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ATRAVÉS DO SILÊNCIO Dissertação apresentada à Área de Concentração: Artes Plásticas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação da Profª. Dra. Norma Tenenholz Grinberg. HELENA MARTINS-COSTA São Paulo 2006

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ATRAVÉS DO SILÊNCIO

Dissertação apresentada à Área de Concentração:Artes Plásticas da Escola de Comunicação e Artesda Universidade de São Paulo, como exigênciaparcial para obtenção do Título de Mestre emArtes, sob a orientação da Profª. Dra. NormaTenenholz Grinberg.

HELENA MARTINS-COSTA

São Paulo2006

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Assinaturas:

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RESUMO

As reflexões a seguir têm a fotografia como foco principal,partem de questões nascidas durante o processo de criaçãoe realização do meu trabalho plástico. Partindo daapropriação de fotografias do começo do século XX atéaproximadamente os anos cinqüenta, procurei observarestruturas e sistemas de representação nos retratos de gruposde pessoas, especialmente os de famílias. O resultado foiapresentado numa exposição realizada dentro do programaTemporada de Projetos, no Paço das Artes (USP) em maio de2004. O texto a seguir é fruto do intercâmbio entre práticafotográfica, análise de imagens e reflexões teóricas. Nodesenvolvimento do trabalho a fotografia foi abordada apartir de aspectos variados: um que investiga a linguagemfotográfica como um sistema de captação e produção deimagens; outro que vê na fotografia um meio de pensar ohomem inscrito no tempo; outro ainda que descobre nosretratos uma representação mais do que um espelho darealidade.

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ABSTRACT

The reflections that follow have photography as their mainfocus. They come from questions raised during the creativeprocess of my work. Starting with the appropriation ofphotographs of the 20th century up to approximately thefifties, I tried to observe the structures and systems ofrepresentations in the portraits of groups of people, especiallythe family groups. The result was presented in an exhibitionwithin the program “Temporada de Projetos” in the Paço dasArtes in the University of São Paulo in May 2004. The text thatfollows is the fruit of the interchange between thephotographic performance, image analysis and theoreticalreflexions. In the development of my work, photography wasapproached rising from different aspects such as: one thatinvestigates the photographic language as a system ofgrasping and production of images; the other sees isphotography a means of thinking about man inscribed in histimes; and still the other discovers in the portraits arepresentation, more than just a mirror of reality.

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SUMÁRIO

Introdução ______________________________________________11

O espelho imóvel (poses e convenções) _________________13

Imagens de Base ________________________________________17

Deslocamentos__________________________________________21

O corpo fotográfico: o suporte da imagem ______________27

Considerações Finais ____________________________________81

Referências Bibliográficas ________________________________83

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INTRODUÇÃO

A superabundância de imagens produzidas e com as quaisconvivemos nos coloca diante de um mundo que se constróicada vez mais como simulacro de si mesmo. O mundo se tornaaparência do mundo, e é mais belo na superfície fotográfica.O excesso de imagens dificulta a renovação do olhar. A visãodireta sobre o real revela um aspecto “desbotado”, compostopor visões apagadas se comparadas a fotografias.

Experimenta-se isso ao percorrer distâncias gigantescas com aintenção de vislumbrar a beleza construída pelo homem oupela natureza. Quando se chega ao destino pretendido, prova-se uma certa decepção, pois percebermos que no contatodireto com o objeto de contemplação não encontramos nema composição nem o colorido nem o brilho nem a limpezapróprios da imagem fixada sobre uma superfície fotográfica.

A cena fotografada e a fotografia se reúnem por um únicoinstante, no momento da captação da imagem. Após esseencontro fugaz cada uma dessas dimensões segue evoluindopor caminhos opostos. A cena fotografada continua sujeita aocotidiano e ao fluxo do tempo; a suspensão em quepermanece a fotografia a coloca em um mundo que, na faltade uma legenda, pode distanciar-se de seu referente.

O congelamento desse espaço-tempo que é a fotografiacoloca a cena captada em outra temporalidade, o tempoimóvel da eternidade. Porém como objeto do mundo afotografia seguirá também sujeita ao tempo. Entre a cenaprogramada e a imagem que foi fixada na superfíciefotográfica, permanece uma potência contida à espera paraser libertada. É nesse espaço de latência, em que a imagemvira-se sobre si mesma, que esse trabalho se desenvolve. Comoescreveu Italo Calvino: “são as próprias imagens quedesenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto quetrazem em si”

1.

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1- Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas.Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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O ESPELHO IMÓVEL(poses e convenções)

Tomando os retratos como foco principal de observação, ummodelo comum pode ser identificado, mesmo naquelesprovenientes de origens distintas. Através da análise deinúmeros retratos foi possível reconhecer uma estrutura-padrão por trás da imagem. Por um lado as convençõessociais atuam como forma de controle, regulação e domíniosocial. A pose torna-se o protótipo dessa ação e, no corpofotografado, encontra o seu lugar de convergência. Aomesmo tempo, vindas como uma forma de reação, existemno próprio corpo forças que escapam a esse controle,através de gestos que, congelados no ato fotográfico, serevelam como indícios de inadaptação.

A pose se caracteriza por um atributo artificial, emconseqüência disso, a idéia de naturalismo ligada ao retratoforma-se segundo uma construção ficcional2. Quem posaprocura aproximar-se de um modelo, sujeitando-se a umconjunto de convenções assimiladas, mas poucocompreendidas. O corpo parece nessa situação forçado aocupar um molde não produzido por ele. Ao se aproximar oolhar dos retratos, pressente-se uma tensão, algo quedenuncia o desconforto a que é submetido o corpo.

Roland Barthes em A câmara clara, nos diz que, aquele queé fotografado, ao saber-se olhado, é induzido a posar, o quepara ele significa fabricar-se instantaneamente em outrocorpo, metamorfosear-se antecipadamente em imagem. Énesse momento, segundo Barthes, que essa pressão sobrequem é fotografado revela-se em uma angústia: deveatender às exigências determinadas pelas convenções eainda, sob essa circunstância, preservar sua individualidade.O resultado do conjunto dessas variáveis está condicionado

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2 Ver análise de Annateresa Fabris, com base nas idéias de Phillipe Bruneau,sobre a pose e a pausa e sobre a contraposição que este autor estabeleceentre sujeito e pessoa. In: A pose pausada, Revista Comunicação e Artes,São Paulo, 16: 70 -4, s.n.

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por duas diretrizes: a vontade daquele que posa em ter suainterioridade captada como tal e a vontade do fotógrafo aodefinir a utilização do aparato técnico.

...presto-me ao jogo social, poso, sei disso (…) masesse suplemento de mensagem não deve alterarem nada a essência preciosa de meu indivíduo: oque sou, fora de toda efígie. Eu queria, em suma,que minha imagem, móbil, sacudida entre mil fotosvariáveis, ao sabor das situações, das idades,coincidisse sempre com meu ”eu”; mas é o contrárioque é preciso dizer: sou “eu” que não coincidojamais com minha imagem3.

Contudo, por trás daquele que posa existe um enormeaparato de apoio. Na outra ponta do processo de formaçãoda imagem, estão os conteúdos que vão possibilitar a suasustentação. Uma estrutura velada através da qual seconstroem os significados que a superfície irá revelar.Algumas características são marcantes em relação aoretrato fotográfico: a frontalidade, a superfície plana e acomposição centralizada. Curiosamente, se para apaisagem a profundidade é um dos fundamentos principais,no caso do retrato é sistematicamente evitada. Quandoaparece, mostra-se como uma concessão técnica, para queuma situação inesperada seja solucionada (ex: o excesso deluz que torna necessária a utilização de um diafragmamenor, resultando numa profundidade de campo maior).Não acontece como resultado de uma necessidadeestrutural ou de convenção, mas quase como um resíduo deuma ação circunstancial. Pierre Bourdieu, ao comentar asfotografias de casamento de camponeses, diz que: “Nalinguagem de todas as estéticas, a frontalidade significa oeterno, por oposição à profundidade, ali por onde se introduza temporalidade, e o plano expressa o ser ou a essência, emsuma o intemporal (…)”4.

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3- Roland Barthes, A câmara clara - nota sobre a fotografia, tradução deJúlio C. Guimarães, Nova Fronteira, 1984, p.24.4- Pierre Bourdieu, Un arte medio. Ensayo sobre los usos sociales de lafotografía, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2003, p.135-62.

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Se, por um lado, os múltiplos planos representados pelaperspectiva sugerem a idéia de profundidade, por outro, afrontalidade do retrato privilegia a representação de umúnico plano, uma visão chapada. Enquanto a perspectivadenota distintos tempos inscritos na imagem, a frontalidadeinduz a um tempo eterno. Através de algumas estratégias decomposição, o homem cria para si a ilusão de um corpoeterno, não sujeito ao fluxo do tempo. Nesse sentido o retratopode ser pensado como um esforço humano contra aangústia da transitoriedade e da finitude da vida.Paradoxalmente, é a própria fotografia que se tornadocumento da efemeridade da vida.

O contato com uma grande variedade de “retratos defamília” tornou possível perceber a recorrência de algunsdesses códigos inscritos na imagem. Mesmo com origensdiversas, vindas de diferentes lugares (interior do Rio Grandedo Sul, interior do Rio Grande do Norte, São Paulo etc.)podem ser constatadas enormes semelhanças na cons-trução da pose: o tipo de vestimenta, o enquadramento, aformalidade, a rigidez da postura. Esses elementos terminampor igualar todas essas fotografias, tornando-se cada umadelas um ícone de todas as famílias. Sendo assim, a idéia doretrato como a captação de uma individualidade revela-semais como forma de representação, dirigida de modo aforjar um padrão ideal.

As convenções impõem um modelo de comportamentoem que a singularidade, a mutabilidade e a contrariedade –inerentes ao ser humano – estão excluídas5. A figuraçãoestática, rígida e homogênea dos modelos parece atender auma vontade de simplificação do ser humano, anulando suaessência plural e contraditória. A normalização dos corpossignifica a anulação do sujeito. Fotografias realizadas sob acamisa de força destas convenções provocam umageneralização, mostram indícios de nosso desejo de fundir-nos com os estereótipos6.

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5- Um bom exemplo de retrato que é justamente o inverso disso é a série deretratos de Andy Warhol, realizada por Duane Michals em 1973.6- Regis Duran, El tiempo de la imagen, Salamanca, Ediciones Universidad deSalamanca, 1998, p.76.

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IMAGENS DE BASE

Só podemos dizer tautologicamente, vejo o que vejo se

recusarmos às imagens o poder de impor sua visualidade

como uma abertura – sua perda – ainda que

momentaneamente praticada no espaço de nossa certeza a

seu respeito. E é exatamente daí que a imagem se torna

capaz de nos olhar.7

As imagens que dão origem a boa parte dos meus trabalhospossuem algumas características comuns, que são tomadascomo potências possíveis de serem desenvolvidaspoeticamente. A primeira característica surge do fato deserem todas imagens apropriadas. A segunda é que sãotodas fotografias antigas, realizadas por fotógrafos anônimos.A terceira característica é de, na sua maioria, seremprovenientes de espólios, mais especificamente retratosagrupados em álbuns de família.

A apropriação indica em princípio um distanciamento:imagens prontas, elaboradas por outra pessoa, em que, numprimeiro momento, a escolha torna-se minha única ação. Aconstrução já me é dada: tamanho, enquadramento,composição, suporte material etc. Isso faz com que já departida trabalhe com um número limitado de aspectos jáinscritos na imagem. Apropriando-me dessas imagens,aproprio-me também dos códigos de representação e dasconvenções que nelas estão inscritas. Esse conjunto de dadospresentes na imagem informam sobre o modo como aspessoas foram ou quiseram ser representadas. A apropriaçãoopera deslocamentos que re-significam a imagem.

Imagens antigas possuem uma temporalidade complexa. Ocaráter temporal acentua seu poder de distância. O tempo nasimagens que sabemos antigas parece ter sofrido umacondensação, um acúmulo: sei que estou temporalmentedistante do momento que foram realizadas; tudo nelas meaponta essa distância: a severidade da pose (inabitual hoje emdia); as vestimentas antiquadas dos retratados, o envelhecimen-

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7- Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora34, p.105.

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to da cópia fotográfica. Como um objeto do mundo afotografia sofre a ação do tempo que ali se deposita: o tempodeixa seus rastros nos fungos, no desbotado, no visível processode desaparição da imagem sobre o papel que lhe dá suporte eque torna-se seu corpo. Por outro lado o extremo realismo daimagem fotográfica tem o poder de fazer presente tempo efiguras tão distantes. A conexão física entre a fotografia e seureferente atesta que o momento registrado existiu; movimentocontra a morte, a fotografia promete ao sujeito fotografadoreviver um momento passado, substituindo a realidade presente.

A distância temporal ativa o trabalho da memória: nãoreconheço aqueles seres ali retratados, nunca vi aquelasimagens antes, não pertencem à minha história pessoal,mesmo assim, as reconheço; minha memória visual contémfragmentos dessas representações: fotos de família que todospossuímos, e que por serem todas semelhantes constituem umaespécie de memória social.

Os retratos de grupos familiares eram realizados comoverdadeiros ritos sociais, por isso, além de individuais, tambémfazem parte de uma memória coletiva, formam uma visão demundo para a sociedade. Esse rito não atinge somente aquelesque viveram à época em que se realizava esse tipo de retrato.Também podemos pensar como rito o ato de olhar esses velhosálbuns. Quem, sendo possuidor de um álbum de família, nãosentiu uma atmosfera ritualística ao buscar concentrada emcada página um pouco de sua história. Ao folhear numa noitesilenciosa as páginas de um velho álbum, uma estranha eindefinível sensação nos atinge, a de possuirmos uma históriamesmo antes de existirmos. Por isso retratos antigos, anônimosou não, são portadores de uma potência: a de despertar emquem as olha tanto uma memória individual quanto coletiva.

Espólios são os bens materiais que pertenciam a pessoas quenão mais existem, e portanto estão vinculados à morte.Enquanto permanecer preservado, esse conjunto de bensmateriais compensará uma ausência, substituirá algodesaparecido pelos objetos que o cercavam e atestavam asua existência como um recordatório. Por outro lado, fotografiasretiradas de um espólio e comercializadas indicam que imagensforam rejeitadas – quebra-se o vínculo da experiência individual–,perdendo sua função. Se dentro de seu contexto original

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tinham o poder de corporificar aquilo (aquele) que desapare-ceu, perdida sua procedência significam somente ausência.Sua presença fantasmática denuncia e reforça uma falta.

Também a fotografia contém características relacionadas àmorte e ao desaparecimento: imobilidade e silêncio8. Caracte-rísticas explicitamente assumidas nos retratos, onde os sujeitosmantêm-se imóveis e calados durante a captura da imagem.Ao cessar todo movimento e toda a mudança, condiçõesdaquilo que está vivo, permanecerão assim na imagem ,inscritos em um tempo congelado.

A fotografia estabelece então uma relação paradoxal com amorte. Se por um lado encontramos afinidades entre ela e amorte, por outro, pode ser entendida, justamente, como ummovimento de preservação, de algo que busca eternizar-se, eque portanto vai contra o desaparecimento, a ausência. Noretrato vemos um esforço humano contra a angústia datransitoriedade, contra o fluxo inexorável do tempo e a finitudeda vida. E apesar da utilização da fotografia para paralisaraquilo que não cessa de transformar-se e desaparecer, éjustamente ela que vai se tornar documento dessa transitorie-dade e desaparição. Ela é o índice dessa ausência. Ao contrá-rio dos espelhos, a fotografia está sempre apontando paraaquilo que não é mais; através dela podemos perceber aincessante transformação do mundo e de nós mesmos.

Através dos espólios veremos a inversão desse papel e afrustração dessa vontade de perpetuação. As imagensparecem preservar seus personagens do fluxo do tempo, en-quanto se vêem, em contrapartida, na decomposição doobjeto fotográfico, uma metáfora do efêmero. Os espólios, lu-gares onde se encontram essas fotografias, não são mais queum limbo. A imagem realizada para inscrever o homem numtempo eterno torna-se documento dessa impossibilidade, adeterioração da matéria fotográfica afirma a efemeridade damatéria de que somos feitos.

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8- Christian Metz; “L'immobilité et le silence sont des caractéres de la mort, ece sont, plus encore, ses symboles populaire…”, em Pour la Photographie,p.119. Esta afinidade entre a fotografia e a morte foi explorada por diversosautores, entre eles Roland Barthes em A Câmara Clara e Philippe Dubois emo Ato fotográfico.

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DESLOCAMENTOS

A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhesseja imposta por nossa certeza de que essas coisassão elas mesmas e não outras, pela imobilidade denosso pensamento perante elas.9

A seguir serão descritos alguns procedimentos através dosquais uma fotografia recolhida de um espólio torna-se umaimagem de base para a criação final dos trabalhos. Considerocada uma dessas etapas de elaboração como umdeslocamento. Cada deslocamento executado procuraevidenciar algo além das convenções de comportamento,comuns aos retratos fotográficos. Um espaço onde potenciali-dades latentes surgem como resíduos dessa domesticação aque se submete a fotografia. O procedimento descrito a seguiré comum à construção de boa parte de minha produção, masaqui será tratado mais especificamente o trabalho realizadodurante o mestrado.

O critério para a escolha dessas imagens foi estabelecido combase na recorrência de alguns aspectos da pose. Por exemplo:é possível notar a repetida utilização da frontalidade e da au-sência de profundidade como elementos estruturais da com-posição. Outro padrão bastante comum é o de grupos senta-dos, com as mãos colocadas sobre as pernas, de forma pouconatural. As mãos neste caso mostravam-se como um punctum10:

Quando se define a Foto como uma imagem imóvel,isso não quer dizer apenas que os personagens queela representa (ao contrário do cinema) não semexem; isso quer dizer também que eles não saem:estão anestesiados e fincados, como borboletas. Noentanto, a partir do momento em que há punctum,cria-se (adivinha-se) um campo cego(…)11

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9- Proust, Em Busca do Tempo Perdido - No Caminho de Swann, p. 12, 1998.10- Barthes fala de punctum em A câmara clara “pois o punctum é tambémpicada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno corte - é um lancede dados. O punctum é esse acaso que nela me punge (mas também memortifica me fere)”, p.46.11- Barthes, op cit, 1984

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Primeiro deslocamento: a descontextualização das imagensresultante da apropriação de algumas fotografias de álbunsde família.

O procedimento comum inicialmente é isolá-las, separandoas imagens de seu contexto original. O próximo passo é aobservação de cada uma isoladamente, para tentar buscarseu conteúdo de verdade. Uma certa oscilação em tornoda aparência, algo que por de trás da superfície foge ao seudomínio. Em seguida passo a buscar um padrão comum emimagens de origens distintas, para criar a partir daí um novoreagrupamento. Essas imagens, mesmo destituídas de suasidentidades, ainda preservam algo de seu propósito original,ser um objeto de recordação. Como se almejassem o mesmoideal, compartilham uma infinidade de analogias, como setodas fossem a mesma fotografia. O que na verdade elaspreservam são os significados sociais que as constituíram,como se todo álbum de família contasse a mesma história:atesta a coesão de um grupo. Os álbuns pertencem aoespaço doméstico, nessa situação, as fotografias bem comoa leitura delas são amortecidas, domesticadas pela históriaque se quer contar. Somente separando-as, retirando-asdeste seu habitat comum é que se pode direcionar um novoolhar sobre elas. Afastando nossas certezas ao deslocá-las doespaço doméstico para o espaço da arte12, elas podemtorna-se um objeto do saber, podemos começar a entendê-las a partir de outros pontos de vista.

Jaques Le Goff ao discorrer sobre a evolução dos conceitosde monumento e documento13 no campo da história, nos diz

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12- O que nomeio como espaço da arte é esse lugar físico (ateliêr) oumental que construímos para pensar as coisas, reiventá-las, libertando-as desua condição comum. 13- “A palavra latina monumentum remete à raiz indo-européia men, queexprime uma das funções essenciais do espírito (mens), a memória (memini).O verbo monere significa 'fazer recordar', de onde 'avisar', 'iluminar', 'instruir'.O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origensfilológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado,perpetuar a recordação (…) O monumento tem como características oligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou imvoluntária, dassociedades históricas (…) O termo latino documentum, derivado de docere,“ensinar', evoluiu para o significado de “prova' (…) O documento que, paraa escola positivista do fim do século XIX e do início do século XX, será ofundamento do fato histórico, ainda que resulte de uma escolha, de umadecisão do historiador, parece apresentar-se por si mesmo como provahistórica. A sua objetividade parece opor-se à intencionalidade domonumento”. Jacques Le Goff, História e Memória, 2003, p.526-7.

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que uma reflexão crítica sobre o documento leva-o a serconsiderado também como monumento:

o documento não é inócuo. É antes de mais nada,o resultado de uma montagem, consciente ouinconsciente da história, da época, da sociedadeque o produziram, mas também das épocassucessivas durante as quais continuou a viver, talvezesquecido, durante as quais continuou a sermanipulado, ainda que pelo silêncio. O documentoé uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, oensinamento que ele traz devem ser em primeirolugar analisados, desmistificando seu sentidoaparente. O documento é monumento. Resulta doesforço das sociedades históricas para impor aofuturo – voluntária ou involuntariamente – determi-nada imagem de si próprias. No limite, não existe umdocumento-verdade. Todo documento é mentira(…) qualquer documento é, ao mesmo tempo,verdadeiro – incluindo talvez sobretudo os falsos – efalsos, porque um monumento é em primeiro lugaruma roupagem.14

Pois bem, essas fotografias almejam atingir a importânciasimbólica de monumentos familiares, preservar o momentode plenitude de um clã. A rígida imobilidade das poses, dascomposições em bloco, as atmosferas congeladas criam umestranho vínculo com a escultura. Nessas fotografias,semelhante ao que encontramos na estatuária dos passeiospúblicos, a morbidez está em proporção com amonumentalidade. A observação dos retratos à partir dessaanálise, auxilia uma visão mais crítica, ao mesmo tempo queabre uma fissura na imagem, a partir da qual se podevislumbrar outros significados por detrás da aparência.

Segundo deslocamento: criação de um negativo de traba-lho, refotografando algumas fotografias.

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14- Jacques Le Goff, op cit, 2003. p.538.

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O deslocamento acontece com a alteração das dimensões,no momento da ampliação desses negativos. No trabalhodeste mestrado por exemplo, o detalhe escolhido foiampliado até que seu tamanho se aproximasse da escalanatural. O negativo serve como um instrumento quepossibilita trabalhar a imagem em função da maleabilidadede suas dimensões. Permite retrabalhar a distância. Porexemplo: uma fotografia encontrada com um tamanhoespecífico de 4 cm x 6 cm14 pode ser ampliada para 80 cmx 120 cm ou qualquer outra dimensão. Alterando essasdimensões, altera-se a relação imagem–espectador, altera-se a relação física do observador com o objeto. Não se tratamais da posição de quem segura uma fotografia em suasmãos. Se antes havia uma relação de poder, a escala naturalsugere uma certa igualdade entre imagem e observador. Acriação de um novo negativo também possibilita destacar,na imagem, detalhes que nas dimensões originais não eramvisíveis.

Terceiro deslocamento: execução de um novo recorte noque será a imagem final; o detalhe das mãos retratadas.

Quando se fotografa o espaço do mundo, o temporecortado é o do aqui e agora que, retirado de seu fluxonatural, se torna imediatamente passado. O espaçorecortado é o da extensão imensurável do mundo, queatravés do corte fotográfico torna-se mensurável e geome-trizável. A fotografia seleciona um detalhe do mundo etransforma esse detalhe em um todo. A imagem, como resul-tado de uma ação que subtrai um pedaço de um espaçocontínuo, é sempre corte espacial e temporal. A informaçãodada só existe pela retirada de todo o resto.

Quando refotografo uma fotografia, o recorte busca focali-zar na imagem a essência que dela se quer guardar, comose o pedaço recortado pudesse reconstruir a imagem total,torná-la evidente. O recorte tem também a função deevidenciar a si mesmo como condição constituinte de todaa fotografia.

Quarto deslocamento: o espaço expositivo.

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Normalmente fotografias são posicionadas no espaço, domesmo modo como as pinturas: de maneira a oferecer, emrelação ao observador, o ponto de vista mais favorável. Nocaso da instalação realizada para este mestrado, é otrabalho que deve ser contemplado de acordo com seuponto de vista, a partir da ordem proposta pela fotografia. Oalinhamento do observador com o plano fotográfico criauma certa oscilação em torno do ambiente. A imagempassa a exercer uma ressonância sobre o espaço deexposição. Uma freqüência contínua passa a existir entreimagem e observador.

Pretende-se que o visitante, pela perspectiva semelhanteentre ele e a fotografia, perceba também uma semelhançaentre sua própria posição na sala, e o espaço virtual notrabalho diante dele. Esse espelhamento parece ativar noespectador a percepção do próprio corpo, como elementoconstituinte dessa relação entre obra e espaço. A fotografiapassa a expandir-se para o espaço, através da presença doobservador.

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O CORPO FOTOGRÁFICO: O SUPORTE DA IMAGEM

Algumas imagens parecem aproximar-se da escultura e domonumento, com o passar do tempo adquirem mais corpo.As imagens desse tipo, por sua natureza, sugerem uma mate-rialização, uma concretude. Como se, neste caso, peloartifício da ampliação, encarnassem definitivamente sobre opapel.

Os trabalhos Vestidos para Morrer, Álbum de Família, Meninasa Beira do Riacho e por fim A Espera (trabalho realizado paraeste mestrado), que apresento a seguir, foram concebidosem torno dessa idéia.

Vestidos para Morrer, realizado em 2000, surgiu da reunião deinúmeros retratos, em sua maioria da década de quarenta,que faziam pensar que o ato fotográfico transforma sujeitosem objetos. Essa idéia teve origem na impressão que certasfotografias causavam ao retratarem duplas de homens oude mulheres posando em pé. Todos os elementos quecompunham a cena dessas imagens: pedestais, tecidos,flores, a carne dos corpos etc. parecem reunir-se numamesma matéria, mais próximas da solidez do mármore ou docimento, do que de suas substâncias originais. Essaaparência é dada pela rigidez de tudo o que compõem acena, onde tudo é transformado em objeto imóvel, inclusiveos seres humanos paralisados para a pose. A ausência de cortorna similares as superfícies mais distintas: vestimentas,pedestais, fundos falsos etc. O preto e branco da fotografiacontribuem para que ocorra, entre as diferentes matérias, umprocesso de aproximação.

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Na construção deste trabalho foram retiradas as cabeçasdas pessoas retratadas, para concentrar o olhar sobre ocorpo – um corpo quase escultura, quase estátua. Essasimagens reproduzem algo semelhante a um efeito Medusa,provocado por um olhar petrificador desencadeado pelafotografia e pela paralisação imposta pela pose. Essemomento é marcado pela ação do obturador, que, similar auma guilhotina, opera um corte no espaço e no tempo. Aação da guilhotina transporta o homem do estado de vidaao estado de suspensão, como o olhar petrificador daMedusa. Assim também a fotografia torna tudo aquilo que émovente em imagem estática, rija, através da subtraçãoinstantânea do tempo.

A lâmina fotográfica a cada instante, toma o fragmento pelo to-do, articulando para si uma nova hierarquia. Se é comumencontrar na pintura a idéia de todo, de continuidade ou pro-longamento; na fotografia temos o mundo como subtração ecorte. A imagem da guilhotina mostra-se como emblema

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daquilo que cirurgicamente retira do corpo sua condição dehabitante de um tempo e de um espaço em eterno movimento.

As dezesseis fotografias apresentadas nesse trabalho, forammontadas individualmente em caixas de aço inoxidável. Umsistema de pêndulos permite que ao movimentarmos umatampa, seja possível visualizar as fotografias no interior doobjeto. Articuladas por uma estrutura de contra-peso, ascaixas guilhotinas revelam pausadamente as imagens no seuespaço interno, estabelecendo um novo quadro, um novocorte a cada passo da abertura. As caixas apresentam-sefechadas exigindo participação do observador para aabertura e reenquadramento das imagens. Desse modoevidencia e assume o corte como condição primordial dofazer fotográfico. A tampa móvel simula o momento dacaptação da imagem, ao aproximar o olhar do observadorao olhar do fotógrafo. Convida o observador a experienciar,a ação do corte, atuando sobre a composição e formato,deixando para trás de si sempre um espaço recomposto.

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Outro trabalho, Álbum de Família (1999), tem origem numretrato em que vemos no centro da imagem, uma mulhermadura rodeada por suas crianças, uma mãe com seusfilhos, formando um único corpo. Porém pela ação dotempo, o espaço parece aos poucos ruir. A degradação damatéria fotográfica inicia um processo de separação doscorpos. Essa corrosão também atinge a cor, originalmenteem branco e preto, o retrato encontra-se amarelado acaminho da desaparição por veladura. No trabalho realiza-do a partir dessa imagem, foram fotografados detalhes: ros-tos, pernas, pés e mãos, cada detalhe ampliado expõem afalha, retrata a fragmentação e a dissolução da imagem,não mais composta por um corpo único, e sim pela soma defragmentos. Cada nova fotografia montada em moldura deferro oxidado irá denunciar um corpo por detrás da imagem.A matéria que dá suporte à imagem funde-se, revelando umnovo significado. A deterioração fotográfica equivale sim-bolicamente à deterioração da carne. A fotografia mostra-se como ruína, como matéria sujeita ao tempo, que trabalhae re-significa incessantemente a imagem a que a ela está su-jeita. Paradoxalmente só percebemos a existência dessecorpo quando ele mostra sua desaparição, torna-se visívelpara desaparecer.

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Meninas à Beira do Riacho (1999), também trata dadesaparição. É composto por duas fotografias emolduradasem ferro oxidado. Em cada uma delas vemos uma meninadeitada aparentemente sobre a grama. A imagem não éevidente pois foi reproduzida já em processo de desapa-rição, onde a figura e o fundo aos poucos sucumbem a umaluz branca e velada. As figuras que originalmente pertenciamà mesma fotografia foram separadas, como se a veladurafragmentasse o espaço onde se encontravam. O vestido deuma delas já não possui detalhes nem variação tonal.Apresenta-se como uma massa chapada e luminosa, pra-ticamente fundindo-se com o rosto pálido também já semdefinição. Esse espaço agora instável as mantêm em estadode suspensão.

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A foto original, que chamo de a imagem de base, deMeninas à Beira do Riacho também deu origem a umsegundo trabalho, Sem título (1999). Surge de 69 reproduçõesexatas da imagem original: tamanho, densidade, cor. Porém,progressivamente, a partir da primeira cópia, foi-se retirandoa luz que sensibiliza o papel no momento da ampliação, atéque a densidade da luz, da primeira à ultima cópia,dissipasse totalmente a imagem. Deste modo, aquilo que noprimeiro trabalho era fruto de uma ação espontânea dotempo, da degradação da matéria, torna-se agora umaação deliberada. Como se essa manipulação criasse a idéiade aceleração do tempo pela qual podemos acompanharsua transfiguração e desaparição. Montadas separada-mente em molduras de ferro oxidado e instaladas na parede,sugerem uma estranha constelação.

Álbum de Família, Meninas à Beira do Riacho e o trabalhoSem Título compuseram uma exposição realizada conjunta-mente com a artista Vânia Mombach, intitulada Desapa-rição e Trasfiguração, realizada em Porto Alegre, no ano de1999, na galeria Iberê Camargo, Usina do Gasômetro. A idéiaem torno desse trabalho era a de buscar, nas trasformaçõesocorridas no suporte fotográfico, os geradores das transfigu-rações por que passavam as imagens originais, dando a elasum novo significado, sobretudo através da ação do tempo eda incidência de luz. A ação do tempo e da luz parecelibertar a imagem da condição de um simples registro dealgo exterior a ela, devolvendo-lhe a vida ao trasformá-la emimagem mutante. O desgaste do suporte devolve essas foto-grafias para o fluxo do tempo. Decaem de seu estado desuspensão, de sua aparente permanência, para aos poucosestarem novamente sujeitos à ação do tempo sobre amatéria.

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A Espera, trabalho desenvolvido durante o mestrado, foiapresentado dentro do programa Temporada de Projetos,no Paço das Artes (USP) em maio de 2004. Reuniu uma sérieformada por trabalhos realizados a partir de sete fotografiasde grupos de pessoas. Os detalhes ampliados em escalanatural nos mostram apenas a região das mãos e do colo dosretratados. A sala de exposição era escura, as paredespretas, com a iluminação concentrada nas fotografias. Asfotografias não foram penduradas na altura habitual do olhodo observador em pé, e sim na altura referente à pose doscorpos retratados. Em frente a uma das fotografias foicolocado um banco de alvenaria, permitindo que o visitantese colocasse na altura correspondente à das imagens.

O banco oferece ao observador um ponto de vista similar aoda pose, como se houvesse uma frontalidade recíprocaentre quem olha e a fotografia (correspondência quetambém existiu entre fotógrafo e fotografado). Essa seme-lhança entre a posição do corpo do observador e a imagemdo corpo retratado amplifica a percepção da frontalidade.Esta situação é análoga à do espelhamento, o que favorecea criação de uma identificação, de um confronto ou de umdiálogo entre as partes.

Desse modo o visitante é induzido a um desvio na condiçãode passante, a fazer uma parada. Como se o observadorfosse capturado para ver o trabalho a partir desse ponto devista proposto. Aqui também as imagens apresentam-se soli-dificadas em um único bloco: os corpos lado a lado como seestivessem colados, as mãos entrelaçadas ou postas sobre aspernas.

É neste momento que o trabalho pode realizar-se: diantedesta situação, o observador percebe seu corpo inscritodentro da sala de exposição, passa a perceber-se comoelemento ativo dentro desse espaço, como um corpo queestá sendo esperado. A sala inteira parece conduzir ovisitante a participar de seu silêncio e quietude. As mãosdenunciam uma mistura de disciplina e tensão, como senelas se concentrassem toda a energia contida dos corpos.

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Ao contrário das imagens ampliadas em papel, queapresentavam algo de escultural em sua ordem, outrasimagens parecem dispensar esta solidez. Impõem suaefemeridade e leveza, sustentadas somente através de umamaterialidade instável. Tendo a luz como suporte, a elasparece suficiente a matéria impalpável e momentânea daprojeção. Esse outro tipo de imagem é formado porfotografias realizadas a partir da captação direta deimagens de situações do cotidiano, mas apreendidasatravés de superfícies refletoras.

Películas vem sendo formado ao longo dos anos, desde 1988,com imagens colhidas seja em espelhos, vitrines, vidraças,poças d’água ou em qualquer anteparo através do qual sejapossível, por um mínimo instante, recolher um momento fugazda realidade. Como no primeiro grupo, são tambémimagens de segunda mão, reveladas por um suporteinstituído. Contudo, aqui a superfície desempenha umsentido mais ativo na geração dessas imagens.

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Enquanto nos retratos de família as cenas estão propo-sitalmente imóveis para serem fotografadas, os reflexos estãosujeitos a todo o tipo de deformação e mudança súbita. Sejapela brisa que sopra na superfície da água, seja pela luz dosol que incide diretamente sobre o espelho. Nesse caso, afotografia é o meio pelo qual essa leveza e fluidez adquirempermanência. As imagens de reflexo parecem não ter supor-te próprio, e é isso o que as torna potentes. Elas apenas atra-vessam uma extensão e logo desaparecem, mostram que aimagem não tem matéria nem lugar próprio.

O retrato de família pressupõe o monumento, como se nummovimento de fora para dentro a imagem fosse atraída pelamatéria. Por outro lado, a fotografia de reflexos sugere ummovimento oposto. Num primeiro momento temos um movi-mento de fora para dentro, quando a realidade exterior éatraída pela matéria polida e fria, mas imediatamente aimagem é expulsa dessa superfície e devolvida ao exteriornum movimento de dentro para fora, semelhante ao que sefaz nas projeções. As superfícies refletoras são incapazes dereter aquilo que elas atraem, por isso carregam, como osretratos, um forte sentido de ausência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos impulsos que nos levam a ver fotografias é a idéia depoder rever certos momentos ou passagens. Contudo afotografia nos mostra outra coisa. Poderíamos dizer queaquilo que realmente nos cativa sempre esteve além doreferente. Aquilo que nos seduz é formado pela soma dealgo que está somente na imagem, e pela sua capacidadede valer pelo referente. O referente torna-se o meio pelo qualalgo que habita somente na imagem ganha visibilidade.

Em sua grande maioria fotografias são realizadas especial-mente para esse fim: para que um momento, uma pessoa ouum lugar possam ser vistos novamente através da imagem. Ostrabalhos apresentados na exposição de mestrado partem defotografias que foram apropriadas, nasceram desse impulsode olhar uma imagem do passado. No entanto esse impulsonão é dado por um sentimento nostálgico, por uma busca devestígios do passado e suas peculiaridades. Pelo contrário,busca-se a realidade da própria imagem, e não o que estáfora dela em um passado distante. Procura-se o que nela estáinscrito e o que nela se agrega, aquilo que a imagem tornou-se. Aquilo que ultrapassa a cena retratada, algo que emanamais do destino que a imagem cumpre a cada dia.

As imagens escolhidas fazem parte do universo cotidiano edoméstico. Um universo conhecido e quase nunca questio-nado. O espaço doméstico é o lugar do hábito. É ele quetanto nos tranqüiliza, e onde encontramos a segurança desaber o que são e para que servem os objetos que nos cer-cam. Mas quando encontramos alguns desses objetos numlugar estranho à sua morada, o hábito, esse bom anjo dacerteza, nos abandona. Somos obrigados a olhar para esseobjeto conhecido como se fosse a primeira vez. O que erafamiliar e habitual deixa de ser reconhecido.

É o que pode acontecer quando se encontra uma fotografiade um universo privado, como a de uma álbum de família,levada para um universo público, transformada em merca-

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doria. Aí temos necessidade de rever aquela velha imagem,desconhecida, e, ao mesmo tempo familiar. Nesse momentosomos tomados por um estranhamento, essas imagens nosconvidam a ver nelas tudo aquilo que antes era invisível.

Os trabalhos aqui apresentados buscam instaurar esse esta-do de estranhamento, pelo qual o conhecido revela-se ape-nas como aparência do desconhecido. Procuram revelarque objetos tão comuns como retratos de família podemtransformar-se em objeto de reflexão.

Talvez o que esse tipo de imagem mais ofereça ao pensa-mento seja a possibilidade de através dela pensar nossarelação como o tempo. Esse é seu assunto, voluntária ouinvoluntariamente, a questão do tempo sempre está lá, fun-dida na imagem fotográfica. Ela nos fala do instante em queé realizada, do instante que se prolonga pelos domínios dotempo. Fala que automaticamente ao acionar o obturadoresse instante presente torna-se, instantaneamente, passado.Fala que ao olharmos essa fotografia mais uma vez estare-mos olhando para o tempo. A fotografia torna visível dis-tâncias temporais.

A operação fotográfica estabelece relações entre sujeito etempo; entre sujeito e espaço; entre sujeitos, e entre sujeito euma situação dada. Esse caráter relacional é o que RégisDuran chamou de experiência fotográfica. Fotografar éexperimentar essas relações. Fotografar fotografias é pensaressas relações. Trabalhar com essas imagens apropriadas eexpô-las é criar uma circunstância para essa experiência.

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