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Atividade Física Para Pessoas com

Deficiência Professora: Eliana Lúcia Ferreira (org.)

CAPÍTULO 1 ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA DEFICIÊNCIA Apolônio Abadio do Carmo

CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS DA INCLUSÃO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO Maria Elisa Caputo Ferreira

CAPÍTULO 3 JOGO, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, CONFIGURAÇÕES, INCLUSÃO/EXCLUSÃO Maria Beatriz Rocha Ferreira

CAPÍTULO 4 POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPORTE, LAZER E DEFICIÊNCIA NO BRASIL Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior

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UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

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Coordenador: Adenilde de Oliveira Souza

SetaCGPI | COORDENAÇÃO GERAL DE POLÍTICAS DE INFORMAÇÃO

Coordenador Geral: Ville Caribas Lima de Medeiros

Coordenador: Alcir Souza Leite

Material distribuído gratuitamente, proibida reprodução e comercialização.

Ferreira, Eliana Lúcia. (org.)

Atividade Física Para Pessoas com Deficiência. V.1 1a ed. / Eliana Lúcia Ferreira. – Juiz de Fora: UFJF, 2009.

140p.; 14,8 x 21 cm.

1. Pessoas com deficiência 2. Inclusão 3. Jogos

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Universidade Federal de Juiz de Fora -UFJF

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Prof.a Cláudia Otelina da Costa 

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Imagens da Capa: 

Danillo Carvalho Lopes 

 

 

 

 

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APRESENTAÇÃO DO CURSO

A Educação a Distância (EAD) atualmente é abordada como uma modalidade educacional que utiliza processos que vão além da idéia de superar a distância física, desde que usados adequadamente como instâncias mediadoras do processo educativo. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) não servem apenas para diminuir a distância física entre aqueles que aprendem e aqueles que ensinam, elas são eficazes em várias situações, pois possibilitam ao indivíduo acesso a uma educação global, dentro da qual a inovação e a descoberta são etapas fundamentais do processo de aprendizagem.

Os cursos de EAD produzidos no Brasil têm apontado indícios da importância de tal proposta pedagógica, pois se sabe que muitos profissionais possuem tempo restrito para a própria atualização, além das dificuldades inerentes a turnos de trabalho; distância dos locais de trabalho e de formação; e falta de recursos financeiros. Portanto, a realização dessas propostas de ensino, ao amenizar tais dificuldades, reforçará o crescimento educacional do país.

Acreditamos que a utilização do ensino a distância para viabilizar a formação de pessoas, tornando-as aptas a atuar com a Educação Física para pessoas com deficiência, contribuirá para uma acurada reflexão em torno dessa temática extremamente significativa e para o desenvolvimento de atividades a serem realizadas e socializadas com as pessoas com deficiência do Brasil.

Em sua prática diária, à medida que o profissional é solicitado a intervir na prática desportiva para pessoas com deficiência, não se sente seguro ainda, com os conhecimentos devidamente atualizados, daí a necessidade de aprofundamento nessa área.

Por outro lado, as pessoas com deficiência constituem uma categoria historicamente discriminada. Vítimas da rejeição ou da compaixão social, tais pessoas estiveram sempre à margem do convívio com os cidadãos considerados normais. Uma das formas de superação das desigualdades, nos dias de hoje, é o conhecimento e o livre acesso a todos os espaços púbicos. Sendo assim, a criação e manutenção de serviços de informações acessíveis ao cidadão é, sem dúvida, uma forma de reduzir as desigualdades sociais.

E é isto que pretendemos aqui neste curso.

Eliana Lucia Ferreira Coordenadora

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SUMÁRIO CAPÍTULO 1

ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA DEFICIÊNCIA

Apolônio Abadio do Carmo

PREFACIO 13 

1. CONCEPÇÕES HISTÓRICO - FILOSÓFICAS DO CORPO 15

2. ENTENDIMENTOS DE DIFERENÇA 20

3. ENTENDIMENTO DE INCLUSÃO 24

4.ENTENDIMENTO DE JOGO E ESPORTE 294.1 Origens dos Jogos e do Esporte 32

5. TODA PRÁTICA É TEÓRICA E TODA TEORIA É PRÁTICA 40

6. BIBLIOGRAFIA 49

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA INCLUSÃO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO

Maria Elisa Caputo Ferreira

PREFACIO 55

1. INTRODUÇÃO AO PARADIGMA INCLUSIVO 59

2. HERANÇA HISTÓRICA A RESPEITO DA DEFICIÊNCIA 62

3. CORPO, CULTURA E DIVERSIDADE 65

4. O RECONHECIMENTO AO DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 68

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5. DA SEGREGAÇÃO AO ENSINO INCLUSIVO 71

6. INCLUSÃO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO FÍSICA II 74

7. EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS 78

8. BIBLIOGRAFIA 85

CAPÍTULO 3

JOGO, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, CONFIGURAÇÕES, INCLUSÃO/EXCLUSÃO

Maria Beatriz Rocha Ferreira

PREFACIO 91

INTRODUÇÃO 93

UNIDADE I 97

1. APRESENTAÇÃO 97

2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES 97

3. CONCEITO DE CULTURA E TEORIAS 101 ANTROPOLÓGICAS

3.1. Sistema adaptativo 102

4. CULTURA: TEORIAS ANTROPOLÓGICAS TEORIAS IDEALISTAS DE CULTURA 104

4.1. Cultura como Sistema Cognitivo 104

4.2. Cultura como um Sistema Estrutural 104

4.3. Cultura como Sistemas Simbólicos 105

5. A ORIGEM DA CULTURA 108

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UNIDADE II 111

1. APRESENTAÇÃO 111

2. ORIGEM DOS JOGOS 112 2.1. Características essenciais do termo jogo 112

3. JOGOS E MIMESES 114

4. TEORIA FIGURACIONAL 117

UNIDADE III 119

1. APRESENTAÇÃO 119

2. PESSOA COM DEFICIÊNCIA E VARIABILIDADE BIOLÓGICA 119

3. JOGOS DE TABULEIRO 124

4. JOGOS DE TABULEIRO DE SEGUNDA GERAÇÃO 126

5. JOGOS DE SALÃO E DE CAMPO 129

6. DOS JOGOS AOS ESPORTES 132

7. ESPORTE 135

CONCLUINDO 139

REVISÃO GERAL 139

BIBLIOGRAFIA 142

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CAPÍTULO 4

POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPORTE, LAZER E DEFICIÊNCIA NO BRASIL

Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior

PREFACIO 149

INTRODUÇÃO 151

UNIDADE I : POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS E FUNÇÃO DO ESTADO 153

UNIDADE I I : POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER 165

UNIDADE I I I: LEGISLAÇÃO SOBRE DEFICIÊNCIA, ESPORTE E LAZER 171

BIBLIOGRAFIA 179

ANEXO 1 181

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 182

ANEXO 2 191

EIXO I - ESTRUTURA: ORGANIZAÇÃO, AGENTES, COMPETÊNCIA 192

EIXO II - RECURSOS HUMANOS E FORMAÇÃO 199

EIXO III - GESTÃO E CONTROLE SOCIAL 201

EIXO IV: FINANCIAMENTO 208

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Aspectos históricos, filosóficos e sociológicos da Deficiência

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CAPÍTULO 1

ASPECTOS HISTÓRICOS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS DA

DEFICIÊNCIA

Prof. Dr. Apolônio Abadio do Carmo

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Aspectos históricos, filosóficos e sociológicos da Deficiência

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PREFÁCIO O abismo existente entre a sociedade e as pessoas com

deficiência vem de longa data. Ainda hoje, um dos problemas essenciais é a questão da aceitação da diversidade e a igualdade de oportunidades, dentro da alteridade. As relações sociais não mudam por decreto, pela lei. O modo como essas relações se dão é histórico e elas mudam conforme se criam novas condições para tal.

A educação, como instância mediadora desse processo, é, ao mesmo tempo, o exercício de um direito e a possibilidade de ampliação do acesso a outros direitos fundamentais. No caso das pessoas com deficiência, e não só delas, esses direitos se afirmam no acesso à igualdade com respeito à diferença.

As pessoas com deficiência, além de sofrer limitações sociais e de reconhecimento de seu direito, de esbarrar em barreiras arquitetônicas que os impedem de usufruir o direito de ir e vir, encontram-se, em muitos casos, limitadas no que tange à sua capacidade de qualificação profissional, educacional e, consequentemente, social.

Portanto, o direito à igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência depende, necessariamente, de uma conscientização geral sobre suas necessidades e também sobre seus direitos.

O desafio que é apresentado aqui, com muita propriedade, pelo Professor Apolônio Abadio do Carmo, aponta como de urgente necessidade a nossa aquisição de conhecimento e discernimento sobre as questões que circundam a nossa sociedade, sobre a diferenciação de capacidade e oportunidade.

Um dos elementos importantes que vejo no modo como o autor desdobra essas questões, é a demonstração de que, não é ignorando a diferença, ocultando as necessidades reais que cada pessoa - com ou sem deficiência - tem para interagir socialmente, que vamos fazer diferença social. É preciso entender que a deficiência é um estado concreto, significada de uma maneira determinada e imposta historicamente. O desenvolvimento de atividades esportivas, culturais ou sociais, não vai deixar o deficiente menos deficiente, no seu estado concreto, empírico. Participar do convívio social, ou não, é apenas um direito que as pessoas têm.

Eliana Lucia Ferreira

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Aspectos históricos, filosóficos e sociológicos da Deficiência

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1. CONCEPÇÕES HISTÓRICO - FILOSÓFICAS DO CORPO

O objetivo deste capítulo é discutir aspectos históricos e 

filosóficos que envolvem a relação homem‐sociedade e, dentro desta, os problemas oriundos do processo de escolarização das pessoas portadoras de deficiência (PPD), em face da política de Inclusão. 

Para tanto, estruturamos as discussões em três etapas. Na primeira abordamos as concepções históricas de corpo e os estigmas daí decorrentes; Na segunda trabalhamos os entendimentos que têm sido 

dados à diferença e, por último, apresentamos o conceito de inclusão e a relação desse ideário com a prática profissional do professor de 

Educação Física.  Um dos problemas históricos do corpo reside no dualismo

psicofísico em que o corpo (material) está separado da alma (espiritual e consciente). Essa concepção está presente entre os homens desde o século V a. C. Nessa época, Platão acreditava que “... a alma, antes de se encarnar, teria vivido a contemplação do mundo das idéias onde tudo conheceu por simples intuição, ou seja, por conhecimento intelectual direto e imediato, sem precisar utilizar os sentidos...”

Segundo ainda Platão, a alma, quando por necessidade natural ou expiação de culpa, se une ao corpo, ela se degrada, pois se torna prisioneira dele. “Além disso, quando isto ocorre, a alma humana passa a se compor de duas partes: uma superior (alma) e outra inferior a (alma do corpo). E todo o drama humano consiste em fazer com que a alma superior domine a alma inferior...”

Um dos exemplos clássicos desse drama humano é a prática da purificação realizada por meio de atividades espirituais visando ao controle dos desejos por intermédio da mortificação da carne. As manifestações mais conhecidas nesse sentido são os jejuns, as penitências e flagelações, cujas realizações são consideradas necessárias para se atingir a virtude da plenitude moral.

O entendimento das flagelações dos corpos exige necessariamente que façamos a seguinte pergunta: os indivíduos pensam ou são os pensamentos que pensam neles? Essa pergunta pode parecer um jogo de palavras, porém não o é. Ela encerra a dúvida sobre se existe diferença entre o ato de pensar e o conteúdo do pensamento.

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Seguramente, pelo fato de o ato de pensar ser uma capacidade humana, podemos afirmar que todos têm a capacidade de pensar. Porém, quanto ao conteúdo do pensamento, a resposta pode ser dada de duas formas: uma sob o ponto de vista de que o conteúdo é inato, no qual ser e pensamento se identificam, e outra que advoga a distinção entre ser e pensamento, sendo o conteúdo do pensamento fruto das relações históricas e sociais vivenciadas pelo indivíduo.

Portanto, a resposta para essa questão depende de sob que ótica se está falando. Por exemplo, do ponto de vista idealista1 de homem, haverá unidade entre o ser pensante e o conteúdo do pensamento; porém, sob o ponto de vista materialista2, o ser pensante e o conteúdo do pensamento são coisas distintas.

Mas, afinal, o que significa a unidade entre o ser e o pensamento, defendida pela visão idealista? Significa que a consciência é um dado primário e a realidade um dado secundário. Nessa perspectiva, nem tudo o que expressamos em nosso pensamento, ou crenças que possuímos têm correspondência real ou concreta. Crenças em fenômenos não materializados, como anjos, céu, inferno, dentre outros, são exemplos dessas expressões.

Além disso, podemos, ainda, criar, imaginar, pensar o que quisermos, sem nenhum compromisso em demonstrar a existência concreta dessas criações ou imaginações.

Vale lembrar neste momento a idéia que Platão tinha da própria idéia. Segundo esse autor, as idéias perfeitas ficam fora do tempo e do espaço. Para explicar esse fenômeno, utiliza a equação matemática da esfera perfeita e imutável. Sua formula é (x2 + y2 + z2 =r2) Mesmo falando sobre a esfera perfeita, deixa claro que nunca poderemos obter essa esfera, mas apenas cópias irregulares, imperfeitas. Todas as cópias mudam no espaço e no tempo, chegando em alguns casos a se modificar e se transformar em outra coisa. Somente a esfera perfeita e sem falha 1 Estamos nos referindo ao Idealismo dogmático que segundo LALANDE, A significa ...”o mundo exterior é criado pelo sujeito considerado quer como consciente, quer no seu prolongamento inconsciente ( porque todos os teóricos do conhecimento dão, sob uma forma ou outra, um lugar mais ou menos importante a uma forma de existência que envolve a existência consciente e é conhecida apenas pelos seus efeitos...”p.493.

2 Materialismo ...”doutrina segundo a qual não existe outra substância além da matéria, a qual se atribuem propriedades variáveis segundo as diversas formas de materialismo, mas que tem como característica comum o fato de ser concebida como um conjunto de objetos individuais, representáveis, figurados...”p.651.

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permanece perfeita como tal. Isso ocorre porque é uma abstração, uma coisa ideal.

Nesse sentido, as flagelações dos corpos com base na crença de que esse ato purifica a alma, estão perfeitamente adequadas à concepção idealista de mundo.

Um outro exemplo dessa forma de pensar, bem próximo dos professores de Educação Física, é o planejamento escolar. Geralmente esses professores, sem um conhecimento prévio da concreticidade dos alunos, ficam reunidos em salas, semanas a fio, fazendo os planos semestrais ou anuais. Esses planos têm por base as conjecturas que os professores fazem acerca das crianças e necessidades das séries. Eles planejam suas aulas para crianças e mundo imaginários. Por isso, geralmente esses planos não saem das gavetas dos supervisores, fortalecendo ainda mais as clássicas críticas acerca do distanciamento existente entre o que se ensina na escola e a realidade do aluno.

Um outro exemplo que acontece na vida diária são as chamadas imagens que fazemos das pessoas, dos objetos e espaços. Quando as pessoas vão participar de um Congresso e já ouviram falar de um palestrante, ou quando ouvem falar de uma praia ou cidade, imediatamente constroem uma imagem desse sujeito, dessa praia e dessa cidade. Geralmente, quando concretamente têm contato com o sujeito, a praia e a cidade, ficam surpresas com a diferença existente entre a imagem criada e a realidade vivida.

Sinteticamente, diríamos que os seguidores dessa linha de pensamento partem de um ponto de vista abstrato, vão ao concreto e retornam ao abstrato, para correções e adaptações daquilo que foi pensado inicialmente.

Essa discussão, para o professor, seja ele de qualquer disciplina, é importante porque muitos ainda trabalham á luz da ontologia platônica que séculos antes de Cristo dividiu o mundo em dois: o mundo sensível, da mudança da aparência, e o mundo inteligível, da identidade, da permanência, da verdade, conhecido pelo intelecto puro, sem qualquer interferência dos sentidos e das opiniões. O primeiro é o mundo das coisas, o segundo, o mundo das idéias e das essências verdadeiras. Somente para provocar, chamamos sua atenção para uma posição singular de Platão: as idéias do bem, do belo, do justo, do homem, dos astros, do amor, do animal e do vegetal são seres reais. O que você acha desse posicionamento Platônico? Pense em sua vida e procure saber onde você obteve suas concepções de amor, belo, tristeza, liberdade, alegria dentre outras, foi no mundo sensível ou inteligível?

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A linha materialista, por sua vez, ao desatrelar o ser pensante do conteúdo do pensamento, inverte a relação idealista, advogando que a consciência é um dado secundário e a realidade, um dado primário.

Com isso, utilizando como exemplo o planejamento escolar mencionado anteriormente, na perspectiva materialista, o professor primeiro conhece seus alunos e depois faz o plano. Ele obedece à seguinte sequência de ação: conhecimento da realidade – reflexão sobre essa realidade – e volta à realidade com o plano que será executado.

Geralmente os defensores desse ideário evitam criar imagens, conjecturas. As criações e as análises de tendências somente são realizadas a partir de dados concretos e não de abstrações.

O materialismo histórico tem em Karl Marx, filósofo alemão, sua grande expressão e na dialética, o único método científico de pesquisa. O termo dialética vem do grego dialegein, que significa discutir as idéias contrárias. Marx, utilizando de forma invertida a dialética de Hegel, grande filósofo alemão, descobriu que as leis da dialética são as leis do mundo material e que, se o pensamento é dialético, é porque os homens não são alheios a esse mundo, mas fazem parte dele. Em outras palavras, para Marx o movimento do pensamento não é senão o reflexo do movimento real, transportado e transposto para o cérebro do homem, razão pela qual a consciência é um dado secundário, a realidade um dado primário.

Quanto às característico da dialética, sinteticamente, mencionamos as quatro leis fundamentais: Lei da ação recíproca e da conexão universal; Lei da transformação universal e do desenvolvimento incessante; a mudança quantitativa e a luta dos contrários.

A primeira lei diz que tudo se relaciona e o mundo não é um amontoado acidental de objetos, de fenômenos isolados uns dos outros, independentes, mas um todo unido, coeso, em que os objetos e os fenômenos são organicamente ligados entre si, dependentes e se condicionando reciprocamente.

A segunda advoga que tudo se transforma porque a natureza está em constante mudança, renovação, desenvolvimento incessante, em que as coisas nascem e se desenvolvem, desagregam e desaparecem.

A terceira lei deixa esclarecer a questão da quantidade versus qualidade. Para Marx, a mudança qualitativa é a passagem de uma qualidade para outra, a passagem de um estágio para outro, como a passagem do estado liquido para o gasoso da água, fruto do aumento da temperatura.

A quarta e última Lei, a luta dos contrários, defende que os objetos e fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro; todos têm elementos que desaparecem e elementos que se desenvolvem. Essa

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luta é entre o velho e o novo, entre o que nasce e o que morre, entre o que perece e o que evolui da conversão das mudanças quantitativas em mudanças qualitativas.

Mas, afinal, qual é a importância dessa discussão para o entendimento do professor sobre as questões históricas e filosóficas que envolvem os deficientes e a política de inclusão?

Essa discussão é de suma importância, pois a prática social e pedagógica do professor depende essencialmente de três fatores: os valores históricos em que acredita e que defende; como se relaciona com os Outros e como utiliza o poder do conhecimento que possui. E é justamente a respeito desses fatores que trataremos a seguir.

Os estudos de Maurice Tardif (2004)3 mostram o quanto a história de vida dos professores influencia sua prática pedagógica. Segundo esse autor, os fundamentos que constituem a competência dos professores são adquiridos por meio de sua experiência de vida e atividade profissional. Os hábitos podem transformar-se num estilo de ensino e até mesmo em traços da personalidade do professor. Os professores carregam consigo uma história marcada por estigmas, crenças e preconceitos. Somem-se a isso os longos tempos que passaram nas escolas, tendo aulas com outros professores. Essas lembranças e vivências, na hora de ensinar, falam mais alto do que os conhecimentos que aprendem nas universidades durante a formação.

Por essa razão não basta apenas investir em formação continuada, conteudista. É preciso fazer com que os professores superem valores e crenças arraigados, mudando significativamente a forma de ver e se relacionar com o Outro e com o conhecimento.

O segundo fator diz respeito à forma de ver e se relacionar com o Outro. O entendimento dessa relação somente é possível se o professor tiver clareza sobre qual é sua concepção de diferença. Em que pese o discurso sobre as diferenças ter ganhado terreno nos últimos anos, ela necessita ser entendida historicamente.

3 Saberes docentes e Formação Profissional. 4ª.Ed. Vozes: Petrópolis, 2004.

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2. ENTENDIMENTOS DE DIFERENÇA

Historicamente, a idéia de diferença entre os seres humanos

tem sido entendida de várias formas e comprometido as ações políticas que tentam reparar as desigualdades e as injustiças sociais ocorridas em cada época.

Na antiguidade, por exemplo, o Ser, como elemento identitário de todas as coisas, explicitou a diferença ontológica, que, segundo Heidegger, significa a diferença entre o Ser e o Ente4. Ente é tudo aquilo a propósito de que falamos, aquilo a que, de um modo ou de outro, nos referimos5. O Ser representa a existência e o não-ser, a não-existência. A tese famosa de Parmênides, o Ser é e não pode não ser, estabelece como significado fundamental do Ser a necessidade, o não poder não ser6.

Duas outras distinções de Ser que merecem destaque são: o uso predicativo e o uso existencial. No primeiro caso, por exemplo, dizemos: João é homem, ou a casa é branca; no segundo, João é = existe, ou a casa é = existe7. Temos clareza de que as questões que envolvem o entendimento de Ser e Ente são históricas e não é nossa pretensão neste texto esgotar essa discussão. Utilizamos a diferença ontológica para relacionar o entendimento de Ser, com o de não Ser, na relação Eu com o Outro. A questão é saber quem era considerado não Ser no uso predicativo? Essa questão é importante porque, por exemplo, quando a diferença predicativa do Ser era aliada ao logos grego do pensar, da inteligência e da liberdade, apenas alguns Seres (homens livres, os nobres e o clero) eram reconhecidos como Seres. Os escravos, bárbaros, conquistados e deficientes, nessa lógica, eram entendidos como não Ser, apesar do uso existencial do Ser os igualar.

Com isso, a aceitação ou exclusão do Outro era realizada a partir do ponto de vista do considerado Ser. A diferença entre os Seres era vista como dependência, negatividade – um não é o Outro – são diferentes. A diferença era explicada em função da natureza humana.

Entretanto, dada a complexidade da diferenciação entre Ser e Ente, a diferença entre os homens ficou centrada no Ser e a igualdade, no Ente, entendido como criador do Ser existente. O Ente esta por Deus

4 Abbagnamo Dicionário de Filosofia p. 258. 5 Idem Ibidem p. 315. 6 Idem Ibidem p. 851. 7 Ibidem p.846.

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como ser necessário, e existente pelas coisas criadas8. A idéia abstrata de igualdade universal entre os homens é reforçada e ampliada pelas diferentes vertentes religiosas.

O segundo entendimento de diferença surge com o florescimento da ciência moderna, centrado no racionalismo e no discurso científico. O embate entre as visões teocêntrica e antropocêntrica dividiram opiniões a respeito de quem pode conhecer e deu à razão humana poderes incomensuráveis. O Eu racional passou a predominar na relação com o Outro. A máxima de Descarte “penso logo existo” deixa claro a centralidade do Eu nas relações.

O desenvolvimento científico possibilitou comprovar, principalmente nas áreas da biologia e psicologia, várias distinções físicas, biológicas e psicológicas dos seres humanos, que até então eram percebidas apenas empiricamente.

Nunca, na história, os homens foram tão medidos e quantificados. Testes de inteligência, de condição física, de capacidade motora e muitos outros foram desenvolvidos e implementados visando a dar à diferença um cunho científico e “verdadeiro”. Uma criança cujo quociente de inteligência (QI) fosse abaixo de 60 era considerada incapaz de freqüentar o mesmo espaço de uma criança com QI 120, por exemplo. Vários testes físicos foram realizados e relacionados com a cor dos indivíduos, com o sexo, com a idade, biótipo, e assim por diante. Os testes eram considerados pelo método científico como fidedignos e válidos, e, portanto, seus resultados espelhavam a verdade.

Com isso, o Eu racional passa a ser a referência epistemológica da existência e o uso da razão atua como critério da capacidade humana. Em nenhum momento a máxima descartiana foi pensada como: “Eu penso logo o Outro existe”.

A centralidade no Eu racional permitia que o Outro, o diferente, o que fugisse aos padrões fosse visto como não-racional – não capaz, não livre, não produtor. Eu vejo o outro a partir de mim, e não, de como o outro realmente é. O nível de inteligência, de capacidade de raciocínio e a pureza da raça (Eugenia) passam a estabelecer o tipo de Eu normal e do Outro diferente.

Esse entendimento de diferença centrado nos aspectos físicos, biológicos e psicológicos ainda predomina fortemente em pleno século XXI.

O fortalecimento da razão instrumental e as grandes descobertas científicas, associadas aos movimentos do modo da

8 Ibidem p. 315.

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produção capitalista, cada dia mais, reforçam a tese do Eu individual em relação ao Outro. A idéia abstrata de igualdade universal paulatinamente está sendo substituída pela concepção de diferença concreta.

O terceiro entendimento de diferença surge quando a razão instrumental começa a ser questionada como única forma de se chegar à verdade. Com isso, aumenta a tensão entre objetividade e subjetividade do Ser, na produção do conhecimento. A ciência positiva centrada na neutralidade, objetividade, rigor e precisão são duramente questionados. Novos métodos de pesquisa são utilizados e a produção desse conhecimento centrado do subjetivismo do Ser tende a questionar fatos como o sentido da vida; o sentido e o significado das coisas, dentre outros.

Essas novas tendências da pesquisa surgem como alternativas para a Razão repensar sua própria atividade no mundo. A Dialética negativa, oriunda da escola de Frankfurt, por exemplo, é uma dessas tendências. Ela afirma o projeto da diferença e do Outro.

A diferença, nessa nova perspectiva, não está centrada nem na natureza humana, tampouco em aspectos físicos e psicológicos do Ser, mas na crítica severa e radical à lógica da razão instrumental. A relação Eu com o Outro passa a ser vista como uma relação dialética entre o Ser unidade e os Outros diversidade. A lógica de pensamento é direcionada para uma dinâmica que permite ver o Ser no Outro e o Outro no Ser, sem ponto de partida ou chegada.

Por exemplo, um homem e uma mulher podem ser diferentes em tudo, gênero, cor, raça, crença, habilidades, capacidades, dentre outras, mas, apesar disso, são também iguais como seres humanos. São iguais e diferentes simultaneamente. O homem possui muito da mulher e a mulher muito do homem, mesmo sendo diferentes. Nessa lógica eu não vejo o outro tendo como referência meus valores, crenças, conceitos e preconceitos, mas o vejo como ele realmente é, diferente e igual simultaneamente. Essa nova concepção de diferença supera as outras duas anteriores, à medida que critica a razão técnica e, consequentemente, o liberalismo e sua versão mais avançada, o neoliberalismo. Além disso, coloca em discussão a globalização e seus desdobramentos econômicos. Denuncia e explicita as armadilhas e simulacros do ideário globalizante, que tenta a todo custo igualar, em nome da livre concorrência, da abertura de mercado e lei da oferta e da procura, as histórias dos povos em todo o mundo.

As idéias excludentes dos imperialistas que detêm o poder econômico mundial fazem com que sejam vitimas de seus próprios processos de exclusão. Eles, apesar de toda a riqueza que possuem, não conseguem alimentar com sua cultura as massas excluídas. Reina, então,

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a polarização entre culturas, o que é altamente inquietante para todas as partes envolvidas.

A nova concepção de diferença, portanto, supera a tensão entre o particular que se pretende universal e o universal que se pretende particular, à medida que trabalha dinamicamente o universal e o particular, visando à superação da razão técnica como única forma de se chegar à verdade.

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3. ENTENDIMENTO DE INCLUSÃO

Antes de entrar na discussão propriamente dita sobre a

inclusão, é preciso considerar que falar sobre a inclusão pressupõe uma reflexão acerca da idéia de exclusão social, conceito que, a partir da década de 90 do século XX, substituiu o termo pobreza, utilizado até então. Essa denominação fazia, e continua fazendo, referência às camadas da sociedade aptas fisicamente ao trabalho, porém, vítimas das conjunturas sociais, políticas e econômicas, distantes da maioria das riquezas geradas pelos homens.

O Instituto Ethos informou que 46 milhões de brasileiros vivem com menos de US$1 por dia, o que os torna, evidentemente, excluídos sociais. Esse número significa aproximadamente 36,9% da população brasileira que, somados aos outros países da América Latina, totalizam 88 milhões de latino-americanos excluídos, vivendo em miséria total.

A mudança do conceito de pobreza para excluídos em nada contribuiu para minimizar a miséria em que vivem esses 88 milhões de latino-americanos. Por essa razão a inclusão não pode ser entendida como algo isolado, pertencente apenas ao campo educacional. Os excluídos o são na saúde, na educação, na habitação, na alimentação, no lazer, no esporte, enfim, são excluídos das riquezas geradas pelos homens ao longo do tempo.

Portanto, o despertar político mundial para a inclusão, a partir de 1990, levou em conta a totalidade da exclusão social e não apenas exclusões isoladas, como têm sido vistas pelos governantes brasileiros.

Por força do antigo e fracassado modelo de integração social defendido entre os anos 70 e 90 do século XX pelas políticas públicas nacionais, ainda hoje, quando se fala em inclusão, vem logo à mente, de forma errônea, a idéia de que estamos falando apenas das pessoas com necessidades especiais ou deficientes. A política internacional de inclusão defendida no Fórum Mundial de Educação para Todos, realizado na Tailândia em 1990, foi pensada no sentido de abranger outros estratos sociais. E nos perguntamos: por que tanto o atual como os governantes brasileiros anteriores não colocaram essa questão como de Estado e global? Qual a razão de tantos Ministérios terem a inclusão social e educacional como eixo central e trabalharem, simultaneamente, em total descompasso uns com os outros? Talvez, as explicações abaixo respondam a essa pergunta.

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Uma ação política do governo Federal para acabar com a fome, por exemplo, pode caminhar em dois sentidos: propondo o plantio de uma grande lavoura de arroz, capaz de saciar a fome de todos, ou propondo o plantio em terrenos isolados. A primeira envolve toda a nação, exigindo um único esforço coletivo. A segunda envolve partes do governo, cada ministério secretaria, diretoria e coordenação propondo o plantio do arroz em terrenos próprios. O arroz da grande lavoura conseguirá matar a fome de todos e retirá-los da lista dos miseráveis, mesmo sendo um trabalho enorme e mais difícil que plantar arroz em terrenos menores. Entretanto, apesar de mais fácil de plantar e cuidar, o produto desses terrenos matará a fome apenas de alguns e, por mais sucesso que se tenha na colheita, a forma utilizada no plantio não poderá ser transplantada para outros terrenos, porque são totalmente diferentes uns dos outros.

As consequências da segunda linha de ação são extremamente danosas ao país, pois, mesmo conhecendo os excluídos, as ações são pulverizadas e independentes. Além disso, pela falta de um cadastro único, cada ministério, na tentativa de mostrar serviço e adquirir poder, lança um programa isolado (planta seu terreno) com idênticos objetivos, gerando uma competição entre os “terrenos”, diluindo os parcos recursos existentes, nas malhas da burocracia. Uma coisa é gerenciar um projeto único, outra, vários micro-projetos. O custo administrativo para divulgar, cadastrar, selecionar, avaliar e controlar micro-projetos é quase cinco vezes maior que o custo gerencial de um único projeto.

A preferência pelo plantio de arroz em terrenos isolados é uma das formas mais bem acabadas de dissimulação das políticas públicas. Os excluídos são os mesmos e comem o arroz de diferentes áreas, sem, entretanto, deixarem a condição de excluídos. Com isso, a questão inicial, acabar com a exclusão via inclusão, não é resolvida e o processo se torna cíclico e sem fim.

Tão importante quanto incluir milhares e milhares de pessoas em diversos programas de inclusão é saber como e em que condições vão sair desses programas.

Aprofundando-nos um pouco mais, a inclusão pode ser vista, ainda, sob três perspectivas.

A primeira é o moralismo9 abstrato10, que defende a presença de todos com todos e busca a normalização pela igualdade, a

9 O termo Moralismo aqui utilizado deve ser entendido como um formalismo ou conformismo moral que tem pouca substância humana. Abbagnano, p. 653. 10 O termo abstrato deriva de abstração que significa (...) “a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção, observação,

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partir de um forte apelo sentimental. A segunda é o Moralismo Pseudo-concreto, que vê a educação como direito de todos e dever do Estado. Trabalha com o principio das diferenças e na possibilidade da normalização pelas diferenças. Excluídos e incluídos são vistos como iguais, desaparecendo a diferença na diferença, predominando a igualdade na diferença e, consequentemente, a negação das identidades. Essa recontextualização e reparticularização das identidades negadas alimentam a contradição entre o universal e o particular. O universal deriva da lógica e da forma de mercado homo economicus. O particular é o resultado da força de trabalho central e periférica. O sistema precisa segregar (raças, sexo), como estratégia para remunerar um grande contingente de força de trabalho abaixo dos salários normais, sem correr o risco de agitação política. A isso denominamos, na falta de uma palavra que melhor defina o que está ocorrendo, de neo-segregação e neo-discriminação. Essa “nova” roupagem da discriminação e da segregação não utiliza o “tecido” das diferenças biológicas e limitações das pessoas como antes. Agora elas constroem suas vestimentas com os fios das diferenças culturais e de conduta do indivíduo.

O processo global de imigração e miscigenação substituiu a raça pelo multiculturalismo, a segregação pela desnormatização, dissolvendo com isso a consciência e a luta de classes. A exclusão e a discriminação não são mais problemas da minoria, mas da maioria da população.

Nessa tendência ocorre a particularização e universalização da diferença. A diferença passa a ser singular e universal ao mesmo tempo. Como singular, representa a volta ao campo concreto e real do sujeito; universal, representa a volta à normalização. Com isso, desaparece, num passe de mágica, o singular no universal, perdendo o indivíduo novamente sua concreticidade inicial.

A desigualdade social desaparece do campo da discussão, à medida que a singularidade do sujeito é convertida em universalidade. A fusão singularidade - universalidade faz com que o incluído e o excluído sejam vistos apenas como uma questão temporal e não estrutural da sociedade. [...a passagem do predomínio do termo pobreza para exclusão significou, em grande parte, o fim da ilusão de que as desigualdades sociais eram temporárias...] A exclusão emerge, assim, no campo internacional, como um sinal de que as tendências do desenvolvimento econômico se

consideração, pesquisa e estudo, e isolada de outras coisas com que está em uma relação qualquer.” Abbagnano, p.5

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converteram. [Agora - e significativamente - no momento em que o neoliberalismo se torna vitorioso por toda parte, as desigualdades aumentam e parecem permanecer...]

A neossegregação e a neo-discriminação deixam o campo do

moralismo abstrato e ressignificam o real em bases contraditórias. O particular e o universal se igualam, fazendo com que a discriminação deixe o campo específico da diferença e passe a incidir sobre o campo geral da universalidade, permitindo, por exemplo, que as pessoas afirmem, equivocadamente, que “todos somos diferentes e por esta razão somos deficientes em alguma coisa”.

Nessa mesma linha de raciocínio, a escola, diante das incompatibilidades que tem enfrentado face à política de inclusão, utiliza a mesma lógica e raciocínio anteriormente mencionados, concluindo que: se todos os alunos são diferentes, podem perfeitamente ocupar o mesmo espaço e tempo para a aprendizagem. Com isso, é “normal” colocar em classes regulares crianças portadoras de necessidades especiais as mais diversas, sem realizar-se nenhuma mudança estrutural no espaço e no tempo escolares. Negam o estatuto histórico dos alunos, em nome da normalização.

Vale ressaltar que, se no moralismo abstrato o estatuto histórico era negado em nome da igualdade universal, no moralismo pseudo-concreto a negação continua, porém, em bases mais sólidas e complexas.

A terceira é o moralismo concreto que utiliza a dialética como método em todas as análises realizadas. Advoga a unidade na diversidade, a igualdade na diferença e o específico no geral. Identifica e compreende os mecanismos sociais e os critérios utilizados para nominar tanto os incluídos como os excluídos. Ao invés de negar o estatuto histórico do sujeito, procura explicitá-lo. Ao contrário de silenciar diante das contradições e incompatibilidades sociais, as denuncia. Concebe as desigualdades concretas existentes entre os homens como fruto histórico e estrutural da sociedade, e não apenas como obras da meritocracia, capacidades e habilidades individuais. Os princípios dessa tendência serão exemplificados no segundo capítulo, quando tratarmos da escola não-seriada.

O ideário inclusivista dominante no Brasil, portanto, traz em si profundas contradições em função dessas perspectivas em que a sutileza das diferenças existentes tem fomentado debates em centenas de encontros, porém sem a localização precisa do verdadeiro problema que

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estamos enfrentando e, consequentemente, um consenso mínimo das ações.

A grande questão presente, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, consiste em combinar princípios universais com diferenças culturais. Em outros termos, a construção da paz e resolução dos conflitos, sejam globais ou específicos de cada sociedade, passam necessariamente pela mudança nos valores dominantes, de forma que a unidade seja a base da diversidade cultural, religiosa dentre outras.

Compartilhamos com Touraine (1998), quando diz que:

A idéia que jamais deverá ser sacrificada é a de que a paz tanto interna a uma sociedade como entre sociedades diferentes não pode existir sem o reconhecimento, antes de qualquer coisa, de um princípio universalista que prevaleça sobre a razão instrumental que rege a economia e sobre a diversidade cultural. [...] A educação não pode ser meramente um modo de fortalecer a sociedade: ela tem que servir também à construção de personalidades capazes de inovar, resistir e se comunicar, afirmando seu próprio direito universal e reconhecendo o do outro, de participar na era técnica moderna com suas personalidades, lembranças, linguagem e desejos.] p.45

Essa unidade seria, por exemplo, um código moral capaz

de nortear a economia, a política e a prática educacional. Com isso, a escola formal deixaria de ser o lugar onde um adulto ensina 45 alunos em espaços e tempos definidos e passaria a trabalhar com uma concepção de educação capaz de promover a “cidadania múltipla”11, somente possível na ótica da unidade na diversidade.

11 Segundo Colin Power este conceito começa pela aceitação da unidade da família humana e da interconexão de todas as nações, culturas e religiões. Ele implica, por exemplo, que devemos, de forma sistemática, tentar desenvolver, por meio dos programas educacionais nacionais, um apaixonado respeito pela dignidade inerente e pelos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana. Power, ano 2002 p.51.

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4. ENTENDIMENTO DE JOGO E ESPORTE

Ao final dessa unidade, você deverá ser capaz de compreender a lógica conceitual e histórica do jogo e do esporte. 

O jogo e o esporte sempre estiveram presentes em nossas

vidas. Tente se lembrar de sua infância e das atividades físicas que realizava com seus amigos, nas ruas, nos passeios, terrenos baldios e praças. Você vai perceber que existiam atividades livres como: piques de rua, jogos com bolas de meia e de borracha, dentre outras, das quais participava quem quisesse, com total liberdade de entrar e sair da brincadeira. Essas atividades eram denominadas de jogos ou brincadeiras. Existiam, ainda, outras atividades chamadas de esporte que eram organizadas e realizadas em clubes, escolas e terrenos baldios, nas quais os participantes utilizavam uniformes, as regras eram rígidas e os vencedores recebiam troféus e medalhas.

Apesar das aparentes diferenças apresentadas anteriormente entre jogo e esporte, existem autores e profissionais da área que são contrários a esse pensamento. Eles afirmam que entre o esporte e o jogo existe mais identidade do que diferenças. E você, o que pensa a esse respeito?

Na seqüência apresentamos alguns elementos que julgamos importantes para a compreensão desta polêmica. Começamos discutindo o que vêm a ser os movimentos fundantes e secundários do homem.

Como sabemos, a busca dos fatos e fenômenos relacionados às origens da vida, sempre foi uma necessidade dos homens. Não poderia ser diferente para as questões que envolvem as origens dos jogos, dos esportes e dos movimentos.

Em nossos estudos, identificamos algumas concepções históricas a respeito dos movimentos. A primeira delas trata o movimento humano como atividade física, chegando às vezes a se constituir em um hábito corporal. Sob esse prisma seus conteúdos serviram para preparar os homens para diferentes tipos de relações: guerras, rituais e sacrifícios religiosos, festas e, principalmente no mundo oriental, como forma de auto-conhecimento e domínio do próprio corpo.

Como hábito corporal as atividades físicas foram cultivadas em diferentes épocas e civilizações com técnicas específicas e bem

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direcionadas. Essas atividades se manifestaram ao longo da história com múltiplos objetivos e diferentes conteúdos internos.

À guisa de exemplificação, destacamos: as formas jogadas individuais e coletivas; as lúdicas e recreativas; as religiosas; e muitas outras, que passaram por diferentes estágios, modificações e denominações ao longo dos tempos. Além disso, destacamos as informações retiradas da obra “Os Ilíadas”, de Homero. Esse autor menciona uma das mais antigas competições atléticas ocorridas no mundo grego, no funeral de Patrocle, fiel amigo de Aquiles que foi morto por Hector. Nesse funeral, Aquiles organizou uma cerimônia fúnebre composta por jogos, corridas a pé, lutas e lançamento de disco e arco e flecha12.

Outro exemplo são os vestígios encontrados por arqueólogos em peças de argila datadas de 3000 –1500 a.C., época da civilização sumeriana. Estão retratadas ali lutas entre os homens semelhantes ao boxe atual13.

Nesses dois relatos históricos chamamos a atenção para as atividades físicas: corrida a pé, lançamento de disco, arco e flecha e lutas; e perguntamos em que esses movimentos, realizados a milhares de anos atrás, se diferenciam de seus similares hoje?

Você pode responder: em muitos aspectos. Nós concordamos em parte com você, porque se aprofundarmos nossas análises, vamos perceber que essas diferenças, fruto da história evolutiva do conhecimento, não são essenciais e sim, secundárias.

São secundárias porque apesar de esses movimentos não serem mais realizados com as mesmas técnicas e instrumentos de antigamente, nem a corrida a pé, nem o lançamento do disco, ou o arco e flecha deixaram de ser essencialmente o que foram há séculos atrás. Cada um guarda em si o que lhes dá identidade de ser o que é, um movimento fundante, essencial e primário. As identidades da corrida a pé, do salto e do arremesso são inerentes a eles mesmos e não às técnicas que os aperfeiçoaram. As novas técnicas e instrumentos utilizados atualmente nada mais são do que conhecimentos agregados ao movimento fundante.

Pelo fato de o tempo da maratona ter diminuído, ou os atletas utilizarem roupas e calçados especiais, ou terem sido preparados com as mais novas técnicas de treinamentos, a antiga corrida a pé não deixou de ser ela mesma e passou a ser outro movimento qualquer. Pelo contrário,

12 THOMAS, Ramond. Que sais-je ? Histoire du sport. 15a. ed. Press Universitaire de France. Paris, 1991.p.27 13 Idem, ibidem.

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ela continua sendo corrida a pé, apesar de todos os conhecimentos técnicos novos que a ela foram agregados. Se as técnicas novas (secundárias) tivessem o poder de mudar radicalmente o movimento principal, não teríamos atualmente corrida a pé, mas qualquer outra atividade com nova denominação e conteúdo.

O mesmo acontece quando relacionamos o lançamento do disco realizado no mundo grego e o lançamento do disco realizado nas últimas Olimpíadas. Percebemos similitudes e diferenças importantes entre eles. E é justamente nas similitudes, que o tempo histórico não apagou, que residem as igualdades dos movimentos. Daí a importância de considerarmos em nossas análises a identificação dessas igualdades fundantes dos movimentos.

Nessa perspectiva, na história das atividades físicas, os jogos e os esportes modernos, em termos de movimentos fundantes, estão intimamente imbricados. O movimento realizado pelos homens, quer nos jogos, quer nos esportes, possuem identidade na origem e diferença no tempo histórico. Originalmente, nas práticas, tanto nos jogos quanto nos esportes o elemento essencial agonístico e os movimentos fundantes estão presentes e são os mesmos.

Não podemos negar, entretanto, que os objetivos e as finalidades dos esportes se diferenciaram ao longo dos tempos e ainda se diferenciam dos objetivos e finalidades dos jogos. Apesar disso, a base primária (movimentos fundantes e elemento agonístico), tanto dos movimentos, quanto dos jogos e esportes, continuam os mesmos.

A diferenciação não é essencial, nem principal, mas secundária. Seria uma questão principal, se no momento da realização efetiva do jogo e do esporte, os conteúdos solicitados e os gestos apresentados não guardassem em si nenhuma relação nem com os gestos primários do movimento, nem com o caráter agonístico original.

Dito isso perguntamos a você: o correr de dois atletas visando à disputa de bola no futebol, ou o correr de duas crianças conduzindo uma bola no jogo estafeta, como movimento fundante e agonístico (disputa pela bola), são diferentes em que? Ou ainda, onde reside a diferença primária entre o saltar no basquete e no voleibol, e os saltos que as crianças realizam em ruas, escolas e praças das cidades?

A resposta pode parecer fácil se a dermos apressadamente, porque, aparentemente esses gestos são qualitativamente diferentes. Porém, se analisarmos bem, perceberemos que as diferenças existem e estão localizadas apenas nos objetivos da corrida e do salto, porque essencialmente eles são os mesmos.

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O salto e a corrida, bem como o interesse em vencer e ganhar, continuam sendo os mesmos de séculos atrás, em que pese todo conhecimento técnico nele agregado. Se não fosse assim, deixariam de ser salto e corrida e o caráter agonístico seria extinto.

Admitir a diferença primária entre esses saltos e corridas, bem como negar o caráter agonístico dos jogos e esportes, é o mesmo que admitir a extinção do salto, da corrida e da competição.

Portanto, o entendimento do movimento humano exige a identificação, em cada um deles, do que é essencial e do que é secundário. Essa identificação é de suma importância para a compreensão do jogo, do esporte e da atividade física.

Na sequência discutiremos alguns aspectos acerca das origens dos jogos e do esporte, com o objetivo de explicitar os encontros e desencontros conceituais existentes.

4.1 Origens dos Jogos e do Esporte

As origens do esporte, não só no Brasil como no mundo, já

foram objeto de estudo de vários autores14 e, cada um a seu modo, procurou demonstrar o movimento histórico percorrido por esse fenômeno ao longo dos tempos.

Seguramente, pela complexidade do problema, discutir as origens das atividades esportivas envolve questões pluri-dimensionais do conhecimento. Segundo Palmer; Howell citados por Thomas (1983)

“...é difícil situar bem historicamente a primeira prática esportiva. Para tanto, seria necessário uma aproximação interdisciplinar de múltiplos conhecimentos,

14 THOMAS, Raymond. Que sais-je ? Éducation Physique et sportive. , París : Press Universitaires de France, 1983. CANTARINO FILHO. Mário Ribeiro. A Educação Física no Estado Novo: história e doutrina. Dissertação de Mestrado (UNB) 1982. CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 3a. Ed. Campinas, Papirus, 1991. MARINHO, Inezil Pena. A oportunidade da criação da carreira de técnico de educação física. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional 1944. MARINHO, Inezil Pena. Sistemas e métodos de educação física. 1958. SPIVAK, Marcel. L’école Supérieure d’éducation physique de Joinville-le-Pont, 1852-1939. Revue historique des armées, 1985(1) : 37-47.CASTRO, Celso. Os militares e a introdução da Educação Física no Brasil. In: Corpore Sano. Antropolitica, Niterói, RJ. No. 2, p.61-78 ,1997.

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notadamente de história antiga, medieval, moderna e contemporânea, de antropologia, de sociologia, filosofia, dentre outras e ter uma clara compreensão da natureza do esporte e do jogo...”(p.26)

O trabalho histórico legado por diferentes pesquisadores, sem

sombra de dúvida, significou e ainda significa um marco importante para os jogos e os esportes. Entretanto, diríamos que, apesar dessa contribuição dada, saber com clareza se os movimentos trabalhados nos jogos e nos esportes formam um todo indivisível ou se são coisas distintas, continua sendo ainda um desafio.

Por essa razão, uma das primeiras questões levantadas pela grande maioria dos autores, quando discutem as origens do esporte, é saber qual é a definição de esporte. A questão clássica é: em que os elementos essenciais dos jogos se diferenciam dos elementos essenciais dos esportes e vice-versa?

Antes de responder a essa questão, analisaremos, mesmo de forma breve, o movimento evolutivo e as principais tentativas de definição desses fenômenos15.

Segundo Thomas (1991), no início do século XII, um senhor chamado John Lepton apostou que conseguiria percorrer, sem parar, sobre um cavalo, a mesma distância existente entre Londres e Nova York. Ele conseguiu essa façanha em cinco dias. Com isso, três elementos importantes foram explicitados e passaram a pertencem ao esporte, são eles : o record; o interesse crescente pela rapidez; e a obsessão pela medida.

Nossos estudos deixam claro que, apesar da manutenção do elemento primário agonístico, não existe uma ligação entre os objetivos e as finalidades dos esportes modernos e os jogos utilizados nas cerimônias religiosas e festas na Antigüidade. Sinteticamente enumeramos algumas diferenças. São elas:

a) Na Antigüidade os jogos não eram praticados por todas as pessoas. Os escravos sempre foram excluídos. Na Idade Média os jogos eram reservados aos nobres.

15 A palavra desport tem origem no francês antigo. Deriva do verbo desporter que significa (s’abattre) abater. ( séculos XII e XIII). Mais tarde o verbo desporter passou a ter o significado de (s’amuser) ou divertir recrear, distrair. Segundo Rabelais a palavra desport foi levada pela cavalaria inglesa no século XIV. Mais tarde, os ingleses passaram a utilizar com o mesmo significado a palavra sport. É interessante ressaltar que, para a palavra sport não existe equivalente em francês mesmo desporter sendo de origem francesa.

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b) No esporte moderno existe grande especialização das regras, fato inexistente nos jogos da Antigüidade. Ele é submisso às regras, extremamente burocrático, medido e qualificado. c) O esporte moderno busca sempre o record, ele cria o record, enquanto que nos jogos da Antigüidade existia apenas o vencedor.

Para muitos essas diferenças são aceitas e justificadas pela

evolução histórica. Porém, apesar das diferenças de objetivos e dos praticantes dos jogos e dos esportes hoje em dia, o caráter agonístico essencial não mudou. Seja o jogo praticado por nobres ou escravos, brancos ou negros, em funerais, festas religiosas, em escolas ou nas Olimpíadas da era Moderna, o caráter agonístico continua presente nos jogos e nos esportes, porque sem ele não existe nem jogo nem esporte.

Retomando nosso rastreamento histórico acerca das tentativas de definição do esporte, merecem destaque as tentativas de conceituar esporte realizadas por alguns autores. Em ordem cronológica, Thomas (1991), destaca os seguintes autores:

Em 1873, a definição aceita na França era ”... sport, palavra inglesa que significa exercícios em pleno ar, corrida de cavalos, remo, caça e pesca, arco e flecha, ginástica e esgrima...” (p.28)

Em 1890, Coubertin (1951) entendia o esporte como “... um culto voluntário e habitual de esforço muscular intenso apoiado no desejo de progresso e risco...” (p.28)

Já em 1922, Prevost (1922) concebia o esporte como “... exercício metódico e higiênico do corpo humano, visando desenvolver a força, a beleza e a energia do espírito...” (p.29)

Em 1925 George Hebert, pai do método natural, deu ao esporte uma definição específica:

“... esporte é todo gênero de exercício ou de atividade física realizada em busca da performance, cuja execução repousa essencialmente sobre a idéia de luta contra um elemento definido: uma distância, uma duração, um obstáculo, uma dificuldade material, um perigo, um animal, um adversário e por extensão contra si mesmo...”. (p.29)

Em 1950, para Dumazedier, o esporte era entendido como “...

toda atividade física exercida pelo homem visando melhorar as qualidades de seu corpo desenvolvendo e medindo-o de acordo com as regras adotadas...”. (p.30)

Para Callois (1958) “esporte é a forma socializada do agon. (agon – jogos de competição)”. (p.30)

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Numa perspectiva semelhante, Diem (1966) entende que “o esporte pertence ao domínio do jogo, e, como o jogo, é de uma índole especial, livremente adotado, pleno de valor, levado a sério, regulado com exatidão e, antes de tudo, buscando rendimento...” (p.30)

Segundo Bouet (1968) esporte é

“...uma atividade institucionalizada de lazer e participação corporal, de estrutura motriz rigorosamente especializada, exercida pelo próprio homem no mundo competitivo, visando a performance...”[...]“o esporte é efetivação, aplicação de princípios, normas, superação, consciência do indivíduo, busca de objetivos, especialização.” (p.26)

Magnane (1969) examina o esporte do ângulo individual,

desprezando a sua perspectiva social. Esse autor o qualifica como sendo uma

”... atividade de prazer, podendo deixar de exercer este papel com relativa facilidade, quando converte a prática esportiva em profissão...” [... ] ...o esporte é uma atividade de prazer na qual domina o esforço físico de quem participa. Ele não é diferente do jogo e do trabalho praticado de maneira esportiva, que comporta regulamentos e instituições específicas, e é suscetível de transformar-se em atividade profissional. (p. 27- 28).

Segundo Eppensteiner (1973),

“... o esporte é compreendido como atributo originário da natureza humana, devendo sua origem a instintos profundamente ligados ao prazer, entre os quais o movimento, e a uma clara intenção de conjugar, com repercussões positivas biológicas e culturais, o instinto lúdico de luta no instinto esportivo. (p.26)

Para Brohm (1976), o esporte é

“... um sistema institucionalizado de práticas competitivas de domínio psíquico, delimitado, codificado, regulado convencionalmente, cujo objetivo é comparar as performances para designar o melhor concorrente (o campeão) ou para registrar a melhor performance (o record)...” (p.29)

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Feio (1978) afirma que o esporte “... é o lugar onde se desenvolve o comportamento do homem, o homem só, o homem em pequenos grupos ou em multidão, numa situação agonístico- recreativa.” (p.35)

Para Prieto (1979), o esporte é entendido:

a) do ponto de vista individual, como uma atividade humana predominantemente física, que se pratica isolada ou coletivamente e em cuja realização pode-se encontrar a auto-satisfação ou um meio de alcançar outras aspirações; b) do prisma social, como um fenômeno de primeira magnitude na sociedade, mas também com conseqüências econômicas e políticas. (p.30 -31).

Cagigal (1979) compreende o esporte como

“uma conduta humana típica e específica e um sucesso antropológico, onde o protagonista, centro desse sucesso, é o esportista, que é um ser humano com uma característica especificada por um certo tipo de “práxis”, entendida como um exercício liberador da

evidência lúdica, além de uma confrontação de capacidades pessoais, evolucionadas até uma competitividade.” (p.32)

Para Guima (1984) o esporte está associado a

“... uma atitude pessoal, uma forma de admitir a vida, que se consegue pela reiteração de exercícios físicos, que se concretiza em conhecer-se e aceitar-se e aos demais sem que se produza outro benefício para a sociedade”. (p32-33)

Em que pese às inúmeras tentativas de definição, o conceito de

esporte está intimamente imbricado com o conceito de jogo, e as definições apresentadas explicitam aspectos importantes que têm contribuído para que, em nível do “senso comum”, continue existindo essa indefinição acerca dos limites entre jogo e esporte.

O primeiro deles é a quantidade enorme de conteúdos que o esporte possui, como atividade física, exercícios especializados, remo, arco e flecha, lutas diversas, competições coletivas e individuais, lazer, recreação e muitas outras.

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Essa polissemia do termo esporte tem impedido que se defina com precisão o seu conteúdo. Por exemplo, esporte pode ser entendido como lazer, ou como atividade física. Bordar, para uma rendeira no interior do nordeste, é uma atividade física de subsistência. Porém, para uma senhora rica que mora em um grande centro urbano, é lazer. Participar de uma partida de futebol, para um jogador profissional, é uma atividade física extenuante, enquanto que, para milhões de brasileiros que jogam os famosos “rachas” de fim de semana, é lazer.

O segundo aspecto que destacamos é a linearidade que existe entre a primeira e a última definição. A maioria dos conceitos traz como eixo central a busca pela alta performance, pelo record. Esse parece ser um traço característico nas definições dos autores.

Por último, chamamos atenção para a definição que incluiu, no final do século XIX, a ginástica como esporte. Esse dado é importante porque a ginástica sempre foi utilizada, ao longo dos tempos, para melhorar a saúde e a preparação física dos futuros soldados, enquanto que os jogos eram práticas livres, espontâneas e utilizadas em festas pagãs, religiosas e até em funerais de pessoas importantes, em cada época.

Não temos dúvidas de que a indefinição, tanto conceitual quanto do conteúdo do esporte, pode ser perfeitamente estendida aos jogos. A falta de limites claros tem impossibilitado que os especialistas da área tenham clareza do que é e do que não é esporte e jogo.

A imbricação de conteúdo é tão grande que, por mais que se tenha tentado delimitar o jogo e o esporte, todas as iniciativas existentes parecem ter sido inócuas. Em função disso, perguntamos: foram inócuas por quê?

No nosso modo de entender, porque a maioria dos autores desconsiderou em suas análises os aspectos comuns existentes entre o jogo e o esporte e se detiveram apenas nos aspectos específicos e secundários.

O reflexo disso se expressa nas ações dos profissionais da área. Poucos têm dúvida de que o Futebol, a Natação, o Basquete e o Voleibol são esportes, e que os grandes e pequenos jogos recreativos bem, como as inúmeras atividades de lazer não podem ser considerados esportes.

Por essa razão, apesar das tentativas de diferenciar o esporte dos jogos, entendendo os primeiros como sendo mais competitivos e os segundos menos competitivos e mais educativos, não conseguiram sucesso nessa diferenciação porque desconsideraram que o jogo e o esporte formam um todo de uma mesma relação, isto é, o componente

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essencial do esporte e do jogo é a relação agonística, sem a qual nem o jogo nem o esporte podem ser realizados.

A relação agonística implica necessariamente competição, luta entre os elementos envolvidos no jogo ou no esporte. Tanto no jogo como no esporte, a competição é fator principal, o móvel dessas atividades. Um jogo simples como o par ou ímpar implica regras, em vencedor e vencido. Não se tem notícias de empate nesse jogo, mesmo sabendo que o empate é uma das possibilidades do agons.

O caráter agonístico, elemento primário dos jogos e dos esportes, não pode ser negado, sob pena de deixarem de existir. Por essa e outras razões, dificilmente os jogos e os esportes podem contribuir para uma formação cooperativa e solidária de seus participantes. Tanto nos jogos como nos esportes, o caráter agonístico não se restringe às equipes oponentes. Ele serve de mediação também para os atletas dentro de cada equipe.

A solidariedade e a cooperação entre as equipes terminam no exato momento em que o jogo e o esporte começam, o mesmo ocorrendo entre os atletas no final das partidas. Quando a equipe é vencedora, o respeito e solidariedade entre os atletas permanece até o jogo seguinte. Porém, entre os atletas vencidos, ela geralmente termina com o apito final do árbitro e passa a predominar o jogo de culpa.

Não podemos nos esquecer que o abraçar, o beijar e toda excitação que os jogadores manifestam nos momentos de glória, quando suas equipes são vencedoras, não se reduz nem se explica pelo simples ato de ganhar e vencer. O ganhar e o vencer trazem consigo conquistas como: muito dinheiro e reconhecimento, no caso dos esportes como o futebol, voleibol e outros. Marcar um gol ou conquistar um ponto não deve ser entendido apenas como um feito heróico ou “obra de arte”, conceitos que muitos locutores tentam induzir nas torcidas. O gol e o ponto possuem valor e todo valor do homem jogador está em sua capacidade e habilidade de fazer gols e marcar pontos. Uns valem pelos pontos que marcam, outros pelos pontos que evitam, mas no fundo todos são regidos pela mesma lógica, que é a do valor16, a que define o quanto vale o homem no jogo e no esporte.

16 O valor de uma mercadoria expressa a forma histórica particular do caráter social do trabalho sob o capitalismo, enquanto dispêndio de força de trabalho social. O valor não é uma relação técnica , mas uma relação social entre pessoas que assume uma forma material específica sob o capitalismo e aparece como uma propriedade desta forma. (Dicionário do Pensamento Marxista.p. 397)

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Sob o manto da neutralidade, muitos autores preferem ignorar a lógica do valor presente nos jogos e esportes, por meio de tentativas vãs de classificação. Estamos falando dos que classificam os esportes em de alto rendimento, escolar, comunitário, militar, classista, dentre outros, tendo como referência os praticantes e o local onde são realizados, e não seus elementos constitutivos primários. O local e os praticantes podem ser diferentes, porém, essencialmente os jogos e os esportes são os mesmos.

É um equívoco contrapor o esporte de alto rendimento, que representa o mais elevado nível de performance com vistas ao record, ao esporte escolar, com o discurso de que o segundo é diferente do primeiro e visa apenas à educação, à crítica e à cooperação entre os alunos.

Os defensores dessas idéias se esquecem de que ambos são educativos e essencialmente iguais, como conhecimento universalmente difundido. Por exemplo, os componentes agonístico, o ato educativo e político, bem como os fundamentos técnicos do basquete, do voleibol ou do futebol estão presentes, tanto no esporte de alto rendimento, quanto no escolar. Uma coisa é discordar do direcionamento educativo e das finalidades do esporte de alto rendimento. Outra é pretender contrapor essa visão alterando apenas a adjetivação do esporte, isto é, de basquete de alto rendimento para basquete escolar.

Como já afirmamos anteriormente, caso o Basquete perca suas características essenciais e fundantes, ele poderá vir a ser qualquer outro esporte menos o Basquete. Por essa razão, ações como: diminuir a altura da tabela, aumentar o número de participantes, permitir que se carregue a bola presa junto ao corpo e outras “inovações” e “criatividades”, não passam de recursos didático-metodológicos de ensino, que em nada alteram a essência do verdadeiro basquete. É comum ainda argumentar que as crianças e os jogadores, ao “alterarem as regras do jogo”, tornam o esporte mais cooperativo” durante a aula. É um ledo engano, porque em qualquer lugar onde o aluno queira jogar o basquete, terá que retornar às bases originais desse esporte. As modificações que ele aprendeu a fazer valem somente até o termino da aula e sua vida não se limita às quatro linhas de uma quadra esportiva.

Em síntese, podemos afirmar que essencialmente o jogo e o esporte formam um todo indivisível. Ambos são educativos e possuem função política determinada nas relações sociais. Não será a pedagogização ou a psicologização do esporte e do jogo que determinarão se esses fenômenos serão mais ou menos seletivos e competitivos, porque a seleção e a competição são seus elementos basilares, fundantes.

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5. TODA PRÁTICA É TEÓRICA E TODA TEORIA É PRÁTICA

Quando analisamos a prática pedagógica de um professor,

prática entendida como teórica e a teoria como prática, vamos perceber que a grande maioria dos docentes não leva em conta a origem do conteúdo que escolhem para veicular em suas aulas.

Desconsideram, por exemplo, que todas as vezes que selecionam conhecimentos para transmitirem aos alunos, selecionam, também, as ignorâncias que devem ser perpetuadas.

Na relação escolha do conhecimento versus escolha da ignorância, tem prevalecido muito mais a ignorância do que o conhecimento, porque os planos de ensino são edificados do plano abstrato para o concreto, reforçando ainda mais os discursos que denunciam o distanciamento entre os conteúdos ensinados e as exigências reais da vida, razão pela qual a desqualificação dos alunos ocupa cada vez mais os noticiários e documentos brasileiros.

E nos perguntamos: afinal os alunos considerados desqualificados, fracassados o são em que perspectiva? Sob a perspectiva dos conteúdos exigidos pela cultura escolar ou pela cultura do aluno?

A resposta a essa questão não pode ser dada sem que a relação poder e conhecimento seja considerada e discutida, porque estamos tratando de interesses diferentes e conflitantes.

O conflito se inicia no momento em que uma cultura deve prevalecer sobre a outra, ou, em outras palavras, para que a cultura escolar se torne hegemônica, é necessário que a cultura do aluno seja sufocada. Uma das formas que a escola tem utilizado para concretizar e tornar sua cultura hegemônica, é subtraindo, negando a história e a concreticidade social do aluno.

O discurso da igualdade universal entre os homens é a forma mais bem acabada de realizar esse feito, porque, ao igualar abstratamente os homens, toda sua história fica dissimulada e, como num passe de mágica, o homem concreto se torna abstrato e vice-versa.

No caso específico da Educação Física e a política de Inclusão escolar, vale destacar para reflexões dois aspectos que envolvem as pessoas com necessidades especiais. O primeiro diz respeito aos conhecimentos disponíveis no campo da Educação Física Adaptada, e o segundo, ao entendimento histórico-social acerca da deficiência.

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A respeito do primeiro, seguramente podemos afirmar que a Educação Física brasileira, atualmente, está passando por um dos desafios mais importantes de sua trajetória histórica. Estamos falando da nova realidade que terá que enfrentar, em face da política de Inclusão escolar.

Afirmamos isso porque a história percorrida pela Educação Física ao longo das últimas duas décadas, no Brasil, em que pese seu intenso envolvimento com as mais diversas formas de esportes adaptados desde os anos 70, apresenta, ainda, problemas das mais diferentes ordens e formas, como qualquer outra área do conhecimento, sobretudo no tocante ao atendimento ao ensino e à pesquisa voltados para as pessoas com necessidades especiais (PNE).

Nesse contexto, poucos são, ainda, os professores de Educação Física que têm dúvidas em relação às possibilidades de essas pessoas praticarem algum tipo de atividade esportiva, recreativa ou de lazer.

Felizmente os ideários perversos da aptidão física e da máxima: mens sana in corpore sano17, combatidos longamente por diferentes autores brasileiros18, cederam, já há algum tempo, lugar para uma outra concepção de homem, corpo e movimento. Estamos falando da diversidade humana, das diferenças, das desigualdades.

Com isso, o trabalho que a Educação Física vem desenvolvendo com as PNE, nessas duas últimas décadas, oportunizou a abertura de novos campos de trabalho e pesquisas. A fundação da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada, a criação de um GT nos Congressos do CBCE, a inclusão de várias linhas de pesquisas nos Programas de Mestrados e Doutorado no Brasil, tanto em Educação quanto em Educação Física, o fortalecimento do Comitê Paraolímpico Brasileiro e as grandes conquistas dos atletas nas últimas Paraolimpíadas na China, exemplificam e corroboram nossas afirmações.

17 Esta máxima valoriza e confirma a idéia de superioridade do espírito sobre o corpo. “... significa que a educação física rigorosa põe o corpo na posse de saúde perfeita, permitindo que a alma se desprenda do mundo do corpo e dos sentidos para melhor se concentrar na contemplação das idéias. Caso contrário a fraqueza física torna-se empecilho maior à vida superior do espírito. Pg. 311. 18 Ver a respeito em CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil. A história que não se conta. Campinas: Papirus, 1998. COLETIVO DE AUTORES: Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. SOARES, Carmem L. Educação Física: raízes européias e Brasil. São Paulo: Cortez, 1994.

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Acreditamos que tudo isso seja fruto de uma longa luta social, envolvendo diferentes segmentos de e para deficientes19 brasileiros e de outras nações.

Por essas razões, atualmente, as PNE que tiveram acesso aos esportes, atingiram um razoável estágio em termos de participação e desenvolvimento físico desportivo. Basta olhar a quantidade de atletas existentes, o número de disciplinas voltadas para esse fim nos cursos de graduação em Educação Física e o contingente de professores atuando na área, que se terão as mais claras respostas.

Por isso, não podemos em face da política de inclusão, continuar querendo ensinar os mesmos conhecimentos para todas as crianças.

Por exemplo, os deficientes mentais podem e devem estar no ambiente escolar comum, porém as exigências e os conhecimentos a eles atribuídos devem levar em conta sua realidade nas relações sociais. Preparar um indivíduo, tendo como referência sua concreticidade ou a abstração que fazemos dele, faz muita diferença.

Uma coisa é querer que esses indivíduos façam, aprendam e tenham comportamentos similares aos das outras crianças. Outra é respeitá-los concretamente oportunizando–lhes conhecimentos e aprendizados compatíveis com suas diferenças. Os defensores dos denominados “currículos funcionais”20 conseguem, na segunda perspectiva, realizar esse trabalho muito bom com os deficientes mentais. Acontece, porém, que essa visão curricular não atende aos interesses educacionais das escolas comuns, os quais historicamente balizaram seus currículos em concepções igualitárias e ideais de homem.

Vejam nesses exemplos anteriores, que a concepção materialista ou idealista do professor faz muita diferença na prática escolar.

Ainda sobre o conhecimento disponível e utilizado pela Educação Física Adaptada, não se pode perder de vista que essa área do

19 Instituições de deficientes são aquelas fundadas e dirigidas somente por pessoas deficientes, enquanto que instituições para deficientes são aquelas fundadas e dirigidas por pessoas não-deficientes. 20 O currículo funcional propícia ao aluno deficiente mental acesso as atividades de vida diária, sem preocupação única com alfabetização, como os outros currículos. A denominação poderia ser mais adequada, tendo em vista que todo currículo em tese deveria ser funcional.

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conhecimento sempre trabalhou na perspectiva da adaptação aos PNEs dos conhecimentos universalmente produzidos e disseminados.

Os técnicos e os professores fazem as adaptações quando transferem, como se fosse a única possibilidade, os conhecimentos das diferentes modalidades esportivas conhecidas e universalmente disseminadas (basquete, futebol, voleibol, natação, tênis, dentre outras) para a prática dos “deficientes”. Adaptam os fundamentos, as regras e, à medida que os problemas vão surgindo no interior das práticas, novas mudanças vão sendo realizadas na tentativa de adequar o inadequado.

Essa forma de pensar possui grande similitude com o famoso ideário da equalização social, presente no escolanovismo. Essa concepção acreditava na possibilidade de se corrigir a marginalidade, fruto das desigualdades sociais, pela via do ajustamento, da adaptação dos indivíduos à sociedade, incutindo-lhes o sentimento de aceitação passiva e alienada. Além disso, ela tem profundas implicações sócio- político- econômicas, principalmente quando a adaptação é colocada como sinônimo de equalização ou equidade de oportunidades.

Uma das implicações diz respeito aos mecanismos utilizados pela sociedade, via escolas, partidos políticos, igreja e outras instituições sociais, que buscam sempre, a todo custo, a hegemonia de valores, leis, crenças e conhecimentos. Para que isso ocorra, outros valores, leis e conhecimentos necessitam ser sufocados.

No caso específico da Educação Física, para que os conhecimentos produzidos e disseminados nos esportes possam prevalecer, é necessário que a adaptação ocorra. Advogar a adaptação significa, em última instância, defender a hegemonia de um corpo de conhecimento sobre outro, mesmo que esse outro ainda nem tenha se esboçado.

Muitos profissionais da Educação Física acreditam que, ao adaptarem os conhecimentos existentes aos PNEs, estão realizando um grande feito, ou sendo extremamente criativos.

No nosso modo de entender, todo esse sucesso e criatividade existem, porém, estão servindo muito mais para manter o princípio da igualdade universal entre os homens e as mazelas daí decorrentes, do que para explicitar o princípio da diferença e da desigualdade, na tentativa de superação desse quadro social.

É muito interessante como essa questão contraditória se apresenta na realidade objetiva em que vivemos. Senão vejamos: os professores que trabalham com deficientes, em sua grande maioria, se apresentam contra a discriminação, o preconceito e a segregação social. Entretanto, o corpo de conhecimentos que utilizam, na prática, na tentativa de vencer esses comportamentos indesejáveis os conduz diretamente à

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manutenção desses mesmos comportamentos. Em outras palavras, os professores precisam, no discurso, ser o que não são (contra a discriminação e o preconceito), para, na prática, conseguirem ser o que realmente são. (preconceituosos e discriminadores)

E nos perguntamos: será que esses profissionais não percebem os componentes de poder e interesse presentes em todos os conhecimentos? Que são justamente esses interesses e poderes imbricados nos conhecimentos que determinam quem tem e quem não tem valor social?

Vale aqui relembrar HABERMANS (1987), que nos ensina a esse respeito que: “...o saber não pode, enquanto tal, ser isolado de suas conseqüências. Não é pela contemplação de algo, na suposta apropriação conceitual daquilo que as coisas são num determinado instante, que os homens aprendem, mas pela transformação desta coisa, pelas conseqüências que seu saber opera no real...” (p.50)

Nessa linha de raciocínio, os profissionais envolvidos com a Educação Física adaptada necessitam produzir conhecimentos que tragam consequências e contribuam para modificar o atual quadro social em que vivem as PNEs.

E é justamente aí que reside o grande desafio da comunidade científica da área, isto é, conciliar a função social da escola com os princípios da Educação Física Adaptada e os princípios da Inclusão escolar, que em tese são contraditórios.

O mais interessante de tudo isso é que tanto os princípios da Educação Física Adaptada quanto os da inclusão escolar, em última análise, defendem os mesmos valores, porém às avessas. A guisa de exemplificação, poderíamos dizer que os defensores da Educação Física Adaptada, contraditoriamente, sempre defenderam e apoiaram as políticas inclusivistas, todavia sempre realizaram práticas segregadoras.

Com isso, as políticas segregadoras e inclusivistas, mesmo sendo contraditórias, se identificam, fazendo com que os princípios inclusivistas da Educação Física Adaptada se torne princípios segregadores.

Isso tem ocorrido porque a grande maioria dos profissionais da área não tem tido a preocupação, nem percebe que a concepção de homem, presente em seus discursos e práticas, é contraditória.

Falam e lutam por um homem e uma sociedade onde todos sejam iguais, tenham as mesmas condições, os mesmos direitos e deveres. Porém, trabalham com um homem concreto, diferente, discriminado, desigual, e utilizam como instrumental os conhecimentos gerados historicamente para atender às características e valores desse primeiro tipo de homem.

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Diante dessa contradição, esses profissionais, ao invés de enfrentá-la na busca de sua superação, optam por práticas e discursos adaptativos, reorganizadores, maquiadores do real, dando uma “nova” feição, uma “nova” aparência a essa realidade.

Acontece, porém que a questão principal, homem concreto, desigual e diferente tratado como homem abstrato e igual, continua presente e sem solução.

A persistir essa ação, não temos dúvidas de que, por mais que tentem pela via da adaptação pura e simples solucionar esse problema, a história, por estar em movimento e ser condicionada, conduzirá o processo sempre para o eixo central do pensamento dominante e hegemônico, que é o da pseudo igualdade universal entre os homens.

Essa tendência fará com que todas as ações políticas centradas nas adaptações tendam a conduzir os parâmetros avaliativos e os resultados esperados, para bem próximo dos valores preconizados pela base igualitária. A condição de segregação consentida em que vivem os PNEs matriculados em salas regulares são exemplos inequívocos dessa realidade. Esses alunos foram matriculados, frequentam regularmente as aulas, no entanto continuam retidos anos e anos na mesma série. Os avanços para as séries seguintes ocorrem muito mais pela benevolência dos professores do que pelos conhecimentos que dominam. Essa situação gerada pela contradição entre inclusão e segregação tem como principal responsável a organicidade escolar que em nada mudou para atender a esses alunos considerados especiais.

A concepção de que a sociedade segrega e discrimina os deficientes pela falta de preparação, escolarização ou formação profissional encerra, no nosso modo de entender, meias verdades. Afirmamos isso tendo como referência a negação histórica que sempre existiu do estado de deficiência desses indivíduos.

A negação do estado de deficiência ocorre antes mesmo da criança nascer. Basta perguntar para uma mulher ou homem qual a sua preferência de gênero em relação ao futuro bebê? A resposta será sempre a mesma “desde que seja perfeita e nasça com saúde qualquer sexo serve.”

Essa resposta pode parecer óbvia, coerente e a mais oportuna. Porém, os respondentes utilizaram em suas respostas imagens virtuais do filho que sempre quiseram ter. Em outros termos, a lógica de pensamento leva em conta apenas dois aspectos:

a) Sexo masculino ou feminino. b) Com saúde e perfeição.

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Caso os futuros pais tivessem levado em consideração não somente imagens, mas as possibilidades reais, teriam considerado três aspectos:

a) Sexo masculino ou feminino; b) Com saúde e perfeição; c) Diferentes ou deficientes. Apesar de, na pesquisa, todos terem dado a primeira resposta,

no fundo têm consciência da possibilidade de virem a ter um filho portador de alguma anomalia.

Mesmo o casal não admitindo em hipótese alguma a alternativa (c ), o medo de ela vir a se concretizar acompanha os pais durante toda a gestação.

A felicidade dos pais e familiares, com o nascimento dos filhos não fica resumida ao ato de a criança nascer, de estar viva, mas também ao fato de ela estar “perfeita” sem nenhuma anomalia ou diferença.

Essa constatação nos permite afirmar que os deficientes são mortos antes de nascer, ou, em outras palavras, a sociedade em que vivemos, ao mesmo tempo em que faz o discurso virtual da igualdade entre os homens, nega radical e concretamente todo estado de deficiência humana, estado de ser diferente, de ser desigual.

Mais uma vez, reafirmamos nossas observações iniciais de que, quando unimos Ser e pensamento, virtualmente, tudo é possível. Porém, quando separamos o Ser pensante do conteúdo de seu pensamento, condicionando esse conteúdo à dinâmica da historia, vamos perceber que a realidade é um dado primário e não secundário, como pretendem os idealistas. Por essa razão, conhecimento e interesse não podem ser tratados isoladamente.

As consequências dessa postura virtual tem sido dramática para a vida das PNEs. Muitas, por mais que lutem, ou demonstrem capacidade, eficiência e tolerância não conseguem ser aceitas socialmente. A negação do estado de deficiência tem falado mais alto nas relações sociais vigentes.

Por isso, é comum encontrarmos mães e pais que afirmam constantemente, no plano virtual, que não consideram seus filhos deficientes, que os tratam como os demais, que os amam como amam a qualquer outro filho.

Essa forma de pensar deixa clara, nas entrelinhas a não aceitação dos pais. Seus filhos são concretamente diferentes e, se realmente aceitassem esse estado de deficiência, jamais os comparariam com os outros filhos ou os considerariam normais.

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Entretanto, essa forma velada de agir, dando a entender que todos, mesmo os diferentes, são iguais, é uma postura perigosa e não contribui para a aceitação e reconhecimento do real estado de deficiência.

Com isso, o estado de deficiência concreto passa a ser visto como abstrato. Esse esvaziamento de seu conteúdo (a diferença), ao invés de resolver o problema, o agudiza ainda mais, pois torna todo e qualquer processo educacional quase que impossível de ser alcançado.

Fica difícil seu alcance na medida em que os educadores têm que conciliar currículo igualitário com indivíduos diferentes. Essa situação fica ainda mais complicada se adicionarmos nessa relação a luta que existe entre os interesses e poderes dos conhecimentos que fazem parte da cultura escolar, e os interesses e poderes dos conhecimentos que circundam a cultura do aluno.

A inclusão escolar, ao pretender harmonizar essas lutas de poderes e interesses, tem explicitado os limites e as possibilidades da escola regular brasileira. Os condicionantes históricos negados e as contradições que sempre rondaram os ambientes escolares como fantasmas, com o advento da inclusão, adquiriram vida e vagam pelos corredores e salas de aulas em busca de seus espaços usurpados. Tem restado aos professores e dirigentes o pânico e a insatisfação generalizada.

Não podemos nos esquecer que os PNEs podem se relacionar com os outros homens de diferentes formas e, geralmente, a escola exige e oportuniza-lhes apenas a relação convencional e dominante expressa por meio da linguagem oral e escrita.

Antes de pensar ou lutar para que o PNE tenha acesso às classes comuns, precisamos superar essa estrutura atual de escolarização, rumo à escola não seriada e pluri-curricular21, ou outra que dê condições de trabalhar o uno e o diverso simultaneamente.

Além disso, temos ainda a resistência dos defensores das escolas especiais, que querem a sua manutenção, com o discurso de que os PNEs especiais (paralisia cerebral, mental profunda, autismo) necessitam ser escolarizadas como as outras pessoas, porém em ambientes especiais.

E nos perguntamos: será que a idéia de escolarização, de ter que aprender a ler e a escrever é uma necessidade dessas pessoas ou de

21 Na escola não seriada existe a possibilidade do trabalho simultâneo de várias propostas curriculares capazes de atender as diferenças individuais dos alunos. É possível, por exemplo, ensinar tanto às crianças deficientes quanto às normais no mesmo espaço e tempo de escolarização.

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seus pais e professores? Por que a Escola Comum não pode oportunizar a essas pessoas currículos diferenciados, como por exemplo, os chamados programas funcionais?

As pesquisas22 têm demonstrado que a escolarização de crianças deficientes em ambientes de classes regulares possibilita aos alunos vivenciarem um contexto de aprendizagem mais significativa e motivante, suscitando esforços de colaboração superiores aos da segregação vivenciada nas escolas especiais.

A idéia de inclusão não visa a atender somente às crianças rotuladas de deficientes, mas representa um avanço nas relações estabelecidas na escola regular. Significa avanço na medida em que todos os princípios que até hoje nortearam a escola regular terão que ser revistos e superados, principalmente a pesada e ultrapassada estrutura organizacional da escola. Caso isso não ocorra, toda e qualquer tentativa de mudança rumo à inclusão, não passará de mais uma tentativa frustrada, que infelizmente somente a história demonstrará.

22 ENGLERT, et al Defining and redefining instrucional practice in special education: perspective on good teaching. Teach.Educ.Special Educ., v.15,n.2, p62-86,1992.

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CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA INCLUSÃO ATRAVÉS DA

EDUCAÇÃO FÍSICA

Profa. Dra. Maria Elisa Caputo Ferreira

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PREFÁCIO Apresentado numa primeira versão sob forma de Tese para

obtenção do grau de Doutora em Educação – Área Educação Especial, o livro de Maria Elisa apresenta múltiplas informações sobre um tema que tem sido muito discutido na atualidade: a Educação Inclusiva de pessoas com deficiência no Ensino Regular. Em sua trajetória acadêmica e profissional, a autora tem demonstrado grande interesse por essa minoria que tem conquistado, a partir de muitas lutas, um espaço na sociedade. Para tanto, dedica-se à pesquisa sobre o assunto desde a época de seus Mestrados nas Universidades Gama Filho e Castelo Branco, Doutorado e Pós-doutorado na Universidade de São Paulo, e, neste momento, juntamente com seus orientandos do Mestrado em Educação Física UFV/UFJF.

A divulgação de artigos em revistas e a publicação de livros que versam sobre o tema Inclusão Social, além de palestras, tem sido uma constante na vida profissional de Maria Elisa, que tem também incentivado seus orientandos do Mestrado e dos cursos de Especialização em que atua a realizarem pesquisas sobre esse tema. Portanto, pode-se afirmar que a professora tem contribuído, sobremaneira, para que haja maior conscientização das pessoas no sentido de buscarem mais conhecimentos sobre o assunto, a fim de que todos possam colaborar com a inserção dessas pessoas antes segregadas na sociedade.

No livro intitulado Fundamentos da Inclusão através da Educação Física, Mara Elisa faz uma abordagem sobre as transformações paradigmáticas que defendem a Educação de qualidade para TODOS, sem discriminação, em especial para que haja a Inclusão escolar do aluno deficiente no Ensino Regular. Mas essa não é uma tarefa fácil, uma vez que as escolas brasileiras não estão preparadas para receber alunos que necessitam de atenção especial por parte de toda a comunidade escolar. Também os professores, na maioria das vezes, não conhecem estratégias de ensino que poderiam ajudar o aluno deficiente em sua aprendizagem, lembrando que cada deficiência é um caso diferente a ser estudado.

Ao longo da história, as pessoas com alguma deficiência, congênita ou adquirida, foram negadas ou desconsideradas perante o sistema educacional, o quadro social, econômico e cultural vigente. Contudo, na atualidade, essa situação tem mudado, gradativamente, e o respeito à diferença tem sido um tema presente não só nas escolas, como também em outros meios sociais. As mídias jornalística e televisiva,

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bem como a Internet, têm contribuído bastante para esse trabalho de conscientização, a fim de que haja mais respeito por aquele que é “diferente”, o que contribui para o processo de sua inclusão na sociedade. Vale ressaltar que a falta de sensibilidade, sobretudo com os deficientes, constitui um problema, além de preocupante e significativo, com alto grau de complexidade.

Na unidade do livro “Corpo, cultura e diversidade”, Maria Elisa busca mostrar que a aceitação da diferença precisa ser trabalhada em todos os âmbitos da sociedade e a escola, como formadora de indivíduos para o exercício da cidadania, é o espaço ideal para receber todos os tipos de pessoas, inclusive os deficientes, vistos ainda pela sociedade, ou mesmo pela própria família, como inválidos, incapazes. Isso ocorre porque, nas sociedades capitalistas, há um padrão ideal de homem ancorado nos valores determinantes, então o corpo humano é concebido do mesmo modo do corpo social. Assim, por meio da cultura, a sociedade dita as normas também para o corpo, o qual tem de “ser belo e sem defeitos”, por isso torna-se necessário considerar a Imagem Coporal que cada um faz de si mesmo, objetivando diminuir os conflitos daqueles que não estão bem com seus corpos.

Maria Elisa, por meio de um texto sucinto, mas muito denso e com informações valiosas sobre o assunto, leva o leitor a refletir sobre a questão da discriminação de um indivíduo em razão de sua deficiência, levantando pontos muito importantes, tal como saber qual é a Imagem que ele faz de seu próprio corpo, e esclarecendo que, para haver respeito à diferença, é preciso haver mudanças de mentalidade e de atitude dos membros da sociedade. Além disso, mostra a importância da luta das pessoas com deficiência e de seus familiares para assegurarem seus direitos por meio de leis nas diferentes áreas: do Trabalho, Habilitação/Reabilitação Profissional, Assistência Social e Educação.

A Educação Especial, ao longo dos anos, consistiu em um sistema educativo paralelo, bem diferente daquele das escolas comuns, mas na contemporaneidade, a mudança no ensino para os deficientes está caminhando para um resultado mais satisfatório, pois os alunos com deficiência veem sendo matriculados no Ensino Regular, assistem às aulas com outras crianças, convivem com elas, e esse contato é muito positivo, pois as crianças consideradas “normais” aprenderão a respeitar as diferenças. Mas esse processo de Inclusão das crianças com deficiência nas escolas será um grande desafio para toda a comunidade escolar, uma vez que os profissionais necessitarão se adaptar a novos

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processos de ensino e de aprendizagem que contemplem concepções práticas pedagógicas mais inovadoras.

A Educação Física Adaptada é uma das áreas que já estão contribuindo muito para a Inclusão de crianças deficientes nas escolas de Ensino Regular, uma vez que estuda a motricidade humana para as pessoas com necessidades educacionais especiais, buscando adequar metodologias com o objetivo de atender a esse novo público que, aos poucos, está chegando às instuições escolares.

Dessa forma, Maria Elisa, como uma profissional envolvida com a Educação Física Adaptada, tem semeado, entre seus alunos da graduação em Educação Física da UFJF e do Mestrado em Educação Física criado em parceria com a Universidade de Viçosa, bem como entre os alunos dos cursos de Especialização das várias Instituições de ensino em que ela transita, as sementes desses ensinamentos que promovem a Inclusão social de pessoas deficientes – pessoas tão especiais, que requerem toda atenção dos profissionais, não só da Educação, como também das diversas áreas de conhecimento.

Leila Rose Márie Batista da Silveira Maciel1

1 Dotoranda em Literaturas de Língua Portuguesa da PUC Minas. Professora de Língua Portuguesa e de Língua Francesa do Colégio Técnico Universitário, da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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1. INTRODUÇÃO AO PARADIGMA INCLUSIVO

OBJETIVOS:

a) Compreender os fundamentos da Educação Inclusiva;

b) Reconhecer o direito do aluno com deficiência à convivência do dia-a-dia no Sistema Regular de Ensino.

RESUMO

Ao pensarmos na inclusão da pessoa com deficiência no funcionamento diário de uma instituição escolar, fatalmente nos confrontaremos com ramificações relativamente inesperadas e incoerentes em relação ao que significa conceber a educação a partir de um ponto de vista inclusivo. Esse confronto nos obriga a refletir e, consequentemente, repensar a deficiência, não só como a percebemos, mas também como é vivenciada no ambiente escolar. Este estudo foi inspirado na necessidade de nova avaliação do Ensino, sob a influência de transformações paradigmáticas que defendem a Educação de qualidade para TODOS2.

Acredita-se que estão ingenuamente enganados os que pensam na Educação Inclusiva somente em relação à criança com deficiência, como se TODAS as outras já fizessem parte efetivamente do processo pedagógico.

2 A palavra TODOS – e suas variações – foi escrita em caixa alta, a exemplo de WERNECK (1999), com o objetivo de mostrar que qualquer espaço institucional, dentro da sociedade, deve incluir as diversidades – verdadeiramente TODOS – tornando-se um ambiente sem qualquer tipo de restrição.

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A reflexão que, num primeiro momento, faz-se pertinente é a constatação da separação existente entre os dois sistemas paralelos de ensino: o regular e o especial. Eles competem entre si não apenas no que se refere à baixa qualidade do ensino oferecido, mas também em relação aos projetos e programas desarticulados, que são conflituosos, gerando desperdício, ineficácia, ineficiência e desigualdade de oportunidades.

Para que se possa conceber a Escola Inclusiva, é necessário continuar trilhando um longo caminho. É imprescindível que a instituição escolar fique mais atenta aos interesses, às características, às dificuldades e às resistências apresentadas pelos alunos no dia a dia da instituição e no decorrer do processo de aprendizagem. Dessa forma, o ambiente escolar precisa constituir-se em um espaço aberto, acolhedor, preparado e disposto a atender às peculiaridades de cada um.

É preciso (re) pensar e (re) estruturar o sistema e a estrutura da Educação convencional, a fim de que se diminuam e, quem sabe, possam ser eliminados os obstáculos que impedem que TODOS os educandos progridam, tornando o sistema educacional mais justo, coerente, eficaz e equânime. Esse entendimento do desempenho escolar e dos planejamentos didáticos, de acordo com a concepção inclusiva, sem dúvida revoluciona o que, tradicionalmente, pratica-se nas escolas ainda hoje.

Se os espaços escolares fossem inclusivos, concorreriam para estimular os educandos em geral a se comportarem ativamente diante dos desafios da instituição, abandonando, na medida do possível, os estereótipos, os condicionamentos e a dependência que lhes são típicos.

A proposta de “inclusão” social, econômica, política, cultural e educacional deve ser incondicional e, portanto, não admitir qualquer forma de segregação, o que ainda não acontece. Essa opção de inserção, que tem como meta principal não deixar nenhum aluno fora do ensino regular, desde o início da escolarização, questiona o papel do meio social no processo interativo de produção das incapacidades, porque TODOS têm o direito de desenvolver-se em ambientes que não discriminem, mas que procurem lidar e trabalhar com as diferenças, respeitando os comprometimentos e as limitações de cada um.

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Ao abordar o tema escolhido tentamos cuidar para que, em um

estudo como este – a inclusão escolar de alunos com deficiência no ensino regular - não optássemos por empregar e utilizar palavras amenas e socialmente aceitáveis, mais facilmente ouvidas, o que contribui para o “não-enfrentamento”, a “não-percepção”, enfim, a negação da “deficiência”, que foi, é e continuará sendo uma situação real, que sempre fez e continuará fazendo parte da existência humana. Não estamos aqui nos referindo a diferenças visíveis e sensíveis de gênero, raça, religião, idade, cor da pele, dos olhos, dos cabelos, perceptíveis à primeira vista... Estas são aceitáveis sem grandes esforços e sofrimentos. Estamos falando, sim, de deficiências de outra ordem, congênitas ou adquiridas, que podem desencadear situações de “transtornos, limitações ou comprometimentos” e que têm sido, muitas vezes, negadas ou desconsideradas perante o quadro educacional, social, econômico e cultural vigente.

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2. HERANÇA HISTÓRICA A RESPEITO DA DEFICIÊNCIA

OBJETIVOS: a) Identificar no dia a dia como a discriminação apresenta-se como

um fardo social que não só a pessoa com deficiência precisa carregar, mas um fardo social para toda a família.

b) Compreender que cada pessoa apresenta características específicas, porém é o grupo social que estabelece e valoriza o que é considerado “normal” ou “anormal”.

RESUMO Ao se analisar o fenômeno da discriminação sofrida pelas pessoas com deficiência no seio da sociedade em que vivemos, não se deveria, por certo, ignorar a marginalidade social de que essas pessoas são vítimas, produzida pela ideologia da classe dominante. Consequentemente, não se pode dissociar a condição de indivíduo

com deficiência de uma idéia exterior de capacidade produtiva e da concepção de “corpo” funcionalista que sustenta as relações sociais, políticas e econômicas.

Vivemos numa sociedade de classe, com papéis, funções e

status pré-estabelecidos, onde a valorização da figura humana passa por fatores relacionados à capacidade intelectual e a condições de produtividade. Valoriza-se sobremaneira o que culturalmente convencionou-se como: “belo, sadio, forte, eficiente, produtivo...”.

Essa concepção truncada continua gerando discriminações e acarretando danos psíquicos os mais variados. Nesse contexto, todos sonham com a tão desejada igualdade e perfeição.

Ainda hoje, detectamos uma forte influência dessa corrente de pensamento no campo do relacionamento humano e social e, em meio a uma sociedade com tanta insensibilidade, a deficiência torna-se um problema significativo, complexo e preocupante.

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Essa concepção truncada continua gerando discriminações e acarretando danos psíquicos os mais variados. Nesse contexto, todos sonham com a tão desejada igualdade e perfeição.

Desde Hipócrates até os nossos dias, as discriminações relacionadas às pessoas diferentes e, em especial, às que apresentam deficiência, têm sido encaradas de diversos modos.

Vale ressaltar que o estigma não está na pessoa ou na deficiência que ela possa apresentar. Observamos que o estigma é produto das relações sociais.

Toda marca ou estigma revela um aglomerado, por vezes complexo, um conjunto de valores e de atitudes que dependem do envolvimento cultural em que o indivíduo se encontra. Isso nos faz lembrar Rubem Alves (1998), ao afirmar que: “se todos fossem cegos, então a diferença não doeria tanto. Ela dói porque, no espanto do olhar dos outros, está marcado o estigma-maldição: Você é diferente. A igualdade é coisa que todos desejam”.

O termo “estigma” tem sido utilizado exclusivamente em referência a uma característica profundamente depreciativa, pois o atributo que estigmatiza alguém confirma a normalidade de outrem.

Em todos esses exemplos de estigma encontram-se as mesmas características sociológicas: um indivíduo que possui um ou vários atributos diferentes daqueles considerados comuns e naturais para os membros da comunidade da qual faz parte.

O processo de discriminação a que estão submetidos os grupos minoritários desviantes do contexto social, quando abordado de forma profunda e ampla, determina cada vez mais um problema ético que se camufla nos pressupostos determinantes de invalidez ou incapacidade decorrentes de uma privação física, sensorial ou mental.

O “fardo” da discriminação evidencia-se no estigma da invalidez e incapacidade que lhes é atribuído pela sociedade em geral; a concretização da desigualdade, portanto, nasce no conjunto das relações sociais.

Os grupos que se constituem como minorias, os desviantes desvalorizados, experimentam a discriminação social e vocacional, carregam fortes sentimentos de rejeição e, por isso, se recolhem e tentam se desenvolver em subculturas separadas e são excessivamente estereotipados, sujeitos aos efeitos dos processos de controle e discriminação exercidos por certos grupos sobre os demais.

Dessa maneira, é no contexto social que se manifestam as mais variadas e duras formas de preconceito e/ou aceitação daquilo que se apresenta como “diferente” ou “indesejado”.

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No imaginário coletivo, pelo pouco que popularmente se sabe a respeito das deficiências e de suas íntimas relações com o contexto sócioeconômico e cultural, prevalece a percepção da diferença como atributo negativo do sujeito, responsável solitário por seus infortúnios.

A sociedade age através de atividades assistenciais que podem levar à compreensão do problema, à prevenção de males e, eventualmente, à tentativa de controle das pessoas afetadas por esses infortúnios. O Estado cria programas que buscam reabilitação, o que depende consideravelmente dos valores culturais predominantes, ou seja, suas necessidades globais, sua composição, sua realidade política, seu grau e capacidade de desenvolvimento, seu modo de ver e pensar o indivíduo, seu nível de conscientização.

Com isso, essa sociedade “extermina” o mal, “elimina” a diferença, separa o contingente atingido, “os diferentes”, e os assiste financeiramente, abriga-os ou os segrega do restante da sociedade, ou parte para sua completa integração em bases equânimes.

A presença de uma deficiência, de uma dificuldade ou de uma desordem, qualquer que seja a sua severidade, não deve alterar a necessidade de respeito à dignidade e valorização humana daqueles que apresentam alguma “deficiência”. É preciso um esforço para contrapor à abordagem ambivalente e passiva do passado uma abordagem ativa e transformadora no futuro.

Vale ressaltar que nascer é um ato natural e que a codificação genética é um processo alheio à vontade humana, ou seja, não é possível escolher onde, nem muito menos como nascer e com quais características físicas ou psíquicas. Com efeito, é preciso ter consciência de que: “eu não estou diante do meu corpo, estou no meu corpo, ou melhor, sou meu corpo”3.

Portanto, não é justo o corpo ser um fardo a ser arrastado pela pessoa no decorrer de toda a existência.

Em síntese, analisar as diferenças sem maiores reflexões se torna ingênuo e 

pouco produtivo. Assim o é, também, analisar as deficiências ou as desigualdades. Todas essas manifestações, além do aspecto biopsicossocial 

3 Sobre “intencionalidade do corpo”, ler MERLEAU PONTY, Fenomenologia da Percepção, São Paulo: Martins Fontes, 1994: Primeira parte: O corpo – Cap. IV: A síntese do corpo próprio. p. 205-212.

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(visão individualizada), merecem ser inseridas numa moldura política, econômica e cultural (visão globalizada).  

3. CORPO, CULTURA E DIVERSIDADE

OBJETIVOS:

• Compreender a crescente importância que, nas sociedades modernas, se atribui a valores como poder, juventude, beleza e riqueza;

• Refletir sobre a imposição do corpo “ideal” ditado pela cultura.

RESUMO

É inegável a crescente importância e excessiva valorização que, nas sociedades modernas, se atribui a alguns “valores”, dentre os quais, poder, beleza, juventude, riqueza, que estratificam os seres humanos de acordo com princípios pré-estabelecidos culturalmente. Nas sociedades capitalistas, onde as relações se definem pela produção e pelo lucro, o padrão ideal de homem segue os valores determinantes. Nessa perspectiva, o corpo humano é concebido da mesma forma que o corpo social. Uma das consequências desse modelo é a constatação de que a pessoa com qualquer tipo de deficiência é considerada não-eficiente, não-produtiva e não-adequada a essa sociedade.

Ao analisarmos o fenômeno da deficiência, no decorrer da

história, percebemos que o homem vem demonstrando ter dificuldades em “ver e lidar” claramente e sem preconceitos com seu próprio corpo.

O modelo que domina nossas relações sociais e econômicas é responsável por uma prática injusta e discriminatória.

Nesse jogo de forças e interesses, a sociedade é impregnada de preconceitos e espírito de competição e injustiça. Assim, por prepotência dos “ditos normais”, procura-se estabelecer os limites do outro, como se este fosse um inválido e, consequentemente, um ser digno apenas de caridades marginalizadoras e humanamente humilhantes.

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Não podemos, então, deixar de falar sobre o corpo ao abordar a deficiência, pois é nele que esta se manifesta e se instala. Além disso, o corpo é um espaço recortado por práticas de poder, de prazer, de subjetivação, um palco de lutas, de conflitos, onde a vida se faz presente e se revela.

O corpo, entendido como conjunto matéria/espírito, não se situa no mundo de forma autônoma. A sociedade, através da cultura, dita normas e padrões em relação ao corpo, com que o indivíduo tenderá, à custa de muito esforço, castigos e recompensas, a se conformar, até o ponto onde essas leis de comportamento se lhe apresentarem como tão naturais quanto o desenvolvimento dos seres vivos.

Assim, a cultura determina aspectos do nosso corpo, tornando-se necessário examinar os modos particulares e as peculiaridades de como isso se processa em diferentes sociedades, levando-se em conta também o papel das imagens sobre nossas percepções de corpo e os modos como a construção das identidades depende da construção das imagens do corpo.

No decorrer da história da humanidade, não é difícil verificar a forma como os homens e as mulheres sempre trataram e continuam tratando o corpo. Tal comportamento revestiu-se e reveste-se de uma quase total irracionalidade, a qual se percebe através da padronização, estabelecida por diferentes critérios em diferentes momentos da história; assim, em todas as épocas, a sociedade determinou e privilegiou um tipo específico de corpo.

A busca frenética do corpo ideal pelo ser humano, produzido pela mídia e desfilado em revistas, filmes e novelas tem desencadeado uma falta de bom senso e critério, em que o importante é estar dentro dos padrões determinados, independentemente das consequências. A beleza é buscada e comprada a qualquer preço e a qualquer custo.

Essa atitude de hiper-valorização do corpo influi no grau de dificuldade enfrentado pelas pessoas com deficiências na estruturação do seu projeto existencial e no seu processo de subjetivação dentro do grupo a que pertence.

Vivemos a era das imagens e, nesse contexto, estamos experimentando uma saturação de signos no tocante ao corpo ideal. Nessa ciranda de signos, o corpo fica reduzido a escravo de si mesmo, o corpo real é desprezado e descartado em prol do corpo desejado e imaginado. Essa valorização visual se impõe de forma drástica e direta.

Observa-se que a cultura sempre ditou padrões e normas em relação ao corpo. Porém, nos dias atuais, essa situação tem se

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manifestado de maneira intensa e fechada. Na realidade, vivemos uma ditadura do corpo perfeito, do corpo ideal, sobre o corpo que é realmente possível e viável em uma sociedade com tamanha miscigenação.

Seria utópico falar de uma sociedade cuja cultura não se inscreva sobre o corpo, mas é urgente pensar em uma sociedade com padrões corporais flexíveis, que privilegie o corpo-real, corpo-possível, e que este possa transitar de maneira confortável e livre pela vida.

Diante desses esquemas sociais, que impõem uma armadura cultural ao nosso corpo, como fica a psique de qualquer ser humano que apresenta algum desvio nos seus traços físicos ou mentais perante o ideal imposto? Como educadores, pais, profissionais, precisamos refletir como deve se sentir aquele cujo corpo traz alguma diferença,“corpo-diferente”,“corpo-indesejado”,“corpo-incapaz”,“corpo-deficiente”.

A confirmação dos reais motivos que levam a sociedade a discriminar seus membros que apresentam algum tipo de deficiência constitui um importante passo para a mudança nas práticas segregacionistas. Necessita-se, porém, superar as fases da simples constatação da discriminação, para instaurar um novo modus de entendimento e comportamento do fazer social. O respeito à diferença e à diversidade de valores éticos, estéticos, econômicos, políticos e sociais implica, antes de tudo, a mudança de mentalidade e, consequentemente, de atitudes dos membros da sociedade. Para que isso seja possível, é preciso repensar os reflexos dessa postura, muitas vezes reforçada pelo conjunto de suas leis.

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4. O RECONHECIMENTO AO DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

OBJETIVOS:

• Compreender a evolução das leis que constituem-se em instrumentos importantes de luta para as pessoas com deficiência;

• Reconhecer os direitos das pessoas com deficiência assegurados na legislação.

RESUMO

As leis significam a materialização da concepção de justiça de uma sociedade e devem representar um equilíbrio entre os diferentes interesses existentes. Pode-se dizer que, em todos os tempos, entre todos os povos, houve um sistema regulador resultante das condições materiais e psíquicas dos componentes de cada grupo social, as quais ligavam uns aos outros, até mesmo pelo próprio esforço de sobreviverem. Esse sistema nem sempre foi escrito, nem sempre foi enunciado expressamente.

Para os povos antigos a idéia de justiça estava associada à de uma construção harmônica da Natureza, que era presidida por uma divindade suprema. À medida que a Igreja abriu espaço para o Estado este tornou-se, progressivamente, responsável por penalizar aqueles que transgrediam as leis vigentes na sociedade, o que era, e continua sendo, essencial para a própria sobrevivência dos homens, porque sem lei não há civilização.

Portanto, a lei, abstratamente falando, regulamenta o comportamento das pessoas, compulsando-as a praticar ou não determinados atos, assim estipula a maneira como outros atos devem se realizar.

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As leis – em sentido genérico (leis, decretos, regulamentos) - surgem assim, como reações simples às necessidades sociais e possuem uma tendência expansiva, de modo a abranger todas e quaisquer atividades. Desde a obrigatoriedade do registro civil para todos os que nascem até a exigência de certidão de óbito para se realizar um enterro, os homens estão sujeitos a uma enorme diversidade de regulamentos.

Existem também certos direitos que nem as leis nem as autoridades públicas podem contrariar. Estes estão quase todos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU), datada de 1948.

A luta pelo reconhecimento dos direitos dos cidadãos com deficiência, por exemplo, é longa e consta de várias intervenções e intercorrências. O que hoje encontramos nos instrumentos normativos é resultado de garra e persistência por parte das pessoas com deficiências, junto com seus familiares.

Ao longo de toda a história, observa-se que essas pessoas foram objeto de diferentes formas de tratamento e atenção, quase sempre diretamente relacionadas aos conceitos vigentes atribuídos à questão da saúde, da doença e da deficiência.

O direito das pessoas com deficiência está assegurado na Legislação, em textos a elas dirigidos. São, portanto, direitos reconhecidos e proclamados.

Não diferente de outros países, no Brasil, a abordagem da questão ligada ao tema “deficiência” tem sido respaldada nos direitos humanos, procurando expressar a importância da promoção e do reconhecimento da pessoa com deficiência como cidadã em pleno direito.

Os direitos sociais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, seguidos pela Lei nº 7853/89 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, por meio da Lei nº 8068/90 e nos demais instrumentos jurídicos infraconstitucionais, garantem às pessoas portadoras de deficiência seus direitos: na área da Saúde; na área do Trabalho; na área da Habilitação/Reabilitação Profissional; na área da Assistência Social; na área de Educação.

A noção de deficiência apresentada nesse decreto é abrangente, pois não está vinculada somente ao aspecto orgânico, uma vez que considera também significativa a influência do meio ambiente em que a pessoa, nessas condições, encontra-se inserida. Assim, a deficiência é compreendida como uma característica que gera incapacidade e acaba afetando o relacionamento da pessoa com o meio educacional, profissional e/ou social.

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É sabido que todos os elementos legais incluídos na Constituição não garantem, automaticamente, a consecução de ações efetivas, porém, seguramente, constituem-se em instrumentos importantes de luta para as pessoas com deficiências. Não se pode negar a vitória alcançada através de lutas e manifestações sucessivas para conseguir esses direitos legais. Sabe-se também que, se esses indivíduos culturalmente fossem consideradas cidadãos, não haveria necessidade de cláusulas nem artigos específicos para eles; tudo que se constitui como direito do cidadão, naturalmente seria encarado como direitos desses indivíduos, garantindo-lhes isonomia constitucional.

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5. DA SEGREGAÇÃO AO ENSINO INCLUSIVO

OBJETIVOS:

• Compreender a evolução da Educação especial através do século XX;

• Conhecer os serviços educativos para alunos com deficiência em diferentes situações de Educação Especial.

RESUMO Podemos considerar que, de um lado a escola influi para que o país tenha determinada legislação, já que, tanto legisladores quanto eleitores frequentaram seus bancos. De outro lado, a escola, na nossa prática pedagógica, sofre os efeitos desta mesma legislação. Ela vai servir como veículo pelo qual o poder político vigente vai procurar controlar e manipular as tendências presentes na sociedade, em função de seus interesses. Encontramos, em relação às pessoas com deficiências, atitudes que foram desde o extermínio à segregação; da exclusão total, passando pelo atendimento segregado dentro de instituições especializadas, à proposta de integração; e, mais recentemente, o entendimento da filosofia de inclusão social das pessoas com deficiência, objetivando a modificação das estruturas sociais vigentes.

No Capítulo III da Constituição - Da Educação, Da cultura e do

Desporto, art. 240, lê-se: “A educação é direito de todos e dever do Estado e da família. Será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho...”

Até as primeiras décadas do século XX, a deficiência foi visualizada como um “problema” da pessoa, sendo-lhe exigido adaptar-se à sociedade ou se disponibilizar a mudanças exigidas pelo atendimento proposto por profissionais, através da reabilitação ou cura.

Há o reconhecimento de que essas concepções foram influenciadas pelo modelo médico da deficiência, com ênfase em

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bases orgânicas e na busca dos fatores etiológicos. A pessoa com deficiência era freqüentemente declarada “doente”, precisando ser cuidada, tratada, reabilitada, habilitada, a fim de ser integrada à sociedade. A partir desse referencial, a pessoa com deficiência assumia o papel de desamparada, de passividade, reforçando as relações de dependência, exigências nos cuidados, incapacidade para o trabalho e isenção dos deveres normais, acarretando-lhe uma perspectiva de vida inútil e inválida.

Percebemos, assim, o Ensino Especial configurado sob a forma de cascata, como demonstra o Quadro 1.

Fonte: Sistema educacional em níveis, proposto pelo Comité Providencial de LénfanceInadapteé– Relatório de Québec (1976)

Durante muito tempo, a prática educacional na qual está

inserida a educação especial requeria um sistema educativo paralelo, distinto e marginalizado. Esse procedimento demonstrava a atitude de uma sociedade que se satisfazia em oferecer o mínimo, encobrindo o medo que representavam os alunos com deficiência.

Dessa forma, na fase atual, a educação de alunos com deficiência inseridos no ensino regular apresenta-se como uma proposta

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de mudança de paradigma, na perspectiva social. Trata-se de um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade, através de transformações nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade das pessoas. Esse processo refere-se à diversidade de sistemas sociais, possibilitando à pessoa com deficiência se preparar para assumir papéis na sociedade. É também um processo bilateral no qual a pessoa com deficiência e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos. Esse modelo enfatiza a relação sujeito/meio e busca dados significativos que contribuam para o planejamento e implementação de programas educativos eficazes.

É importante destacar o que existe de novo e desafiador no fato de incluir o aluno com deficiência no Ensino Regular: a exigência de novo posicionamento das instituições escolares frente aos processos de ensino e de aprendizagem, à luz de concepções e práticas pedagógicas mais inovadoras.

A educação integrada ou integradora começou a exigir a adaptação do aluno com deficiência ao sistema escolar, que até então estava acostumado a excluir aquele que não conseguia adaptar-se ou acompanhar os demais. Infelizmente, a expressão “preferencialmente na rede regular de ensino”, do texto legal, implica a possibilidade de as crianças e adolescentes com deficiência serem mantidas nas escolas especiais.

Essa tentativa e busca de reformulação da sociedade vem evidenciando urgência de lutar contra a tradicional exclusão e o movimento pela inclusão social tem procurado discutir a inserção das pessoas com deficiência nos sistemas sociais, como educação, trabalho, família e lazer. Paralelamente, a política mundial também tem apontado para o acesso igual de TODOS os alunos às oportunidades essenciais de desenvolvimento de seu pleno potencial.

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6. INCLUSÃO ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO FÍSICA II

OBJETIVOS:

• Considerar alguns aspectos fundamentais, necessários e já conhecidos para uma melhor adequação de tarefas nas aulas de Educação Física;

• Identificar os princípios inclusivistas.

RESUMO A Educação Física Adaptada "é uma área da Educação Física que tem como objeto de estudo da motricidade humana para as pessoas com necessidades educativas especiais, adequando metodologias de ensino para o atendimento às características de cada pessoa com deficiência, respeitando suas diferenças individuais" (Duarte e Werner, 1995: 9).

É importante destacar que não existe nenhum método ideal ou

perfeito da Educação Física que se aplique ao processo de Inclusão, porque o professor sabe e pode combinar numerosos procedimentos para remover barreiras e promover a aprendizagem dos seus alunos.

No entanto, alguns princípios inclusivistas devem ser levados em consideração, tais como:

a) AUTONOMIA É a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando-

se ao máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce. Segundo Guimarães (1994), ter maior ou menor autonomia significa, para a pessoa com deficiência, ter maior ou menor controle nos vários

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ambientes físicos e sociais que ela queira e/ou necessite frequentar para atingir seus objetivos.

b) INDEPENDÊNCIA É a faculdade de decidir sem depender de outras pessoas,

tais como membros da família ou profissionais especializados. c) EMPOWERMENT (empoderamento, fortalecimento) Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas,

usa o seu poder pessoal inerente à sua condição - por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor - para fazer suas escolhas e tomar decisões, assumindo assim o controle de sua vida. Nesse sentido, independência e empowerment são conceitos interdependentes.

d) EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES Significa o processo através do qual os sistemas gerais da

sociedade - tais como o ambiente físico e cultural, a habitação e os transportes, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades educacionais e de trabalho, a vida cultural e social, incluindo as instalações esportivas e recreativas - são feitos acessíveis para todos. (United Nations, 1983)

e) INCLUSÃO SOCIAL Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir,

em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais, as quais, simultaneamente, se preparam para assumir seus papéis na sociedade. A inclusão social constitui então, um processo bilateral no qual as pessoas ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos.

Modificação da sociedade, como pré-requisito para a pessoa com necessidades especiais buscar seu desenvolvimento e exercer a cidadania.

f) REJEIÇÃO ZERO Consiste em não rejeitar uma pessoa, para qualquer

finalidade - por exemplo: emprego, terapia ou educação - com

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base no fato de que ela possui uma deficiência ou por causa do grau de severidade dessa deficiência.

g) VIDA INDEPENDENTE O conceito de vida independente compreende movimento, filosofia,

serviços, equipamentos, centros, programas e processo, em relação aos quais as figuras centrais são os cidadãos portadores de deficiência que se libertaram ou estão em vias de se libertar da autoridade institucional ou familiar.

É ter oportunidades para tomar decisões que afetam a própria vida, realizar atividades de própria escolha (...) Vida independente tem a ver com a autodeterminação. E com o direito, a oportunidade de seguir um determinado caminho. E significa ter liberdade de falhar e aprender das próprias falhas, tal qual fazem as pessoas não-deficientes. Vida independente e exercício de cidadania são dois lados da mesma moeda.

Cidadania significa fazer escolhas e ter a coragem de levá-las adiante, mesmo errando. (...) Significa não ser um mero receptáculo passivo de novos serviços especializados, e sim um consumidor consciente e criativo

No artigo EDUCAÇÃO FÍSICA E INCLUSÃO: CONSIDERAÇÕES PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA ESCOLA, de Ruth Eugênia Cidade, Universidade Federal do Paraná - Doutoranda na Unicamp Patrícia Silvestre Freitas, Universidade Federal de Uberlândia - Doutoranda na Unimep, as autoras sugerem que o professor de Educação Física considere alguns aspectos fundamentais, necessários e já conhecidos, para uma melhor adequação das tarefas ao tipo de necessidade (como forma de minimizar as barreiras para a aprendizagem) que os alunos possam apresentar. Dentre eles:

Aprendizagem global versus aprendizagem por partes - a aprendizagem por partes é conveniente quando a complexidade da tarefa vai aumentando. A demonstração do modelo total pode ser o mais adequado quando o movimento não pode ser decomposto ou quando a tarefa se apresenta de fácil execução. O objetivo é conseguir que o aluno perceba a globalidade do ato motor e seja capaz de executá-lo.

Importância da propriocepção na aprendizagem de uma habilidade motora - a aprendizagem do movimento é influenciada e facilitada pela percepção cinestésica. Assim o aluno pode vivenciar o movimento, visualizar, apontar no outro, observar e comparar os seus movimentos com o do colega.

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Capacidade linguística - é de suma importância que o professor conheça a capacidade linguística de seus alunos, já que a comunicação verbal é um dos meios mais utilizados no processo de aprendizagem motora.

Tipo de ajuda prestada - o professor de Educação Física deverá prestar ajuda ao aluno que necessite dela para executar o movimento, procurando escolher a que seja mais adequada à situação, seja ela verbal ou por demonstração. Em alguns casos, a ajuda manual ou mecânica poderá ser necessária para os portadores de deficiência mais comprometidos, ou à medida que aumente a complexidade da resposta

Sabemos que nem todas as escolas estão preparadas para

receber o aluno com deficiência e por vários motivos, entre ele o de que os professores não se sentem preparados para atender adequadamente às necessidades daqueles alunos, e os escolares que não têm deficiência não foram preparados sobre como aceitar ou brincar com os colegas com deficiência.

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7. EDUCAÇÃO DE QUALIDADE PARA TODOS

OBJETIVOS:

• Tecer uma rede de idéias, reflexões e saberes sobre educação inclusiva e inclusão de alunos com deficiência nas aulas de Educação Física;

• Refletir criticamente sobre os possíveis benefícios da inclusão de TODOS indistintamente na Escola regular de ensino e, em particular, nas aulas de Educação Física.

RESUMO No presente estudo, ousamos trabalhar nossas inquietações e interrogações, tentando contar o passado, analisar o presente e sonhar o futuro, numa relação dialética, tomando como fio condutor a “inclusão escolar”, procurando tecer uma rede de idéias, reflexões e saberes sobre o assunto; e, ao concluir este trabalho, inevitavelmente, pergunta-mo-nos se este é um ponto de chegada ou um ponto de partida...

Moacyr de Góes, 19 É sabido que, até onde pudemos perceber, não há nenhum

critério na engenharia genética que possibilite aos humanos deixarem de conceber seres que tragam consigo deficiências físicas, sensoriais (auditivos e visuais), mentais. Ao lado da herança, existem também as limitações e comprometimentos em decorrência de acidentes e doenças que causam tais transtornos, tanto antes quanto após o nascimento, a que todos estamos sujeitos.

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Essas constatações sobre a existência, o humano, as diferenças e as deficiências colocaram-nos face a face com as limitações e as dificuldades que as pessoas têm para lidar com o que constitui naturalmente a vida. Isso é percebido através do dito, do não-dito, das falas truncadas, dos silêncios, das pausas, da dificuldade demonstrada por essas pessoas em encontrar palavras e explicações para o que não é explicável facilmente com palavras, quando se toca em sentimentos e emoções que não são claramente identificados e, por isso, difíceis de serem vivenciados de maneira adequada. Lígia Assumpção Amaral (1992) traduz com propriedade, o que aparece de forma recorrente nos discursos das pessoas:

A deficiência surpreende, mobiliza. Corporifica o que foge ao usual, ao esperado, ao simétrico, ao perfeito. O outro, diferente, representa feridas narcísicas. Representa a própria imperfeição daquele que espelha suas limitações, sua castração. Representa conflito não camuflável nas dinâmicas interrelacionais. Na condição de pessoas, nenhum de nós está imune às emoções, sejam elas quais forem, sejam elas desencadeadas por este ou aquele fenômeno. Nenhum de nós está “imune” à expectativa da perfeição, à necessidade de harmonia, à desorganização provocada pelo estranhamento, representada pela condição da diferença.

Ao observarmos as dificuldades enfrentadas por pessoas que

apresentavam qualquer tipo de diferença, seja de ordem física, sensorial ou mental, para fazerem valer seus direitos na sociedade, enfocamos o aspecto educacional, para onde direcionamos nossa investigação, procurando fornecer elementos que pudessem servir de base para programas de intervenção em instituições escolares com propostas inclusivas.

Analisando por esse ângulo, não foi difícil constatar que estamos permanentemente presos e sofrendo consequências devido ao “olhar do outro” e, principalmente, intensificando esse olhar através do que depositamos nele de julgamentos, fantasias, suposições e deduções.

É correto afirmar que não passamos impunes por tudo o que herdamos de nossa formação familiar, escolar e da mídia, fortemente influenciados pelo legado da história. Esses ranços certamente dificultam e comprometem a simples, natural e espontânea relação com o corpo, com o outro e com a vida de maneira geral.

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Nas últimas décadas, o discurso sobre a inserção social de TODOS4 parece ter invadido os recantos da sociedade em geral. Transformou-se em verdadeiro modismo e lugar comum falar/defender e pregar a inclusão.

Um ponto positivo de tudo isso é que estudar, analisar e refletir sobre diferenças de toda ordem significa aprender um pouco mais sobre nós mesmos. E nos conhecer melhor faz parte da construção da cidadania. A elaboração desse estudo possibilitou confirmar a complexidade que representa encarar a “deficiência” frente a frente porque esta, necessariamente, não faz parte do cotidiano da grande maioria das pessoas e não é incorporada a ele espontaneamente. Não é encarada de maneira natural. Ela causa incômodo e mobiliza questões internas de cada um, gerando efeitos e desdobramentos difíceis de serem analisados, exigindo um olhar cauteloso e meticuloso, por se tratarem de questões tão delicadas.

Não é mais aceitável deixar de pensar na participação real de TODOS, ou seja, a autêntica e corajosa inclusão daqueles que, erroneamente, figuram nas estatísticas como se já estivessem inseridos no contexto educacional, cultural, político, econômico e social. É preciso deixar de pensar na educação numa perspectiva simplista e reducionista, para compreendê-la sob uma ótica em que o acesso e a permanência na instituição escolar se façam dentro de condições viáveis e satisfatórias para a educação e formação de TODO e qualquer aluno, constituindo-se em direito espontâneo e natural, uma responsabilidade social e política do Estado e de cada cidadão.

Acreditamos que estão ingenuamente enganados os que pensam na educação inclusiva somente em relação à criança com deficiência, como se TODAS as outras já fizessem parte efetivamente do processo educacional.

A existência de uma política educacional fragmentada, desarticulada, descontínua e compartimentada, que vem prevalecendo no país, contribui para a manutenção das atuais taxas de analfabetismo, evasão e repetência, baixa qualidade do ensino, exclusão dos que não aprendem no mesmo ritmo e da mesma maneira que os outros.

4 A palavra TODOS – e suas variações – foi escrita na Conclusão dessa Tese em caixa alta, a exemplo de WERNECK (1999), com o objetivo de mostrar que qualquer espaço institucional, dentro da sociedade, deve incluir as diversidades – verdadeiramente TODOS – tornando-se um ambiente sem qualquer tipo de restrição.

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Para que se possa conceber a “escola inclusiva”, é necessário continuar trilhando um longo caminho. É imprescindível que a instituição escolar fique mais atenta aos interesses, características, dificuldades e resistências apresentadas pelos alunos, no dia a dia da Instituição e no decorrer do processo de aprendizagem. Dessa forma, o ambiente escolar precisa se constituir como um espaço aberto, acolhedor, preparado e disposto a atender às peculiaridades de cada um.

Não é novidade afirmar que as escolas, em sua maioria, não têm resolvido a questão de buscar a inserção de TODOS indistintamente, com e sem deficiência, o que resultaria em melhoria na qualidade do processo de ensino, aprendizagem e formação do aluno. Acabam por despender muita energia e tempo com rotinas administrativas, com isso deixando de lado a gestão pedagógica, que deveria constituir a preocupação mestra.

Se tal fato se faz presente com frequência nas instituições escolares, não é difícil constatar que o sistema educacional está cristalizado e institucionalizado para lidar apenas com a homogeneidade, porque esta não apresenta nenhum risco, já que não coloca em xeque seus valores, verdades e, principalmente, seus hábitos.

Nesse cenário, constatamos que a instituição, frequentemente, não vem cumprindo seu papel; encontra-se completamente dissociada do mundo contemporâneo e da vida atual. Pais, professores, educandos e a sociedade em geral estão insatisfeitos com a qualidade do ensino oferecido e, pior, sem perspectivas.

Como consequência, os alunos saem das instituições escolares sem qualificação e sem qualquer preparo para comporem e enfrentarem a dinâmica da sociedade e, lamentavelmente, os responsáveis pela formação escolar fecham os olhos para tal situação.

A escola e o sistema educativo em seu conjunto podem ser entendidos como uma instância de mediação entre os significados, os sentimentos e as condutas da comunidade social e o desenvolvimento particular das novas gerações. Dessa forma, a escola impõe, lentamente, mas de maneira tenaz, certos modos de conduta, pensamento e relações próprios de uma instituição que se reproduz a si mesma, independentemente das mudanças radicais que ocorrem ao redor. Parece evidente, portanto, que a escola, nas sociedades pós-industriais, cumpre o complexo e contraditório conjunto de funções: socialização, transmissão cultural, preparação do capital humano, compreensão dos efeitos das desigualdades sociais e econômicas. Não é difícil, dessa maneira, perceber que, com este complexo conjunto de finalidades, a cultura acadêmica flutua em função da primazia de umas sobre as outras.

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Qualquer educando pode, em algum momento, experimentar dificuldades no processo de aprendizagem, resultantes da interação entre as características desse aluno e as exigências, os programas e os instrumentos de avaliação utilizados pela Instituição.

É preciso (re)pensar e (re)estruturar o sistema e a estrutura da educação convencional, para que se diminuam e, quem sabe, possam ser eliminados os obstáculos que impedem que TODOS os educandos progridam, tornando o sistema educacional mais justo, coerente, eficaz e equânime. Essa concepção do desempenho escolar e dos planejamentos didáticos, na concepção inclusiva, sem dúvida revoluciona o que tradicionalmente se pratica nas escolas ainda hoje.

É possível reunir os problemas despertados e gerados pela inclusão de pessoas com deficiência num conjunto de respostas pedagógicas, para desvendar essa competência, porque esses educandos têm o direito de viver desafios que lhes deem oportunidade para desenvolver suas capacidades e conquistar autonomia social e intelectual, decidindo, escolhendo, tomando iniciativas, em função de suas necessidades, desejos, motivações e sonhos.

Ao trabalhar com a educação, não é admissível esquecer que a sociedade do conhecimento é uma sociedade em formação, que, como a vida, se flexibiliza, se adapta, instaura redes de relações, cria e recria. Educar é fazer experiências de aprendizagem pessoal e coletiva.

Estudos recentes sobre as teorias do conhecimento mostram que aprender não pode se restringir apenas a uma apropriação dos saberes acumulados da humanidade. Aprende-se não só com a escola e, muito menos, só fora dela. Aprende-se a vida inteira através das formas de viver e conviver. Processos cognitivos e processos vitais se encontram e interagem constantemente. São expressões da auto-organização da complexidade e da permanente conectividade de TODOS com TODOS e em TODOS os momentos e em TODAS as etapas do processo evolutivo. Conhecer é um processo biopsicossocial e histórico. Cada ser vivo, para existir e viver, tem que se flexibilizar, adaptar, re-estruturar, interagir, criar, co-evoluir e transformar.

É imprescindível, portanto, trabalhar no sentido de tentar construir consciências críticas, efetivamente autônomas e criativas, capazes de edificar sociedades mais justas – voltadas para a solidariedade e o respeito pelo outro. Esse objetivo pode ser alcançado através do favorecimento permanente de oportunidades para se discutir, planejar, confrontar as diferenças entre os pares, opção pela atitude de cooperação em detrimento da atitude conformista.

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A “inclusão” depende do entendimento de que o processo de conhecimento é tão importante quanto o seu produto final e deve respeitar o ritmo da aprendizagem e o traçado que cada aprendiz elabora, a partir de seus sistemas de significação e de conhecimentos adquiridos, além do que foi herdado. Os profissionais precisam entender como os conhecimentos evoluem e como a inteligência se manifesta na organização das estratégias, ou seja, como os alunos aplicam conhecimentos que já possuem para se adaptarem a situações novas e desequilibradoras do pensamento e da ação. Essas situações de equilíbrio local do pensamento estão presentes a todo o instante, nas salas de aulas, quando os educandos resolvem os mais diversos problemas, sem a preocupação e a obrigação de encontrar a resposta exigida e esperada, mas aquela que corresponde às suas condições de compreensão.

A proposta de “inclusão” social, econômica, política, cultural, educacional deve ser incondicional e, portanto, não admite qualquer forma de segregação, o que ainda não acontece. Essa opção de inserção, que tem como meta principal não deixar nenhum aluno fora do ensino regular, desde o início da escolarização, questiona o papel do meio social no processo interativo de produção das incapacidades, porque TODOS têm o direito de se desenvolver em ambientes que não discriminam, mas que procuram lidar e trabalhar com as diferenças, respeitando os comprometimentos e as limitações de cada um.

Portanto, pensar no papel e na função da Instituição escolar é uma postura necessária e indispensável, igualmente importante e urgente, sobretudo nos cursos de formação de profissionais que devem estar a frente de questionamentos e no redimensionamento de representações de igualdade e diferença, para que esses profissionais possam se sentir à vontade, com competência técnica e condição emocional para lidarem no dia a dia com a diversidade dentro da sala de aula.

É sabido que, em tempo algum, nunca se falou tanto na importância da participação de minorias sociais, em ambientes antes reservados apenas àqueles que se enquadravam nos ideários pré-estabelecidos e perversos de força, beleza, riqueza, juventude, produtividade e perfeição. Por outro lado, sabemos que, desde sempre, o homem vem tentando formas de melhor se colocar no mundo, de lidar consigo e com o outro. Tal situação faz parte da história do ser humano e nos parece um processo que se estenderá indefinidamente.

Dessa forma, concluímos que trabalhar, inovar e ousar implementar a educação numa perspectiva inclusiva não é missão

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impossível. É, isto sim, desafio superável. É uma questão de pensar, de querer enfrentar o desafio e o trabalho de mudar. Acreditar que é possível trilhar o árduo e, de certa forma, tortuoso caminho para transformar. Querer “pensar e construir” uma escola que inspire e promova a troca entre os alunos, que confronte formas desiguais de pensamento e de estilo de vida, busque metodologias interativas e faça do reconhecimento e da convivência com as diversidades, estratégias e alternativas para uma nova aprendizagem, voltadas para o educando, enfim uma escola que reconheça as diferenças e, respeitando-as, com elas conviva.

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CAPÍTULO 3

JOGO, REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, CONFIGURAÇÕES,

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Profa. Dra. Maria Beatriz Rocha Ferreira

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PREFÁCIO

Para responder às questões e buscar soluções referentes às

diferenças e à inclusão, se faz necessário verificar os processos históricos e sociais que nos trouxeram até aqui. A observação e a pesquisa constantes realizadas pelas pessoas envolvidas em aumentar os processos de inclusão do maior número de pessoas nas atividades da comunidade, trará sempre novas respostas se for acompanhada do processo criativo! Em um mundo em constante transformação, de forma cada vez mais acelerada diante das novas tecnologias, temos a necessidade de compreender as relações entre indivíduos e sociedade que ressoam em preconceitos arraigados na sociedade atual.

Sobre essa questão podemos analisar as palavras do sociólogo Norbert Elias, que nos diz que a divisão acadêmica em áreas estanques faz com que nosso olhar fique voltado para as partes, sem que consigamos tentar vislumbrar o todo e a interdependência entre indivíduos, sociedade e ambiente, inclusive a Natureza, considerada em épocas anteriores um monstro a ser domado. Nada disso faz parte de opostos, mas sim de complementaridade.

Os termos inclusão/exclusão dominam a nossa cultura em todas as áreas, numa sociedade que está mais voltada para a competição do que para o compartilhar. A competição chega a níveis de “salve-se-quem-puder” no trabalho, nas relações sociais, no individualismo e até no “vestir o corpo”. Portanto, quando falamos de esportes para deficientes, temos que olhar para essa formatação e tentar buscar mudanças profundas através de pequenas mudanças que re-equilibrem a balança EU/NÓS.

Por essa razão, a Profa. Dra. Maria Beatriz Rocha Ferreira provoca um passeio pela antropologia e pela sociologia, para que a curiosidade dos profissionais que lidam com a educação física e áreas de saúde fiquem tentados a aguçar a curiosidade e a vontade do conhecimento em busca de pequenas respostas para um problema crucial de nossa sociedade. Como incluir o maior número de pessoas nos jogos pelo simples de jogar, perder ou ganhar?

Em um tempo conturbado, onde ouvimos diariamente a palavra crise, poderemos encontrar novas respostas, onde o jogo volte a ser um prazer para todas as pessoas que pretendam conviver em sociedade onde todo e qualquer indivíduo sinta-se espontaneamente convidado a participar. Isso através da busca constante de conhecimento do passado para a

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construção de novas formas de convivência, dentro da diversidade de indivíduos que formam a sociedade humana.

Maria Cecília Donaldson Ugarte

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Jogos, Representações Sociais, Configurações, Inclusão/Exclusão

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INTRODUÇÃO

O jogo faz parte da trajetória da humanidade. Para situar as

questões relacionadas com ele, vamos percorrer alguns caminhos das áreas do conhecimento da Educação Física, Antropologia e Sociologia. A ideia do curso é não trazer receitas prontas sobre jogo, mas fundamentos teórico-práticos advindos da interação dessas áreas, para subsidiar o professor na suas reflexões teóricas e práticas pedagógicas.

A antropologia contribui com conteúdos importantes sobre cultura, diferenças, reconhecimento do outro – ‘alteridade’, comparações entre sociedades e civilizações e transformações funcionais e estruturais da espécie, tanto nos aspectos biológicos como sociais. A sociologia traz elementos para pensarmos no jogo como fenômeno social, num processo histórico-social de longa duração. E a Educação Física fornece informações sobre o ser humano motriz, nas especificidades do jogo praticado na escola e em sala de aula, local onde se reproduzem valores, papéis sociais e identidades da sociedade. É através da interação dessas áreas que construiremos o nosso curso.

Huizinga já dizia, em 1938: “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve” (Prefácio, 1993). E, para compreendermos tal façanha humana, vamos adentrar a antropologia.

Muitas vezes esquecemos que fazemos parte de uma espécie que levou milhares de anos para atingir o estágio atual, passou por transformações estruturais, funcionais e psicossociais. A direção das transformações resultou em uma espécie interdependente, isto é, com seres relacionais que constroem conhecimentos, dão significados às coisas e aos seres, transmitem conhecimento ao outro, às novas gerações e formam redes de interdependências. Há outras explicações teóricas e religiosas para se compreender o estágio atual da nossa espécie. No curso, adotaremos a teoria científica sócio-antropológica.

As relações humanas não são tão simples de se compreender. São complexas e há sempre tensões de poder imbricadas nelas. Poder entendido no sentido de quem manda, delibera, exerce a autoridade, a força. Ele está relacionado com o conhecimento, a competência, a legitimidade, referência, recompensa e punição. As implicações do exercício de poder se modificam com as transformações das sociedades e políticas. As formas democráticas de governo tendem a ser mais aceitas do que as autoritárias.

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As relações de poder não são estáticas, isto é, não estão concentradas exclusivamente no Estado, na Igreja, nas mesmas pessoas e grupos ou entidades. Muitas vezes demoram anos, séculos para se modificarem, e outras vezes podem se modificar mais rapidamente.

Se pensarmos numa balança de poder e pusermos mais força de um lado, o eixo dela penderá para aquele lado. Se pusermos do outro lado, o eixo irá para o outro lado, ou poderá se equilibrar. Nas relações humanas, ocorre situação semelhante, as tensões influenciam a relação de poder, que poderá ir mais para um lado, ou para o outro, ou se equilibrar. As mudanças na balança dependem de vários fatores, tais como: tempo, tipo de sociedade, conhecimentos, articulações políticas, interferências externas de governo, de outros locais, etc.

Exemplos :

(i) Situação familiar - os pais têm mais poder sobre os filhos, quando pequenos, no sentido de autoridade, cuidado, educação e, à medida que crescem, essa relação se altera. Na adolescência pode haver conflitos de interesses, rebeldias e, na vida adulta, a situação tender a um equilíbrio de cooperação. Mas na velhice os pais dependem dos filhos.

(ii) Na escola - a configuração do poder se mantém por anos, mas a qualquer momento pode se alterar, uma vez que as pessoas saem ou outras entram, as leis mudam e afetam as relações. Em geral os grupos dominantes resistem às mudanças, para não perderem o controle do poder.

(iii) Na população com deficiência – durante anos foram excluídos da vida social, não exerciam poder. Mas no último século essa situação começou a ser modificada, advinda de lutas de diferentes setores – dos mutilados da guerra, dos deficientes físicos, dos avanços do conhecimento na medicina, psicologia, ciências sociais, maior conscientização planetária dos direitos humanos, etc.

(iv) No jogo – na escola, durante o jogo, a pessoa com deficiência pode estar em desvantagem, se as regras não contemplarem as especificidades do grupo – com deficiência e não deficiência. Nesse caso a balança de poder pende para os não deficientes, e o outro grupo continua a ser excluído. Devemos prestar atenção para o fato de que, na

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situação de jogo na escola, as questões de exclusão/inclusão da sociedade vão se reproduzir.

O poder está relacionado com papéis sociais e identidades,

termos importantes para serem compreendidos no viés histórico-social. Os papéis sociais são definidos por normas, direitos e deveres estabelecidos nas instituições e dizem respeito a formas de ação e funções pré-estabelecidas, nas quais os indivíduos se integram. São construídos paulatinamente através do processo de socialização. Observamos que em todas as fases da vida há a formação de papéis sociais, como por exemplo, ser filho, ser estudante, ser amigo, ser esposo/a, ser professor, ser mulher, ser homem, ser deficiente, ser ativo ou sedentário, ser atleta, ser atleta com deficiência, entre outros. Os papéis sociais são próprios de cada sociedade e cultura e, portanto, podem apresentar diversidade de significados. Por exemplo: há diferenças na estrutura e relações entre os membros nas famílias de Sociedades Indígenas, Africanas, Asiáticas, Européias e Americanas. Os papéis sociais de homens, mulheres e filhos variam nessas sociedades. A dificuldade de se reconhecerem outras formas e possibilidades de viver diferentemente tem levado a vários desentendimentos e até a guerras. O reconhecimento do ‘outro diferente’, quer como pessoa, quer como modos de vida, nem sempre é fácil, pois abala as nossas próprias estruturas psicossociais.

O conceito de identidade na sociologia/antropologia é amplo e complexo. Pode ser entendido como um conjunto de ideias, significados, compartilhados por um grupo advindo do processo de construção social de longa duração, baseado na cultura, a partir das instituições dominantes. Portanto, esse conjunto se torna uma identidade quando os atores sociais internalizam e constroem para si significados condizentes com seus valores. Dessa forma, o papel social de ser mãe, pai, mulher, homem, aluno, irmão, pessoa com deficiência, atleta com deficiência, relaciona-se com as identidades desses termos - assim como nós somos mãe, somos mulheres e muitas vezes também somos profissionais: professoras, psicólogas, secretárias, etc. Por trás desses papéis sociais, carregamos nossos valores que são estabelecidos, dependendo da cultura, sociedade e núcleo familiar e social ao qual pertencemos e que também vão se modificando com o tempo. Daí a ideia de interdependência, pois nos modificamos uns aos outros e ao ambiente - notem que os atributos que identificam as pessoas podem ser mudados com o decorrer dos anos. No passado, o que se concebia por ser mãe,

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pai, professor, filho, tinha conotação diferente, comparado aos dias atuais. No passado não se pensava em jogador ou atleta com deficiência, times esportivos com deficientes e não deficientes. Estas são novas identidades, construídas a partir da contribuição da ciência, política, ética e moral.

Outro aspecto fundamental de se lembrar é o fato de sermos seres relacionais, um dependendo do outro nos seus respectivos papéis. O professor depende dos alunos, e vice versa, para exercerem esses papéis; os pais dependem dos filhos e vice versa, os quais, por sua vez, dependem da escola, representada por professores, funcionários, infraestrutura, etc. Dessa forma, as pessoas formam redes e teias de interdependências no processo de construção das identidades.

Em suma, pessoa com deficiência, inclusão, exclusão, papéis sociais e identidade são temas complexos e envolvem debates inter-disciplinares. E mais ainda, neste curso esses temas são tratados, pensando-se na pessoa com deficiência no jogo. Podemos dizer que há avanços e retrocessos nas propostas, programas, implantações e resultados educacionais para a população com deficiência. Muitos dos avanços são mais teóricos do que práticos, talvez pela dificuldade em avaliarmos os programas e sabermos utilizar os resultados – erros e acertos - para retroalimentar o processo.

Os desafios para o próximo milênio são enormes, para a exequibilidade das ações que dependem de todos “nós”, pessoas com

deficiência e não deficientes, gestores, professores, pais, alunos, colegas.

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UNIDADE I

1. APRESENTAÇÃO

Esta unidade vai tratar de um conjunto de conhecimentos

básicos que são importantes para as reflexões sobre jogos, inclusão e exclusão da pessoa com deficiência na sociedade.

As noções básicas sobre o que são conceitos e definições trazem elementos para atentarmos: (i) sobre a necessidade de se compreenderem os significados e atributos constitutivos dos termos ou palavras, e (ii) que estes dependem da época, de quem os faz, da área do conhecimento, enfim, do momento histórico-político-social.

O termo cultura perpassará as discussões do curso. E, para desconstruir a idéia de que há somente uma compreensão do que seja o termo cultura, algumas definições fundamentadas em diferentes linhas da antropologia serão apresentadas. A ideia é fazer com que os alunos ampliem as noções sobre esse termo e que, futuramente, despertado o interesse, possam se aprofundar em um ou em outro autor, para o desenvolvimento de projetos educacionais/culturais voltados para as pessoas com deficiência. E, finalmente, no final desta unidade, vamos tratar da origem da cultura na espécie humana.

2. CONCEITOS E DEFINIÇÕES

Desde que nascemos somos ensinados a relacionar palavras

às coisas ou aos seres e os significados a conceitos. Mas os significados variam de acordo com a época, a sociedade e a cultura. Portanto, é importante conhecermos os significados das palavras.

Antes de entrarmos no conteúdo do curso, sobre jogos, vamos dar algumas informações sobre ‘conceitos e definições’. Pelo mecanismo de comparação, a mente reduz os vários objetos semelhantes a uma construção mental, que é a ideia. Dessa maneira se pode formar a ideia do que seja, por exemplo, um cachorro.

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A compreensão do conceito pode ser inferida no diagrama a seguir (Piovensan):

Termo ou palavra O termo ou a palavra (sinônimos) designa o nome do referente.

O referente é o ser, a coisa, o objeto. No caso do diagrama, é a baleia. O referente pode ser (i) concreto ou material e (ii) abstrato ou

não material. No exemplo acima, ‘cachorro’ é concreto e a seguir o referente

é ‘felicidade ’ e, portanto, abstrato.

Termo ou palavra Depois de entendermos o que é um conceito, vamos passar

para ‘definição’. Definir é enunciar os atributos essenciais e específicos de

uma coisa, de modo que a torne inconfundível com outra (Aurélio). Ou, definição é a expressão breve e completa do significado de uma palavra, do que se entende ou de como se mede uma coisa (Piovensan).

Conceito

Conceito

Referente Baleia

Referente Felicidade

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A elaboração de uma definição é muitas vezes difícil, porque busca uma explicação precisa do termo. Mas elas são importantes nos estudos e pesquisas, para esclarecer o significado da palavra e delimitar aquilo de que realmente estamos falando.

A compreensão da palavra também se modifica e depende de vários fatores, tais como: época histórica, área do conhecimento, linha teórica, etc. Portanto, é sempre importante ficarmos atentos a quem fala, de onde se fala e quando se fala. Lembrando que um discurso ou enunciado é também político, podendo se modificar dependendo de quem, onde e quando é falado ou escrito.

Há três tipos de definição: (i) da palavra ou nominal, (ii) do conceito, ou conceitual e (iii) indicação do processo de medida. No curso, vamos utilizar especialmente a definição conceitual, que é explicada como a enunciação do conceito. Ex. felicidade – qualidade ou estado de feliz, ventura, contentamento (Aurélio). Na definição conceitual, procura-se dizer o que o ser é, dando o seu conteúdo (compreensão ou conotação) e os limites do conceito (permitindo a extensão ou denotação).

A compreensão é o conteúdo de um conceito e a extensão ou denotação é o conjunto dos objetos ou indivíduos que o termo designa. Exemplo – arranhacéu é um edifício de muitos pavimentos. Sendo edifício a compreensão ou conotação e muitos pavimentos a extensão ou denotação.

A compreensão de um termo se relaciona com a época, o momento histórico, a área de conhecimento, entre outras variáveis. Por exemplo, a expressão pessoas com deficiência passou por várias interpretações, tais como: excepcionais, pessoas especiais, pessoas portadoras de deficiências, deficientes, etc. A terminologia não necessariamente reflete uma profunda mudança social, no entanto pode apontar tendências de novas interpretações.

Mais recentemente, para fins didáticos, têm-se classificado as deficiências fundamentando-se nos aspectos biológicos e psicológicos (Cidade & Busto, 2008), os quais são importantes de ser observados pelas implicações práticas e sócio-culturais.

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Tipos Característica

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auditiva, visual, motora e múltipla

Genética ou adquirida

Condutas típicas de síndromes

neurológicas, psiquiátricas ou

psicológicas

Manifestações comportamentais que

acarretam prejuízos no

relacionamento social

Altas habilidades Qualidades de superdotados,

esquizofrenia

Distúrbios de saúde Obesidade, diabetes, cardiopatias

Problemas de comunicação Fala e linguagem (verbal e não

verbal)

Dificuldades de aprendizagem Intelectual e motora

Concluindo Desde o nascimento, aprendemos e ensinamos a construir as ideias, os significados das coisas e a formular conceitos e definições A compreensão de conceitos e definições é de fundamental importância nos estudos, para que se possa entender o significado das palavras, lembrando que estas também têm uma história.

A conotação e denotação das palavras ou termos estão sujeitas a ser modificadas, com o tempo e desenvolvimento das diferentes áreas do conhecimento científico, da ética e da moral. À medida que a percepção do fenômeno muda, o significado das palavras também muda.

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3. CONCEITO DE CULTURA E TEORIAS ANTROPOLÓGICAS

O termo cultura tem vários sentidos e é utilizado com diferentes

conotações e denotações na história, devido à complexidade de compreendê-lo e defini-lo. É um dos mais importantes conceitos nas ciências sociais e não há acordo do que seja cultura entre os autores, os quais seguem diferentes teorias antropológicas e sociológicas.

Teoria é um conjunto de conhecimento organizado e consistente, elaborado através de experiência empírica, científica (pesquisa científica) ou filosófica. Ela é inacabada; está em constante construção; é renovada e averiguada por outras pesquisas e pelo senso comum. As teorias propiciam subsídios para o professor orientar e ampliar seus programas educacionais.

No curso, vamos apresentar alguns conceitos sobre cultura, fundamentados em algumas teorias. O intuito é ampliar a visão do professor sobre a dificuldade de se compreender o ser humano em sociedade. Apesar da diferença entre os seguidores de uma ou outra teoria, o termo cultura nos dá a ideia de pensarmos nas diferenças e semelhanças de ser, de fazer, de pensar, de sentir, de viver dos povos. Por exemplo; as sociedades indígenas vivem de maneira diferente, quando comparadas com as pessoas urbanas. Existem também diferenças entre as sociedades indígenas, embora muitas vezes as pessoas pensem que elas sejam todas iguais. Ainda assim, há mais semelhança sócio-cultural entre elas, do que se comparadas com as pessoas da cidade. A antropologia e sociologia nos ajudam a pensar nas diferenças e semelhanças culturais, o porquê da inclusão, o porquê da exclusão, etc.

Para se ter uma ideia geral das diferentes definições de

cultura, vamos fazer um corte histórico no significado do termo na antropologia e mencionar os autores mais recentes. A classificação de Roger Keesing, 1974 propõe a classificação desses autores em duas grande categorias de pensamento, a saber: aqueles que entendem

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cultura como um sistema adaptativo e os que entendem cultura como um conceito idealista.

3.1. Sistema adaptativo

Essa teoria foi defendida por Leslie White (1955) e criativamente reorganizada por outros escolares. Keesing, 1974, cita os seguintes autores da teoria de sistema adaptativo, considerados como neoevolucionistas: Leslie, White, Sahlins, Rappaport, Vayda, Carneiro, arqueólogos como Binfords, Flannery, Longaecre, Sanders, Price e Meggers. Um resumo do artigo de Keesing (1974) pode ser encontrado no livro de Roque de Barros Laraia (2006) – Cultura: um conceito antropológico.

Apesar das fortes divergências entre os autores, Keesing (1974, p. 75-76) aponta os seguintes pontos de acordo entre eles, a saber:

1. “Culturas são sistemas, isto é, padrões comportamentais transmitidos socialmente e organizados em sistemas que servem para adaptar as comunidades humanas em seus nichos ambientais, com

embasamentos biológicos. Estes meios de vida da comunidade incluem tecnologia e modos de organização econômica, padrões de moradias, modos de agrupamento social e organização política, crenças religiosas, práticas”, etc. 2. “Mudança cultural é primariamente um processo de adaptação, o que equivale à seleção natural. O homem é um animal e, como qualquer animal, precisa manter uma relação adaptativa com seu meio, para sobreviver. Embora ele atinja a adaptação através da cultura, o processo é guiado pelas mesmas leis da seleção natural que governam a adaptação biológica, isto é, “o mais forte sobrevive” (Meggers, 1977). 3. “Tecnologia, economia de subsistência e elementos de organização sociais diretamente ligados à produção são os domínios mais adaptativos da cultura. Nesses domínios usualmente começam as mudanças adaptativas que depois se ramificam. Há divergências nos conceitos de como esses processos operam, como pode ser observado nas posições do ‘materialismo cultural’ de Harris, da ‘dialética social’ dos

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marxistas, ou no ‘evolucionismo cultural’ de Elman Service, que se distingue dos ‘ecologistas culturais’ da tradição de Steward, dos “ecologistas humanos”, como Rappaport e Vayda. Entretanto, todos (exceto Rappaport) visualizam a economia e as correlatas sociais como sistemas primários; e a religião, rituais, visão do mundo – como secundários, derivados” . 4. “Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter consequencias adaptativas – em controlar populações, contribuir para subsistência, manter o ecossistema", etc.

Na política, na economia e na educação podemos ver os desdobramentos dessas idéias, como nos sistemas socialistas, comunistas e mesmo em outros sistemas que centralizam as questões de adaptação e sobrevivência nos nichos ambientais, como pontos centrais para se compreender a cultura.

Concluindo O termo cultura é difícil e complexo de ser definido, uma vez que

trata de quem é o ser humano. Embora ele esboce a ideia de pensarmos sobre as diferenças e semelhanças de ser, de fazer, de pensar e de sentir dos povos, não há consenso entre os autores.

Fazendo um corte histórico nas teorias antropológicas, utilizamos o texto de KEESING (1974), que classifica cultura na perspectiva de sistema adaptativo e idealista.

Os autores que tratam cultura na perspectiva de sistema adaptativo entendem‐na como padrões de comportamentos que são transmitidos socialmente e organizados em sistemas que servem para adaptar as comunidades em nichos ambientais. Levam também em consideração a adaptação biológica. 

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4. CULTURA: TEORIAS ANTROPOLÓGICAS TEORIAS IDEALISTAS

DE CULTURA

Em contraste com as teorias adaptativistas de cultura, há

também outras teorias, como a funcionalista, positivista, idealista, etc. Vocês estão percebendo como este assunto é complexo. Mas a ideia aqui é apontar para a diversidade de definições e linhas antropológicas que o discutem. Apesar das diferenças entre os autores, Roger Keesing classifica as teorias idealistas de cultura em três vertentes. Essas teorias interagem com modelos e teorias linguísticas.

4.1. Cultura como Sistema Cognitivo

Cultura é entendida como sistema de conhecimento. De acordo com Ward Goodenouh: “cultura de uma sociedade consiste em tudo aquilo que a pessoa tem que conhecer ou acreditar para operar de maneira

aceitável na sociedade. Cultura não é um fenômeno material; não consiste de coisas, pessoas, comportamentos, ou emoções. É uma organização dessas coisas. É a forma das coisas que as pessoas têm no pensamento, seus modelos para perceber, relacionar, e interpretá-los.” Em resumo, Goodenough diz que: “cultura fornece a referência, o padrão para decidir o que é ..., para decidir o que pode ser... para decidir o que sentir sobre isto... para decidir o que fazer sobre isto, e para decidir o caminho para ir” ...(apud Keesing (1974).

4.2. Cultura como um Sistema Estrutural

Claude Levis Strauss, antropólogo belga, mas que desenvolveu suas atividades profissionais na frança é considerado o “pai” do estruturalismo (1976). Ele buscou compreender as invariantes que se podem encontrar por trás das diferenças empíricas observáveis nas sociedades de maneira geral. Ele não está preocupado com o

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fenômeno em si, mas com o que está por trás do fenômeno, a estrutura, aquilo que está no nosso inconsciente. busca os princípios da mente que geram as elaborações culturais, como os mitos, a arte, relações de parentesco. Ele não está interessado numa cultura, mas em cultura, aquilo que existe em comum na estrutura do pensamento.

4.3. Cultura como Sistemas Simbólicos

Uma outra forma de se compreender cultura, diferentemente do sistema cognitivo e estruturalista é entender cultura como sistemas de símbolos e significados compartilhados. Nos Estados Unidos, dois antropólogos são pioneiros nessa teoria, Clifford Geertz (1978) e David Schneider (1968).

Geertz entende que a teoria cognitiva de Goodenough, e outros dessa linha, é reducionista e formalista. Na sua definição de cultura, entende que “os significados não estão na ‘cabeça’ das pessoas; símbolos e significados são compartilhados pelos atores sociais, entre eles, não neles; eles são públicos e não privados”. Os padrões culturais não são metafísicos, mas como pedras e sonhos, eles são coisas deste mundo (apud Keesing, 1974, p. 79). A interpretação para o autor deve ser baseada num trabalho de campo intenso, com descrição densa, fruto da imersão do pesquisador, durante um tempo, na vida social do contexto a ser estudado.

David Schneider diz que “cultura é um sistema de símbolos e significados. Esta compreende categorias ou unidades, e regras sobre relacionamentos e modo de comportamento. Essas unidades ou coisas não dependem da observação somente, pois fantasmas e pessoas mortas também são categorias sociais.

Como vimos anteriormente, não existe consenso entre os pesquisadores sobre a compreensão do que seja cultura. A tendência mais recente é valorizar cultura nas teorias idealistas.

Independentemente de optamos por uma ou outra teoria, nós podemos observar a diversidade cultural que existe no mundo, relacionada às regras de comportamento, modos de ser, de pensar, de vestir, dos valores, da moral. Uma grande dificuldade é interpretar a cultura do outro, sem uma imersão nesta. A tendência muitas vezes é achar que cultura deve ser estática, caso contrário se perdem valores. Em realidade, a cultura é dinâmica.

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Tiklin Gallois (2006) alerta sobre o perigo de se dar uma conotação estática à cultura. Enfatiza que as pessoas têm, de antemão, uma ideia de costumes e saberes ‘congelada’, em relação à cultura do ‘outro’. Elas selecionam e julgam elementos culturais a partir de uma visão própria, preconcebida e sem considerar o ponto de vista dos seus criadores e detentores. Na ideia congelada de cultura, se concebem as mudanças como um percurso em que se perdem “traços” e se dilui a pressuposta autenticidade cultural.

Por exemplo, muitos pensam que os indígenas estão perdendo a cultura porque não andam nus, ou porque têm veículos motorizados, ou mesmo, utilizam a mídia, ou porque fazem colares com miçangas e não sementes, etc. Não percebem que o ‘saber fazer, o como fazer, o significado’ pertencem a uma cultura milenar, denominada de cultura imaterial. Em outras palavras, o processo subjacente à cultura material (construções, prédios, comportamentos, utensílios, etc.) chama-se cultura imaterial (saber fazer, como fazer). E, portanto, devemos pôr mais atenção nesse processo de transmissão imaterial, por conter os significados, os valores, o saber fazer. Assim, a identidade indígena se dá pela maneira de pensar indígena, de ser indígena, dos valores indígenas.

Concluindo Neste capítulo se podem visualizar as abordagens ‘idealistas’

antropológicas sobre cultura – sistema cognitivo, sistema estrutural e sistema simbólico, e perceber que o tema ainda está em aberto. Falar sobre cultura implica compreender ‘quem somos nós’. E aí está o grande dilema. Podemos ver o ser humano vivendo em sociedade sob a perspectiva de adaptação bio-cultural? nos seus nichos ambientais, para sua sobrevivência? Ou na forma de pensar, de interpretar as coisas e o mundo? Ou de compartilhar ideias e valores entre nós?

Apesar de todas essas vertentes, elas são importantes para visualizarmos a cultura como um processo dinâmico e não estático, em que, portanto, os comportamentos, as relações de poder e as configurações mudam. Nós, como atores sociais, fazemos parte do processo de mudança.

Foram oferecidos elementos para que possamos ter ideia de algumas teorias que norteiam a compreensão do termo. Teoria é um conjunto de conhecimentos organizados e consistentes, elaborados através de experiência empírica, científica ou filosófica. Ela está, no

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entanto, inacabada; em construção. Está sendo constantemente renovada e averiguada por outras pesquisas e pelo senso comum.

As teorias, entretanto, podem dar subsídios para o professor orientar e ampliar seus programas educacionais.

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5. A ORIGEM DA CULTURA

Os humanos são seres bio-psíquico-sócio-culturais.

Pergunta-se, quando a espécie humana começou a construir instrumentos, a dar significado às coisas, aos seres, a aprender e ensinar?

Vamos fazer uma retrospecção antropológica da espécie humana, levando em

consideração fatores da filogenética. Entende-se por filogenia a história evolucionária das espécies; e a ontogenia, como a história das mudanças estruturais e funcionais de um determinado ser vivo, durante a vida, desde a concepção até a morte.

O homem, denominado homo sapiens, levou milhões de anos para atingir o estágio atual. Em termos filogenéticos, importantes eventos ocorreram após nossa separação dos nossos ancestrais “apes” (que são os Orangotangos, Chimpanzés e Gorilas), há cinco milhões de anos. Diferentes teorias tentam explicar como se deu esse processo. O bipedalismo (quando passamos a andar eretos, deixando as mãos livres), o crescimento cerebral e o retardo na frequência metabólica (ocorridos

especialmente há 2.5 milhões de anos atrás) foram eventos importantes no processo evolucionário filogenético (Leackey & Lewin, 1981; Morgan, 1995; Weiss & Mann, 1981).

Durante milhares de anos, ocorreram diferentes mudanças estruturais e funcionais. Estas serão mencionadas, sem se pretender apresentar uma ordem de ocorrência ou dar ideia de plenitude, mas exemplificando: diminuição do faro; desenvolvimento de uma visão estereoscópica; capacidade de enxergar colorido, capacidade de utilização das mãos – o que propiciou sentir de forma diferente, poder segurar, virar e brincar com as mãos; desenvolvimento da fala, da inteligência, das emoções, entre outras. Lembramos que, para o desenvolvimento da fala, foi necessária a construção de representações mentais e, portanto, conceitos.

O bipedalismo foi um dos eventos mais significativos da espécie. Em decorrência dessa transformação, assim como de outras, a espécie foi capaz de transportar objetos, filhotes, construir armas e aumentar a visibilidade (Pilbeam, 1973).

Lewis-Strauss (1976) enfatiza o inicio do desenvolvimento da cultura quando a espécie convencionou a primeira regra, as primeiras

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normas, que, de acordo com o autor, seriam relacionadas à proibição do incesto, cujo padrão é comum em todas as sociedades humanas. Em todas elas existem proibições de relação sexual entre um homem e algumas categorias de mulheres, como mãe, irmã, filha.

Leslie White (1955) enfatiza que o desenvolvimento da cultura começou a ocorrer quando a espécie foi capaz de gerar símbolos. Os seres humanos se espalharam e se perpetuaram pelo uso do símbolo.

A ideia de um processo contínuo e lento deve ser compreendida no desenvolvimento da cultura, pois, cientificamente falando, não há um ponto zero, um marco ou um início, quando tudo mudou. Outro aspecto importante de se entender é que o desenvolvimento da cultura se relacionou com o processo de amadurecimento humano.

Nesses cinco milhões de anos, o tempo de amadurecimento da espécie foi se prolongando e gerando seres cada vez por mais tempo dependentes dos adultos, dado o aumento da complexidade dos aprendizados. As modificações estruturais e funcionais propiciaram uma estrutura ‘aberta’, interativa com o meio ambiente, e favoreceram o desenvolvimento da inteligência, da capacidade de aprendizagem e socialização.

Concluindo As indicações citadas ilustram o desenvolvimento da

inteligência e cultura sob diferentes autores. A construção de instrumentos, o desenvolvimento da fala, a imaginação e os sentimentos profundos de perda pelas mortes apontam para a construção de uma espécie complexa, que levou milhões de anos para atingir o padrão atual de inteligência, emoções e construção de cultura. O processo foi lento e contínuo.

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UNIDADE II

1. APRESENTAÇÃO

A unidade 2 refere-se a um conjunto de conhecimentos fundamentais que auxiliarão nas reflexões sobre jogos, inclusão e exclusão da pessoa com deficiência na sociedade.

Os jogos são atividades lúdicas, envolvendo o mundo material e imaterial, criados pelos povos e transmitidos através do contato entre os povos. Existem indícios de que os primeiros hominídeos jogavam e brincavam, pois eram capazes de usar de certa maneira a imaginação, de criar e imitar.

Os jogos foram sendo criados, transmitidos e transformados pelas sociedades e culturas. A imitação, ou melhor, a mimesis, é uma capacidade humana fundamental no aprendizado e transmissão dos jogos. A imitação não se dá pela cópia do real ou original, mas num processo de construção e reconstrução, de acordo com os valores e significados da própria cultura.

Por exemplo, foi observado que o futebol praticado pelos indígenas Kaingang, no Paraná, foi ressignificado de acordo com os valores da cultura local. Embora as regras sejam as mesmas, a estrutura dos times, as escolhas dos jogadores, os valores morais de ganhar e perder foram elaborados localmente.

Da mesma maneira, os jogos para pessoas com deficiência não devem ser adaptações de jogos pré-existentes, mas sim construídos de acordo com valores de integração, de respeito e reconhecimento das diferenças e deficiências.

Observem que novas construções sociais passam por questões identitárias e de conflito. Existe, portanto, mudança de comportamento, que muitas vezes não se percebe numa geração, mas num período mais longo da vida. Jogos e/ou esportes para pessoas com deficiência são atividades recentes e, portanto, precisam ser vistas com cautela, para não acirrarem mais a exclusão social.

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Para se compreender a dinâmica dos jogos na sociedade, vamos enfatizar o ser humano relacional, a sociedade dos indivíduos na perspectiva figuracional de Norbert Elias.

2. ORIGEM DOS JOGOS

2.1. Características essenciais do termo jogo

Jogos são atividades lúdicas que foram sendo criadas pelos

povos, difundidas através do contato e ressignificadas com as transformações das civilizações e sociedades. Como já havia sido mencionado anteriormente no curso, Huizinga (1993, prefácio) já dizia em 1938: “... é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”.

O jogo está imbricado nas relações humanas. No passado, para que isso fosse possível, em algum momento, os nossos ancestrais começaram a se intercomunicar entre o real, o imaginário, o lógico, o

afetivo, o especulativo, o existencial, o consciente e o inconsciente. Para que esses mecanismos ocorressem, foram necessárias transformações nos níveis bio-psíquico-sócio-culturais, num processo de longa duração.

Existem indícios de que os primeiros hominídeos jogavam e brincavam, pois já eram capazes de usar de certa maneira a imaginação, de criar e de imitar. Os jogos foram importantes para auxiliar o desenvolvimento das habilidades de planejar, construir estratégias, fazer julgamentos etc., elementos estes, entre outros, que contribuíram para o desenvolvimento da inteligência dos primeiros hominídeos.

Em algumas línguas, como no português, se faz a distinção entre jogar e brincar. Em outras línguas européias, não se faz essa diferença e as duas palavras são usadas como sinônimos, por exemplo: spielen (alemão), to play (inglês), jugar (espanhol), jouer (francês) (Nota do tradutor, in: Huizinga, 1993, p. 3).

As definições de jogos e brincadeiras são baseadas na literatura e pesquisas que desenvolvemos em diferentes populações (Rocha Ferreira, 2006, Rocha Ferreira & Ferreira, 2005, Rocha Ferreira et al. 2005). Jogos são atividades físicas ou mentais, com caráter lúdico,

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de divertimento, e organizadas por um sistema de regras que definem a perda ou o ganho, requerem habilidades específicas, estratégias e/ou sorte. Brincadeiras são atividades com caráter lúdico e de divertimento, sem a conotação de perder e ganhar.

Pelo que se pode observar, existem pontos em comum entre os dois termos, o que provoca certa vagueza nas definições. Tanto no jogo como na brincadeira existem características de atividades voluntárias, que saem da vida real para um espaço imaginário (brincadeira de casinha, de faz de conta, jogos de tabuleiros, de sorte/azar, de campo), envolvem emoções, sensibilidade e prazer. E, portanto, algumas atividades podem ser classificadas como jogos e outras, como brincadeiras, especialmente dependendo das interpretações das culturas. A maior diferença entre os dois termos está no fator perder e ganhar.

Vamos tratar aqui especificamente de jogos. Eles têm um papel fundamental para os humanos, em todas as idades, contribuindo para o desenvolvimento da motricidade, da sociabilidade, das emoções, da inteligência, do ser metafísico, entre outros. (Huizinga, 1993; Caillois, 1986).

O fato de os jogos implicarem ganhar e perder gera incerteza e acaso, intensidade, fascinação e excitação. Adentram o imaginário e representações sociais e seus temas são amplamente discutidos na coletânea de Ferreira e Costa (2003).

Os jogos estão presentes em vários espaços e tempo nas sociedades, apropriados para diferentes idades, desde as histórias infantis até as para a fase adulta, inseridos nos mitos, nos rituais sagrados, em atividades de passatempo, alguns deles até com restrições de gênero (para homens, ou mulheres, ou para ambos os sexos), por exemplo, as lutas para os meninos, jogo de queimada para meninas, ou mesmo aqueles que ser referem à ‘casinha’, boneca etc. Atualmente a distância entre os gêneros diminuiu.

Os jogos estão inseridos no contexto das sociedades, representam valores culturais, identidades de grupos e ideologias. Neles há uma série de regras, proibições, premiações que retratam um tempo e espaço, isto é uma civilização, uma sociedade, uma cultura (Rocha Ferreira, 2006). No século XX, houve modificações profundas nas sociedades e muitos dos jogos locais passaram a ter uma dimensão globalizada, como o caso dos esportes. E com a influência dos meios de comunicação, especialmente da mídia e da internet as informações ficaram disponíveis e ao alcance de todos.

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Concluindo A importância de se conhecerem as origens e características

gerais dos jogos nos remete à ideia de complexidade do ser humano e das sociedades, assim como de mudanças histórico-sociais e de identidades.

Na língua portuguesa, diferenciamos jogos de brincadeiras.

Apesar das semelhanças entre os termos, podemos apontar o fator “perder e ganhar”, a competição, como um elemento marcante no jogo.

Os jogos foram essenciais para o desenvolvimento das sociedades e culturas. As características principais dos jogos residem na fantasia, na excitação, no prazer, no acaso e exigem regras que determinam o ganhador e perdedor.

3. JOGOS E MIMESES

Os jogos têm características que mobilizam as pessoas, as

populações, os países. Eles se inserem no âmbito do prazer, da sensibilidade, das emoções e, portanto, as pessoas vibram, choram, celebram, se identificam, torcem. Interligadas com essas características ocorre a nossa capacidade de imitação, ou melhor dizendo, capacidade mimética.

Mimesis, termo em latim, é entendido como um ato inerente dos seres humanos de imitar, mas não como cópia do real ou original. Um artista ao pintar a natureza, não a está copiando, mas sim retratando-a de acordo com a ideologia, com a escola (impressionista, realista, surrealista, etc.), com a forma de ver a natureza. Ele procura mostrar ação, vida, felicidade, miséria, amor, tristeza, através de sua arte. Elias e Dunning (1992, p. 80) dizem – na mimesis – “elementos do objecto vivido entram na vivência da representação do mesmo objecto numa pintura, ...”

O antropólogo Michel Taussig (1993) diz - a faculdade mimética pertence à "natureza" que têm as culturas de criar uma "segunda natureza". Essa faculdade, no entanto, não se dá meramente pela cópia do original. Ao contrário, Taussig aponta para as ressignificações que cada cultura consegue do original e que o

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influenciam. O termo ressignificação representa o processo de se dar um novo sentido à coisa aprendida. E, portanto, através da nossa capacidade mimética, torna-se possível a construção de novas relações sociais. Esta capacidade humana de perceber, sentir, transformar em imagens mentais, reinterpretar e ressignificar favoreceu o aprendizado e transmissão dos jogos. E mais ainda, nos propiciou entrar em outras dimensões humanas, no imaginário, na superação, no vencedor.

A capacidade mimética da espécie, entre outros fatores, pôde garantir a ela aprendizado e mudanças sociais. Essas mudanças não foram lineares e nem planejadas, por não se conseguir ter um planejamento de tão longo prazo. As mudanças e as resistências fazem parte do processo histórico da humanidade. E, portanto, as aquisições de novos jogos, a resistência à novidade, as perdas, etc., fazem parte de um processo de transformações nas sociedades.

Outros autores, já citados acima, que tratam do assunto de mimesis no esporte e lazer, são Norbert Elias e Eric Dunning (1992, p.128). Eles nos trazem uma característica importante da mimesis, referente ao lazer, relacionam-na com um aumento de tensão, “...aquilo que as pessoas procuram nas suas atividades de lazer não é o atenuar de tensões, mas, pelo contrário, um tipo específico de tensão, uma forma de excitação relacionada, como notou Santo Agostinho, com o medo, a tristeza e outras emoções que procuraríamos evitar na vida cotidiana”.

Essa tensão ou excitação aparece nos jogos, como espaços de desafios, de superação, de medos e raivas. Momentos transformadores de passagens de um estágio para outro. Desde os jogos da antiguidade, com os gregos e mesmo os ameríndios, a literatura nos mostra que os jogos representavam um tempo de descontinuidade do cotidiano para um tempo mítico, uma união indivíduo-cosmo, um momento transformador, uma passagem de um estado para outro e emoções tais como, prazer, alegria, tristeza, dor, medo, raiva, superação.

Norbert Elias e Eric Dunning (1992, p. 79) estudando o lazer e o esporte dizem - “o desporto, tal como outras atividades de lazer, no seu quadro específico pode evocar através dos seus desígnios, um tipo especial de tensão, um excitação agradável e, assim, autorizar os sentimentos a fluírem mais livremente. Pode contribuir para perder, talvez para libertar, tensões provenientes do stress. O quadro do desporto, como o de muitas outras atividades de lazer, destina-se a movimentar, a estimular as emoções, a evocar tensões sob a forma de uma excitação controlada e bem equilibrada, sem riscos e tensões habitualmente relacionadas com o excitação de outras situações da vida, uma excitação

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mimética que pode ser apreciada e que pode ter um efeito libertador, catártico, mesmo se a ressonância emocional ligada ao desígnio imaginário contiver, como habitualmente acontece, elementos de ansiedade, medo – ou desespero”.

Concluindo

Os espaços dos jogos são locais que reafirmam e constroem novas identidades, possibilidades, mas também podem reafirmar preconceitos, exclusões, empecilhos. As possibilidades, as novas construções de inclusão dependerão exclusivamente de nós, professores, agentes, técnicos, mídia, enfim todos nós.

A mimesis é uma faculdade do ser humano importante de

ser compreendida como uma cópia ressignificada do original. Ela possibilita a construção de novas identidades e, portanto, pode contribuir para a inovação de jogos para pessoas com deficiência e não jogos adaptados para essa população.

A mimesis é inerente ao ser humano. Através dela tem

sido possível que elementos do objeto vivido no cotidiano entrem na vivência da representação do mesmo objeto numa pintura, nos jogos, nas atividades descontinuadas do dia a dia, nas atividades do lazer.

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4. TEORIA FIGURACIONAL

Falamos de indivíduos, cultura, sociedade, pessoa com

deficiência, mudanças sociais, mimesis, jogos etc. Agora vamos abordar a pessoa humana, como ser relacional, vivendo numa teia de relações de indivíduos interdependentes, segundo a teoria de Norbert Elias (1994).

Desde o nascimento o ser humano depende de um corpo de conhecimento pré-existente na sociedade para se desenvolver. E o desenvolvimento se dá de forma relacional e processual, isto é, um depende do outro, formando uma rede dinâmica de relações de interdependência entre as pessoas, de figurações (configurações). Ele é processual, porque as mudanças ocorrem lentamente, num processo histórico de longa duração.

Por exemplo: os pais dependem dos filhos para exercerem o papel de pais e vice versa, o professor dos alunos e vice versa. Os papéis sociais de ambos são construídos fundamentados num corpo de conhecimento da sociedade em que vivem, o qual foi sendo construído ao longo da história. Os comportamentos dos pais e filhos do século XXI são diferentes daqueles dos séculos XIX e anteriores.

Elias enfatiza que nas relações humanas existem tensões e coações que geram um desequilibro na balança de poder. Um lado pode ter mais poder do que o outro e as pessoas que têm o controle do poder continuam a lutar para mantê-lo. Entretanto, ao longo do tempo, pode haver mudanças e o poder pode se deslocar para outros grupos. Elias (1980, p. 143) diz: “no seio das configurações mutáveis – que constituem o próprio centro do processo de configuração – há um equilíbrio flutuante e elástico e um equilíbrio de poder, que se move para diante e para trás, inclinando- primeiro para um lado e depois para o outro. Este tipo de equilíbrio flutuante é uma característica estrutural do fluxo de cada configuração”.

No jogo, essas ideias são muito importantes de serem estudadas, pois vão refletir um tempo histórico. Numa fase, onde a competição é muito exacerbada, os menos habilidosos terão menos chances. Num espírito de competição e cooperação, de compartilhamento, poderá haver chances semelhantes para todos.

Na questão das pessoas com deficiência, estas ainda sofrem preconceitos e são excluídas de muitas atividades sociais. Socialmente

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falando, a balança de poder ainda pende para os não deficientes com mais habilidades esportivas.

As mudanças sociais são lentas e tensas, num processo de longa duração (de séculos), de avanços e retrocessos. As tensões podem servir como efeito de trava ou resistência às mudanças, pois quem tem mais poder tende a resistir e não mudar. O equilíbrio na balança de poder pode ser encontrado nas relações quer em pequenos grupos, quer em escala mundial. Por exemplo, as pessoas com deficiências, em algumas sociedades já conquistaram mais status social, direitos como cidadãos, empregos, infraestruturas para locomoção, esportes, saúde, etc. Em outros locais, ainda estão esquecidas e marginalizadas.

As mudanças na organização estrutural da sociedade, na estrutura de comportamento e na constituição psíquica vão se dando lentamente. Até as pessoas incorporarem novas formas de ser, demora gerações. Os comportamentos já incorporados em sociedade são denominados habitus social (Elias, 1994). Elias não utiliza o termo cultura, mas de uma certa maneira o substitui pela ideia de habitus social.

Concluindo

A sociedade dos indivíduos é dinâmica, construída num processo de longa duração. A característica humana é ‘ser relacional’, isto é, um depende do outro para exercer os papéis sociais e construir identidades. As ideias de figurações sociais, balança de poder e habitus social são os eixos teóricos de Elias e fundamentais para se compreender o jogo.

Tratamos dos eixos da teoria do sociólogo Norbert Elias, a saber: redes figuracionais (configurações), balança de poder e habitus. As mudanças sociais ocorrem num período histórico de longa duração e, portanto, devem ser compreendidas na perspectiva de processo.

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UNIDADE III

1. APRESENTAÇÃO

Esta unidade traz elementos importantes do jogo. Introduz

conceitos de variabilidade populacional e a dimensão para a saúde. Apresenta diferentes jogos de tabuleiros, classificações e a importância desses jogos para construir novas identidades na população com deficiência e como estes jogos foram se modificando com o tempo. Leva o leitor a compreender os jogos de salão e de campo numa visão pedagógica. Traz elementos históricos-sócio-antropológicos para se compreender a origem dos esportes e as implicações no mundo contemporâneo da competição e da exclusão. Propicia reflexões para o leitor visualizar o quanto o esporte para pessoas com deficiência é um reflexo de uma sociedade exclusiva e quais os possíveis caminhos para a inclusão.

2. PESSOA COM DEFICIÊNCIA E VARIABILIDADE BIOLÓGICA

A variabilidade da espécie é um dos temas de fundamental

importância para se compreender o processo de desenvolvimento das pessoas. Podemos indagar sobre as diferenças das pessoas, das raças humanas, das etnias, das culturas, e por que as pessoas com a mesma deficiência têm desenvolvimentos diferentes.

As pessoas com deficiências ainda são muitas vezes excluídas socialmente, pois trazem a marca da diferença, embora muito já se tenha feito nas últimas décadas, para que saiam de um total abandono social. Notem que houve esforços de muitas pessoas e áreas do conhecimento propiciando um avanço no conhecimento sobre deficiências, o reconhecimento dos direitos humanos, mudanças sócio-políticas em diferentes países, especialmente as dos países

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desenvolvidos economicamente, como Estados Unidos, Canadá e Europa. Para uma melhor percepção da população deficiente, é

importante se compreender alguns aspectos da variabilidade populacional, como consequencia de um processo de adaptação filogenética e ontogenética bio- psíquico-social.

Para a área de Educação a compreensão de processos adaptativos genéticos e ontogenéticos, como a plasticidade; fisiológicos e comportamentais podem contribuir para se compreender melhor questões sobre: (i) variabilidade populacional advindas de fatores genéticos e sócio-culturais, (ii) raças, (iii) alimentação, (iv) grupos etários e suscetibilidades à aprendizagem, ao treinamento, a doenças, à má alimentação, etc.;(v) clima; (vi) altitude; (vii) maturação; etc. Esse conhecimento pode facilitar o reconhecimento da alteridade (reconhecimento do outro) e das diferenças dos indivíduos intra e entre grupos.

Entende-se a “adaptação filogenética” como as modificações estruturais e funcionais dos organismos que ocorreram ao longo dos milhares de anos na Terra. Os mecanismos que contribuíram para o processo evolutivo das espécies foram: (i) seleção natural – em que alguns genes são selecionados e transmitidos para outra geração; (ii) mutações - mudanças na estrutura dos genes, as quais interagem com a seleção natural; (iii) deriva natural - diminuição de genes na população, causada por uma catástrofe (independentemente da seleção natural); e (iv) fluxo de

genes advindo de migrações e cruzamentos entre raças, cuja permanência na população, no longo prazo, recebe a influência da seleção natural, a qual prioriza determinadas funções em detrimento de outras, para satisfazer a necessidade de sobrevivência da espécie (WEISS AND MANN, 1981, p. 24-25).

O nível ontogenético representa modificações fenotípicas que ocorrem durante a vida. Especificamente, são modificações fisiológicas e comportamentais que ocorrem em dois níveis: (i) denominado de plasticidade, isto é, a adaptação que ocorre durante a fase do crescimento e desenvolvimento; e (ii) adaptação fisiológica, ou aclimação, e comportamental, que ocorrem em curta duração. Os níveis de adaptação filogenética e ontogenética (plasticidade fisiológica e comportamental) interagem para a sobrevivência da espécie.

Ao nascer, a criança representa a interação do genótipo e fenótipo, ou melhor, traz uma carga genética advinda dos ancestrais, interagida com as condições do meio em que se desenvolveu na vida intra-uterina. Se olharmos a população hoje, como um todo,

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observaremos uma grande variabilidade e diversidade biológica e social. Essas questões têm implicações práticas no dia a dia.

As deficiências têm causas múltiplas, genéticas e advindas do meio ambiente. Mas é importante realçar que a população com deficiência possui uma variabilidade própria da espécie como um todo. Isso explica por que pessoas com a mesma deficiência têm respostas diferentes aos fatores positivos ou negativos do meio ambiente. Essas respostas dependem da carga genética de cada um, da fase do crescimento, maturação e desenvolvimento, idade e tempo de duração dos fatores estressantes, e do contexto sócio-cultural.

Ao reconhecermos a variabilidade populacional, tiramos o foco da deficiência e visualizamos a pessoa como um todo, influenciada pela carga genética, pelo potencial interativo, pela capacidade de responder ao meio e construir relações baseadas nas experiências da vida. A deficiência em si é um fato presente, mas, apesar dela, a pessoa deve ser visualizada como um todo e reconhecida na variabilidade da espécie.

Não queremos aqui dizer que não devemos ser competentes para conhecer as especificidades das deficiências, como por exemplo, as da síndrome de Down: cardiopatia, problemas respiratórios; hipotonia generalizada; variação térmica; obesidade; problemas de linguagem; retardo mental; problemas de visão e de audição, problemas odontológicos, hérnia umbilical, distúrbios digestivos, hepatite, má formação da tireóide, instabilidade atlantoaxial (instabilidade, ou subluxação, ou deslocamento da primeira e segunda vértebras (Cidade & Bustos, 2008, p. 130).

Mas, que devemos ir além da deficiência, reconhecer a pessoa como um todo, com potencial genético adquirido pelos ancestrais e psico-sócio-cultural, que a diferencia dos outros, deficientes e não deficientes. Portanto, ao se valorizar os outros aspectos da pessoa humana, e não somente a deficiência, abre-se o foco para o desenvolvimento de outras ações na saúde e educação.

Nesse processo de mudanças de visão, houve, nas duas últimas décadas, nos Estados Unidos (Rimmer, 1999), uma mudança de atitude em relação às pessoas com deficiência. Os problemas secundários de saúde considerados para essa população começaram a ser reconhecidas.

Pesquisadores, agências financiadoras, agentes de saúde e pacientes vêm liderando esforços para estabelecer programas de prevenção de saúde em diversas áreas, tais como: obesidade, hipertensão, diabetes, osteoporose, visando a manter a independência

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funcional, promover uma oportunidade de lazer e prazer e proporcionar qualidade de vida, reduzindo as barreiras para uma saúde digna.

Historicamente, o foco dos programas estava na prevenção primária da deficiência e, atualmente, o foco é na redução das condições secundárias de saúde em indivíduos com deficiência. Exemplo: pessoas com paralisia cerebral e espinha bífida são suscetíveis à osteoporose; osteoartrite; diminuição do equilíbrio, da força, da endurance, da flexibilidade e de condições físicas gerais; assim como a problemas de peso, depressão. E é para a prevenção desses problemas secundários da deficiência que os programas de saúde são propostos.

As metas de trabalho, nos Estados Unidos, para Pessoas Saudáveis com Deficiências, até 2010 (RIMMER, 1999), sugerem quatro componentes na definição da promoção da saúde para indivíduos com deficiência: (i) promoção de estilo de vida e meio ambiente saudáveis; (ii) prevenção de complicações de saúde (condições médicas secundárias) e outras complicações da deficiência; (iii) preparação da pessoa com a deficiência para compreender e monitorar a própria saúde e necessidades de cuidados especiais; (iv) promoção de oportunidades para participação em atividades diárias comuns.

RIMMER (1999) sugere os seguintes aspectos para a promoção da saúde para pessoa com deficiência, respeitando as limitações de cada uma delas: (i) aptidão (mesmos componentes para a

população geral) - endurance cardiovascular, força, flexibilidade e habilidades para as necessidades especiais; (ii) nutrição - papel da dieta para prevenção de doença crônica; (iii) comportamento saudável - determinantes do estilo de vida. (a pergunta “por que algumas pessoas têm um estilo de vida saudável e outras não?” deve ser feita também para as pessoas com deficiência).

Os benefícios sugeridos sobre a atividade física regular, pelo Centro Nacional de Atividade Física e Deficiência (The National Center on Physical Actiity and Disability - NCPAD, 2000a), são: o aumento da função cardio-pulmonar, controle do peso, aumento da aptidão metabólica, melhoria da habilidade de levar as atividades diárias, sentimento de bem estar, potencial para reduzir a ansiedade e depressão. Atenção deve ser dada à intensidade, frequência, duração e tipo de atividade estruturada (andar, correr, andar de bicicleta, nadar, resistência) e não estruturada (trabalho de casa, andar para o trabalho, jardinagem, etc.).

Existe a necessidade de a pessoa com deficiência ter consentimento médico, orientação de uso de equipamentos, vestimenta

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apropriada, uso de instrumentos de apoio, como cinto de segurança, faixas, etc. e, dependendo da necessidade individual, estar descansada e ter uma dieta adequada (NCPAD, 2000a).

Apesar das inúmeras pesquisas desenvolvidas, muitas respostas ainda estão em aberto. O desafio é melhorar a qualidade de vida e maximizar o potencial para independência das pessoas com deficiência. RIMMER (et al., 1996) sugere temas de pesquisa, tais como (i) quais os tipos de programas de atividades ou exercícios que promovem capacidade funcional e reduzem a frequência de complicações secundárias, em indivíduos com deficiência?; (ii) quais são os resultados, no longo termo, para atividade física para indivíduos com deficiência?; (iii) quais são os padrões de atividade física entre indivíduos com deficiência física e mental?; (iv) quais são as percepções de atividade física entre indivíduos com deficiência?; (v) quais os jogos mais apropriados para as pessoas com deficiência? Concluindo

A importância de se reconhecer a variação da população com deficiência como variação da espécie, advinda de processos filogenéticos, ontogenéticos e sócio-culturais é indiscutível, pois pode trazer subsídios para uma melhor compreensão da população com deficiência. Apesar de existirem tantas questões sobre o assunto, notamos que houve um avanço em se valorizar os aspectos secundários da saúde, e não somente a deficiência em si, podendo-se, dessa forma, reconhecer a pessoa como um todo.

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3. JOGOS DE TABULEIRO

As unidades anteriores nos deram uma visão ampla do ser

humano. E nas próximas, enfocaremos os jogos. As classificações dos jogos obedecem a diferentes categorias. As mais gerais compreendem os de (i) mesa: baralho ou tabuleiro, (ii) de campo ou salão e (iii) computador (que não serão abordados aqui).

Trataremos aqui dos jogos de tabuleiro. Estes tiveram suas origens há alguns milhares de anos, nas regiões do antigo Egito e da Mesopotâmia (hoje Iraque). Foram encontrados indícios de jogos em escavações arqueológicas objetos e desenhos que parecem ser ou fazer referência a jogos de tabuleiro. Há traços de que mais tarde os jogos tenham aparecido em vários lugares do Mundo Antigo, como Índia, China, Japão, Pérsia, África do Norte, América Central e Grécia. Exemplificamos abaixo os mais conhecidos.

Tipo de jogo Local Referência

Gamão Civilizações egípcia

e suméria

Escavações arqueológicas

Xadrez Índia Referências do ano 600

Damas Europa medieval Elementos do Alquerque e

do xadrez

Ludo Índia Chamado de Pachisi

Go (chamado

de Wei Ki)

China Referência século seis

A.C.

Dominó China Na Europa a partir do

século XVIII

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As restrições, os tabus, permissões de idade e sexo nos jogos sempre fizeram parte das sociedades e culturas. Esse fato ainda ocorre na atualidade, embora, nos últimos séculos, o viés educacional tenha tido grande influência nos jogos de tabuleiro. Eles são classificados por idade e com fundamentação pedagógica.

Exemplos:

Idade 5 anos Idade 8 anos

Figurix Turma da Mônica Rummikub

Floresta Encantada Combate

Cai não Cai Detetive

Cara a Cara Banco Imobiliário

Aventura na Selva

Lince

Idade 10 anos Idade 12 anos

O Grande Chefão War

Interpol - Fuga em Nova Iorque War 2

Scotland Yard Tabu

Super Rally Imagem & Ação

Can Can Perfil Master

Os jogos também podem ser caracterizados por: (i) Jogos de

famílias – Banco Imobiliário, Detetive, Passa-letra e Can-Can; (ii) Jogos de Estratégia: War, Diplomacia, Ayrton Senna, Ações Exame, Corrida Presidencial e Bot, Combate; (iii) Jogos de Interação e de Perguntas e Respostas: Imagem & Ação, Master, Leréia, Perfil e Mutação; (iv)

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Jogos para Crianças: Já Achei Mímica Som e Tato, Brincando com as Expressões, Aventura na Selva.

Os jogos de tabuleiro também são encontrados entre os povos indígenas. Não se sabe bem se foram criados pelas diferentes etnias, ou se aprendidos com os colonizadores espanhóis (na fronteira dos países de língua hispânica), ou com os portugueses. Muitos deles estão em desuso. Recentemente, antropólogos ou estudiosos do assunto vêm realizando pesquisa histórica, registrando os jogos que ainda estão na memória dos mais velhos e os que ainda são praticados nas aldeias, para um reviver dos jogos, da ludicidade neles praticada. A criatividade dos indígenas na construção social dos jogos e no uso de materiais que são encontrados na natureza deve ser registrada e ensinada aos não indígenas.

Concluindo Os jogos de tabuleiro são importantes meios para integrar a

população não deficiente e deficiente. Através deles, podem-se formar redes de jogadores que participam do mesmo interesse.

Os jogos de tabuleiro são atividades que propiciam o desenvolvimento de estratégia, do lúdico, do raciocínio, das relações

sociais e construção de identidades.

4. JOGOS DE TABULEIRO DE SEGUNDA GERAÇÃO

Os jogos de tabuleiro também se modificam com os

processos de mudanças sociais. As últimas versões dos jogos têm conotações diferentes das anteriores e são chamados jogos de segunda geração.

No processo de mudanças da sociedade, os jogos foram sendo modificados ou ressignificados (termo que vimos

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anteriormente). As partidas são geralmente rápidas (vão de alguns minutos à uma hora e meia, nos mais demorados!). Há maior interação entre os jogadores e são mais fáceis de aprender, mas, ao mesmo tempo, dão espaço para muitas possibilidades de raciocínio e decisão do jogador, integrando cada vez um maior número de pessoas em idades diferentes. A balança de poder pode ser mais bem distribuída (assunto discutido em capítulos anteriores, da teoria de Norbert Elias), uma hora o jogador pode estar ganhando, em outra, pode perder. Os tabuleiros não são fixos, o jogador é quem monta o tabuleiro. Estes são modulares, pode-se ir comprando aos poucos e expandindo o jogo.

Muitos jogadores adeptos do Magic, RPG ou war games, que não se interessavam por jogos de tabuleiro, passaram a se interessar. Esses jogos podem ser chamados de três diferentes maneiras:

"jogos de segunda geração", por representarem um conceito novo de jogo, em relação aos "jogos de primeira geração", que incluem Banco Imobiliário, Detetive, Jogo da Vida, War etc.

Jogos de autor por se relacionarem com o nome do autor (logomarca ou designer games). Dessa forma o consumidor compra os jogos pelos seus autores, como ocorre com outras mercadorias do mercado.

“Jogos alemães", que têm esse nome porque, apesar de serem criados atualmente em diferentes locais do mundo, foram iniciados pelos alemães que, inclusive, detêm o controle de qualidade.

Um dos jogos mais procurados é o Descobridores de Catan (em inglês The Settlers of Catan), que vende milhões e deu origem a toda uma série de jogos. Settlers é uma disputa entre colonos por territórios de uma ilha. Cada território produz certos bens necessários e os jogadores têm que negociar ferrenhamente uns com os outros, para desenvolver sua pequena colônia.

O autor do jogo, Klaus Teuber, é, talvez, o autor mais

bem sucedido da atualidade, tendo desenvolvido diversos outros jogos excelentes, como Löwenherz (Coração de Leão), Drunter &

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Druber (De Cabeça para Baixo) e Adel Verplichtet (Noblesse Oblige). Vários deles foram vencedores de edições diferentes do Spiel Des Jahres, o prêmio de jogo do ano na Alemanha.

Outro autor é Reiner Knizia, doutor em matemática que tem desenvolvido vários jogos como Modern Art - jogo de leilão de arte, Tigris & Euphrates - um confronto no berço da civilização, Lost Cities - uma disputa entre expedições arqueológicas e En Garde - um duelo de esgrima.

Alguns jogos estão traduzidos para o português, outros estão na língua estrangeira original. Mas, com a explicação adequada das regras, o jogador não precisa entender a língua, pois os componentes dos jogos geralmente contêm pouquíssimos textos e as ilustrações costumam ser suficientes para o entendimento. Concluindo

Os jogos de segunda geração superam os jogos de primeira

geração em vários aspectos, quanto à forma e conteúdo. A formação de redes, o maior equilíbrio na balança do poder e superação/vencedor dentro de maiores possibilidades, estão presentes no jogo.

Os jogos de segunda geração são os mais atuais, refletem uma nova direção da sociedade atual, em que há negociação, novas configurações e maior equilíbrio na balança de poder. 

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5. JOGOS DE SALÃO E DE CAMPO

Como vimos no capítulo anterior, os jogos de tabuleiro

denominados de segunda geração têm configuração mais integrativa, fácil de ser aprendida, que abre possibilidades para mais opções e estratégias, e que possibilita a integração de diferentes populações – deficientes, não deficientes, jovens, velhos.

Os jogos de salão (praticados em áreas internas) e de campo (em áreas externas) têm as mesmas características sócio-antropológicas dos jogos de tabuleiro. Refletem valores culturais e ideologias das sociedades e estão inseridos em processos de mudanças sociais.

Para elucidar os processos de mudanças sociais de jogos e de ressignificações sociais, deslocaremos o leitor para outra realidade, a dos jogos ‘tradicionais’ indígenas. A antropóloga Dominique Tiklin Gallois estudando os povos indígenas (2006, p. 18-19) alerta sobre o perigo de o termo ‘tradicional’ dar uma conotação estática de cultura, e enfatiza que as pessoas têm de antemão uma ideia de costumes e saberes, selecionando e julgando elementos culturais a partir de uma visão própria, sem considerar o ponto de vista dos seus criadores e detentores. Nessa ideia congelada de cultura, se concebem as mudanças como um percurso em que se perdem “traços” e se dilui a pressuposta autenticidade cultural.

A autora diz o “tradicional no saber tradicional não é a sua antiguidade, mas a maneira como ele é adquirido e como é usado” continuamente em prática na produção dos conhecimentos (GALLOIS p.20). Por exemplo, no passado os indígenas faziam colares com sementes e atualmente muitos deles os fazem com miçangas. Houve uma atualização do material, mas o como fazer, onde se faz ainda contêm elementos do conhecimento ancestral.

Os jogos indígenas estavam inseridos em rituais e celebrações sagradas, para agradecer e trazer alimentos, chuva, saúde e sucesso na guerra. O espírito de guerreiro era a de autossuperação, e não de vencer a ‘qualquer custo’ durante as provas, nos rituais de passagens, nos embates, nas lutas. As experiências eram incorporadas

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positivamente pelo grupo e pela pessoa. As transformações ocorridas nas sociedades indígenas, decorrentes do processo de contato com os colonizadores – migração, formação do Estado, desmatamento, perda da terra, dificuldade de acesso à matéria prima para o fabrico de adornos corporais, a proximidade das aldeias com a vida urbana, etc. – influenciaram a cultura e as tradições indígenas. Nesse contexto, alguns jogos se mantiveram, outros entraram em desuso ou foram esquecidos, e outros continuam ainda na memória dos mais idosos (Rocha Ferreira & Vinha, 2007). Na última década, líderes indígenas desenvolvem diferentes frentes para valorizarem os jogos indígenas, ressignificando-os, quer na aldeia, quer em eventos na cidade. O espírito de guerreiro, de auto-superação pode ser observado nos jogos atuais, no sentido de celebrar, e não competir a qualquer custo (Terena, 2001, 2007). Essa reação à competição amplia os caminhos para o jogo e a diversão, favorecendo não somente os indígenas, mas também os não indígenas.

Se fizermos um retrospecto do século XX, houve valorização do resultado, do desempenho nos jogos de salão, de campo e esportes, características que permearam os diferentes setores da sociedade. Mas muitas crianças foram deixadas de lado e nos bancos, por serem menos habilidosas e foram excluídas. Imaginem aquelas com deficiências física, mentais, auditivas e

visuais. Nesse século pouco se contribuiu para uma construção social compartilhada, com reconhecimento das potencialidades do ser humano.

Se prestarmos atenção, muitos dos jogos de salão são eliminatórios. As crianças vão saindo quando erram, até ficar a vencedora. Como exemplo, o jogo das cadeiras – quem errar sai, lenço atrás, sentados numa roda, etc. Em geral a vencedora é a mais habilidosa ou esperta e as eliminadas são quase sempre as mesmas, as mais desajeitadas, as mais deficientes, as mais lentas, os menos aptos, os menos inteligentes, os menos “espertos”. A eliminação provoca sentimentos de desvalorização, de exclusão. E, em se tratando de pessoas com deficiência, quer física, quer mental, quer auditiva, quer visual, esses jogos acabam excluindo-as ainda mais.

Felizmente, nos últimos anos observamos propostas pedagógicas para se superarem os problemas da competição e valorizar a cooperação. Os jogos cooperativos fazem parte das tendências atuais de se priorizarem as metas coletivas, em contraponto às metas individuais, enfatizando-se a união, a alteridade, o reconhecimento da

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diversidade, a cooperação, a diversão, e não a competição acirrada, uns contra os outros. Essas ideias não são recentes, permearam jogos de diferentes sociedades e civilizações.

O autor Terry Orlick (1982, 1986, 1989, 1990) traz importantes contribuições em suas obras, enfatizando a importância de todos poderem jogar, compartilhar alegria, prazer, superação, vitória. O autor classifica os jogos cooperativos nas seguintes categorias: (i) sem perdedores – aqueles que todos jogam juntos e não há perdedores; (ii) com resultados coletivos - há a divisão em duas ou mais equipes, mas o resultado só é alcançado com a participação de todos para alcançar um objetivo comum; (iii) cooperativos de inversão - jogadores trocam de lado, não enfatizando ganhadores e perdedores; (iv) semi-cooperativos - regras são criadas nos jogos para facilitar a participação dos menos habilidosos.

Oliveiras (1998), no seu texto sobre “Juegos Cooperativos: Juegos para el Encuentro”, ressalta que o interesse nos jogos cooperativos não é ganhar ou perder, mas participar; o importante é o processo, e não o resultado. A proposta é possível, porque o processo, como elemento central da atenção, permite considerar os tempos individuais e coletivos que se entrelaçam para atingirem as metas. Esses jogos podem facilitar o processo de criação e, para tal, necessitam da participação de todos. Devem ter regras flexíveis e se adaptar às necessidades dos grupos, dos recursos, dos espaços disponíveis, para atingirem os objetivos propostos. Podem, assim, propiciar sentimentos de confiança, de autoestima, de pertença, de se sentirem importantes, protagonistas do processo de seu desenvolvimento físico, emocional e social. Concluindo

Jogos de salão e de campo são representativos das sociedades e culturas em que estão inseridos e, portanto, se modificam com as transformações destas. No último século, houve valorização do resultado e do desempenho, características que permearam os diferentes setores da sociedade, tais como economia, política, educação. Nos jogos competitivos, crianças, jovens, adultos e idosos foram deixados de lado, excluídos, e praticamente não desenvolveram a capacidade de se divertir, de jogar, de experimentar a vitória. Esse tipo de jogo contribuiu

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para sentimentos de exclusão e de agressividade física, emocional e social.

Os jogos cooperativos fazem parte das tendências pedagógicas das últimas décadas. Trazem elementos importantes de cooperação, favorecem o sentimento de equipe e contribuem para o equilíbrio na balança entre os sentimentos de poder, de se sentir vencedor, de ter prazer e de poder compartilhar. Lembremo-nos da canção: “Vivendo e aprendendo a jogar, nem sempre perdendo, nem sempre ganhando, mas aprendendo a jogar.”

6. DOS JOGOS AOS ESPORTES

A origem dos esportes é um assunto que traz divergências

entre autores, de acordo com a linha sociológica e da educação física adotada. Nesta obra, adotamos a teoria de Norbert Elias e Eric Dunning e, portanto, o entendimento da origem dos esportes segue a mesma direção.

De acordo com os autores, os primeiros esportes tiveram suas origens nas atividades de passatempos, ou jogos de campo europeus, por volta dos séculos XVIII e XIX, e os jogos tinham características específicas de cada comunidade. As regras eram locais e legitimadas pela ‘tradição’, havia variação regional no tamanho, nas formas das bolas, no número de participantes, nos limites dos espaços e havia influência sócio-cultural local no padrão do jogo. A violência entre os jogadores era intensa, uma vez que representava as relações sociais da época. O primeiro esporte a ser organizado foi o futebol.

Numa visão mais ampla da sociedade inglesa, as transformações ocorridas no século XVIII, tais como o estabelecimento de uma nova forma de organização política, a formação do Estado inglês, a maior autonomia das classes média e alta deram origem à organização de regras, a leis visando ao controle da violência e melhor condição de vida.

Esse foi um longo processo iniciado em séculos anteriores, que influenciou as alterações no comportamento e, em longo prazo, o habitus social (assunto tratado em capítulo anterior, sobre habitus, na

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teoria de Norbert Elias). Comportamentos violentos foram sendo cada vez menos tolerados e as regras foram limitando determinadas atitudes.

O processo da revolução industrial é um marco importante na história da humanidade. Traz profundas transformações sociais na política, na economia, nos jogos e, por conseguinte, novos comportamentos são requisitados. Cada vez mais as pessoas precisam ter comportamentos mais controlados e sublimados de prazer, no excitação de batalhas e, mais recentemente, nos jogos e esportes.

As matanças em público, como os gladiadores faziam no passado, já não são mais aceitas. A força física é substituída pelas habilidades motoras, destreza, a supremacia nacional e internacional, em detrimento da local. (Dunning, 1997, p. iv). Nos jogos, cria-se um espaço em que se permite um nível de excitação, mas com comportamentos controlados, diminuindo-se, assim, cada vez mais, a violência. O Estado passa a controlar os jogos, através das regras, da polícia, das condenações.

O futebol e o rúgbi, assim como outras atividades de passatempo, são institucionalizados na Inglaterra, com regras pré-estabelecidas, normas formais e escritas, trabalhadas pragmaticamente e legitimadas por meios racionais e burocráticos, com padronizações nacionais e internacionais das regras, tamanho do campo, bola, número de jogadores, faltas e, mais tarde, adaptações tecnológicas e influência da mídia (Elias & Dunning, 1992).

Outros esportes foram criados em diferentes locais do mundo, tais como o karatê e o judô, advindos de raízes asiáticas, a peteca e capoeira, advindas de jogos e lutas praticadas no Brasil. E ainda outros foram criados, desvinculados de jogos locais, como o caso do basquetebol (1891) e o voleibol (1895) nos Estados Unidos, cujas raízes são representativas da sociedade americana de característica capitalista, competitiva e de consumo de massa.

A competição é um fator chave na compreensão do esporte contemporâneo. Ela, no entanto, pode ter várias conotações, como ganhar a qualquer custo, em detrimento até da saúde dos jogadores; ou manter um equilíbrio nessa relação, na direção do que os gregos entendiam por agon.

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A expressão agon significa assembléia, reunião, combate com características competitivas. Na sociedade grega havia uma busca de equilíbrio entre a estética, a competição leal, a premiação justa e a liderança. A rivalidade se dava no sentido de oposição - seja individual, em duplas ou equipes - a uma qualidade comum, que podia ser força física, velocidade, memória, etc., exercidas dentro de limites definidos, respeitados, justos e sem ajuda exterior, de forma a permitir que o ganhador se destacasse como o melhor em certa categoria de proezas. O importante, para os gregos, era o espírito competitivo, e não necessariamente o resultado em si (Caillois, 1986; Huizinga, 1993).

É no sentido agonístico da competição que podemos pensar no esporte para pessoas com deficiência. A superação, a passagem de um estado para outro, pode trazer benefícios para a saúde física e emocional, para as pessoas e para o grupo.

O esporte deve ter conotação competitiva, educativa, de lazer, de prazer, de cooperação, conforme tratado no capítulo anterior. Sentimentos negativos, perdas, chateações, desrespeitos, gozações, podem ser evitados. Regras podem ser mudadas e construídas pelos próprios alunos com o adulto/educador. Focalizar o processo, discutir no final da aula os sentimentos, as perdas, os ganhos e “para uma criança se sentir querida, outra pessoa precisa demonstrar este afeto, que ela vale a pena. É por isto que a aprovação, o elogio, o encorajamento, são tão

importantes” (Orlick & Boyyrtill, 1980, p. 41). Esses autores entendem que todas as crianças podem vencer em termos de “ter uma experiência agradável envolvendo todo o seu ser, em termos de valores que aprende, em termos de melhorar o que faz”. E diria mais ainda, como os indígenas, passar por experiências em que todos crescem, as crianças, jovens e os adultos, a comunidade. Concluindo

Os primeiros esportes surgiram na Inglaterra, advindos de jogos de passatempo que tinham teor de violência compatível com a sociedade da época. O processo da revolução industrial e a criação do estado inglês são marcos importantes na organização social inglesa. Novas regras e leis são criadas e locais apropriados, nos quais se permite um nível de excitação controlado pelo Estado. O esporte futebol é organizado nesse período, na Inglaterra. E mais tarde, por razões

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diversas, outros esportes são criados, fundamentados em jogos ou lutas de outras nações, como o karatê, judô, capoeira e também outros esportes sem aparentes raízes nos jogos ‘tradicionais’, tais como o voleibol, basquetebol, entre outros.

O esporte contemporâneo reflete a sociedade atual e, portanto, tem ênfase na competitividade e no alto rendimento. Essa concepção perpassa vários setores da sociedade, inclusive a escola, o que torna a modalidade altamente exclusiva. E, de uma maneira ou de outra, até por estar imbricado na formação das pessoas e, portanto, em nós mesmos, em maior ou menor grau, entrou na Educação Física Adaptada ou Esporte Adaptado.

Mas podemos romper ou participar das mudanças positivas no esporte e, quem sabe, ir, por exemplo, na direção do agon. Ou ainda, podemos pegar outras direções, no esporte educativo, recreativo e cooperativo. Vai depender dos educadores, dos pais, enfim, dos adultos enfatizar a conotação não competitiva a qualquer custo. É importante lembrar que a mimesis se dá, não pela cópia do original, mas transformada e ressignificada. Nesse sentido, podemos construir uma prática esportiva, recreativa, de maneira inclusiva.

7. ESPORTE

Neste capítulo retomaremos as noções de configurações,

redes e interrelações no esporte para pessoas com deficiência, e os reflexos de uma sociedade excludente. Os capítulos anteriores deram um enfoque geral de sociedade e cultura, para podermos compreender melhor o processo das mudanças sociais como um todo. A noção de interdependência se relaciona com a ideia de que nós estamos ligados uns aos outros por uma rede, somos um elo nas cadeias que ligam as pessoas em diferentes circunstâncias. Dessa forma, os acontecimentos vão se entrelaçando e formando novas configurações, que por sua vez

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originam outras. As pessoas e grupos exercem mutuamente coações e o potencial de cada um é geralmente desigual, assim a balança de poder pode estar pendendo para um lado e outra vez para o outro. As mudanças na balança de poder dependem de ações individuais que ser interrelacionam.

O esporte para deficientes, denominado de esporte adaptado, começa a ser organizado no início do século XX. Os primeiros indícios de uma organização de jogos/esportes adaptado foram dados por veteranos de guerra que adquiriram alguma deficiência, em 1918, na Alemanha, na categoria de arco e flecha; e em 1932, na Inglaterra, com a organização de jogadores de Golfe com um só braço. A partir daí, várias iniciativas ocorreram até a organização das paraolimpíadas.

Muito já foi realizado no esporte adaptado, mas perguntamos, será que esta é uma cópia do original, carregando características negativas da competitividade sem medidas, do ciborgue; ou é uma mimesis, isto é, uma nova construção social, com identidade própria, para as pessoas com deficiência visual, auditiva, mental ou física?

Se olharmos do ponto de vista do reconhecimento das pessoas com deficiência, podemos dizer que houve um avanço, pois até então nada era feito por/para elas no esporte. Uma nova organização ocorreu, pessoas se mobilizaram, o papel do esportista deficiente está cada vez mais sendo reconhecido, o Estado tem aprovado recursos, cursos de

formação de professores têm sido organizados, etc. Mas até que ponto houve realmente um avanço visando ao desenvolvimento humano? Já existem varias modalidades esportivas com suas confederações, federações, clubes etc. No quadro abaixo, apresentamos várias modalidades esportivas e os participantes vinculados a elas. A maioria está reconhecida pelo Comitê Paraolímpico Internacional e apenas estas recebem verbas. Infelizmente, aquelas que não estão vinculadas, ou deixam de figurar no ranking do Comitê, não recebem nenhum tipo de apoio financeiro.

Diante de tantas modalidades (quadro 1), perguntamos em

que medida o Governo, ou mesmo as entidades, têm uma política inclusiva, de integração?

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Quadro 1

Modalidades Participantes

Arco e flecha Andantes amputados e em cadeira de rodas

Atletismo Qualquer tipo de deficiência

Basquetebol sobre rodas Lesados medulares, amputados e atletas com

poliomielite

Bocha Paralisados cerebrais severos.

Ciclismo Paralisados cerebrais, cegos com guias e

amputados

Hipismo na categoria de

habilidades

Deficientes físicos

Esgrima Cadeira de rodas, como os lesados medulares,

amputados e paralisados cerebrais

Futebol Paralisia cerebral – modalidade de campo; e

amputado – na quadra

Halterofilismo, iatismo,

Lawn Bowls, tiro ao alvo

Portadores de deficiência física

Natação Portadores de deficiência

Racquetball Também pode ser praticado por atletas

paralisados cerebral

Atletas paralisados

cerebral

Lesados medulares com lesões altas -

tetraplégicos

Tênis de campo Cadeiras de rodas

Tênis de mesa lesado cerebral, lesado medular, amputado ou

portador de qualquer tipo de deficiência física

Voleibol Lesados medulares ou amputados

Dança em cadeira de rodas Portadores de deficiência física.

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Concluindo

Será que a política dos jogos e esportes para pessoas com deficiência está sendo direcionada para o alto rendimento, construindo ciborgues, ou propiciando jogos recreativos e cooperativos? Como nós, educadores, podemos contribuir para uma política inclusiva no esporte adaptado? Será que este assunto cabe somente aos professores de educação física, ou a todos nós, como cidadãos, construtores de nossas sociedades? E, retomando o conceito de Norbert Elias – a sociedade dos indivíduos, o “nós”, o sentimento coletivo, precisa ser mais valorizado, e não o eu professor, eu pais, eu pessoa com deficiência, eu político, etc., etc.

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Jogos, Representações Sociais, Configurações, Inclusão/Exclusão

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CONCLUINDO

Algumas diretrizes podem contribuir para uma sociedade inclusiva, através do jogo. Jogos fazem parte do patrimônio da humanidade, estão na esfera do prazer, da alegria, das emoções, e merecem ser valorizados por isso. Desenvolvem habilidades básicas e propiciam o aprimoramento de sentidos táteis e auditivos, o “andar” pelo desconhecido, vivenciando novas experiências, melhorando a orientação espaço-temporal, a autonomia, diminuindo a agressividade, aumentando a capacidade de resolver problemas com os outros, de se colocar no lugar do outro, incentivando valores de solidariedade, de superação, de poder vencer, cooperar com o outro, ser protagonista na construção de uma sociedade melhor (OLIVERAS, 1998, ORLICK & BOTTERILL, 1980).

REVISÃO GERAL

Este livro apresenta os assuntos tratados no Curso de Especialização à Distância da Faculdade de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora. Os assuntos foram abordados no sentido de contribuírem para uma melhor compreensão do jogo e suas dimensões de inclusão e exclusão na sociedade. Os jogos e esportes, por estarem inseridos em sociedades que carregam valores competitivos e de exclusão, podem também representar esses atributos, os quais em nada contribuem para o desenvolvimento integral da pessoa.

Devemos pensar na “sociedade dos indivíduos,’ como enfatiza Norbert Elias, e nos sentir protagonistas dos processos de mudanças sociais. Todos nós estamos inseridos em redes de interdependências, em configurações carregadas de sentimentos de poder, que muitas vezes apóiam alguns e os outros ficam de fora, excluídos do processo.

Os capítulos iniciais deram informações gerais sobre conceito, definição e cultura. Estes podem ter dado ao leitor uma sensação de letargia até se chegar ao tema jogo. Estas noções gerais são importantes

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para uma melhor compreensão dos temas específicos tratados na unidade 3.

O significado de um termo ou palavra é importante ficar claro, para o desenvolvimento dos trabalhos e pesquisas, quer como conceito, quer como definição. Esta última é, muitas vezes, difícil de ser formulada, por ter que estar contida numa expressão breve e completa do significado de uma palavra, do que se entende ou de como se mede uma coisa (unidade 1).

A discussão de cultura foi introduzida, mostrando-se diferentes autores. Afinal, o conceito é complexo, refere-se à natureza humana. E, portanto, há diferentes definições e interpretações. Cultura foi classificada em duas grandes categorias antropológicas - no sistema adaptativo e de teorias idealistas. A ideia foi mostrar a complexidade do termo cultura e a importância de não termos um conceito fechado, como se fosse um único.

Para enfatizarmos a importância de vermos o processo de mudanças sociais em longo prazo, abordamos alguns elementos da ciência que apontam a origem da cultura, desde os nossos ancestrais hominídeos. A partir daí, abordamos a origem dos jogos na espécie humana.

Os jogos foram criados pelos povos, transmitidos e ressignificados no processo de mudanças da sociedade. O processo de aprender não é feito pela cópia fiel do original, mas por um processo

chamado mimesis. Através desse processo torna-se possível a construção de novas relações sociais. Essa capacidade humana de perceber, sentir, transformar em imagens mentais, reinterpretar e ressignificar, favoreceu o aprendizado e transmissão dos jogos.

Na sociedade dos indivíduos, as pessoas são vistas sob a ótica relacional. Elas se interrelacionam em redes, formando diferentes configurações. As mudanças do comportamento ocorrem num período de longa duração, sendo incorporadas às pessoas de geração em geração formando assim o habitus social.

Nos trabalhos, programas, pesquisas e nas nossas relações devemos focalizar a pessoa com deficiência como um todo, e não somente focar a deficiência. Precisamos nos lembrar que a pessoa com deficiência faz parte de uma espécie que possui uma grande variabilidade biológica e sócio-cultural. Em que, portanto, as pessoas têm diferentes respostas para um mesmo estímulo. Os programas educacionais não podem ser fechados, limitados, focalizados somente na deficiência, mas propiciar o desenvolvimento do ser humano.

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A partir daí, os capítulos tiveram especificidade sobre os jogos de tabuleiro e jogos de segunda geração. Os jogos de tabuleiro são importantes e, talvez, os que têm mais elementos integrativos para as pessoas com deficiência. Nesses casos a exclusão não vai se dar pela dificuldades locomotoras ou físicas. Assim, esses jogos devem fazer parte dos programas pedagógicos nas escolas.

Há diferentes explicações sobre o inicio do esporte. Entretanto, as ideias de Norbert Elias e Eric Dunning contribuem para dar uma visão histórica, de processo de transformações sociais de longa duração, do ser humano relacional, das configurações, identidades e comportamentos.

O esporte adaptado necessita ter a reflexão de todos. Questões são levantadas e deixadas em aberto, para futuras ações. Sabemos que muitas pessoas podem se beneficiar da prática da atividade física, em diferentes formas, jogos , esportes. Mas somente uma parcela pequena da população permanece engajada nessas práticas.

Mesmo nos Estados Unidos, todos os esforços e incentivos para o desenvolvimento do programa sobre “Melhoria da saúde, condição física e qualidade de vida através da atividade física”, para a década de 2010, têm indicado poucas mudanças no nível de participação dos americanos com deficiência na atividade física. E fica a pergunta: por quê? Por que as pessoas desistem tão facilmente? E no Brasil, qual a situação atual?

Neste livro o leitor não vai encontrar receitas prontas, mas deixamos alguns ingredientes e sementes para que cada um possa dar continuidade, nas ações de professores. E apontamos para a necessidade de constantes reflexões sobre jogos, exclusão e inclusão social.

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CAPÍTULO 4

POLÍTICAS PÚBLICAS, ESPORTE, LAZER E DEFICIÊNCIA

NO BRASIL

Profa. Dr. Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior

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PREFÁCIO

Pensar nas políticas públicas para pessoas com deficiência é um processo aberto, que nos permite compreender as questões que delineiam as diversas possibilidades de inclusão dessa população que muitas vezes encontra-se marginalizada.

O que o autor mostra com muita propriedade na sua discussão é o jogo contraditório entre as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil e o aparato legislativo que assegura o esporte e o lazer como direitos sociais das pessoas com deficiência.

Percebe-se, pela explanação do texto, que a prática do desporto vem ampliando seu campo de atuação, demonstrando amplas possibilidades de repercutir num processo que transcende as ações resultantes da obrigação constitucional, criando condições para auxiliar nas atividades sociais.

Compreender as políticas públicas, em meio às relações sociais, pareceu-nos fundamental para a compreensão do jurídico e isso ficou bem claro na análise histórica que o autor nos traz.

Não há dúvidas de que as atividades esportivas devem procurar atender às pessoas no seu todo. Mas, para tanto, é necessário que essas mesmas pessoas sejam apresentadas a atividades que satisfaçam os vários interesses, sejam estimuladas a participar e recebam um mínimo de orientação que lhes permita a opção. Em outras palavras, a escolha, a opção, em termos de conteúdo, está diretamente ligada ao conhecimento das alternativas esportivas existentes, e não só das modalidades divulgadas pela mídia, de um modo geral.

Juiz de Fora, Março de 2009

Eliana Lúcia Ferreira

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INTRODUÇÃO

Esporte e Lazer são direitos sociais da população brasileira, garantidos por nossa Constituição de 1988. No entanto, percebemos que vários segmentos sociais estão ainda afastados destes direitos por questões de gênero, classe, etnia, idade, habilidades, entre outros.

O caso dos deficientes é ilustrativo. O termo atinge diversos grupos e casos, mas, sem dúvida, os deficientes, em geral, encontram-se à margem do sistema esportivo e da estrutura organizada do lazer e do esporte recreativo no Brasil.

Se pensarmos no campo do esporte competitivo ou de alto nível, nossa afirmativa perde força, pois as iniciativas governamentais e de instituições civis com relação aos “para-atletas” são hoje relevantes. Mas se pensarmos no esporte enquanto elemento recreativo e nas opções de lazer e entretenimento, ratificamos a idéia do afastamento. E isso se dá por motivos diversos: baixa auto-estima, ausência de atividades, preconceitos, barreiras arquitetônicas e, principalmente, as dificuldades de acesso por conta das condições econômicas. Numa sociedade em que esporte e lazer são ainda encaradas como mercadorias, usufrui destes bens culturais quem pode pagar.

De acordo com Humberto Lippo Pinheiro (2003), nos marcos da formação econômico-social do capitalismo e, mais especificamente na sociedade brasileira, que tem entre suas características constitutivas, tanto no seu processo de formação histórica quanto na sua dinâmica social dos dias de hoje, os aspectos de ser elitista, preconceituosa e discriminadora, a questão das chamadas pessoas portadoras de deficiência destaca-se como um singular caso de exclusão social. Para o autor, trata-se de um caso de dupla exclusão, que pode ser entendida como restrição ou impossibilidade de acesso aos bens sociais, incluindo aqueles relacionados com uma vida independente e auto-sustentada. A primeira e principal exclusão advém dos próprios mecanismos constitutivos da sociedade capitalista, em especial nos países periféricos e subdesenvolvidos, a de relegar extensos contingentes populacionais a uma condição de miséria ou subsistência. A segunda exclusão é devida à condição de portar uma “diferença restritiva” nas áreas física, sensorial, cognitiva ou ainda comportamental, que se situa

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em desacordo com os padrões estabelecidos como produtivos, eficientes, funcionais ou mesmo de beleza. Essa questão da inconformidade com os padrões obviamente não é específica para os deficientes, da mesma forma e com as especificidades de cada caso, ela também atinge outros setores excluídos socialmente: negros, mulheres, homossexuais, idosos, entre outros.

O presente texto apresenta uma discussão sobre as políticas públicas de esporte e lazer no Brasil. Destacamos o caso dos deficientes neste contexto, bem como o aparato legislativo que assegura esporte e lazer como direitos sociais destes cidadãos.

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UNIDADE 1

POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITOS E FUNÇÃO DO ESTADO

As políticas públicas são as iniciativas que a instância governamental busca efetivar para todos os cidadãos. Tais políticas abrangem, especialmente, os direitos sociais: educação, saúde, moradia, emprego, segurança, alimentação, lazer e esporte, entre outros.

De acordo com Isaura Belloni, Heitor Magalhães e Luíza Souza (2000), as políticas públicas podem ser definidas como o conjunto de orientações e ações de um governo com vistas ao alcance de determinados objetivos. É a ação intencional do Estado junto à sociedade. Assim, por ser voltada para a sociedade e envolver recursos sociais, toda política pública deve ser sistematicamente avaliada do ponto de vista de sua relevância e adequação às necessidades sociais, além de abordar os aspectos de eficiência, eficácia e efetividade das ações empreendidas.

As políticas públicas são um importante mecanismo de realização da cidadania, pois visam garantir o acesso a bens e serviços à toda população. São ações governamentais desenvolvidas por meio de programas que proporcionam a garantia de direitos e condições dignas de vida ao cidadão de forma equânime e justa.

Maria Helena Oliva Augusto (1989) afirma que, a partir da década de 1970, e cada vez com maior freqüência, a expressão política pública passou a se impor no discurso oficial e nos textos das ciências sociais, recobrindo o mesmo espaço empírico antes ocupado pela noção de planejamento estatal.

Segundo a autora, o termo política refere-se a um conjunto de objetivos que informam determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução. Implica, desta forma, a idéia de orientação unitária quanto aos fins a serem atingidos. Também supõe a hierarquia entre as diversas dimensões empíricas a serem atingidas, pelo menos ao nível dos benefícios que adviriam de sua implementação. A direção

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para a qual aponta e os objetivos que orientam a referida política manifestar-se-iam, de forma clara, no interior dos projetos e atividades que a constituem. Além disso, denotaria um conjunto articulado de decisões de governo, visando fins previamente estabelecidos a serem atingidos através de práticas globalmente programadas e encadeadas de forma coerente. Clareza de propósitos, hierarquia quanto aos fins, e programas definidos no sentido de atingi-los, qualificariam as políticas governamentais em geral. Tais características tornam possível o entendimento de que as duas noções consideradas — planejamento e política pública — sejam próximas, similares e, portanto, intercambiáveis.

A expressão política pública refere-se à intervenção estatal nas mais diferentes dimensões da vida social. Neste sentido, traduziria, de maneira mais realista, as possibilidades e os limites da intervenção estatal, uma vez que sua existência não cria, necessariamente, expectativas de alterações de âmbito estrutural. Trata-se, antes, da imposição de uma racionalidade específica às várias ordens de ação do Estado, um rearranjo de coisas, setores e situações.

Ainda que se apresentem como espaço neutro, as intervenções do Estado são, portanto, formas de reatualização ou de manifestação do padrão de domínio existente na sociedade. Embora financiadas com

recursos extraídos da totalidade do público, o “interesse geral” que proclamam traduz-se como intermediação estatal dos interesses particulares.

Segundo Jacqueline Low-Beer (2002), para compreender a trajetória das políticas públicas no Brasil, é preciso ter claro que o Estado brasileiro sempre teve uma orientação intervencionista e/ou desenvolvimentista, exercendo um papel ativo na formulação das diretrizes econômicas, desenhadas de forma a viabilizar o capitalismo industrial e financeiro. Para tanto, providenciou a infra-estrutura necessária para a iniciativa privada e forneceu os insumos necessários aos empreendimentos que sustentaram o processo de desenvolvimento. Nessa trajetória é possível reconhecer dois momentos distintos: o Estado Desenvolvimentista (dos anos 1930 até o final dos anos 60) e o período marcado por uma atuação marcadamente intervencionista, até o final dos anos 80, quando teve início um período de definições econômicas, sociais e políticas, resultando em profundas mudanças que

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apontavam em direção a um Estado com características neoliberais (anos 1990).

É importante apresentar as principais teorias e concepções de Estado que resultam na abordagem e efetivação das políticas públicas, também no caso brasileiro.

Recorremos ao excelente estudo de Antônio Sérgio Araújo Fernandes (2007) para tratar do papel do Estado na elaboração de políticas públicas do ponto de vista histórico.

O Estado enquanto provedor de uma série de bens e serviços públicos visando promover justiça social é um consenso universal do século XX. Para entender historicamente esta questão se torna necessário observar dois movimentos: A mudança do papel do estado na economia e o avanço da cidadania. Esses dois movimentos têm origem no período situado entre as duas grandes guerras mundiais e se desenvolvem mais intensamente no pós-guerra, a partir de 1945.

Pode-se considerar que entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, o mundo experimentou um momento de avanço da industrialização e urbanização. Junto com isso observa-se também que até a primeira guerra, nos países da Europa ocidental e, sobretudo, nos Estados Unidos, predominava em suas economias nacionais um regime econômico caracterizado como liberalismo de Estado mínimo. Nada era planejado e a livre competição das forças de mercado determinava o processo econômico. À frente de tudo estavam as fábricas, que se localizavam nos melhores espaços, em geral próximas aos rios. Em torno das fábricas construíam-se os grandes cortiços operários, locais com precárias instalações hidráulicas e sanitárias onde se empilhavam os trabalhadores.

A situação das grandes cidades industriais à época mostrava uma carência de equipamentos e serviços urbanos. Não havia saneamento básico ou iluminação pública, nem coleta do lixo. Sem falar que havia fumaça escura e sulfurosa da combustão do carvão que cobria toda a paisagem. O efeito disso era uma péssima condição de vida da população nas grandes cidades industriais que iam se formando pela intensa migração do campo. Vítimas de enfermidades e epidemias das mais diversas a população possuía baixa expectativa de vida e alto índice de mortalidade infantil. As cidades eram desestruturadas, o que

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era mais sentido pelas classes trabalhadoras, embora as classes abastadas também sofressem, em menor medida, os efeitos da poluição e das epidemias.

Neste contexto de opressão da vida das classes mais humildes as idéias socialistas ganharam corpo e os sindicatos organizados a partir de então fortaleceram a luta pela melhoria das condições de vida da classe trabalhadora. A saída para a alternativa de revolução socialista foi a ampliação da democratização política, com a universalização do sufrágio, até então restrito aos indivíduos do sexo masculino com um mínimo de renda. A partir disso, as classes trabalhadoras passaram a ser representadas politicamente e começam a demandar do Estado moradia, saneamento, limpeza pública, iluminação, luz elétrica, entre outras questões. A criação e ampliação dos serviços públicos e as obras de infra-estrutura urbana vão afetar profundamente a dinâmica de desenvolvimento econômico no mundo, pois provocarão um maior aproveitamento das economias de transporte e aglomeração, necessárias ao avanço da industrialização. Além disso, auxiliaram sobremaneira na ampliação do setor terciário da economia (comércio e serviços).

O processo de aumento dos serviços públicos e obras urbanas se tornou um componente importante na atuação dos Estados a partir da

crise na economia mundial dos anos de 1930. Na crise econômica, que ficou mais conhecida pelo seu marco inicial que foi a quebra da bolsa de Nova York em 1929, chegou-se gradativamente a um consenso dentro da comunidade internacional, sobretudo por parte dos governos dos países democráticos mais ricos, tais como Estados Unidos, Inglaterra e França, que as forças livres do mercado não eram suficientes para sustentar as economias das nações democráticas. Seria necessário um papel mais ativo do Estado no qual o investimento público era variável chave. O investimento público tornou-se um elemento fortemente responsável pela geração de emprego e renda nos países. Aliados ao investimento público planejado tornaram-se fundamentais outros mecanismos específicos de regulação da economia por parte do Estado, tais como controle de câmbio, juros e oferta de moeda visando estabilizar os preços para impedir aumentos inflacionários. Um dos marcos deste momento foi a conferência de Bretton Woods realizada em 1944, que teve como resultado principal a criação das principais instituições multilaterais de apoio ao investimento público e às finanças internacionais que foram o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O proeminente economista inglês John Maynard

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Keynes teve papel destacado em todo este período de formulação do novo sistema mundial de comércio e finanças. Keynes foi o primeiro presidente do FMI.

O período entre as grandes guerras deixou como saldo para as décadas seguintes do século XX, no campo estrito da economia, a necessidade de atuação intensa do estado. Isso não foi diferente na área social, uma vez que neste período houve um avanço significativo da cidadania, sobretudo na área dos direitos sociais o que causou uma ampliação da esfera de atuação estatal nesta área.

Toma-se aqui a definição clássica de cidadania (Marshall, 1967), a qual se refere à conquista e exercício de três conjuntos de direitos interligados: direitos civis; direitos sociais; e direitos políticos. Os direitos civis se referem basicamente às liberdades individuais, como o direito de dispor do próprio corpo, de locomoção, de segurança, de unir-se a qualquer pessoa por livre escolha. Os direitos políticos dizem respeito à participação política: direito de associar-se em organizações de qualquer natureza (sindicatos, grupos religiosos, associações de bairro, clubes esportivos, artísticas), liberdade de expressão e pensamento ideológico, liberdade de manifestação e protesto, além do direito de ser eleito ou de eleger representantes (votar e ser votado). Os direitos sociais tratam das necessidades humanas básicas e são todos aqueles direitos ligados à provisão de bens e serviços essenciais à vida que são oferecidos pelo Estado de modo a promover justiça social: alimentação, saúde, educação, habitação, saneamento, lazer, entre outros. De acordo com Marshall (op. cit.), estes direitos estão interligados e são interdependentes, pois o exercício pleno de um vai requerer a existência de outro.

A consagração universal destes três direitos definindo a cidadania está contida na Carta de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 (Anexo 1), que afirma em seu texto que a todos cabem o domínio do seu próprio corpo e sua vida. Além disso, que é direito de todos poder expressar-se livremente em partidos políticos e sindicatos, movimentos sociais e políticos. E também que todo homem tem o direito de ter uma vida digna, ou seja, tem direito a um emprego e a um salário suficiente para o sustento das necessidades básicas, tem direito a saúde, a educação à habitação e ao lazer.

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As primeiras constituições nacionais que concedem direitos ao ser humano foram: o Bill of Rights, 1689, fruto da Revolução Inglesa; a Constituição dos Estados Unidos, 1776, quando na declaração de Independência; e a Declaração de Direitos do Homem, oriunda da Revolução Francesa de 1789. Em todas estas Cartas Constitucionais asseguram-se três conjuntos de direitos ligados às esferas civil e política, quais sejam: liberdade individual, igualdade de direitos e soberania popular.

A Declaração de Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) possui uma diferença em relação às anteriores que é a entrada de um novo conjunto de direitos: os direitos sociais. A justiça social passa a fazer parte das constituições da quase unanimidade dos países e é esta dimensão de cidadania que compete ao Estado fornecer via formulação de políticas sociais.

Mas como definir justiça social e o que são as necessidades básicas?

Um primeiro aspecto a ser observado é que justiça social não significa igualdade social, mas equidade social. Nesta concepção de Marshall (op. cit.), a cidadania é um status social de igualdade que

consegue diminuir as desigualdades de classe, mas nunca eliminá-las. Para tanto o Estado garante um mínimo de certos bens e serviços públicos essenciais para todos os cidadãos como assistência médica, educação básica, moradia, previdência, seguro desemprego, lazer, entre outros, sendo que qualquer pessoa capaz de ultrapassar este mínimo por sua própria conta pode fazê-lo. Daí a preocupação residir na qualidade de oferta destes bens e serviços públicos que o Estado vai prover para todos os cidadãos. Os direitos sociais do cidadão são complexos de serem exercidos em sua plenitude visto que estes têm que ser administrados no seio das diversas políticas públicas visando atingir uma qualidade que seja capaz de estabelecer justiça social, ou seja, diminuir grandes desigualdades existentes. A situação ideal é aquela em que os bens e serviços públicos ofertados pelo Estado se aproximem em qualidade o máximo possível dos similares privados que as classes mais ricas são capazes de pagar, tornado a aquisição particular destes apenas um luxo.

Durante mais de trinta anos do século XX, desde o pós-guerra em 1945, o Estado, sobretudo na Europa Ocidental e países baixos, foi

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capaz de diminuir grandes desigualdades sociais e promover bem-estar à quase totalidade de seus cidadãos por meio de políticas sociais. Apesar disso, fortes desigualdades ainda persistem em vários países do mundo e mesmo nos países mais ricos ou considerados desenvolvidos, ainda existem desigualdades sociais, mas são substancialmente menores em comparação aos países latino-americanos e africanos, por exemplo. E isso é notado quando se observa o grau de desigualdade de renda atual nestes países, entre outros fatores.

Ao tipo de Estado provedor de políticas sociais, fortemente característico da Europa, usou-se a denominação de Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). Especificamente na Europa escandinava a forma de organização política que tomou o Estado tem a denominação de social-democracia. Nestes países, os sindicatos ocuparam a maior parte das cadeiras no parlamento, o gasto social é o mais alto entre os países do mundo e a economia tem uma forte participação de cooperativas.

A partir do início da década de 1970, os Estados nacionais vão experimentar crises fiscais e de endividamento que passam a comprometer o financiamento das políticas sociais. Neste período, a economia americana entra em um processo de inflação e endividamento público que vai provocar aumentos substanciais nos preços do petróleo. Os dois choques do petróleo (1973 e 1979) vão desencadear problemas de inflação e endividamento crônico em vários países do mundo durante a década de 80, sobretudo nas nações subdesenvolvidas. Além disso, o aprofundamento da globalização econômica, com a desregulamentação dos mercados e a modernização tecnológica e gerencial da indústria e dos serviços são processos que aumentam o desemprego, diminuem a capacidade de arrecadação tributária e tornam os governos vulneráveis no que se refere a manutenção de seus gastos e investimentos sociais. Isso passa a exigir dos Estados Nacionais uma redefinição na forma de administrar as políticas sociais que agora vão experimentar processos de privatização. Em vários países foram eleitos governos que terminaram por privatizar uma série de serviços públicos como saúde, eletrificação, telefonia, saneamento, entre outros, passando o Estado agora ao papel de regulador e, portanto de provedor indireto dos serviços, uma vez que a gestão ficou a cargo das empresas.

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A crise econômica atual é grave e pode afetar substancialmente as políticas públicas. Sendo assim, a garantia e a extensão dos direitos sociais a toda a população vê-se, mais uma vez, ameaçada.

Heloisa de Mattos Hofling (2001) elaborou outro estudo importante que nos ajuda a compreender as concepções e o papel do Estado do ponto de vista histórico. A autora analisa a questão a partir de dois pontos de vista, o marxista e o neoliberal, elegendo para a análise dois autores representativos das correntes, ClausOffeeMiltonFriedman.

Claus Offe, sociólogo alemão, é considerado um autor moderno no interior da tradição marxista. Hofling identifica nos textos de Offe a análise do Estado a partir de uma perspectiva de classe, e como uma esfera da sociedade que concentra e manifesta as relações sociais de classe, onde conflitos ocorrem – já que no interior do Estado estão presentes interesses referentes à acumulação do capital e às reivindicações dos trabalhadores.

Offe analisa as origens das políticas sociais traçadas pelo Estado Capitalista contemporâneo para a sociedade de classes. Para o autor, o Estado atua como regulador das relações sociais a serviço da manutenção das relações capitalista em seu conjunto, e não

especificamente a serviço dos interesses do capital – a despeito de reconhecer a dominação deste nas relações de classe.

Essencialmente voltado para o conteúdo das ações do Estado, Offe tem desenvolvido argumentações na perspectiva de responder as questões básicas que podem ser assim formuladas: como o Estado capitalista atua para preservar as relações no conjunto da sociedade de classes? Quais as relações de interesses na determinação das ações do Estado? Como se origina e a partir de que movimentos de interesses surgem as políticas sociais do Estado capitalista?

No desenvolvimento do processo de acumulação capitalista – e nas crises do capitalismo – as formas de utilização tradicionais da força de trabalho se deterioram, são até mesmo destruídas, escapando à competência das próprios indivíduos a decisão quanto à sua utilização. Relacionado a isto, funções tradicionalmente não sujeitas ao controle estatal e circunscritas às esferas privadas da sociedade – inclusive a educação – passam a ser desempenhadas pelo Estado.

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Em momentos de profunda assimetria nas relações entre os proprietários de capital e proprietários da força de trabalho, o Estado atua como regulador a serviço da manutenção das relações capitalistas em seu conjunto. E esta função reguladora através da política social é claramente colocada por Offe. A política social é a forma pela qual o Estado tenta resolver o problema da transformação duradoura de trabalho não assalariado em trabalho assalariado. O Estado capitalista moderno cuidaria não só de qualificar permanentemente a mão-de-obra para o mercado, como também, através

de tal política e programas sociais, procuraria manter sob controle parcelas da população não inseridas no processo produtivo.

O sistema de acumulação capitalista engendra em seu desenvolvimento problemas estruturais relativos à constituição e reprodução permanente da força de trabalho e à socialização desta através do trabalho assalariado. O Estado deve “responder” a estes problemas, ou em outros termos, deve assegurar as condições materiais de reprodução da força de trabalho – inclusive visando uma adequação quantitativa entre a força de trabalho ativa e a força de trabalho passiva – e da reprodução da aceitação desta condição.

Estas podem ser consideradas as funções últimas da política social: como as distintas instituições sócio-políticas e estatais contribuem para a resolução dos problemas acima, gerando intervenções do Estado que atingem a sociedade como um todo. E a partir de que referenciais estas ações são equacionadas?

Offe coloca a questão dois esquemas de argumentação da ciência política: a) a explicação da gênese da política social estatal baseada na teoria dos interesses e das necessidades, a partir de exigências políticas dos trabalhadores assalariados organizados; b) a explicação da gênese da política social a partir dos imperativos do processo de produção capitalista, das exigências funcionais da produção capitalista.

Ressaltando a dinâmica e movimento próprio do Estado nas sociedades capitalistas modernas, os autores relacionam as origens da política social a um processo de mediação – como estratégia estatal – entre interesses conflitivos.

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Respondendo à uma pergunta sobre um “novo pacto social”, o autor assinala que os problemas de um país não vão ser resolvidos apenas pela ação do Estado ou do mercado. É preciso um novo pacto, que resolve o dever do Estado de dar condições básicas de cidadania, garanta a liberdade do mercado e da competição econômica e, para evitar o conflito entre esses dois interesses, permita a influência de entidades comunitárias.

As ações empreendidas pelo Estado não se implementam automaticamente, têm movimento, têm contradições e podem gerar resultados diferentes dos esperados. Especialmente por se voltar para e dizer respeito a grupos diferentes, o impacto das políticas sociais colocadas pelo Estado capitalista sofre o efeito de interesses diferentes expressos nas relações sociais de poder.

A concepção neoliberal de sociedade e de Estado se inscreve na tradição do liberalismo clássico, dos séculos XVIII e XIX. Enquanto a obra A riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas, de Adam Smith (publicada em 1776), é identificada como o marco fundamental do liberalismo econômico, O caminho da servidão, de

Friedrich Hayek (publicado em 1944), é identificado como o marco do neoliberalismo. As formulações de Milton Friedman, economista da Escola de Chicago, sobre Estado e políticas sociais se identificam estreitamente com as formulações de Hayek.

Levando em consideração a intensa produção e publicações recentes no Brasil sobre neoliberalismo, Hofling (op. cit.) considera suficiente retomar argumentações destes autores citados que contribuam para a compreensão da natureza da relação entre Estado e política social e seus desdobramentos em programas de governo.

As teorias políticas liberais concebem as funções do Estado essencialmente voltadas para a garantia dos direitos individuais, sem interferência nas esferas da vida pública e, especificamente, na esfera econômica da sociedade. Entre os direitos individuais, destacam-se a “propriedade privada como direito natural” (Locke, 1632-1704), assim como o direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para conservar ambas. Na medida em que o Estado, no capitalismo, não institui, não concede a propriedade privada, não tem poder para interferir

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nela. Tem sim a função de arbitrar, e não de regular conflitos que possam surgir na sociedade civil, onde proprietários e trabalhadores estabelecem relações de classe, realizam contratos, disputam interesses etc. Estas concepções são claramente expressas em colocações fundamentais de Adam Smith em A riqueza das nações, voltadas para a crítica ao mercantilismo e às corporações.

As teses neoliberais, absorvendo o movimento e as transformações da história do capitalismo, retomam as teses clássicas do liberalismo e resumem na conhecida expressão “menos Estado e mais mercado” sua concepção de Estado e de governo. Voltadas fundamentalmente para a crítica às teses de Keynes, que inspiraram o Estado de Bem-Estar Social, defendem enfaticamente as liberdades individuais, criticam a intervenção estatal e elogiam as virtudes reguladoras do mercado. Estas idéias ganharam força e visibilidade com a grande crise do capitalismo na década de 1970, apresentadas como possíveis saídas para a mesma.

O respeito, a promoção e a proteção do indivíduo, dos interesses e das relações que individualmente se estabelecem e se equilibram naturalmente na sociedade são valores destacados neste pensamento. Assim, ressaltando os fundamentos do individualismo, os neoliberais defendem a iniciativa individual como base da atividade econômica, justificando o mercado como regulador da riqueza e da renda.

Friedman focaliza o capitalismo competitivo – organizado através de empresas privadas, em regime de livre mercado – como um sistema que exercita a liberdade econômica. Atribui ao Estado o papel de promotor de condições positivas à competitividade individual e aos contratos privados, chamando atenção para os riscos decorrentes da intervenção estatal nas esferas da vida em sociedade.

Para os neoliberais, as políticas (públicas) sociais – ações do Estado na tentativa de regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da acumulação capitalista – são consideradas um dos maiores entraves a este mesmo desenvolvimento e responsáveis, em grande medida, pela crise que atravessa a sociedade. A intervenção do Estado constituiria uma ameaça aos interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência privada, e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar com vistas a restabelecer o seu equilíbrio. Uma vez mais, o livre mercado é apontado

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pelos neoliberais como o grande equalizador das relações entre os indivíduos e das oportunidades na estrutura ocupacional da sociedade.

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UNIDADE 2

POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE E LAZER

No Brasil, os direitos sociais são definidos em nossa Carta Magna, a Constituição Federal de 1988, que assim estabelece no seu artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

De acordo com Arthur Almeida et al (2007), falar em direitos sociais significa assumir a extensão de percepção do que é ou pode vir a ser uma sociedade mais justa e mais igualitária. Isto sugere que, é por meio dos direitos sociais, que os indivíduos podem buscar uma maior equidade social, diante de um contexto societal de exclusão e diferenciações sociais, econômicas e de outras ordens. Os direitos sociais são, pois, direitos humanos e que são assim constituídos: direito ao trabalho, direito ao salário igual por trabalho igual, direito à previdência social em caso de doença, velhice, morte do arrimo de família e desemprego involuntário, direito a uma renda condizente com uma vida digna, direito ao repouso e ao lazer (aí incluindo o direito a férias remuneradas), e o direito à educação. Esses são direitos que devem ser assegurados a todos de maneira igualitária, sem qualquer distinção.

Mas não custa lembrar que grande parte desses direitos não são exercidos plenamente pelos cidadãos brasileiros. Os entraves podem ser enumerados, desde o direito ao salário igual, em que estudos demonstram a existência de diferença salarial para o mesmo trabalho realizado entre homens e mulheres, até o direito à educação, quando se percebe que os índices de alfabetização e de escolaridade em regiões como Norte e Nordeste do Brasil.

Nosso país é atravessado por uma cultura dominante que se constitui por variações demarcadas por desigualdades sociais profundas e que se acentuam em relação a aspectos como gênero, etnia, deficiência, entre outros. Contudo, ao passo que são percebidas as diferenças que contribuem para revelar a situação de exclusão social de determinados indivíduos na sociedade, e que são registradas na forma

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de desigualdades sociais, se torna necessário o estabelecimento de políticas sociais que se pautem numa perspectiva intersetorial.

Ao tratar dos direitos sociais e, principalmente, inserindo o lazer como um dos direitos sociais, devemos considerar que na demanda por esses direitos existe uma importante dimensão política que deve ser refletida. Esse sentido político ancora-se na temporalidade própria dos conflitos pelos quais as diferenças de classe, gênero, etnia, raça, deficiência ou origem se metamorfoseiam nas figuras políticas da alteridade – sujeitos que se fazem ver e reconhecer nos direitos reivindicados, se pronunciam sobre o justo e o injusto e, nesses termos, re-elaboram suas condições de existência como questões pertinentes à vida em sociedade.

Assim, o fato de os sujeitos se pronunciarem sobre os seus direitos os legitima socialmente e demonstra que eles participam do espaço público e, portanto, acaba por se recusar a idéia de que os direitos demandados não são mais do que a resposta a um suposto mundo das necessidades e das carências. A participação dos sujeitos na cena política desestabiliza estruturas e rompe consensos. Os avanços surgem deste processo.

Nesta perspectiva da transgressão dos direitos deve-se encarar o lazer como elemento paradoxal de uma sociedade do trabalho e de excluídos, sendo assim, o lazer se realiza como algo problematizador. E dependendo do recorte teórico adotado para sua compreensão, o lazer pode assumir uma face funcionalista ou emancipatória, isto porque o sentido que lhe é atribuído tem direta relação com os sujeitos que o praticam, mas ao mesmo tempo, o lazer pode ser favorecido por um conjunto de ações e programas de organismos governamentais e não-governamentais e, ir em uma ou outra direção. Para Jofre Dumazedier (2000) pode ser identificado o papel compensatório do lazer, à medida que são trazidas para o plano de análise as seguintes funções do lazer: (a) função de descanso, (b) função de divertimento, recreação e entretenimento e, por fim, (c) função de desenvolvimento. Dumazedier define que o lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se e para entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre

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capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

Fernando Mascarenhas (2004) reflete sobre o lazer como uma possibilidade socialmente referenciadae, comprometida com a emancipação do sujeito. Essa compreensão do autor se deve ao fato de que o lazer é um direito social e, portanto, como um direito, o lazer estabelece uma forma de sociabilidade regida pelo reconhecimento de outro como sujeito de interesses válidos, valores pertinentes e demandas legítimas. Assim, reflete da seguinte maneira: “A criança e o adolescente têm direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. No entanto, metade da geração em idade escolar não chega a completar o nível básico, embora 95% têm oportunidade de matricular-se em alguma escola; cerca de 18 milhões de jovens entre 7 e 17 anos são analfabetos; de cada 100 crianças em situação de rua, 92 gostariam de estar estudando” (Mascarenhas, op. cit.2004, p.69).

O cenário desenhado é preocupante, em especial, quando se considera o esporte e o lazer como um direito de segunda categoria, isto é, numa escala de prioridades em uma sociedade que se pauta no modelo capitalista e neoliberal, o direito, tanto da classe trabalhadora, como de crianças e adolescentes, deficientes, ao esporte e ao lazer é visto como menos importante, tendo em vista o mapa da desigualdade social do Brasil, por meio de índices como os de exclusão social, escolaridade, alfabetização, pobreza, violência, entre outros.

Historicamente, o esporte aparece em terras brasileiras em meados do Século XIX. Era praticado sob a forma do lazer, em clubes e também nas escolas. Este movimento avança pelo Século XX e, de acordo com Eline Decache Maia (20066), não tardou a sofrer as primeiras iniciativas de regulação por parte do Estado.

Assim, surge em 1941 a primeira lei orgânica, o Decreto-Lei nº 3.199 - estabelecendo a criação pelo Ministério da Educação e Saúde do Conselho Nacional de Desportos (CND) – que incluirá o esporte como matéria legal a ser incorporada pelo Estado. Até o advento desta lei, o esporte era regido por entidades privadas, como os clubes, tendo estes, a partir de então, de se submeterem às determinações elaboradas pelo CND, cujo objetivo era orientar, fiscalizar e incentivar a prática dos desportos em todo o país.

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A legislação produzida até o final dos anos 50 não alterou a lógica impressa na lei de 1941. Até esse momento, as políticas voltadas para a área esportiva incidirão antes na regulamentação do esporte do que na incorporação do mesmo nas políticas públicas. Esse movimento só ocorrerá com a mudança de enfoque em relação ao esporte, quando passa a ser visto para além do espetáculo de rendimento. Mas é somente

a partir da década de 60 que se observará uma re-significação do esporte, fruto de uma intensa movimentação no exterior, motivando as políticas públicas nacionais na área esportiva.

Maia (op. cit.) refere-se à formulação pelo Conselho da Europa da idéia do Esporte para Todos, em 1966, que gerou diversas campanhas em vários países no sentido de disseminar o esporte na sociedade como atividade educativa e cultural. Esta idéia será divulgada de forma mais contundente com a Carta Européia de Esporte Para Todos em 1975. O esporte ganha status similar à educação, saúde e demais direitos fundamentais do cidadão. Dentro dessa nova perspectiva, o documento aponta para a necessidade de aplicação de parte dos recursos públicos para a promoção do acesso de todos ao esporte, incluindo o mesmo nas agendas das políticas públicas do país.

As décadas de 1980 e 1990 trouxeram mudanças na perspectiva de se encarar o esporte no Brasil. Críticas foram executadas ao privilégio das ações governamentais dado ao esporte em sua perspectiva de rendimento/espetáculo. Paulatinamente, a estas críticas somaram-se iniciativas concretas por parte da sociedade civil e de governos democrárico-populares que repensaram o esporte em outras perpectivas, favorecendo suas dimensões lúdicas e recreativas. Neste contexto, também ganharam espaço segmentos da população antes totalmente excluídos das práticas esportivas recreativas, como no caso dos deficientes.

Mas é preciso chamar atenção para a prática esportiva de rendimento no âmbito dos deficientes. Segundo Reis (apud Araújo, 1998), o advento do esporte adaptado se deu logo após a I Guerra Mundial, devido à necessidade de reinserção na sociedade dos deficientes físicos, em sua grande maioria, vítimas da guerra. Em 1944, Ludwig Guttamann, acreditava que o esporte poderia contribuir para a motivação dos mutilados da guerra. Esta sua iniciativa avançou e os praticantes de atividades físicas e esportivas apresentaram melhorias

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médicas e psicológicas. O exemplo se espalhou por diversos países e as pessoas com deficiência começaram a perceber que era possível a elas a prática esportiva.

Em 1948 foram realizados os primeiros jogos para deficientes, evento paralelo aos Jogos Olímpicos de Londres. No ano de 1952 foi fundado o Comitê Internacional dos Jogos de Stoke Mandeville, vindo posteriormente a se tornar a Federação Internacional de Esportes em Cadeira de Rodas de Stoke Mandeville (ISMWSF). Atualmente, esta entidade é a responsável pela organização e realização de eventos mundiais direcionados aos atletas cadeirantes.

Em 1960, foram realizadas as primeiras Paraolimpíadas, com a participação de 23 países e 400 atletas portadores de deficiência. Em 1989, foi fundado o Comitê Paraolímpico Internacional (IPC), na Alemanha, entidade internacional responsável pela organização e realização de eventos esportivos que envolvam mais de uma deficiência.

No Brasil, o ano de 1958 marcou o inicio do esporte paraolímpico. No Rio de Janeiro, o cadeirante Robson Sampaio de Almeida, em parceria com seu amigo Aldo Miccolis, fundou o Clube do Otimismo. Alguns meses depois, precisamente em 28 de julho, Sérgio Seraphin Del Grande - também deficiente físico - criou o Clube dos Paraplégicos de São Paulo. A data foi escolhida para homenagear os dez anos da Stoke Mandeville (ISMWSF). Ambos tomaram a iniciativa de trazer o esporte paraolímpico para o Brasil a partir das experiências que viveram durante tratamentos realizados em hospitais norte-americanos. Robson e Sérgio tiveram a oportunidade de presenciar a prática esportiva de pessoas em cadeiras de rodas, principalmente no Basquete. No caso de Del Grande, quem mais o incentivou foi Jeyne Kellog, atleta do time Pan Am Jets (a versão paraolímpica da equipe de basquete Globe Troters).

A primeira participação do Brasil numa competição internacional foi na segunda edição dos II Jogos Parapanamericanos, ocorridos em Buenos Aires no ano de 1969. O objetivo da delegação brasileira era conhecer as modalidades que integravam o quadro de esportes paraolímpicos e possibilitar aos brasileiros uma integração com outros atletas. Três anos depois, o Brasil foi representado em sua primeira Paraolimpíada, que teve a cidade alemã de Heidelberg como sede.

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No Parapan da Cidade do México, em 1975, o Brasil teve duas delegações, conseqüência da falta de comunicação entre as maiores entidades paraolímpicas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Este problema fez com que Stoke Mandeville exigisse a fundação de uma associação nacional. Assim foi criada a Associação Nacional de Desporto de Excepcionais, atual Associação Nacional de Desporto de Deficientes (ANDE).

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UNIDADE 3

LEGISLAÇÃO SOBRE DEFICIÊNCIA, ESPORTE E LAZER

Com base em consulta no material publicado pela Câmara dos Deputados “Legislação brasileira sobre pessoas portadoras de deficiência” (2004), destacamos trechos da legislação brasileira que trata dos deficientes e cita especificamente as questões relativas ao esporte e ao lazer.

É evidente que se trata do que deveria ser cumprido e não da realidade do deficiente no mundo do esporte e do lazer. Mas já que insistimos no exercício da cidadania como um dos nossos objetivos, faz-se necessário conhecer o marco legal sobre o assunto.

- LEI No 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000 - Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

CAPÍTULO VII - DA ACESSIBILIDADE NOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO E SINALIZAÇÃO.

Art. 17. O poder público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.

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- DECRETO No 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999 - Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.

CAPÍTULO III - DAS DIRETRIZES

Art. 6o São diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:

III - incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer;

- DECRETO No 3.956, DE 8 DE OUTUBRO DE 2001 – Promulga a CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS

DE DEFICIÊNCIA.

Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados-Partes comprometem-se a:

1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas:

a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração;

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- RESOLUÇÃO No 2, DE 11 DE SETEMBRO DE 2001, DA CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.

Art. 6o Para a identificação das necessidades educacionais especiais dos alunos e a tomada de decisões quanto ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com assessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, contando, para tal, com:

III - a colaboração da família e a cooperação dos serviços de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Justiça e Esporte, bem como do Ministério Público, quando necessário.

- PORTARIA No 1.060, DE 5 DE JUNHO DE 2002, DO MINISTÉRIO DA SAÚDE - POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE DA PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA

De outra parte, deverá ser promovido o amplo acesso das pessoas portadoras de deficiência às informações acerca dos seus direitos e das possibilidades para o desenvolvimento de suas potencialidades, seja na vida cotidiana e social, seja no trabalho, no esporte e no lazer.

4.1. Articulação Intersetorial

No âmbito federal, o processo de articulação deverá envolver os setores a seguir identificados, com os quais procurar-se-á estabelecer parcerias que viabilizem o alcance dos objetivos preconizados.

F) Ministério do Esporte e Turismo

A parceria objetivará em especial:

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a. a implementação e o acompanhamento de programas esportivos e de atividades físicas destinados às pessoas portadoras de deficiência, tendo como base o conceito de qualidade de vida, e autilização destas medidas para a manutenção dos ganhos funcionais obtidos com o programa de reabilitação.

- LEI No 7.405, DE 12 DE NOVEMBRO DE 1985 - Torna obrigatória a colocação do “Símbolo Internacional de Acesso” em todos os locais e serviços que permitam sua utilização por pessoas portadoras de deficiência e dá outras providências.

Art. 4o Observado o disposto nos anteriores arts. 2o e 3o desta Lei, é obrigatória a colocação do símbolo na identificação dos seguintes locais e serviços, dentre outros de interesse comunitário:

VIII - edificações destinadas ao lazer, como estádios, cinemas, clubes, teatros e parques recreativos;

- LEI No 7.853, DE 24 DE OUTUBRO DE 1989 - Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

Art. 2o Ao poder público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

- LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001 - Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

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Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

- DECRETO No 99.710, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1990 - Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança.

3. Atendendo às necessidades especiais da criança deficiente, a assistência prestada, conforme disposto no parágrafo 2o do presente artigo, será gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e visará a assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual.

- DECRETO No 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999 - Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.

Art. 2o Cabe aos órgãos e às entidades do poder público assegurar à pessoa portadora de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à edificação pública, à habitação, à cultura, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

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Art. 7o São objetivos da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:

II - integração das ações dos órgãos e das entidades públicos e privados nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, edificação pública, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção das deficiências, à eliminação de suas múltiplas causas e à inclusão social;

Art. 11. Ao CONADE, criado no âmbito do Ministério da Justiça138 como órgão superior de deliberação colegiada, compete:

I - zelar pela efetiva implantação da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência;

II - acompanhar o planejamento e avaliar a execução das políticas setoriais de educação, saúde, trabalho, assistência social, transporte, cultura, turismo, desporto, lazer, política urbana e outras relativas à pessoa portadora de deficiência;

Seção V

Da Cultura, do Desporto, do Turismo e do Lazer

Art. 46. Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta responsáveis pela cultura, pelo desporto, pelo turismo e pelo lazer dispensarão tratamento prioritário e adequado aos assuntos objeto deste Decreto, com vista a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

I - promover o acesso da pessoa portadora de deficiência aos meios de comunicação social;

II - criar incentivos para o exercício de atividades criativas, mediante: a) participação da pessoa portadora de deficiência em concursos de prêmios no campo das artes e das letras; e b) exposições, publicações e representações artísticas de pessoa portadora de deficiência;

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III - incentivar a prática desportiva formal e não-formal como direito de cada um e o lazer como forma de promoção social;

IV - estimular meios que facilitem o exercício de atividades desportivas entre a pessoa portadora de deficiência e suas entidades representativas;

V - assegurar a acessibilidade às instalações desportivas dos estabelecimentos de ensino, desde o nível pré-escolar até à universidade;

VI - promover a inclusão de atividades desportivas para pessoa portadora de deficiência na prática da educação física ministrada nas instituições de ensino públicas e privadas;

VII - apoiar e promover a publicação e o uso de guias de turismo com informação adequada à pessoa portadora de deficiência; e

VIII - estimular a ampliação do turismo à pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a oferta de instalações hoteleiras acessíveis e de serviços adaptados de transporte.

Art. 47. Os recursos do Programa Nacional de Apoio à Cultura financiarão, entre outras ações, a produção e a difusão artístico-cultural de pessoa portadora de deficiência.

Parágrafo único. Os projetos culturais financiados com recursos federais, inclusive oriundos de programas especiais de incentivo à cultura, deverão facilitar o livre acesso da pessoa portadora de deficiência, de modo a possibilitar-lhe o pleno exercício dos seus direitos culturais.

Art. 48. Os órgãos e as entidades da administração pública federal direta e indireta, promotores ou financiadores de atividades desportivas e de lazer, devem concorrer técnica e financeiramente para obtenção dos objetivos deste Decreto.

Parágrafo único. Serão prioritariamente apoiadas a manifestação desportiva de rendimento e a educacional, compreendendo as atividades de:

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I - desenvolvimento de recursos humanos especializados;

II - promoção de competições desportivas internacionais, nacionais, estaduais e locais;

III - pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, documentação e informação; e IV - construção, ampliação, recuperação e adaptação de instalações desportivas e de lazer.

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BIBLIOGRAFIA

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ANEXO 1

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS

DIREITOS HUMANOS

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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Adotada e proclamada pela resolução 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Preâmbulo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o

fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos

humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de

liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do

homem comum, Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos

pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no

valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores

condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a

desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a

observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e

liberdades é da mis alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama

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A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Artigo III

Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV

Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

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Artigo VI

Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.

Artigo VII

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII

Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX

Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X

Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou

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internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo XVI

1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer retrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

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2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

Artigo XIX

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber

e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de sue país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta

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vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII

Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo XXIV

Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

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2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo XXVII

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

Artigo XVIII

Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIV

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará

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sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de

exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

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ANEXO 2

II CONFERÊNCIA NACIONAL DO ESPORTE:

RESOLUÇÃO DAS PROPOSTAS APROVADAS NA PLENÁRIA FINAL

Ministério do Esporte, Brasília, 2006.

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II CONFERÊNCIA NACIONAL DO ESPORTE

RESOLUÇÕES DAS PROPOSTAS APROVADAS NA PLENÁRIA FINAL

EIXO I - ESTRUTURA: ORGANIZAÇÃO, AGENTES, COMPETÊNCIA.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer, tendo por base o regime de colaboração entre a união, os estados e municípios, com ênfase na municipalização, consolidando o esporte e o lazer como direitos sociais e guiando-se pelos princípios da democratização e inclusão social, articula, integra, promove e estabelece relações éticas de parcerias entre as entidades da sociedade civil, instituições publicas e privadas, em torno do esporte educacional, de participação e de rendimento, valorizando a acessibilidade, descentralização,

inter-setorialidade e multidisciplinaridade das ações esportivas e de lazer.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer tem por objetivo consolidar a Política Nacional do Esporte bem como criar mecanismos que garantam a execução e acessibilidade da mesma em todas as esferas da federação, e definir os papéis das entidades dirigentes do esporte e lazer.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer compreende o esporte educacional, o esporte de participação e o esporte de alto rendimento, não excludentes entre si, articulados de forma equânime em uma estrutura aberta, democrática e descentralizada que envolve os municípios, os estados e a união, nos âmbitos públicos e privado, primando pela participação de toda a sociedade.

Criação de pastas específicas de Esporte e Lazer nas esferas estaduais e municipais (Secretarias, Fundações, Autarquias), com autonomia administrativa e orçamentária,

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conselhos específicos e planos de desenvolvimento, para implementação e continuidade de políticas de esporte e lazer em todas as dimensões visando a inclusão social, e definindo prazo máximo para essa criação.

As competências de cada agente do Sistema Nacional de Esporte e Lazer devem ser pautadas pela colaboração e comprometimento, em respeito às características próprias de cada uma, sua autonomia e pertinência, priorizando a inclusão social, sendo que, sem prejuízo de suas prerrogativas, são ressaltadas as seguintes atribuições:

1 - Aos órgãos gestores Estaduais e Municipais de Esporte e Lazer:

A Promover a articulação entre as escolas públicas e particulares e comunidades com intuito de abranger várias classes sociais, junto às ligas, associações e federações escolares ou não, sempre que possível, ONGs e OSCIPs ligadas ao segmento;

B Criar comitês de inspeção cujos participantes sejam gestores de esporte e lazer, presidentes de entidades esportivas e profissionais de Educação Física de forma igualitária para fiscalizar empresas que declaram ter investido parte do seu orçamento no esporte;

C Criar programas de incentivo à bolsa atleta também no âmbito estadual e municipal e outros programas de apoio financeiro ao atleta;

D Estruturar as áreas de esporte e lazer com um apoio multiprofissional (professores e profissionais de Educação Física, agentes comunitários, Médicos, Fisioterapeutas, Psicólogos e outros) que venham atender melhor a população na pratica de todas as atividades físicas;

E Intermediar e estabelecer programas esportivos e de lazer para/nas/com comunidades, instituições de ensino públicas e particulares junto às ligas e federações, com intuito de abranger

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várias classes sociais, favorecendo o acesso e permanência do cidadão escolar e não escolar em espaços que oportunizem práticas sistematizadas e/ou não sistematizadas como elemento de convivência positiva; inclusive no uso dos equipamentos públicos e/ou privados de seu território (escolas, unidades de saúde, autarquias, empresas).

F Criação de três coordenações: de rendimento, educacional e de participação;

G Criação de núcleos regionais;

H Dar suporte técnico para as entidades desportivas, para-desportivas e de lazer;

I Produzir e difundir os conhecimentos específicos de esporte e lazer junto aos segmentos organizados para a elaboração de políticas específicas;

J Criar clube escolar ou estruturas similares, sempre vinculadas ao projeto político pedagógico da instituição de ensino.

K Criar banco de dados de voluntariado desde que cada um respeite sua formação e habilitação e restringindo sua ação a dar apoio nos eventos;

L Construir, reformar, implantar, ampliar, adaptar e modernizar a infra-estrutura esportiva pública existente dentre elas: escolas, ginásios, piscinas, campos, praças, pista de atletismo e outros agrupamentos, parques e jardins meio rural, em articulação entre as entidades privadas e as três esferas de governo, considerando a inter-setorialidade;

M Implementar programas, projetos e eventos esportivos nas diferentes modalidades, incluindo modalidades não populares e esportes radicais e de aventura, de natureza, esporte adaptado, indígenas e tradicionais bem como programas de lazer para crianças, adolescentes, adultos e idosos, pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais, comunidades quilombolas e indígenas;

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N Definir, regulamentar e desenvolver de forma paritária nas três esferas, políticas públicas voltadas para o esporte de rendimento olímpico e para- olímpico, não olímpico e não paraolímpico, de participação, educacional, de lazer;

O Criar áreas específicas dentro das Fundações, Secretarias e Autarquias, contemplando as pessoas com deficiência e a terceira idade;

P Garantir a implantação e funcionamento dos conselhos de esporte e lazer;

Q Criar tribunais específicos nos estados, DF e municípios visando à democratização do acesso à justiça desportiva.

R Criar em todos os municípios da União o Museu do Esporte, para que sejam evidenciadas e lembrados cidadãos que contribuíram para o desenvolvimento do esporte em suas localidades de origem.

S Incentivar a criação, estruturação e manutenção de laboratórios de pesquisa que colaborem no norteamento do esporte em qualquer;

2- Aos Conselhos de Esporte e Lazer:

A Fiscalizar a aquisição e aplicação de verbas públicas das entidades esportivas, com a devida prestação de contas em prazo real de 90 dias conforme TCU ;

B Deliberar e fiscalizar a utilização de verbas destinadas ao esporte e lazer através da devida prestação de contas;

C Gerir os fundos federal, estaduais e municipais;

D Definir a política de investimento no desporto, indicando conceitos para o esporte educacional, de participação e rendimento, olímpicos, para olímpico, não olímpico e não paraolímpico e lazer.

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3- Os conselhos profissionais das profissões envolvidas (em especial O CONFEF):

A Criar mecanismo de fiscalização das ações dos profissionais de educação física, representados pelo CONFEF, em locais de práticas dos esportes, visando a qualidade das ações prestadas;

B Promover encontros, fóruns, debates e capacitação profissional junto aos prestadores de serviços em atividades físicas.

4- Ao Ministério do Esporte:

A Apoiar as instituições, Clubes e Ligas através do monitoramento das atividades, da avaliação das ações realizadas e do tempo de mandato dos gestores;

B Buscar parceria com o Ministério da Educação para o planejamento da formação profissional e garantir de forma efetiva e

permanente da esfera estadual e federal as condições necessárias à produção e à disseminação do conhecimento técnico-científico relacionado ao esporte, lazer e atividade física;

C Dar suporte às Secretarias estaduais e municipais de Esporte e Lazer;

D Ampliar parcerias que incentivem as pesquisas científicas na área da Educação Física/Ciências do Esporte.

5- O COB, CPB, CBDE, CBDU, Confederações e Federações esportivas, clubes esportivos e sociais, ligas, associações

esportivas:

A Criar escolas de base e interiorização das ações;

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B Implementar em parceria com o poder público programas e eventos esportivos e de lazer para crianças, adolescentes, adultos e idosos e pessoas com deficiência, comunidades quilombolas e indígenas, incluindo modalidades não populares e esportes radicais contemplando não apenas os interesses esportivos, mas também os sociais, intelectuais, artísticos e turísticos do lazer;

C Realizar projetos esportivos de base, alto rendimento e lazer em parceria com as três esferas de governo.

7- As Entidades Científicas: Contribuir, estimular o fomento e difusão das pesquisas e construção do

conhecimento do esporte, lazer e atividades físicas.

8- Aos profissionais:

Educação Física: Desenvolver as atividades do âmbito de sua atuação privativa, conforme regulamentação dessa profissão.

Agentes comunitários de esporte e lazer: Interagir com as demais áreas sociais e profissionais, mobilizando, organizando, animando, arregimentando as atividades esportivas e de lazer junto à comunidade.

Criação de centros de referência de esporte e lazer nas esferas estaduais e municipais para atendimento de pessoas com deficiências, pessoas com necessidades especiais, idosos, obesos e outros.

Ampliação e revisão da política de criação de centros de excelência, devendo ser organizados junto as IES, implantados através de recursos de parcerias público-privadas (PPPs), que atendam a várias modalidades olímpicas e paraolímpicas, não-olímpicas e não-para olímpicas de alto rendimento bem como atividades de lazer, com a infra-estrutura necessária e orientação de profissionais qualificados, considerando os aspectos técnicos e de gestão esportiva necessários para o desenvolvimento de

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talentos do esporte nas categorias de base, podendo ser implementados nas regiões, nos estados e nos municípios.

Criação de centros de referência para formação continuada dos recursos humanos do sistema nas três esferas governamentais.

Devem ser definidos os diferentes conceitos das manifestações do Esporte que compõem o Sistema Nacional de Esporte e Lazer coerentes com as orientações da Política Nacional do Esporte que indica os limites dos conceitos em uso e com a concepção de sistema que pretende construir - em encontro nacional próprio para essa finalidade, a ser realizado pelo Ministério do Esporte até dezembro de 2006, garantindo a representação e a participação popular e a representatividade de todos os estados da federação. Essa definição deve considerar o aparato legal existente, a Política Nacional do Esporte, o Relatório do I Fórum sobre o Sistema Nacional de Esporte e Lazer realizado pelo Ministério do Esporte.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer é uma articulação entre diversos agentes de forma plural e representativa contemplando todas as dimensões do esporte e do lazer, categorizados a partir de

sua atuação no sistema, sejam entidades e organizações de natureza diretamente relacionada ao esporte e ao lazer ou entidades e organizações de áreas afins, mas com participação no Sistema através de pactos, parcerias e colaboração. Estes agentes podem ser de caráter público, privado e do terceiro setor, organizados entre:

1 Gestores do Sistema: Ministério do Esporte, Secretarias Estaduais e Municipais de Esporte e Lazer, Conselhos de Esporte e Lazer, escolas, IES, tribunais de justiça desportiva, COB, CPB, CBDE, CBDU, ONED, Comissão Desportiva Militar do Brasil - CDMB, Serviços Sociais Autônomos, Confederações e Federações esportivas, entidades científicas, clubes esportivos sociais, ligas, associações esportivas, empresas privadas, Ongs, OSCIPS, cooperativas e consórcios públicos quando atuarem como promotoras da prática esportiva e de lazer.

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2 Trabalhadores do Sistema: profissionais da área de esporte e lazer, suas respectivas entidades de representação (associações profissionais, sindicatos e federações) e conselhos profissionais das profissões regulamentadas.

3 Usuários do Sistema: qualquer membro dasociedade (atletas, estudantes, idosos, crianças, jovens, adultos, pessoas com deficiência e pessoas com necessidades especiais, conselhos de direito (idosos, pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais e outros) e suas respectivas entidades de representação (entidades estudantis, sindicatos, ONGs, associações de moradores, sociedades agrícolas, associações agro-extrativistas, assentados da reforma agrária, associações de jovens, povos indígenas e quilombolas).

EIXO II – RECURSOS HUMANOS E FORMAÇÃO

Os recursos humanos do Sistema Nacional de Esporte e Lazer, com caráter multiprofissional e multidisciplinar, constituem-se de todas as pessoas que atuam na pesquisa, no planejamento, organização, coordenação, fomento, incentivo, mobilização, dinamização, promoção, divulgação, implementação e animação das atividades físicas, esportivas e de lazer Inclusas as oferecidas pelos esportes de aventura no chamado turismo de aventura, respeitando-se as características específicas de cada área de atuação e as diferenças regionais, seja na cidade ou no campo.

Devem ser definidas as diversas esferas de atuação dos profissionais de esporte e lazer (com formação superior em educação física, agentes comunitários de esporte e lazer, profissionais da saúde, comunicação, entre outros), indicando para cada área profissional as suas atribuições específicas e compartilhadas, o nível de formação e qualificação profissional exigida e a necessidade ou não de registro profissional, observando-se as legislações vigentes.

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Constituem âmbito de atuação da educação física as seguintes competências: coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, prescrever, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do esporte, exercidas por profissionais habilitados.

No Sistema Nacional do Esporte e Lazer, constitui-se Agente Comunitário de Esporte e Lazer, todo aquele que atua como mobilizador, aglutinador, organizador, animador, mediador, motivador e arregimentador das atividades físicas, esportivas e de lazer junto à comunidade, devendo estar qualificado para interagir com as demais áreas sociais e profissionais e com a cultura local.

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer, com base em diagnóstico de recursos humanos, deverá elaborar uma política de formação inicial e continuada, nos níveis básico, superior e pós-graduação, à distância, respeitando critérios econômicos e geográficos, e presencial, sob a orientação das Instituições de Ensino

Superior e envolvendo instituições gestoras, formadoras, científicas e comunitárias, ampliando e garantindo o acesso e a permanência ao ensino público, gratuito e de qualidade.

A política de formação dos recursos humanos do Sistema Nacional de Esporte e Lazer deverá preservar o caráter multiprofissional e multidisciplinar necessário para a universalização da prática do esporte e do lazer como direito de todos - desde a aprendizagem das práticas esportivas e recreativas até as de alto-rendimento nos aspectos do planejamento, execução e avaliação dando atenção especial ao esporte para pessoas com deficiência e com necessidades especiais, ao idoso e às práticas de identidade cultural brasileiras e de outras nacionalidades, em consonância com a Política Nacional de Esporte -, observando os princípios éticos de inclusão, democratização e desenvolvimento humano e visando o projeto histórico de sociedade comprometido com a reversão do quadro de injustiça, exclusão e vulnerabilidade social.

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A política de formação dos recursos humanos, observando o que prevê o Conselho Nacional de Educação, deverá promover a formação permanente e continuada, garantindo:

A A descentralização do processo com a participação de todos os municípios, estados e União, respeitando suas esferas de atuação;

B A qualificação da formação com currículos ampliados, que atendam às realidades locais, e estágios curriculares;

C A qualidade da infra-estrutura necessária à produção e difusão de conhecimento, como laboratórios, bibliotecas, material instrucional, centros de pesquisa, ginásios, quadras esportivas e outros implementos necessários ao funcionamento do Sistema;

D Programas de incentivo à capacitação profissional de todos os envolvidos no sistema

EIXO III - GESTÃO E CONTROLE SOCIAL

O Sistema Nacional de Esporte e Lazer tem por princípio a gestão democrática da esfera pública, objetivando o exercício pleno da cidadania, por meio da participação e da inclusão social, valorizando:

A A transparência na gestão dos recursos financeiros e a priorização de sua utilização em políticas sociais e inclusivas.

B A promoção do esporte educacional, de alto rendimento e de participação objetivando a formação integral do cidadão;

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C As gestões que se dão por meio de Conselhos, Conferências, Fóruns e Câmaras Setoriais, entre outros, garantindo, assim, a participação popular;

D D A gestão descentralizada, inclusive das estruturas físicas, materiais e de serviços, promovendo, dessa maneira, a diversificação do atendimento e a adequação desses às diversas situações concretas e aos interesses no âmbito da prática do esporte e do lazer;

E A colaboração e comprometimento entre Municípios, Estados, Distrito Federal e a União;

F Estabelecimento de parcerias técnicas e financeiras, convênios, consórcios e cooperações entre as três esferas governamentais, com a iniciativa privada e com o terceiro setor, a fim de viabilizar ações que estimulem e promovam o esporte e o lazer.

Tais parcerias, convênios e cooperações deverão apontar para políticas intersetoriais, integrando o trabalho de equipes multidisciplinares e interdisciplinares, com as áreas da educação,

saúde, cultura, turismo, meio ambiente, assistência social, entre outras. Devem promover a elaboração e gestão de programas e projetos de esporte e lazer, bem como para a construção, revitalização e manutenção de espaços e equipamentos, além de subsidiar a formulação dos planos diretores municipais, adequando-os ao Sistema Nacional de Esporte e Lazer, na perspectiva do exercício pleno da cidadania e da inclusão social;"

G A qualificação e a atualização permanente dos gestores, profissionais e agentes do sistema, levando-se em conta as diversas manifestações culturais esportivas e de lazer de nosso povo, bem como suas modificações históricas;

H A coleta, organização, sistematização e socialização da documentação sobre a informação esportiva e de lazer, com especial atenção para a divulgação do calendário de eventos que

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abordam o caráter multicultural e diversidade étnica e geográfica brasileira;

I O caráter multiprofissional, multidisciplinar e interdisciplinar do esporte e do lazer;

J A participação e a criatividade popular nas manifestações esportivas e de lazer.

Estruturar uma política de implementação e co-gestão de infra-estrutura esportiva e de lazer, com a participação do poder público - nas suas três esferas -, da iniciativa privada e do terceiro setor, com preocupação, principalmente, na preservação de espaços físicos nos municípios brasileiros para a construção de equipamentos e instalações esportivas, de lazer e parques; levando-se em conta as proporcionalidades demográficas e as potencialidades regionais, visando:

A Identificação, democratização, otimização e modernização do uso dos espaços existentes;

B A descentralização na construção de novos espaços, corrigindo desigualdades históricas entre as regiões;

C A garantia do acesso à prática esportiva e de lazer em todas as suas dimensões, em especial às pessoas com deficiência, pessoas com necessidades especiais e outros, independentemente de gênero e etnias, com apoio/suporte de profissionais especializados quando se fizer necessário.

A gestão das entidades de administração e prática esportiva (confederações, federações, ligas, clubes e associações) deve ser pautada em mecanismos democráticos e transparentes que garantam a participação.

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Para a garantia da gestão democrática e transparente, tais entidades devem estabelecer eleições diretas de seus dirigentes, com tempo de gestão definida, garantindo a possibilidade de voto aos presidentes de clubes e atletas federados (com, pelo menos, um ano de filiação), assim como prestar contas, em audiências públicas anuais, dos recursos públicos recebidos, administrados e utilizados por estas entidades.

Prever e garantir legalmente, nos âmbitos Municipal, Estadual e Federal, a realização de Fóruns periódicos e Conferências bienais realizadas em anos ímpares que abordem as temáticas do Esporte e do Lazer para analisar e discutir as Políticas Públicas do setor, ampliar o controle social sobre elas e apontar diretrizes que as orientem. Tais conferências deverão ser viabilizadas com recursos financeiros das três esferas acima mencionadas e a participação dos delegados nas etapas Estadual e Nacional ficará condicionada a eleição dos mesmos na etapa municipal e/ou regional.

As Secretarias - e/ou outros órgãos vinculados ao campo do esporte e do lazer - implantadas, nas três esferas de governo, quanto à gestão, deverão:

A Garantir, por meio de concursos públicos, espaço para profissionais de educação física e demais trabalhadores do esporte e do lazer, em suas respectivas áreas de atuação, com plano de carreira definido;

B Desenvolver o esporte e o lazer em todas as suas dimensões, garantindo o acesso às pessoas com deficiência e idosos;

C Planejar e realizar eventos de esporte e lazer baseado em calendário aprovado junto aos respectivos conselhos, com a elaboração de relatórios que possam subsidiar e difundir futuros avanços, bem como a produção do conhecimento na área;

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D Garantir a interface setorial e transversal com outras áreas afins (saúde, educação, meio ambiente, turismo, cultura, segurança, entre outras);

E descentralizar o poder garantindo a representatividade dos segmentos comunitários e sociais, prioritariamente àqueles envolvidos com o esporte e com o lazer;

F Utilizar-se do planejamento participativo e fundar-se no controle social caracterizados pelo trabalho em conjunto com os conselhos de esporte, tanto no repasse de recursos quanto na construção da política, pautando-se no planejamento estratégico;

G Participar na construção e consolidação dos Planos Diretores Municipais.

Criação e implementação dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Esporte e de Lazer que serão órgãos de caráter, consultivo, deliberativo, normativo, propositivo, fiscalizador, controlador, orientador, gestor, e formulador de políticas públicas de esporte e lazer.

Quanto à natureza da composição, os Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Esporte e de Lazer serão compostos por agentes de todos os segmentos que compõem o Sistema Nacional de Esporte e Lazer com maioria de representantes da sociedade civil.

As atribuições dos Conselhos Nacional, Estadual e Municipal de Esportes e Lazer são aquelas em torno de:

A Participação na elaboração do PPA - Plano Plurianual para a destinação orçamentária de verbas, fiscalizando sua utilização para o esporte e lazer;

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B Definição de metas e desafios relacionados à construção de uma política pública de esporte e lazer, pautada no princípio da inclusão;

C Avaliação de projetos e programas de esporte e de lazer que compõem as políticas públicas de esporte e lazer;

D Identificação das demandas sociais esportivas e de lazer;

E Identificação das demandas sociais da atuação dos agentes do Esporte e Lazer;

F Acompanhamento e assessoramento da implementação dos projetos de esporte e lazer no espaço público e privado;

G Monitoramento, acompanhamento e prestação de contas na política de esporte e lazer;

H Realização das audiências públicas semestralmente;

I Estímulo à pesquisa sobre projetos e programas sociais do esporte e lazer;

J Atendimento ao princípio da promoção de políticas e ações intersetoriais;

K Realização de pesquisas diagnósticas sobre a viabilização de programas de metas físicas (construção de equipamentos);

L Promoção, capacitação e qualificação dos profissionais e agentes do sistema, levando em conta as diferenças regionais e culturais.

Criação de Fóruns permanentes, Encontros, Seminários e/ou Câmaras Setoriais, todas de caráter público e indicativo (inclusive ouvidorias públicas), com subsídios nas esferas municipal, estadual e federal, em articulação direta com Conselhos

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de Esporte e Lazer e com o Sistema Nacional de Esporte e Lazer, garantindo a participação de todos os agentes que compõem o Sistema Nacional de Esporte e Lazer, com interface setorial e regional. Tais Fóruns terão como atribuições:

A Elaboração, apresentação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas de esporte e lazer;

B O mapeamento das ações e estruturas;

C A criação de banco de dados, documentação e informatização;

D A formação e pesquisa em caráter multiprofissional e interdisciplinar (Assistência Social, Saúde, Educação, Trabalho e renda, Cultura, Transporte, entre outros),

E Audiências públicas com o envolvimento de todos os segmentos sociais, inclusive as pessoas com deficiência e pessoas com necessidades especiais.

Elaboração e implementação, nas três esferas de governo, de processos de diagnóstico - que deverão ser permanentemente atualizados - instituindo mecanismos - tais como as Câmaras Setoriais e as Audiências Públicas - a fim de garantir o aperfeiçoamento contínuo da gestão do esporte e do lazer. Tais Câmaras e Audiências Públicas deverão contar com a participação dos agentes que compõem o Sistema Nacional de Esporte e de Lazer a fim de, por um lado, propiciar a interação de suas diversas instâncias e, por outro lado, avaliar o perfil dos municípios, seus programas e projetos, identificando os principais problemas e suas potencialidades quanto à legislação, estrutura, recursos humanos, dotações orçamentárias, calendário e eventos.

Elaboração e institucionalização de instrumentos que agilizem e aprimorem as diversas ações de acompanhamento, análise e avaliação dos investimentos financeiros na implementação de programas e projetos de esporte e de lazer

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(sítios, ouvidorias e disque-denúncia, entre outros mecanismos), a fim de garantir a transparência na elaboração e na execução dos programas que visam a atender as demandas sociais por esporte e lazer, principalmente, àqueles programas geridos por órgãos públicos e/ou entidades privadas que utilizam recursos públicos.

Criação, implementação e manutenção de um Sistema Nacional de Informação e Documentação em Esporte e Lazer a fim de fazer interagir organismos e redes nacionais e internacionais, governamentais e não governamentais (sítios, portais, bibliotecas virtuais, bancos de dados, museus, centros e institutos de pesquisa, universidades, secretarias estaduais e municipais, entre outras.) visando subsidiar a pesquisa e a formulação de programas e projetos, e o aperfeiçoamento contínuo da gestão em todas as instâncias do Sistema Nacional de Esporte e Lazer.

Realizar campanhas, a partir do Ministério do Esporte, que divulguem às empresas os benefícios das políticas de isenção fiscal, por meio de cartilhas simplificadas de orientação a serem distribuídas junto as entidades governamentais e não governamentais, clubes, escolas, associações e outras que atuarão na captação de recursos

para o financiamento de ações de esporte e lazer.

EIXO 4: FINANCIAMENTO

A autonomia orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o desenvolvimento das Políticas de Esporte e Lazer deverá ser garantida através da criação de Emenda Constitucional que institua a vinculação e destinação de um percentual mínimo da receita tributária (conforme dispõe a Constituição Federal, no caso da Educação).

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A vinculação e destinação do percentual mínimo serão de 1% e isonômicas nos três níveis de governo (Federal, Estadual, Distrital e Municipal)

A Lei que instituí a vinculação e destinação do percentual mínimo da receita resultante de impostos deverá prever a aplicação imediata dos percentuais estabelecidos.

As iniciativas de Incentivo Fiscal deverão ser fomentadas na perspectiva de atender, de forma eqüitativa, as demandas das diferentes dimensões de esporte e lazer.

Criação e manutenção de Fundos para financiar o desenvolvimento de políticas de esporte e lazer no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Criação, ampliação e revisão dos percentuais de distribuição e destinação de recursos provenientes de prognósticos, loterias e sorteios, oriundos das três esferas governamentais, a fim de garantir a equidade no atendimento das demandas das diferentes dimensões do esporte e lazer.

Criar leis de incentivos fiscais para o esporte e o lazer nos três níveis de governo, considerando como alternativas para elaboração destas Leis as seguintes fontes:

A) Percentual de Impostos IR - IRPF e IRPJ, ICMS, ISS, CIDE, Imposto de Telefonia, IPI, IPTU, CPMF, seguro obrigatório de veículos e PIB.

Regularizar e incentivar a captação de recursos de empresas (privadas e estatais) e organismos internacionais, estabelecendo parcerias público-privadas para o financiamento de políticas de esporte e lazer, patrocínio de federações, ligas e outras entidades esportivas e eventos, nos âmbitos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A utilização dos recursos federais, estaduais e municipais para implementação de políticas públicas deverá levar em conta a eqüidade entre as diferentes dimensões do esporte e lazer e na

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distribuição geográfica, contemplando as diferentes regiões do País, com prioridade para as regiões norte, nordeste e centro-oeste.

A utilização dos recursos federais, estaduais e municipais para a implementação de políticas públicas deverá priorizar Programas e Ações nas diferentes dimensões de esporte e lazer, tais como:

1 Programas de Inclusão Social;

2 Programa de promoção da Saúde;

3 Construção, reforma e adaptação (manutenção) de Infra-estrutura esportiva e de lazer (espaço físico e equipamentos).

4 Capacitação, atualização e especialização de Gestores e profissionais que atuam na área do Esporte e do Lazer;

5 Jogos Escolares e comunitários, em suas etapas Municipais, Estaduais, Regionais e Nacional

6 Construção do conhecimento, ciência e tecnologia do Esporte e Lazer, com o apoio na implantação, estruturação e manutenção de laboratórios de pesquisa científica;

7 Bolsa Atleta;

8 Paradesporto;

9 Programas de esporte e lazer voltados para grupos sociais historicamente marginalizados (indigenas, idosos, pessoas com deficiência e com necessidades especiais, quilombolas, ribeirinhos. Assentados da reforma agrária) oportunizem as manifestações particulares desses grupos;

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10 Esporte não-profisisional;

11 Esporte universitário;

12 Promoção e Fomento de Conferências, Fóruns, Seminários, Encontros Setoriais e outros;

13 Formação de Equipes representativas municipais, estaduais e nacionais;

14 Esporte de Criação Nacional e Identidade Cultural.

15 Bolsa Técnico/Treinador Esportivo.

Participação mais efetiva e direta dos municípios no desenvolvimento de políticas públicas de Esporte e Lazer, por meio de:

A Descentralização de recursos dos Programas e Ações Federais e Estaduais para os Municípios;

B Criação de Lei que permita o repasse de percentuais dos recursos do esporte, da União e do Estado, direto ao município, proporcionalmente ao número de habitantes;

C Democratização do acesso as verbas federais para construção de espaços físicos de esporte e lazer nos municípios, obedecendo a Lei de Acessibilidade;

D Criação de Programas e Fundos Municipais.

E Orientação de verbas diretamente aos municípios, proporcionalmente ao índice de FPM (Fundo de Participação Municipal) e ICMS;

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F Ampliação de percentual de repasse aos municípios das apostas de loteria esportiva e prognósticos, apontando o percentual de 1% do arrecadado no próprio município.

G Estimular a proposição de instrumento legal para regular a remessa diretamente aos municípios, dos recursos provenientes da Lei 10.264/01 - Agnelo Piva.

A Comissão Organizadora indica que os percentuais e agentes apresentados nas propostas sejam definidos no processo de revisão da Lei 10.264/01 - Agnelo Piva.

Necessidade de revisão da Loteria Esportiva, de forma que 50% do percentual previsto para o esporte e lazer, sejam destinados aos Municípios