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ATINGIDOS E BARRADOS As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

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ATINGIDOS E BARRADOS

As violações de direitos humanos na

hidrelétrica Candonga

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Rio de Janeiro e Ponte Nova, Novembro de 2004

ATINGIDOS E BARRADOS

As violações de direitos humanos na

hidrelétrica Candonga

CPT-MG NACAB

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Organização: Juliana Neves Barros e Marie-Eve Sylvestre

Edição e Revisão: Andressa Caldas, James Cavallaro, Sandra Carvalho

Equipe de Pesquisa: Andressa Caldas, Alexandre Firme -Vieira; Fannie Lafontaine; Flavia Aparecida Pereira;Felipe Prando; Jackeline Shull; Joao Inocêncio Filho; Juliana Neves Barros; Leonardo Pereira Rezende;Lincoln Ellis; Lindsay Lang; Luís Carlos de Alencar; Marie-Eve Sylvestre; Padre Antônio Claret; Patrícia Freitas;Renata Verônica Cortes de Lira, Sônia Maria Loschi; Sandra Carvalho

Capa: UHE Candonga, Quirino e outros passam por ela todos os dias para ir à roça. Foto de Felipe Prando

Fotos: Felipe Prando

Diagramação: Cláudio Gonzalez

Fotolito e Impressão: Raiz

Centro de JustiçaGlobalwww.global.org.brAv. N. Sra. deCopacabana,no 540/402CEP 22020-000Rio de Janeiro - RJBrasil

MAB - Movimentodos Atingidos [email protected].: (31) 38811019Praça Getúlio Vargas,nº 92, CentroPonte Nova - MGBrasil

CPT - ComissãoPastoral da Terra -Minas Geraiswww.cptnac.com.brTel.: ( 32) 3331-0183

8817-1431Rua José AdrianoSeverino, 133Barbacena – MGBrasil

NACAB - Núcleo deAssessoria àsComunidadesAtingidas [email protected]ça Getúlio Vargas,nº 92, CentroPonte Nova - MGBrasil

NACAB

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Agradecimentos

Agradecemos a todos aqueles que forneceraminformações para este relatório e responderam àsnossas solicitações de entrevistas, às diversasorganizações parceiras e aos moradores etrabalhadores do antigo povoado de SãoSebastião do Soberbo, do povoado de Santana doDeserto e aos meeiros e garimpeiros de Rio Doce.

Em especial, agradecemos a Adelino Gonçalves,Adenilson Duarte, Adriana Lima, Afonso SemiãoMartins, Ana Pinto Ferreira dos Santos,Bernardo Cruz da Souza, Carlos Eduardo Gaio,Claudia d'Avila, Cláudio Gomes dos Santos,César Medeiros, Dejanira da Silva, Eva MarianaLuz, Franklin Rothman, Getúlio Teixeira, Héliode Paula Teixeira, Joana Martins, JoaquimBernardo Pereira, José Antônio dos Santos, JoséBarcelos da Silva, José de Paula Santos, JoséLana, José Ribeiro dos Santos, José RobertoPereira, José Santana, José Vicente Pena,Leontina da Silva Reis, Lino Ângelo da Silva,Márcia Aparecida Pinto Pereira , Maria FerreiraReis, Maria das Graças Neves, Maria dasGraças Reis, Maria Marta Correia, Maria Nobrede Oliveira, Maria Terra, Morel Queiroz, OndinaPinto Gomes, Osvaldo dos Santos, PauloHenrique Viana, Pedro Caetano dos Santos,Raimundo Ribeiro Filho, Rosângela FátimaFreitas, Rosiné Anadet Nel, Terezinha Íris PenaRibeiro.

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Colaboração e Fonte de Pesquisa

� Coalizão Rios Vivos��Conselho de Assistência Social de Minas Gerais��Comissão Mundial de Barragens��Comissão Pastoral da Terra��Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais��Polícia Civil de Minas Gerais, Delegacia de Ponte Nova��Frente Parlamentar em Defesa dos Atingidos por Barragens��Fundação do Meio Ambiente de Minas Gerais��Ministério Público de Minas Gerais��Ministério de Minas e Energia��Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens��Ordem dos Advogados do Brasil - seção Ponte Nova��Programa de Direitos Humanos da Universidade de Harvard��Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Ponte Nova��Universidade Federal de Viçosa

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APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO IConstrução de barragens e desenvolvimento sustentável nos países emdesenvolvimento

1. Conferências de Johannesburg e de Bonn: recuo do governo brasileiro2. Construção de barragens e produção de energia no Brasil

CAPÍTULO IIBreve panorama sobre o processo de licenciamento ambiental dehidrelétricas no Brasil e no Estado de Minas Gerais em particular

CAPÍTULO IIIO Caso Candonga

1. Os habitantes do Rio Doce: São Sebastião do Soberbo, Santana e redondezas2. O projeto da hidrelétrica no Rio Doce3. A negociação com as populações atingidas: pedras no meio do caminho?4. Impactos das negociações arbitrárias: o projeto que não poderia ter avançado...5. A aprovação da implementação de um Plano de Assistência Social não realizado6. A concessão da Licença de Operação da hidrelétrica Candonga7. Ações jurídicas: versos e reversos do interesse público8. A situação atual da população de Santana do Deserto, Nova Soberbo e dos meeiros e garimpeiros do Rio Doce

CAPÍTULO IVAs violações do Direito à Moradia Adequada e de outros direitosfundamentais no Caso Candonga

1. A proteção do direito à moradia adequada no direito internacional e brasileiro2. Violação de direitos conexos ao direito à moradia adequada

CAPÍTULO VResponsabilidade do Consórcio e do Poder Público Federal, Estadual eMunicipal

CAPÍTULO VIConsiderações finais/Recomendações

Sumário

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presente relatório é resultado de umtrabalho de pesquisa desenvolvido

em conjunto por: Centro de Justiça Glo-bal, Movimento dos Atingidos por Barra-gens (MAB - regional Ponte Nova, MinasGerais), Comissão Pastoral da Terra (CPT- regional Campo das Vertentes, Minas Ge-rais), Núcleo de Assessoria aos Atingidospor Barragens (NACAB) e Moradores eTrabalhadores Atingidos pela Usina Hidre-létrica de Candonga (UHE Candonga).

O documento apresentado tem comoobjetivo primordial registrar e dar visibili-dade às violações de direitos humanos so-fridas pelos moradores e trabalhadores doantigo povoado de São Sebastião do So-berbo (pertencente ao município de SantaCruz do Escalvado, Minas Gerais), do po-voado de Santana do Deserto (pertencenteao município de Rio Doce, Minas Gerais)e pelos meeiros e garimpeiros de Rio Do-ce, em decorrência da implantação da barra-gem Candonga. Este empreendimento é deresponsabilidade do consórcio formadopelas empresas Vale do Rio Doce e a mul-tinacional Alcan – Alumínios do Brasil.

Em sua estrutura, o relatório buscacontextualizar mundial e nacionalmente aquestão das barragens, destacando em par-

Apresentação

ticular a região da zona da mata mineiraonde se situa a UHE Candonga e onde setem evidenciado a formação de um con-glomerado de centrais hidrelétricas. Nessecenário internacional, suscita questiona-mentos sobre o papel exercido pelas em-presas multinacionais nos países em de-senvolvimento, que vêm explorar recursose atividades de forma não permitida emseus países de origem. Oferece-se ainda,nas páginas seguintes, um contraponto àreputação mundial de que goza a Alcancomo empresa comprometida com o de-senvolvimento socialmente responsável,inclusive colecionando uma série de prê-mios internacionais.

1 O caso Candonga,

ora relatado, é senão mais um outro lamen-tável empreendimento de uma empresaque, em Kashipur, na Índia, por exemplo,investiu na exploração de uma mina debauxita que ameaça deslocar 60.000 pes-soas, destruindo suas casas e culturas.

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Traçando um breve panorama sobre oprocesso de licenciamento das hidrelétri-cas em nosso país, o documento faz umhistórico descritivo das várias arbitrarieda-des praticadas pelo consórcio no decorrerde todo o processo de implantação da UHECandonga - que já dura cerca de seis anos.

1 Entre outros prêmios, a Alcan ganhou o Fortune World’s Most Admired Company, em 2004; o Corporate Knigths 1st Best CorporateCitizen e o Prêmio das Nações Unidas para Projeto Sustentável apresentado no dia 31de agosto, em Johannesburg, África do Sul. Tambémfoi selecionada para o Dow Jones Sustainability Worl Index em 2002 e 2003.2 Campanha Internacional “Alcan’t in India”: http://www.saanet.org/alcant/

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Ao lado disso, ressalta a conivência dasautoridades públicas brasileiras, que licen-ciaram e permitiram o avanço das diver-sas etapas sem que fossem cumpridas ascontrapartidas exigidas para reparação dosdanos à população atingida.

As informações encontradas nesse re-latório baseiam-se precipuamente na pes-quisa e na missão investigativa realizadapelo Centro de Justiça Global nos municí-pios de Santa Cruz do Escalvado, RioDoce, incluindo os povoados de São Se-bastião do Soberbo e Santana do Deserto,Ponte Nova e Belo Horizonte, entre os dias02 e 08 de junho e 24 e 26 de setembro de2004, provocada a partir de denúncias re-alizadas pelas organizações locais – tam-bém autoras do presente -, cuja contribui-ção foi fundamental para subsidiar o tra-balho de pesquisa. Foram entrevistadasautoridades locais, como promotores,juízes, policiais e outros servidores públi-cos do estado de Minas Gerais, em especi-al do Conselho de Política Ambiental(COPAM) e da Fundação Estadual do MeioAmbiente (FEAM). Foram registrados de-poimentos de membros de várias famíliasda velha São Sebastião do Soberbo e dodistrito de Santana do Deserto, meeiros egarimpeiros de rio Doce, representantes deassociações e líderes do movimento sociale também de representantes do consórcioCandonga.

No total, foram realizadas cerca de 30entrevistas e obtidas cópias de fotos, fitascassetes, documentos judiciais, relatóriopolicial, relatórios oficiais das autoridadespúblicas sobre a supervisão do projeto edocumentos sobre o processo de negocia-ção entre o Consórcio e as famílias.

Sob a perspectiva do respeito e da pro-moção dos direitos humanos reconhecidos

em diversos tratados internacionais dosquais o Brasil é signatário, incorporadostambém nos diplomas constitucionais einfraconstitucionais, aqui são expostas asviolações diretas ao direito à moradia ade-quada da população atingida e aos demaisdireitos que o integram, como o direito aomeio ambiente, à saúde, à dignidade dapessoa humana e ao trabalho. Espera-secom isso a responsabilização não só dosempreendedores, mas também do gover-no brasileiro nas esferas federal, estaduale municipal. A expectativa é de que, alémda imediata adoção das medidas necessá-rias para reparação dos direitos violados,haja uma mudança incisiva por parte dasautoridades governamentais nas políticasde desenvolvimento do setor energéticono país. Algumas destas medidas são pro-postas nas diversas recomendações traça-das nas consideraçõees finais do relatório.

Vale ressaltar que este relatório tratamais especificamente da situação dos po-voados de Soberbo e Santana do Desertopor terem sido estes os que foram visita-dos in loco pela equipe de pesquisa, lem-brando que outros pequenos núcleospopulacionais, como a Fazenda Marim-bondo, também foram atingidos pela UHECandonga. Os dramas populacionais daídecorrentes devem ser tomados como umexemplo do que se reproduz em tantosoutros lugares dessa mesma região minei-ra em específico, do nosso país e do mun-do, pretendendo contribuir para reflexõesmais de fundo sobre os altos custos hu-manos e ambientais pagos para implemen-tação de hidrelétricas.

Este relatório foi encaminhado aoRelator Especial da ONU (Organização dasNações Unidas) para o Direito à MoradiaAdequada, Miloon Kothari.

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s empresas Vale do Rio Doce eAlcan, reunidas através do consór-

cio Candonga, têm agido de forma abusiva,injusta e violenta com as comunidades afe-tadas pela barragem no Rio Doce desde oprocesso de negociação até à fase final deoperação do empreendimento.

Ao contrário do que afirma a Alcanem sua página eletrônica oficial, houvegrave falta de transparência no tratamen-to com as famílias e com o governo. Arelação de aproximação com as comuni-dades locais também foi traumática. Aabordagem para negociação, utilizando-se de mecanismos de forte pressão psico-lógica, provocou um alto nível de estressee ansiedade na população, e, em conse-quência, muitos problemas de saúde físi-ca e mental. Ao invés das promessas di-vulgadas nacional e internacionalmente -de implementar projetos econômicos emelhorar a vida das comunidades atingi-das -, o consórcio empreendedor só fezdespojar as famílias e os trabalhadores dassuas casas, terras e modos de vida tipica-mente rurais, e transferi-los, abruptamen-te, para uma nova cidade, na qual amar-gam a perda de seus referenciais sociais eculturais, e, o mais importante, suas for-mas de subsistência, sem quaisquer pers-pectivas de prosperidade econômica esocial e desenvolvimento profissional. Issosem mencionar a degradação das rique-zas naturais ostentadas pelo meio ambi-ente da zona da mata mineira.

Cientes de todos esses acontecimen-tos, alguns inclusive consignados oficial-mente em pareceres técnicos da FEAM(Fundação Estadual do Meio Ambiente),as autoridades brasileiras deveriam ter

Introdução

embargado de imediato o empreendimen-to. Mas, ao contrário disso, eximiram-sede suas funções fiscalizatórias e foramaltamente coniventes com as ações doconsórcio através das sucessivas aprova-ções de licenças. Dessa forma, as prefei-turas de Santa Cruz do Escalvado e RioDoce, o governo de Minas Gerais (sobre-tudo através da atuação do Conselho dePolítica Ambiental – COPAM e do Con-selho Estadual de Assistência Social –CEAS), o Tribunal de Justiça do Estadode Minas e o governo brasileiro falharamno exercício de suas atribuições constitu-cionais e legais e no seu dever de assegu-rar qualidade de vida e condições de mo-radia adequada à população, como deter-minado pelas convenções internacionaisdas quais o Estado brasileiro é signatário.

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

No dia 23 de junho de 2004, as em-presas do consórcio Candonga - contem-pladas como concessionárias na licitaçãoaberta pela Agência Nacional de EnergiaElétrica para aproveitamento parcial dopotencial hidrelétrico do Rio Doce - de-ram início ao enchimento do reservatóriocom o intuito de operar a usina até o finalde julho de 2004 (postergada para mea-dos de setembro).

Para o Consórcio, o funcionamento dabarragem é a concretização do projeto degeração de energia para seus própriosnegócios no Brasil. A Alcan, em particu-lar, que tem participação de 50% no Con-sórcio, terá garantia, a longo prazo, deabastecimento seguro para suas indústri-as de alumínio: enquanto produz somen-te 10% de sua própria energia atualmen-te, a expectativa da empresa é de estar pro-duzindo cerca de 60% no ano de 2007.

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Os empreendedores alcançaram a eta-pa de operação da barragem depois deterem passado por uma série de procedi-mentos legais e administrativos exigidos

pela legislação brasileira, que serão me-lhor discutidos nesse relatório. Algunsdesses requisitos foram satisfatoriamenteatendidos; outros, apenas parcialmente;muitos, no entanto, apresentaram proble-mas, gozaram de prorrogações sucessivase injustificadas de prazos e ainda não fo-ram cumpridos. Nesse caso, foi notável asérie de irregularidades ‘relevadas’ pelasautoridades brasileiras.

Em termos práticos, para as mais de150 famílias e trabalhadores que constitu-íam as comunidades ribeirinhas do Vale doRio Doce, sustentando-se e usufruindo dasriquezas naturais daquela região mineirahá cerca de 300 anos, ambientalmente in-tegradas, essa é a fase mais crítica e frus-trante de todos os seis anos de luta contrao Consórcio Candonga. A iminência deoperação (já está funcionando, pelo me-nos parcialmente) da barragem torna cadavez mais longínquas as possibilidades depreservação do rio, das suas heranças cul-turais e de seus sustentos econômicos esociais.

3Disponível no endereço eletrônico da Alcan Alumínio do Brasil: http://www.alcan.com.br/brazil/corporate/sitebrasil.nsf/winstitucional?openform&sitealcanbrasil&9institucio nal) &Hidreletricas

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Capítulo I

Construção de barragens e desenvolvimentosustentável nos países em desenvolvimento

odo dia, milhões de pessoas no mun-do são seriamente afetadas em seus

modos de subsistência, suas culturas e nodireito à moradia adequada em decorrên-cia da construção de barragens.

4 Sob a

justificativa de promoção do desenvolvi-mento, esses empreendimentos têm pro-vocado maior empobrecimento, degrada-ção do meio ambiente e violações de di-reitos humanos.

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A Comissão Mundial sobre Barragens– (CMB), uma comissão internacional,independente e multilateral, criada com ointuito de dirimir controvérsias associa-das à construção de barragens e proporsoluções, apresentou relatório final deseus trabalhos no dia 16 de novembro de2000. Nesse, conclui que, enquanto sejustifica a construção de barragens parafins de irrigação agrícola, uso domésticoou industrial, geração de energia elétricaou controle de inundações, o que elas têmgerado é cada vez menos riqueza, menosterras irrigadas e servido menos água queo projetado. Mais importante: a constru-ção de barragens tem provocado signifi-cativos impactos sobre os meios de sub-

sistência de comunidades inteiras e sobreo meio ambiente.

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O relatório revelou ainda que, enquan-to as grandes hidroelétricas foram consi-deradas entre as décadas de 50 até finalde 80 como a forma mais viável de pro-dução de energia renovável, a baixo cus-to, que ajudaria no avanço tecnológico,hoje tais projetos são cada vez mais con-testados em virtude do incremento doconhecimento humano e da expansão dasexperiências, como o desenvolvimento denovas tecnologias e a mudança para umprocesso de tomada de decisões mais aber-to, participativo e transparente.

A CMB mostrou que as barragens têmgerado importantes efeitos destruidoressobre o meio ambiente, alterando e mo-dificando o fluxo dos rios, mudando cer-ca de 46% das vidas aquáticas originaispelo mundo.

7 Também têm afetado a

acessibilidade à água potável: estima-seque cerca de 0,5% a 1% do total da capa-cidade de armazenamento de água dasbarragens existentes é perdida a cada anopara sedimentação em pequenos e gran-des reservatórios pelo mundo, o que sig-

4 Consideram-se grandes barragens em geral aquelas com altura de 15 metros ou mais a partir da fundação e com uma capacidade de reservade mais de três milhões de metros cúbicos.

5 Conforme a página eletrônica do International Rivers Network: http://www.irc.org/basics/ard/

6 Relatório “Barragens e Desenvolvimento – Um Novo Modelo para Tomada de Decisões”, Comissão Mundial de Barragens, 16 denovembro de 2000, disponível em: http://www.dams.org

7 Relatório “Barragens e Desenvolvimento – Um Novo Modelo para Tomada de Decisões”, Comissão Mundial de Barragens, 16 denovembro de 2000, disponível em: http://www.dams.org

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nifica que 25% do potencial de água po-tável existente no mundo pode ser perdi-do nos próximos 25 a 50 anos se não hou-ver controle da sedimentação (os paísesem desenvolvimento podem ser mais afe-tados em virtude de sofrerem altos níveisde sedimentação).

8 A diversidade das

espécies de peixes também é comprome-tida: pelo menos 20% das espécies mun-diais, mais de 9000 peixes de água doce,têm sido extintos, ameaçados ou coloca-dos em risco.

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Dentre os efeitos adversos sobre a po-pulação, o relatório enfatizou o desloca-mento de milhares de famílias, especial-mente de comunidades ribeirinhas que fi-cam à jusante das barragens, cujos meiosde subsistência e acesso aos recursos na-turais são afetados em graus variados pelaalteração do fluxo dos rios e fragmenta-ção do ecossistema. A estimativa é de quecerca de 40 a 80 milhões de pessoas nomundo já foram deslocadas pela constru-ção de grandes barragens.

10 Muitos não

foram reassentados, não receberam qual-quer indenização ou não a receberam deforma adequada.

11 Entre 1986 e 1993, cer-

ca de 3 milhões de pessoas foram deslo-cadas anualmente pelo início da constru-ção de uma média de 300 grandes barra-gens a cada ano.

12 Sociedades inteiras têm

perdido não só o acesso aos recursos na-turais, como tristemente presenciado a sub-mersão de suas heranças culturais juntocom os rios transformados pelas barragens.

Nos países em desenvolvimento, aconstrução de barragens traz outro aspectoperverso, que é o fato de raramente signi-ficar algum benefício para as comunida-des locais; antes é um presenteio dos seusrecursos naturais aos interesses estrangei-ros. Mais que isso: significa comprometi-mento dos direitos dos povos desses paí-ses mais pobres – que muitas vezes nemsequer têm energia em suas casas - parabenefício financeiro exclusivo das multi-nacionais. Observa-se que a maior partedas usinas hidrelétricas é voltada paraautoprodução de energia das maiores em-presas do planeta: alumínio, celulose, ci-mento, material elétrico, empreiteiras,mineração, agropecuárias, florestais, in-dústrias de transformação, que necessitamde oferta de energia barata e subsidiada,já que em seus países de origem não teri-am condições de produzir devido aos al-tos custos da energia, das matérias primase da mão-de-obra.

Ao contrário da propaganda que é fei-ta - de milhares de empregos gerados poressas usinas -, o que se tem após a con-clusão das obras de uma hidrelétrica é umacidade formada por trabalhadores daconstrução da usina que, sem emprego,passam a constituir uma nova comunida-de sem renda ou trabalho, dependente dosauxílios governamentais.Como as indús-trias estão cada vez mais automatizadas,os empregos diretos são pouquíssimos.Além disso, com a inundação das terras,

8 Comissão Mundial sobre Barragens, referindo-se a Keller A, Sakthivadivel R, seckler D, 2000, Water Scarcity and Role of Storage inDevelopment. Relatório de pesquisa 39, Colombo, International Water Management Institute.9 Relatório “Barragens e Desenvolvimento – Um Novo Modelo para Tomada de Decisões”, Comissão Mundial de Barragens, 16 de novembrode 2000, disponível em: http://www.dams.org10 Banco Mundial, 1996, Reassentamento e Desenvolvimento.Uma revisão financeira dos projetos envolvendo reassentamento involuntário.

1986-1993, Paper n 32, Environment Department Papers, Washington DC, Banco Mundial, Desenvolvimento Ambiental.11 Fox JA, Brown Dl, (eds)1998b, The Struggle for Accountability: The World Bank, NGO’s and Grassroots Movements, Cambridge,Massachusetts, MIT Press.12 Banco Mundial, 1996, p.77.

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Construção de barragens e desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento

retiram-se os meios de sobrevivência epossibilidades de sustentação de centenasde comunidades, e as indenizações, quan-do pagas, são baixíssimas.

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O caso da construção da hidrelétricade Candonga é somente um dos muitosexemplos de exploração dos países emdesenvolvimento pelas multinacionais. Aesse respeito, vale mencionar que, no Bra-sil, a empresa Alcan também é dona deuma importante indústria localizada a cer-ca de 100km do Vale do Rio Doce, no mu-nicípio de Ouro Preto, cuja sobrevivênciadepende da barragem do Rio Doce.

14 A

indústria de Ouro Preto utiliza-se de umprocesso de produção altamente poluentee que demanda vasto consumo energético.A emissão desses mesmos poluentes justi-ficou o fechamento de uma das indústriasda Alcan em Jonquiere, Quebec, Canadá,em fevereiro de 2004.

15

1. Conferências de Johannesburg ede Bonn: recuo do governo brasileiro

Essa realidade preocupante levou osparticipantes do Encontro Mundial sobreDesenvolvimento Sustentável, realizado em2002, na África do Sul, a assumirem a im-portância do desenvolvimento de recursosenergéticos renováveis e novas tecnologiascomo forma de cumprir importantes obje-tivos econômicos, sociais e ambientais noséculo 21. Reconheceu-se no Encontro queas fontes renováveis de energia são um

elemento crucial para realização do desen-volvimento sustentável e para a atenuaçãoda pobreza no mundo. Tendo em vista es-ses benefícios, os Estados Membros das Na-ções Unidas, comprometeram-se: “Comum senso de urgência, precisamosincrementar a partilha global das fontesrenováveis de energia com o objetivo decontribuir para o aumento da provisãototal de energia”.

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Nos debates e discussões direcionadaspara a adoção de uma agenda comum nosentido de atingir esses objetivos, o Brasil,juntamente com a Alemanha, assumiu na-quela ocasião uma posição de vanguarda.Através de seu representante, o ProfessorJosé Goldemberg - à época Secretário in-terino do Meio Ambiente - o Brasil apre-sentou em Johannesburg a proposta deaumentar os investimentos nas fontesrenováveis de energia que excluíssem osprojetos de grandes barragens, como o usoda energia eólica, da biomassa, da energiasolar, da corrente das marés, geotérmica ea construção de pequenas barragens

17.

Com essa proposta, o país convenceu maisde outras 100 nações do mundo a partici-par da Conferencia de Bonn, na Alema-nha, em 2004.

Infelizmente, no dia 04 de junho de2004, a Ministra de Minas e Energia doBrasil, Dilma Roussef, atuando como re-presentante dos países latino-americanose caribenhos, mudou completamente aorientação das discussões e anunciou que

13 “Ministra de Minas e Energia Dilma Roussef propõe o atropelamento da legislação ambiental”, Nota da AGAPAN, setembro de 2004,disponível na página http//www.agirazul.com.br/agapan/mmemani.htm14 Ottawa Citizen, Paul Mckay.15 Idem.16 “Recomendações políticas para as energias renováveis – Renovações 2004", documento apresentado na Conferência Internacional sobreEnergias Renováveis, Bonn, Alemanha, 04 de junho de 2004, pag. 5.17 Sobre a caracterização de uma hidrelétrica pelo tamanho, a Resolução 394 da ANEEL, de 04/12/98 estabelece que os aproveitamentos comcaracterísticas de Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCH são aqueles que têm potência entre 1 e 30 MW e área inundada de até 3,0 km², o quesignifica 300 hectares ou 3.000.000 m²

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as grandes hidrelétricas deveriam ser con-sideradas energias renováveis. Posterior-mente, em julho, ela reforçou o posiciona-mento de que o desenvolvimento futuroestá vinculado a investimentos na cons-trução de grandes barragens.

18

À luz do caso Candonga e outros si-milares, tais declarações são extremamen-te preocupantes, pois revelam senão a pre-ocupação menor do governo brasileirocom os impactos sociais, econômicos eambientais provocados pelas barragens nopaís.

2 . A construção de barragens eprodução de energia no Brasil

O Brasil possui um dos recursos na-turais mais ricos do mundo em água docee um dos maiores potenciais hidrelétri-cos.

19 Existem aproximadamente 2000

barragens no país. Entre as 625 barragensem operação, 139 possuem um potencialenergético de mais de 30MW. De acordocom o Movimento Nacional dos Atingi-dos por Barragens (MAB), 1 milhão depessoas no Brasil já foram expulsas desuas terras por causa da construção debarragens, e 70% das famílias expulsasnão receberam qualquer tipo de repara-ção. Ainda de acordo com o MAB, maisde 32 mil quilômetros quadrados de terra

fértil já foram inundados pela criação dosreservatórios.

20

Apesar do discurso de que a fonte hí-drica (barragem) é a forma mais econômi-ca de gerar energia no Brasil e de mais de90% da nossa energia vir desta fonte, paga-se aqui um preço maior pela luz do queem muitos outros países da Europa: a ener-gia elétrica sai das usinas geradoras poruma média de 70 a 100 reais o MW (Mega-watt - Mil Kilowatts) e chega nas casas dosmoradores das cidades a um preço de 400reais o MW.

21 Dados apontam que exis-

tem cerca de 5 milhões de residências semacesso à energia no Brasil, o que equivalea mais de 20.000.000 de habitantes.

22

Por outro lado, o BNDES – BancoNacional de Desenvolvimento, do Gover-no Federal, é um dos maiores responsá-veis pelo financiamento das empresas,cujo faturamento com a geração de ener-gia em 2003 foi de R$18 bilhões e de 30bilhões na distribuição. A ALCOA, multi-nacional norte-americana, há 20 anos re-cebe mais de 200 milhões de dólares desubsídio por ano através de duas empre-sas de exportação de alumínio na Ama-zônia (Albrás e Alumar).

23

A Companhia Vale do Rio Doce, umadas integrantes do consórcio Candonga, játem quatro usinas no país. Outras duas se-rão inauguradas até o fim do ano, entre es-

18 Dilma Roussef, A opção pelas hidrelétricas, Jornal O Globo, 19 de julho de 2004.19 Comissão Mundial sobre Barragens, “Barragens e Desenvolvimento – uma nova estrutura para a tomada de decisão”, 16 de novembro de 2000,Quadro 1.3, citado por GLEICK P.H., a Água no Mundo: Relatório Bienal sobre os recursos de água doce, Washington DC, Island Press, 1998.20 Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens, “Dossiê sobre a ditadura contra as populações atingidas por barragens e o aumento dapobreza no Brasil” (www.mabnacional.org.br/textos/dossie1.htm)21 Dados do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens. Segundo ALVES FILHO (2003:99) “...as tarifas que eram cobradas em 2001pela Light no Rio, eram equivalentes a US$ 100 KWh, sendo bem maiores do que os US$ 75 KWh que ela cobrava em Paris na época. Com umdado relevante: enquanto no Brasil ela comprava o KWh em Furnas (ainda estatal) a US$ 23 e vendia a US$ 100 aos consumidores do Rio, naFrança ela comprava o KWh bem mais caro, porque gerado por energia nuclear. Detalhe importante: a renda per capita do francês é de US$24.900,00, enquanto a do brasileiro é de apenas US$ 3.229,00".22Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens, “Dossiê sobre a ditadura contra as populações atingidas por barragens e o aumento dapobreza no Brasil” (www.mabnacional.org.br/textos/dossie1.htm)23 Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens, “Dossiê sobre a ditadura contra as populações atingidas por barragens e o aumento dapobreza no Brasil” (www.mabnacional.org.br/textos/dossie1.htm )

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sas a UHE Candonga, e mais duas estãoem construção. Informações trazidas pelopresidente da empresa, Roger Agnelli, in-dicam que a empresa deverá investir aindaesse ano 100 milhões de dólares em gera-ção de energia para uso da própria empre-sa, que já consome cerca de 5% do totalde energia produzida em todo o país.

24 O

descaso da empresa com as questões soci-ais e ambientais é tamanho que, admitiu opróprio Roger Agnelli, ter conversado pes-soalmente com o Presidente do Brasil, LuizInácio Lula da Silva, sobre a existência dealguns “gargalos” – forma pejorativa a quese referiu às medidas mitigadoras exigidaspela lei – que dificultam os investimentos,tais como a demora na concessão de li-cenças ambientais para a construção deusinas de energia.

25

Para as populações locais, como é usu-al, outros são os resultados. Na hidrelétri-ca Tucuruí (Rio Tocantins, estado do Pará),por exemplo, o Brasil gastou 10 bilhõesde dólares (recursos que não tinha e ficoudevendo), inundou mais de 2.000 quilô-metros quadrados de florestas e prejudi-cou índios e populações locais, para pro-duzir energia elétrica fornecida a preçosubsidiado a empresas transnacionais queindustrializam alumínio para exportação.

26

No total, mais de 30000 pessoas foramexpulsas. Após 20 anos de fechamento dolago, mais de 6500 pessoas, por não teremaonde ir, tiveram que se abrigar nas pe-

quenas ilhas formadas pelo lago. Toda essapopulação não tem acesso à luz elétrica evive em condições de extrema pobreza porcausa da obra.

27

Nas barragens de Castanhão, no Cea-rá e Acauã, na Paraíba, mais de 800 famí-lias foram expulsas pelo enchimento doslagos. Como as barragens foram concluí-das e as questões sociais não foram resol-vidas, as famílias acabaram perdendotudo, tiveram que sair às pressas e estãomorando de favor nas casas de vizinhos,amigos ou em órgãos públicos.

28

Em Rondônia, o grupo Cassol cons-truiu várias pequenas centrais hidrelétri-cas e desviou o rio Branco, em torno doqual moram cerca de 2000 indígenas, em14 aldeias. O rio secou e pôs fim ao úni-co meio de transporte das comunidades etambém sua fonte de alimentação.

29

Outro ponto importante a se frisar dizrespeito ao subaproveitamento e abando-no das barragens já existentes. Milhões dereais já foram gastos com a construção degrandes barragens que, pela falta de cui-dado e manutenção, acabaram sendo inu-tilizadas. Exemplos de desastres como oocorrido recentemente em Alagoa Gran-de, na Paraíba, onde o rompimento da bar-ragem Camará deixou mais de cinco mildesabrigados e provocou mortes de pes-soas, são decorrentes da falta de zelo e fis-calização das autoridades públicas.

30

Segundo o MAB, cerca de 1.530 micro

24 “Mineração – Vale deverá investir este ano US$1,8 bilhão “ http://www.global21.com.br/materias/materia.asp?cod=4658&tipo=noticia25 idem26 Milaré, Edis. Direito do Ambiente, p. 279. Ed. Revista dos Tribunais, 2000.27 “Ditadura contra as populações atingidas por barragens”, Dossiê MAB, maio de 2004, Caderno de Formação nº 08, MAB28 idem29 Idem. Também noticiado na reportagem “Indígenas da Terra Rio Branco pedem ajuda contra hidrelétricas do grupo Cassol”, disponível noendereço eletrônico http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=263930 "Governador homologa decreto de calamidade pública em Alagoa grande”, Jornal O Norte, 02/08/2004, informação disponível em: http://www.jornalonorte.com.br/paraiba/?34498

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

barragens estão abandonadas ou não sesabe a respeito de suas condições.

31

2.1 As barragens em Minas Gerais

No estado de Minas Gerais, particu-larmente, a situação é alarmante, tendo seformado um conglomerado de centrais hi-drelétricas na região, com problemas mui-to semelhantes aos vistos no caso Can-donga. Cadastros do MAB apontam maisde 19 mil pessoas atingidas, mas os nú-meros devem ser maiores segundo os pró-prios coordenadores do movimento. Atéo final de 2006, em todo o Brasil outras100 mil famílias podem ser atingidas pe-las 50 barragens em construção e por 70projetos que devem se iniciar em breve.

32

A barragem de Fumaça, implantada norio Gualaxo do Sul pela empresa Alcan,nos municípios de Diogo de Vasconcelose Mariana, inundou aproximadamente 40jazidas de pedra, algumas enormes. De-poimentos das famílias dão conta de que odesastre ainda é maior do que o aparente,pois são 40 pedreiras afloradas, mas o po-tencial no subsolo é muito maior. O queera fonte de sobrevivência de quase du-zentos artesãos

33 e, pelo potencial estima-

do, tinha uma duração indeterminada -explorado em escala artesanal - foi tudoinundado pelas águas da barragem paragerar a “bagatela” de 10 Mw de energia e,o pior, exclusivamente para uso da empre-sa privada.

34

A barragem de Aimorés, em fase fi-nal de implantação no Leste de MinasGerais, do Consórcio Vale do Rio Doce e CEMIG (Companhia de Eletricidade doEstado de Minas Gerais) vai inundar porcompleto a cidade de Itueta. As mais de400 famílias começam a sentir os mes-mos problemas pelos quais passou a Co-munidade de São Sebastião do Soberbo:iniciou-se a pressão para a remoção paraa nova cidade, embora ela ainda estejainacabada. No ano passado, o consórcioVale/Cemig, num claro desrespeito à po-pulação e ao termo de compromisso assi-nado, queria antecipar a transposição dalinha do trem da Vale, o que significava aderrubada da Câmara Municipal, da Igre-ja Católica e de aproximadamente 20 ca-sas do município de Itueta. A cidade seriadestruída “antes da hora”. O povo reagiue não permitiu que isso acontecesse. Lo-calizada no remanso dessa barragem, acidade de Resplendor, dramaticamenteatingida, vive uma insegurança geral. Asempresas estão construindo casas de ape-nas 26 metros quadrados às margens dorio Doce para diversas famílias atingidas.

35

Nas barragens de Emboque e Grana-da, implantadas pela empresa CompanhiaForça e Luz Cataguases Leopoldina no rioMatipó, municípios de Raul Soares e AbreCampo, os desastres também foram enor-mes. O povoado de Granada, com apro-ximadamente 300 famílias, supostamen-te não seria atingido pela barragem e,

31 “Ditadura contra as populações atingidas por barragens”, Dossiê MAB, maio de 2004, Caderno de Formação nº 08, MAB32 Notícia disponível na página eletrônica http://www.cedefes.org.br/noticia.asp?acao=leitura&imateri=LDE11, 29/06/200433 As comunidades de Barro Branco, Magalhães e outras, localizadas no município de Mariana, são ricas em pedra sabão, com a qual se fabricampanelas e inúmeros outros objetos de forma artesanal. Essa atividade existe na região há mais de duzentos anos, estando incorporada à culturalocal. É comum nas casas se ver o que chamam de torno, onde beneficiam o produto. Numa mistura de muita habilidade com arte, a pedra bruta vaitomando forma.34 Dados fornecidos pelo Padre Claret em texto enviado por email à equipe do Centro de Justiça Global no dia 25 de agosto de 2004.35 Idem

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quando o lago encheu, a água ficou bei-rando os quintais das casas. Há seis anosas famílias estão convivendo com essasituação. No remanso dessa mesma bar-ragem, à margem da estrada que dá aces-so ao povoado de Bicuíba, 04 famíliasestão morando em área de risco - um bar-ranco a 5 metros do lago. A despeito dasdiversas vistorias da FEAM (FundaçãoEstadual do Meio Ambiente) e da confir-mação dos fatos narrados, a hidrelétricade Emboque está em operação desde 1998e até hoje o problema não foi resolvido.

36

Na usina de Irapé, a mais alta do Bra-

sil, localizada no Vale do Jequitinhonha,mais de 1200 famílias (cerca de 5000 atin-gidos) até o momento não foram reassen-tadas.

37

O lazer das comunidades vizinhas emesmo dos municípios da região mineirafoi duramente afetado também por essasbarragens. A barragem de Granada dei-xou apenas um “fio d´água” da Cachoei-ra da Fumaça. A barragem de Emboqueinundou a Cachoeira da Praia. De acordocom as famílias, em alguns finais de se-mana, mais de 300 pessoas frequentavamcada uma das cachoeiras.

38

36 Idem37 “Ministra de Minas e Energia Dilma Roussef propõe o atropelamento da legislação ambiental” http://agiraazul.com.br/agapan/mmemani.htm38 Idem

Construção de barragens e desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

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Capítulo II

Breve panorama sobre o processo delicenciamento ambiental de hidrelétricas no Brasile no Estado de Minas Gerais em particular

direito ao meio ambiente sadio e se-guro é primeiramente garantido naConstituição da República Federa-

tiva do Brasil, no artigo 225, caput: Todostêm direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida,impondo-se ao Poder Público e à coletivi-dade o dever de defendê-lo e preservá-lopara as presentes e futuras gerações.

39 A

Lei de Política Nacional do Meio Ambien-te (Lei nº 6938/81) determina que “qual-quer construção, instalação e ampliaçãode atividades utilizadoras de recursosambientais, considerados efetiva e poten-cialmente poluidores, bem como os capa-zes, sob qualquer forma, de causar degra-dação ambiental, dependerão de préviolicenciamento do órgão estadual compe-tente, integrante do Sistema Nacional deMeio Ambiente – SISNAMA e do InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e RecursosNaturais Renováveis – IBAMA, em cará-ter supletivo, sem prejuízo de outras licen-ças exigíveis.”

40

Na esfera federal, o processo de cons-trução de hidrelétricas se inicia com a aber-

tura de processo licitatório pela ANEEL(Agência Nacional de Energia Elétrica)para as empresas interessadas na comer-cialização de energia. Após a apresenta-ção das propostas e estudos e a divulga-ção do resultado da licitação, é assinado ocontrato de concessão, estabelecendo to-das as regras contratuais para as concessi-onárias contempladas.

Em paralelo, inicia-se, nos órgãosambientais competentes, o processo delicenciamento ambiental, que é compostode três fases, conforme decreto federal99274/90 e Resolução 237/97 do Conse-lho Nacional do Meio Ambiente – CONA-MA. A primeira fase refere-se à realizaçãoobrigatória do Estudo de ImpactoAmbiental – EIA – e do Relatório de Im-pacto Ambiental – RIMA. De fato, de acor-do com a resolução 001/86 do CONAMA,antes de empreender um projeto de hidre-létrica com potencial maior que 10MW, oempreendedor tem que preparar e apre-sentar o EIA e o RIMA às autoridades es-tatais e à Secretaria Nacional do MeioAmbiente (SEMA) para obter a aprova-ção.

41 Depois o EIA e o RIMA têm que

39 Constituição da República Federativa do Brasil, art 225, § 1o : Para assegurar a efetividade desse direito incumbe ao Poder Público: IV. exigir,na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio deimpacto ambiental, a que se dará publicidade;40 Lei federal n 6938/81, modificada pela Lei federal 7804/89, art. 10.41 Resolução 001/86 do CONAMA, art.2o : “Dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental– RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e de SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadorasdo meio ambiente, tas como: XI – usina de geração de eletricidade , qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10 MW.”

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

ser publicizados e apresentados à popu-lação através das audiências públicas, emconformidade com as normas regulamen-tares.

42 O RIMA é a versão mais sim-

plificada, em linguagem mais acessível, doEstudo de Impacto Ambiental, e é elabo-rado justamente com o objetivo de facili-tar a compreensão e a discussão com ascomunidades, possibilitando sua real par-ticipação no processo. Esses requisitos pre-liminares (EIA, RIMA e audiências públi-cas) são condicionantes para o requerimen-to da Licença Prévia que “contém requisi-tos básicos a serem atendidos nas fases delocalização, instalação e operação, obser-vados os planos municipais, estaduais oufederais de uso do solo”

43 e que aprova a

localização e concepção do projeto, ates-tando sua viabilidade ambiental.

44

Na segunda fase, o Plano de Contro-le Ambiental (PCA) é elaborado e sub-metido à análise e à aprovação das auto-ridades públicas para obtenção da Licen-ça de Instalação (LI) que “autoriza o iní-cio de implantação do empreendimen-to”, em conformidade com as especifica-ções do PCA.

45

Na terceira e última fase, a Licençade Operação é concedida ao empreende-dor. A Licença de Operação (LO) “auto-riza a operação da atividade ou empreen-dimento, após a verificação do efetivocumprimento do que consta nas licenças

anteriores, com as medidas de controle am-biental e condicionantes determinadas paraa operação”.

46

No caso de Minas Gerais, onde foi li-cenciada a operação da usina Candonga,o Conselho de Política Ambiental - CO-PAM

47, subordinado à Secretaria de Esta-

do do Meio Ambiente e DesenvolvimentoSustentável – SEMAD,

48 é o órgão ambien-

tal competente para decidir sobre todas asetapas do licenciamento, verificando suaconformidade com as normas regulamen-tares, e deliberar, em instância principal,sobre a concessão ou não dos pedidos delicenças ambientais. Para subsidiar as de-cisões do COPAM, tem-se a Fundação Es-tadual do Meio Ambiente - FEAM, tam-bém vinculada à SEMAD e integrante doSistema Nacional de Meio Ambiente. AFEAM é responsável pela elaboração depareceres, vistorias e estudos sobre os im-pactos ambientais de determinadas ativi-dades e fiscalização do cumprimento dalegislação de controle da degradação am-biental, aplicando penalidades se for o casoe submetendo suas conclusões para apre-ciação deliberativa do COPAM.

49 Além da

aprovação do processo de licenciamento,é exigida a aprovação pelo Conselho Es-tadual de Assistência Social de um Planode Assistencial Social voltado para as po-pulações afetadas diretamente pelo empre-endimento.

50

42 Resolução n 237/97 do CONAMA, art. 3o: “A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva e potencialmentecausadoras de significativa degradação do meio ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impactosobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo coma regulamentação”.43 Decreto 99274/90, art. 19.44 Resolução 237/97 do CONAMA, artigo 8o .45 Decreto 99274/90, art. 19 e resolução 237/97 do CONAMA, art. 8o, II.46 Decreto 99274/90, art. 19 e resolução 237/97 do CONAMA, art. 8o , III.47 Decreto estadual 39490, de 13 de março de 199848 Lei 11903, de 07/09/9549 Decreto 39.489, de 13 de março de 199850 Lei do Estado de Minas Gerais nº 12812, de 28 de abril de 1998.

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Breve panorama sobre o processo de licenciamento ambiental...

Em nível municipal, também há nor-mas e leis regulamentares a serem atendi-das para a construção da barragem, sobre-tudo no que tange aos efeitos que atingemo interesse local, como os impactos sobreuso e ordenamento do solo, aumento dademanda de serviços, reflexos no ambien-te local, entre outros.

Finalmente, vale lembrar que, na hi-pótese de nocividade do empreendimentoao ambiente, bem como de não cumpri-mento das condicionantes exigidas em li-cenças anteriores, tem o Estado o poder-dever de modificar, suspender ou cancelara licença.

51 Omitindo-se a Administração

Pública nesse poder-dever conferido pelolegislador, abre-se o ensejo para que o po-der judiciário, a pedido de qualquer legiti-mado, através de ação civil pública, ou dequalquer cidadão, através de ação popu-lar, determine a revisão ou invalidação dalicença. No caso de Candonga, por exem-plo, houve motivação para o ajuizamentode uma ação civil pública pelo Núcleo deAssessoria aos Atingidos por Barragens(NACAB) e chegou a haver embargo judi-cial da obra, através de uma decisão liminar,posteriormente revogada.

Para melhor compreensão, eis a sinop-se de todas as etapas do licenciamento:

a) Contrato de Concessão: emitidopela Agência Nacional de Energia Elétri-ca – ANEEL – autarquia vinculada aoMinistério das Minas e Energia;

b) Processo de licenciamento am-biental propriamente dito, que inclui:

1. Elaboração do Estudo de ImpactoAmbiental – EIA;

2. Relatório de Impacto Ambiental-RIMA;

3. Realização de audiências públicas;4. Obtenção da licença prévia;5. Produção do Plano de Controle

Ambiental – PCA;6. Obtenção de Licença de Instala-

ção;7. Plano de Assistência Social – PAS

-, sujeita à aprovação do Conselho Esta-dual de Assistência Social – CEAS;

8. Obtenção da Licença de operação– LO

c) Inexistência de impedimentos ju-diciais.

51 Resolução Conama nº 237/97, art 19: O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e asmedidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida, quando ocorrer: I – violação ou inadequação de quaisquercondicionantes ou normas legais; II – omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença; III-superveniência de graves riscos ambientais e de saúde”.

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Capítulo III

O Caso Candonga

1. Os habitantes do Rio Doce:São Sebastião do Soberbo,Santana do Deserto e redondezas

O Rio Doce atraiu em seu entorno di-versas comunidades rurais, que nele en-contraram meio de trabalho e de vida sau-dável por mais de 300 anos. Desenvolve-ram-se a partir do rio diversos povoados,alguns inclusive chegando a ser reconhe-cidos como municípios, a exemplo deSanta Cruz do Escalvado e Rio Doce.

Santa Cruz do Escalvado foi reconhe-cido como município, desmembrando-seda cidade de Ponte Nova, em 1991. Comisso aglutinou três distritos: o centro, odistrito de Zito Soares e o distrito de SãoSebastião do Soberbo

52, alcançando um

contingente populacional de 5380 pesso-as no ano 2000.

53 As principais ativida-

des econômicas ali estão relacionadas coma prática da agricultura, mineração e cria-ção de pequenos animais. As atividadesagrícolas em sua maioria são desenvolvi-das por pequenas unidades familiares,primordialmente para subsistência. Sãocultivados cana-de–açúcar, café, feijão e

milho. A criação de animais, concentradana área rural, consiste basicamente debovinos, suínos e aves de rapina. As ati-vidades de mineração relacionam-se coma extração de ouro, areia e pedras.

54

Dentre os distritos de Santa Cruz, foio povoado urbano e rural de São Sebasti-ão do Soberbo mais diretamente afetadopela barragem. Para se ter uma compre-ensão mais clara do que significou a cons-trução do empreendimento na localidade,deve-se fazer, antes, uma descrição sobrea vida de seus antigos habitantes.

1.1 A antiga São Sebastião do Soberbo

...”na verdade, na época da minhamãe, só se comprava querosenepara lamparina, sal para o tem-pero, fósforo e a soda cáusticapara fazer o sabão, mais nada”

55

A área urbana do antigo distrito de SãoSebastião do Soberbo (aqui denominado“velho Soberbo”) foi completamente inun-dada em julho de 2004, quando o reserva-tório começou a encher, deixando para trás

52 Universidade Federal de Viçosa, “Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador – DRPE”, realizado entre os dias 19 e 23 de janeiro de2004.53 Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador - DRPE, equipe da Universidade Federal de Viçosa, com referência a dados obtidos doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística

– IBGE, 2000.54 DRPE, com referência a dados obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2002.55 Entrevista com Maria das Graças Reis, no dia 05 de junho de 2004, em Novo Soberbo.

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

centenas de anos de história: “ Meu avô,descendente direto dos escravos, chegouaqui pela primeira vez, há mais de 200 anosatrás”, declarou uma das moradoras.

56

Podia-se encontrar na velha Soberboretratos típicos de um povoado do interiorbrasileiro: uma antiga Igreja Católica, duasigrejas evangelistas, um cemitério, umapraça pública com árvores e bancos, doisbares, uma mercearia, uma escola, correi-os, um posto de saúde e um campo de fu-tebol. Havia também ruas não pavimenta-das, casas e jardins.

57

Em sua maioria, os antigos 234 mora-dores do velho Soberbo

58 são de negros

ou pardos, com educação escolar primá-ria. Embora sejam de famílias pobres, to-dos são unânimes em reconhecer a quali-dade e garantia de vida que tinham: “quemtem rio, não morre de fome”.

59

Para melhor entendimento do modode vida dessas pessoas, emprestamo-nosaqui da descrição realizada pela equipede estudantes da Universidade Federal deViçosa, dentro do Diagnóstico RápidoParticipativo Emancipador elaborado jun-tamente com as famílias da velha Sober-bo entre os dias 19 e 23 de janeiro de2004. O objetivo desse era diagnosticar asituação econômica, social e cultural edesenvolver um projeto de reativação eco-nômica para subsidiar a transferência paraa “Nova Soberbo” - vila construída peloconsórcio Candonga para os moradores.

60

Em um dos momentos do encontro pro-movido pelos pesquisadores da Universi-dade, quando a equipe propôs aos mora-dores que tentassem redesenhar a velha So-berbo no chão, sintomaticamente começa-ram a fazer o traçado a partir do rio: “va-mos começar pelo rio e depois fazer o So-berbo em volta dele”.

61 Isso desde o iní-

cio deixava clara a importância do rio paraaquelas famílias e quantas possibilidadestrazia: pesca, extração de ouro e forneci-mento de água potável. A relação erasimbiótica: “…do rio, a gente tira tudo”;“…o rio é uma mãe pra gente”; “…o rio étudo! além do peixe e do ouro, retiramosainda a areia e o cascalho”.

62

De acordo com o relatório elaborado,havia quatro categorias de habitantes emSão Sebastião do Soberbo: os moradores,os garimpeiros, os meeiros e os pescado-res, a seguir descritas.

Moradores. A primeira categoria era ados moradores. A grande maioria das ca-sas de São Sebastião do Soberbo foiconstruída pelas próprias famílias. Os quin-tais eram bastante largos (entre 150 m

2 e

2000 m2), abertos (sem cercados) e ricos

em frutas e vegetais. A sra. Maria Ferreirados Santos (Mirene), 62 anos, lembra queo quintal de sua casa tinha mangas, laran-jas, batata doce, cenoura, couve mineira,feijão, lima, goiaba, tangerina, banana,cebola, salsa, etc

63. O que não podia ser

56 Entrevista com Maria das Graças Reis, 56 anos, no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo.57 Universidade Federal de Viçosa, “Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador

– DRPE”, realizado entre os dias 19 e 23 de janeiro de 200458 Relatório técnico da FEAM sobre requerimento de licença prévia, pág. 1259 Entrevista com a Sra. Leontina da Silva Reis, 92 anos, no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo.60 De acordo com o DRPE, 162 pessoas residentes participaram da reunião organizada pela equipe da Universidade no dia 22 de janeiro de 2004.61 DRPE, p.962 DRPE, p.33. Esses depoimentos foram consistentemente repetidos durante as entrevistas realizadas posteriormente pelo Centro de JustiçaGlobal.63 Depoimento de Maria Ferreira dos Santos à equipe do Centro de Justiça Global no dia 05 de junho de 2004.

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O Caso Candonga

encontrado no quintal de uma família po-dia ser conseguido nos quintais das casasvizinhas ou trocados na feira local. Trocasde produtos alimentares com os vizinhosfaziam parte da vida dos moradores.

64

Quando solicitados pelos pesquisado-res da Universidade de Viçosa para dis-correr sobre os diferentes meios de sub-sistência, os moradores insistiram na im-portância das frutas, dos vegetáveis e pe-quenos animais presentes nos quintaispara alimentação diária e segurança ali-mentar.

65 A grande maioria dos morado-

res possuía ao lado dos seus quintais ecasas uma porção de terra perto do rioonde criavam gado (para produção de lei-te ou corte) e outras plantações como mi-lho, feijão, cana-de-açúcar e café.

Garimpeiros. A segunda categoria re-feria-se aos garimpeiros. Os garimpeiroseram originalmente agricultores e costuma-vam escavar o ouro como um suplementodurante períodos de fartura (fofoca)

66 ou

durante a estiagem entre março e outubro:“quando está chovendo, plantamos e pes-camos; quando é verão, mergulhamos egarimpamos ouro.

67 A maior parte das

atividades de garimpo eram desenvolvidaspor mergulhadores que trabalhavam paraos donos de balsa (balseiros), responsá-veis pelo fornecimento de equipamentos.Os mergulhadores conseguiam extrair cer-ca de 70 a 80 gramas de ouro por dia. Aofinal do dia, ficavam com 40% do ouro e

repassavam 60% para os balseiros.68

Oouro então era vendido na cidade de Pon-te Nova ou na capital de Minas Gerais, BeloHorizonte.Um mergulhador chegava aganhar uma média de R$1500,00 por mêsdurante os períodos de pico.

Meeiros. A terceira categoria era a dosmeeiros. Havia mais de 20 meeiros na ve-lha Soberbo. Eles cultivavam na terra dosoutros e dividiam os produtos da colheita,ficando com metade e dando a outra me-tade para o dono da terra. Esse tipo de acor-do entre fazendeiros e colonos era bastan-te comum no local; cada proprietário deterra destinava cerca de 10 a 12 hectarespara esse tipo de atividade.

69

Pescadores. A última categoria referia-se aos pescadores. A pesca era central paraa segurança alimentar dos moradores davelha Soberbo e também como meio derenda. Como o Rio Doce possuía umagrande variedade de peixes, isso represen-tava recurso suficiente para uma alimenta-ção sadia. Os peixes eram diretamente con-sumidos pelas famílias dos pescadores ouentão vendidos para outros moradores.

70

Era mais abundante durante a estação secainiciada em março, quando os moradorestrabalhavam todo o dia até quinze dias nomês.

71Apenas se respeitava com todo ri-

gor o período da reprodução dos peixes -entre novembro e dezembro -, em que apesca era proibida.

64 DRPE, p. 19, 32.65 DRPE, p 19, 25 e 30: “os quintais constituem elemento fundamental na segurança alimentar”.66 DRPE, p. 22 e 42-43; entrevista com Bernardo Cruz Souza, 42 anos, garimpeiro, no dia 05 de junho de 2004.67 Entrevista com Maria Ferreira dos Santos, falando sobre seu pai, no dia 05 de junho de 2004 em Nova Soberbo.68 DRPE, p.22,32, 42-4369 DRPE, p. 4470 DRPE, p. 26 e 4571 DRPE, p. 32-33

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

1.2. Santana do Deserto

Localizado logo abaixo da construçãoda barragem, temos o povoado de Santanado Deserto, pertencente ao município deRio Doce e com aproximadamente 3 milhabitantes. As famílias ali também vivemda agricultura, criação de pequenos ani-mais, pesca e garimpo. Muitos trabalhamnas plantações de suas próprias terras. Osmoradores têm casas grandes, com quin-tais extensos, onde se encontram peque-nos animais, frutas e vegetais. Tambémtêm acesso ao rio Doce e compartilhamcom ele da mesma relação simbiótica queos moradores da velha Soberbo. Sendoum recurso de saúde e bens, os morado-res procuram cuidar e preservar o rio. ODistrito apresenta uma grande importân-cia religiosa na região do Vale do Rio Doce,principalmente por conta da festividadeda Festa de Nossa Senhora de Santana,celebrada anualmente no dia 26 de julhoatraindo mais de 4000 pessoas das cida-des próximas.

Apesar de viverem a poucos metrosda barragem e terem sofrido muitos pre-juízos em suas propriedades e ainda esta-rem ameaçadas de maiores violações noseu direito à moradia, as famílias deSantana não foram reconhecidas comoatingidas pelo consórcio e pelas autori-dades federais, estaduais e municipais.Vivem agora sob o manto do medo e daaflição: “a gente fica horrorizado com umtrem alto daqueles em cima da gente; te-mos mais de setenta casas aqui”, disse umdos moradores.

72

A seguir, discorreremos mais sobre osprejuízos específicos dessa comunidade.

2. O projeto da hidrelétrica no Rio Doce

2.1. O olhar especulativo: estudospreliminares e potencial energético do rio

A história das comunidades ribeiri-nhas do rio Doce (trecho entre os municí-pios de Santa Cruz do Escalvado e RioDoce) começou a mudar já entre os anos1996 e 1999, quando estudos ambientaisforam realizados para avaliar os impac-tos ambientais e sócio-econômicos de pro-jetos de hidroelétricas no rio. Em virtudede os estudos preliminares terem confir-mado seu alto potencial energético, mui-tos investidores – nacionais e internacio-nais - atraíram-se pela proposta.

Nesse tempo, foi a companhia Ener-gia Elétrica Promoção e Participações Ltda(EPP) – sócia no Consórcio Candonga quevenderia suas cotas para a canadense Alcanem 2001 - que participou dos diversos es-tágios do licenciamento junto ao Ministé-rio de Minas e Energia e à Secretaria deMeio Ambiente e Desenvolvimento Sus-tentável do Estado de Minas Gerais. A EPPcontratou a empresa de engenhariaTHEMAG, sob aprovação da ANEEL

73,

para produzir o Estudo de Impacto Am-biental e o Relatório de Impacto Ambiental,que concluiu pela viabilidade do projeto.

Nesse ponto, vale frisar que todo ocusteio de produção do EIA e do RIMAfoi de responsabilidade exclusiva do em-preendedor, ou seja, da EPP, como deter-

72 Depoimento do Sr. Adelino Gonçalves ao Centro de Justiça Global no dia 05 de junho de 2004, em Santana do Deserto.73 Regulamento nº 030/95, de 02 de março de 1995, referido no relatório de licença prévia da FEAM/DIENI, 045/99, páginas introdutórias.

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mina a lei, e assim, acabou por refletirmais a visão da empresa interessada noempreendimento do que a das comuni-dades atingidas ou do interesse público.

74

Mais que isso, como mostraremos adian-te, na supervisão realizada pela FEAM,observou-se que havia sérios erros e omis-sões na análise ambiental.

75

Por outro lado, refletindo os compro-missos assumidos pelo empreendedor du-rante as reuniões realizadas com as autori-dades locais, a EPP assinou um documen-to intitulado “UHE Candonga – Consoli-dação de Compromissos” com o prefeitode Santa Cruz do Escalvado no dia 09 deabril de 1999, que incluía medidas de res-peito aos direitos econômicos, culturais esociais da comunidade afetada e o estímu-lo ao desenvolvimento do trabalho

76. Mui-

tos desses compromissos nunca foram res-peitados.

2.2 A Concessão da Licença Prévia:inundando para capitalizar...

Após o preenchimento meramenteformal dos requisitos, principalmente noque tange à participação popular, a EPPprotocolou o pedido de licença préviapara construção de uma barragem compotencial energético de 95 MW.

No dia 19 de agosto de 1999, a FEAMconcluiu seu relatório técnico e recomen-dou a concessão da licença prévia medi-

ante a adoção de uma série de medidas econdicionantes antes da licença de insta-lação.

Vale destacar fatos interessantes conti-dos nesse parecer. O primeiro é que apon-ta a existência de uma outra alternativa paraconstrução da barragem que deixaria opovoado de Soberbo intacto, mas que iriarequerer maiores custos de investimento emenor potencial de geração de energia(29,07 US$ MWh contra 34,68 US$MWh).

77 Outro fato refere-se à explícita

demonstração do tipo de desastre ambien-tal que a futura barragem representaria paraa área afetada. Entre outros elementos, oparecer menciona (1) devastação florestal;(2) impactos no ciclo reprodutivo dos pei-xes que seriam de grande magnitude e al-tamente relevantes;

78 (3) a perda direta de

250 hectares de terra fértil incluindo o des-locamento compulsório de 19 proprietári-os rurais e impacto direto sobre outros 20;

79

(4) significativo impacto nas atividades eco-nômicas de agricultura, produção de leitee garimpagem; (5) modificações na deman-da pública por serviços de saúde, educa-ção, segurança e outras demandas sociais;e (6), os efeitos negativos do deslocamen-to compulsório das pessoas de São Sebas-tião do Soberbo, consignado na página 12do parecer técnico: “o deslocamento des-sa população urbana e a inundação dasede distrital de São Sebastião do Sober-bo podem significar de modo geral a per-

74 “Ministra de Minas e Energia Dilma Roussef propõe o atropelamento da legislação ambiental”, Nota da AGAPAN, setembro de 2004,disponível na página http//www.agirazul.com.br/agapan/mmemani.htm. “Com EIAs/RIMAs de péssima qualidade, os projetos são aprovadossob “pressão política” de empreendedores sobre gestores públicos e autoridades, ameaçando com desemprego ou retirada dos investimentosA nota destaca sobretudo a evidência dessa “pressão política” dentro do COPAM, em Minas Gerais.”75 Vide capítulo sobre garimpeiros e meeiros.76 O documento contém 65 itens e foi assinado em Santa Cruz do Escalvado no dia 09 de abril de 1999, por Wilson Sampaio Saade pela EPPe Luiz Cláudio Saraiva de Vasconcelos, prefeito de Santa Cruz do Escalvado.77 Idem, p. 0578 idem, p. 10-1179 idem, p. 12

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

da das relações existentes na comunida-de, a deterioração do nível de qualidadede vida das famílias locais e a modifica-ção do quadro político-administrativo domunicípio de Santa Cruz do Escalvado”.

80

Com base no parecer da FEAM, oCOPAM emitiu a licença prévia no dia 29de agosto de 1999, respaldando a opção,pouco racional, de localização do empre-endimento que implicaria , além de todosos desastres ambientais acima menciona-dos, a inundação do povoado de SãoSebastião do Soberbo.

81

2.3 A audiência pública -

“cheias de dúvidas e incertezas,as pessoas permaneceram em si-lêncio”

82

Em 2000, o Consórcio Candonga -mais para cumprir formalidade de praxeda lei do que garantir a participação daspessoas interessadas - divulgou a realiza-ção de uma audiência pública na IgrejaCatólica da velha Soberbo para apresenta-ção do projeto.

Segundo moradores, nesse dia a igre-ja ficou lotada de representantes do con-sórcio, do estado, das prefeituras e mem-bros da comunidade. Todo mundo queriasaber mais sobre o projeto que estava sen-do apresentado como um “presente dedeus”. No momento da explanação, en-tretanto, o recurso do tecnicismo afastoua capacidade de compreensão e de parti-cipação das pessoas. Apesar de muitos

ficarem com dúvidas a respeito dos be-nefícios que o projeto traria para eles, nin-guém disse uma palavra. Não houve umaúnica pergunta, somente um grande silên-cio.

83 A moradora Maria das Graças Reis

explicou o comportamento das pessoas:“As pessoas não votaram nem a favor nemcontra. Ninguém sabia como falar, o quedizer ou perguntar. Eles não compreendi-am o que significava aquilo tudo e fica-ram com medo de aparecerem como mal-educados na frente de um grupo tão ex-pressivo de pessoas”.

O silêncio das pessoas foi convenien-temente usado pelo consórcio como umapostura de aprovação e acolhimento daconstrução da barragem. Maria das Gra-ças Reis lembra o que seu tio avô lhe disseapós a audiência: “Eu entrei na Igreja mi-nha filha e tirei meu chapéu porque ali oSantíssimo estava exposto, mas tão logoos ouvi, coloquei meu chapéu de volta evirei as costas, porque vi que ali estavamvendendo nossa história”.

84

Muitos outros depoimentos refletiramo mesmo descontentamento, apontandoque a audiência pública voltou-se maispara selar um grande acordo entre as au-toridades municipais e os empresários doConsórcio do que para ouvir as dúvidas esugestões da população.

2.4 - Faturando os negócios: a cons-tituição do consórcio Candonga

No dia 16 de maio de 2000, as em-presas Vale do Rio Doce e EPP- Energia

80 idem, p. 1281 Parecer técnico DIENE/FEAM 045/99; processo COPAM 130/98/01/9882Depoimento de Maria das Graças Reis à equipe do Centro de Justiça Global no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo.83 Idem84 Idem

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O Caso Candonga

Elétrica Promoção e Participações Ltda,reuniram-se como consórcio Candonga,tendo cada empresa 50% da quota total.

85

Antes, as empresas já tinham apresenta-do conjuntamente o projeto da hidroelé-trica e obtido a “concessão para uso debem público para geração de energia elé-trica” por parte da Agência Nacional deEnergia Elétrica – ANEEL. A concessãofoi outorgada através do decreto presiden-cial de 10 de abril de 2000.

86

Logo após a assinatura do contrato deconcessão, as duas empresas reuniram-seoficialmente como Consórcio Candonga.No dia 18 de outubro de 2001, a empresaAlcan comprou a parte da EPP no con-sórcio (50%) pelo valor de U$7,05 mi-lhões

87 e, em 2003, transferiu essa cota-

parte para a Alcan Brasil.Para mensurar os mega interesses fi-

nanceiros envolvidos no projeto, basta di-zer que a Alcan é a maior produtora dealumínio do mundo. Em dezembro de2003, a empresa alcançou um valor de6,3 bilhões, superando a rival francesaPechiney SA. Essa operação dobrou o ta-manho da Alcan, criando cerca de 88000empregos em 66 países (incluindo 2600no Brasil) e um rendimento anual de 25bilhões de dólares. A Companhia Vale doRio Doce é uma das líderes mundiais na

produção de ferro e chumbo, a segundamaior produtora de manganês e ferro-alu-mínio, como também a maior em produ-ção logística. Está presente em treze esta-dos brasileiros e nos quatro continentes(América, Europa, África e Ásia).

88 Já a

Construtora OAS Ltda - como empreiteiraencarregada da construção da barrageme uma das mais importantes empresas bra-sileiras no setor da construção civil - pos-sui projetos em todos os estados brasilei-ros e tem cerca de 9000 empregados.

89

Em 1998, a empresa esteve envolvida numescândalo de evasão fiscal e corrupçãoque lhe implicou a autuação pelo Minis-tério da Fazenda por sonegação de maisde R$ 1,1 bilhão de reais em 1994.

90 No

projeto, o investimento total de ambos ossócios do Consórcio Candonga foi da or-dem de 110 milhões de dólares.

91

2.5. Avançando etapas: o Plano deControle Ambiental , o Plano de Assis-tência Social e a concessão da Licençade Instalação

Entre a emissão da Licença Prévia (LP)e da Licença de Instalação (LI), o projetoda hidrelétrica Candonga foi modificadono seu potencial de exploração de 95 MWpara 145 MW. Essa modificação também

85 Contrato constitutivo do consórcio Candonga, datado de 16 de maio de 2000 e registrado sob nº 33500014229 no cartório de registro dacidade do Rio de Janeiro.86 Decreto da Presidência da República de 10 de abril de 2000. O contrato de concessão entre o consórcio Candonga e a ANEEL foi assinadono dia 25 de maio de 2000 (contrato n 42/2000). Foi modificado por um primeiro aditivo contratual no dia 18 de junho de 2002 e um segundoaditivo no dia 24 de novembro de 2003.87 Aproximadamente 19,34 milhões de reais (calculado sobre o valor de 1 dólar correspondente a 2, 74 reais, em 18 de outubro de 2001). Valorconfirmado no ato de concentração nº 08012.007591/2003-70, Tesouro Nacional, Secretaria de Apoio Econômico, datado de 04 de dezembrode 2003.88 Página eletrônica da empresa: www.vale.com.br89 Página eletrônica da OAS: www.oas.com.br90 “Como 1 bilhão viraram R$ 25 milhões”, Revista Época, Edição 248, 17/02/2003, disponível em; http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993, EPT487384-1659,00.html91 “Primeira turbina de Candonga entra em operação nesta terça-feira, dia 24”, Canal Energia, 23/08/2004, disponível em: http://www.canalenergia.com.br/zpublisher/materias/Expansao.aspp?id=41375

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

passou pela aprovação da Agência Naci-onal de Energia Elétrica (ANEEL) e doCOPAM no dia 30 de março de 2001.

92

Para obter a Licença de Instalação, oconsórcio apresentou um Plano de Assis-tência Social que foi aprovado, ainda em2001, pelo Conselho Estadual de Assis-tência Social de Minas Gerais. Plano esse,veremos, que nunca chegou a ser efeti-vamente implementado.

Também como requisito obrigatóriopara obtenção da Licença, o Consórciocontratou as empresas DELPHI e Contor-no Engenheira e Arquitetura para elabo-rar o Plano de Controle Ambiental.

Em junho de 2001, a FEAM realizouparecer técnico atestando a conformidadedos Planos apresentados e recomendandoa concessão da Licença de Instalação

93

com uma série de condicionantes e prazosque precisariam ser cumpridos antes daLicença de Operação. A Licença foi con-cedida pela CIF/COPAM no dia 29 de ju-nho de 2001; as contrapartidas exigidas,entretanto, nunca foram satisfatoriamentecumpridas pelos empreendedores.

O Consórcio Candonga também assi-nou acordos com as municipalidades dePonte Nova, Rio Doce e Santa Cruz doEscalvado para compensar o aumentopopulacional decorrente do atrativo demão-de-obra do empreendimento, com-prometendo-se a investir em serviços desegurança, saúde, educação e outros ser-viços sociais.

94

3. A negociação com as populações atingidas: pedras no meio do caminho?

No percurso das etapas de licencia-mento, já em processo avançado de to-mada de decisões, teve início o processsode negociação entre o Consórcio Candon-ga e os moradores da velha Soberbo paraaquisição de faixas de terra para a cons-trução da usina Candonga. Encarado comoaspecto quase irrevelante numa política degoverno marcada por decisões tecnocrá-ticas, encerradas em gabinete, esse proces-so, veremos, foi bastante conturbado emarcado por truculências e injustiças querepercutem até o momento.

3.1.Abordagem do Consórcio sobreas famílias de São Sebastião do Soberbo

Procurando seduzir as famílias para oempreendimento, o consórcio implantouum escritório de negociação no povoadoe contratou uma equipe que tinha à frentedo comando o sr. Alaor Castro – “um ho-mem de grande poder persuasivo , commuita facilidade de comunicação”, afirma-ram os moradores.

95 O projeto foi apresen-

tado para a comunidade como sinônimode progresso e conhecimento, “eles disse-ram que a construção de uma barragempoderia trazer progresso para o município,gerando empregos e trazendo moderni-dade.

96 “Algumas vezes, podíamos ver téc-

nicos no rio, fazendo medições de sua in-

92Instruída no parecer técnico DIENE 009/200193 Parecer DIENE/FEAM 040/2001

94A título de informação, constatou-se que durante a construção da barragem, no pico das obras, 400 empregos diretos foramcriados e cerca de 1200 a 2000 pessoas foram indiretamente envolvidas no projeto.95 Entrevista do Padre Claret ao Centro de Justiça Global no dia 03 de junho de 2004 no escritório do MAB, Ponte Nova.96 Entrevista de Maria Ferreira dos Santos, 62 anos, ao Centro de Justiça Global no dia 05/06/2004, em sua casa na Nova Soberbo.

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O Caso Candonga

clinação e de seu potencial; eles contavamque o rio era bom pra fazer barragem por-que a água tinha muita pressão e por cau-sa do seu declive natural”.

97

Apesar de alguns moradores ainda fi-carem desconfiados com tanta propagan-da, todos afinal se sentiam instigados peloprojeto porque não sabiam que a velhaSoberbo ia ser destruída por conta disso.“Parece que ninguém sabia o que era umabarragem naquele tempo; eles nunca ti-nham ouvido falar sobre isto e não queri-am aparecer como contrários à mudançae ao progresso”, disse um morador.

98

Como estratégia de convencimento dapopulação sobre os benefícios que a bar-ragem traria, o consórcio organizou umagrande excursão para duas comunidadesque também tinham sido relocadas porbarragens: a UHE Fumaça e a UHE NovaPonte. Foi alugado um ônibus executivo,de alta classe, com lanche e bebidas. To-dos os entrevistados lembram da água mi-neral oferecida: “eles ofereceram garra-fas de água mineral que impressionarammuito os trabalhadores rurais”.

99 Entretan-

to, apesar do conforto oferecido, o retor-no das famílias dessa excursão foi bemsilencioso e ninguém pareceu contentecom o que viu. Isso porque, mesmo sobos olhares vigilantes da equipe do Con-sórcio, muitos tinham conversado maissorrateiramente com as famílias e ouvi-ram a verdadeira versão sobre a constru-ção das duas barragens: a série de pro-messas não cumpridas, com todas as de-cepções e perdas vivenciadas.

Após a volta dos visitantes, propalou-se muita conversa na velha Soberbo so-

bre os pontos negativos que tinham vistoe as pessoas começaram a se alertar parao discurso capcioso que estava sendoapresentado pelo consórcio.

Os primeiros anos de negociação –2001, 2002 - não foram muito frutíferospara o consórcio. Ninguém quis negociarou vender nada. Em termos gerais, foiofertada indenização em dinheiro ou tro-ca das casas e terras originais por outras.Aos moradores de São Sebastião do So-berbo, o consórcio prometeu que os ta-manhos das casas e quintais em NovaSoberbo seriam respeitados, assim comoas relações de vizinhança. Também afir-maram que os imóveis seriam construídossob a responsabilidade do consórcio eentregues já quitados.

Os moradores bem relataram a aborda-gem dos empreendedores:”os técnicos vi-nham, batiam nas portas das casas e volta-vam com o cadastro dando o valor do imó-vel. Eles mostravam um montante de pa-péis, números e diziam quanto seria dadoem troca da casa e da terra das pessoas.Quando os moradores não concordavam,eles voltavam com o cadastro e a avaliaçãorevisada”. É fácil imaginar que pratica-mente nenhum dos moradores foi capazde compreender esses números ou cálcu-los. Além disso, não tiveram participaçãoalguma ou qualquer tipo de assessoria téc-nica na avaliação das propriedades.

Ao contrário do que a Alcan afirma emsua página eletrônica, as negociações comas famílias nunca foram coletivas. Sob opretexto de se dirigir às necessidades es-peciais das famílias, o Consórcio insistiaem negociações individuais. Na verdade,

97 Idem.98Entrevista com José Antônio dos Santos, Bernardo Cruz da Souza e Maria da Graça Reis no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo.99 idem

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

os moradores não tinham qualquer meiode saber o valor da propriedade deles emcomparação com a dos seus vizinhos outinham qualquer poder de barganha sobreo consórcio. As importâncias alcançadasforam mínimas e em meio a uma total au-sência de critérios. Disparidades entre osvalores de propriedades idênticas foramencontradas em todo lugar: por exemplo,eles ofereceram R$ 27.000,00 para umadas maiores casas da velha Soberbo comum quintal cheio de árvores, frutas e ve-getais e R$55.000,00 por um pequeno pe-daço de terra sem casa construída ou qual-quer tipo de plantação.

100

3.2.A resistência dos atingidos Xpressão, ameaças e perseguições porparte do consórcio e do estado

Após a visita a outras comunidadesatingidas por barragens e com uma me-lhor compreensão sobre os impactos doprojeto sobre suas vidas, os moradorescomeçaram a se mobilizar para formaruma primeira associação a fim de prote-ger os seus direitos diante do consórcio.

De acordo com Maria das Graças Reis,uma moradora de 56 anos que vive comsua mãe D. Leontina, de 92 anos, numacasa arranjada pelo consórcio em NovaSoberbo e ainda está na expectativa de serindenizada pela perda da terra, o Consór-cio prontamente identificou as liderançasda comunidade e tentou lhes oferecer van-tagens em troca da colaboração deles: “amim mesmo, ofereceram operar uma la-vanderia e lavar as roupas dos trabalhado-

res das obras da barragem”.101

Segundo amoradora, o presidente da associação foium dos primeiros cooptados. Em troca depresentes e benefícios, acabou agindocomo um interlocutor dos interesses doconsórcio junto à comunidade.

Tendo em vista a falta de resultado ede satisfação com o trabalho da associa-ção, outros moradores começaram a searticular com movimentos já existentes,como o Movimento dos Atingidos porBarragens, por exemplo, e focos de resis-tência foram se formando, despontandoalgumas lideranças à frente.

À medida que o tempo avançava, ocontexto das negociações ficava cada vezmais tenso. Ameaças, mentiras,desinformação fizeram parte da vida diá-ria dos residentes. Muitas famílias relata-ram que tiveram de assinar os acordosporque ouviram dizer que suas proprie-dades tinham se tornado um bem de inte-resse público (o interesse público seriaprodução de energia para a produção dealumínio de empresas privadas) e que senão assinassem naquele momento, elesteriam que recorrer à justiça para discutirseus direitos e que receberiam muito me-nos ou coisa alguma.

102

Àqueles que não cediam aos argu-mentos falaciosos, a estratégia do consór-cio era partir para a violência mais direta.Maria das Graças Reis afirmou que rece-beu três telefonemas anônimos pedindopara ela deixar a associação de morado-res ou então morreria.

103 José Antônio dos

Santos, presidente da Associação de Mo-radores de Nova Soberbo, também disse

100 Entrevista de Maria das Graças Reis à equipe da Justiça Global no dia 05 de junho de 2004, Nova Soberbo, Minas Gerais.101 Idem102 Entrevista de Maria das Graças Reis, José Antônio, Maria Nobre de Oliveira, Joana Martins, Márcia Aparecida Pinto Pereira, Pedro Caetanodos Santos e Maria Marta Correia à equipe da Justiça Global nos dias 05 e 06 de junho de 2004, Nova Soberbo, Minas Gerais.103 Entrevista de Maria das Graças Reis à equipe da Justiça Global no dia 05 de junho de 2004, Nova Soberbo, Minas Gerais .

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O Caso Candonga

ter recebido telefonemas suspeitos em al-gumas circunstâncias.

104

Muitos ativistas sofreram persegui-ções e intimidações. Representantes doMAB, como o Padre Claret, por exemplo,e dos atingidos, respondem como réus emação judicial movida pelo Consórcio como objetivo de impedi-los de realizar qual-quer manifestação no campo de obras,sob acusação absurda de que atuam comoesbulhadores

105, quando, em verdade,

apenas exercem o direito de livre mani-festação do pensamento e mesmo o direi-to de resistência, legitimamente reconhe-cido em situações de opressão.

Vale mencionar o depoimento de An-tero Marcos, inspetor da Polícia Civil emPonte Nova, em que confessou ter sidoformalmente solicitado pela Secretaria deSegurança Pública de Minas Gerais parase encarregar do trabalho de identifica-ção de lideranças nas diversas mobiliza-ções realizadas: “a polícia civil só parti-cipou das reivindicações em 2003, obser-vando de longe e fazendo o trabalho deidentificação de lideranças. Eu mesmotirei fotos para identificar as pessoas en-volvidas”.

106 Fato este que revela o quão

os agentes estatais usurparam de suas fun-ções públicas para o exercício da “arapon-gagem”. Inadmissível, sob a ótica de umestado democrático, que o governo doEstado, através de sua secretaria de segu-rança pública, esteja envolvido com prá-ticas persecutórias e de espionagem con-tra defensores de direitos humanos.

3.3.O desaparecimento do moradorJoão Caetano

Dentre os episódios mais emblemáticosque marcaram as violações de direitoshumanos sobre os atingidos, encontra-sea situação vivenciada pelo morador JoãoCaetano dos Santos – obrigado a residirdentro do canteiiro de obras da barragem,com acesso a sua residência controladopelo consórcio – e desaparecido desde odia 09 de fevereiro de 2003 em estranhascircunstâncias, ainda não apuradas pelasautoridades.

João Caetano dos Santos, 57 anos,conhecido como “Gabundo”, morava so-zinho numa pequena casa na localidadeCórrego da Candonga, onde cultivavaplantações e cuidava de algumas cabeçasde gado. O terreno, herdado dos pais, per-tencia a ele e aos quatro irmãos, que lhecederam suas partes para usufruto e o aju-daram a construir a casa.

107

Em função da implantação da barra-gem, o consórcio conseguiu adquirir asáreas pertencentes aos irmãos de João Cae-tano, mas este não quis vender sua parte.Ofereceram-lhe então o valor de R$1500,00 para mudar seu lote para algunsmetros acima da localização do terreno afim de que a construção da barragem nãofosse obstruída. João Caetano aceitou aproposta, mas continuou a morar dentrodo canteiro de obras da hidrelétrica, cer-cado e cheio de máquinas transitando. Parapoder entrar ou sair de casa, João Caetano

104 Entrevista de José Antônio dos Santos à equipe da Justiça Global no dia 06 de junho de 2004, Nova Soberbo, Minas Gerais105 Ação de interdito proibitório nº052103022581-2, em trâmite na comarca de Ponte Nova.106 Depoimento do inspetor da Polícia Civil de Ponte Nova, Antero Marcos, á equipe do Centro de Justiça Global no dia 04 de junho de 2004.Na oportunidade, ele entregou às pesquisadoras do Centro de Justiça Global fotografias tiradas durante as mobilizações com o intuito deidentificar as lideranças.107 Entrevista de Pedro Caetano dos Santos à equipe do Centro de Justiça Global, em 06 de junho de 2004, Nova Soberbo.

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

acabou tendo que se submeter às normasdo Consórcio e passou a usar um cracháde identificação da empreiteira OAS, cons-trutora da obra. Com isso, teve seu direitode ir e vir tolhido, grosseiramente contro-lado em todos os seus passos pelos vigi-lantes da empreiteira que cuidavam daárea.

108

Há mais ou menos dois anos e meio,o casal José da Silva Bazola e Maria daSilva Bazola, juntamente com seus doisfilhos, foram trabalhar na obra. À época,a empreiteira OAS teria pedido a Joãoque hospedasse o casal, com o que omesmo, com sua natureza pacata e solíci-ta, prontamente concordou.

109 Com o tem-

po, a convivência da família com JoãoCaetano foi se tornando difícil e Joãopassou a reclamar constantemente parasua irmã, Luzia Egídia de Souza, dosmuitos conflitos com o casal, de que es-tava perdenddo sua privacidade e de quea esposa de José Bazola estava querendoimpor-lhe ordens na sua própria casa.

110

No dia 10 de fevereiro à noite, JoséBazola enviou um recado aos familiaresde João Caetano comunicando seu desa-parecimento.

111 José relatou que João

Caetano havia saído de casa na madruga-da do dia 09 de fevereiro de 2003, porvolta de 01 hora, com um cobertor ver-melho, reclamando de fortes dores naperna, dizendo que iria pescar e não maisretornou.

112

No dia 11 de fevereiro de 2003, osfamiliares registraram a ocorrência na 12

a

Delegacia de Polícia Regional de MinasGerais, unidade de Ponte Nova. À primei-ra vista, entretanto, as autoridades nãotomaram nenhuma medida para realizaras buscas do desaparecido.

Estranhamente, no dia 14 de marçode 2003, muito embora João Caetanotivesse um cartão de autorização para cir-cular no canteiro de obras e todas as suasentradas e saídas fossem registradas pe-los vigilantes da obra, o diretor-presiden-te do consórcio Candonnga, RobertoMartins, afirmou que o Consórcio nuncatinha sido procurado pelas auutoridadespoliciais e revelou-se surpreso por ter sidoprocurado para falar sobre o caso.

113

Somente no dia 03 de abril de 2003, éque foi instaurado o procedimento inves-tigativo por ordem do delegado GelsonJosé Pedra para apurar o sumiço de João.

114

Desde então, porém, tem tramitado muitolentamente, limitando-se no máximo à to-mada de depoimentos por termo, que nun-ca esclareceram muito os fatos. Constamno inquérito (09/03) mais de quatro or-dens de serviço não cumpridas. Diversosforam os pedidos de prorrogação de prazopara conclusão. Até a presente data, osautos transitam entre a promotoria públi-ca, o poder judiciário e a delegacia depolícia sem nenhum andamento efetivo, àespera de ser arquivado.

115 Para o inspetor

108 Idem. Vale ressaltar que de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais, o Consórcio não poderia começar as obrassem a total desocupação da área.109 Depoimento de Luíza Egídia de Souza, 53 anos, registrado na carta dos atingidos pela UHE Candonga, constante às fls. 06 do inquéritopolicial 09/03.110 Idem111 Idem112 Informação relatada no Boletim de Ocorrência 31/03, do Destacamento da Polícia Militar de Santa Cruz de Escalvado.113 “Polícia investiga sumiço de lavrador em barragem, Jornal Estado de Minas, 14 de março de 2003114 Portaria constante às fls. 02 do Inquérito policial 09/03, da delegacia de Ponte Nova, Minas Gerais.115 Inquérito Policial 09/03, da Delegacia de Ponte Nova, Minas Gerais

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O Caso Candonga

Antero Marcos e o chefe da polícia civilGelson José Pedra, o caso já estaria encer-rado: não existe nenhum suspeito nessecaso porque, segundo eles, João Caetanonão foi assassinado. De acordo com osmesmos, os familiares nunca teriam apre-sentado nada de concreto para a realiza-ção de maiores investigações e João teriaproblemas de saúde mental e problemasalcoólicos que poderiam, explicar o queaconteceu.

116

Coincidentemente, a posição do de-legado responsável sobre o desapareci-mento é a mesma assumida pelo consór-cio Candonga: mais recentemente, emjunho de 2004, quando perguntado so-bre o ocorrido, o diretor de relaçõesinstitucionais da Alcan, Maurício Martins,disse que se tratava de um problema desaúde mental de João e que o consórcionão teria qualquer responsabilidade so-bre o caso.

117

As informações prestadas apontamJosé Bazola como principal suspeito, ten-do em vista sobretudo seus depoimentoscontraditórios. A polícia, no entanto, in-siste na hipótese, até hoje não comprova-da, de que João Caetano teria sumido porvontade própria.

118 Familiares e amigos

descartam completamente essa hipótese,pois, pelo que conheciam de João Cae-tano, este jamais abandonaria seus per-tences, suas plantações e suas cabeças degado. De acordo com seu irmão PedroCaetano, João não tinha problemas men-

tais ou tendências suicidas: era um ho-mem pacato, que criava seus bois e plan-tava milho e mandioca, como a maioriados moradores de Soberbo,e não poderiaimaginar sua vida sem a terra.

119

Aos familiares e amigos de JoãoCaetano dos Santos, decorrido mais deum ano e meio do seu desaparecimento,resta até hoje a angústia para saber maio-res informações sobre seu paradeiro. –Lamentavelmente, como em diversas ve-zes aconteceu durante o conturbado pro-cesso de implantação da usina Candongana região, percebe-se um comportamen-to negligente e omisso das autoridadespoliciais na realização das investigações.

4.Impactos das negociações arbitrárias:o projeto que não poderia

ter avançado…

O relatório técnico elaborado por fun-cionários da Fundação Estadual do MeioAmbiente (FEAM) antes da concessão daLicença de Operação no dia 30 de marçode 2004 concluiu que a forma como asnegociações foram conduzidas desde oinício pelo consórcio seria um impedi-mento para a concessão da licença.

120 Foi

consignado que o Consórcio tinha impor-tantes pendências com a comunidade re-sultante da fase de negociação. O parecerda FEAM é categórico na conclusão:

“Importa destacar, inclusive, em refor-ço ao exposto, que a não rara manifesta-

116 Entrevista de Gelson José Pedra e Antero Marcos à equipe do Centro de Justiça Global, na delegacia de Ponte Nova, em 05 de junho de 2004.117 Entrevista de Maurício Martins, Diretor de Relações Institucionais da Alcan para o Centro de Justiça Global no dia 07 de junho de 2004,no escritório da Alcan em Belo Horizonte, Minas Gerais.118Entrevista de Gelson José Pedra à equipe do Centro de Justiça Global, na delegacia de Ponte Nova, em 05 de junho de 2004119 Depoimento de Pedro Caetano dos Santos à equipe do Centro de Justiça Global em 05 de junho de 2004120 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 60: “conclui-se, assim, que as questões aqui postas, notocante à negociação com a categoria proprietário rural , devem ser submetidas à deliberação desta CIF, com o objetivo de definir se constituemou não motivo de impedimento à concessão da presente licença”.

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

ção queixosa vinda de diferentes mem-bros da comunidade atingida até a FEAM,deixava evidente a reminiscência de umpassivo social daquela primeira fase exe-cutiva do programa, consubstanciada poracordos individuais fechados precipitada-mente, sem guardar a maturação e avali-ação devidas, decorrentes, entre outros,de utilização de métodos de persuasãopouco ortodoxos por parte de prepostosdo empreendedor na desapropriação deterras, de predomínio de um baixo nívelde informação sobre direitos e benefíciossociais assegurados legalmente nolicenciamento ambiental de hidrelétricasem geral e de conhecimento superficialinsuficiente dos projetos de mitigação deimpacto social e econômico do PCA”.

121

Nessas circunstâncias, portanto, osórgãos públicos – FEAM e COPAM prin-cipalmente - deveriam ter agido energi-camente e impedido a continuidade dequaisquer ações por parte do Consórcioaté revisão de todos os passivos existen-tes. No entanto, foram omissos. Os efei-tos desastrosos dessa etapa de negocia-ção traduziram-se em: (i) não reconheci-mento dos meeiros e garimpeiros do rioDoce; (ii)deficiências no projeto dereassentamento e despejo violento dasfamílias; (iii) não reconhecimento deSantana do Deserto como área atingida.

Passemos à descrição de cada um des-ses impactos.

4.1. O não reconhecimento dos ga-rimpeiros e meeiros

Bernardo Cruz Souza, 43 anos, exer-

ceu o garimpo por muitos anos na velhaSoberbo. Morava numa casa de favor hásete anos, com uma mulher e sua filha. Eleajudava nos afazeres da casa e da fazendaem troca de um lugar para ficar enquantopraticava atividades de garimpo no rio. Elelembra muito bem quando o consórciocomeçou as negociações com as famílias,evitando sempre oferecer propostas emgrupo. O Consórcio nunca reconheceu seusdireitos e ele nunca teve a oportunidadepara negociar: “um dia recebi um convitedo Consórcio dizendo que estavam inte-ressados em negociar comigo. Então fuiao escritório conversar com Vladimir eGleusa, os negociadores que substituíramAlaor Castro, e pedi-lhes para deixar a portaaberta enquanto a gente conversava paraque todo mundo visse a verdade. Meu pe-dido foi recusado e eu saí imediatamentedo escritório e nunca mais me procuraram.Até hoje não recebi nada do consórcio”,afirma o garimpeiro.

122

O caso de Bernardo não é uma exce-ção. A empresa THEMAG que produziu orelatório de impacto ambiental em 1998,paga exclusivamente pela EPP, excluiu osgarimpeiros e meeiros das suas conclusõesfinais.

123 Nesse relatório, ao falar sobre os

meeiros, a FEAM aponta que: “O reconhe-cimento pelo consórcio Candonga desseexpressivo contingente de produtores ruraiscomo grupo que se encontrava à margemdo processo negocial desenvolvido no con-texto do Programa de Aquisição de Terrasvem tornar evidente a ocorrência de come-timento de falhas graves no cadastro sócio-econômico das áreas atingidas, as quais po-dem estar originadas à fase de concepção

121 Idem, p. 56.122 Entrevista com Bernardo Cruz Souza em Nova Soberbo no dia 05 de junho de 2004.123 Relatório de Impacto Ambiental, THEMAG

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ou de execução do cadastramento”.124

Em 2003, quando o Movimento dosAtingidos por Barragem começou a asses-sorar as comunidades, foi produzido umdossiê com uma lista completa de garim-peiros e meeiros.

125 Em face disso, o Con-

sórcio admitiu que tinha havido alguns er-ros no cadastramento, mas contestou onúmero apresentado pelo dossiê.

126 Após

algumas negociações, o Consórcio reco-nheceu que havia 15 garimpeiros que se-riam prejudicados pela modificação do flu-xo do rio e não seriam mais capazes deexercer suas atividades econômicas, assimcomo os 16 meeiros também reconheci-dos. Eles ofereceram compensação finan-ceira para 10 garimpeiros e terra e dinhei-ro para os 16 meeiros.

127

Na verdade, havia muitos mais meei-ros e garimpeiros cujo sustento dependiado Rio Doce ou de parte das terras queforam inundadas pelas águas da barra-gem. De acordo com o documento pro-duzido pelo MAB (Movimento dos Atin-gidos por Barragem) e apresentado àFEAM, seriam 51 garimpeiros. Desse nú-mero, 36 eram garimpeiros permanentese os quinze restantes dividiam-se entre ogarimpo e a pesca. Como notado no rela-tório técnico da FEAM, “para esse grupoexiste uma manifestação oficial de nãoreconhecimento como categoria atingidapelo empreendimento expedida pelo Con-sórcio Candonga em relatório datado de

06 de outubro, muito embora feita semapresentação de nenhuma argumentaçãomais consistente”.

128 A FEAM afirma que

a presença de garimpeiros na área é ób-via, mas admite que é difícil comprovarindividualmente a existência de cada um.Também aponta que embora muitos ga-rimpeiros apresentassem evidências for-tes de que exerciam o garimpo, foram ig-norados ou as provas apresentadas foramrejeitadas pelo Consórcio.

129

Desde o início da construção da barra-gem, meeiros e garimpeiros foram impe-didos de exercer suas atividades e encon-tram-se agora em situações de extremapobreza. Como um dos moradores colo-cou: “o consórcio não indenizou aquelesdonos de terra que tinham algum dinhei-ro, então como esperar que os pobres mo-radores recebam alguma coisa?”.

130

Provocado para comentar a situação,o Diretor de Relações Institucionais daAlcan, Maurício Martins, disse que o realproblema com os garimpeiros são seus re-presentantes do Movimento dos Atingidospor Barragens (MAB): “ O problema é oMAB. Tudo estava bem e então eles che-garam se opondo ao projeto da barrageme o número de trabalhadores afetados cres-ceu”.

131 A resposta do sr. Martins revela

no mínimo o incômodo sentido pelo Con-sórcio com o fortalecimento do poder deorganização dos moradores e com o su-porte técnico e político dado pelo MAB.

124 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 63.125 Idem, p.66, referindo-se ao Dossiê Candonga produzido pelo Movimento dos Atingidos por Barragens.126 Idem, p. 63: “O consórcio veio a reconhecer o cometimento de algumas falhas no cadastro do PCA apesar de não concordarem com a extensãoda lista apresentada pelo MAB”.127 Idem, p. 64.128 FEAM p.66129 FEAM, p.66130 Depoimento tomado do vídeo amador produzido pelo morador “Adão”, da comunidade de Soberbo.131 Entrevista da equipe da Justiça Global com Maurício Martins, 07 de junho de 2004, no escritório da Alcan em Belo Horizonte.

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

4.2. Projeto de reassentamento dosmoradores do antigo Soberbo

A forma como o Consórcio tratou osmembros das famílias de velha Soberbo ecomo realizou o projeto de reassentamentoprovocou o mais elevado nível de estressesocial já observado pela FEAM no proces-so de licenciamento do projeto de umahidroelétrica.

132 Ao lado disso, apesar dos

relatórios produzidos pelo Consórcio tra-zerem uma forma diferente de comunica-ção que teria sido usada no trabalho com acomunidade, incluindo jornais, seminári-os, exibição de vídeos e estudos, na ver-dade, as famílias mostraram-se bastantedesinformadas diante da FEAM.

Em janeiro de 2003, durante a reuniãocom as famílias e o consórcio, a FEAMobservou que: “Os pronunciamentos e de-poimentos feitos então são testemunho fi-dedigno do grau de desinformação e deansiedade da comunidade atingida. Ques-tões básicas, como grupos de interesse elei-tos integrantes da pauta negocial; cronogra-ma de projetos sócio-ambientais; utiliza-ção futura do reservatório; identidade doresponsável pelo empreendimento (con-fundida com empreiteiros e com constru-tor), entre outras, deixavam claro que odesempenho e a qualidade de comunica-ção que vinha sendo desenvolvida nãoapresentava o nível exigido no licencia-mento de projetos do porte da UHE Can-donga; de certa forma, podia-se deduzirpela ausência de um canal eficiente, bemcomo pela falta de envolvimento e atua-ção do consórcio Candonga em campo”.

133

A FEAM acordou uma solução como Consórcio que seria a de enviar um dosmembros da equipe para trabalhar comas famílias numa base de tempo integral.Ocorreu, porém, que a situação não me-lhorou e a FEAM continuou a receberdenúncias da população que não tinharecebido informação suficiente e que nãopodia ter acesso aos representantes doConsórcio. Como resultado, a própriaFEAM teve que assumir a responsabili-dade própria do Consórcio, qual seja, ade responder às dúvidas das famílias etentar aliviar a ansiedade gerada pela fal-ta de informações seguras.

134

Finalmente, depois da operação poli-cial do dia 03 de maio e uma vez des-truído totalmente o velho Soberbo e trans-feridas as pessoas para Nova Soberbo, asfamílias informaram que as negociaçõespraticamente pararam. O Consórcio mu-dou seu escritório de campo, que antesficava no Soberbo, para o município deRio Doce, tornando ainda mais difícil acomunicação entre eles e a comunidade.

4.2.1. A construção de Nova Soberbo

Nova Soberbo está localizada na Fa-zenda Gambá e sua implantação tambémfoi fruto de deslocamento conflituoso ecompulsório. Os donos da fazenda, assimcomo muitos outros moradores da velhaSoberbo, manifestaram sua frustração emrelação ao Consórcio. Eles não quiseramvender suas terras e foram despejadoscom ordem judicial.

135

132 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 96: “a FEAM teve a oportunidade de registrar um dosmais elevados índices de estresse social relacionados à implantação de empreendimentos hidrelétricos submetidos ao licenciamento ambiental”.133 Idem, pp 96-97134 Idem135 Idem

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O fato de essa situação estar sendodiscutida judicialmente gerou um nível deinsegurança para as famílias transferidas.Depois de inúmeros detalhes e requeri-mentos da FEAM dirigidos ao Consórciopara resolução dos problemas, os títulosde propriedade das terras ainda não ti-nham sido transferidos para os novosmoradores.

136

O projeto da nova cidade apresenta-do à Fundação Estadual do Meio Ambi-ente – FEAM seria o de um novo distritocom área comercial e industrial para de-senvolvimento econômico da região deSanta Cruz do Escalvado. Cética das pos-sibilidades de concretização desse proje-to, a FEAM enfatizou fortemente que anova cidade deveria refletir as caracterís-ticas sociais e culturais da anterior, deve-ria preservar a estética da velha cidade ereproduzir as relações sociais e funcionaisali construídas.

137

As dúvidas da FEAM realmente erampertinentes. O resultado final foi um com-pleto desastre econômico, social, culturale ambiental, não somente para as famíli-as, mas também para Santa Cruz do Escal-vado e para o Estado de Minas Gerais. Orelatório técnico preparado pela FEAM éesclarecedor nesse aspecto. Ele apontapara várias irregularidades, violações dedireitos e situações de desrespeito perpe-tradas pelo Consórcio durante a constru-ção do reassentamento.

Iniciada em março de 2002, quando omunicípio de Santa Cruz do Escalvado atra-vessava um período de grave instabilida-

de política, que comprometia o envolvi-mento da comunidade no projeto, o Con-sórcio não pensou, de modo algum, emsuspender a construção da obra para con-sulta à população. Foram realizadas alte-rações estruturais do projeto de forma uni-lateral pelo empreendedor e a populaçãopor muitas vezes permaneceu desinfor-mada. As famílias nem conseguiram en-trar nas casas para ver como seriam; a cons-trução aconteceu em total segredo.

138

Enquanto o Consórcio tinha prometi-do no relatório técnico um diálogo trans-parente e aberto com as comunidades, aFEAM descobriu que o trabalho estava ex-cluindo as famílias:

“É entendimento claro da FEAM queo projeto de construção do Novo Sober-bo iniciou-se e perdurou alijado do acom-panhamento da comunidade beneficiáriadurante boa parte do período das obras(cerca de sete meses) e, bem assim, sobum clima de absoluta desinformação emfunção de três condicionantes básicas: (i)execução das obras em regime fechado,impossibilitando o acesso dos morado-res ao canteiro; (ii) solução de continui-dade das ações de comunicação afetas aoprojeto justamente em momentos coinci-dentes com a maior demanda social porinformação (antes das obras e início dasobras) ; e (iii) falta de controle e fiscaliza-ção da execução do projeto pelo próprioconsórcio Candonga, em conseqüência desua desatenção e afastamento temporári-os da implantação do PCA como umtodo.”

139

136 Idem, pág. 89 e entrevista com Maria Marta Correia e Rosiné Anadet Nel no dia 06 de Junho de 2004, em Nova Soberbo.137 Idem, pág.77138 Depoimento do Padre Claret ao Centro de Justiça Global no dia 03 de junho de 2004, no escritório do MAB.139 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 79

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Nove meses após o início das obrasde construção de Nova Soberbo, um im-portante erro de engenharia foi descober-to e resultou na destruição de 32 casasque se encontravam em condições de ab-soluta inconformidade com a maioria dasnormas básicas. De acordo com a FEAM,as conseqüências desse episódio forambastante negativas, implicando movimen-tação expressiva de terra e causando pro-blemas sociais e ambientais na cidade deRio Doce pelo aumento repentino da po-pulação decorrente da demanda por tra-balhadores em Nova Soberbo.

140 Depois

desse evento é que a FEAM veio a insistirmais enfaticamente na monitoria do can-teiro de obras pela comunidade.

4.2.2 A vida em Nova Soberbo

Até março de 2004, cerca de 120 ca-sas tinham sido construídas em Nova So-berbo. Vista por fora, a pequena cidadeparece bonita e moderna, a ponto de mui-tos moradores dos municípios vizinhos(Ponte Nova e Rio Doce) afirmarem re-correntemente que gostariam de estar nolugar das pessoas do antigo Soberbo paraserem contemplados com uma casa da-quelas.

O olhar superficial sobre o lugarejo,entretanto, esconde inúmeros problemas.Analisando mais profundamente, a reali-dade ali desenhada está muito distante dotípico ambiente rural brasileiro presentena velha Soberbo. Todas as casas foramconstruídas de acordo com padrões mui-

to semelhantes. São todas cercadas, se-paradas por altos muros, com as frentescobertas com gramas – estilo esse que émuito incomum para os moradores. Asruas são todas pavimentadas e há gara-gens ao lado de cada casa, embora a mai-oria das pessoas estacione na rua direta-mente. O solo da área projetada para su-postamente servir como quintal é infértile tem muita declividade. O espaço é limi-tado. Alguns moradores são obrigados acriar animais dentro de casa como prisio-neiros. Para se ter uma idéia, as pesquisa-doras presenciaram a esdrúxula cena dedois bodes caminhando na varanda deuma das casas porque não tinham ondese locomover, e também a cena de cava-los sendo tratados no pequeno círculoconstruído para servir de mirante.

Os moradores mostraram um espíritode profunda saudade de suas antigas ca-sas, confessando estarem se sentindo com-pletamente desorganizados e perdidos noambiente frio e indiferente da Nova So-berbo. Outros choraram copiosamente nafrente das pesquisadoras quando incitadosa falar sobre sua nova situação de vida.Muitos estavam depressivos ou tomandofortes medicações. Joana Martins, porexemplo, uma senhora de 62 anos de ida-de, tinha acabado de perder seu maridoZizo Papa Martins em abril de 2004 peloagravamento da doença com o início dasnegociações. “Ele não tolerava a idéia dedeixar nossa casa e suas condições piora-ram muito naquele período”, afirmou a viú-va.

141

140 Idem, p.79. “Do ponto de vista ambiental, as conseqüências desse episódio foram bem negativas, implicando o aumento expressivo demovimentação de terra e de implantação de bota-fora em relação aos volumes previstos no PCA, e, bem assim, o incremento de quase 100% dototal de mão-de-obra direta, para recuperar o atraso do cronograma do “Novo Soberbo”, gerando inevitavelmente grande sobrecarga na ofertade serviços e, ademais, a intensificação da aculturação social na sede de Rio Doce, cidade esta que exerceu a função de centro de apoio às obrasdo empreendimento em geral”.141 Entrevista com a moradora Joana Martins, no dia 06 de junho de 2004 em Nova Soberbo.

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Todos os entrevistados tinham impor-tantes reclamações sobre suas novas ca-sas, incluindo sérios defeitos de constru-ção e infraestrutura como fissuras nas pa-redes, infiltração e acúmulo de água, faltade água quente, problemas com solidez dotelhado e impermeabilização.

142 A maio-

ria dos moradores queixou-se da falta deespaço, de como têm que andar dentro decasa com todo o cuidado para não esbar-rar nos móveis.

Os terrenos são de difícil acesso oupraticamente inúteis para qualquer ativida-de. A casa de Maria Marta Correia, porexemplo, tem um quintal tão inclinado queela dificilmente pode circular por ele. Dis-se que já tentou desesperadamente cuidarde seus vegetais, mas todos morreram.

143

Por todas as outras casas, a mesma histó-ria. A nova escola também estava num es-tado deplorável: fissuras nas salas de aula,infiltrações de água, umidade e mofo.

144

Antes da velha Soberbo ser completa-mente destruída no dia 03 de maio de 2004,todas as famílias, inclusive aquelas que ti-nham se mudado para a nova cidade, vol-tavam regularmente para lá para pegar fru-tas, vegetais e outros produtos nas suasvelhas plantações. Dada a importância fun-damental dos quintais para a segurançaalimentar dos moradores, isso jamais po-deria ser considerado um pequeno proble-ma como o foi pelo Consórcio e pelas au-toridades.

Se antes os moradores da velha Sober-bo tinham acesso direto à água fresca dorio, agora até beber água tem sido um sé-rio problema para todos.

145 Com uma cor

amarelada e amarronzada, a água de NovaSoberbo apresentou altas concentrações deferro e manganês na análise de sua quali-dade, consideradas inadequadas para con-sumo humano.

146 Para tentar minimizar o

problema, altas quantidades de cloro fo-ram adicionadas à água.

147

Os moradores também se surpreende-ram com o impressionante aumento dovalor das contas de energia elétrica. Asnovas contas que eles recebem desde quese mudaram representam um valor três aquatro vezes maior que o das antigas. Se-gundo informações dos moradores, en-quanto na velha Soberbo eles estavam ca-dastrados como zona rural pela Compa-nhia de Eletricidade de Minas Gerais(CEMIG), em Nova Soberbo foram cadas-trados como zona urbana. Muitos estãosem condições de pagar as despesas danova casa. “tudo é mais caro aqui, eletrici-dade, gás, água e comida”, diz a morado-ra Maria Marta.

148

A maioria dos moradores tem pendên-cias e ainda espera receber o que lhes foiprometido pelo Consórcio.A moradoraJoana Martins nunca recebeu seu puleirode galinhas e o quintal que o consórciocomprometeu-se a providenciar no contra-to de venda da casa.

149

142 Entrevistas em Nova Soberbo no dia 06 de junho de 2004, confirmado também no relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processonº 130/1998/005/2003, pág.83143 Entrevista de Maria Marta Correia à equipe da Justiça Global no dia 06 de junho de 2004, em Nova Soberbo.144 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, pág.84145 A constatação da má qualidade da água, com altos níveis e ferro e manganês acima do padrão aceitável, está consignada na decisão proferidapela juíza Rosângela Fátima de Freitas no dia 14 e junho de 2004, nos autos da ação de nº146 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003. Entrevista com Joaquim Bernardo Pereira por telefone nodia 23 de junho de 2004.147 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003148 Entrevista com Maria Marta no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo.149 Entrevista com a moradora Joana Martins, no dia 06 de junho de 2004 em Nova Soberbo

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Com disposição, não teria sido difícilpara o Consórcio trabalhar em colabora-ção com as famílias. A equipe multidisci-plinar da Universidade de Viçosa ficoudurante uma semana com as famílias paraidentificar suas necessidades e discutir umaproposta de uma casa que atendesse àsnecessidades de todos. Foram discutidascomo as casas seriam construídas por elesmesmos e o que teriam. Basicamente, con-clui o relatório, a casa “ideal” correspondeem todos os aspectos a uma construçãomais simples à casa que tinham antes. Nin-guém quis abusar da situação e pedir “umcastelo”. Tudo o que quiseram foi a mes-ma condição de vida que tinham antes dachegada do consórcio. Mas a resposta àsnecessidades da população e o respeito aela dispensado enquanto seres humanosdefinitivamente não foi um interesse daAlcan e da Vale do Rio Doce. Isso vem aficar mais óbvio e explícito na maneiracomo as famílias foram expulsas do velhoSoberbo e forçadas a se mudar para NovaSoberbo em maio de 2004.

4.2.3. Transferência dos moradoresdo velho Soberbo e a operação policialno dia 03 de maio de 2004

No dia 08 de dezembro de 2003,numa das visitas de campo realizadas pelaFEAM, somente 41 famílias tinham semudado da velha São Sebastião do So-berbo.

150 Os outros recusavam-se a dei-

xar suas casas uma vez que o Consórciopossuía pendências (falta de pagamento

de indenizações, de entrega da casa nostermos firmados em contrato, falta de re-composição das terras, etc. ).

Havia uma expectativa geral de que oConsórcio se esforçasse mais na melhoriae cumprimento das propostas de negocia-ção até fecharem um acordo para relocaçãodas famílias das velhas terras para umanova

151. Entretanto, ao invés de trabalhar

com a comunidade e investir no diálogopara resolver os problemas apresentados,o consórcio usou dinheiro, pressão, amea-ças, violência e o aparato policial estatalpara forçar os moradores a se mudar.

152

Grandes festas, com muita ostentaçãode bebidas e comidas foram realizadaspelo Consórcio na nova cidade na inten-ção de convencer os moradores a se mu-dar para lá. Muitos acataram, submeten-do-se a uma série de cláusulas no acordoque ordenava a saída imediata das casasassim que recebessem as chaves das no-vas e os títulos de propriedade. As cha-ves foram dadas, mas os títulos de pro-priedade nunca chegaram. Muitos mora-dores recorreram à Justiça depois contrao Consórcio. Segundo declarações daJuíza de Ponte Nova, desde da chegadado Consórcio, o Poder Judiciário só temtrabalhado nas inúmeras ações judiciaisimpetradas pelas pessoas que reclamamseus direitos. “Tudo ficou atravancado, agente só trabalha pra isso agora, e todahora tem gente querendo tirar cópias dedocumentos”, afirmou a Juíza.

153 O ad-

vogado Leonardo Rezende, do Núcleo deAssessoria aos Atingidos por Barragens

150 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003 p. 89151 Idem, p. 89: “a comunidade do Soberbo vinha reiterando firmemente aos órgãos competentes sua posição de não desocupar a antiga sede dodistrito enquanto não fossem sanadas pelo empreendedor todas as pendências sociais por ela identificadas como passivo da implantação doempreendimento”.152 Vídeo amador “Invasão do São Sebastião do Soberbo” e “Pendências na barragem Candonga e Visão dos Moradores do Soberbo”, 01/06/2004153 Depoimento da juíza Rosângela Fátima de Freitas à equipe da Justiça Global no dia 04 de junho de 2004, em Ponte Nova.

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(NACAB), acompanha voluntariamentemais de quarenta ações judiciais relativasà situação de São Sebastião do Soberbo,assessorando juridicamente os trabalha-dores.

154

Com a deterioração das estradas, oantigo Soberbo ficou praticamente intran-sitável e, em novembro de 2003, a únicacompanhia de ônibus do local, a Lopes eFilhos, deixou de parar no ponto do anti-go povoado. Segundo moradores, tam-bém destruíram a estrada entre a velhaSoberbo e a cidade do rio Doce. MariaFerreira dos Santos (Mirene) lembra queàs vezes tinha que andar vários quilôme-tros sob chuva para comprar remédiospara sua mãe, dona Leontina, de 93 anosde idade, porque não existia nenhum ou-tro meio de transporte para ir.

155Os tele-

fones também foram cortados e quandoos moradores procuraram a empresa detelefonia para resolver o problema, foraminformados de que a prefeitura de SantaCruz do Escalvado tinha solicitado o des-ligamento das linhas.

156

Havia pressão diária sobre os morado-res. Maria Nobre de Oliveira, 81 anos, lem-bra que eles vinham praticamente todo diae batiam na porta da sua casa para forçá-laa se mudar. Ela acabou tendo uma depres-são e foi hospitalizada. No hospital, o psi-cólogo a convenceu que seria melhor parasua saúde mental atender às solicitaçõesdo Consórcio. Sem que fosse previamenteavisada, sua casa foi destruída uma sema-na antes da grande operação policial do

dia 03 de maio de 2004, quando ainda res-tavam muitos móveis e pertences pessoaispara recolher por lá.

157

Por fim, o Consórcio utilizava o re-curso de supostos aumentos sucessivos deindenização. A cada proposta recusada,oferecia-se algo mais, atestando que real-mente não havia um critério sério de ava-liação da casa. O valor crescia toda se-mana em 2004.

158

No início de 2004, a escola local foidestruída. Isso transtornou muito os mo-radores, pois quando era estação chuvo-sa a escola ainda servia de abrigo para aspessoas afetadas pelas inundações.

159

No final de abril, o Consórcio tinhatido êxito na mudança da grande maioriados moradores. Em relação aos restantes,num total de 14 famílias, foi obtida umaordem judicial para despejá-las. Para exe-cutar a referida ordem judicial, o gover-no estadual autorizou o uso do aparatopolicial. No dia 30 de abril, cerca de 30policiais apareceram na velha Soberbo,mas foram forçados a voltar porque omandado estava irregular e houve resis-tência da população local (as pessoas deSantana do Deserto apoiaram os morado-res da velha Soberbo nos dias finais).

A polícia voltou no dia 03 de maio de2004. Na noite anterior, policiais milita-res foram chamados para ajudar na ope-ração. No total, 192 homens da políciacivil, militar, federal e agentes de segu-rança privada estavam na operação final.A eletricidade foi cortada desde cedo pela

154 “Relatório de acompanhamento judicial do NACAB”, enviado à equipe da Justiça Global através de comunicação eletrônica pelo advogadoLeonardo Pereira Rezende no dia 18 de agosto de 2004.155 Entrevista com Maria Ferreira dos Santos, no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo156 Depoimento de Sônia Loschi e Joaquim Bernardo Pereira à equipe da Justiça Global n o dia 24 de setembro de 2004 em Ponte Nova.157 Entrevista de Maria Nobre de Oliveira à equipe do Centro de Justiça Global, 81 anos, no dia 06 de junho de 2004 em Nova Soberbo.158 Entrevista de Pedro Caetano dos Santos à equipe do Centro de Justiça Global, no dia 06 de junho de 2004 em Nova Soberbo.159 Entrevista de Maria das Graças Reis à equipe do Centro de Justiça Global , no dia 05 de junho de 2004, em Nova Soberbo

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

companhia de eletricidade do Estado deMinas Gerais, a CEMIG. No vídeo ama-dor realizado por um dos moradores,pôde-se ver dois ônibus executivos chei-os de policiais militares fortemente arma-dos no povoado, seguido de tratores,material de demolição, caminhões demudança e muitos, muitos cachorros.Respaldando o cenário terrorista da ope-ração, muitos autoridades presentes, comopromotores públicos, oficiais de justiça eo Presidente da Ordem dos Advogados doBrasil, seção Ponte Nova.

Quando a policia entrou, a população,completamente aterrorizada, deixou ascasas intimidada pela extensão do arse-nal. Alguns moradores ficaram paradosnas estradas, olhando de longe, ansiosos,assustados e petrificados. As horas se-guintes foram um pesadelo para a comu-nidade.

Muitas casas foram arrombadas pelospoliciais, pois seus donos – não avisadosda operação – estavam ausentes. Algunsmoradores seguiram os transportadores ea polícia dentro das casas enquanto elesretiravam seus móveis e pertences pesso-ais. Cenas de terror e humilhação foramfreqüentes. Policiais militares consumiramos alimentos encontrados nas casas, des-truíram objetos e insultaram os moradores.A moradora Maria das Graças Reis disseter ficado revoltada com a forma comomanusearam as roupas íntimas de sua mãede 93 anos de idade, as quais ela não dei-xava ninguém tocar ou lavar. No meio daviolência, ela disse que chegou a sofreruma angina e teve que tomar emergen-cialmente um remédio.

160 Foi despejada de

sua casa por um policial que, segundo ela,acabou quebrando sua clavícula.

Na estrada, muitas pessoas estavamchorando e gritando desesperadamente.Todas as casas foram destruídas, algumasantes mesmo de serem completamenteesvaziadas. A última construção a ser de-molida foi a Igreja Católica, por volta das09:00 da noite. Quase que a demoliramcom todos os santos dentro se não fos-sem os padres correndo para retirá-los.

161

No fim do dia, não havia mais nada,além de ruínas e memórias, na velha SãoSebastião do Soberbo.

Os moradores relembraram como elesse sentiram insultados quando, logo apósa chegada nas novas casas, receberam o“kit de boas-vindas” do Consórcio, inclu-indo produtos de limpeza e artigos decozinha. Todos os removidos perderammóveis e pertences pessoais naquele dia.Maria Marta Correia, 78 anos, perdeu umasérie de roupas, louças e teve duas camasquebradas. Mais importante: ela perdeuR$ 2000,00 que tinha guardado no armá-rio para pagar um futuro tratamento desaúde. Andando nas ruas e casas de NovaSoberbo, a equipe do Centro de JustiçaGlobal pôde ver muitas coisas quebra-das encostadas. A empresa contratadapelo Consórcio para mudança deixoutudo misturado em desordem e em peda-ços na frente das casas.

Solicitado para comentar sobre a ope-ração policial daquele dia, Morel Queirozda Costa Ribeiro, diretor da divisão deinfra-estrutura da FEAM e responsávelpelos relatórios técnicos realizados poresta Fundação, disse que ele nunca tinha

160 Idem.161 Entrevista de Padre Claret ao Centro de Justiça Global no dia 03 de junho de 2004, no escritório do Movimento dos Atingidos por Barragens,Ponte Nova, Minas Gerais

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visto uma operação policial como aquelanos seus 16 anos de trabalho com cons-trução de barragens.

162

O diretor de comunicação da Alcan,Maurício Martins, por sua vez, insistiu queo uso da força policial foi justificado, poisa população estava resistindo, e que adecisão foi tomada pela polícia local erespaldada pela ordem da Juíza.. No en-tanto, havia somente 14 famílias de mo-radores antigos que se recusavam a semudar de velha Soberbo . Martins tam-bém relatou ao Centro de Justiça Globalque ele tinha gasto o dia inteiro na VelhaSoberbo durante a operação para assegu-rar que o processo fosse o mais transpa-rente possível. Ele disse que chamou aimprensa local e falou pessoalmente comos profissionais da mídia. De acordo comos representantes da comunidade, contu-do, somente um jornalista de Belo Hori-zonte, capital do Estado, conhecido peloconsórcio, teve sua entrada permitida nocampo, todos os outros foram impedidosde entrar.

163

4.2.4.Perda dos meios de subsistên-cia das famílias e falta de casas para al-guns moradores: lacunas no Projeto deReativação Econômica para a Popula-ção Urbana e Rural de Soberbo

Depois que a velha Soberbo foi des-truída e todos se mudaram para a NovaSoberbo, a ausência de projetos voltadospara a reativação econômica das famíliasficou evidente.

Se até antes da inundação as pessoasse abasteciam voltando regularmente àvelha Soberbo para colher frutas, vege-tais e outros alimentos das antigas planta-ções, agora, que não é possível mais fa-zer isso, os moradores estão extremamen-te preocupados com a forma como vãose alimentar diariamente, subsistir e comoirão conseguir dinheiro para pagar as con-tas.

O parecer técnico da FEAM que ana-lisa o pedido de licença de operação afir-ma o completo desrespeito do Consórciocom a questão da reativação econômicadas comunidades. Primeiro, afirma que oprojeto de reativação econômica, que de-veria ter se iniciado em 2002, sofreu inú-meros atrasos injustificáveis:

“No entender da FEAM, tais contra-tempos não bastam, nem se justifica ademora havida por parte do empreende-dor para impulsionar medidas concretaspara a retomada das atividades de ge-ração de renda de demais categorias eco-nômicas encontradas, tanto junto ao res-tante da população rural atingida comotambém àquela residente no distrito deSoberbo.

164

A FEAM realizou cinco vistorias su-cessivas à área do empreendimento (agos-to a dezembro de 2003), podendo obser-var, entretanto, que as medidas propostaspara reativação econômica ainda perma-neciam no plano teórico, sem nenhumaperspectiva de concretização

165, mesmo

tendo o Consórcio se comprometido aexecutá-las em abril de 2003.

162 Entrevista de Morel Queiroz à equipe do Centro de Justiça Global, no dia 07 de junho de 2003 em Belo Horizonte, Minas Gerais.163 Entrevista de Sônia Maria Oliveira Loschi à equipe da Justiça Global, da Comissão Pastoral da Terra, no dia 27 de maio de 2004 e entrevistacom Padre Antônio Claret no dia 03 de junho de 2004 em Ponte Nova.164 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 69165 idem, p. 71

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Em março de 2004, três anos após oinício da construção da barragem, o Con-sórcio finalmente apresentou um projetode reativação econômica com a previsãode algumas atividades a serem desenvol-vidas. Contudo, a FEAM notou que umavez mais os projetos escolhidos pelo Con-sórcio ignoraram as prioridades estabeleci-das pelos moradores; “a proposta final doconsórcio não vem reproduzir na íntegra apreferência comunitária manifestada nocadastramento, excluindo projetos queobtiveram maior receptividade do que osdefinidos”.

166

Finalmente, a FEAM conclui que areativação econômica das comunidadesfoi um completo fracasso:

“em vista do exposto, a FEAM vemdeduzir que os esforços recentes do con-sórcio Candonga para resgatar o atraso docronograma executivo do Plano deReativação Econômica não foram sufici-entes para dotá-lo das condições exigidasà sua implantação, entendendo-se que,salvo poucas exceções, os projetos queintegram a proposta não têm a maturida-de necessária à sua efetivação; nesses ter-mos, conclui-se que a possibilidade deiniciar-se um processo viável para promo-ver a recuperação da renda de grandeparte das famílias ainda não está sufici-entemente assegurado. Por conseguinte,não se vislumbra também nenhuma pers-pectiva de imediato para se ver garanti-da, de pronto, a segurança alimentar deboa parte das famílias atingidas, a não serpor meio do fornecimento de cesta bási-ca; mesmo assim, esse direito, que é re-conhecido em lei, não vem sendo esten-

dido a toda a comunidade, como é o casodos moradores que ainda não se muda-ram para a nova sede do distrito de So-berbo”.

167

Essas conclusões são extremamentenegativas e por si só explicam a resistên-cia da FEAM em apresentar seu parecerconclusivo (vide capítulo sobre a Licen-ça de Operação). O Consórcio simples-mente deixou as famílias sem seus meiosde subsistência. Apesar disso, incapazesde segurar por mais tempo a análise so-bre o pedido da Licença de Operação, aFEAM sugeriu a colocação de algumascondicionantes a serem cumpridas antesdo enchimento do reservatório: “Isto pos-to, a FEAM conclui que são necessáriasmais investidas do consórcio Candongano plano de reativação econômica e, bemassim, a demonstração objetiva, ao me-nos, do início da execução dos projetoscom retorno de curto prazo, como condi-ção indispensável para a concessão da Li-cença de Operação do empreendimento.

168

4.3. Santana do Deserto: área atin-gida não reconhecida pelo consórcio

Num processo de construção de bar-ragem, variados são os graus de interfe-rência do empreendimento na vida daspessoas. Em geral, têm-se aquelas quevivem na área diretamente afetada pelaságuas da barragem e são efetivamentereconhecidas como atingidas, e, por ou-tro lado, aquelas que vivem em áreas deentorno, próximas, e cujas vidas são mo-dificadas pela construção da barragem,mas não são reconhecidas como atingi-

166 idem, p. 74167 idem, p. 75168 Idem, p.75

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das. Santana do Deserto recai na segundacategoria: apesar de viverem próximos àbarragem e sofrerem prejuízos conside-ráveis por causa do empreendimento, seusmoradores não foram compensados emnada e lutam pelo reconhecimento da co-munidade como área atingida.

Quando a equipe do Centro de JustiçaGlobal visitou a população rural de Santanado Deserto, deparou-se com pessoas ame-drontadas e completamente desinformadassobre a operação da barragem. Muitos fa-laram sobre o pesadelo que estavam vi-vendo desde os últimos anos, com o inícioda construção da barragem, e os temorespor um futuro incerto.

Os moradores Adelino Gonçalves,Teresinha Íris Pena Ribeiro e José VicentePena apresentaram muitas reclamações arespeito.

169 Primeiro falaram sobre as inú-

meras fissuras, janelas quebradas, infiltra-ções de água e destruição de outras partesde suas casas em decorrência da passagemde caminhões pesados sobre a estrada emfrente aos seus terrenos. O vizinho deAdelino, por exemplo, artesão e criador deporcos, teve um muro caído no quintal desua casa. Ao lado das fissuras, os cami-nhões passam em frente às casas carregan-do pedras e outros materiais para seremusados na construção da barragem, pro-vocando tremores, barulho alto e deixan-do muita poeira. No pico das obras, os ca-minhões passam noite e dia.

O problema do trânsito de caminhõespesados sobre Santana do Deserto tam-bém é pontuado no parecer técnico da

FEAM que alerta para o fato de cerca de19 moradores da cidade de Rio Doce tam-bém estarem sofrendo os mesmos prejuí-zos.

170 As estradas igualmente estão fican-

do piores. Negando qualquer responsa-bilidade, o Consórcio contratou a empre-sa de consultoria Vaz de Mello que reali-zou um estudo e concluiu que não haviaqualquer relação entre os danos e a pas-sagem dos caminhões. De acordo com osestudos, os problemas nas casas seriamvelhos e as fissuras, apenas vícios de cons-trução.

171 Apesar das casas serem real-

mente velhas e precisarem de reparos, aequipe da Justiça Global expressou mui-tas dúvidas a respeito da imparcialidadedesse estudo pago pelo Consórcio, mes-mo porque presenciou a passagem de al-guns caminhões e seus impactos imedia-tos. A FEAM também demonstrou dúvi-das quanto àquelas conclusões e solici-tou que a empresa fizesse um estudo com-parativo para mostrar se havia ou não tidodeterioração por causa dos caminhões.

Para os moradores de Santana, apesarda conclusão dos estudos, isso não mudao fato de que muitas das suas crianças fo-ram impedidas de assistir e freqüentar asaulas no município de Rio Doce durante operíodo de chuvas de 2004 por causa daspéssimas condições das estradas. De acor-do com uma declaração assinada por LinoÂngelo da Silva Filho, diretor da escolaMaria Amélia no município de Rio Doce,as estradas não eram tão ruins em anosanteriores, antes do início das obras peloconsórcio.

172Além do mais, alguns mora-

169 Entrevistas de Adelino Gonçalves, Terezinha Íris Pena Ribeiro e José Vicente Pena à equipe da Justiça Global no dia 05 de junho de 2004,em Santana do Deserto.170 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 92171 Idem, p. 93172 Declaração de Lino Ângelo da Silva Filho, diretor da Escola Maria Amélia, em Santana do Deserto, 11 de fevereiro de 2004: “Declaramos paraos devidos fins que se fizerem necessários que este estabelecimento de ensino – Escola Estadual Maria Amélia do rio Doce – desde que principiouas aulas e também as chuvas neste ano de 2004 não tivemos a presença de alunos da zona rural de Santana do deserto e povoado de São Sebastiãodo Soberbo (antigo Soberbo) devido à falta de tráfego dos ônibus escolares como consequência da má condição destas estradas; esclarecemostambém que em outros tempos em épocas de chuva, antes do início das obras do consórcio, os problemas das estradas não eram tão agravantes”.

O Caso Candonga

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dores notaram com ultraje que o consór-cio tinha modificado as placas de sinaliza-ção colocadas nas estradas depois das de-núncias sobre os efeitos da passagem decaminhões. Enquanto antes se podia ler“Cuidado trânsito de veículos pesados”,depois de algum tempo, após as denúnci-as da comunidade, a palavra “PESADO”foi visivelmente pintada de branco e apa-gada pelo Consórcio, no intuito de fazercom que a comunidade acreditasse quecom isso também o problema da passagemde caminhões pesados havia acabado.

173

Ainda, muitos moradores mostraramextrema preocupação com a variação donível de água do rio Doce. Com a opera-ção da barragem, foi divulgada uma vari-ação de aproximadamente um metro emeio todo dia no rio. O primeiro proble-ma relacionado com a variação do nívelde água diz respeito à travessia de barcosno rio e ao transporte diário de criançasda zona rural de Rio Doce para a escolaem Santana do Deserto. Os moradoreschegaram a sugerir a construção de umaponte sobre o rio, mas isso foi recusadopelo Consórcio. A FEAM apontou no pa-recer técnico que a garantia de travessiados barcos em Santana do Deserto é deextrema preocupação e constituiria me-dida condicionante para obtenção da li-cença de operação.

174

Estudantes que freqüentam à noite aescola de Santana do Deserto não podemmais voltar para suas casas porque a bal-sa não faz mais a travessia noturna.

175

Outro problema sério para os mora-dores é o risco de inundação dos quintaisem virtude da variação do nível deágua.

176 Adelino Gonçalves considera que

esta é uma possibilidade muito séria. JoséVicente Pena disse que muitas vezes so-nha com a inundação de sua casa enquan-to dorme.

177 A equipe do Consórcio os

deixou completamente mal-informados,apenas afirmando que não haveria riscoalgum. Se não há riscos, os moradorestambém se questionam o porquê da ins-talação, pelo próprio Consórcio, de umasirene de alerta na escola local para eva-cuação de todos que estiverem nas proxi-midades do rio, em caso de inundação.Numa entrevista à parte, o diretor de infra-estrutura da FEAM e o diretor de comu-nicação do Consórcio relataram à equipede pesquisa que isso era um procedimen-to normal adotado na construção de qual-quer barragem.

178 O parecer da FEAM,

contudo, fala sobre o risco de inundaçõese lamenta que o Consórcio ainda não te-nha se precavido com informações sufi-cientes a respeito desse problema.

179

Finalmente, preocupa os moradores deSantana a possibilidade da não realizaçãodo festejo religioso de Nossa Senhora deSantana, celebrada anualmente na comu-nidade há mais de duzentos anos durantequatro dias do mês de julho. A festa é oca-sião de grande movimento, onde artistaslocais vendem seu trabalho e há muita ce-lebração e música. Com a alteração dasestradas, pessoas agora têm que andar

173 Vide foto registrada pelo Centro de Justiça Global.174 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003 p. 11175 Idem176 idem, p. 12177 Entrevista da equipe da Justiça Global com José Vicente Pena em Santana do Deserto no dia 05 de junho de 2004.178 Entrevistas com Morel Queiroz e Mauricio Martins, respectivamente, no dia 07 de junho de 2004, em Belo Horizonte, Minas Gerais.179 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003 p. 12

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mais de 22 km para chegar até o centro deSantana (ao contrário dos 16 Km de an-tes). Também a barca faz travessias cominúmeras pessoas nesse dia e a variaçãodo nível da água pela barragem pode im-pedir essa travessia.

180 Nesse caso, a cons-

trução de uma ponte, sugerida pelos mora-dores, também foi rejeitada pelo Consórcio.

É de se indignar também ver situaçõesextremas de sacrifício de direitos de fa-mílias pobres em favor de empresasmultimilionárias. Tal é o caso de algumasfamílias de Santana que, por medo dosefeitos da barragem, acabaram abando-nando suas casas e indo morar de aluguelem Rio Doce. Muitas casas estavam fe-chadas em Santana, agravando as despe-sas das pessoas com outros locais de mo-radia e não gerando qualquer ônus paraos empreendedores.

181

Os riscos para as casas e os quintaissão tão evidentes que a FEAM ordenou apiquetagem da área e dos quintais de for-ma a criar uma área de segurança, ondenão seria permitido o trânsito de morado-res nem tampouco o plantio e que aindaisentaria de responsabilidade a empresa eo poder público por qualquer acidenteocasionado. O mais absurdo de tudo issoé que o Consórcio quer piquetar, impediro uso de parte das propriedades, sem ofe-recer qualquer indenização para tanto.Vários moradores receberam visitas detécnicos querendo colocar os piquetes emseus quintais.

182

Outras conseqüências diretas da cons-trução da barragem referem-se à perda deempregos no distrito. Muitos dos mora-dores deixaram as terras em que trabalha-vam na região. Quando a construção co-meçou e as ameaças de desapropriaçãosurgiram, os donos de terra não quiseraminvestir mais nas suas propriedades e aredução de rendimentos foi imediata paraos moradores.

183"Hoje, só conseguimos

sobreviver porque cada família tem umaposentado em casa. Os filhos vivem daaposentaria dos pais, quando a gentemorrer como eles vão sobreviver?”

184

5. A aprovação da implementação deum Plano de Assistência Social nãorealizado: incongruências do Conse-lho de Assistência Social do Estadode Minas Gerais (CEAS)

Entre 30 de setembro e 10 de dezem-bro de 2003, o CEAS visitou as comuni-dades do Rio Doce e Santa Cruz doEscalvado e reuniu-se com as populaçõeslocais para verificar se o Plano de Assis-tência Social – apresentado à época daconcessão da licença de instalação - tinhasido implementado pelo Consórcio. Foramobservados sérios problemas, entre outros,que a “população de Soberbo mostrou-senuma situação de vulnerabilidade social,econômica e psicológica em decorrênciada barragem”.

185No dia 05 de dezembro

de 2003, o CEAS convocou uma reunião

180 Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador, elaborado pela equipe da Universidade Federal de Viçosa entre os dias 19 e 23 de janeirode 2004, p.11-12181 Testemunho à equipe da Justiça Global a partir de visita realizada à Santana do Deserto no dia 23 de setembro de 2004.182 Depoimento do morador Raimundo Ribeiro Filho, morador e Santana do Deserto, à equipe do Centro de Justiça Global, no dia 25 de setembrode 2004.183 Entrevista da equipe do Centro de Justiça Global com moradores de Santana do Deserto.184 Depoimento do morador Adelino Gonçalves à equipe do Centro de Justiça Global no ia 25 de setembro de 2004, em Santana do Deserto.185 Ofício nº 221/03 enviado ao Movimento dos Atingidos por Barragens por Rômulo Antônio Viegas, Presidente do CEAS, no dia 09 dedezembro de 2003.

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

extraordinária para discutir se aprovariamou não a implementação do PAS. A Reso-lução nº 39/2003, que “dispõe sobre a com-provação da implantação do Plano de As-sistência Social para a população atingidapela construção da Usina Hidrelétrica deCandonga”, foi publicada no dia 10 de de-zembro de 2003.

186 Antes de colocar suas

conclusões, o CEAS fez as seguintes ob-servações que valem a pena serem trans-critas:� “Considerando as diretrizes doPlano de Assistência Social – PAS, dis-postas no art. 6

o da Lei nº 12812/98,

especialmente a disposição de seuinciso IV e alíneas – “o reassenta-mento, por opção dos atingidos, inclu-indo-se aqueles que se dedicam à agri-cultura familiar, mesmo quandoexercida em terrenos de terceiros, ob-servadas: a) a localização preferencialdo reassentamento no mesmo municí-pio ou mesma região do empreendi-mento; (b) a participação voluntária decomissão representativa dos atingidosna escolha de área para reassentamento;� [considerando] ser diretriz da po-lítica estadual de assistência social “oamparo á família carente e a promo-ção da integração de seus membros aomercado do trabalho”, bem como serprincípios dessas: “a primazia do aten-dimento às necessidades sociais sobreas exigências de rentabilidade econô-mica; universalização dos direitos, afim de tornar o destinatário da açãosocial alcançável pelas demais políti-cas públicas;

� considerando o respeito à digni-dade do indivíduo, à sua autonomia eao seu direito a benefícios e serviçosde qualidade, ...e ser competência doCEAS zelar pela observância e cum-primento desta política;� considerando o impacto socialgerado pelo empreendimento, no quese refere á extinção de formas de tra-balho, não sendo, ainda, criadas al-ternativas para sobrevivência dos atin-gidos;� considerando o impacto psicoló-gico gerado pelo empreendimento,que não pode ser mensurável, por sersubjetivo, mas pode ser detectávelatravés de observação das relaçõespessoais e interpessoais dos atingidos;� considerando a não implemen-tação do Programa de Assistência So-cial às populações atingidas pela cons-trução das barragens;� considerando a falta de condi-ções dos municípios, onde se localizao empreendimento e a necessidade dearcar com o custo social gerado pelomesmo; considerando as denúnciasem relação ao empreendimento, fei-tas pelo Movimento dos Atingidos porBarragens –MAB; considerando o nãocumprimento do Plano de AssistênciaSocial – PAS, nem da Resolução n 05/01 do CEAS, que o aprovou comcondicionantes; considerando ser atri-buição do CEAS, dentre outras, con-forme o art. 3 da lei 12812/98, “fis-calizar a implantação dos planos deassistência social” resolve...”.

186 Resolução nº 39/2003, publicada no Diário Oficial de Minas Gerais no dia 10 de dezembro de 2003.

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Apesar de um preâmbulo apontandotantas falhas, o CEAS ainda assim apro-vou o relatório de implantação do Planode Assistência Social, submetendo-o afuturas condicionantes com uma série demedidas a serem adotadas pelo Consór-cio para assegurar a assistência social àscomunidades atingidas.

Entre outras medidas, o CEAS requi-sitou: (1) a criação de uma equipemultidisciplinar composta por dois advo-gados, dois psicólogos e dois assistentessociais para atender às demandas indivi-duais e coletivas dos atingidos pelo em-preendimento; (2) conclusão da constru-ção das casas do reassentamento e dasobras como um todo, incluindo o centrocomercial, o cemitério e a capela; (3) com-pleta indenização dos atingidos; (4) cria-ção e implementação do programa dereativação econômica; (5) promoção decursos de capacitação objetivando asustentabilidade e a efetiva inserção e pro-moção social dos atingidos; (6)concessãode auxílio financeiro para família titularde imóvel em Nova Soberbo; (7) con-cessão de terreno para produção, comágua disponível, suporte técnico, insumose implementos agrícolas para recomporos pomares e hortas inundados; (8) a ou-torga das escrituras das novas casas e lo-tes recebidos pelas famílias. Finalmente,requereu que o Consórcio enviasse men-salmente relatórios para o CEAS docu-mentando o desenvolvimento e resultadodas atividades com a comunidade.

Em outras palavras, a resolução doCEAS termina com uma imensa contradi-ção entre argumentos e conclusão para ra-tificar algo que não foi executado. A imple-

mentação do Plano de Assistência Socialfoi aprovado com condicionantes que seidentificavam com os próprios requisitospara a concessão da aprovação. A resolu-ção do CEAS nesse caso não só guardagrande incoerência, como também violaprincípios do direito administrativo e dalegislação federal e estadual brasileiras.Assim o Conselho Estadual de AssistênciaSocial de Minas Gerais também deve serresponsabilizado pelas violações de direi-tos contra a população do antigo Soberbo.

Após a aprovação da resolução, nãohouve qualquer melhoria significativasobre a situação das famílias. Por exem-plo, ao passo que o Consórcio formalmen-te preencheu o requisito de formar umaequipe multidisciplinar de advogados,psicólogos e assistentes sociais para aten-der à comunidade, o Centro de JustiçaGlobal pode verificar a atuação ineficaze inútil dessa equipe durante sua visita .As pesquisadoras puderam encontrar, noescritório da Ordem dos Advogados doBrasil, Sub-seção de Ponte Nova, os se-nhores Francisco Rodrigues de CunhaNeto e Luiz Ângelo Ferreira de Nascimen-to, ambos advogados que trabalharampara a equipe multidisciplinar e forampagos pelo Consórcio. A primeira ques-tão trazida pelos dois advogados foi se aJustiça Global apoiava ou não as açõesdo Consórcio, antecipando desde já que,de acordo com eles, o Consórcio tinhafeito tudo certo, “retirando os moradoresda pobreza e dando-lhes uma vida decen-te”.

187 Ainda, de acordo com Luiz Ânge-

lo, o grupo estava lá desde dezembro de2003 (conforme decisão do CEAS) e re-ceberam muito pouca demanda até então.

187 Entrevista com Luiz Ângelo Ferreira do Nascimento ao Centro de Justiça Global no dia 04 de junho de 2004, no escritório da Ordem dosAdvogados do Brasil – OAB, Ponte Nova, Minas Gerais.

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

De fato, numa visita realizada em outu-bro de 2003, o CEAS já tinha identifica-do que as assistentes sociais contratadaspelo consórcio foram mais usadas paraconvencer a população das boas intençõesdo Consórcio do que para resolver seusproblemas pessoais.

188Não há dúvidas de

que ao saber da posição da equipe, aspessoas não se sentiram muito confortá-veis para fazer reclamações contra o Con-sórcio. Como resultado, a equipe multi-disciplinar mais tratou de questões fami-liares não relacionadas com as preocupa-ções decorrentes da mudança de casa, oque praticamente tornou inútil a assistên-cia da equipe para objetivo que levou àsua formação.

Dentro dessas circunstâncias ilegais,ainda com a aprovação formal do CEAS,o Consórcio conseguiu, ao final, a Licen-ça de Operação.

6. A Concessão da Licença de Opera-ção (LO) da hidrelétrica Candonga

6.1. O não posicionamento da FEAMsobre a licença de operação

A concessão da licença de operaçãofoi também permeada de irregularidadese merece alguns destaques.

Depois de muitas visitas de campo erealização de pareceres, a FEAM apresen-tou seu relatório sobre o pedido da Licen-ça de Operação em março de 2004. Comomencionado anteriormente, o parecer écompletamente contrário à posição doconsórcio. Está repleto de críticas negati-

vas, repreensões sobre atrasos decronograma, além de apontar a exigênciade condicionantes não atendidas, obser-vações sobre práticas irregulares e o tra-tamento desrespeitoso com a populaçãolocal por parte do Consórcio.

Durante uma entrevista com o Centrode Justiça Global, Morel Queiroz, Diretorda Divisão de Infra-Estrutura da FEAM eresponsável pelo parecer, explicou quehavia três problemas técnicos com o pro-jeto Candonga que estão sintetizados norelatório

189: (1) primeiro, sérias omissões

e problemas como o uso de ameaças, vi-olência e os chamados métodos poucoortodoxos durante as negociações com asfamílias, especialmente antes da assesso-ria prestada pelo Movimento dos Atingi-dos por Barragens; (2) existência de umagrande discrepância entre o número degarimpeiros e meeiros reconhecidos e osnúmeros apresentados pela comunidadee (3) sérias falhas na execução de medi-das para desenvolvimento e reativaçãoeconômica das famílias compulsoriamen-te deslocadas das áreas urbana e rural deSoberbo.

Isso tudo sem mencionar os impactosambientais apontados no relatório, queagravam ainda mais a situação do direitoà moradia adequada e o direito ao meioambiente sadio para a população local, asaber: (1) as novas estradas feitas peloConsórcio depois de alterações no fluxodo rio e construção da nova cidade apre-sentam falhas de segurança pelo aumen-to do número de curvas;

190 (2)observa-

ções de deterioração da qualidade de

188 Relatório de visita do Conselho Estadual de Assistência Social – Usina Hidrelétrica de Candonga -, entre os dias 30/09/2003 e 02/10/2003,Súmula de reunião,p.2.189 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003, p. 06190 Idem, p. 17. As pesquisadoras também observaram problemas surgidos nas novas estradas durante a visita delas.

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água no rio Doce incluindo um ph maisalto que o usual, o aparecimento de altoteor de ferro e manganês e aumento dasconcentrações de fitoplanctons e outrosparasitas responsáveis por importantesproblemas de saúde na população local eaumento do desconforto e da inconveni-ência causado pelos fortes odores e pelosmosquitos

191, (3) impacto no ciclo repro-

dutivo de muitas espécies de peixes, fa-lha na concepção de um mecanismo efi-ciente de transporte desses animais paraum outro ambiente de reprodução e falhano estabelecimento de um sistema paramonitorar a eficiência do mecanismo es-colhido para a reprodução de espéciesespecíficas de peixes.

192

Na conclusão do seu parecer, a FEAMafirma: “Trata-se, em suma, da análise deum projeto que foi permeado, várias ve-zes, pelo acometimento de falhas de exe-cução, algumas das quais, implicandoimpacto direto e imediato para o qual nãohavia o necessário prognóstico, e, bemassim, a postergação de medidas ambien-tais – devidamente previstas e não menosimportantes – para a fase de operação daUHE, dada a relativa independência des-sas em relação aos efeitos do enchimentodo reservatório”.

193

Apesar de todos esses problemas queforam exaustivamente apontados no rela-tório, o parecer final da FEAM surpreen-dentemente não conclui nem pela conces-são nem pela recusa da licença de opera-

ção. De fato, pela primeira vez na história,a FEAM se refutou a uma tomada de posi-ção e repassou para o COPAM decidir so-bre a outorga da licença. Solicitado paracomentar mais sobre a decisão de não re-cusar nem recomendar a concessão da LO,Morel Queiroz ficou obviamente embara-çado. Ele assumiu que já estava nesse em-prego há mais de 16 anos e nunca emitiuesse tipo de “não-decisão”. Disse que foicompelido pelas circunstâncias a agir as-sim.

194 Explicou que já tinha segurado a

emissão do parecer desde outubro de 2003por causa da falta de garantias necessáriascom respeito a muitas condicionantes, eque, ao final, “não queriam mais ficar como processo em mãos, sofrendo as pressõesque estavam sofrendo”.

195 Afirmou ainda

que havia sérios problemas surgidos des-se caso e que a orientação forte da FEAMfoi que o projeto deveria ser suspenso.Segundo Morel, não podia acatar a licen-ça porque era um profissional e preocupa-va-se com os impactos negativos desteempreendimento sobre a população locale sobre o ambiente, e, por outro lado, tam-bém não podia recusar porque sabia daimportância do projeto para o governo.

196

Embora Morel Queiroz não tenha respon-sabilizado ninguém pelo que aconteceu,insistiu que a FEAM tinha somente umpoder de recomendação e que a decisãoúltima foi feita pelo COPAM e que, ao fi-nal, fizeram submeter uma lista de condi-cionantes ao Consórcio, algumas para se-

191 Idem, p 20-23192 Idem p 46-49193 Idem, p. 107194 Entrevista da equipe da Justiça Global com Morel Queiroz no dia 07 de junho de 2004, em Belo Horizonte: “não concluímos pelo deferimentoou indeferimento da LO porque as circunstâncias nos obrigaram a agir dessa maneira”.195 Idem: “ não queríamos ficar mais com o processo em mãos, sofrendo as pressões que estávamos sofrendo e mandamos para o COPAM decidir”.196 Relatório técnico da FEAM/ DIENE 008/2004, processo n 130/1998/005/2003 p.107: “ Fica mais do que evidente a envergadura do projetoambiental associado ao empreendimento, atribuindo à equipe analista a responsabilidade equivalente” .

O Caso Candonga

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rem preenchidas antes do enchimento doreservatório e do início de operação da bar-ragem, e outras para serem atendidas emcurtos prazos.

6.2. Decisão do COPAM: impera-tividade dos interesses do consórcio,postergação dos direitos dos atingidos

Apesar das práticas irregulares, a Câ-mara de Infra-Estrutura do COPAM deci-diu emitir a licença de operação no dia 30de março de 2004, com condicionantes.

A série de condicionantes não cum-pridas - constantes na licença de opera-ção - incluíam a realização de estudos eadoção de medidas para assegurar o fun-cionamento da balsa e a prevenção deinundações em Santana do Deserto; me-dição e monitoramento dos efeitosambientais da operação da barragem nosolo, na água, nas espécies animais; mu-danças climáticas e ciclo reprodutivo dospeixes; realização de uma série de adap-tações de infra-estrutura em Nova Sober-bo e, mais importante, resolução dos pro-blemas sociais e econômicos das popula-ções locais.

Entre os problemas sociais e econô-micos apresentados, o COPAM fez refe-rência à implementação do projeto dereativação econômica para as populaçõesrurais e urbanas de Soberbo, à garantiade plena indenização aos garimpeiros emeeiros e à revisão do processo de nego-ciação ocorrido entre o Consórcio e asfamílias. Essas três condições foramidentificadas como os maiores problemaspela FEAM e foram objeto de uma reso-lução especial do presidente do COPAM,

Ilmar Bastos Santos. O Presidente deter-minou a criação de três comissões paraestudar soluções e propostas - a comis-são de reativação econômica, de meeirose garimpeiros e comissão sobre processode negociação - e submetê-las em relató-rio final à CIF/COPAM.

6.2.1 A Comissão de ReativaçãoEconômica

De acordo com a Licença de Opera-ção, a implementação de importantes pro-jetos de reativação econômica tinha de serfeita antes do início de operação dabarragem.

197Assim, o presidente do CO-

PAM determinou a criação de uma comis-são especial para supervisionar tais medi-das.

A comissão foi presidida pelo sr. Car-los Fernando e Valter Zschaber e foi cons-tituída tanto por membros do COPAM eda FEAM, como por representantes dascomunidades atingidas e do Consórcio, eassistentes técnicos para as questões dereativação econômica de ambos os la-dos.

198

Comissão começou a se reunir em abrilde 2004 em Belo Horizonte. No dia 19 deabril de 2004, os representantes das comu-nidades e seus assistentes técnicos (equi-pe da Universidade de Viçosa que prepa-rou o DRPE) apresentaram suas deman-das como referenciadas no Diagnóstico.

Em síntese, as demandas das comuni-dades foram as seguintes: (1) 15 hectaresde terra, com infra-estrutura e suporte téc-nico agrícola para cada garimpeiro, meeiroe pescador; uma área total de 1000 metrosquadrados para cada morador, como re-

197 Condicionante 4.11 da Licença de Operação198 Relatório de Reativação Econômica da UHE Candonga, Câmara de Infra-estrutura do COPAM, 22 de junho de 2004

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composição dos quintais perdidos, e umaárea coletiva de 500 metros quadrados paraprojetos de culinária e jardinagem; (2) che-que alimentação no valor de dois saláriosmínimos e uma cesta básica por família atéo pleno alcance da reativação econômica;(3) industrialização, infra-estrutura e supor-te técnico para novas formas de cultivocomo horticultura, piscicultura, apiculturae derivados da cana-de-açúcar, inclusiveálcool; (4) pagamento de contas de luz; (5)10 anos de assistência técnica para as co-munidades.

O DRPE justificou exaustivamente asdemandas apresentadas e concluiu que senão fosse garantida uma infra-estruturabásica para as famílias, a reativação eco-nômica e o bem-estar social e cultural dacomunidade ficariam comprometidos. Aose reivindicar uma área de 1.000 m² paraos quintais de todas as casas do núcleourbano de Nova Soberbo e uma área mé-dia de aproximadamente 15 (quinze) hec-tares para cada família reassentada, o queestava em jogo era a segurança alimentardas famílias atingidas pela barragem deCandonga. Foi solicitado ao COPAM, in-clusive, que os atingidos tivessem direitoa um laudo imparcial sobre o tamanho daárea para um módulo rural, indicando-seo INCRA para definir esse tamanho, o quefoi arbitrariamente recusado pelo COPAMna reunião de aprovação do Plano deReativação Econômica.

O DRPE chamou atenção para algu-mas outras questões. Primeiro, que as fa-mílias nunca tinham pedido para seremdespejadas de suas terras e casas e deve-riam receber ao menos o que perderam

nessa operação para garantir a sobrevi-vência. Segundo, nos últimos 03 anos, asfamílias não puderam cultivar ou exercero garimpo como resultado direto da bar-ragem do Consórcio. Além da paz e tran-qüilidade, perderam bens e dinheiro. En-contravam-se assim numa terrível situa-ção material e financeira que os impediade investir em qualquer infra-estrutura ouassegurar a subsistência diária.

199 Tercei-

ro, todos tinham livre acesso à água dorio antes da barragem ser construída e àsadia alimentação, não disponível mais.Quarto, o rio deu acesso à energia e com-bustível que eles precisariam compraragora.

200

No dia 21 de abril de 2004, o consór-cio sistematicamente ignorou por comple-to as demandas das comunidades e ofere-ceu o seguinte: 3 hectares de terra e apoiotécnico para a população rural; 360 metrosquadrados para a população urbana, umaárea coletiva de 500 metros quadrados paraculinária e jardinagem; um salário mínimoe cesta básica por família; pagamento daprimeira conta de luz; redefinição de al-guns projetos de reativação econômica edois anos de assistência técnica.

201

No final de abril de 2004, os trabalhosda Comissão ainda não tinham progredi-do. Foi concedida uma prorrogação paraencerramento dos trabalhos na reunião dodia 30 de abril. No dia 10 de maio de 2004,um técnico da Câmara de infra-estruturado COPAM e outro da Emater (Empresade Assistência Técnica e Extensão Ruralde Minas), visitaram a Nova Soberbo econcluíram que as novas terras oferecidasapresentavam alguns problemas para

199 id, p. 45200 id, p.47201 Relatório de Reativação Econômica da UHE Candonga, Câmara de Infra-estrutura do COPAM, 22 de junho de 2004, p.2

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

implementação dos projetos de reativaçãoeconômica. De acordo com a FEAM e oConsórcio, as comunidades puderam es-colher a nova terra e precisamente seleci-onaram uma infértil e inacessível.

202 Por

outro lado, os representantes das comuni-dades explicaram ao Centro de Justiça Glo-bal que não tiveram condições de escolher,vez que não contaram com qualquer tipode assistência técnica para orientá-los e nãohavia meios de verificar se a terra era fértilou de bom uso.

As negociações entre as duas partesacabaram num impasse: as comunidadesinsistiram nos 15 hectares para reassen-tamento da população rural e 1000 metrosquadrados para a população urbana. OConsórcio continuou a oferecer 3 hectarespara área rural e 360 metros quadradospara a urbana. Depois da operação polici-al de despejo do dia 03 de maio, o diálogose tornou ainda mais difícil e, na reuniãodo COPAM realizada no dia 28 de maiode 2004, a Comissão pediu nova prorro-gação para entrega dos trabalhos.

Apesar de pouco ter avançado nas ro-dadas de negociação, o Presidente da Co-missão, Carlos Fernando, apresentou seurelatório final à FEAM no dia 22 de junhode 2004 em circunstâncias muito suspei-tas. O relatório foi sorrateiramente apresen-tado sem ter passado por qualquer discus-são ou ainda alcançado qualquer consen-so entre os demais membros da Comissão.Em ofício enviado ao Centro de JustiçaGlobal no dia 13 de julho de 2004, o Dire-tor da Divisão de Infra-estrutura da FEAM,

Morel Queiroz, explicou que o processode negociação foi interrompido antes dasduas partes chegarem a um acordo.

203 En-

tão, dado o impasse em que as duas partespermaneceram com suas propostas inici-ais, o sr. Carlos Fernando simplesmentedecidiu acatar todas as propostas defendi-das pelo Consórcio, desrespeitando com-pletamente as demandas apresentadas pe-las comunidades.

204

Esse relatório foi enviado à FEAM nodia 22 de junho de 2004 e logo depoissubmetido ao COPAM para aprovação nodia 25 de junho. O COPAM acatou ple-namente as recomendações da Comissão,com exceção dos 05 anos de assistênciatécnica da EMATER (em contraposiçãoaos 02 anos sugeridos no relatório). Apequena concessão foi obtida depois delongas horas de debate na reunião doCOPAM com a presença de grande nú-mero de moradores da velha Soberbo erepresentantes do MAB e da CPT( Comis-são Pastoral da Terra).

Existem boas razões para duvidar daimparcialidade, da isenção e da lisura pro-fissional do Presidente da Comissão, bemcomo de demais conselheiros do COPAMnesse caso. Primeiro, o fato de nenhumadas demandas das comunidades teremsido acatadas em sua plenitude, emborafossem embasadas em consistente relató-rio elaborado pela equipe multidisciplinarda Universidade de Viçosa. Quando háimpasse, o normal é o Presidente tentarcontemporizar e firmar compromissos deambos os lados, especialmente quando um

202 Entrevista da equipe do Centro de Justiça Global com Morel Queiroz e Maurício Martins no dia 07 de junho de 2004, em Belo Horizonte,Minas Gerais.203 Ofício DIENE/FEAM nº 104/2004, datado de 13 de julho de 2 004, enviado por Morel Queiroz da Costa Ribeiro, Diretor da Divisão de Infra-estrutura e Energia da FEAM, por via eletrônica para o Centro de Justiça Global.204 Ofício nº 221 enviado pelo MAB por Rômulo Antônio Viegas, Presidente do Conselho de Assistência Social – CEAS - no dia 09 de dezembrode 2003.

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dos lados é de moradores rurais desloca-dos forçosamente de suas terras e propri-edades por empresas multinacionais sema devida compensação.

Restou bem clara a falta de seriedadedo consórcio nas negociações e o inte-resse em simplesmente mascarar rapida-mente o atendimento de uma exigênciaformal para iniciar a operação da barra-gem, esforçando-se para se desincumbirda condicionante posta pelo COPAM.Basta dizer que o consórcio Candongarequereu uma intervenção especial na ses-são plenária do COPAM (máxima instân-cia deliberativa) em maio de 2004 pararequerer a prorrogação de prazos de mui-tas medidas mitigadoras, sugerir a altera-ção de outras condicionantes, e mais im-portante, requerer a retirada da condicio-nante que determinava o cumprimento dealguns projetos de reativação econômicaantes do enchimento do reservatório dabarragem. A Conselheira da FEAM,Fernanda Viana de Carvalho, fazendouma breve análise do pedido do Consór-cio na sessão plenária, foi categórica: “aposição da FEAM assumida no parecertécnico que embasa a licença de opera-ção foi clara no sentido de que a adoçãode algumas medidas de reativação eco-nômica eram condições indispensáveispara início do enchimento do reservató-rio”.

205

Estrategicamente, como se já soubes-se de antemão o conteúdo do relatórioapresentado pelo sr. Carlos Fernando e adecisão a ser tomada pelo COPAM, o Con-sórcio começou a encher o reservatório nodia 22 de junho de 2004, mesmo dia em

que o relatório foi protocolado na FEAM.Também na mesma data, foi surpre-

endentemente revogada pelo Presidentedo Tribunal de Justiça de Minas Gerais aliminar na Ação Civil Pública (melhordescrita abaixo) que impedia o enchimen-to do reservatório. O Consórcio agiu as-sim como se tivesse toda a garantia ante-cipada de que as decisões seriam favorá-veis ao empreendimento.

6.2.2.A comissão dos garimpeiros emeeiros

Além da Comissão de ReativaçãoEconômica, o Presidente da Câmara deInfra-estrutura do COPAM, Ilmar BastosSantos, determinou a criação de uma co-missão para tratar especificamente da si-tuação dos meeiros e garimpeiros que ain-da não tinham sido reconhecidos peloConsórcio. Para presidi-las, foram nome-ados os senhores Leomar Fagundes eRonaldo Mallard. De acordo com a co-municação eletrônica enviada por MorelQueiroz para o Centro de Justiça Globalno dia 02 de agosto de 2004, a comissãoiniciou os trabalhos, mas ainda está lon-ge de alcançar quaisquer conclusões.

206

Vale mencionar que no recurso apre-sentado na sessão plenária do COPAM emmaio de 2004, o Consórcio requereu es-pecificamente que fosse retirada da con-dicionante que determinava a criação daComissão a seguinte frase “que ainda nãoteriam sido reconhecidos”.

207Não podia

ser mais explícita assim a má-fé e a inten-ção do Consórcio em não reconhecer osdireitos dos meeiros e garimpeiros.

205 FEAM, resumo sobre UHE Candonga, 26 de maio de 2004, p.04206 E-mail enviado por Morel Queiroz ao Centro de Justiça Global no dia 02 de agosto de 2004.207 FEAM, resumo sobre UHE Candonga, 26 de maio de 2004, p.2

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Durante a visita de campo realizada àNova Soberbo em julho de 2004, a FEAMobservou que a situação de muitos garim-peiros continuava precária. Em algunscasos, como o de Bernardo Cruz Souza,por exemplo, os representantes da FEAMMorel Queiroz e Maria Tereza de Olivei-ra foram informados de que “o contratode aluguel de 2 meses assumidos peloConsórcio para atender sua segurançahabitacional encontrava-se vencido enenhuma providência foi tomada, quehouve até corte de energia na casaalugada e que o locador vem pressionan-do-o para desocupar o imóvel”.

208

A conclusão da FEAM que atesta apéssima situação do processo de reconhe-cimento dos garimpeiros e meeiros é a se-guinte: “...o reconhecimento do grupo fi-nal de pessoas com direito à medida com-pensatória pela perda da oportunidadede garimpo ainda não está concluída pelarelatoria da CIF/COPAM, conforme deli-beração tomada na sessão plenária dojulgamento da licença de operação doempreendimento”.

209

6.2.3.Comissão sobre processo denegociação

De acordo com a correspondência ele-trônica enviada por Morel Queiroz no dia02 de agosto de 2004, a contratação deum técnico para rever o processo de ne-gociação e os critérios negociais usadospelo Consórcio com as famílias não foi

realizada pela FEAM. Um profissionalinclusive já tinha iniciado o trabalho masnão o entregou ainda à CIF/COPAM.

210

7. Ações jurídicas: versos e reversos do interesse público

7.1.A Ação Civil Pública e o embar-go judicial dos efeitos da licença de ope-ração

Além da atuação local do Movimentodos Atingidos por Barragens (MAB), apopulação de Soberbo, atingida pela UHECandonga, contou com a contribuição eapoio do Núcleo de Assessoria às Comu-nidades Atingidas por Barragens –NACAB.

211

No dia 02 de abril de 2004, dois diasapós a emissão da Licença de Operaçãopelo COPAM, o NACAB, através do ad-vogado Leonardo Pereira Rezende, in-gressou com uma Ação Civil Pública nacomarca judicial de Ponte Nova, MinasGerais, contra o Estado de Minas Gerais,Alcan, Companhia Vale do Rio Doce e oconsórcio Candonga, suscitando a ilega-lidade do processo de licenciamento e anão recomposição dos direitos da popu-lação atingida pela barragem, e requeren-do concessão de medida liminar para sus-tar imediatamente os efeitos da licença deoperação emitida no dia 30 de março de2004.

O NACAB questionou a validade daLicença de Operação por duas razões prin-

208 Auto de fiscalização nº 001125/2004, FEAM, Relatório Sucinto de Visita , 02 de julho de 2004.209 idem210 Correspondência eletrônica enviada por Morel Queiroz ao Centro de Justiça Global no dia 02 de agosto de 2004 ao Centro de Justiça Global211 O NACAB é uma organização não–governamental que reúne militantes e profissionais que atuam na defesa direitos humanos, como advogados,economistas, agrônomos, integrantes do MAB e da CPT. Foi criado no dia 09 de novembro de 2002 com o objetivo de promover e defender osdireitos sociais, econômicos e culturais das populações atingidas por barragens, prestando-lhes apoio técnico, jurídico, político, promovendoatividades de capacitação e de estímulo à organização.

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cipais: 1) de acordo com a lei nº 12.812/98 do Estado de Minas Gerais, a conces-são da licença de operação estava condi-cionada à implementação do Plano de As-sistência Social pelo Conselho Estadual deAssistência Social (PAS); nesse caso, o PASnão foi implementado e a resolução doCEAS nº 39/2003 deveria ser consideranula por ser contraditória em si; 2) de acor-do com a legislação federal e estadual, alicença de operação só pode ser emitidaapós a verificação da implementação detodas as condicionantes determinadas naslicenças anteriores. Isso não foi observa-do no presente caso e os empreendedoresviolaram os direitos fundamentais garanti-dos pela Constituição brasileira e legisla-ção federal e estadual. O NACAB tambémarguiu que, face às inúmeras pendênciasdo Consórcio com as famílias atingidas, in-cluindo a ausência de um programa dereativação econômica substancial e coe-rente, a falta de regularização dos lotesurbanos em Nova Soberbo, a falta de con-clusão de muitas ações de desapropriaçãoe a falta de uma compensação satisfatóriapara as famílias pelas perdas sofridas, nãoseria possível e legal para o CEAS, aFEAM e o COPAM concederem a licençaambiental nesse caso.

No pedido final, o NACAB requereuque o Juiz responsável deferisse uma or-dem liminar impedindo que as empresas(Alcan, CRVD, Candonga) realizassem oenchimento do reservatório e iniciassema operação da barragem antes da resolu-ção de todas as ações judiciais em curso

e da devida recomposição dos direitos dapopulação afetada, e que fosse declaradaa nulidade da Licença de Operação emi-tida pela CIF/CPAM, condenando os réusao pagamento das custas e taxas e fosserequisitado informações sobre o consór-cio à FEAM e à ANEEL.

No dia 15 de abril de 2004, a JuízaRosângela Fátima de Freitas, da comarcade Ponte Nova, concedeu a liminar con-tra o início da operação da barragem e doenchimento do reservatório.

212Em sua

decisão, a Juíza apontou duas condiçõespresentes que a autorizavam a concedera liminar: a violação legal dos direitos dapopulação atingida e a existência do ris-co de prejuízo irreparável. Quanto à pri-meira condição, a juíza aduziu que por“não terem os réus concluído todas asmedidas sócio-ambientais previstas paraa implantação e, não tendo os requisitosdesta sido cumpridos, não há como teremdeferida a operação”

213. Em referência

ao risco de prejuízos, alega que “uma vezocorrido o enchimento do lago, não ha-verá como averiguar as pendências exis-tentes, bem como o cumprimento ou nãodestas”.

214 Daí concluiu: “...defiro a

liminar rogada , determinando pois, quea parte requerida se abstenha de iniciaro enchimento do lado da UHE Candonga,até que todas as pendências sociais eambientais apontadas sejam devidamen-te resolvidas e, em conseqüência, suspen-dendo os efeitos da Licença de operaçãoconcedida pela CIF/COPAM, ante as ir-regularidades existentes.”

215

212 Decisão da Juíza Rosângela Fátima de Freitas datada de 15 de abril de 2004, na ação civil pública nº 521.04.032157-7, em trâmite na 2a varacível da comarca de Ponte Nova.213 idem, pág. 02214 idem, pág. 02215 idem, pág. 03

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

Incomodados com a decisão judiciale com as conquistas do movimento dascomunidades, a Alcan e a CRVD reagi-ram energicamente, não poupando esfor-ços nas articulações políticas para rever-ter o processo.

No dia 26 de abril de 2004, o Con-sórcio recorreu da decisão judicial no Tri-bunal de Justiça de Minas Gerais, pedin-do que a liminar fosse cassada, pois fal-tava a intimação do estado e grandes pre-juízos estavam sofrendo os cofres públi-cos diante do atraso da operação da bar-ragem. Em síntese, alegou o seguinte:primeiro, de acordo com o contrato deconcessão assinado com a ANEEL, o con-sórcio Candonga teria a obrigação decomeçar a gerar energia no prazo de 48meses a partir da assinatura do contrato(datado de 05 de maio de 2000) e os atra-sos gerariam custos substanciais para oConsórcio desde que lhes foram impos-tos pagamentos de multas e penalidades;segundo, os atrasos acarretariam prejuí-zos para os municípios de Rio Doce eSanta Cruz do Escalvado pela impossibi-lidade de repasse dos impostos no mon-tante anual de R$1.685.737,17; terceiroargüiram os danos públicos em geral por-que a energia produzida supostamentebeneficiaria a comunidade – o que estácompletamente errado, vez que a barra-gem gerará energia somente para benefí-cio da Alcan e da Companhia Vale do RioDoce. Também alegaram que não havianenhum direito violado, pois o processo

de licenciamento ambiental teria ocorri-do regularmente e em conformidade coma legislação social e ambiental e que oprojeto da hidrelétrica já tinha sidoimplementado e se tornado uma realida-de irreversível.

216

No dia 17 de maio de 2004, o Consór-cio Candonga, por meio de seus represen-tantes legais, solicitou à Juíza de PonteNova a revogação da medida liminar, ofe-recendo como caução 10% do investimen-to total do Consórcio Candonga no proje-to, que foi de R$ 13.946.885,02, o que,segundo o Consórcio, garantiria a cober-tura de todas as pendências havidas comas comunidades.

217

No dia 08 de maio de 2004, os pre-feitos dos municípios de Santa Cruz doEscalvado, Geraldo Aquino Filho, e deRio Doce, Carlos Guiducci Soares, apre-sentaram, no processo judicial, um pedi-do de revogação da liminar, reiterandoque o interesse público estava sendo pre-judicado com a perda anual de aproxi-madamente R$1.685.737,17, o que repre-sentava um terço da receita municipal.

218

Os moradores de Soberbo e deSantana de Deserto não se surpreenderamcom o posicionamento dos prefeitos, dadoque eles nunca por parte dos mesmos re-ceberam nenhum tipo de apoio nos anosanteriores. Bem sabiam que outros inte-resses - que não necessariamente o dopúblico diretamente interessado - iriam sercontemplados com a redistribuição dopagamento das taxas.

219 Já o Consórcio,

216 Contestação da Companhia Vale do Rio Doce apresentada no dia 25 de abril de 2004 e contestação do consórcio Candonga apresentada nodia 17 de maio de 2004, ação civil pública nº 521.04.032157-7, em trâmite na 2a vara cível da comarca de Ponte Nova.217 Pedido de Reconsideração datado do dia 17 de maio de 2004, ação civil pública nº 521.04.032157-7, em trâmite na 2a vara cível da comarcade Ponte Nova.218 Petição datada de 08 de maio de 2004, ação civil pública nº 521.04.032157-7, em trâmite na 2a vara cível da comarca de Ponte Nova.219 Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador – DRPE, elaborado pela equipe da Universidade Federal de Viçosa entre os dias 19 e 23 dejaneiro de 2004.

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óbvio, acolheu muito bem a iniciativa dosprefeitos.

220

Também o Ministério Público, atravésdo Promotor de Justiça Galban Cotta deMiranda Chaves, emitiu parecer favorá-vel ao Consórcio, ao considerar que aliminar não deveria ter sido concedida sema ouvida do Estado de Minas Gerais, queo enchimento da barragem não impediriaa resolução das pendências existentes eque a barragem seria naquele momentouma realidade irreversível na região. Fi-nalmente, que a quantia oferecida seriagarantia suficiente para recompor os di-reitos sacrificados.

221

No dia 14 de junho de 2004, a JuízaRosângela Fátima de Freitas manteve adecisão liminar

222 de impedir o enchimen-

to do lago até resolução de todas as pen-dências, rejeitando o pedido de substitui-ção por caução oferecido pelo Consórcio.Primeiro, afirmou que o Consórcio reco-nheceu a existência de pendências no casoque não são nada mais nada menos queviolação de suas obrigações contratuais elegais e responsabilidades pertinentes aoprojeto. Reiterou todos os problemas iden-tificados pela FEAM e os inúmeros pro-blemas ocorridos na Nova Soberbo, sobre-tudo em relação à qualidade da água.

Ainda pontuou a Juíza sobre o imen-surável valor dos direitos violados: “aojuízo,...cabe a responsabilidade de asse-gurar ampla garantia, justamente para seevitar, no futuro, quando consumado o in-tento, e não for mais possível reverter-se o

processo, a mais completa indenização, eo menor impacto ambiental possível. Daíporque, quanto a esse último aspecto, nãoseria de maior relevo o valor da caução,mas medir-se o nível de agressão ao meioambiente e sua projeção, quanto às con-seqüências, para as gerações futuras. Aprodução de energia, conquanto impor-tante para o progresso do país, não podeser causa de destruição, de fenecimentodas riquezas naturais não renováveis se-não mercê de dezenas e dezenas de anossem a ação avassaladora do homem. Ageração de energia também não pode seradmitida quando a pretexto dela se olvidao elemento humano, quando não se aten-ta para a redução máxima de seu sofri-mento. (...)Assim, se a imposição do pro-gresso e a ambição do homem superam apreservação da própria vida, donde ine-vitável a agressão ambiental, mesmo coma adoção das mais refinadas técnicas queproporcionam o desenvolvimento susten-tável, é de se atentar, com rigorismo, pelomenos para a defesa do homem, agredidoe expulso de seu habitat, proporcionan-do-lhe a mais completa solidariedade. Eisporque a mensuração das “providênciascomplementares” não pode ser feita aoalvedrio do Consórcio, segundo suas re-gras de experiência, que não são, obvia-mente, as do juízo”

223. A seguir, concluiu

a juíza pela manutenção da ordem liminare pela nomeação de um perito para quanti-ficar as pendências sociais e ambientaisexistentes.

220 Petição apresentada pelo Consórcio Candonga apoiando o pedido dos prefeitos, datada de 31 de maio de 2004, ação civil pública nº521.04.032157-7, em trâmite na 2a vara cível da comarca de Ponte Nova.221 Parecer do Ministério Público de Minas Gerais sobre pedido de Substituição da liminar por caução apresentado pelo consórcio.222 Decisão da juíza Rosângela Fátima de Freitas, 14 de julho de 2004, na ação civil pública nº 521.04.032157-7521.04.032157-7, em trâmitena 2a vara cível da comarca de Ponte Nova.223 Decisão da juíza Rosângela Fátima de Freitas, 14 de julho de 2004, ação civil pública nº 521.04.032157-7, em trâmite na 2a vara cível dacomarca de Ponte Nova.

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

7.2. A revogação da liminar: emnome dos cofres (?)

Surpreendentemente, no dia 22 de ju-nho de 2004 foi divulgada a revogação daliminar pelo Presidente do Tribunal de Jus-tiça do Estado de Minas Gerais, em aten-dimento ao pedido apresentado pelos pre-feitos dos municípios de Santa Cruz doEscalvado e de Rio Doce sob o argumen-to de que o interesse público estaria sendoprejudicado com a perda do repasse dareceita para os cofres públicos. Interessepúblico este que, em contrapartida, nãoestaria sendo desrespeitado com o sacrifí-cio dos direitos de inúmeras famílias.

Na decisão proferida pelo Presidentedo Tribunal de Justiça de Minas Gerias,Márcio Antônio Abreu Correa de Marins,os argumentos expendidos são bem teme-rários: “(...) De fato, sem embargo da rele-vância das questões pontuais ao longo doprocesso, o certo é que o seu equaciona-mento vem se dando em momento e sedepróprios, e postergar o início do funcio-namento da Usina hidrelétrica Candonga,no estágio em que se encontra o empreen-dimento, com licença de operação jáexpedida pelos órgãos ambientais compe-tentes, significa sacrificar, sem razões plau-síveis, a satisfação dos múltiplos interes-ses públicos em evidência, inclusive ospertinentes aos entes estatais envolvidos.Quanto a essa última questão, com a para-lisação nos moldes em que determina a li-minar, torna-se notória a lesão grave à eco-nomia pública dos ora requerentes, tendoem vista a escassez de recursos que assolaos municípios de um modo geral”.

224

Com a decisão do Tribunal, totalmen-te afastada dos imperativos da funçãojurisdicional , qual seja, a adequada ga-rantia de proteção jurídica contra lesão ouameaça de direitos,o Consórcio começoua encher o reservatório no dia seguinte,23 de junho de 2004.

8. A situação atual da população de Santana do Deserto e de Nova Sober

bo e dos garimpeiros e meeiros deRio Doce

Nos dias 1o e 2 de julho, os represen-

tantes da FEAM Morel Queiroz e MariaTeresa de Oliveira Costa visitaram NovaSoberbo e Santana do Deserto para secertificarem de que o enchimento do re-servatório estava ocorrendo em condiçõesseguras e em conformidade com as nor-mas e regulamentos. Eles também inspe-cionaram os diferentes projetos do reas-sentamento encampados pelo Consórciodesde março de 2004 (quando a LO foiemitida) e se reuniram com as comunida-des afetadas. No relatório, consignadonum auto de infração, foram observadosinúmeros problemas.

Em Santana, a FEAM observou queo Consórcio falhou nas medidas de segu-rança que estava comprometido a adotarpor conta do enchimento do reservatório.Em particular, foi notada “a ausência demedidas de segurança e alerta para ga-rantir a segurança de pessoas durante oevento do enchimento, (placas e faixas dealerta), visando advertir moradores doentorno sobre possíveis riscos associadosa essa etapa”

225; ainda foram informados

224 Decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Márcio Antônio Abreu Correa de Marins, no processo1.0000.04.409332-6/000, 18 de junho de 2004, Belo Horizonte, Minas Gerais.225 Auto de Infração nº 001125/2004, Relatório Sucinto da FEAM, p. 2

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por um morador que o alarme sonoro paraser acionado em períodos de maiorvertimento apresentou problemas de fun-cionamento, além de ter um volume mui-to baixo, não alcançando a área ocupa-da da localidade como um todo”.

226 En-

tre outros problemas, os técnicos da FEAMtambém foram informados de que a balsade Santana do Deserto, que faz a travessadiária de pessoas e animais no Rio Doce,sobretudo crianças escolares, não conse-guiu funcionar nos primeiros dias do en-chimento do reservatório.

227

A equipe da Justiça Global tambémtestemunhou em Santana, ao visitá-la em25 de setembro de 2004, a precariedadee o alto perigo representado pelas estra-das redesenhadas pelo Consórcio: estra-das estreitas, muito curvadas , derrapantes,havendo inclusive trechos que desmoro-naram. Alguns trechos estão sendo aber-tos em lugares tão íngremes, que fica di-fícil de se imaginar a passagem de veícu-los e de como o trajeto será enfrentadopor muitos daqueles que o fazem a pé. Jáoutros estão tão nivelados com o lago dabarragem que os moradores prenunciamque o povoado poderá ficar isolado noperíodo das chuvas. O risco de acidentesmultiplicou-se.

Em Nova Soberbo, a FEAM observouum grande nível de insatisfação entre osmoradores que ainda sofrem com sériosproblemas de infra-estrutura nas novascasas, como fissuras, infiltrações de água,problemas de dimensionamento das ca-sas, falta de entrega de casas, situaçõesvexatórias sofridas pelos garimpeiros ain-da não reconhecidos, péssimas condições

de funcionamento da escola, riscos dedeslizamento de terra em alguns trechos,exclusão do cadastro de alguns morado-res que hoje moram de favor na casa deparentes, revitalização de trechos viáriosprejudicados com as obras de construção;falta de sanitários públicos; reclamaçõesquanto ao não cumprimento de acordofirmado para receber valor de indeniza-ção; falta de funcionamento da usina delixo e grande preocupação com a locali-zação do poço de água para abastecimen-to, que pode submergir em épocas de chu-va volumosa; ruptura de passa-gados coma passagem dos veículos pesados; nãorecomposição das cercas e tapumes daspropriedades locais; dificuldade de circu-lação de pedestres na nova ponte sobre orio; maus resultados no replantio de mu-das; ausência cada vez maior da gerênciaambiental no empreendimento, impossi-bilitando tomada de providências ágeis;falta de recolocação dos pontos de ener-gia das propriedades rurais.

228

Até o presente momento, a situação dosmeeiros e garimpeiros permanece sem so-lução, sendo gravíssimas as condições desustento de todos eles. No dia 25 de se-tembro de 2004, em visita ao municípiode Rio Doce, a equipe do Centro de Justi-ça Global teve a oportunidade de contatarum grupo de mais de sessenta garimpeirose meeiros que tiveram seus meios e traba-lho prejudicados em decorrência da barra-gem. Entre estes, a presença de um grandenúmero de mulheres requeiras, que garim-pam manualmente, usando uma baia. Mui-tos relataram as dificuldades que estavampassando por não terem mais acesso ao rio.

226 idem, p. 3227 idem, p.3228 idem, p. 3 a 9

O Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

A maioria foi duplamente prejudicada, vezque passavam seis meses garimpando eseis meses plantando. A grande luta dosgarimpeiros é por terra para plantar. Alémdas dificuldades enfrentadas pela falta derenda, os garimpeiros relatam que as des-pesas com a moradia também aumentaram,pois do rio tiravam material de construçãopara suas casas. “O garimpo não se resu-me a ouro, mas dava também o cascalho,a pedra, o barro, que tirávamos do rio. Semcontar a pesca, que nos servia de alimen-tação diária”.

A perda do trabalho nas terras e no riotem gerado um grau de ociosidade enor-me por entre a população atingida, sobre-tudo entre aqueles mais jovens. Na maiorparte das casas, a única renda para as fa-mílias vem da aposentadoria recebida pe-

los parentes mais velhos. A insustentabi-lidade e dependência de ações assistenciaispor parte da população chegou a tal pontoque as pessoas acabaram sendo incluídasno Programa Fome Zero do Governo Fe-deral para recebimento de cestas básicas.

229

Na próxima seção, mostraremos comoo governo brasileiro, através dos seus Po-deres Executivo e Judiciário, violou obri-gações legais e constitucionais, sobretudono aspecto referente ao direito à moradiaadequada dos cidadãos, ao permitir a con-dução de um processo autoritário, violen-to, abusivo, cuja condução foi deixada aoalvedrio das empresas Alcan, da Compa-nhia Vale do Rio Doce e OAS e consistiaem obrigação da qual jamais poderia sedesincumbir pelo caráter público e funda-mental dos direitos em evidência no caso.

229 Informação fornecida por Sônia Loschi à equipe do Centro de Justiça Global no dia 25 de setembro de 2004

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Capítulo IV

As violações do direito à moradia adequada e deoutros direitos fundamentais no Caso Candonga

1. A proteção do direito à moradiaadequada no direito internacionale brasileiro

O Estado Brasileiro é signatário dediversas declarações e tratados internaci-onais que reconhecem o direito à mora-dia como um direito humano fundamen-tal. Destaca-se aqui o Pacto Internacionaldos Direitos Econômicos, Sociais e Cul-turais, de 1966, assinado pelo Brasil nodia 24 de abril de 1992, que gera obriga-ção para todos os Estados Partes de ado-tar medidas apropriadas para assegurar arealização do direito à moradia adequa-da.

230 Também aderiu a outras convenções

internacionais que reconhecem semelhan-te direito: Convenção Internacional sobreTodas as Formas de Discriminação Raci-al

231; Convenção sobre Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação con-tra a Mulher

232 e Convenção sobre os Di-

reitos da Criança.233

Mais especificamente, o Brasil assinoua Declaração sobre Assentamentos Huma-nos de Vancouver, de 1976, que dispõe oseguinte: “a moradia e os serviços ade-quados constituem um direito humanobásico que impõem aos governos a obri-gação de assegurar seu acesso a todosos habitantes, começando pela assistên-cia direta aos grupos mais vulneráveismediante a orientação de programas deajuda mútua e de ação comunitária. Osgovernos devem se esforçar para vencerquaisquer tipos de impedimentos e obs-táculos à efetivação desses objetivos. Re-veste-se de importância a eliminação dasegregação social e racial mediante, en-tre outras coisas, a criação de comuni-dades mais equilibradas em que se con-vivam distintos grupos sociais, ocupa-ções, moradias e serviços. As ideologiasdos Estados refletem-se em suas políticasde assentamentos humanos. Dado queestas são instrumentos poderosos para a

230 O artigo 11 desse Pacto contém o principal fundamento do reconhecimento do direito à moradia como um direito humano, do qual gera paraos Estados Partes Signatários, a obrigação legal de promover e proteger esse direito. Esse artigo estabelece o seguinte: Os Estados Partes nopresente pacto reconhecem o direito de toda a pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, incluindo o direito à alimentação,à vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadaspara assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, a importância essencial da cooperação internacional, fundada no livre consentimento.OBrasil ratificou não somente esse Pacto, como também o de Direitos Civis e políticos no ano de 1992.231 Artigo 5o da Convenção Internacional para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, firmada através da Resolução 2106. A(XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 04 de janeiro de 1969 .232 Artigo 14 (2) (h) da Convenção Internacional para Eliminação de todas as forma de discriminação contra a Mulher, firmada no dia 18 dedezembro de 1979 através da Resolução 34/180, da Assembléia Geral das Nações Unidas, com entrada em vigor em 3 de setembro de 1981 eratificado pelo Brasil no dia 02 de março de 1984.233 Artigo 27(3), da Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, firmada através da resolução 44/25 da Assembléia Geral das naçõesUnidas, no dia 20 de novembro de 1989, com entrada em vigor no dia 02 de setembro de 1990 e ratificado pelo Brasil no dia 24 de outubro de1990.

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

transformação, não devem ser utilizadasno sentido de privar as pessoas de seuslugares e suas terras, nem para ampararprivilégios e exploração. As políticas deassentamentos humanos devem ater-se àDeclaração de Princípios e á Declara-ção Universal dos Direitos Humanos.

234

O Direito à Moradia Adequada tam-bém foi reafirmado por ocasião de duasimportantes conferências internacionaisque o Brasil igualmente participou: aAgenda 21 sobre Meio Ambiente e De-senvolvimento, de 1992, e AgendaHabitat de 1996.

235

A compreensão do direito à moradiaem seus múltiplos aspectos foi particular-mente definida na Observação Geral nº04 do Comitê de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais. Nesse documento, sãoesboçados sete componentes constitutivosdas garantias básicas indispensáveis aogozo do direito à moradia: (i) segurançajurídica da posse, que permita às pessoasgozarem de certo grau de proteção legalcontra o despejo, esbulho ou outras ame-aças, devendo, por conseguinte, os Esta-dos Partes adotar imediatamente medidasdestinadas a conferir essa proteção, prin-cipalmente através de medidas de regula-rização fundiária; (ii) disponibilidade deserviços, materiais e infra-estrutura, indis-pensáveis para a saúde, a segurança, acomodidade e a nutrição, acesso perma-

nente a recursos naturais em abundância,à água potável, a instalações sanitárias,de armazenamento de alimentos, de eli-minação de dejetos, de drenagem e servi-ços de emergência; (iii) gastos suportá-veis, ou seja, que o valor pago pela mo-radia não comprometa ou impeça afruição e a satisfação de outras necessi-dades básicas, devendo os Estados Partesgarantir medidas de subsídio e facilitarformas de financiamento para famílias debaixa renda; (iv) a habitabilidade, no sen-tido de o local de morada ter espaço ade-quado a seus ocupantes e de protegê-losdo frio, da umidade, do calor, da chuva,do vento e outras ameaças para a saúde,de riscos estruturais e vetores de doença,garantindo-lhes também a segurançafísica;(v) a acessibilidade, que contemplea mobilidade de grupos mais vulneráveis,como idosos, crianças, portadores de saú-de mental e de portadores de necessida-des especiais; (vi) localização adequada,que permita o acesso a opções de empre-go, serviços de saúde, creches, escolas eoutros serviços sociais; (vii) a adequa-ção cultural,onde as políticas de incenti-vo às moradias permitam adequadamen-te a expressão da identidade cultural daspessoas e iniciativas voltadas para o de-senvolvimento e a modernização nãocomprometam as dimensões culturais damoradia.

236

234 Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos, Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos em 1976, seçãoIII (8) e capítulo II (A . 3).235 A Agenda Habitat, aprovada por todos os governos nacionais participantes da Conferência Internacional Habitat II, em junho de 1996 emIstambul, na Turquia, entre eles o Brasil, afirma: “ Nós nos comprometemos a conseguir que os assentamentos humanos sejam sustentáveis nummundo em pleno processo de urbanização, zelando pelo desenvolvimento de sociedades que façam uso eficiente de seus recursos, dentro delimites, conforme as capacidades dos ecossistemas, e que levem em conta o princípio da precaução, oferecendo a todas as pessoas, em particularàs que pertençam a grupos vulneráveis e desfavorecidos, as mesmas oportunidades de levar uma vida sã, segura e produtiva, em harmonia coma natureza e seu patrimônio cultural e valores espirituais e culturais, e que garantam o desenvolvimento econômico e social e a proteção do meioambiente, contribuindo assim para a consecução dos objetivos do desenvolvimento nacional sustentável” (Agenda Habitat, art. 42)236 Comitê dos Direitos Econômicos , Sociais e Culturais, Comentário Geral nº 04 sobre o Direito à Moradia Adequada.

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As violações do direito à moradia adequada e de outros direitos fundamentais no Caso Candonga

A Constituição Brasileira, além de ado-tar a prevalência dos direitos humanoscomo um dos princípios que deve regersuas relações internacionais

237 incorporou

expressamente no artigo 6o da sua Consti-

tuição Federal o direito à moradia comoum direito social.

238 Em outubro de 2001,

foi promulgado no Brasil o Estatuto daCidade, tornando ainda mais enfáticas asdiretrizes legais voltadas para a políticaurbana e habitacional a ser empreendidapelo governo federal, estados e municípi-os brasileiros. Dentre outras, estão previs-tas as seguintes garantias: (i) garantia dodireito a cidades sustentáveis, entendidocomo o direito à terra urbana, à moradia,ao saneamento ambiental, à infra-estru-tura urbana, ao transporte e ao lazer, paraass presentes e futuras gerações; (ii) ges-tão democrática por meio da participaçãoda população e de associações represen-tativas dos vários segmentos da comuni-dade na formulação, execução e acompa-nhamento de planos, programas e proje-tos de desenvolvimento urbano; (iii) coo-peração entre governos e iniciativa priva-da em atendimento ao interesse social; (iv)planejamento do desenvolvimento das ci-dades e das atividades econômicas domunicípio de modo a evitar e corrigir asdistorções do crescimento e seus efeitosnegativos sobre o meio ambiente; (v) ofer-ta de equipamentos urbanos e comunitá-rios, transporte e serviços públicos ade-quados aos interesses e necessidades dapopulação e às características locais; (vi)

ordenação e controle do uso do solo; (vii)integração e complementaridade entre asatividades urbanas e rurais, tendo em vis-ta o desenvolvimento socioeconômico doMunicípio;(viii) justa distribuição dos ônuse benefícios;(ix) audiência do poder pú-blico municipal e da população interessa-da no processo de implantação de empre-endimentos ou atividades com efeitos po-tencialmente negativos sobre o meio am-biente natural ou construído, o confortoou a segurança da população.

239

1.1. Violação do Direito à MoradiaAdequada no Caso Candonga

Desde a decisão política em concedera empresas privadas multinacionais o po-der de construção da hidrelétrica naque-las localidades até à adoção das políticascompensatórias e de reassentamento, tudofoi marcado por um extremo autoritarismoe pela exclusão da participação da popu-lação afetada. À margem do projeto, osefeitos amargados por mais de uma cen-tena de famílias foram: o maior empobre-cimento; a degradação das condições demoradia e sustento; a maior dificuldadede acesso a recursos naturais e a perda deum patrimônio material, cultural, históri-co, afetivo, lapidado por mais de trezen-tos anos às margens do Rio Doce.

Relembremos sucintamente a nítidadegradação dos componentes da moradiaadequada nas casas de Nova Soberbo ede Santana do Deserto.

237 Constituição Federal, art. 4o: A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:....II

– prevalência dos direitos humanos;238 Constituição Federal, art. 6o: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer...”239 Artigo 2o da Lei Federal 10257/01, que estabelece diretrizes gerais para a política urbana brasileira, estabelece normas de ordem pública einteresse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como doequilíbrio ambiental.

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� Segurança da posseDesde o início, na decisão de escolha

da localidade do empreendimento, a in-tegridade do direito da população à mo-radia, à terra, à cidade e ao meio ambien-te construído e natural não foi, mais umavez, valor prioritário na construção dabarragem. Se na ótica constitucional osacrifício de direitos deve ser evitado atodo custo, cabendo mais que tudo bus-car alternativas para sua harmonização,não foi essa a orientação do caso em ques-tão. Como se observa do parecer técnicoda FEAM, existiu alternativa para a cons-trução do empreendimento em outra lo-calidade, que evitaria o deslocamento depessoas, mas como significaria maior in-vestimento financeiro e menor potencialenergético, fez o consórcio, com autori-zação do governo brasileiro, a opção dearcar com os custos sociais, econômicose culturais decorrentes da escolha de umaoutra alternativa apontada, que seria ainundação do povoado de Soberbo. Essainundação, contrariando interesses dosmoradores e provocando conflituoso des-locamento compulsório dos mesmos, jádesrespeita a normativa internacional quedetermina dever ser esse procedimentoadotado como último recurso.

A ação do dia 03 de maio, com usoabusivo da força policial, contrariou to-das as normas internacionais direcionadaspara as hipóteses de ocorrência de deslo-camento compulsório. A operação detransferência tampouco se fez nas condi-

ções recomendadas pelos tratados inter-nacionais, em particular com as diretrizesprevistas no Comentário Geral nº 4 doComitê de Direitos Econômicos, Sociaise Culturais a este respeito.

240

Outro ponto refere-se à questão datitularidade das casas, que tornou maisinsegura a relação de propriedade sobreos imóveis. Todas as pessoas tinham pro-priedade regularizada das suas casas efazendas em São Sebastião do Soberbo eaté o momento não receberam as escritu-ras das casas para as quais foram realo-cadas. Também as ameaças e pressõessofridas revelaram-se como constantesviolações ao direito de segurança de pos-se das pessoas.

� Oferta de serviços, materiais eequipamentos urbanos

A estrutura e qualidade dos serviçosofertados em Nova Soberbo ainda sãomuito precárias. A saúde, segurança, con-forto e alimentação da população estãobastante comprometidas. Mesmo o aces-so à água potável e de boa qualidade fo-ram prejudicados. O acesso aos recursosnaturais está bem mais difícil.

� Suportabilidade dos gastos com amoradia

Também são apontados maiores gas-tos com a moradia, principalmente no quese refere às contas de luz que, segundorelato dos moradores, estão três a quatrovezes mais caras. O gasto com alimenta-

240 Considerações preliminares do relator Miloon Kothari sobre a visita ao Brasil, junho de 2004: “De acordo com a Convenção Internacionalde Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ao qual o Brasil é membro, a legislação contra os despejos forçados é uma base essencial sobre aqual se constrói um sistema de proteção efetivo. Tal legislação deveria incluir medidas que forneçam a mais ampla segurança da posse possívelaos ocupantes de casas e terras além de ser planejada para controlar severamente as circunstâncias sob as quais despejos possam ser praticados.A legislação deve também ser aplicada a todos os agentes agindo em nome da autoridade do Estado ou àqueles que possam ser responsabilizadospelas ações. Ainda mais, sob a perspectiva da crescente tendência em alguns Estados no sentido do Governo reduzir drasticamente as suasresponsabilidades relativas ao setor de moradia, os Estados membros devem segurar que medidas legislativas, além de outras medidas, sejamadequadas para prevenir e, se apropriado, punir os despejos forçados realizados sem a presença das devidas medidas de segurança, seja porpessoas físicas ou órgãos.”

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As violações do direito à moradia adequada e de outros direitos fundamentais no Caso Candonga

ção e remédios é maior pela perda doscultivos e plantações. Muitos perderamsuas casas e não tem condições de arcarcom a aquisição ou construção de novas.

� HabitabilidadeEm termos de habitabilidade, as ca-

sas construídas apresentam graves proble-mas de infra-estrutura e infiltrações, játendo inclusive que serem demolidas porerro grave de construção. As pessoas ti-veram que empilhar muitos dos seus mó-veis e materiais pela falta de espaço. Vá-rios dos compromissos assumidos sobreo projeto de reassentamento e as adapta-ções necessárias não foram cumpridas.EmNova Soberbo, o terreno do quintal porser bem menor, menos fértil e apresentarmuita declividade, comprometeu as ati-vidades de plantio e criação de pequenosanimais, dificultando assim o sustento dasfamílias. A passagem de veículos pesa-dos provocou rachaduras em muitas dascasas de Santana do Deserto.

� Acessibilidade Os muitos idosos encontrados em

Nova Soberbo, as crianças e algumas pes-soas usuárias de saúde mental e com difi-culdade de locomoção, não foram con-templados na projeção das casas e ruasde Nova Soberbo. A questão da tipologiainclusive, desenhada sob a supervisão detécnicos da FEAM para atender às neces-sidades especiais encontradas entre osdiversos moradores, é um dos pontos con-signados no auto de infração.

241

� Localização adequadaA escolha da localização de Nova

Soberbo foi altamente problemática. O

terreno do local é infértil, com bastantedeclive, dificuldade de acesso ao rio e osserviços públicos oferecidos têm apresen-tado péssima qualidade.

� Adequação cultural As casas guardam disposição física

totalmente diferenciada das casas antigas,onde o espaço do quintal era vivenciadocomo uma das partes mais importante dascasas, sobretudo de convívio social. Osmuros e paredes construídos dificultaramas relações de vizinhanças. As pessoasforam abruptamente retiradas de um modode vida rural para um complexo de estilourbano e periférico, e vivem agora com-pletamente destacadas de suas referênci-as sociais e culturais.

Hoje, ironicamente, a velha São Se-bastião de Soberbo existe apenas enquan-to acervo fotográfico num memorial his-tórico-arquitetônico construído pelo con-sórcio em Nova Soberbo. Todos têm umacasa igualzinha à casa do vizinho, umcoreto novo, uma igreja nova (“de pare-des lisas, sem o enrugamento e os deta-lhes que a nossa tinha”, diz uma mora-dora), uma praça, um campo de futebol,até um mirante para observar de longe abarragem e o rio caudaloso que antiga-mente lhes bastava abrir a porta para ver...mas falta a memória, a identidade comas construções.

Sob o prisma do impacto histórico-cultural não se tem compensação, não setem condicionante que justifique a implan-tação do Projeto a não ser como um ato deextrema violência. Nos rostos e nos depo-imentos, a expressão de tristeza é perma-nente quando se fala do antigo povoado:“não troco meus casarios velhos por essas

241Auto de fiscalização nº 001125/2004, FEAM

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casas novas aí não; é como se quisessemcolocar peixe cascudo em aquário”, dizemocionada a moradora Gracinha.

Nesse aspecto deve ser considerado odesrespeito não só aos direitos culturais dosmoradores, mas de toda população brasi-leira, dado o patrimônio histórico represen-tado pelo povoado de mais de 200 anosque foi inundado, tanto no aspecto materi-al de suas edificações, quanto no aspectoimaterial, representado pelos modos defazer, criar e viver daquela população, bemcomo de suas formas de expressão.

242

Aqui também o consórcio e as autorida-des públicas envolvidas no ato delicenciamento da barragem desrespeitaramos princípios constitucionais referentes àproteção do patrimônio cultural.

243

2. Violação dos direitos conexos aodireito à moradia adequada

2.1.Os danos ao meio ambiente e àsaúde da população

O direito ao meio ambiente está reco-

nhecido como direito fundamental pela

Conferência das Nações Unidas sobre oAmbiente Humano de 1972

244, reafirma-

do pela Declaração do Rio sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento de 1992(Princípio 1)

245 e pela Carta da Terra de

1997 (Princípio 4)246

. No Brasil, está de-terminado expressamente no artigo 225da Constituição de 1988

247 e na Lei da

Política Nacional do Meio Ambiente.248

O reconhecimento do direito a umambiente sadio configura-se, na verdade,como extensão do direito à vida, quer sobo enfoque da própria existência física esaúde dos seres humanos, quer quanto aoaspecto da dignidade desta existência – aqualidade de vida -, que faz com que va-lha a pena viver. Sob o direito à vida, emseu sentido próprio e moderno, não só semantém a proteção contra qualquer pri-vação arbitrária da vida, mas, além disso,encontram-se os Estados no dever de bus-car diretrizes destinadas a assegurar oacesso aos meios de sobrevivência a to-dos os indivíduos e todos os povos. Nes-te propósito, têm os Estados a obrigaçãode evitar riscos ambientais sérios àvida.

249

242 Verificar obra “Dano Moral e Licenciamento Ambiental de Barragens Hidrelétricas”, de Leonardo Pereira Rezende. Editora Juruá.243 Constituição do Estado de Minas Gerais: Art. 2º - São objetivos prioritários do Estado: ...XI - desenvolver e fortalecer, junto aos cidadãose aos grupos sociais, os sentimentos de pertinência à comunidade mineira em favor da preservação da unidade geográfica de Minas Geraise de sua identidade social, cultural, política e histórica.244 Princípio 1: “ O homem tem o direito fundamental á liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio cujaqualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e ,melhorar esse meio para as geraçõespresentes e futuras”245 Princípio 1: “ Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a umavida saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente”.246 Princípio 4: “estabelecer justiça e defender sem discriminação o direito de todas as pessoas á vida, à liberdade e à segurança dentro de umambiente adequado à saúde humana e ao bem-estar espiritual”. A Carta da Terra é resultado do evento conhecido como “Fórum Rio + 5”, realizadono rio de janeiro de 13 a 19.03.1997 com o objetivo de avaliar o resultado da Política Ambiental nos cinco anos seguintes à ECO 92.247 Constituição Federal, art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadiaqualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.248 Art. 2o da Lei Federal n 6938/81, de 31 de agosto de 1981, alterada pela Lei 7804, de 18 de julho de 1989: “ A Política Nacional do MeioAmbiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar no país condiçõesao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.”249 Antônio ª Cançado Trindade, Direitos Humanos e Meio Ambiente: paralelos dos sistemas de proteção internacional, Porto Alegre, fabris,1993, p.76

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E, para que se assegure esse direito,estabelece a Constituição que o PoderPúblico deve se incumbir da adoção detodas as medidas que visem a prover omanejo ecológico das espécies e ecossis-temas, definir espaços a serem especial-mente protegidos, exigir estudos de im-pacto para atividades e obras potencial-mente degradadoras do meio ambiente,promover educação ambiental em todosos níveis de ensino para preservação domeio ambiente, proteger a fauna e a flo-ra, entre outras medidas.

250

Como um dos principais instrumentosconferidos ao Poder Público para exerceresse controle sobre as atividades que in-terferem nas condições ambientais, é pre-visto na Política Nacional do Meio Ambi-ente o processo de licenciamentoambiental

251, através do qual o órgão am-

biental competente licencia a localização,instalação, ampliação e a operação de em-preendimentos e atividades utilizadoras derecursos ambientais, consideradas efetivaou potencialmente poluidoras ou daque-las que, sob qualquer forma, possam cau-sar degradação ambiental, considerando asdisposições legais e regulamentares apli-cáveis ao caso.

Conforme dito em capítulo anterior, olicenciamento foi autorizado pelo COPAMem todas as suas etapas sem que tenhahavido o cumprimento das medidas miti-gadoras exigidas e sem reparação dos di-reitos da população afetada, como precei-tua a lei.

252 A falta de rigor e fiscalização

e mesmo a falta de um diagnóstico preci-so sobre as diversas espécies animais evegetais existentes na região provocaramdrásticos efeitos.

A deterioração da qualidade da águaafetou, sobretudo a saúde da população.Segundo análise realizada, houve um au-mento significativo do teor de ferro e man-ganês na água que abastece a população,tornando-a inadequada para consumohumano.

253 Com isso, desrespeitou-se as

exigências constitucionais de um serviçode água e esgotamento sanitário adequa-do e a proteção do seu consumo para apopulação, comprometendo não só o di-reito fundamental à saúde de todos

254,

como também um dos objetivos prioritá-rios da Política Nacional de RecursosHídricos, que é o uso múltiplo das águas,voltadas precipuamente para o abasteci-mento da população, a garantia à atual eàs futuras gerações da necessária dispo-nibilidade de água, em padrões de quali-dade adequados e a sujeição de qualqueroutorga, inclusive para exploração deenergia elétrica, à esta Política e à garan-tia do direito de acesso á água.

255

2.2 Afronta ao princípio maior de pro-teção da dignidade da pessoa humana

O tratamento altamente desrespeitosoe grosseiro empreendido pelo Consórciojunto aos moradores de Soberbo e Santanado Deserto, acompanhado de ameaças epressão psicológica, fere diretamente um

250 Artigo 225 da Constituição Federal , parágrafo 1o, I,II,III,IV,V,VI e VII.251 Art. 9o da Lei 6938/81, inciso IV.252 Art. 4 o da Resolução nº 01/92 do COPAM: “A licença de operação não será concedida quando não forem cumpridos os requisitos feitospor ocasião da expedição da Licença de Instalação...”253 Decisão proferida pela Juíza Rosângela Fátima de Freitas no dia 14 de junho de 2004, nos autos da Ação Civil Pública nº 521.04.032157-7,em trâmite na comarca de Ponte Nova , Minas Gerais254 Artigos 196 e ss da Constituição Federal255 Lei nº 9.433, de 8 de Janeiro de 1997.

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dos princípios cimeiros da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos e da Re-pública Federativa do Brasil, que é a dig-nidade da pessoa humana.

Tomando-se ainda a considerável pre-sença de pessoas idosas nas comunida-des atingidas – muitas com idade superi-or a 70 anos -, a forma de atuação doConsórcio revelou-se ainda mais agressi-va e desconsiderou todas as políticas deproteção especialmente reconhecidas aessas pessoas no Estatuto do Idoso, pro-mulgado recentemente no ano de 2003.

256

Sob o discurso do incremento econô-mico para os municípios do Rio Doce eSanta Cruz do Escalvado, e do fortaleci-mento do setor energético brasileiro, asautoridades públicas agiram desgarradasdos interesses da população afetada.

257

Basta observar como os órgãos ambientaisresponsáveis relegaram as medidas sócio–econômicas exigidas para o Consórcio asucessivos prazos, permitindo olicenciamento sem observância integral dosdireitos das famílias. Aparecem, assim, asautoridades brasileiras, ao lado do Consór-cio, também como agentes violadores dosdireitos fundamentais dos cidadãos, arrui-nando, ao invés de estimular, suas perspec-tivas de qualidade de vida digna.

2.3.Comprometimento do trabalho edos meios de subsistência das famílias:Violação do primado do trabalho comodireito social fundamental

O comprometimento das atividadesprodutivas e econômicas dos moradoresda velha São Sebastião do Soberbo afron-ta diretamente um dos fundamentos daRepública Federativa do Brasil, que é ovalor social do trabalho.

258

No início do processo, o consórcioassumiu a postura de reconhecer tão so-mente as relações de propriedade, negan-do-se a compensar devidamente as rela-ções de trabalho desenvolvidas na região,como determina a Lei de Assistência So-cial de Minas Gerais voltada para as po-pulações afetadas por reservatórios.

259

À margem do processo de negociação,meeiros e garimpeiros ficaram fora do di-agnóstico e apenas alguns poucos conse-guiram alguma indenização em virtude demuita luta e mobilização do movimentodos atingidos. Muitos, entretanto, ainda nãoreceberam nada.Foram expulsos da terra,do rio, perderam a renda mensal garantidaque dali tiravam, bem como os alimentos,e estão vivendo de favor em casas de fa-miliares, amigos, ou mesmo sofrendo

256 Estatuto do Idoso, Lei Federal nº 10741/2003.257 Cabe citar a postura das autoridades municipais de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce que chegaram a apresentar, em nome de um supostointeresse público maior, um pedido judicial para revogação da liminar concedida para suspender os efeitos da licença de operação em virtudede a população estar sofrendo terríveis sacrifícios e nenhuma medida ter sido tomada pelo empreendedor responsável. Alegaram que as empresastinham arcado com todos os compromissos assumidos e que o atraso significaria grande prejuízo para os cofres públicos. Postura essa que foicontemplada com a temerária decisão do Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, a despeito dos direitos violados, acatou opedido.258 Artigo 1o , IV, e artigo 6o da Constituição Federal do Brasil259 No caso das barragens, em Minas Gerais, a Lei que dispõe sobre a assistência social às populações de áreas inundadas por reservatórios,regulamentando o dispositivo 194, parágrafo único da constituição do estado, dispõe especificamente no seu arrtigo10 , parágrafo único que“a assistência social será prestada àqueles que habitem imóvel urbano ou rural desapropriado, bem como aos que nele exerçam qualqueratividade econômica, aí incluídos comerciantes, posseiros, assalariados, parceiros, arrendatários, meeiros e assemelhados. E no artigo 6o : Oplano de assistência social de responsabilidade do empreendedor público ou privado, terá como diretrizes: 1- o cadastramento de todos osatingidos, levando, em conta, no mínimo, as relações de propriedade e de trabalho.

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constrangimento por falta de pagamentode aluguel, que havia sido prometido peloconsórcio até se resolver sua situação.Apesar de ter sido formada uma comissãono Conselho de Política Ambiental de Mi-nas Gerais para discutir a questão, nãohouve avanço algum na recomposiçãodesses direitos. A barragem já está a funci-onar e cada dia é menor a perspectiva deresolução do problema.

Em que pese as atividades do garim-po marcarem-se, sobretudo, pelainformalidade e falta de regulamentaçãolegal, caracterizava-se indubitavelmentecomo meios de sustento econômico paraas famílias de Soberbo, gozando de pro-teção expressa nos diplomas legais e naConstituição Federal.

260

O prejuízo ao desenvolvimento dasatividades de pesca, pecuária e agricultu-ra de subsistência pelo deslocamento dapopulação para outra localidade tambémdiverge da Política Agrícola Nacional queaponta para o estímulo aos pequenos pro-dutores e à agricultura familiar, garanti-dos na Carta Magna

261, na Lei da Política

Agrícola Nacional262

e na própria Consti-tuição do Estado de Minas Gerais.

263

2.4.Comprometimento do princípioda participação popular

A participação comunitária na tutelado meio ambiente foi objeto do Princípio10 da Declaração do Rio de 1992: “ Omelhor modo de tratar as questõesambientais é com a participação de to-dos os cidadãos interessados, em váriosníveis. No plano nacional, toda pessoadeverá ter acesso adequado à informa-ção sobre o ambiente de que dispõem asautoridades públicas, incluída a informa-ção sobre os materiais e as atividades queoferecem perigo em suas comunidades,assim como a oportunidade de participardos processos de adoção de decisões. Osestados deverão facilitar e fomentar asensibilização e a participação do públi-co, colocando a informação à disposi-ção de todos. Deverá ser proporcionadoacesso efetivo aos procedimentos judici-ais e administrativos, entre os quais o res-sarcimento dos danos e os recursos per-tinentes”.

264

Coerente com este princípio e na linhado comando estabelecido no art. 225, §1

o,

IV, da Constituição Federal265

, que obrigao Poder Público a dar publicidade ao estu-do prévio de impacto ambiental, a Resolu-ção Conama 237/97, em seu art. 3

o, sen-

tencia que ao EIA/RIMA “dar-se-á publi-cidade garantida a realização de audiênci-as públicas”

266, por meio da qual se busca

260 Assim é que já na Constituição Federal tem-se a previsão no capítulo que trata da ordem econômica na Constituição Brasileira, art. 174, §:O estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoçãoeconômico-social dos garimpeiros. Também a Constituição do Estado de minas gerais no seu artigo 250, X, preceitua: para assegurar a efetividadedo objetivo do artigo anterior, o Poder público, por meio de sistema estadual do gerenciamento de recursos hídricos e sistema estadual degerenciamento de recursos minerais, observará entre outros os seguintes preceitos: .X – estímulo à organização das atividades de garimpo, soba forma de cooperativas, com vistas à promoção socioeconômica de seus membros, ao incremento da produtividade e à redução de impactosambientais decorrentes dessa atividade.”261 Artigo 187 da Constituição Federal262 Leis Federais 8171/1991 e 8174/1991263 Art.2o, VI, e artigo 247 da Constituição do Estado de Minas Gerais.264 Edis Milaré,Direito do Ambiente, p. 99. Ed. Revista dos Tribunais.265 Art 225, §1o, IV, Constituição Federal: : "Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: ...IV - exigir, na forma da lei,para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora e significativa degradação do meio ambiente, estudo de prévio impactoambiental, a que se dará publicidade"266 Sobre publicidade no processo de licenciamento ambiental, vide: art. 10, § 1o, ad Lei 6938/81, art. 17, § 4o, do Decreto 99274/90 e ResoluçãoConama 006/86.

As violações do direito à moradia adequada e de outros direitos fundamentais no Caso Candonga

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Atingidos e Barrados - As violações de direitos humanos na hidrelétrica Candonga

“expor aos interessados o conteúdo doproduto em análise e do RIMA, dirimindodúvidas e recolhendo dos presentes as crí-ticas e sugestões a respeito”.

267

Para assegurar a participação democrá-tica no processo de decisão, exige oordenamento brasileiro, para a efetividadedessa participação, que todo procedimen-to de licença se desenvolva às claras, compleno conhecimento do público interessa-do: “sem ter o conhecimento da existên-cia da solicitação da licença ambiental, nãohaveria como as pessoas e associaçõesambientalistas interessadas reunirem ele-mentos para intervirem qualificadamenteno processo”.

268

Igualmente toda a constituição brasi-leira é estruturada em cima das garantiasde exercício da cidadania e da participa-ção popular na gestão das políticas gover-namentais, como garantias da existênciade um Estado democrático. Também o Es-tatuto da Cidade, que cuida das políticasurbanas e habitacionais, reforça o caráterimperativo da participação e da publici-dade na elaboração e execução dos proje-tos públicos, configurando como crime deresponsabilidade a sua inobservância pe-las autoridades competentes.

269

De fato, é fundamental o envolvimentodo cidadão no equacionamento e imple-mentação da política ambiental, dado queo sucesso desta supõe que todas as catego-rias da população e todas as forças sociais,conscientes de suas responsabilidades, con-tribuam para a proteção e melhoria do am-biente que, afinal, é bem e direito de todos.

Em Candonga, a falta de participaçãoe de comunicação entre os empreendedo-res, órgãos públicos e população afetada éapontada como o principal problemadesencadeador de conflitos. A populaçãonão foi satisfatoriamente informada sobreo projeto. As pessoas que deveriam parti-cipar desde o processo de decisão pelaimplantação do empreendimento só vie-ram a saber de algo na audiência públicarealizada em 2000. Essa audiência, entre-tanto, só se ateve à mera exposição do pro-jeto, mera comunicação de como seriamtransformadas as vidas das pessoas, semefetiva participação. A assinatura dos ter-mos de adesão pelas famílias foi se dandocom o uso de muita pressão psicológica esem a mínima compreensão da escolha queestavam fazendo, tal qual um “cheque embranco”.

270 A opção pela realocação foi fei-

ta sem nem sequer ser apresentada a casaou área onde iria ser feito o reassenta-mento; não houve nenhuma participaçãona construção do reassentamento. Para osvalores de indenização, não foram escla-recidos os critérios nos quais estavam sebaseando (os valores eram totalmente ar-bitrários, chegando a variar três ou quatrovezes no decorrer do processo). Até o mo-mento, a população de Nova Soberbo temdificuldades de contactar o Consórcio parareivindicar as promessas descumpridas eresolver problemas pendentes. Por sua vez,a população de Santana do Deserto sofrecom a falta de informação segura sobre ospossíveis impactos do funcionamento dabarragem em suas vidas e casas.

267 Resolução Conama 009/87, art. 1o

268 Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer, A publicidade e direito de acesso a informações no licenciamento ambiental, loc. Cit., p. 29.269 Lei federal nº 10257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade.270 Sobre o desconhecimento do teor dos termos, destacamos o depoimento da moradora Maria Nobre de Oliveira, de 81 anos: “não sabia queestava enterrando o time quando assinei aquele termo”.

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Capítulo V

Responsabilidade do Consórcio e do PoderPúblico federal, estadual e municipal

s compromissos que constam nostratados e convenções internacio-

nais têm natureza vinculante para os paí-ses signatários, acarretando obrigações eresponsabilidades aos Estados pela faltade cumprimento das obrigações assumi-das.Por omissão de um conjunto de agen-tes estatais, foram violados direitos fun-damentais cuja proteção é de competên-cia tanto do governo federal quanto dosestados e municípios.

271

Não só o Consórcio deve ser respon-sabilizado por violar os direitos das pes-soas à terra, ao trabalho, ao sustento, comotambém o Poder Publico, que ao fazer aquestionável opção pela destruição dopovoado e relocação forçada das famíli-as pela barragem não tomou na propor-ção exigida pelo empreendimento medi-das de cautela suficientes para minimizaros impactos e recompor no mínimo dadignidade a vida daquelas pessoas.

Na esfera federal, coloca-se a respon-sabilidade mais direta da Agência Nacio-nal de Energia Elétrica – ANEEL, vincu-lada ao Ministério das Minas e Energia e

responsável pela operacionalização da li-citação da hidrelétrica e pela gestão e fis-calização do contrato de comercializaçãoda energia.

272Ao permitir a ação do Con-

sórcio, tal como se revelou nos fatos aci-ma narrados, a ANEEL contrariou orien-tações da Política Energética Nacional,determinada pelo respeito ao meio ambi-ente e ao bem-estar da população. Igual-mente afrontou diretrizes da Política Na-cional de Recursos Hídricos, que subor-dina a política energética e condiciona oscontratos de concessão de energia. Final-mente, violou dispositivos do contrato deconcessão assinado com o consórcioCandonga em 2000, que determina suaobrigação de supervisionar o projeto deinfra-estrutura da barragem, a observân-cia das normas legais e contratuais e aexploração e operação da usina.

Na esfera estadual, aponta-se a res-ponsabilidade do Governo do Estado deMinas Gerais através, sobretudo, dos atospraticados pela Secretaria Estadual deMeio Ambiente e do seu Conselho dePolítica Ambiental – COPAM, que tem a

271 Art. 11 - É competência do Estado, comum à União e ao Município: III - proteger os documentos, obras e outros bens de valor histórico,artístico e cultural, os monumentos, paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, destruição e descaracterizaçãode obra de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentara produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar, com a viabilização da assistência técnica ao produtor e da extensão rural;IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater ascausas da pobreza e os fatores de marginalização, mediante a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhare fiscalizar as concessões de direito de pesquisa e de exploração de recursos hídricos e minerais em seu território;272 Lei Federal 9427, de 26 de dezembro de 1996. Contrato de concessão nº 42/2000 – ANEEL – UHE Candonga

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competência institucional para supervisi-onar todo o processo de licenciamentoambiental e a observância do empreendi-mento com as normas regulamentares.Também tem o dever legal de revogar,cancelar ou suspender a licença concedi-da quando verificada a nocividade aoambiente e/ou não atendimento de medi-das mitigadoras exigidas em etapasanteriores.

273O COPAM faliu no exercí-

cio de suas obrigações, em particular por-que: (1) emitiu licença prévia apesar dasfortes evidências do potencial destrutivodo empreendimento e da insuficiênciadiagnóstica do relatório de impactoambiental sobre os riscos apresentadospela obra, bem como aprovou a escolhade uma localidade em detrimento de ou-tra que causaria muito menor dano à po-pulação de São Sebastião do Soberbo; (2)emitiu licença de instalação apesar dasirregularidades do processo de negocia-ção; (3) concedeu licença de operaçãosem atendimento das condicionantes fi-xadas nas licenças anteriores e da exis-tência de sérios impasses sociais e eco-nômicos entre as famílias e o Consórcio,resguardando-se também na aprovação deum Plano de Assistência Social nãoimplementado; (4) aprovou o relatórioapresentado pelo Presidente da Comissãode Reativação Econômica que não ex-pressava as reais demandas e necessida-des das comunidades atingidas.

Ainda no âmbito estadual, enseja-sea responsabilização do Conselho Estadu-al de Assistência Social e da Presidência

do Tribunal de Justiça do Estado de Mi-nas Gerais, cujas decisões arbitrárias e ile-gais – o primeiro aprovando o Plano deAssistência Social que não chegou a serimplementado e o segundo revogandoimportante medida liminar de garantia dosdireitos da população atingida - tambémmotivaram a persistência da prática deviolações de direitos fundamentais.

274

No tocante ao Judiciário, vale frisar oquanto as decisões de alguns juízes nosdiversos processos propostos pelo consór-cio contra os trabalhadores e moradoresatingidos e militantes de direitos huma-nos têm incorporado os interesses defen-didos pelo Consórcio e se sustentadonuma argumentação distorcida e capcio-sa do conceito de interesse público. Nes-se sentido, de tão absurda, cabe transcre-ver uma recente decisão da 9

a Câmara

Cível do Tribunal de Alçada de MinasGerais, que nega a ofensa ao direito fun-damental à moradia invocada pelos de-fensores da moradora Geralda de AlmeidaMoreira, nos autos do agravo nº 458.926-4, da Comarca de Ponte Nova, baseadano seguinte relato da juíza Márcia de PaoliBalbino:

“..., é presumido até o risco de danoirreparável, pois estão presentes:

a) interesse público que prevalece so-bre o interesse individual, uma vez que oempreendimento gerará energia elétricaestimada em 140MW de potência, ajudan-do o país a evitar o racionamento de ener-gia, além de a usina criar novos empre-

273 Resolução 237/97 CONAMA, art.19274 Quanto à responsabilização dos atos judiciais, lembramos lição do ilustre constitucionalista Canotilho: os atos de jurisdição, ou não seconsideram atos do poder público strito sensu, ou então diz-se que a proteção jurídica é proteção através do juiz mas não contra o juiz; a garantiada proteção jurídica impõe o contrário: a proteção é também contra o juiz e attos do poder judicial, sendo absurdo que os juízes, detentores depoderes públicos e vinculados aos direitos fundamentais, pudessem ficar impunes ad infinitum no caso de violação de direitos fundamentais.“Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J. J. Gomes Canotilho, 5a edição, editora Almedina

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gos, inclusive com mão-de-obra local, egerar o desenvolvimento da região;

b) urgência da inauguração da usi-na, cuja alegação, por envolver atos daAdministração, goza da presunção de le-galidade e veracidade, além de já estarem atraso o contrato, ante o término doprazo contratado para a geração da ener-gia (f. 148), e de já estar incidindo as pe-nalidades previstas no contrato (f. 153);

c) risco de grave prejuízo à coletivida-de, porque privada dos evidentes benefí-cios que a usina trará, tais como empre-gos, maior arrecadação de impostos,melhoria da qualidade de vida da popu-lação local, com a nova área urbana cri-ada com total infra-estrutura de saneamen-to básico, ajuda de custo às famílias pre-vista no contrato de concessão, desenvol-vimento de trabalhos sociais, de reativaçãoeconômica, de assistência técnica e de ge-ração de renda, título de propriedade paraas famílias que tinham apenas o domíniode seus antigos imóveis, além da amplia-ção e melhoramento dos imóveis.

Entretanto, havendo, no caso, preva-lente interesse público sobre a área ques-tionada, cuja conveniente e urgente pos-se, com a inauguração da usina hidrelé-trica, não pode ser relegada à prévia sa-tisfação jurisdicional de direito individu-al, a irreversibilidade resolver-se-á, se foro caso, em perdas e danos.

Não guarda aceitação racional, ca-

racterística que deve ter toda decisão ju-dicial, com o novo parâmetro do concei-to de Justiça, a postura individualista doagravante, pois seu direito fundamentalde moradia, invocado, está segurado,conforme prova dos autos.

Assim, tendo em vista o interesse pú-blico envolvido, a decisão deve ser man-tida...”

Observa-se assim, que a defesa dosdireitos dos atingidos violados pela bar-ragem Candonga tem sido enfrentadacomo manifestação individualista que nãodeve ser protegida pelo Judiciário para queo louvável interesse “público” maior (doConsórcio) não seja prejudicado.

Também os municípios de Rio Doce eSanta Cruz do Escalvado deixaram de ar-car com o exercício de suas obrigaçõesconstitucionais. De acordo com a Consti-tuição brasileira, é de responsabilidadecompartilhada entre municípios, estados eUnião, a proteção do meio ambiente e docombate à poluição, a promoção de políti-cas de moradia capazes de garantir o bem-estar da população e a fiscalização e moni-toria sobre as concessões de exploração derecursos naturais em seus territórios.

275

Também devem os municípios contribuirna supervisão dos projetos de hidrelétri-cas e participar no planejamento e harmo-nização do uso de seus recursos naturaiscom os planos de proteção ambiental.

276

275 Constituição Federal, artigo 23, VI, IX e XI.276 Política Nacional de Recursos Hídricos, art. 30-31.

Responsabilidade do Consórcio e do Poder Público federal, estadual e municipal

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Capítulo VI

Considerações Finais / Recomendações

om o desaparecimento do antigoSoberbo sob as águas da UHE Can-

donga, restou aos moradores e trabalha-dores atingidos uma profunda indignaçãocom a postura do Consórcio e a angústiade terem sido extremamente violentadoscom o não cumprimento dos compromis-sos assumidos pelas empresas Vale do RioDoce e Alcan. Entretanto, mantém-lhesvivos ainda a capacidade de reação dian-te de fatos consumados, a necessidade denarrar a história sobre o ponto de vistadeles, os diretamente afetados e os maisinvisíveis no discurso oficial das empre-sas e do governo brasileiro.

Foi senão com o objetivo de se somaràs vozes dessas comunidades, fortalecen-do o poder de reverberação daqueles queainda acreditam em valores como o dajustiça social e do respeito à dignidade dapessoa humana, que esse relatório foi pro-duzido.

Diante dos fatos anteriormente men-cionados, o Centro de Justiça Global, oMovimento dos Atingidos por Barragens(regional Ponte Nova, Minas Gerais), aComissão Pastoral da Terra (regionalPonte Nova), o Núcleo de Assessoria aosAtingidos por Barragens (NACAB) e os

moradores e trabalhadores atingidos pelaUHE Candonga consideram que a for-ma de implantação da barragem Can-donga e seus efeitos sobre os povoadosde São Sebastião do Soberbo, Santana doDeserto e meeiros e garimpeiros do rioDoce passaram ao largo de todas as di-retrizes normativas sobre o direito à mo-radia adequada, ao meio ambiente, à dig-nidade da pessoa humana, à saúde, aotrabalho, à participação popular, bemcomo violou tratados internacionais e alegislação constitucional e infraconsti-tucional brasileira.

As entidades reafirmam o posiciona-mento de que a operação da barragemCandonga nesse momento, além dos pre-juízos irreversíveis já causados ao meioambiente, compromete a completa esatisfatória reparação de direitos funda-mentais das comunidades atingidas.

O Estado brasileiro deve ser chama-do à responsabilidade para cumprimentodos diplomas nacionais e internacionaisque garantem a defesa e promoção dosdireitos humanos, em especial no que serefere às suas obrigações para promoçãode políticas de moradia adequada à suapopulação.

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RECOMENDAÇÕES:

1) imediata suspensão da operação da Usina Hidrelétrica deCandonga até que todas as pendências e condicionantes sócio-econômica-ambientais sejam resolvidas;

2) ajuda emergencial para garantir a sobrevivência dos atingidosem situação de calamidade, com disponibilização de alimentose remédios;

3) pleno reconhecimento de todos os moradores e trabalhadoresatingidos pela implantação da UHE Candonga, incluindo especi-almente a população de Santana do Deserto e meeiros e garimpei-ros em geral, sobretudo os inúmeros que moram em Rio Doce ;

4) reassentamento de todas as famílias que tiveram suas terras,propriedades e espaços de trabalho prejudicados em decorrênciada construção da barragem, com obrigatória supervisão do Insti-tuto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA nassituações de reassentamento rural;

5) efetiva e imediata implementação do plano de reativação eco-nômica, incorporando todas as demandas consubstancialmentejustificadas no Diagnóstico Rápido Participativo Emancipador –DRPE – elaborado pela equipe técnica da Universidade Federalde Viçosa,;

6) responsabilização das empresas Alcan – Alumínios do Brasil eCompanhia Vale do Rio Doce, integrantes do consórcio Candonga,pela efetiva reparação dos direitos das comunidades atingidas;

7) responsabilização do Governo Federal, da Agência Nacionalde Energia Elétrica, do Governo do Estado de Minas Gerais, des-tacando sobretudo a atuação negligente da Secretaria Estadualde Meio Ambiente, do Conselho de Política Ambiental (COPAM),da Fundação Estadual do Meio Ambiente, do Conselho Estadualde Assistência Social, do Tribunal de Justiça do Estado de MinasGerais, e dos municípios de Santa Cruz do Escalvado e Rio Docepelos irreparáveis prejuízos causados à população e ao meioambiente, decorrentes principalmente da falta de cumprimentode suas obrigações legais e do seu dever de fiscalização;

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8) não participação das empresas Vale e Alcan em concessões públi-cas para aproveitamento de recursos hídricos enquanto não resol-vam pendências em suas barragens;

9) paralisação do processo de licenciamento de barragens em MinasGerais enquanto não se resolvam todas as pendências sociais,ambientais, culturais nas barragens implementadas ou em fase de im-plantação;

10) redirecionamento na implementação das políticas energéticas,voltadas para o incentivo às fontes alternativas, buscando alcançaras bases de um desenvolvimento sustentável, garantidor da sadiaqualidade de vida das populações;

11) priorização das questões sociais e ambientais, resgatando a dívi-da social e ambiental do setor nas barragens construídas e em cons-trução, através da reparação das perdas das populações atingidas;

12) tratamento dos problemas das populações atingidas como umaquestão social e não como uma questão de polícia, com a condenaçãoveemente do uso de qualquer forma de violência e intimidação contraas pessoas ameaçadas e as organizações e lutam contra as barragens;

13) correção das distorções existentes no setor energético, acabandocom os desperdícios na transmissão, distribuição e consumo de ener-gia;

14) garantia de que a água e energia, dois bens vitais e soberanos,estejam sob controle e a serviço do povo brasileiro, acabando com aprivatização e mercantilização do setor;

15) garantia da participação popular, sobretudo das comunidades di-retamente afetadas, na definição de projetos sobre barragens e das po-líticas públicas intersetoriais (energéticas, habitacionais, hídricas, ambi-entais, entre outras), com poder de veto à realização do empreendi-mento pelas comunidades atingidas;

16) participação do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)em todas as rodadas de discussão e negociação empreendidas pelosgovernos federal, estadual e municipal nos processos de investimentoem política energética, inclusive na implantação de barragens.

Considerações Finais / Recomendações

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Galeria de Imagens

FOTOS DE FELIPE PRANDO — *LEGENDAS NA PÁGINA 110

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01 - UHE Candonga, vários moradores passamdiariamente pela barragem para irem trabalharcomo meeiros.

02 - Santana do Deserto, o dourado, que era umpeixe muito comum no Rio Doce, está sumindoapós a construção da barragem.

03 - Rio Doce, garimpeiros usam fotografias eoutros documentos para comprovar serematingidos pela construção da barragem.

04 - Nova Soberbo, no dia 12 de outubro, D. Anapassou o dia todo celebrando Nossa Senhora Apa-recida até mesmo assistindo a missa na televisão.

05 - Santana do Deserto, João Ribeiro colhendobananas no quintal do vizinho. Essa prática eramuito comum em São Sebastião do Soberbo.

06 - Santana do Deserto, hora do recreio e dolanche na escola.

07 - Santana do Deserto, o ensino nestacomunidade é multiseriado e um aluno acabaauxiliando o outro.

08 - Santana do Deserto, muitas crianças passama manhã em casa aguardando ir até Rio Doce parafreqüentar a escola no período da tarde.

09 - Nova Soberbo, várias gerações numa mesmacasa. Na Velha Soberbo era comum boa parte dafamília mesmo após casados continuarem morandona mesma casa.

10 - Nova Soberbo, vizinhos visitando a casa de D.Aparecida e Lelena. A organização da NovaSoberbo desfez relações de vizinhançasestabelecidas há mais de 50 anos.

11 - Rio Doce, família de garimpeiros.

12 - Nova Soberbo, família indo à missa daPadroeira Nossa Senhora Aparecida.

13 - Nova Soberbo, mesmo morando em um espaçomarcadamente urbano, os moradores tentampreservar hábitos da vida da Velha Soberbo.

14 - Santana do Deserto, a prefeitura de Rio Docedisponibiliza um ônibus para os moradores irem atéa cidade comprar remédios e alimentos.

15 - Rio Doce, reunião do MAB parareconhecimento da existência de Garimpeiros.

16 - Santana do Deserto, João Ribeiro e João Hilário.

17 - Rio Doce, garimpeiros que não tiveram suasatividades reconhecidas para indenização.

18 - Nova Soberbo, a água consumida nas casas ébuscada todos os dias numa bica.

19 - Santana do Deserto, o Rio Doce é o limite dosquintais nesse povoado.

20 - Com o alagamento das margens do Rio Doce, oConsórcio Candonga abriu uma outra via deacesso a Santana do Deserto, mas essadesmoronou. Agora, estão construindo outra. Adistância do acesso a Santana do Desertoaumentou em aproximadamente 3 (três) Km.

21 - Nova Soberbo, D. Nair, sua mãe Chica faleceuaos 103 anos.

22 - Nova Soberbo, moradores separados porgrades que antes não existiam na Velha Soberbo.

23 - Nova Soberbo, moradores conversam atravésdo portão e aos poucos assimilam valores decentros urbanos.

24 - Nova Soberbo, D. Maria Marta.

25 - Nova Soberbo, D. Maria Terra que depois desair da Velha Soberbo sente morar numa prisão demuros e grades.

26 - Nova Soberbo, D. Aparecida, mãe de Lelena,que não contaram com apoio do ConsórcioCandonga para reparar falhas na construção danova casa,

27 - Nova Soberbo, Lelena, filha de D. Aparecida.

28 - Nova Soberbo, Bisavó.

29 - Santana do Deserto, morador portador dedoença de chagas.

30 - Santana do Deserto, na construção dabarragem vários caminhões passavam carregadosde areia ao lado das casas que começaram a ficartrincadas.

31 - Santana do Deserto.

32 - Santana do Deserto, Sr. Raimundo visitandooutros moradores.

33 - Nova Soberbo, D. Ana diante de seu novoquintal. Além do pequeno espaço para o cultivo defrutas e hortaliças, o terreno é muito seco e exigemuito adubo para o plantio.

34 - Nova Soberbo, D. Maria Terra, como outrosmoradores, tenta refazer o quintal.

35 - Nova Soberbo, alguns moradores buscamalternativas para o sustento da família, como criarcabras apesar das limitações de espaço.

36 - Santana do Deserto, quintal do Sr Zé Italiano.

37 - Marimbondo, moradores fazendo o plantio dasemente de milho paga pelos mesmos.

38 - Santana do Deserto, Cemitério.

LEGENDAS DAS FOTOS

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