atribuições de sentido sobre a moda: influência midiática...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 Atribuições de sentido sobre a Moda: Influência midiática e o discurso da Faculdade Santa Marcelina 1 KONOPKA, Regiane 2 MERTEN, Luiza 3 Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP Resumo Neste artigo, refletiremos sobre o imaginário social sobre a Moda do ponto de vista da idealização construída pela mídia e reforçada pelo discurso da faculdade Santa Marcelina, em referência ao cotidiano dos profissionais desta área. Interessa-nos também compreender o consumo das representações midiáticas e as atribuições de sentido feitas pelos estudantes da graduação em moda à carreira fashion. Palavras-chave: Comunicação e Consumo; Moda; Imaginário. Educação. O surgimento dos primeiros cursos de moda no Brasil . Até o final dos anos 1980, o Brasil operava em um regime de proteção de mercado, dado que entre 1974 e 1989 existiam restrições à entrada de empresas estrangeiras e à importação no país. O resultado dessa economia fechada era uma indústria nacional obsoleta e sem condições de competição com outros países que no período pós-guerra investiram na modernização do setor têxtil. (SIENA, NOGUERA, MORAES e NETO, 2007). De acordo com Gorini (1998) e Marinho (2005), foi necessário um processo de restruturação, modernização e adoção de novas técnicas de gestão a fim de adequar o mercado local ao padrão internacional. Com a abertura de mercado em 1988, a estabilização da moeda nacional e consequente ampliação do consumo, entrou em curso um processo de transformação estrutural na cadeia têxtil nacional em resposta a uma nova lógica concorrencial que se estabelecia. O cenário de baixa competitividade gerava uma crise concorrencial e impunha desafios a serem superados, delineando um contexto de transformação e evolução que incluía uma necessidade imperativa de profissionalização, demandando a abertura de 1 Trabalho apresentado no GP GP Comunicação, Imagem e Imaginário do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Curso de Comunicação e Práticas do Consumo da ESPM-SP, email: [email protected] 3 Mestranda em Comunicação e Práticas do Consumo do PPGCOM ESPM-SP, bacharel em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela UFSM-RS, e-mail: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

Atribuições de sentido sobre a Moda: Influência midiática e o discurso da

Faculdade Santa Marcelina1

KONOPKA, Regiane2

MERTEN, Luiza3

Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP

Resumo

Neste artigo, refletiremos sobre o imaginário social sobre a Moda do ponto de

vista da idealização construída pela mídia e reforçada pelo discurso da faculdade Santa

Marcelina, em referência ao cotidiano dos profissionais desta área. Interessa-nos

também compreender o consumo das representações midiáticas e as atribuições de

sentido feitas pelos estudantes da graduação em moda à carreira fashion.

Palavras-chave: Comunicação e Consumo; Moda; Imaginário. Educação.

O surgimento dos primeiros cursos de moda no Brasil

.

Até o final dos anos 1980, o Brasil operava em um regime de proteção de

mercado, dado que entre 1974 e 1989 existiam restrições à entrada de empresas

estrangeiras e à importação no país. O resultado dessa economia fechada era uma

indústria nacional obsoleta e sem condições de competição com outros países que no

período pós-guerra investiram na modernização do setor têxtil. (SIENA, NOGUERA,

MORAES e NETO, 2007).

De acordo com Gorini (1998) e Marinho (2005), foi necessário um processo de

restruturação, modernização e adoção de novas técnicas de gestão a fim de adequar o

mercado local ao padrão internacional. Com a abertura de mercado em 1988, a

estabilização da moeda nacional e consequente ampliação do consumo, entrou em curso

um processo de transformação estrutural na cadeia têxtil nacional em resposta a uma

nova lógica concorrencial que se estabelecia.

O cenário de baixa competitividade gerava uma crise concorrencial e impunha

desafios a serem superados, delineando um contexto de transformação e evolução que

incluía uma necessidade imperativa de profissionalização, demandando a abertura de

1 Trabalho apresentado no GP GP Comunicação, Imagem e Imaginário do XVI Encontro dos Grupos de Pesquisa em

Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Curso de Comunicação e Práticas do Consumo da ESPM-SP, email: [email protected] 3 Mestranda em Comunicação e Práticas do Consumo do PPGCOM ESPM-SP, bacharel em Comunicação Social –

Publicidade e Propaganda pela UFSM-RS, e-mail: [email protected]

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cursos de moda brasileiros. Até então os profissionais dedicados à moda aprendiam com

a prática, sendo selecionados os que demonstravam talento artístico advindo das mais

variadas áreas. De acordo com Gibert (apud PIRES, 2002, p.2) “ (…) acorriam para

preencher os quadros das lides têxteis e de moda (…) arquitetos, pedagogos, psicólogos,

desenhistas industriais, economistas, artistas plásticos e advogados (...) carentes de

qualificação profissional específica”.

Do estudo realizado por Dorotéia Baduy Pires (2012) extraímos algumas

informações sobre o surgimento dos cursos de moda no Brasil. Em 1950, Gilda de

Mello Souza defende sua tese de doutorado na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras

da USP: “A moda no século XIX” – posteriormente publicada sob o título “O espírito

das roupas – A moda do século XIX”. Gilda foi pioneira na inserção da moda no meio

acadêmico brasileiro em uma época em que esta era considerada um assunto frívolo. Foi

somente a partir de 1967, quando Roland Barthes publicou Systeme de la Mode, que o

campo começou a adquirir alguma credibilidade no meio acadêmico. (PIRES, 2012).

Em 1967, Eugenie Jeanne Villien, professora suíça radicada no Brasil,

introduziu a disciplina de desenho de moda nos cursos de Bacharelado e Licenciatura

em Desenho e Plástica, na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. A inserção dessa

disciplina seria a gênese do primeiro curso superior de moda, que passaria a funcionar

em 1988 na mesma faculdade.

A partir da década de 1990 foram se estabelecendo novos cursos: Universidade

Anhembi-Morumbi (UAM), em 1990; Universidade Paulista (UNIP) (1991); Senac –

Moda (1999) Belas Artes em (2002), para citar os mais tradicionais. Tendo em vista

que não existia um curso de nível superior no campo da moda, o crescimento da oferta

de cursos a este campo relacionado no Brasil permite inferir a importância desse

mercado no país: em setembro de 2014, os cursos cadastrados no site do e-MEC

somavam 142, atendendo às modalidades bacharelado (B), tecnológico (T) e sequencial

(S), existindo já opções em quase todos os estados brasileiros, conforme figura 1.

(AGUIAR, 2015).

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Figura 1: Cursos de moda no Brasil. (AGUIAR 2015)

Em paralelo, além da demanda por profissionais, havia a preocupação por parte

das empresas em conquistar os consumidores. Com um mercado consumidor latente

após duas décadas de uma economia fechada havia, por um lado, consumidores

desejosos por inserir-se no universo da moda e, por outro, empresas em condições de

concorrência para conquistá-los. Nesse cenário, o mercado de moda cresce também

como anunciante e ganha, portanto, mais espaço midiático no país.

A moda e a mídia – A mídia da moda

A mídia mais tradicional para a divulgação da moda e suas variantes são, sem

dúvida, as revistas. E ainda que o tema já existisse em periódicos femininos desde o

século XIX, conforme coloca Tesser (2005, p.3), “nessa época, muitas donas-de-casa

costuravam seus próprios vestidos” e os anunciantes, portanto, eram, em sua maioria,

casas importadoras de moda, como Mappin Stores, Casa Bonilha, Casa Allemã, entre

outras. Os anúncios, por sua vez, eram, “de máquinas de costura, lojas de tecidos,

armarinhos em geral, ateliês de costura, roupas brancas (lingeries), chapéus e calçados,

meias de seda e os produtos de casas que importavam modelos de Paris.” (TESSER,

2005, p.3).

As publicações voltadas para o público feminino cresceram muito desde então e,

já na década de 40, segundo Tesser (2005, p.5), “o segmento feminino de revistas já

liderava a veiculação de anúncios”. Mas é a partir da segunda metade do século XX que

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se percebe uma mudança acelerada tanto no que diz respeito à natureza dos anúncios,

quanto ao perfil e à quantidade de anunciantes:

A grande imprensa feminina começa com Capricho, lançada em 1952 pela

Editora Abril, em São Paulo. A cada década, novas revistas vão surgindo:

Jóia, publicada a partir de 1957 pela Bloch Editores e que passou a chamar-se

Desfile em 1969; Manequim (1959), a primeira revista de moda da Editora

Abril; Cláudia (1961), que substitui o molde para costurar em casa pelo

endereço da confecção onde a mulher pode encontrar os modelos das

tendências da moda. (TESSER, 2015, p. 5)

Com a internacionalização da economia brasileira, iniciada no período

Kubitscheck, quando, como coloca Villaça (2007, p.173), desenvolve-se a indústria

automobilística e têxtil, as revistas nessa época tiveram o papel de acompanhar o

crescimento da indústria nacional e apresentar a moda dentro do estilo fabricado no

Brasil baseado em modelos europeus.

As revistas de títulos internacionais voltadas para a moda começam a chegar ao

Brasil nas décadas seguintes: Vogue Brasil é lançada em maio de 1975; Elle, em 1987, e

Marie Claire, em 1991. Em 2002, a Editora Abril traz ao Brasil a revista americana In

Style, que aqui recebeu o título de Estilo. (TESSER, 2015, p.6)

Nesse cenário de crescimento do mercado editorial, a diversidade de anunciantes

também aumenta, em especial nas últimas duas décadas do século XX. Segundo

Villaça, os anos 1980, no Brasil, foram marcados pela abertura econômica e pela

“sedimentação do mercado de moda”: “é a época do desenvolvimento das

multinacionais, dos shopping centers, e a importância das marcas” (VILLAÇA, 2007,

p.205). Os principais anunciantes, que até então eram tradicionalmente as indústrias de

fios e tecelagens nacionais, passam a dividir o espaço publicitário nos veículos com

marcas internacionais, com especial destaque para as marcas jovens, de jeans.

Simultaneamente, começam a ganhar força as marcas nacionais e autorais.

Na virada do século, consolida-se um mercado de moda brasileiro baseado,

conforme percebido por Villaça, tanto na produção nacional de fios e tecelagens, como

na abertura de lojas de marcas internacionais no Brasil, ou ainda no desenvolvimento e

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distribuição de marcas nacionais autorais4. Segundo a autora (2007, p.215), nessa época

“o Brasil se tornou lançador mundial de tendências moda praia, carro chefe da

estruturação da moda nacional”.

Quanto à mídia, é nessa época que as narrativas de moda começam a ultrapassar

o espaço das revistas, a mídia mais tradicional até então, e se ampliam: surgem e se

consolidam as primeiras semanas de moda nacionais5, que colocam a moda no radar da

grande mídia televisiva, o meio mais abrangente do país. Os desfiles passam a ser

mencionados na TV aberta, consultores de moda, como Constanza Pascolato e Gloria

Kalil ganham visibilidade em programas de variedades e canais voltados

especificamente para o público feminino, como o GNT, contemplam na grade

programas específicos sobre moda. O mais tradicional deles, GNT Fashion, está no ar

desde 19956.

Essas narrativas de moda, construídas para além dos anúncios tradicionais,

destacam os “bastidores” desse universo, descritos a partir de discursos caracterizados

pelo glamour, apresentando os profissionais de moda como mentores e criadores de um

grande show. Nesse cenário, muitos estilistas, como Alexandre Herchcovich, Ronaldo

Fraga, e Gloria Coelho ganham notoriedade. Ao mesmo tempo, modelos brasileiras

tornam-se referências de beleza em escala mundial, e o fenômeno das supermodelos7,

existente desde os anos 1960 (ganhando força nos anos 1980), passou a contar,

principalmente a partir dos anos 1990, com muitos nomes e corpos brasileiros.

Na primeira década do século XXI, acontecimentos e mudanças no campo da

economia e da cultura de uma forma geral impactam o mercado de moda. Algumas

dessas mudanças foram decorrentes do desenvolvimento e expansão das mídias digitais

e da popularização da internet, que assumem um papel mais central nas narrativas sobre

o universo de interesse neste artigo. Nesse cenário, surgem novas figuras, como as

4 Moda autoral gerando lucro. Juliana WeckiRevista Use Fashion, março de 2012, p.77. Disponível em:

<http://www.usefashion.com/ImagensPortal/journal/Marco2012/Default.html>. Acesso em: 14/07/2016. 5 Disponível em: <http://www.costanzawho.com.br/nostalgia/historia-do-spfw/> Acesso em: 14/07/2016 6Disponível em: <http://gnt.globo.com/moda/materias/por-tras-dos-panos-mostras-os-bastidores-do-

trabalho-de-grandes-estilistas.htm>. Acesso em: 14/07/2016. 7Disponível em: <http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/8-Coloquio-de-

Moda_2012/GT07/ARTIGO-DE-GT/103336_A_moda_das_modelos_e_as_modelos_da_moda.pdf>. Acesso em:

14/07/2016.

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blogueiras, cujo papel passa a ser similar ao que as mídias tradicionalmente tinham na

disseminação e legitimação das informações de moda e tendências.

Neste contexto, o que nos motiva neste trabalho é compreender de que forma o

glamour construído em torno da carreira profissional de moda pelos discursos

midiáticos é apropriado pelo discurso de faculdades de moda no Brasil, uma vez que

ambos estão em circulação na sociedade e fazem parte do universo cotidiano dos

estudantes ou daqueles que aspiram a uma carreira na área. Dado o limitado espaço de

discussão deste artigo, dedicamos nossa análise ao texto institucional de apresentação

do curso da mais antiga e uma das mais tradicionais faculdades de moda do país – A

FASM- Faculdade Santa Marcelina. Compreendemos que com esta limitação no corpus

a ser analisado, não esgotaremos o tema, mas entendemos que há algo significativo a ser

analisado nestes fragmentos discursivos.

Ao falarmos em discurso, é importante observar que o uso dos signos nunca é

neutro, ele é sempre simbólico e está sempre comprometido com os sentidos e o político

(ORLANDI, 2007). Na Análise de Discurso, “procura-se compreender a língua

enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem na

sua história. ” (ORLANDI, 2007, p.15), onde o discurso é um objeto sócio histórico.

Relacionando-se isso ao objetivo deste artigo, citamos Sousa (2006, p.219) para

quem, na contemporaneidade, os meios de comunicação se converteram nos principais

formadores do imaginário coletivo. Indo além, Mendonça diz que não mais podemos

ignorar que:

o caráter estruturante dos media faz com que seus conteúdos alimentem e

permeiem o tecido das representações sociais, passem a fazer parte das

orientações valorativas e do quadro de referências que são o núcleo mesmo

da cultura e direcionem as transformações culturais. (MENDONÇA, 2006,

p.35)

Os discursos midiáticos, portanto, além de exercerem influência sobre os

processos de construção e manutenção de ideologias, participam na composição de um

imaginário coletivo. No entanto, sabemos que os receptores estão inseridos na história,

vivendo em formações sociais, resultando que a leitura dos conteúdos midiáticos é um

diálogo entre o texto e o leitor, socialmente situado (FISKE, 2001), sendo a

subjetividade resultado da experiência social “real” e da experiência textual ou mediada.

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Dessa forma, a partir do que aponta Fiske (2001, p.63), não se pode tratar a mídia como

um discurso fechado, a partir do momento em que as ideologias dominantes são

disseminadas exercendo total influência sobre a recepção.

Dessa forma, buscamos, neste trabalho, conforme sugerem Martín-Barbero e

Rey (2001), uma reflexão crítica que não sobrevalorize nem demonize a mídia ou os

meios de produção, mas compreenda seu papel nas dinâmicas culturais e sociais.

Entendemos aqui, como proposto por Sousa (2006, p.221), que os meios de

comunicação são mediadores dos processos culturais e, atuando na esfera simbólica,

“lidam com um comum social de informações, valores e necessidades que constituem a

representação do que passa a ser buscado e circulado nas práticas cotidianas, segundo

tempo e espaços sociais definidos”.

Considerando que “como toda cultura, a cultura de massa elabora modelos,

normas” para as quais as imagens midiáticas aconselham, fazendo um apelo à imitação

(MORIN, 1997, p.109), podemos questionar os apelos gerados nas representações dos

profissionais de moda pela mídia, que, acreditamos, se refletem nos discursos

institucionais dos cursos de moda.

Vimos que o crescimento na oferta dos cursos de moda no país acompanhou um

momento histórico de desenvolvimento e profissionalização da indústria têxtil do país, o

que demandou profissionais qualificados para atuar no setor. É nesse momento que as

representações midiáticas dos profissionais de moda – de forma mais acentuada no que

diz respeito às modelos, mas também aos estilistas, consultores, produtores, fotógrafos,

e mais recentemente às blogueiras – passaram a desempenhar, especialmente nas

publicações especializadas, o papel de “olimpianos modernos”, celebridades – artistas,

campeões esportivos e políticos – que frequentam os cenários que compõem o

imaginário do “Olimpo” nas notícias:

olimpianas e olimpianos são sobre-humanos no papel que eles encarnam,

humanos na existência privada que eles levam. A imprensa de massa, ao

mesmo tempo em que investe os olimpianos de um papel mitológico,

mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana

que permite identificação. (MORIN, 2009, p. 105).

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O discurso da FASM

A fim de nos aprofundarmos no entendimento da formação do imaginário sobre

o trabalho com moda, nos parece fundamental atentarmos aos discursos sustentados

pelas faculdades que oferecem graduação neste área. Como recorte de estudo de nosso

objeto empírico, elegemos o texto institucional acerca do curso superior Desenho de

Moda, da Faculdade Santa Marcelina (FASM). Tomamos como corpus os textos e

imagens publicados na homepage da referida instituição8 por este ser um espaço

amplamente utilizado na busca de informações pelos jovens. Analisamos os textos e

imagens que se referiam à descrição geral do curso, categorizados na página como:

“Apresentação”, “Diferenciais”, “Mercado de Trabalho”, além do “Folder resumido”.

Ainda antes dos elementos textuais, destaca-se uma imagem que abre a página

de apresentação do curso:

Figura 2: Fotografia da página inicial de apresentação do curso de moda FASM .

Fonte: http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda

A foto é o primeiro contato que o leitor tem com a descrição do curso no site.

Por meio de uma imagem conceitual, a narrativa se impõe: remete a um editorial de

moda, demarcando um posicionamento vanguardista e artístico, pois a moda é uma

indústria que mesmo antes de apresentar seu produto sabe explorar o poder de uma

imagem. A partir dessa foto, o futuro graduando já é capaz de imaginar-se como

potencial criador do espetáculo da moda.

8 http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda Acessado em 04/03/2016.

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Avançando na homepage para os textos relativos à “Apresentação do curso”9

temos:

Com mais de 25 anos de tradição, o curso de Moda da Santa Marcelina é

reconhecido pelo pioneirismo, tradição e formação de profissionais

criativos e empreendedores. Os alunos formados pela FASM levam para o

mercado ideias com linguagem inovadora, conquistando resultados

significativos que são reconhecidos pelas empresas, mídia e pelas

associações de classe do setor (grifo nosso)

A FASM promete a “formação de profissionais criativos e empreendedores”,

citando também como habilidade de seus egressos uma “linguagem inovadora”. Aqui, o

uso destas palavras corrobora com o imaginário criado pela mídia, que costumeiramente

representa o trabalho com moda como não-convencional. Também chama atenção a

retórica de um discurso mercadológico com a afirmação que seus egressos obtêm

“resultados significativos reconhecidos por empresas e mídia” como se, formados pela

instituição e trabalhando no campo da moda, obtivessem um passaporte para a fama e o

reconhecimento. Os discursos remetem a uma esfera cool que permearia o trabalho com

moda, diferenciando-o de outras carreiras tidas como tradicionais. A menção aos 25

anos da instituição reafirma seu posicionamento como instituição consagrada e

acadêmicos egressos da faculdade incorporam este capital institucional.

Ainda na página inicial do curso de moda, no item “Diferenciais”, a retórica

sobre a inovação e o reconhecimento alcançado pelos egressos se repete:

Os jovens formados pela FASM levam para o mercado ideias com

linguagem inovadora e de ponta provocando a quebra de estruturas rígidas,

conseguindo assim resultados significativos que são reconhecidos pelo

empresariado, pela mídia e pelas associações de classe do setor.10

Esses expedientes textuais vão sendo reafirmados: a inovação segue como tema

destaque, um discurso que pode ser considerado inerente ao universo fashion uma vez

que explica o ritmo de modificações característico da moda já tratado por diversos

prismas na fala de autores como Simmel (2008), e Lipovestsky (2009). Reiteram-se o

9 Transcrição do texto: “Apresentação do Curso de Moda da FASM”. Disponível em:

<http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda>.

10 Parte do texto “Diferenciais”. Fonte: http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda

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reconhecimento obtido pelos egressos frente ao mercado e à mídia, afirmando-se que a

profissão permite “quebra de estruturas rígidas”.

A prática de leitura discursiva, conforme Orlandi:

consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o

que é dito de um modo e o que é dito de outro, procurando escutar o não-dito

naquilo que é dito, como uma presença de uma ausência necessária. Isso

porque [...] só uma parte do dizível é acessível ao sujeito pois mesmo o que

ele não diz (e muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.

(ORLANDI, 2007, p.34)

Nesse sentido, podemos analisar que, entre os não-ditos do texto, está a tentativa

de distanciar a moda das carreiras tradicionais, como se a rotina laboral deste meio fosse

completamente distinta dos expedientes de outras profissões, sugerindo uma esfera de

liberdade que nem sempre é real dentro de empresas, até porque a indústria da moda,

inserida nas lógicas do mercado, obedece a estruturas comuns a qualquer outra

indústria.

Por outro lado, entre os ditos presentes no texto, chama a atenção o material

informativo que discorre sobre o proeminente mercado de trabalho para os egressos do

curso:

O egresso do curso Bacharelado em Desenho de Moda estará preparado para

atuar em um vasto campo de atividades como: Diretores de criação,

Diretores de coleção, Gerentes de desenvolvimento de produtos de moda, Estilistas e criadores, Designers de têxteis, joias e acessórios, Coordenadores

de Moda, Produtores de Moda para as mídias impressas, televisivas,

cinematográficas e eventos, como feiras e desfiles, além de também poder

atuar enquanto Consultores de moda. (grifo nosso)11

De acordo com o texto, o egresso se forma preparado para assumir posições

como diretores, gerentes e coordenadores, funções de destaque nas hierarquias e

estruturas das empresas, que geralmente são alcançados após anos de prática. Neste

ponto do texto, destacamos a diferença em relação à retórica da “quebra de estruturas

rígidas”, pois, ao contrário, o discurso idealiza um futuro profissional não apenas

inserido nessa lógica, mas também em altos escalões empresariais.

11 Parte do texto “Mercado de Trabalho”. Fonte: http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda

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No folder resumido sobre o curso, destacam-se nomes de profissionais famosos

do universo fashion, egressos da faculdade, como uma forma de reforçar a promessa de

um reconhecimento midiático aos formados.

“A FASM já formou muitos dos principais nomes da Moda, como

Alexandre Herchcovitch; Carina Duek, Cynthia Hayashi, Maria Prata –

editora da Harper Bazar Brasil; Sandra Bittencourt, editora de Moda da Marie

Claire.”12

Nesta fala, a faculdade usa como chamariz a fama dos ex-alunos e, ao dizer

dessa forma, sugere mesmo que em entrelinhas a possiblidade de que o futuro

graduando pode, também ele, tornar-se o novo nome no cenário fashion, cenário este

constituído a partir de um imaginário. Analisando sob a ótica de Morin, os profissionais

de moda com visibilidade na mídia carregam o imaginário de sucesso, de tal forma que

sua carreira amplamente divulgada passa a tornar-se objeto de aspiração de seu público

e seu comportamento um modelo para aqueles que neles se inspiram. Como aponta

Morin, se tornam “modelos de vida. São heróis modelos. Encarnam os mitos de autor-

realização da vida privada” (MORIN, 1997, p.107). Porém, nem todos poderão se juntar

a este time estrelado: todos querem estar entre os melhores, ou ainda, todos querem ser

os melhores, mas, a regra do jogo estabelece que poucos conseguem.

Orlandi (2007, p.30) nos lembra que a linguagem materializa posições

ideológicas, uma vez que as condições de produção dos discursos incluem o contexto

sócio-histórico. Dessa forma, sabemos que os dizeres não podem ser analisados apenas

em si mesmos, como mensagens a serem decodificadas. A exterioridade também se faz

presente no discurso, uma vez que diversos discursos circulam na sociedade e estão em

relação. Dessa forma, o discurso da, e sobre a carreira de moda, nos diversos espaços

por onde circule, é a todo tempo atravessado por aqueles que circulam na mídia e, mais

do que isso, acreditamos que não somente seja “atravessado”, mas que seja constituído a

partir dos mesmos.

O estudante de moda ou o aspirante a essa carreira é, antes disso, um

consumidor e, dessa forma, já vivencia esse universo em seu cotidiano por meio do

12 Texto extraídos do folder de apresentação – Porque a FASM?”. Fonte:

http://www.fasm.edu.br/graduacao/curso-moda

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consumo. O estudo de Casaqui, Riegel e Budag sobre o estudante universitário de

publicidade nos permite um paralelo com a moda. Os autores identificam que o desejo

de fazer parte do universo da produção

seria, em parte, derivado do consumo cultural do discurso publicitário que

vem acompanhado de sua imagem profissional, e do que se imagina dela (...)

Talvez seja esse o lugar no qual projete seu imaginário, sua identidade, a vida

que gostaria de levar, vinculando ao mundo do trabalho certo ideal de

felicidade. (CASAQUI; RIEGEL; BUDAG; 2011, p.36)

A partir de uma visão glamourizada pela mídia e já arraigada no imaginário

social, muitos jovens criam expectativas que dificilmente serão alcançadas na atividade

cotidiana.

Considerações Finais

De forma geral, os textos institucionais publicados na homepage da Faculdade

Santa Marcelina constroem uma imagem da carreira de moda como inovadora e

criativa, na qual o reconhecimento profissional e midiático são consequência da

graduação. Destaca-se a utilização dos nomes de ex-alunos famosos como argumento

desta construção.

O trabalho relacionado com o universo fashion parece vir revestido de uma aura

cool, o que do ponto de vista do imaginário midiático é ressignificado como “alguém”

pertencente a uma elite, um grupo diferenciado. Ainda nesse contexto, parece não ser

um trabalho comum, cobrindo-se de uma aura de distinção, para usar a expressão de

Pierre Bourdieu.

Ressaltamos que esta é uma análise do discurso institucional da faculdade e este

estudo deve ser ampliado para um melhor entendimento, contemplando, por exemplo,

os enfoques curriculares dos cursos e de que maneira impactam nos destinos

profissionais dos diplomados. Neste breve artigo, nos deparamos com algumas

respostas, mas ainda ficam muitas perguntas que nos conduzirão a novas pesquisas em

torno do imaginário acerca do trabalho com moda.

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