estudo sobre graves violações aos direitos humanos

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ESTUDO SOBRE A FEDERALIZAÇÃO DE GRAVES VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS

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O Incidente de Deslocamento deCompetência (IDC) é um instrumentocriado na reforma constitucional 45/2004que ficou conhecida como “Reforma do Judiciário”. O dispositivo permite que o Procurador-Geral da República requeira deslocamento de competência da justiçaestadual para a justiça federal, quando houver uma grave violação de direitos humanos.hipótese inicial de trabalhoassumiu que as discussões nos autosrepresentariam os fatores decisivos para opedido do PGR, bem como para a decisãodos ministros do STJ. Os argumentos pró econtra a federalização de grave violação dedireitos humanos contidos nos autos foramdivididos conforme diziam respeito a cadaum dos requisitos do IDC. Foram realizadasentrevistas com operadores do sistema dejustiça federal e atores da sociedade civil também abordando os três requisitos.Conforme o trabalho de campo evoluiu, a hipótese foi totalmente reformuladae desdobrada.

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  • ESTUDO SOBRE A FEDERALIZAO

    DE GRAVES VIOLAESAOS DIREITOS HUMANOS

  • EXPEDIENTE: PRESIDENTA DA REPBLICA Dilma Rousseff MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIA Jos Eduardo Cardozo SECRETRIO DA REFORMA DO JUDICIRIOFlavio Crocce CaetanoDIRETORA DO DEPARTAMENTO DE POLITICA JUDICIRIA SUBSTITUTAPatrcia Lamego de Teixeira SoaresCOORDENADORA DO CENTRO DE ESTUDOS SOBRE O SISTEMA DE JUSTIAOlvia Alves Gomes Pessoa

    COLABORADORESAlexandre DrummondAndra Fernanda Rodrigues BrittoLucas Magalhes de Souza CaminhaThiago Sanches Battaglini

    EQUIPE DE PESQUISAPesquisadores: Roberta Corradi Astolfi, Pedro Lagatta e Amanda Hildebrand OiConsultora: Mariana Thorstensen PossasCoordenador: Guilherme Assis de AlmeidaAssistentes de pesquisa: Cinara Sampaio e Ana Luiza BandeiraRevisoras: Janana Gomes e Vivian Peres da Silva Editorao Eletrnica: Editora CLA

    Associao Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Ps-Graduao (ANDHEP):Presidncia: Guilherme Assis de Almeida Vice-Presidncia: Maria de Nazar Tavares ZenaideSecretrio-Executivo: Vitor Souza Lima BlottaSecretria-Adjunta: Maria Gorete Marques de JesusAssistente-Administrativa: Maria Cristina Jakimiak FernandesAssistente-Financeiro: Carlos Bozza

    Apoio:Secretaria de Reforma do Judicirio do Ministrio da Justia (Carta Acordo PNUD-FUN-DEP 30543)

    Realizao:Associao Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Ps-Graduao (ANDHEP)

    FICHA CATALOGRFICA341.27 E82s Estudo sobre a federalizao de graves violaes aos direitos humanos / coordenao, Olvia Alves Gomes, Guilherme de Assis Almeida ; [autores] Roberta Corradi Astolfi, Pedro Lagatta, Amanda Hildebrand Oi. Braslia : Ministrio da Justia, Secretaria de Reforma do Judicirio, 2014. 74 p. ISBN: 978-85-85820-95-4

    Trabalho em parceria do Centro de Estudos Sobre o Sistema de Justia e a Associao Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Ps-Graduao (ANDHEP).

    1. Federalizao. 2. Incidente de deslocamento de competncia (IDC). I. Gomes, Olvia Alves. II. Almeida, Guilherme de Assis III. Astolfi, Roberta Corradi IV. Lagatta, Pedro V. Oi, Amanda Hildebrand IV. Brasil. Ministrio da Justia. Secretaria de Reforma do Judicirio. CDD

    Ficha elaborada pela Biblioteca do Ministrio da Justia

  • ESTUDO SOBRE A FEDERALIZAO DE GRAVES VIOLAESAOS DIREITOS HUMANOS

    GOVERNO FEDERALMINISTRIO DA JUSTIA

    SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIRIO CENTRO DE ESTUDO SOBRE O SISTEMA DE JUSTIA

    BRASLIA2014

  • APRESENTAO 9

    SUMRIO-EXECUTIVO 11

    1. CONSIDERAES SOBRE O MTODO 121.1. ANLISE DOS AUTOS DO IDC 1 7

    1.2. JURISPRUDNCIA INTERNACIONAL 18

    1.3. ENTREVISTAS 18

    1.4. RECONSTRUO DE CASOS E ESTUDO DE CASO 20

    1.5. RECONSTRUO HISTRICA DA CRIAO DO IDC 20

    1.6. MESAS DE DEBATE 20

    1.7. LIMITAES DA PESQUISA 21

    2. HISTRICO DO SURGIMENTO DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETNCIA 222.1 RECONSTITUIO DOS CASOS IDC 1 E IDC 2 2 8

    2.1.1 Incidente de Deslocamento de Competncia No 1 Caso Dorothy Stang 2 8

    2.1.2 Incidente de Deslocamento de Competncia No 2 DF (2009/0121262-6)

    homicdio de Manoel Mattos 32

    3. O PROCESSO DE INSTAURAO E JULGAMENTO DO IDC 383.1. 1a FASE ENCAMINHAMENTOS DE PEDIDOS DE IDC

    PROCURADORIA-GERAL DA REPBLICA 38

    3.2. 2a FASE A TRAMITAO DAS SOLICITAES DE IDC NO MBITO DA PGR 41

    3.3. 3a FASE JULGAMENTO DOS CASOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA 48

    4. CONSIDERAES FINAIS SOBRE O PROCESSO DE INSTAURAO DE IDC 64

    5. CONCLUSES 68

    6. RECOMENDAES 70

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 72

    ANEXO 73

    SUMRIO

  • 9

    Em maio de 2014, o projeto proposto pela Associao Nacional de Direitos Hu-manos, Pesquisa e Ps-Graduao (AN-DHEP) para o estudo de federalizao de graves violaes de direitos humanos foi selecionado. O edital BRA/12/13/Fortale-cimento do Acesso Justia foi uma ini-ciativa da Secretaria de Reforma do Judi-cirio do Ministrio da Justia em parceria com o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD.

    A participao do Ministrio da Jus-tia na aprovao da EC 45/2004, que, entre outras reformas no sistema judici-rio nacional, criou o Incidente de Desloca-mento de Competncia (IDC), nome oficial do nosso objeto de pesquisa, d a medi-da da prioridade do tema para o Estado brasileiro. Ao abrir a possibilidade de fe-deralizao de casos de graves violaes de direitos humanos, uma demanda antiga de alguns movimentos sociais, a reforma do Judicirio suscitou expectativas em re-lao justia brasileira e a proteo dos direitos humanos.

    Com todas as questes doutrinrias e tcnicas que mobiliza, o IDC tambm apresenta um forte vis poltico, e era de se esperar que tivesse seus sentidos e possibilidades de aplicao debatidos e disputados no plano terico e prtico.

    Atores da sociedade civil atuantes nas causas de direitos humanos tm en-tendimentos que parecem no coincidir com aqueles dos operadores de justia envolvidos, haja vista a pequena quantida-de de processos de IDC instaurados pelo procurador-geral da Repblica quando comparado com o nmero de solicitaes que chegam at o mesmo.

    Enquanto operadores cautelosos pa-recem privilegiar a excepcionalidade do objeto, no campo da poltica institucio-nal, legisladores tomam iniciativas que parecem ter como objetivo tornar o IDC um instrumento mais acessvel e mais fre-quente no tratamento das questes de di-reitos humanos no Brasil.

    Nesse sentido, passados quase dez anos desde sua implementao no orde-namento jurdico brasileiro, sistematizar o debate, compreender o contexto e os con-dicionantes que cercam a aplicao do ar-tigo 109, pargrafo 5, da Constituio Fe-deral de fundamental importncia para avaliar suas reais possibilidades na garan-tia dos direitos humanos no pas.

    Como em qualquer pesquisa, es-colhas de recorte do objeto foram feitas afastando da anlise questes to impor-tantes quanto aquelas desenvolvidas nes-te projeto. Optamos por privilegiar o IDC a partir do momento que este entra ofi-cialmente no sistema de justia, ou seja, a partir do gabinete do procurador-geral da Repblica, que o titular exclusivo da ao, e acompanhar os casos at o desfe-cho no Superior Tribunal de Justia.

    Como este um dos primeiros estu-dos seno o primeiro de abordagem emprica sobre o tema, essa escolha pa-receu ser a mais produtiva, pois dentro desse recorte que o objeto da pesquisa se delineia mais claramente.

    Desse modo, a atuao da sociedade civil organizada em torno do tema de di-reitos humanos e os demais agentes que se envolvem com o IDC e que no fazem parte dessas duas instituies PGR e STJ foi abordada de forma apenas superfi-

    APRESENTAO

  • 10

    cial. Mesmo a atuao da sociedade civil na aprovao da reforma constitucional 45/2004 foi pouco tematizada.

    A opo por observar o objeto prin-cipalmente no seu lugar institucional um ponto de partida para compreend-lo e pesquisas futuras podero preencher as lacunas deixadas aqui.

    Mesmo com todas as renncias, acre-ditamos que a escolha foi oportuna, pois nos permitiu formular um modelo expli-cativo que destaca os principais elemen-tos, formais e no formais, que atuam para selecionar certos casos que, por suas ca-ractersticas especiais, tero sua jurisdio deslocada da esfera da justia estadual para a federal.

    A partir do nosso modelo, as dispu-tas poltico-institucionais se mostraram bastante importantes como fatores de se-leo em relao ao que passvel ou no de federalizao, tanto nas escolhas estra-tgicas do procurador-geral da Repblica como na anlise feita pelo STJ.

    Que uma corte tome decises a partir de critrios tcnico-jurdicos e extrajurdi-cos parece ser um fenmeno inescapvel, que no exclusivo dos julgamentos de IDC, nem da justia no Brasil. Mas no caso do Incidente de Deslocamento de Com-petncia talvez seja necessrio refletir o quanto as disputas poltico-institucionais podem estar eclipsando a proteo dos indivduos contra as graves violaes de direitos humanos.

    Os encaminhamentos e trmites que acontecem depois que os casos so fede-ralizados no foram objeto da nossa pes-quisa, ainda que seja este aspecto funda-mental para compreender o impacto e a efetividade da federalizao das graves violaes de direitos humanos.

    Entretanto, talvez seja preciso um lapso de tempo maior para realizar esse tipo de estudo, dado que at hoje apenas dois casos foram federalizados.

    Esta pesquisa foi viabilizada pela colaborao de muitas pessoas que con-triburam desde a coleta dos dados e sua interpretao, no financiamento e nas en-trevistas concedidas.

    Duas pessoas foram especialmente importantes e generosas. Uma delas foi o procurador da Repblica Ubiratan Cazetta, coordenador da Assessoria Jurdica de Tu-tela Coletiva, que imediatamente incorpo-rou uma atitude de plena transparncia e colaborao com a pesquisa, facilitando o acesso a documentos, participando de duas mesas de debate e at mesmo in-termediando o contato com outros inter-locutores. No seu gabinete, tambm gos-taramos de agradecer Giane Figueiredo e Silvia Amaral.

    Outra pessoa fundamental nesse pro-cesso foi a coordenadora de Pesquisa da Secretaria de Reforma do Judicirio, Ol-via Alves Gomes Pessoa, que atenciosa e pacientemente nos forneceu orientaes, documentos e realizou pontes imprescin-dveis com os rgos do sistema de justi-a.

    Agradecemos a colaborao de to-das as pessoas entrevistadas que genero-samente cederam seu tempo e ateno.

    Tambm agradecemos aos secre-trios de Reforma do Judicirio, Flvio Crocce Caetano e Estrellamaris Postal, que no raro se envolveram pessoalmente nas relaes institucionais que nos permi-tiram acesso rpido a alguns atores e ins-tituies.

    Em So Paulo, agradecemos aos pro-curadores da Repblica Andr de Carvalho

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    Ramos, Denise Abade, Robrio Nunes e Walter Claudius Rothenburg, que tambm forneceram acesso aos documentos no sigilosos, e agradecemos tambm toda a ajuda dos servidores de cada gabinete.

    Durante a pesquisa foram realizadas quatro mesas de debates, nas quais pu-demos contar com a participao e/ou co-organizao das seguintes pessoas e instituies: Marta Machado, Maira Macha-do, Eloisa Almeida e Oscar Vilhena, da Es-cola de Direito da Fundao Getlio Var-gas; Jefferson Nascimento, Flvio Siqueira e Rafael Custdio, da Conectas Direitos Humanos; Ins Virginia Prado Soares, pro-curadora da Repblica no Estado de So Paulo; Juliana Cardoso Benedetti, chefe da assessoria internacional da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da

    Repblica; Mariana Pimentel Fischer Pa-checo, doutora em filosofia do direito pela UFPE; Sergio Brito, da Advocacia Geral da Unio; e Luseni Aquino, do IPEA.

    Agradecemos tambm nossa con-sultora profa. dra. Mariana Possas (UFBA), sempre disponvel para discutir desde questes filosfico-epistemolgicas do mtodo at as questes mais prosaicas do dia a dia dos pesquisadores.

    Em Belo Horizonte, agradecemos o apoio do advogado Miguel Marzinetti, que realizou uma das entrevistas, para a qual no foi possvel deslocar membros da equipe.

    Agradecemos aos companheiros da ANDHEP, Cristina Fernandes, Carlos Boz-za e Vitor Blotta.

  • 12

    SUMRIO-EXECUTIVO

    O Incidente de Deslocamento de Competncia (IDC) um instrumento criado na reforma constitucional 45/2004 que ficou conhecida como Reforma do Judicirio. O dispositivo permite que o Procurador-Geral da Repblica requeira deslocamento de competncia da justia estadual para a justia federal, quando houver uma grave violao de direitos humanos. O texto constitucional define essa possibilidade da seguinte maneira:

    Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar:

    V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o 5 deste artigo

    5 Nas hipteses de grave violao de direitos humanos, o Procurador-Geral da Repblica, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigaes decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poder suscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, em qualquer fase do inqurito ou processo, incidente de deslocamento de competncia para a Justia Federal.

    At hoje houve quatro solicitaes de deslocamento de competncia junto ao Superior Tribunal de Justia (STJ) por parte do Procurador-Geral da Repblica (PGR). Uma primeira leitura dos autos dos processos que tramitaram ou tramitam no STJ, apontar que foram trs os principais pontos que fundamentaram os pedidos e considerados para deferir ou indeferir o pedido do PGR: a) a causa de pedir: a hiptese de grave violao dos direitos

    humanos; b) o interesse da Unio no cumprimento de obrigaes decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos e c) a avaliao do interesse ou capacidade das instituies do sistema de segurana pblica e justia do Estado em tela. Os dois primeiros esto explcitos no texto constitucional e o terceiro (critrio jurisprudencial) seria uma consequncia lgica dos dois primeiros ou um expediente para evitar a possibilidade de um uso excessivo do IDC.

    A hiptese inicial de trabalho assumiu que as discusses nos autos representariam os fatores decisivos para o pedido do PGR, bem como para a deciso dos ministros do STJ. Os argumentos pr e contra a federalizao de grave violao de direitos humanos contidos nos autos foram divididos conforme diziam respeito a cada um dos requisitos do IDC. Foram realizadas entrevistas com operadores do sistema de justia federal e atores da sociedade civil tambm abordando os trs requisitos. Conforme o trabalho de campo evoluiu, a hiptese foi totalmente reformulada e desdobrada. Apresentamos a seguir cada uma das hipteses e as principais evidncias coletadas na pesquisa em favor de cada uma delas.

    H1: A deciso de federalizar ou no um caso no STJ no est sendo tomada com base na avaliao do que uma grave violao de direitos humanos, nem no risco de descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos e tampouco pela avaliao da capacidade ou incapacidade das instituies estaduais competentes oferecerem uma resposta jurdica eficaz ao caso.

  • 13

    - Muitos ministros adotaram em seus votos uma interpretao bastante abrangente de grave violao de direitos humanos que acaba por neutralizar o qualificativo grave e no distinguir entre casos;

    - Os ministros em entrevista e em seus votos manifestaram a dificuldade em definir o que uma grave violao de direitos humanos;

    - Ao se comparar os IDCs 1 e 2, vemos que a incapacidade dos estados suscitados foi aferida de forma diferente. No IDC 1 elementos histricos, precedentes e contextuais da incapacidade do estado em lidar com a grave violao de direitos humanos foram considerados irrelevantes

    Houve resposta satisfatria ao crime especfico

    O contexto, precedente e histrico de GVDH foi levado em considerao na deciso de federalizar?

    Deferido

    IDC-1 SIM NO NO

    IDC-2 SIM SIM SIM

    Posio do MP e/ou TJ Resultado do pedido de IDC

    IDC-1 Contra Indeferido

    IDC-2 A favor Deferido

    IDC-3 Contra Aguardando julgamento

    IDC-4 A favor Deferido

    e apenas a investigao e processamento do caso especfico o assassinato de Dorothy Stang , foram levados em conta. Considerado que o caso estava tendo andamento, a federalizao foi indeferida. No IDC 2, tambm assassinato de um defensor de direitos humanos, os ministros argumentaram que j havia andamento do caso, cinco indiciados e que o magistrado e promotor responsveis haviam agido a contento. Mesmo assim, foi considerado para a deciso por federalizar o caso o histrico de insucesso das autoridades estaduais em lidar com crimes cometidos por grupos de extermnio, levando em conta o contexto e as condies mais gerais que permearam o crime.

    H2: O fator de maior importncia para explicar as decises no STJ a disputa poltico- institucional entre as instituies do sistema de justia federal e o sistema de justia estadual

    - Durante o processo de tramitao da reforma constitucional houve intensa mobilizao de membros do ministrio pblico estadual contra o IDC;

    - Uma vez aprovado o IDC, duas Aes Diretas de Inconstitucionalidade foram interpostas no STF contra o dispositivo, por associaes de magistrados.

    - O resultado do julgamento do IDC tende a coincidir com a posio das instituies do sistema de justia do estado suscitado.

  • 14

    - H nos autos manifestaes de ministros que se disseram receosos em relao ao IDC, que representaria, para eles, uma desconfiana ou preconceito contra os sistemas de justia estadual.

    - Alguns ministros que votam contra o IDC manifestam uma preocupao com a quebra do pacto federativo. O argumento de que se o IDC no for usado de forma extremamente excepcional e cuidadosa, haver a quebra do pacto. Nos mesmos votos, esses ministros recomendam a aplicao da Lei n 10.446, de 8/5/2002 que permite polcia federal proceder a investigao de certas infraes penais, entre elas aquelas relativas a violao a direitos humanos. Ou seja, a preocupao com o pacto federativo no se coloca quando a instituio em questo a polcia, mas apenas relativamente ao Ministrio Pblico e Judicirio.

    H3: Um julgamento no STJ tem influncia sobre as escolhas subsequentes do PGR dos casos que sero levados como pedidos de deslocamento de competncia.

    - Alguns membros do Ministrio Pblico Federal, sendo um deles um ex-Procurador-Geral da Repblica, consideram que os membros do STJ podem ser particularmente sensveis em relao s presses dos rgos estaduais na hora de decidir pela competncia do caso no IDC. Consideram que alguns estados so politicamente mais poderosos e que o PGR acaba levando em conta esse aspecto para propor uma ao do IDC.

    - Dentro da PGR, o IDC-5, solicitado pelo MP do estado de Pernambuco, no passou pelo trmite regular e foi colocado na frente de outros casos h muito mais tempo no gabinete do PGR e que viriam a ter parecer favorvel para federalizao.

    Que esse caso tenha sido escolhido parece ser uma evidncia de que o PGR pretendia formar jurisprudncia favorvel ao IDC, como uma escolha estratgica.

    A anlise conjunta das evidncias empricas releva que so disputas que se do fora do universo tcnico-jurdico - e que geralmente no constam nos autos o elemento definidor do uso do IDC at o momento dessa pesquisa. Pode-se deduzir que so os conflitos por interesse entre Unio e estados, entre os diversos sistemas de justia dessas esferas e os agentes que nelas atuam, os fatores que operam decisivamente no processo de deslocamento de competncia.

    A relao entre os interesses corporativistas dos grupos profissionais que compe os sistemas de justia e a performance desse mesmo sistema apresenta-se, dessa maneira, como uma questo chave dentro do debate sobre a proteo dos direitos humanos no Brasil, sobre quais so os obstculos e desafios. Pretendeu-se aqui demonstrar como essa relao opera num instrumento jurdico especfico, o IDC. Porm, certo que no uma questo restrita a esse dispositivo. Mais pesquisas que joguem luz sobre essa temtica so imprescindveis para a ampliao do debate pblico a respeito do papel do sistema de justia na garantia dos direitos humanos no Brasil.

    Para concluir, esta pesquisa permitiu a proposio de algumas recomendaes para o aprimoramento do IDC. So elas:

    1) O esforo institucional da PGR iniciado ainda que tardiamente em setembro de 2013 e a criao de um procedimento especfico para o IDC (Procedimento Preparatrio para Incidente de Deslocamento de Competncia) so evidncias da ateno e do zelo que a

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    humanos. O CEJUS pode ser o responsvel pela divulgao de material didtico capaz de ampliar a compreenso do conceito de grave violao de direitos humanos, alm de estimular a disseminao de obras de referncia dedicadas ao tema;

    4) importante para o Legislativo e sociedade civil, ao debaterem a ampliao dos agentes que podem solicitar o IDC junto ao STJ, levar em conta a capacidade de instruo dos casos. Se por um lado os entrevistados apontaram que a ampliao dessa prerrogativa pode ser positiva e a pesquisa demonstrou que a PGR um gargalo importante, talvez excessivo, no processo de instaurao e julgamento do IDC , outros apontaram a maior facilidade que algumas instituies tm para instruir os casos quando comparadas a outras. Se at mesmo ao PGR eventualmente so ignorados pedidos de informao junto a instituies estaduais, essa situao pode se agravar com outros agentes. preciso que as vantagens e desvantagens de se ampliar o nmero de agentes competentes para ajuizar ao de IDC junto ao STJ sejam debatidas com profundidade.

    Temos a expectativa de ter contribudo para o avano, terico e no plano prtico, da proteo dos direitos humanos no Brasil e com o desejo de ver este trabalho subsidiando importantes e srias reflexes acerca dos desafios que ainda envolvem o IDC, mas principalmente acerca do papel de cada agente do estado responsvel pela aplicao da lei e, portanto, pela observncia das obrigaes assumidas pelo Estado brasileiro.

    PGR est dispensando questo da grave violao de direitos humanos. Semelhante esforo institucional deve ser mantido e aprimorado. Um dilogo constante com os mais diversos agentes da sociedade civil, bem como com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica e o Departamento de Direitos humanos e Temas Sociais do Ministrio das Relaes Exteriores, mais do que recomendvel. Tambm de crucial importncia o estabelecimento de um dilogo institucional com os rgos do sistema interamericano de direitos humanos cuja competncia foi reconhecida pelo Brasil, vale dizer: Comisso e Corte Interamericana de Direitos Humanos;

    2) De modo contrrio, a inexistncia de um procedimento especfico para o encaminhamento dos pedidos de IDC encaminhados pela PGR ao STJ ilustrativo da ausncia de um entendimento adequado do significado do conceito de grave violao de direitos humanos, bem como das obrigaes do Estado brasileiro em face de um acontecimento como esse. Um esforo institucional por parte do STJ absolutamente imprescindvel para que o Estado brasileiro como um todo seja capaz de oferecer um remdio judicial efetivo e eficaz capaz de impedir a continuidade das graves violaes aos direitos humanos;

    3) Pelo fato de a SRJ ter se constitudo, a mesma poca do IDC, essa instituio tem um papel de relevncia, podendo incentivar, de comum acordo com a PGR, um dilogo com as demais instncias do Estado brasileiro, bem como com os agentes da sociedade civil brasileira e internacional que atuam na promoo e proteo dos direitos

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    1. CONSIDERAES SOBRE O MTODO

    1 CAZZETA, Ubiratan. Direitos Humanos e Federalismo o Incidente de Deslocamento de Competncia. So Paulo: Editora Atlas, 2009, 244 pginas.

    Esta pesquisa buscou compreender como a o sistema de justia brasileiro tem lidado com os casos de deslocamento de competncia. Pretendemos empreender uma anlise sobre quais so os aspectos determinantes ao longo do que chamare-mos aqui de processo de instaurao e jul-gamento do IDC, um processo de seleo de casos que pode ou no culminar na fe-deralizao de uma grave violao de di-reitos humanos. Esse processo composto por diversas fases, sendo que em cada uma delas o que relevante para os agentes que a compem muda de acordo com a posi-o desses no campo social. Por que uma tentativa de federalizao obteve sucesso? Por que foi rejeitada? Por fim, por que uma determinada tentativa de federalizao se-quer chegou a entrar formalmente no sis-tema? Essas so as questes norteadoras dessa investigao.

    Com a construo de um modelo ex-plicativo para o processo de instaurao e julgamento do IDC (que no se pretende nico, tampouco pretende esgotar todas as possibilidades ao redor desse tema com-plexo) queremos evidenciar as questes e tenses polticas subjacentes tomada de deciso sobre a federalizao, realiza-das por meio da disputa por competncia diante de casos envolvendo grave viola-o de direitos humanos. Queremos reu-nir elementos sobre como os sistemas de justia tem reagido a tais tenses, no que toca especificamente o IDC. A partir daqui, nos referiremos a sistemas de justia, no plural, pois a suposta diviso entre judici-

    rio federal e os muitos judicirios estadu-ais, segundo as concluses dessa pesquisa, parece operar de forma mais forte do que sugeriria a mera distribuio constitucional de competncias.

    Para atingir esse objetivo, pretendeu-se, especificamente, acessar qual a com-preenso sobre os critrios fundamentais para o deslocamento mobilizada pelas instituies do sistema de justia e por seus agentes.

    Para os nossos propsitos, a aborda-gem qualitativa se apresentou quase au-tomaticamente, por dois motivos funda-mentais. O primeiro deles que, at onde tivemos acesso, no h pesquisa emprica sobre o IDC at o presente momento. H uma quantidade razovel de anlises jur-dicas a respeito dele, sendo o mais consis-tente o estudo de Ubiratan Cazetta1, mas no encontramos estudo que se debru-asse sobre os casos e agentes de forma sistemtica para produzir anlises que se pretendessem explicativas. Desse modo uma abordagem qualitativa parece mais adequada para captar aspectos relevantes sobre esse objeto to pouco conhecido. O segundo motivo se deve imposio des-te mtodo pelo pequeno nmero de casos existentes e o pequeno nmero de atores envolvidos.

    Foi realizada ento uma pesquisa qualitativa a partir, principalmente, dos autos dos incidentes de deslocamento de competncia e de entrevistas, cujo objeti-vo foi acessar as percepes de atores que

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    tiveram experincias diretas com o IDC. Percepes tanto sobre como se deu tal experincia, como a respeito da eficcia da federalizao, dos acertos e das falhas de seu marco legal e formas possveis de apri-mor-lo. Complementarmente foram reali-zadas mesas de debate e a reconstruo de dois casos emblemticos submetidos esfera federal em suas etapas e marcos re-levantes com o fim de auxiliar o estudo das determinantes do processo de instaurao e julgamento do IDC.

    O resultado dessa combinao de tcnicas permitiu jogar luz sobre o que procurador-geral da Repblica e o Minis-trio Pblico Federal consideram relevante para promover um pedido de federaliza-o, quais os elementos motivadores das decises por federalizar ou no proferidas pelo STJ at o momento e sobre o que levado em considerao pelos agentes, so-ciedade civil e outros, para instar a Procu-radoria Geral da Repblica a mover um in-cidente de deslocamento de competncia. Da deriva o modelo explicativo.

    At a concluso dessa pesquisa, qua-tro eram os incidentes de deslocamento de competncia existentes os IDC 1/PA (Dorothy Stang), IDC 2/PE e PB (Mano-el Mattos), IDC 3/GO (referente a mais de 40 casos que envolvem execues sum-rias, desaparecimentos e tortura) e o IDC 5/PE (Thiago Farias). Apesar de o ltimo desses casos ser denominado IDC 5, foram apenas 4 casos efetivamente iniciados pelo procurador-geral da Repblica. O IDC-4 foi suscitado por um particular, em decorrn-cia de atos administrativos praticados no mbito do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, que culminaram com sua aposentadoria por invalidez permanente e foi arquivado definitivamente pelo ministro relator, j que competncia exclusiva do procurador-geral da Repblica iniciar um

    incidente de deslocamento. A instaurao de IDC nesse caso foi, provavelmente, um equvoco do STJ.

    A seguir, exporemos detalhadamen-te as fontes utilizadas e qual o tratamento dado a cada uma delas.

    1.1. ANLISE DOS AUTOS DO IDC:

    A anlise documental empreendi-da nessa pesquisa teve por base os autos processuais dos quatro incidentes de des-locamento de competncia. Como se ver a seguir, so analisados extensamente ape-nas os autos dos IDCs 1, 2 e 3, pois o IDC 5 tramitou em segredo de justia, razo pela qual tivemos acesso apenas deciso final do STJ, sem contudo poder acessar mais profundamente os debates realizados em torno do caso.

    Os autos dos processos envolvendo incidentes de deslocamento de competn-cia foram disponibilizados integralmente para esta pesquisa pelo Superior Tribunal de Justia (IDCs 1 e 2) e Procuradoria Geral da Repblica (IDC 3). Ao todo, os 3 IDCs analisados consistiam em alguns milhares de pginas, compostos por documentos de diversas origens e naturezas. Optou-se, para possibilitar a pesquisa, pelo tratamen-to e anlise dos documentos que diziam respeito diretamente discusso de fede-ralizar ou no o caso, tais como manifesta-es do PGR, dos tribunais de justia e dos ministrios pblicos estaduais, ONGs e uma infinidade de agentes interessados. Nesse sentido, no foram analisadas informaes relativas tramitao dos processos na es-fera estadual que estavam anexadas nos autos dos IDCs. Analisar esses documentos extrapolaria os limites e possibilidades des-sa pesquisa.

    Uma vez selecionados os documen-tos pertinentes, esses foram lidos integral-

  • 18

    mente e foi construdo um banco para o or-denamento dos dados, o que chamamos de grades de anlise, para cada um dos IDCs. O interesse dessa pesquisa, no que diz res-peito aos autos, recaiu na forma como ar-gumentos relacionados aos trs critrios fundamentais de admissibilidade do IDC foram operacionalizados pelos agentes - quais so os argumentos apresentados, como so encadeados e quais suas conse-quncias a fim de acessar suas interpreta-es e compreender quais so os elemen-tos que melhor explicam os desfechos dos casos discutidos.

    2 Esta pesquisa se referir ao termo incapacidade entre aspas por ser dessa maneira que os agentes se referem a ele tanto nos autos como nas entrevistas.

    Tabela 1 Exemplo de Grade de Anlise

    Critrio Caso Documento Citao Quem DataIncapacidade das autoridades locais

    IDC 3 Manifestao final do IDC 3

    (N 3886/2014 - ASJTC/SAJ/PGR), Pg.66.

    Embora inegvel a ofensa razovel durao do processo (especialmente em razo da demora entre a data do fato e a oferta da denncia), entende-se no haver motivos para deslocamento de ao penal que j ultrapassou a fase de instruo, estando pendente, apenas, de deciso.

    Rodrigo Janot Monteiro de Barros, procurador-geral da Repblica

    22/08/2014

    A preparao dos dados atravs da construo de grades de anlise obser-vou principalmente os critrios formais de admissibilidade, a saber: i) a hiptese de grave violao de direitos humanos, ii) a necessidade de cumprir com obrigaes firmadas em tratados internacionais e iii) a aferio da incapacidade2 do ente fe-derativo em proceder com investigao, processar e julgar os perpetradores. Foram extrados, portanto, o argumento jurdico sobre cada um dos critrios, a qual IDC se refere, quem proferiu, em qual data, onde se localiza, como exemplificado a seguir:

    Durante a fase de tratamento dos dados realizado por vrios pesquisadores foram realizadas duas rodadas de reviso coletiva, visando a melhorar a consistncia da classificao do contedo. Procedeu-se ento a redao de textos descritivos sobre cada um dos aspectos e nessa fase emergiram os eixos analticos e as hipte-ses explicativas.

    1.2. JURISPRUDNCIA INTERNACIONAL:

    As decises da Comisso Interameri-cana de Direitos Humanos (CIDH) tambm foram utilizadas com fonte de informao.

    Buscou-se, nesses documentos, a justifica-tiva da admisso pela Comisso de casos contra o Estado brasileiro, sobretudo ob-servando quais seriam os artigos violados da Conveno Americana sobre Direitos Humanos que justificaram cada desfecho. Ao todo, entre os anos de 2003 e 2013, fo-ram 53 casos admitidos pela CIDH.

    1.3. ENTREVISTAS:

    As entrevistas se mostraram uma fon-te imprescindvel de dados para a compre-enso dos caminhos do IDC. Por ser um campo em construo, formado por expe-

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    rincias localizadas e sem uma jurisprudn-cia nacional ampla, acessar as percepes dos agentes que mobilizam esse campo permitiu a elaborao de hipteses sobre como essa construo tem se dado, quais suas particularidades e desafios.

    A tcnica de entrevista semiestrutu-rada em profundidade pressupe que o pesquisador conduzir o discurso do en-trevistado, mesmo que de forma sutil, sem limitar os espaos de fala do respondente. Nessa tcnica, ao mesmo tempo em que o foco do olhar do pesquisador est dirigi-do para questes previamente definidas, possvel ao participante expor suas per-cepes de maneira mais livre, saindo dos caminhos pr-definidos pelo roteiro.

    O roteiro de entrevista (anexo 1) foi construdo a partir das questes colocadas pela literatura e do contato com os IDCs. Como qualquer pesquisa qualitativa, des-cobriu-se ao longo de sua execuo temas e contedos que subjazem o campo e que no haviam sido previstos anteriormente. Conforme a pesquisa avanava, elementos novos, antes completamente ignorados, foram acrescentados ao roteiro, de forma que as hipteses de pesquisa pudessem ser mais bem elaboradas. Assim, o roteiro no foi exatamente o mesmo para todos os entrevistados. Para a sua construo, foi levada em considerao a posio que o entrevistado ocupava no campo, bem como em quais casos havia atuado. Ques-tionamentos sobre determinada fase desse processo ou para determinados casos no eram pertinentes para todos os entrevista-dos, por isso o roteiro foi sendo modulado de acordo com o participante.

    A pesquisa hemerogrfica e docu-mental indicou as organizaes e pessoas que tiveram experincias efetivas com o deslocamento de competncia. Como so poucos os casos, esse nmero de agentes

    restrito, o que permitiu que contatsse-mos e convidssemos para a entrevista boa parte daqueles que estiveram diretamente envolvidos com o IDC.

    Foram realizadas 15 entrevistas com durao mdia de 2 horas, que foram gra-vadas e posteriormente transcritas. De for-ma a representar melhor cada um dos n-veis do modelo explicativo aqui proposto, foram distribudas da seguinte forma:

    5 participantes eram membros da sociedade civil e instituies pbli-cas responsveis por instar a PGR a ajuizar um pedido de desloca-mento (desses, 4 eram membros de organizaes da sociedade ci-vil, 1 era defensor pblico);

    6 eram membros do Ministrio P-blico Federal (2 ex-Procuradores-Gerais e 4 Procuradores da Rep-blica);

    4 eram magistrados que atuaram pelo Superior Tribunal de Justia (2 deles j aposentados).

    Estabelecemos como procedimento enviar previamente, para cada um, o roteiro de entrevista, de forma que o entrevistado pudesse se familiarizar com ele. Essa op-o possibilita reativar a memria daquele que sujeito da pesquisa, permitindo inclu-sive que ele junte todas as informaes que considerar relevante para sua participao. Ainda, cada entrevistado recebeu a trans-crio de sua entrevista, de forma que lhe fosse possvel uma segunda oportunidade de produzir percepes sobre o tema e de retificar aquilo que achasse necessrio.

    A escolha por uma investigao a partir de entrevistas repleta de desafios, sobretudo numa pesquisa de curto prazo como a que se props aqui. Alm da iden-tificao da amostra, os contatos, as expli-

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    caes sobre a pesquisa e a negociao de disponibilidades para sua realizao exi-giram grande investimento de energia da equipe de pesquisa e dos entrevistados. No obstante, pudemos contar com a co-laborao generosa daqueles que esto re-presentados nessa pesquisa.

    A maior parte das entrevistas foi rea-lizada em So Paulo e Braslia, tendo sido uma delas feita em Belo Horizonte. Para as demais, optou-se por entrevistas remo-tas, via teleconferncia, atravs do softwa-re Skype. Para empreender as anlises do vasto material coletado atravs das entre-vistas, foi utilizado o software NVIVO ver-so 10, produzido pela QSR International.

    1.4. RECONSTRUO DE CASOS E ESTUDO DE CASO

    Como j dito anteriormente, nosso objeto de pesquisa um fenmeno restri-to, com poucos casos a serem analisados. Desse modo, realizamos a reconstruo de dois casos para acessar um material emp-rico robusto. Essas reconstrues constam desse relatrio e foram fundamentais para balizar nossa compreenso do IDC. Inicial-mente essa parte da pesquisa foi pensada em termos de estudos de casos, no sentido forte do termo, como uma metodologia para formular explicaes do resultado. Com o decorrer da pesquisa ficou claro que o que estvamos realizando era uma reconstruo dos casos.

    Por outro lado, tambm ficou claro que a pesquisa, tomada em sua forma mais completa, considerando o conjunto dos da-dos colhidos, descritos e analisados muito se assemelhava a um estudo de caso. No modelo explicativo, descrevemos aspectos dos casos de IDC em cada fase e analisamos os fatores que nos pareceram mais impor-tantes para os desdobramentos.

    1.5. RECONSTRUO HISTRICA DA CRIAO DO IDC

    Fontes hemerogrficas foram utiliza-das para a reconstruo do histrico de criao do incidente de deslocamento de competncia. Como o interesse da pesqui-sa nessa recuperao histrica foi to so-mente se familiarizar com o campo e iden-tificar os pontos de tenso presentes ao debate pblico sobre o IDC, o trabalho com fontes hemerogrficas no foi exaustivo, nem se pretendeu representativo dos de-bates realizados ao longo das duas ltimas dcadas. Dessa forma, ao invs de um le-vantamento sistemtico, optou-se por bus-car notcias e artigos sobre a federalizao em apenas um peridico, a Folha de So Paulo, inclusive por uma razo pragmtica: seus arquivos esto disponveis e so facil-mente manipulveis.

    1.6. MESAS DE DEBATE

    Para ajudar a dar sentido aos mate-riais recolhidos, foi utilizada uma aborda-gem de abertura da discusso com agen-tes do campo, realizada em quatro mesas de debate. Em alguns debates, o grupo de pesquisa props o tema e enviou algumas reflexes previamente enquanto em outros participantes gentilmente fizeram apresen-taes prvias ao debate. Sempre que pos-svel as mesas foram abertas ao pblico, ampliando ainda mais o espao de interlo-cuo.

    Mesa 01: Realizada na Escola de Di-reito da Fundao Getlio Vargas, sobre o tema O que o massacre do Carandiru nos conta sobre as graves e generalizadas vio-laes de direitos humanos?

    Mesa 02: Realizada na Conectas Di-reitos Humanos, sobre o tema O Risco de responsabilizao internacional do Brasil decorrente do descumprimento de obriga-

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    es jurdicas assumidas em tratados inter-nacionais.

    Mesa 03: Realizada na Secretaria de Reforma do Judicirio, no Ministrio da Justia, sobre o tema O critrio jurispru-dencial da incapacidade ou omisso das instituies estaduais para deferir o deslo-camento de competncia para graves vio-laes de direitos humanos.

    Mesa 04: Realizada na Escola de Di-reito da Fundao Getlio Vargas, sobre o tema Condio de admissibilidade do IDC atravs da Procuradoria-Geral da Repblica.

    1.7. LIMITAES DA PESQUISA

    Era o propsito inicial desta pesquisa realizar uma coleta e anlise que desse con-ta dos casos de IDC desde a forma como eles comeam a ser criados no mbito dos agentes que encaminham pedidos de IDC ao Procurador-Geral da Repblica. A pes-quisa como um todo teve a durao de seis meses e a equipe priorizou o levantamento de dados, tratamento e anlise dos IDCs j instaurados pelo PGR, alm da realizao de entrevistas. O material que chega PGR

    distribudo entre uma assessoria em Bra-slia e quatro procuradores federais na ci-dade de So Paulo. Como os dados ficam dispersos foi necessrio abordar, negociar e agendar consultas com cada procurador ou gabinete individualmente. No obstante a boa vontade dos servidores e procurado-res, a equipe conseguiu recolher informa-es parciais sobre os casos. Essas informa-es so fundamentais para compreender, no nosso modelo explicativo, o que aconte-ce na fase um do processo de instaurao do IDC. Com a insuficincia desse material, a anlise da fase um se tornou muito mais uma proposta para pesquisa futura do que a apresentao de resultados consisten-tes. Ainda assim, ousamos ensaiar algumas anlises para reflexes posteriores.

    Todos os bancos de dados constru-dos para essa pesquisa foram colocados disposio da Secretaria de Reforma do Judicirio do Ministrio da Justia, com a esperana de que possam contribuir para pesquisas futuras sobre o deslocamento de competncia.

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    2. HISTRICO DO SURGIMENTO DO INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETNCIA

    3 REALE JR., M. Tempestade na conscincia. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno (Tendncias e Debates), pg. 3, 11 de fev. 1991.

    4 FREITAS, S. e LIMA, S. Reale Jr. se demite da Justia; FHC anuncia novo ministro. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 4, 09 de jul. 2002.

    5 ASSEMBLEIA Legislativa de Alagoas decide criar a CPI da Pistolagem. Jornal Primeira Edio, 18 de abril 2012. Poltica, disponvel em http://primeiraedicao.com.br/noticia/2012/04/18/assembleia-legislativa-decide-criar-a-cpi-da-pistolagem; a Comisso Parlamentar de Inqurito da Assembleia Legislativa de Alagoas (ALE), conhecida como CPI da Pistolagem, foi criada para investigar o suposto plano de assassinato envolvendo os deputados estaduais Ccero Ferro (PMN), Dudu Hollanda (PSD) e Maurcio Tavares (PTB) no estado de Alagoas.

    6 Jornal Folha de S. Paulo, edio de 12/03/1993.

    7 LINDGREN ALVES, J.A. Os Direitos Humanos como tema global. In PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e direito consti-tucional internacional. So Paulo: Saraiva, 2013. 14 ed., rev. e atual.

    A ideia de que graves violaes de direitos humanos deveriam ser julgadas e investigadas na esfera federal do sistema de justia foi gestada desde o incio da d-cada de 1990. Em 11 de fevereiro de 1991, o jurista Miguel Reale Jnior escreveu na se-o Tendncias e Debates do jornal Folha de S. Paulo3 apoiando a proposta de inter-veno federal no estado do Mato Grosso solicitada pelo procurador-geral da Rep-blica em um caso em que trs assaltantes j rendidos foram torturados, feridos a bala e, por fim, queimados vivos em pblico por integrantes da Polcia Militar.

    Pouco mais de dez anos depois, quando a proposta de federalizao como conhecemos hoje j tramitava no Congres-so Nacional, o mesmo Miguel Reale Jnior, ento como ministro da Justia, apoia no-vamente a interveno federal, dessa vez no Esprito Santo. Denncias de corrupo no executivo e legislativo, envolvimento da polcia com corrupo e grupos de exter-mnio levaram a Ordem dos Advogados do Brasil a solicitar a interveno junto ao Mi-nistrio da Justia.

    O pedido foi aprovado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana

    (CDDPH), do qual fazia parte o procurador-geral da Repblica, que decide ento levar o caso adiante. Argumentando inviabilida-de poltica e jurdica, o presidente Fernan-do Henrique Cardoso convence o procu-rador-geral Geraldo Brindeiro a desistir da interveno, anunciando como alternativa a montagem de uma misso especial en-volvendo a polcia federal para atuar na-quele estado. A posio do presidente foi possivelmente o motivo da renncia de Mi-guel Reale Jnior4.

    A dificuldade do sistema de justia lo-cal em lidar com certos casos j havia leva-do o delegado da Polcia Federal Amaury Galdino a afirmar, na CPI da Pistolagem5, que o Congresso deveria determinar na re-viso constitucional que os crimes de en-comenda fossem investigados pela Polcia Federal, j que, em sua opinio, as polcias civis dos estados no tinham estrutura para apur-los6.

    A doutrina e especialistas em Direi-tos Humanos tambm advogavam por um instrumento semelhante, capaz de inibir as violaes de direitos humanos no pas: em 1992, Jos Augusto Lindgren Alves7 apon-tava para a responsabilidade da Unio pe-

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    las violaes de direitos humanos e sugeria que um adjutrio importante talvez fosse a atribuio s instncias federais de capa-cidade de atuao dita complementar, em cooperao com as instncias estaduais.

    Tambm no incio da dcada de 1990 ganhava corpo a reforma do Judicirio, cal-do engrossado pela expectativa da reviso constitucional, prevista na carta de 19888. Ludmila Ribeiro9 defende, em seu texto so-bre a reforma do Judicirio e o acesso aos direitos, que a Emenda 45/2004 parte de um processo de transformao pelo qual a justia brasileira passava para se adaptar s novas demandas sociais de incluso e acesso justia, j que a histria de conso-lidao do Poder Judicirio brasileiro teria sempre sido marcada por uma naturaliza-o da desigualdade.

    Em 30 de abril de 1992, o deputado Hlio Bicudo (PT-SP) apresentou na C-mara dos Deputados o Projeto de Emenda Constitucional N 9610, que ficaria conheci-do como PEC da reforma do Judicirio. O texto inicial introduzia modificaes na carreira dos juzes, na composio de tribu-nais e outros, mas ainda no tocava o tema das graves violaes de direitos humanos.

    importante lembrar que poca os debates sobre a Constituio eram bastan-te intensos, o que pode ser atribudo, pelo menos em parte, efervescncia democr-tica a partir do fim do regime ditatorial e da

    8 Ato das disposies constitucionais transitrias, Art. 3: A reviso constitucional ser realizada aps cinco anos, contados da promulgao da Constituio, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sesso unicameral.

    9 RIBEIRO, Ludmila. A Emenda Constitucional 45 e a questo do acesso justia. Rev. Direito GV, So Paulo, v.4, n.2, Dec. 2008.Disponvel em: http://migre.me/mXdcZ, p. 469

    10 BRASIL. Cmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constituio 96/1992. Disponvel em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14373

    11 RIBEIRO, Ludmila. A Emenda Constitucional 45 e a questo do acesso justia. Rev. Direito GV. So Paulo, v.4, n.2, Dec. 2008. Disponvel em: http://migre.me/mXdcZ, p. 469. Consultado em novembro de 2014.

    12 PAIVA, Grazielle Albuquerque Moura. A reforma do Judicirio no Brasil: o processo poltico de tramitao da emenda 45. Fortaleza, 2012, p. 52.

    13 TREVISAN, C. Proposta de Jobim refora o poder do STF. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 6, 04 de abril de 1994.

    promulgao da Constituio Cidad, per-odo em que muitas instituies do Estado brasileiro estavam sendo reformadas.

    A dificuldade de processamento de casos de graves violaes de direitos hu-manos foi somada a uma tardia percepo da importncia do Poder Judicirio como motor de transformao e efetivao dos direitos garantidos na Constituio de 1988. As decises da magistratura em re-lao aos direitos sociais propiciaram uma nova percepo do Judicirio como agente fundamental da construo de uma ordem democrtica11, 12.

    Dois anos aps a proposta da emen-da constitucional ter sido apresentada pela primeira vez e ser integrada reviso cons-titucional, o tema da federalizao das gra-ves violaes de direitos humanos entrou na pauta da reforma.

    O ento deputado e relator da revi-so, Nelson Jobim (PMDB-RS), fez uma srie de propostas para o captulo sobre o Poder Judicirio. Entre elas: a criao do Conselho Nacional de Justia para fis-calizar e disciplinar administrativamente a magistratura; a transferncia da justia mi-litar para a justia comum do julgamento de crimes cometidos por policiais militares; o combate ao nepotismo no Judicirio e a indicao de que graves violaes de di-reitos humanos deveriam ser julgadas pela Justia Federal13.

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    Em 9 de setembro de 1995, uma no-tcia do jornal Folha de S. Paulo sobre a criao do Programa Nacional de Direitos Humanos no governo FHC aponta a trans-ferncia da responsabilidade pela investi-gao de graves violaes de direitos hu-manos dos estados para a Unio como uma das medidas da agenda de Direitos Huma-nos do governo14. Naquele momento, Nel-son Jobim era ministro da Justia de FHC e sua pasta abrigava a organizao que mais tarde viria a se tornar a atual Secretaria de Direitos Humanos.

    Em maio de 1996, o Decreto presiden-cial N 1.904 instituiu o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH. No item intitulado Luta contra a impunidade est relacionada, entre outras, a seguinte proposta de ao governamental em cur-to prazo: Atribuir Justia Federal a com-petncia para julgar: (a) os crimes pratica-dos em detrimento de bens ou interesses sob a tutela de rgo federal de proteo a direitos humanos; (b) as causas civis ou criminais nas quais o referido rgo ou procurador-geral da Repblica manifeste interesse15.

    Talvez em funo da demora na trami-tao da reforma constitucional, o governo federal apresentou proposta especfica, a PEC 368/199616, visando a atribuir compe-tncia Justia Federal para julgar as graves violaes de Direitos Humanos. A PEC sofreu

    14 FOLHA de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg.5, 09 de set 1995.

    15 BRASIL. Decreto Federal 1.904 de 13 de maio de 1996. Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decre-to/1950-1969/anexo/and1904-96.pdf. Consultado em novembro de 2014.

    16 BRASIL. Cmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constituio 368/1996. Disponvel em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=24992

    17 LAZZARINI, A. Justia e Direitos Humanos. Folha de S. Paulo, Caderno So Paulo, pg. 2, 20 de jul 1996.

    18 COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatrio sobre o Brasil, 1997. Cap. 3, pargrafo 95, item j. Dis-ponvel em http://cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/indice.htm. Consultado em dezembro de 2014.

    19 CAVALLARO, J. Questo antiga, vontade reiterada. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno (Tendncias e Debates), pg. 3, 29 de ago. 1999; nesse artigo, um dos argumentos do autor a questo do descompasso entre a responsabilizao interna-cional da Unio e a jurisdio exclusiva dos estados da federao para lidar com os crimes de direitos humanos no sistema de justia.

    reao: 25 desembargadores registaram em ata do plenrio do Tribunal de Justia de So Paulo repdio PEC 368/96, com o ar-gumento principal de que a federalizao seria um desrespeito ao pacto federativo17.

    No ano seguinte, a Comisso Inte-ramericana de Direitos Humanos (CIDH) recomenda ao Brasil a federalizao dos crimes que envolvam violaes de direitos humanos baseando-se na dificuldade em se investigar crimes cometidos por agentes das foras de segurana estaduais, que por meio de ameaas, imporiam uma verdadei-ra lei do silncio:

    Transferir a la competencia de la justicia federal el juzgamiento de los crmenes que envuelvan violaciones a los derechos humanos, debiendo el gobierno federal asumir responsabilidad directa por la instauracin y debido estmulo procesal cuando tratan de dichos crmenes18.

    Casos de violaes de grande desta-que, como a absolvio do comandante da operao que resultou na morte de traba-lhadores sem-terra em Eldorado dos Cara-js19 fomentaram o debate e colocaram a emenda em evidncia.

    Em suas verses intermedirias, a proposta previa que a provocao ao Su-perior Tribunal de Justia poderia ser feita no apenas pelo procurador-geral da Re-pblica, mas tambm por procuradores-

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    gerais dos estados, ou ainda pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). Nessa ocasio comeou a ser discutida a necessidade de condicionar a federalizao dificuldade das justias es-taduais para processar tais violaes em seus sistemas de justia20.

    Durante a tramitao da Emenda como um todo, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Social Democrtico Brasi-leiro (PSDB) discordaram em vrios pontos, mas no em relao federalizao, ponto prontamente abraado pelo propositor ini-cial da emenda, deputado Hlio Bicudo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tambm apoiou a medida no seu 4 Congresso Nacional21.

    Aps a mudana na presidncia da Repblica com a posse do presidente Luiz Incio Lula da Silva em 2003 retomada a agenda da reforma do Judicirio de forma mais contundente do que no governo ante-rior. O ministro da Justia Mrcio Thomaz Bastos criou a Secretaria de Reforma do Judicirio para produzir diagnsticos, reco-mendaes e apoio s atividades do minis-trio no Congresso.

    Muito da agenda de reforma foi base-ada em um estudo produzido pelo Banco Mundial, ainda na administrao do PSDB. Naquele momento a proposta j havia tra-mitado oito anos na Cmara dos Deputa-dos e dois no Senado, tendo nesta ltima casa como relator o senador Bernardo Ca-bral (PFL-AM)22. A criao da Secretaria de

    20 DIAS, J. Reforma da Justia. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno (Tendncias e Debates), pg. 3, 15 de set. 1999.

    21 SILVA, E. MST diversifica temas de luta em congresso. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 10, 08 de ago. 2000.

    22 DANTAS, I. rgo analisar mudana na Justia. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 4, 17 de fev. 2003.

    23 FREITAS, S. Reforma da Justia vira prioridade de Lula. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 21, 16 de nov. 2003.

    24 Investigao da polcia federal que revelou um esquema de venda de sentenas envolvendo policiais e juzes federais.

    25 MICHAEL, A. Entrevista com Mrcio Thomaz Bastos. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 12, 24 de nov. 2003.

    26 FREITAS, S. E KRAKOVICS, F. Senado aprova reforma com controle externo do Judicirio. Folha de S. Paulo, Primeiro Caderno, pg. 04, 08 de jul. 2004.

    Reforma sofreu resistncias, especialmen-te do presidente do STF, ministro Maurcio Correa, que tambm rejeitou a possvel vi-sita de um relator da ONU para conhecer a realidade da justia brasileira.

    No final de 2003 a reforma ganha f-lego novamente e o governo federal decide que a emenda deveria ser fatiada para que os pontos que considerava prioritrios pu-dessem ser aprovados, de modo que o prin-cipal deles, a criao do Conselho Nacional de Justia, acabou por impulsionar, entre outras propostas, a da federalizao.

    A ao do governo no Legislativo era assessorada pela Secretaria de Reforma do Judicirio, ento sob comando de Srgio Renault23. Como qualquer mudana no tex-to legislativo obrigaria o projeto da PEC a ser novamente votado em todas as Casas, a ideia de separar o projeto em dois era tam-bm uma forma de acelerar o processo de votao do que era considerado de maior consenso.

    Para jornalistas, o escndalo do Judi-cirio com a operao Anaconda24 estaria dando impulso s reformas, diminuindo as resistncias do Judicirio25. A julgar pe-las notcias de jornal pesquisadas sobre a reforma do Judicirio, a questo da fede-ralizao no suscitava tantas polmicas quanto aquelas relacionadas ao controle externo da magistratura e s sumulas vin-culantes do STF.

    A votao em primeiro turno no Sena-do da verso da emenda que j contempla-

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    va o Incidente de Deslocamento de Com-petncia foi de 62 votos favorveis contra apenas dois contrrios26.

    preciso levar em considerao que o processo de aprovao da reforma do Judicirio no se restringiu s discusses que ocorreram no Poder Legislativo. Gran-de parte das negociaes teriam sido feitas pelos interesses corporativos do prprio Poder Judicirio, que no queriam se ver prejudicadas pela m reputao decorren-te dos escndalos de corrupo que envol-viam magistrados.

    Quando Nelson Jobim assume a pre-sidncia do STF em 2003 as negociaes em torno da PEC comeam a andar mais rpido, por ser declaradamente um projeto de governo e de interesse do ex-ministro27.

    Outra forma de resistncia aprovao do IDC pode ser vista no texto publicado na IX Conferncia Nacional de Direitos Huma-nos, realizada em 2004. O documento final declara28:

    Considerando que a proposta de Federalizao dos Crimes contra os Direitos Humanos, diante da subjetividade e discricionariedade para o deslocamento da competncia, coloca em risco a preveno, o controle e o combate a esse tipo de violncia, traduzindo-se em fator de incerteza social e insegurana jurdica, que fragiliza a prpria construo do Sistema Nacional dos Direitos Humanos; considerando que a proposta de Federalizao dos Crimes contra os Direitos Humanos desconsidera a realidade brasileira, notadamente diante

    27 PAIVA, Grazielle Albuquerque Moura. A reforma do judicirio no Brasil: o processo poltico de tramitao da emenda 45. Fortaleza, 2012, p. 87.

    28 Texto completo com recomendaes da IX Conferncia de Direitos Humanos realizada em 2004 disponvel no site do Ministrio Pblico do estado de So Paulo: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/acoes_afirmativas/aa_di-versos/IX%20Conferencia%20DH.pdf. Consultado em novembro de 2014.

    29 Entrevista com ativista do movimento de direitos humanos para a presente pesquisa, realizada em outubro de 2014.

    da inexistncia de Varas da Justia Federal na maioria dos municpios, dificultando ainda mais o combate a esse tipo de violncia. Recomenda: a no federalizao da apurao e punio das violaes de direitos humanos, devido ao distanciamento e dificuldade de acesso pela populao.

    Para alguns ativistas do movimento de direitos humanos, a presena de promo-tores na conferncia provocou uma diviso entre os movimentos da sociedade civil so-bre o IDC, j que parte deles se convenceu com o argumento de que o Ministrio P-blico estadual a organizao mais capa-citada para investigar as graves violaes de direitos humanos e que a federalizao significaria desconfiana que no deveria existir para com a instituio29.

    Era uma situao bastante peculiar, j que a investigao federal de crimes con-tra defensores de direitos humanos e outras violaes era uma bandeira antiga do movi-mento.

    Em 18 de novembro de 2004 o Senado fez a votao final e o projeto foi aprovado, enquanto o ministro Nilmrio Miranda ocu-pava a Secretaria Especial de Direitos Hu-manos e o ministro Marcio Thomaz Bastos ainda estava na pasta da Justia.

    A aprovao contou com amplo con-senso poltico-partidrio envolvendo no apenas os dois partidos que se sucedem na Presidncia da Repblica desde 1995 PSDB e PT mas tambm contando com apoio de membros de seus principais alia-dos (PFL/DEM e PMDB respectivamente).

  • 27

    Algumas pessoas envolvidas no pro-cesso de negociao da aprovao da Emenda Constitucional 45 ressaltaram que outros lobbies ocuparam mais espao e mais tempo de negociao do que IDC, como por exemplo a criao do Conselho Nacional de Justia e a extino da Justia do Trabalho que chegou a ser cogitada30. O IDC teria ficado para um debate jurdico que ocorreu aps a aprovao da Emenda.

    Foi ento que, no mesmo ano de 2005, duas Aes Diretas de Inconstitucio-nalidade foram interpostas junto ao STF. Uma pela Associao dos Magistrados Bra-sileiros (AMB), de nmero 3.48631, em que pediu a declarao de inconstitucionalida-de do Artigo 1 da Emenda 45 por enten-der que o Incidente de Deslocamento de Competncia violaria trs principais requi-sitos de constitucionalidade. O primeiro se-ria a violao do princpio do juiz natural, o segundo seria a alta discricionariedade dada ao procurador-geral da Repblica para decidir quais casos deveriam ser fe-deralizados e o terceiro foi a utilizao de termo vago como graves violaes de di-reitos humanos. A ADI ainda aguarda jul-gamento do Supremo Tribunal Federal e, em relao a mesma, houve declarao de pedido de improcedncia formulado pela Conectas Direitos Humanos, como amicus curiae32.

    A segunda, de nmero 3.493, foi ajui-zada logo em seguida por outra associao

    30 Alguns entrevistados para a realizao deste trabalho declararam que o debate sobre o IDC no teve destaque no mo-mento de aprovao da EC 45. A tese foi repetida por um membro do Ministrio Pblico Federal, por um ministro do STJ e tambm por um ativista defensor de direitos humanos.

    31 ASSOCIAO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS AMB. STF. Ao Direta de Inconstitucionalidade 3486, de 05 de maio de 2005. Relator: ministro Dias Toffoli. Atualmente em curso. Disponvel em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verPro-cessoAndamento.asp?incidente=229322. Consultado em novembro de 2014.

    32 Confira: http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/ADI%203486%20-%20Resumo%20do%20caso%20-%20STF%20em%20Foco.pdf. Consultado em dezembro de 2014.

    33 BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei 6647/2006. Disponvel em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichade-tramitacao?idProposicao=314950. Consultado em novembro de 2014.

    34 BRASIL. Cmara dos Deputados. Projeto de Lei 2684/2007. Disponvel em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=381975. Consultado em novembro de 2014.

    de classe, dessa vez a Associao Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES).

    A partir de 2006, passaram a surgir projetos de lei e propostas de emendas constitucionais para especificar casos em que o IDC pode ser utilizado ou aumentar o rol de competentes para pedir o deslo-camento. O primeiro projeto de lei que pretende estender o IDC para casos no s criminais mas tambm cveis, o PL 6.647 de autoria da Comisso Mista Especial Refor-ma do Judicirio33.

    Em 2007, o projeto de lei 2.684 de au-toria do deputado Valtenir Pereira do PSB do Mato Grosso34 props que casos de gra-ves violaes de direitos humanos causados pela identificao de trabalho escravo pu-dessem ser federalizados a pedido do pro-curador-geral, ou seja, tornou textualmente explcito que essa uma das possibilidades em que cabe o pedido de federalizao.

    J quanto a propostas de emendas constitucionais, em 2010 o Senador Vital do Rgo apresentou um substitutivo ao Projeto de Emenda Constitucional nmero 15, que determinava que crimes cometidos contra jornalistas em razo da profisso deveriam ser apreciados por juzes fede-rais. Na nova proposta, o senador amplia-ria o Artigo 109 da Constituio e passa-riam a ter competncia para propor o IDC o ministro da Justia, os governadores, os presidentes de tribunais de Justia, o pro-

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    curador-geral dos Ministrios Pblicos es-taduais e do Distrito Federal, o Conselho Federal e o conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil35.

    Outra proposta para aumentar o rol de pessoas capazes de propor o IDC foi a tra-zida pela PEC 80, apresentada em 2011 pelo deputado Pedro Taques, que estenderia o instrumento a todas as pessoas elencadas no Artigo 103 da Constituio. Por ltimo, em 2013, foi proposta a PEC 350, de autoria do deputado Amauri Teixeira (PT-BA), que estende ao defensor pblico geral federal, ao ministro da Justia e ao ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos a com-petncia para tambm propor o desloca-mento36.

    2.1. RECONSTITUIO DOS CASOS IDC 1 E IDC 2

    2.1.1. Incidente de Deslocamento de Competncia N 1 Caso Dorothy Stang

    Data do crime: 12/02/2005

    Local: Anapu-PA

    Quando PGR encaminhou para STJ: 04/03/2005

    Quando o STJ decidiu: 08/06/2005 (transitado em julgado em 17/10/2005)

    Ministro: Arnaldo Esteves Lima, mi-nistro do STJ

    Votos STJ: Pelo indeferimento, por unanimidade

    Vtima: Dorothy Stang

    Rus: Rayfran das Neves Sales,

    35 Confira: http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2014/09/29/mais-autoridades-poderao-propor-mudanca-de-esfera-judicial/imprimir_materia_jornal. Consultado em novembro de 2014.

    36 BRASIL. Cmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constituio 350/2013. http://www.camara.gov.br/proposico-esWeb/fichadetramitacao?idProposicao=599698. Consultado em novembro de 2014.

    Clodoaldo Carlos Batista, Amair Feijoli da Cunha, Vitalmiro Moura Bastos e Reginaldo Pereira Galvo.

    Suscitante: Claudio Lemos Fonte-les, procurador-geral da Repblica

    A regio entre os rios Xingu e Ta-pajs, onde passa a Transamaznica, marcada por conflitos fundirios entre pos-seiros, grileiros, fazendeiros, madeireiros e pistoleiros. Desde a dcada de 1970, no governo Mdici, h planos para o desenvol-vimento econmico da regio amaznica e sua ocupao. Esses planos tiveram incio com a construo de duas rodovias, a Tran-samaznica e a rodovia Cuiab-Santarm, e com a concesso de terras de Unio para licitantes, sob a condio de que fossem transformadas em terras produtivas. Pou-cas dessas terras foram efetivamente con-cedidas e, desde l, iniciou-se um processo de ocupaes, grilagem e venda de terras pblicas e terras devolutas sobre o qual a Unio nunca teve total controle.

    A regio amaznica rica em recursos naturais, sobretudo madeira, que at hoje explorada por empresas madeireiras e por grileiros, no raro de maneira ilegal. um lu-crativo mercado, que, em 2004, movimen-tou U$3,5 bilhes no pas. Desses, o Par, de onde so extradas 40% de toda a madei-ra da Bacia Amaznica, exportou, sozinho, U$530 milhes no mesmo ano, principal-mente para Europa e Estados Unidos. Esse mercado um dos grandes responsveis pelo estgio avanado de desmatamento da Floresta Amaznica. Depois de desma-tadas, as reas passam por queimadas e so vendidas para pecuaristas.

    Os conflitos se do entre os interesses

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    econmicos de exploradores de madeira e assentados, que tomam parte em planos federais de reforma agrria e desenvol-vimento sustentvel da regio e recebem terras da Unio para produo agrcola em pequena escala, baseada na agricultura fa-miliar.

    Desde a dcada de 1980, assentados e movimentos de trabalhadores organiza-dos disputam com fazendeiros pela posse das terras, disputa essa que, no raro, re-alizada com expulses, intimidaes, ame-aas de morte e homicdios. Os conflitos so marcados, quando no pela omisso, pela participao de servidores pblicos, da polcia e de polticos de vrias esferas do poder. Segundo dados da Comisso Ex-terna do Senado Federal, que acompanhou as investigaes do crime contra Dorothy Stang, desde a dcada de 1990 at 2005, houve mais de 260 assassinatos na regio relacionados s lutas por terra. A Comisso Pastoral da Terra fala em mais de 700, en-tre outros tantos marcados para morrer.

    Pessoas envolvidas:

    Dorothy Mae Stang, missionria cat-lica da Ordem de Notre Dame e educadora norte-americana, natural de Ohio, Estados Unidos, trabalhou por mais de 30 anos na regio amaznica, no estado do Par. Aju-dou a fundar a Comisso Pastoral da Terra, da qual fez parte at sua morte. Trabalhou, principalmente, com educao popular, com a organizao de movimentos de tra-balhadores rurais e promovendo a agricul-tura familiar.

    Junto aos movimentos organizados da regio, por muitos anos pleiteou o apoio de rgos federais, como Ministrio do Meio Ambiente e Incra, para a criao de projetos de assentamento sustentveis que garantis-sem a preservao da floresta amaznica.

    Dessa forma, entrou em rota de con-

    flito com grileiros, interessados na explora-o das riquezas naturais da regio. Tornou pblica as ameaas de morte feitas contra si, inclusive em entrevista a um jornal do Acre, e pediu proteo ao Ministrio Pbli-co Federal, Magistratura do Par e a par-lamentares, sem jamais aceitar ser integra-da a programas de proteo a vtimas que lhe afastariam da sua regio de trabalho. Por sua militncia, Stang foi assassinada em 2005, aos 73 anos.

    Vitalmiro Souza Bastos, conhecido como Bida, um grileiro da regio de Anapu, domina um lote sub judice de 3.000 hectares que seria parte de um assenta-mento do Incra. acusado de explorar mo de obra escrava e de praticar queima-das e derrubadas ilegais de madeira, pelas quais j foi inclusive multado pelo Incra, e de perpetrar abusos contra as famlias as-sentadas. Vendeu partes dessas terras para Amair Feijoli da Cunha. Foi indicado como o mandante do crime contra Stang.

    Amair FeijolI da Cunha, conhecido como Tato, comprou de forma ilegal ter-ras de Vitalmiro Souza Bastos, expulsando violentamente famlias assentadas e quei-mando suas casas. acusado de ser inter-medirio na contratao de pistoleiros que assassinaram Stang.

    Clodoaldo Carlos Batista, conhecido como Eduardo, lavrador da Fazendo do Tato, onde se dedicava ao cultivo de cacau. Participou da execuo da missio-nria.

    Raifran das Neves Sales, assim como Clodoaldo, lavrador e era empregado de Tato em sua fazenda. Confessou que exe-cutou Stang.

    Reginaldo Pereira Galvo, conhecido como Tarado, pecuarista e acusado de oferecer recompensa para quem assassi-nasse Stang.

  • 30

    O homicdio:

    Stang foi assassinada no dia 12 de fe-vereiro de 2005, a 40 km do municpio de Anapu, Par, numa localidade rural onde se constitua um Programa de Desenvolvi-mento Sustentvel (PDS) do Incra.

    Ela participava do assentamento de 600 famlias nesse projeto federal e media-va conflitos entre os fazendeiros e ocupan-tes no assentados de lotes que deveriam ser destinados reforma agrria. Havia, no dia anterior, comunicado a Tato que o lote que este ocupara estava sub judice e suge-rido que esse no fizesse qualquer benfei-toria no terreno. O ocupante do lote haveria reagido agressivamente e proferido amea-as Stang. Acredita-se que esse fato fora uma das motivaes para o homicdio da re-ligiosa, no dia seguinte.

    Os detalhes do crime so conheci-dos atravs do testemunho de um agri-cultor local, apelidado de Maranho, que a acompanhava no momento. Os executores abordaram a missionria, trocaram algu-mas palavras e proferiram a sentena de morte, dizendo: se a senhora no resolveu isso at agora, ento no vai resolver mais. Stang recebeu um tiro no abdome, depois mais cinco tiros nas costas e na cabea.

    Clodoaldo e Rayfran fugiram em dire-o a fazenda de Tato, pela mata. Todos, in-cluindo Tato, foram presos preventivamen-te pela polcia nos dias que se seguiram ao crime. Bida se entregou no dia 27 de maro daquele ano, aps negociaes com a pol-cia e com o Poder Judicirio.

    As investigaes foram feitas pela polcia civil e federal, com apoio da polcia militar. A notcia do crime teve grande re-percusso nacional e internacional e mobi-lizou agentes da esfera federal de governo,

    37 Ministrio Pblico Eleitoral, Procuradoria Regional Eleitoral no Estado do Par. 25/02/2005. Ofcio PR/PA/GA/N 022/2004 [SIC]. e-STJ fls. 12 e 13E

    como a ento ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que foi pessoalmente ao local solicitar investigaes.

    A tramitao do IDC 1:

    Em ofcio datado de 23 de fevereiro de 2005, portanto 11 dias aps o crime, o procurador da Repblica no municpio de Santarm faz um relato sobre o caso para o procurador-geral. O documento d con-ta de que imediatamente aps o conheci-mento do crime j havia membros do Mi-nistrio Pblico Federal mobilizados para uma eventual federalizao. Em outro do-cumento, datado de 25 de fevereiro, qua-tro procuradores da Repblica, membros do Ministrio Pblico Eleitoral no estado do Par, enviaram ao procurador-geral da Repblica, material referente ao caso Irm Dorothy Stang [...] conforme entendimento mantido37. Ambos os relatos formaram os subsdios principais para o pedido de fede-ralizao, datado de 03 de maro, quase totalmente baseado na questo da omis-so e inrcia das autoridades estaduais em relao ao caso: denncias anteriores do risco que corria a missionria que ha-viam sido ignoradas pelas autoridades lo-cais; curso da investigao das polcias es-taduais sob suspeita e a figurao de irm Dorothy como r em processo anterior por formao de quadrilha o que foi interpre-tado como intimidao. Na petio de ajui-zamento da ao, a caracterizao do caso como grave violao de direitos humanos bem como o risco de descumprimento dos tratados internacionais de direitos huma-nos foram bastante tmidas.

    Trs dias aps o pedido de federali-zao, em 7 de maro de 2005, o Minist-rio Pblico do Estado do Par denunciou os investigados pela prtica do crime de

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    homicdio qualificado. Como o pedido de federalizao havia se baseado quase que exclusivamente na ineficiente atuao do sistema estadual de justia e segurana p-blica, bastante pertinente a hiptese de que essa abordagem tenha tido impacto no resultado da ao, indeferida com base no que o ministro relator, acompanhado por unanimidade dos demais votantes, per-cebeu como um andamento satisfatrio do caso na esfera local.

    Enquanto o PGR levou em considera-o os precedentes e o contexto do crime de forma ampla para aferir a suposta omis-so, os ministros julgaram o caso apenas observando o andamento da investigao daquele nico assassinato.

    Durante a tramitao do IDC 1, o Tribu-nal de Justia, o Ministrio Pblico do Par e associaes de classe de magistrados e promotores estaduais atuaram, de forma enftica, para formar o convencimento do relator contra a federalizao. O PGR do caso conta com essas palavras:

    ...eu sofri uma presso fortssima. No dia dessa audincia que eu fiz, quase todos os procuradores-gerais dos estados foram me ver sustentando e eles diante de mim na plateia [...]. Eu me lembro bem, esse um dado importante. Houve uma coeso de todos os procuradores gerais de justia contra mim... (PGR 1)

    As argumentaes das associaes de classes atacaram o IDC em sua prpria existncia, ora negando a legitimidade do sistema internacional de proteo dos di-reitos humanos, ao qual o dispositivo cons-titucional faz referncia como um atentado soberania nacional, ora atacando o IDC como ferindo outros dispositivos consti-tucionais ou ainda questionando a neces-sidade da existncia do IDC uma vez que j havia outros dispositivos constitucionais

    vigentes, tais como a interveno federal e o desaforamento do jri.

    J os rgos suscitados na ao de IDC TJ e Procuradoria Geral do Par no questionaram a validade do sistema inter-nacional de proteo dos direitos huma-nos, ao contrrio, usaram essa legitimidade para rechaar a federalizao.

    A manifestao do Tribunal de Justia do Par apresentou uma profuso de argu-mentos, sendo os principais: a) a falta de ti-pificao do que seriam graves violaes de direitos humanos tornaria a aplicao ime-diata do IDC uma medida inconstitucional, ferindo o princpio do juiz natural; b) des-caracterizao do fato como grave violao de direitos humanos a partir de uma inter-pretao bastante restritiva do conceito (como se fosse um sinnimo de genocdio), c) que o IDC seria norma de eficcia conti-da, necessitando de regulamentao com-plementar para ser aplicada, d) ausncia de meno expressa do dispositivo especfico do tratado ou da conveno que teria sido violado a fim de fundamentar o pedido. Curiosamente, a pea apresentada pelo TJ-PA, embora defenda que tenha havido atua-o eficaz do sistema de justia local, afirma categoricamente que este no um requi-sito para o deslocamento de competncia.

    J a argumentao da Procuradoria Geral do Estado foi em sentido semelhan-te para ressaltar que no havia previso le-gal dos crimes sujeitos ao IDC e, da mesma forma, no havia regras processuais claras sobre o processamento do IDC. A Procura-doria requereu o indeferimento do pedido de deslocamento de competncia tanto pelo aspecto formal como material j que no houve omisso e o processo estava em trmite na esfera estadual.

    A presso a favor do IDC tambm houve e foi ampla, com o envolvimento de

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    dezenas de organizaes, sendo as mais conhecidas a OAB do Par, a ONG Terra de Direitos, a Comisso Pastoral da Terra, a Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Central nica dos Trabalhadores (CUT), a Associao Brasi-leira de Organizaes No Governamentais (ABONG). Nos autos tambm h centenas de cartas de religiosos e religiosas de diver-sas entidades pedindo o deslocamento de competncia, bem como de dirigentes de importantes organizaes internacionais de defesa dos direitos humanos.

    O caso foi julgado rapidamente pelo STJ que decidiu unanimemente pelo inde-ferimento do pedido.

    Desdobramentos:

    Rayfran das Neves Sales, ru confes-so, e Clodoaldo Carlos Batista foram con-denados a 27 e 17 anos de priso por terem assassinado a missionria, respectivamen-te, em dezembro de 2005. Amair Feijoli da Cunha foi condenado por ser intermedirio do assassinato, mas teve a pena reduzida por colaborar com o processo. Em abril de 2006, Amair Feijoli da Cunha foi condena-do a 18 anos de recluso. Em maio de 2007, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura foi condenado a 30 anos de priso enquanto mandante do assassinato de Dorothy.

    Por terem sido condenados a penas superiores a 20 anos, Rayfran e Vitalmiro foram submetidos a novos julgamentos. At hoje, o ltimo teve seu julgamento re-petido por 3 vezes em 6 anos.

    A condenao de Rayfran foi ratifica-da em 2008, porm este tentou desvincu-lar Vitalmiro do crime, alegando que sofreu presses para incrimin-lo. Vitalmiro, em seu segundo jri, em maio de 2009, foi ino-centado. Aps recurso do Ministrio Pbli-co Estadual, o julgamento foi anulado pelo Tribunal do Par e um novo jri foi realizado

    em 2010, condenando-o novamente a uma pena de 30 anos. O julgamento de 2010, entretanto, foi anulado pelo Superior Tribu-nal Federal sob alegao de que o defensor pblico nomeado no teve tempo suficien-te de defender o ru. Em 2013, Vitalmiro foi mais uma vez condenado e hoje cumpre pena. Ele est preso h 8 anos.

    Alm de Vitalmiro, tambm foi denun-ciado como mandante do crime o pecua-rista Regivaldo Pereira Galvo, prometendo recompensa para quem matasse a missio-nria. Foi condenado, em outubro de 2011, a 30 anos de priso, mas recorre em liberda-de da deciso para tentar anular o jri.

    2.1.2. Incidente de Deslocamento de Competncia N 2 DF (2009/0121262-6) homicdio de Manoel Mattos

    Data do crime: 24/01/2009

    Local: Praia de Aca, no Municpio de Pitimbu/PB

    Quando PGR encaminhou para STJ: 23/06/2009

    Quando o STJ decidiu: 27/10/2010 (transitado em julgado em 09/12/2010)

    Ministro: Min. Laurita Vaz, ministra do STJ

    Votos STJ: A relatora ministra Lau-rita Vaz votou por acolher par-cialmente o pedido ministerial e deferir o deslocamento de com-petncia para a Justia Federal no Estado da Paraba. Votaram com a relatora os Srs. ministros Napoleo Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes e Haroldo Rodrigues (desembargador convocado do TJ/CE). Vencidos os Srs. ministros Celso Limongi (desembargador

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    convocado do TJ/SP) e Honildo Amaral de Mello Castro (desem-bargador convocado do TJ/AP).

    Vtimas: Manoel Bezerra de Mattos Neto, Luiz Tom da Silva Filho,

    Rus: Flvio Incio Pereira, Claudio Roberto Borges, Jos Nilson Bor-ges, Jos da Silva Martins, Sergio Paulo da Silva

    Suscitante: Antonio Fernando Bar-ros e Silva de Souza, procurador-geral da Repblica

    A regio fronteiria entre Paraba e Pernambuco, sobretudo os municpios de Pedras de Fogo e Itamb, conhecida pela atuao de grupos de extermnio compos-tos por particulares e agentes estatais, res-ponsveis pelo homicdio de cerca de 200 pessoas num perodo de 10 anos. Havia de-nncias sobre este grupo de conhecimento do Estado desde o ano 2000.

    Muitas foram as fontes das denncias: moradores da regio, ativistas, organiza-es da sociedade civil, o Ministrio P-blico de Pernambuco e, inclusive, uma Co-misso Parlamentar de Inqurito que, em 2005, investigou a atuao de matadores no Nordeste38. Essa comisso realizou uma srie de recomendaes para a ao de va-riados rgos estaduais e federais, porm, a despeito delas, o Estado se manteve iner-te na investigao e represso dos grupos de extermnio.

    Pessoas envolvidas:

    Manoel Bezerra de Mattos Neto era advogado, defensor dos direitos humanos e vereador de Itamb/PE desde 2000. De-nunciava, em meios de comunicao e em sua atividade parlamentar, a atuao de justiceiros que se organizavam em grupos

    38 BRASIL. Cmara dos Deputados. Relatrio final da comisso parlamentar de inqurito do extermnio no Nordeste. Braslia: Cmara dos Deputados, 2005

    de extermnio nos estados da Paraba e Pernambuco. Os ataques a Manoel Mattos ocorriam desde 2002, sendo que organiza-es de direitos humanos levaram seu caso Comisso Interamericana de Direitos Hu-manos que determinou fossem tomadas medidas cautelares para proteger a vida de Manoel Mattos. Em 2004, foi um dos depoentes da Comisso Parlamentar de In-qurito do Extermnio, da Cmara Federal. Solicitou proteo do Estado para si e para sua famlia por inmeras vezes. Em janeiro de 2009, foi assassinado com 2 tiros.

    Luiz Tom da Silva Filho, ex-pistoleiro que optou por no mais fazer parte de gru-pos de extermnio, decidiu denunciar e teste-munhar contra outros matadores e por isso sofreu um atentado, morrendo no hospital em 4 de abril de 2003, com suspeitas de ne-gligncia mdica;

    Flavio Manoel da Silva, testemunha da CPI da Pistolagem e do Narcotrfico da As-sembleia Legislativa do Estado da Paraba, foi assassinado a tiros em Pedra de Fogo, Paraba, quatro dias aps ter prestado de-poimento relatora especial da ONU sobre Execues Sumrias, Arbitrrias ou Extraju-diciais. Foi assassinado no dia 27 de setem-bro de 2003.

    Maximiano Rodrigues Alves, sofreu um atentado a bala no municpio de Itam-b, Pernambuco, do qual escapou.

    Rosemary Souto Maior de Almeida, promotora de justia, foi uma das ameaa-das e est protegida por medidas preven-tivas.

    Flavio Incio Pereira, conhecido por va-riadas alcunhas, como SOLDADO FLVIO, CABO FLVIO e SARGENTO FLVIO

    Claudio Roberto Borges, servidor p-

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    blico de Pedras de Fogo/PB, apelidado de CLAUDINHO;

    Jos Nilson Borges, com a alcunha de CABEO;

    Jos da Silva Martins, conhecido pe-los cognomes de Z PARAFINA, Z DE ITAMB, Z ESCRIVO e Z DEZ; e

    Sergio Paulo da Silva, vulgarmente conhecido por SERGIO DA RUA DA PA-LHA, estava foragido at a concluso des-ta pesquisa;

    Srgio da Rua da Palha e Z Pa-rafina so acusados de serem os autores materiais do crime, por terem efetuado os tiros contra o advogado. Sargento Flvio e Cludio Borges so acusados de serem os mentores do homicdio. A espingarda ca-libre 12 usada para matar o advogado foi entregue dias antes do homicdio a Z Parafina e pertence a Jos Nilson Borges, acusado de dar apoio direto ao crime.

    O crime:

    As ameaas e atentados contra Mattos se iniciaram anos antes de seu assassinato. Em outubro de 2001, pistoleiros tentaram alvej-lo durante uma atividade como par-lamentar. Foi registrado boletim de ocorrn-cia, sem nenhuma providncia. Em novem-bro do mesmo ano, houve uma tentativa de interceptar o carro do vereador por homens armados, porm ele e seu motorista conse-guiram fugir.

    Esses fatos foram levados ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do Ministrio de Justia, e proteo foi soli-citada. A Polcia Militar de Pernambuco lhes prestou proteo por algum tempo, porm esta foi suspensa sem maiores justificativas e as ameaas se intensificaram.

    Em agosto de 2006, o vereador regis-trou outra denncia de ameaa, dessa vez contra o soldado PM Flvio Incio, que seria

    mais tarde preso, acusado de participao no homicdio de Mattos.

    Em setembro de 2002, diante da inr-cia dos rgos de segurana estaduais e federais, a Comisso Interamericana de Di-reitos Humanos foi acionada, em conjunto com a organizao no governamental Jus-tia Global e o deputado Luiz-Couto (PT), para solicitao de medidas cautelares para os ameaados por grupos de exterm-nio na regio, entre eles Mattos, Luiz Tom da Silva Filho e Rosemary Souto Maior. A CIDH respondeu prontamente, indicando que fosse concedida proteo pela Polcia Federal e que se realizassem investigaes exaustivas.

    Outras testemunhas da CPI do Exter-mnio no Nordeste, tambm ameaadas, foram assassinadas antes de Mattos. Luiz Tom sofrera um atentado no final de 2002 e morrera no incio de 2003. A despeito do clamor por proteo e da recomendao da CIDH, ele nunca foi protegido efetivamente por sua condio de testemunha. Flavio Ma-noel, testemunha da Comisso Parlamentar de Inqurito da Pistolagem e do Narcotrfi-co da Assembleia Legislativa do Estado da Paraba, foi morto a tiros em setembro do mesmo ano, em Pedras de Fogo.

    At junho de 2004, a proteo a soli-citada pela CIDH a Mattos, sua famlia e ou-tros ameaados no havia sido concedida, o que s foi ocorrer em outubro do mesmo ano, aps novo pedido de organizaes da sociedade civil. A proteo seria novamen-te suspensa.

    O defensor de direitos humanos e ex-vereador Manoel Mattos foi executado na noite de 24 de janeiro de 2009, com dois tiros de espingarda calibre 12, no munic-pio de Pitimbu, praia de Aca, litoral sul da Paraba, quando estava h dois anos sem proteo policial.

  • 35

    A tramitao do IDC 2:

    Seis meses aps o assassinato de Ma-noel Mattos, o PGR suscitou junto ao STJ o Incidente de Deslocamento de Competn-cia. Em sua inicial, o PGR pleiteava o des-locamento de competncia para a Justia Federal da investigao, processamento e julgamento do homicdio praticado contra Manoel Mattos e da apurao e represso ao grupo de extermnio atuante na regio de divisa entre Pernambuco e Paraba.

    sua petio inicial, o PGR juntou al-guns documentos que evidenciavam a ne-cessidade de deferimento do pedido de fe-deralizao.

    Acompanharam a inicial, (1) pedido do ento ministro da Justia, Tarso Genro, para que fosse suscitado o IDC; (2 e 3) ofcios do governador da Paraba e de Pernambu-co, encaminhado ao ministro da Justia, em que se manifestam favorveis ao processa-mento do IDC; (4) ofcio que recebera de organizaes da sociedade civil pleiteando fosse suscitado o IDC; (5) ofcios enviados ao PGR pela vtima, em nome da Cmara Municipal de Itamb/PE, dando conta dos acontecimentos relacionados ao crimes de extermnio da regio em questo; (6) ofcio datado de 2001, enviado pelo Se-nador Eduardo Suplicy, que denunciava exatamente a existncia de grupos de ex-termnio na regio; (7 e 8); ofcio interno, advindo da subprocuradora-geral da Rep-blica, procuradora federal dos Direitos do Cidado, propondo a suscitao do IDC e encaminhando informaes sobre a CPI que investigou a ao dos grupos de ex-termnio em PB e PE; (9) manifestao da Ordem dos Advogados do Brasil Seo do Estado de Pernambuco, endereada ao procurador-geral da Repblica com pedi-do de deslocamento de competncia para a investigao e processamento do assas-

    sinato de Manoel Mattos; (10) ofcio da Procuradoria Geral de Justia do Estado da Paraba - Grupo de Atuao Especial Contra o Crime Organizado Comisso de Combate Sonegao Fiscal, em respos-ta solicitao feita pelo PGR, remetendo cpia da denncia.

    No momento em que foi suscitado o IDC, alguns rus estavam presos e j ha-viam sido denunciados. Entretanto, parecia ser compartilhado pela comunidade dos defensores de direitos humanos o senti-mento de que a investigao e julgamento do crime cometido contra Manoel Mattos deveriam ser federalizados.

    Manifestam-se nos autos do IDC, fa-voravelmente ao deslocamento de com-petncia, o Conselho Estadual de Direitos Humanos de Pernambuco, Fernando Ma-tos, em nome do Programa de Proteo de Defensores de Direitos Humanos da Secre-taria de Direitos Humanos, Cmara dos De-putados (Comisso de Direitos Humanos e Minorias), Iriny Lopes, Flavia Piovesan, Dal-mo Dallari, Frei Betto e Paulo Vannuchi.

    A ministra Laurita Vaz solicita informa-es s autoridades estaduais envolvidas no caso a fim de instruir os autos e coletar in-formaes capazes de subsidiar seu enten-dimento.

    Em ofcio datado de abril de 2010, o procurador-geral de Justia da Paraba, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, presta informaes ministra Laurita Vaz e re-conhece a incapacidade das instituies locais:

    Outrossim, afora este evento [ameaa sofrida por uma pessoa no contexto dos grupos de extermnio] somam-se outros, o que deixa transparecer a ausncia de estrutura de proteo necessria as testemunhas do caso, o que redunda em

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    prejuzo ao seu esclarecimento, como tambm tal circunstncia inibe que outras auxiliem na sua elucidao.

    Fatos esses deixam demonstrar a fragilidade estrutural para digesto do caso pela Justia Estadual, em que pese os esforos dos atores processuais, posto que os influxos incidentes nos permitem divisar a necessidade de que os autos sejam concatenados em nico juzo.

    No podendo ser olvidada a ineficincia da Polcia Judiciria Estadual no domnio das tcnicas necessrias ao aprofundamento das investigaes, diga-se: anlise de vnculos, poltica de preservao de local de crime, rastreamento de ativos [...]. Somado a isso, crucial destacar que os indcios de participao de agentes pblicos alocados nesta regio turvam as tentativas de aprofundamento, vez que qualquer tentativa de diligncia nestas localidades frustrada em razo da no preservao de sigilo ou de disseminao inadequada da informao, fruto do amadorismo da Polcia Judiciria Estadual39.

    Noticiada de que fora instaurada ao penal na esfera estadual, em que quatro pessoas figuravam como rus, a ministra, em ateno ao contraditrio e ampla de-fesa, em janeiro de 2010 determinou que os rus fossem intimados para se manifes-tarem sobre o pedido de deslocamento de competncia.

    O advogado de um dos rus manifes-ta-se nos autos do IDC e alega no ser caso de deslocamento de competncia, pois, em seus termos:

    39 BRASIL, STJ, Incidente de Deslocamento de Competncia n. 2 (2009/0121262-6), Ofcio em que presta informaes Min. Laurita Vaz, Procurador-Geral de Justia da Paraba, Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, 26 abril de 2010, e-STJ fl 1615.

    40 BRASIL, STJ, Incidente de Deslocamento de Competncia n. 2 (2009/0121262-6), Ofcio em que presta informaes Min. Laurita Vaz, Irenaldo Ribeiro dos Santos, advogado de um dos rus no processo 022.2009.000.127-8 (TJ/PB), 05 de abril de 2010, e-STJ fl 1582.

    a vtima no seria detentor de cargo ou funo, como tambm no foi morto em defesa das instituies democrticas, para que o processo do seu assassinato seja processado e julgado na Justia Federal ele foi morto data mxima venia, em detrimento de sua pssima conduta social40.

    Neste IDC 2, contrariamente ao que foi visto no IDC 1, no h