular do direito. Neste sentir, trecho do caso Sears, Roebuck Co. V. Stiffel Co. travado na Suprema Corte dos Estados Unidos:

As patentes não são dadas como favores, como eram os monopólios dados pelos monarcas da dinastia Tudor, mas têm por propósito incentivar a invenção recompensando o inventor com o direito, limitado a um termo de anos previstos na patente, pelo qual ele exclua terceiros do uso de sua invenção. Durante esse período de tempo ninguém podem fazer, usar, ou vender o produto patenteado sem a autorização do titular da patente. (Sears, Roebuck & Co. V. Stiffel Co apud BARBOSA, 2005, p. 15)

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, trouxe o tratamento específico da matéria, e, mais adiante, em seu art. 170, assegurou a livre iniciativa e a livre concorrência:

Art. 5º. Omissis

[...]

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento econômico do País;

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Art. 170. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa , tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

IV – livre concorrência;

Quanto à coexistência de tais direitos na Carta Magna, Milton Lucídio Barcellos (2007) tece importantes considerações:

[...] não se pode dizer que o direito de propriedade temporária sobre uma invenção corresponde a uma “espécie de exceção à livre iniciativa”, mas sim que o direito sobre uma patente é limitado pelo direito à livre iniciativa, assim como o direito à livre iniciativa é limitado pelo direito sobre a patente. Isso quer dizer que o que é vedado é o abuso de um lado e de outro, de modo a não existir um direito que funcione como “exceção” ao outro, até mesmo porque está a se falar de direitos colocados lado a lado pelo legislador constitucional.

Com efeito, em virtude da intensificação do número de depósitos de patentes de invenção e do acirramento da concorrência, os privilégios patentários têm se tornado, frequentemente, objeto impulsionador de práticas anti-competitivas e de dominação de mercado, como pontuam Guillermo Carbanella de Las Cuevas:

Sem embargo, as patentes – como qualquer outro bem – podem servir como instrumento para realização de condutas anticompetitivas ilícitas. As patentes podem ser utilizadas para criar efeitos anticompetitivos que vão mais além do inerente ao direito de propriedade legitimamente patenteado: Assim, por exemplo, a obtenção de uma patente pode conduzir um monopólio legal sobre um invento, e o exercício desse direito exclusivo será lícito, por estar justificado pelo direito de patentes. No entanto, se acumularam todas as patentes necessárias para operar em um setor, cria-se um efeito econômico em dito setor que está além do direito de patentes e deve ser julgado à luz do direito de concorrência. Deverá, assim, determinar-se de que maneira se levou a essa acumulação de patentes – por esforço criativo próprio ou mediante cessões, etc, que uso se faz dessa acumulação – outorgando licenças, ou pelo contrário utilizando as patentes para criar pressões adicionais tendentes ao desaparecimento de possíveis competidores, e, em geral, de que forma se configuram os extremos característicos das infrações ao direito de concorrência. (CUEVAS apud BARBOSA, 2005, p. 30)

A propósito do tema, Adam Jaffe e Josh Lerner também esclarecem:

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Ainda mais preocupante, algumas empresas têm claramente deixado de enxergar as patentes como armas defensivas (para serem usadas para proteger de inovações das empresas da imitação de outras empresas) e ao invés disso como armas ofensivas (para serem usadas como ameaças e para interromper os planos em andamento e futuros dos concorrentes). (JAFFE; LERNER apud BARCELLOS, 2007,p.69)

Nesta senda, os contratos de licenciamento de patentes - que autorizam a exploração do objeto correspondente pelo licenciado, mediante o pagamento de royalties – por representarem os principais mecanismos de transferência de tecnologia, mereceram olhares atentos na Rodada Uruguaia de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, de modo que restou instituído o Acordo TRIPs, e, dentre outras coisas, ficaram estabelecidas as diretrizes para o controle das práticas de concorrência desleal nos contratos de licença:

Art.40.1 Os membros concordam que alguma práticas ou condições de licenciamento relativos a direitos de propriedade intelectual que restrigem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia.

Art.40.2 Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivos, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro.

O Acordo TRIPs inaugurou, portanto, uma nova fase de tratamento à proteção da propriedade intelectual, de modo que as legislações dos países membros, tais como Brasil, apesar de não serem obrigados a modificar suas normas internas, devem se posicionar de forma mais repressiva frente ao monopólio invasivo determinado pelas práticas e cláusulas restritivas nos contratos de licenciamento de patentes de invenção.

Assim, há uma aceitação uniforme de que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual – quando vierem a restringir a concorrência- podem afetar adversamente o comércio, trazendo assim à pauta o os acordos da WTO. Além disso, tais disposições contratuais ou práticas podem impedir a transferência e disseminação de tecnologia. (BARBOSA, p.6)

De fato, o ordenamento jurídico pátrio conta com o Código de Propriedade Industrial (CPI - Lei nº 9.279/1996) e com a lei de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo (Lei nº 10.973/2004).

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Todavia, a legislação infra-constitucional vigente não contém dispositivos balizadores para identificar as práticas anticoncorrenciais e quais seriam as cláusulas restritivas dos contratos de exploração parcial das patentes de invenção, estando limitado o Código de Propriedade Industrial apenas a prescrever que “o aperfeiçoamento introduzido em patente licenciada pertence a quem o fizer, sendo assegurado à outra parte contratante o direito de preferência para seu licenciamento” e o art. 21, inciso XVI, da Lei nº 8.884/94, a enunciar que caracteriza infração a ordem econômica “açambarcar ou impedir a livre exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia”.

A omissão legislativa leva a crer que o Acordo TRIPS perde força e eficácia dentro das fronteiras inventivas no Brasil, pois não há imposição nem segurança jurídica quanto ao controle de práticas de concorrência desleal nos contratos de licença de invenção.

Fica, então, o clamor de que o legislador pátrio, no anseio de garantir melhor disciplinamento das práticas anti-competitivas relacionadas às patentes de invenção, reformule ou edite norma expressa para este fim.

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POR QUE OS PROJETOS DE CRIMES DIGITAIS NÃO SE TORNAM LEIS ?

Alexandre Atheniense1

Há dezesseis anos estudo, por dever acadêmico e profissional como advogado que atua diariamente no enfrentamento dos crimes cibernéticos, a tramitação de diversos projetos de lei sobre a tipificação dos crimes cibernéticos no Brasil. Após participar de audiências públicas no Congresso Nacional, vários eventos debatendo sobre o tema e manter contato direto com todos os grupos envolvidos na defesa de seus interesses, percebi há muito tempo que esta discussão havia se afastado do plano técnico, jurídico e filosófico para se tornar apenas um nítido confronto político.

De um lado o PSDB, representando pelo deputado Eduardo Azeredo, que sustenta a aprovação do PL 84/1999, cuja atual redação foi compilada a partir de outros projetos sobre o mesmo tema, que já tramitam no Congresso Nacional há 16. O primeiro deles foi o PL 1.713, de 1996, de autoria do deputado Cássio Cunha Lima, que havia sido arquivado em decorrência do término da sua legislatura. Em contraponto se situa o PT, alinhado com os interesses do governo federal, notadamente com maior peso na negociação política, além do comando de toda a infraestrutura de tecnologia da informação em nosso país. Fica claro que este grupo político age com uma estratégia de articulação bem mais proativa, sustentada com campanhas ilustradas com palavras de efeito midiáticas como: AI-5 Digital, Ciberativismo, Política 2.0, Mega Não. Estas táticas geram mais relevância na presença online, além de promoverem articulação e engajamento de seguidores mais eficiente da defesa de uma causa no meio digital, dinamizando a propaganda ideológica e política na defesa de seus interesses. Esta causa é fundamentada, dentre outras hipóteses, na aplicação da Teoria do Direito Penal Mínimo para os crimes praticados no meio eletrônico. Os princípios que norteiam esta teoria são os seguintes:

1. Princípio da insignificância – somente os bens jurídicos mais relevantes é que devem ser tutelados pelo Direito Penal;

2. Princípio da intervenção mínima do Estado, por meio do Direito Penal – em outras palavras, o Estado não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, de forma a tirar-lhe a liberdade e autonomia, deve sim, só fazê-lo quando efetivamente necessário.

Nesta tema, pode parecer, a priori, que o governo federal esteja de fato preocupado em defender as liberdades individuais, para sustentar que a internet é um mundo à parte e nem todas as condutas ilícitas existentes no mundo presencial devam ser criminalizadas quando praticas pelo meio eletrônico. Mas na prática, a situação pode ser analisada por outra ótica. É sempre bom lembrar que, em se tratando do exercício de poder no meio digital, quem detém exclusividade do comando da infraestrutura de tecnologia da informação, a exerce de forma muito mais eficiente ante qualquer garantia assegurada em texto de lei. Lawrence Lessig, meu ex-professor no Berkman Center na Harvard Law School me ensinou há vários anos: “The Code is Law”, ou seja, quem exerce

1 Advogado especialista em Direito Digital, sócio de Aristóteles Atheniense Advogados e coordenador da pós-graduação em Direito de Informática da ESA OAB-SP.

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o poder e tem sob o seu controle da arquitetura da rede e o código de programação de sistemas, sempre poderá tomar medias mais eficientes do que qualquer tutela assegurada na legislação.

Em outras palavras, o exercício do poder do controle sistêmico é muito mais eficiente do que a efetividade da lei. Os comandantes das estruturas sistêmicas que gerenciam a informação na mídia digital, se sobrepõem aos interesses de terceiros para monitorar, efetuar cruzamento de dados, efetivar decisões em defesa dos seus próprios interesses, não deixando indícios de acessos não autorizados e na manipulação ilícita de dados de forma anônima, sem perder o controle dos acessos e limitação de condutas.

Portanto, se o governo federal já exerce este controle da infratestrutura da tecnologia da informação, é natural que defenda a aprovação do menor número de crimes cibernéticos, ou mesmo que seja mantido uma legislação inadequada e omissa para apuração de autoria de ilícitos no meio eletrônico, bem como o abrandamento das penalidades, que na prática só teriam o efeito de mitigar o exercício do seu poder.

3. Princípio da Ofensividade – Isto é somente podem ser considerados como crimes as condutas que obstruam o convívio social. Diante da incidência desta hipótese é que se aplicaria a intervenção penal para punir o ilícito;

4. Princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos – o Direito Penal deve ser restringir apenas à tutela de bens jurídicos, não sendo legítimo a defesa da da moral, funções estatais, credo ou ideologia;

5. Princípio da Fragmentariedade – poderá ser compreendido em dois sentidos: a) Somente os bens jurídicos mais relevantes merecem tutela penal; b) Exclusivamente os ataques mais intoleráveis devem ser punidos com sanção penal.

6. Princípio da Adequação Social – preceitua a tese de que, apesar de uma conduta possa estar em concordância ao tipo penal, é recomendável deixar de considerá-la um ilícito quando socialmente adequada, ou seja, quando estiver de acordo com a ordem social.

Por esses motivos, o grupo petista defende estas estratégias, por meio da aprovação do PL 2.793/2011, de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), cuja íntegra retrata a adoção do menor número possível das condutas ilícitas originadas no meio eletrônico.

Essa defesa se sustenta no argumento de que várias condutas previstas no PL 84/1999 não violariam o ordenamento jurídico, seja pela irrelevância ou insignificância da conduta praticada.

Por este motivo, quanto menos tipos de crimes cibernéticos forem aprovados de imediato, e houver um retardamento propositado para aprovação de medidas eficientes para solucionar a investigação de autoria dos ilícitos praticados no meio eletrônico, irá favorecer aos interesses do grupo político que está alinhado ao governo federal, pois está estratégia irá blindar qualquer forma de mitigar o poder do comando sobre a estrutura de tecnologia da informação no país.

Daí se justificam as constantes medidas políticas do governo em retardar a tramitação do PL 84/1999 e a supressão de vários artigos que criavam tipos penais, com manobras para o adiamento de votações, sob o pretexto de que o tema ainda precisa ser debatido em audiências públicas após 16 anos de tramitação do projeto

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original tratando do tema. Não há mais controvérsia jurídica sobre o tema, mas a tão somente a prevalência do interesse político governamental de não criar uma lei adequada para os crimes cibernéticos.

O PL 84/1999 é muito mais abrangente em termos de criação de tipos de crimes cibernéticos em comparação com o PL 2.793/2011. Em contrapartida, o governo federal já anuncia na mídia que pretende aprovar a toque de caixa o PL 2.126/2011, o Marco Civil da Internet, em meados de 2012, sendo que o seu trâmite iniciou-se apenas há nove meses, em 24 de novembro de 2011. Várias audiências públicas estão sendo convocadas, mas os indicados para os debates são, em larga maioria os ciberativistas, para validar os interesses do governo federal.

O suposto motivo que teria causado o desate para este impasse político sobre a tramitação destes projetos teria sido causado a partir da repercussão do escândalo envolvendo o vazamento das fotos da atriz global Carolina Dieckmann. Como sabemos, a atriz foi vítima de acesso não autorizado ao seu computador por crackers, causando o vazamento das suas fotos íntimas na internet. Este foi o estopim para a convocação de um acordo entre os líderes dos partidos que objetivou a votação do projeto de Paulo Teixeira (PT-SP) na sessão desta quarta-feira (16/5), com a garantia simultânea que o projeto 84/1999, relatado pelo deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) na Comissão de Ciência, Tecnologia Comunicação e Informática na Câmara.

Segundo o regimento do Congresso Nacional, no estágio atual da tramitação do PL 84/1999, só seria possível modificar a atual redação pela supressão de alguns artigos. Por este motivo, para negociar o avanço do PL 84/1999, foi necessária a retirada deste projeto do dispositivo relativo a obrigatoriedade da guarda de logs dos provedores de acesso e aplicativos, para que este tema fosse tratado apenas no Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011) e o crime de acesso não autorizado que será discutido no PL 2.793/2011.

Quem trabalha no enfrentamento jurídico dos crimes cibernéticos sabe das vulnerabilidades existentes na atual condução do processo de identificação de autoria a partir dos indícios dos crimes praticados pelo meio eletrônico, causada pela não obrigatoriedade da guarda dos logs pelo provedores. Estes dados são indispensáveis para a investigação criminal. Se a obrigatoriedade de preservação, a grande maioria dos incidentes poderá terminar sem solução quanto à autoria. A atual redação em debate no PL sobre o Marco Civil da Internet é bem mais protetiva aos interesses dos provedores e não das vítimas dos crimes cibernéticos se comparado à versão que constava originariamente no PL 84/1999.

Diante desta negociação, a redação do PL 84/1999 foi mais uma vez reduzida, para manter apenas quatro pontos do texto original, ou seja: tipificar os crimes de clonagem de cartões de credito, racismo na internet, crimes militares e a criação de delegacias especializadas. Depois de aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia, o PL 84/1999 vai para a Comissão de Constituição e Justiça e segue para a sanção presidencial. Já o projeto do deputado Paulo Teixeira e PL do Marco Civil da Internet precisarão ainda de mais tempo para aprovação, pois ainda serão necessárias várias etapas para concluir o trâmite regimental e aprovação no Senado.

O resultado desta negociação deixa claro que o PT conseguiu êxito ao reduzir a amplitude do PL 84/1999, com a supressão de várias condutas ilícitas que poderiam ser aprovadas desde já, além de retardar a aprovação de outras, que ainda prescindirão da tramitação dos projetos de leis que se alinham com seus interesses.

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Ao contrário do que foi noticiado pela mídia, o efeito Carolina Dieckmann não causou a aprovação da lei de crimes cibernéticos, a partir de um projeto já existente, para definir desde já como crime a conduta de devassar dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores ou ainda adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular.

De fato, houve apenas um acordo para colocar o projeto de lei em votação em uma comissão do Congresso. Se depender do governo federal, essa tramitação ainda será bem demorada, até que o PL do Marco Civil da Internet seja aprovado antes dos projetos de lei sobre crimes cibernéticos.

Essa negociação entre os partidos, visando desatar o nó do impasse político e avançar a tramitação dos projetos sobre crimes cibernéticos, ao que me parece, foi apenas uma manobra política casuística para desviar a atenção da sociedade quanto à necessidade da aprovação imediata do PL 84/1999.

Dessa forma, foi amenizando o impacto de suposta impunidade aos agressores do escândalo Carolina Dieckmann na opinião pública, mas teve como pano de fundo a estratégia de manutenção dos interesses do governo federal em continuar a estratégia de criar todas as barreiras possíveis para manter a ineficiente legislação brasileira no combate aos crimes digitais em atraso de pelo menos 16 anos em relação aos países desenvolvidos.

Essa manobra governamental vem deixando a sociedade brasileira impotente e insegura, sem falar nos enormes prejuízos já registrados pela falta de punição dos infratores.

A permanecer a situação como está não teremos meios de mitigar ou controlar o poder daquele que tem legitimidade e efetivo comando sobre as nossas vidas no meio eletrônico.

O desvio de atenção da opinião pública quanto à divulgação de notícia inverídica de que havia sido aprovada uma lei para punir os infratores do mesmo tipo penal que vitimou a atriz Carolina Dieckmann é só um jogo de cena. O objetivo é desviar a atenção da necessária aprovação imediata de vários crimes previstos no PL 84/1999. E ao mesmo tempo continuar blindando o governo federal contra os riscos da eventual aprovação imediata do PL 84/1999, justificada pelos interesses já narrados anteriormente.

Apesar dessa situação, ainda sou otimista, embora fique indignado como o fato de que a tramitação de um projeto de lei tão relevante para a sociedade tenha que ser alavancada a partir de um escândalo de mídia nacional envolvendo uma atriz global…

Obrigado Carolina Dieckmann! A sociedade brasileira, a comunidade acadêmica e os profissionais que atuam no enfrentamento dos crimes digitais no Brasil lhe agradecem pela sua valiosa contribuição em prol da tutela dos direitos do cidadão brasileiros vítimas dos ilícitos praticados no meio eletrônico.

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OS TESTAMENTOS VITAIS E AS DIRETRIZES ANTECIPADAS

Carolina da Cunha Pereira França Magalhães1

A idéia de dignidade humana está associada à proteção das circunstâncias indispensáveis para uma existência plena de sentido. Essa idéia traduz o estado do homem enquanto indivíduo, afastando-o da condição de objeto à disposição de interesses alheios, impondo limites às ações que não consideram a pessoa como um fim em si mesma.

A Constituição Federal de 1988 consagrou no art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Em seguida, no art. 5º, III, preceitua que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”.

Segundo o Professor Oscar Vilhena Vieira, se olharmos a carta de direitos fundamentais, especialmente no art. 5º, encontraremos um razoável conjunto de direitos que circulam diretamente na órbita do direito à dignidade. Sustenta o professor que, em todas essas ocasiões, o constituinte está proibindo que a vida seja extinta ou que seja submetida a padrões inadmissíveis, da perspectiva do que se compreenda por vida digna.2

É nesse contexto que surge o embate Vida X Dignidade Humana quando nos propomos a investigar a validade dos testamentos vitais e das diretrizes antecipadas perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Os testamentos vitais, também conhecidos como living will, testamentos biológicos ou testament de vie, são documentos elaborados por uma determinada pessoa que, mediante diretrizes antecipadas, realizadas em situação de lucidez mental, declara a sua vontade, autorizando os profissionais médicos, no caso de doenças irreversíveis ou incuráveis, em que já não seja mais possível expressar a sua vontade, a não prolongarem o tratamento. Nesses casos, o paciente em fase terminal ou em estado vegetativo autoriza a suspensão de tratamentos que visam apenas a adiar a morte, em vez de manter a vida.

Em geral, estes testamentos aplicam-se nos casos de condições terminais, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que não possibilite a capacidade de a pessoa se recuperar e tomar decisões ou expressar seus desejos futuros. Nesse contexto, entra a aplicação do testamento vital, estabelecendo limites para aplicação do tratamento, a fim de que sejam tomadas medidas necessárias para manter o conforto, a lucidez e aliviar a dor, inclusive com a suspensão ou interrupção do tratamento.

Trata-se de um tema bastante delicado, em que, de um lado, encontramos a proteção à vida e, de outro, o direito a uma morte digna, com a libertação da dor que implica uma vida sem vida.

É certo que a vida é o bem maior, traduzindo-se como bem indisponível, da qual derivam todos os demais direitos. Contudo, de que vale a vida sem dignidade? Cabe aqui a indagação sobre a relativização desse 1 Advogada formada pela Universidade FUMEC, pós-graduada e especialista em Direito Civil pela FGV.2 VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais. Uma leitura da Jurisprudência do STF. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006, p. 67.

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direito nos casos de pacientes terminais, com doenças incuráveis ou em estado vegetativo. Essas pessoas não gozam da vida em sua plenitude. Não se pode afirmar sequer a existência de vida digna, pois o indivíduo se encontra privado de sua liberdade e do exercício de muitos de seus direitos.

Embora existam os adeptos da eutanásia, não se está aqui defendendo esta prática. Os testamentos vivos ou diretrizes antecipadas são instrumentos de manifestação de vontade com a indicação negativa ou positiva de tratamentos e assistência médica a serem ou não realizados em determinadas situações.3 Trata-se de uma escolha do paciente em se submeter ou não a determinado tratamento, que não lhe trará a cura, mas poderá adiar a sua morte.

Nesse contexto, assim como o paciente participa das decisões acerca do tratamento indicado pelo médico, emitindo a sua opinião sobre os procedimentos a serem adotados sobre a sua saúde e a sua vida, deve o médico, também, ouvir o paciente quando da indicação de determinado tratamento. Nesse contexto, assim como o paciente participa das decisões acerca do tratamento indicado pelo médico, emitindo opinião sobre os procedimentos a serem adotados quanto a sua saúde e vida, deve o médico, também, ouvir o paciente quando da indicação de determinado tratamento.

O médico de hoje, dentro das suas atribuições, indica e recomenda o tratamento adequado. O paciente, dentro da autonomia que lhe é assegurada, aceita ou não a recomendação, exercendo poder de escolha para tomar decisões sobre si.

Como dito, não se trata da eutanásia, cuja prática consiste em pôr fim à vida de um enfermo incurável, a seu pedido, em razão de um sofrimento insuportável, de maneira assistida, cujo ato é praticado por um terceiro.

Aqui estamos tratando da morte digna. O indivíduo acometido por uma doença grave e incurável, cujo tempo de vida contribui apenas para a sua degradação e sofrimento não pode ser ignorado. É ele quem padece da dor oriunda da sua enfermidade. Embora seja uma decisão difícil de ser aceita pela família, que deseja somente a presença do ente querido, fazendo de tudo para que ele aqui permaneça, em determinados casos, por melhor que sejam as intenções, esse desejo acaba por aprisionar o paciente, prolongando a sua dor. Aqui estamos tratando da morte digna. Não se pode ignorar a situação do indivíduo acometido por uma doença grave e incurável. O prolongamento do tempo de vida contribui apenas para a sua degradação e sofrimento. É ele quem padece da dor oriunda da sua enfermidade. Qualquer procedimento que tenha como objetivo encurtar a vida de um ente querido é difícil de ser aceita pela família. Ela deseja somente a sua presença. Faz de tudo para que ele aqui permaneça. Em determinados casos, por melhor que sejam as intenções, esse desejo acaba por aprisionar o paciente, prolongando a sua dor.

Embora a grande maioria da doutrina assegure a inviolabilidade da vida, não existem direitos absolutos. Os princípios da dignidade humana e da autonomia da vontade possuem valor igual ou, dependendo de cada caso, maior que o princípio da inviolabilidade à vida. Cada caso é único. E, de acordo com a história daquele indivíduo, devem ser sopesados tais princípios e valores.

3 RIBEIRO, Diaulas Costa in Família e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Organizador Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte, p. .275.

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Diaulas Costa Ribeiro, em artigo publicado nos Anais do V Congresso de Direito de Família, narra a história de Ramón Sampedro, que ficou paraplégico de 23 de agosto de 1968 a 12 de janeiro de 1998, lutando durante esses 29 anos pelo direito de obter sua liberdade, “aprisionada num corpo morto”. Em seu artigo, o autor transcreve uma carta de Ramón:

“É um grave erro negar a uma pessoa o direito a dispor da sua vida porque é negar-lhe o direito a corrigir o erro da dor irracional. Como bem disseram os juízes da Audiência de Barcelona: viver é um direito, mas não uma obrigação. Todavia, não o corrigiram, nem ninguém parece responsável para corrigi-lo.

Aqueles que esgrimem o direito como protetor indiscutível da vida humana, considerando-a como algo abstrato e acima da vontade pessoal, sem exceção alguma, são os mais imorais. Poderão disfarçar-se de doutores em filosofias jurídicas, médicas, políticas ou metafísico-teleológicas, mas desde o momento em que justifiquem o absurdo, transformam-se em hipócritas.

A razão pode entender a imoralidade, mas não pode nunca justificá-la. Quando o direito à vida se impõe como um dever, quando se penaliza o direito à libertação da dor absurda que implica a existência de uma vida absolutamente deteriorada, o direito transformou-se em absurdo, e as vontades pessoais que o fundamentam, normativizam e impõem em tiranias”.4

A questão é delicada, pois a vontade declarada do paciente nada mais é do que o seu posicionamento diante desse embate. Nesse aspecto, a morte digna desejada pelo indivíduo nada mais seria do que deixar a natureza agir por si própria, no que a medicina não pode remediar.

Não se trata de fazer cumprir a declaração de vontade do indivíduo nos moldes por ele deixados, mas realizá-la dentro dos limites impostos pela lei. Sendo assim, os testamentos vitais poderiam ser feitos e cumpridos apenas nos casos de doenças irreversíveis ou terminais, cujo tratamento destinado a prolongar a vida do enfermo provocaria, inevitavelmente, dor e sofrimento.

No caso de o paciente solicitar a eutanásia ativa, por exemplo, o médico estaria proibido de executá-la, pois é ilegal no Brasil. Porém, nos casos em que a doença levar inevitavelmente à morte, o direito de autodeterminação do paciente deve ser respeitado.

De fato, não é possível a previsão de todos os casos pela lei. Cada quadro clínico tem um desenvolvimento próprio. Porém, compete à família e ao corpo clínico responsável avaliar a situação, verificando se a vontade do paciente se enquadra dentro dos limites previstos pela lei.

Para isso não basta apenas o desejo de não sofrer, mas o desejo de não ver prolongada uma vida de dor, quando existe a certeza da irreversibilidade da doença.

4 RIBEIRO, Diaulas Costa in Família e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Organizador Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte. P.279.

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Curso de direito processual do trabalhoGustavo Filipe Barbosa GarciaEditora Forense

A obra foi escrita com o objetivo de apresentar um estudo diferenciado e completo da matéria pertinente ao Direito Processual do Trabalho, procurando analisar os diversos temas de interesse, mediante enfoque atualizado da doutrina e da jurisprudência. Procurou-se atender às necessidades do estudante universitário, daqueles que se preparam para as carreiras jurídicas e aos concursos públicos, dos profissionais do Direito, dos alunos de Pós-Graduação e de todos os que se interessam pelo Direito Processual do Trabalho. Com esse intuito, a matéria é examinada nos enfoques não apenas conceituais, mas segue aprofundando a análise das questões de interesse, enfrentando, ainda, as diversas controvérsias verificadas na atualidade.

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Temas de Direito do Trabalho Contemporâneo Coordenadores: Dayse Coelho de Almeida, Jardson Cruz, Jorge Luis Machado, Paula Oliveira Cantelli e Sérgio Coutinho Editora Juruá

O livro apresenta diversos artigos com temas relevantes ao estudo do direito do trabalho, dentre eles: o Direito ao Trabalho Pós-moderno e o Direito Pós-moderno à Incerteza no Trabalho; A Constituição do Sujeito do Poder nas Organizações; O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e a (Des)Aplicação às Relações de Trabalho; O Poder Empregatício no Brasil e o Controle do uso de Drogas por meio de Exames Toxicológicos; O Trabalhador Indígena e o Direito à Diferença: o Caminho para um Novo Paradigma Antropológico no Direito Laboral.

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Separação, divórcio e inventário por via administrativa Maria Luiza Póvoa Cruz Editora Del Rey - 4ª edição

A obra traz a lume questões doutrinárias e recentes entendimentos jurisprudenciais de nosso país, inclusive a Emenda Constitucional 66/10, que deu nova redação à Constituição Federal. Aborda a Lei 11.441/2007 de forma objetiva e sucinta e sua implicação no âmbito do direito de família e do direito das sucessões. A experiência da autora como julgadora, advogada e professora foram fundamentais para o desenvolvimento de novas vertentes, no tocante à matéria.

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Teoria geral do processo Paulo Roberto de Gouvêa Medina Editora Del Rey

O livro se destina, principalmente, aos estudantes do curso de graduação em Direito, podendo servir de livro-texto, na disciplina Teoria Geral do Processo. Seu escopo é o de proporcionar, ao leitor, noções básicas da matéria, escritas em linguagem acessível e didática, fundadas na boa doutrina, com informações sobre a jurisprudência em torno de pontos mais discutidos.

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Duas margens: ideias jurídicas e sentimentos políticos no Brasil e em Portugal na passagem à modernidade Gizlene Neder Editora Revan

Nesta pesquisa de pós-doutorado, realizada com o apoio da Fundação Gulbenkian, Gizlene Neder realiza análise histórica comparada com foco em dois intelectuais do campo jurídico que muito interessam a portugueses e brasileiros: Paulo Merêa, historiador das ideias políticas, e Clóvis Beviláqua, jurista, responsável pelo primeiro Código Civil do Brasil (1916). O foco da análise está dirigido para temas que foram tratados no contexto na terceira escolástica: secularização da família, separação da Igreja do Estado, registro civil obrigatório para os nascimentos, secularização dos cemitérios com o registro civil dos óbitos. Neste rol temático comparecem ainda as questões da responsabilidade parental, da condição feminina, da filiação.

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A Sustentabilidade ambiental em suas múltiplas faces Organizador: Nilton Cesar Flores Editora Millennium

Obra coletiva tem como escopo divulgar reflexões e pesquisas de estudiosos a cerca da importância da sustentabilidade para o desenvolvimento econômico – almejado por todos os países - e a necessidade premente de se proteger os recursos naturais de tal sorte que todos os seres vivos e o Meio Ambiente saiam ganhando. Assim como as questões ambientais não podem se fechar na seara normativa e interpretativa do Direito, esta obra também não se restringe aos estudiosos das Ciências Jurídicas, ou seja, é um trabalho aberto a todos aqueles que se preocupam com a construção de uma nova realidade ecológica, onde a Natureza passa a receber os merecidos cuidados.

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Tramas entre subjetividades e direito: a constituição do sujeito em Michel Foucault e os sistemas de resolução de conflitos Gabriela Maia Rebouças Editora Lumen Juris

A autora foca suas preocupações na seguinte discussão corolária: a construção da subjetividade nos cânones modernos não dá conta da pluralidade não apenas no que tange à própria subjetividade, como dito anteriormente, mas na reverberação de tal problema no direito e, mais especificamente, nas formas de solução de conflitos, que estão em devir, quase como mutantes que se teleportam para outros lugares ainda não imaginados pela concentração estatal da pretensão de monopólio da chamada jurisdição.

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Lições de direito do consumidor Afrânio Carlos Moreira Thomaz 2ª edição Editora Lumen Juris

A presente obra, como o leitor perceberá, é de importante e fundamental leitura, revelando a preocupação sentida pelo autor com o tratamento dispensado pelo legislador ao CDC surgido com Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 e que, nos seus quase vinte anos tem se mostrado eficaz na proteção e defesa dos direitos dos consumidores, na luta travada contra os abusos cometidos nas relações jurídicas de consumo.

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