atendimento odontológico ao paciente com demência

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REVISTA PORTAL de Divulgação, n.25. Ano III.Set. 2012 http://www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista/index.php 45 Atendimento odontológico ao paciente com demência (Alzheimer) na fase leve: orientações clínicas 1 Aline Santos Bruni Ana Paula Ribeiro do Vale Pedreira Luciana Freitas Bezerra Alexandre Franco Miranda Resumo: A população de idosos no Brasil está em constante crescimento, devido a uma melhora na qualidade de vida. Esse processo de envelhecimento é capaz de proporcionar mudanças no organismo, desencadeando algumas enfermidades características da terceira idade, como por exemplo, a demência. É uma desordem neurodegenerativa, de caráter crônico e progressivo, que afeta as funções corticais cerebrais, resultando na perda de memória, linguagem e orientações. Os pacientes com demência necessitam de estratégias específicas no tratamento odontológico, cabendo ao cirurgião- dentista reconhecer as fases da doença para um correto planejamento em saúde. O objetivo deste trabalho foi enfatizar o atendimento odontológico ao idoso com Alzheimer na fase leve, de maneira a contribuir com breves orientações de como assistir esses pacientes de maneira multidisciplinar, interligando a família e os cuidadores, a fim de proporcionar uma saúde e uma qualidade de vida digna a esse grupo populacional. Palavras-chave: Demência; Doença de Alzheimer; Saúde Bucal; Qualidade de 1 Artigo apresentado como requisito para aprovação do Trabalho de Conclusão de Curso (Odontologia) da Universidade Católica de Brasília (UCB) – 2.2012.

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Atendimento odontológico ao paciente com demência (Alzheimer) na fase leve: orientações clínicas1

Aline Santos Bruni Ana Paula Ribeiro do Vale Pedreira

Luciana Freitas Bezerra Alexandre Franco Miranda

Resumo: A população de idosos no Brasil está em constante crescimento, devido a uma melhora na qualidade de vida. Esse processo de envelhecimento é capaz de proporcionar mudanças no organismo, desencadeando algumas enfermidades características da terceira idade, como por exemplo, a demência. É uma desordem neurodegenerativa, de caráter crônico e progressivo, que afeta as funções corticais cerebrais, resultando na perda de memória, linguagem e orientações. Os pacientes com demência necessitam de estratégias específicas no tratamento odontológico, cabendo ao cirurgião-dentista reconhecer as fases da doença para um correto planejamento em saúde. O objetivo deste trabalho foi enfatizar o atendimento odontológico ao idoso com Alzheimer na fase leve, de maneira a contribuir com breves orientações de como assistir esses pacientes de maneira multidisciplinar, interligando a família e os cuidadores, a fim de proporcionar uma saúde e uma qualidade de vida digna a esse grupo populacional. Palavras-chave: Demência; Doença de Alzheimer; Saúde Bucal; Qualidade de 1 Artigo apresentado como requisito para aprovação do Trabalho de Conclusão de Curso (Odontologia) da Universidade Católica de Brasília (UCB) – 2.2012.

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vida.

Introdução

Brasil, no passado, foi considerado um país de jovens, porém essa situação demográfica vem mudando gradativamente de acordo com as projeções da OMS (IBGE, 2008).

Fato este credibilizado pelo aumento da expectativa de vida, melhoramentos nos serviços de saúde e avanços tecnológicos, que proporcionaram um maior acesso da população brasileira aos benefícios nutricionais e a educação. 1,2

De acordo com as projeções futuras, correspondentes aos anos de 2025-2030, poderemos ser considerada a sexta maior população de idosos no mundo. 1,2,3

O envelhecimento acarreta mudanças no organismo do indivíduo e, geralmente, se associa a enfermidades características da velhice. Sendo as atitudes preventivas focadas numa correta alimentação e atividades físicas importantes atitudes no surgimento dessas doenças. 4

Dentre as principais doenças relacionadas destacam-se as cardiopatias, artrites, nefropatias, diabetes, osteoporose e desordens neurodegenerativas como, por exemplo, a Doença de Alzheimer. 2

O Mal de Alzheimer é uma síndrome decorrente de uma doença cerebral, usualmente de natureza crônica ou progressiva, na qual há perturbação de múltiplas funções corticais superiores a começar pela memória, incluindo distúrbios do pensamento, orientação, compreensão, cálculo, capacidade de aprendizagem, linguagem e julgamento. 1,5,6

O cirurgião-dentista deve estar atento e atuar no atendimento ao paciente portador dessa enfermidade de maneira específica e individualizada, principalmente no reconhecimento das fases (inicial, intermediária e final) dessa doença, objetivando a realização de planejamento e execução de uma correta intervenção em saúde bucal, a partir de um planejamento multidisciplinar. 7

O presente trabalho tem como objetivo abordar algumas breves orientações, condutas e manejo clínico no atendimento odontológico ao paciente com demência (Alzheimer) em fase inicial. Revisão da literatura e Discussão Os estágios iniciais do Alzheimer são caracterizados pela perda da memória recente, como o esquecimento; o paciente apresenta dificuldades na retenção de novas informações; não possui habilidade em aprender coisas novas; se inicia algumas dificuldades na sua própria higienização, na qual destacamos a manutenção de uma correta saúde bucal. 8,9,10.

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Assim que o diagnóstico da Doença Alzheimer neste estágio é confirmado, esse paciente pode ser atendido em um consultório odontológico, visando o tratamento preventivo, adequando o meio bucal e melhorando a fisiologia do sistema estomatognático, de modo a orientar as pessoas que estão responsáveis em cuidar do paciente, cuidadores e ou familiares. 9

É importante ressaltar que, com a progressão da doença, as visitas ao consultório odontológico se tornam mais difíceis, por isso é de extrema importância a realização de um planejamento preventivo em saúde bucal. 9

É necessário que o cirurgião-dentista esteja preparado para lidar com algumas alterações bucais específicas do paciente idoso e sua relação com as principais enfermidades sistêmicas que acometem essa população como a deficiência nutricional ou de vitaminas, diabetes, hipertensão, osteoporose, infecções sistêmicas, radioterapia, doenças pulmonares e desordens neurodegenerativas. 3

De acordo com Rosa et al. (2008), Miranda et al. (2010), Oliveira et al. (2011), o paciente com Alzheimer na fase inicial começa a apresentar uma dificuldade na higienização bucal, e alterações específicas na cavidade bucal como a redução na capacidade gustativa, diminuição do fluxo salivar, aumento das lesões cariosas, dificuldade na deglutição, sensação de boca seca e acúmulo de placa bacteriana (doenças periodontais). A interdisciplinaridade é de suma importância para o profissional da saúde dos dias atuais, pois deve atuar em uma equipe de saúde integrada em que a valorização de todos os profissionais envolvidos priorize a promoção de saúde e qualidade de vida dessa população com demência. 7,12

Para atuação odontológica, e em saúde, com as diversas especialidades direcionadas para a assistência ao idoso com demência na fase leve, podemos atuar com uma equipe composta por médico geriatra, neurologista e cardiologista com o objetivo de estar a par de todas as condições sistêmicas do paciente, uso de medicamentos e evolução de uma possível enfermidade. A presença de um psicólogo e auxiliar de enfermagem podem contribuir no apoio à família desses pacientes, uma vez que muitos familiares desconhecem as próprias características da demência, sua evolução e como atuar corretamente. 12 Dentre as principais medicações atuantes no retardamento do quadro demencial, destacam-se os fármacos inibidores da enzima acetilcolinesterase que alteram por sua vez a função colinérgica central, ou seja, inibem as enzimas que degradam a acetilcolina, responsável pelo estímulo dos receptores nicotínicos e muscarínicos cerebrais. 10

Os antidepressivos (são mais usados os inibidores de serotonina), ansiolíticos e antipsicóticos têm o objetivo de reduzir as alucinações, agressividades e outros comportamentos que surgem com a evolução da doença. 12,13

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Segundo Goiato (2006), os antidepressivos utilizados são principalmente inibidores de serotonina, e apresentam como principal efeito colateral a interação com a epinefrina utilizada como vasoconstritor em alguns anestésicos locais. Dessa forma Henry e Wekstein (1997), salientam a importância do uso de anestésicos sem vasoconstritor. 14 As pessoas responsáveis pelo cuidado do idoso com Alzheimer devem receber instruções e treinamentos para viabilizar a criação de meios e/ou dispositivos facilitadores na higienização bucal como, por exemplo, a utilização de uma escova dentária que melhor se adapte ás necessidades do paciente, seja ela escova elétrica, com angulações ou com empunhaduras diferenciadas. 2,8

Segundo Varjão (2006), a utilização de passadores de fio dental, escovas interdentais e limpadores de língua, também, podem ser alternativas viáveis na manutenção da saúde bucal desses pacientes, porém sempre associados a uma correta e eficiente higienização bucal. Todas as instruções relacionadas com a higienização devem ser aplicadas nas próteses dentárias, a partir do uso de uma escova própria para limpeza das mesmas, higienizando-as após cada refeição e, principalmente, devem ser removidas durante a noite e colocadas imersas em água e solução antisséptica. 2,12 Devemos condicionar o paciente nessa fase, e seus responsáveis, para que se mantenha uma boa saúde bucal, principalmente na utilização de estratégias de educação em saúde específicas e individualizadas, a fim de se manter, na medida do possível, uma condição de saúde satisfatória. 9,10

Conclusão Conclui-se que a elaboração de protocolos específicos nas fases da demência é de extrema importância na orientação dos profissionais da odontologia, demais áreas da saúde envolvidas e familiares. Na fase leve da demência é o melhor momento de se atuar nas medidas clínicas e preventivas em odontologia, pois o paciente se encontra mais receptivo, cooperativo e participante do tratamento. As ações odontológicas na fase inicial do Alzheimer visam à eliminação de possíveis focos inflamatórios, infecciosos e de dor que possam interferir na qualidade de vida desses idosos. Referências 1. GOIATO, Marcelo Coelho et al.;. Odontogeriatria e a Doença de Alzheimer.

Pesquisa Brasileira em Odontopediatria e Clínica Integrada, João Pessoa,

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v.6, n.2, p. 207-212, mai./ ago; 2006. 2. OLIVEIRA, Raquel et al. Status as Saúde Bucal em Pacientes com

Demência Senil. Revista Odontologia Brasil Central, Goiânia, v.20, n. 53, p. 114-118, 2011.

3. SILVA, Andréia Lobato da; SAINTRAIN, Maria Vieira de Lima. Interferência do perfil epidemiológico do idoso na atenção odontológica. Revista Brasileira de Epidemiologia, Brasil, v. 9, n.2, p. 242-50, abr. 2006.

4. SHIRATORI, Lucy Naomi et al. A importância da mastigação na doença de Alzheimer. Revista de Pós Graduação, São Paulo, v.17, n.3, jul./set.2010.

5. NITRINI, Ricardo et al. Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil. Arq Neuropsiquiatr, São Paulo,v. 63, n. 3-A, p. 720-727. abri; 2005.

6. MIRANDA, Alexandre Franco et al. Doença de Alzheimer: características e orientações em odontologia. Revista Gaúcha de Odontologia, Porto Alegre, v.58, n.1, Jan./Mar; 2010.

7. SOUZA, Ana Carolina Alves Ribeiro de; ROSA, Caio Fernando Benavenute Della; ELIAS, Roberto. Doença de Alzheimer: Protocolo de atendimento odontológico. CISPRE, 2006. URL: http://www.cispre.com.br/acervo_print.asp?Id=52. Acessado em 08 Mai 2012.

8. DIAS, Mirtes Helena Mangueira da Silva; FONSECA, Suzana Carielo da. O Atendimento de Pacientes com Doença de Alzheimer na Clínica Odontológica: Desafios e Diretrizes. Revista da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, v.5, n.13, p. 34-39, ago. 2011.

9. MIRANDA, Alexandre Franco; MIRANDA, Maria da Penha Araújo Franco. Doença de Alzheimer e Práticas de Atenção à Saúde Bucal- Relato de Caso. Revista da Faculdade de Medicina de Lisboa, Lisboa, v.13, n. 2, p. 91-98. mai; 2008.

10. SANTIAGO, Eduardo; SIMÕES, Ricardo Jorge Pires; PEREIRA, José António Lobo. A Saúde Oral na Doença de Alzheimer. Arquivos de Medicina, v.22, n.6, p. 89-193, 2008.

11. ROSA, Lâner Botrel et al. Odontogeriatia - a saúde bucal na terceira idade. Revista da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, São Paulo, v.13, n.2, p. 82-86, mai./ago; 2008.

12. VARJÃO, Fabiana Mansur. Assistência Odontológica para o paciente portador da doença de Alzheimer. Revista Odonto Ciência, Rio Grande do Sul, v.21, n.53, p. 284-288, Jul./set; 2006.

13. SERENIKI, Adriana; VITAL, Maria Aparecida Barbato Frazão. A doença de Alzheimer: aspectos fisiopatológicos e farmacológicos. Revista de Psiquiatria, Rio Grande do Sul, v.30, n.1 2008.

14. HENRY, R.G; WEKSTEIN, D.R. Providing dental care for patients diagnosed with Alzheimer´s disease. Dent Clin North Am, Philadelphia, v.41, n.4, p.915-943, Oct. 1997.

15. NETO, Nicolau Silveira et al. Condições de saúde bucal do idoso: revisão de literatura. Revista Brasileira de Ciência do Envelhecimento Humano, Passo Fundo, v. 4, n. 1, p. 48-56, jan./jun; 2007.

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Data de recebimento: 19/07/2012; Data de aceite: 22/08/2012

__________________________ Aline Santos Bruni - Acadêmica do 8° semestre do curso de Odontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: [email protected] Ana Paula Ribeiro do Vale Pedreira – Professora do curso de Odontologia da UCB; Doutoranda em Ciências da Saúde – UnB. Luciana Freitas Bezerra – Professora do curso de Odontologia da UCB; Mestre em Ciências da Saúde – UnB. Alexandre Franco Miranda - Professor do curso de Odontologia da UCB; Doutorando em Ciências da Saúde – UnB. E-mail: [email protected] Universidade Católica de Brasília (UCB) – Curso de Odontologia – Disciplina de Odontogeriatria – Campus I – QS 07 Lote 01 EPCT, Águas Claras – CEP: 71966-700 – Taguatinga/DF – (61) 3356-9612.