astronomia e astrof´+¢sica parte 001

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Cap´ ıtulo 9 Movimento dos planetas Os planetas est˜ao muito mais pr´oximos de n´os do que as estrelas, de forma que eles parecem se mover, ao longo do ano, entre as estrelas de fundo. Esse movimento se faz, geralmente, de oeste para leste (n˜ao confundir com o mo- vimento diurno, que ´ e sempre de leste para oeste!), mas em certas ´ epocas o movimento muda, passando a ser de leste para oeste. Esse movimento retr´ogrado pode durar v´arios meses (dependendo do planeta), at´ e que fica mais lento e o planeta reverte novamente sua dire¸c˜ ao, retomando o movi- mento normal. O movimento observado de cada planeta ´ e uma combina¸c˜ ao do movimento do planeta em torno do Sol com o movimento da Terra em torno do Sol, e ´ e simples de explicar quando sabemos que a Terra est´a em movimento, mas fica muito dif´ ıcil de descrever num sistema em que a Terra esteja parada e seja o centro do movimento dos outros astros, ou seja, num sistema geocˆ entrico. 9.1 O modelo geocˆ entrico de Ptolomeu Apesar disso, o geocentrismo foi uma id´ eia dominante na astronomia durante toda a Antiguidade e Idade M´ edia. O sistema geocˆ entrico tamb´ em ´ e conhe- cido como sistema ptolemaico, pois foi Claudius Ptolemaeus (85 d.C.- 165 d.C.), o ´ ultimo dos grandes astrˆonomos gregos, quem construiu o mo- delo geocˆ entrico mais completo e eficiente. Ptolomeu explicou o movimento dos planetas atrav´ es de uma combina¸c˜ ao de c´ ırculos: o planeta se move ao longo de um pequeno c´ ırculo chamado epiciclo, cujo centro se move em um ırculo maior chamado deferente. A Terra fica numa posi¸c˜ ao um pouco afas- tada do centro do deferente (portanto, o deferente ´ e um c´ ırculo excˆ entrico emrela¸c˜ ao`aTerra). At´ e aqui, o modelo de Ptolomeu n˜ao diferia do modelo 63

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Page 1: Astronomia e astrof´+¢sica parte 001

Capıtulo 9

Movimento dos planetas

Os planetas estao muito mais proximos de nos do que as estrelas, de formaque eles parecem se mover, ao longo do ano, entre as estrelas de fundo. Essemovimento se faz, geralmente, de oeste para leste (nao confundir com o mo-vimento diurno, que e sempre de leste para oeste!), mas em certas epocaso movimento muda, passando a ser de leste para oeste. Esse movimentoretrogrado pode durar varios meses (dependendo do planeta), ate que ficamais lento e o planeta reverte novamente sua direcao, retomando o movi-mento normal. O movimento observado de cada planeta e uma combinacaodo movimento do planeta em torno do Sol com o movimento da Terra emtorno do Sol, e e simples de explicar quando sabemos que a Terra esta emmovimento, mas fica muito difıcil de descrever num sistema em que a Terraesteja parada e seja o centro do movimento dos outros astros, ou seja, numsistema geocentrico.

9.1 O modelo geocentrico de Ptolomeu

Apesar disso, o geocentrismo foi uma ideia dominante na astronomia durantetoda a Antiguidade e Idade Media. O sistema geocentrico tambem e conhe-cido como sistema ptolemaico, pois foi Claudius Ptolemaeus (85 d.C.-165 d.C.), o ultimo dos grandes astronomos gregos, quem construiu o mo-delo geocentrico mais completo e eficiente. Ptolomeu explicou o movimentodos planetas atraves de uma combinacao de cırculos: o planeta se move aolongo de um pequeno cırculo chamado epiciclo, cujo centro se move em umcırculo maior chamado deferente. A Terra fica numa posicao um pouco afas-tada do centro do deferente (portanto, o deferente e um cırculo excentricoem relacao a Terra). Ate aqui, o modelo de Ptolomeu nao diferia do modelo

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usado por Hiparco aproximadamente 250 anos antes. A novidade introdu-zida por Ptolomeu foi o equante, que e um ponto ao lado do centro dodeferente oposto em relacao a Terra, em relacao ao qual o centro do epici-clo se move a uma taxa uniforme, e que tinha o objetivo de dar conta domovimento nao uniforme dos planetas.

x .

Planeta

EquanteCentro do

Terra

Deferente

Epiciclo

Deferente

O objetivo de Ptolomeu era o de produzir um modelo que permitisseprever a posicao dos planetas de forma correta e, nesse ponto, ele foi razoa-velmente bem-sucedido. Por essa razao, esse modelo continuou sendo usadosem mudanca substancial por cerca de 1300 anos.

9.2 Copernico e o modelo heliocentrico

No inıcio do seculo XVI, a Renascenca estava sacudindo as cinzas do obs-curantismo da Idade Media e trazendo novo folego a todas as areas do co-nhecimento humano. Nicolau Copernico representou o Renascimento naastronomia. Copernico (1473-1543) foi um astronomo polones com grandeinclinacao para a matematica. Estudando na Italia, ele leu sobre a hipoteseheliocentrica proposta (e nao aceita) por Aristarco de Samos (310-230 a.C.),e achou que o Sol no centro do Universo era muito mais razoavel do que aTerra. Copernico registrou suas ideias num livro - De Revolutionibus- pu-blicado no ano de sua morte.

As realizacoes mais importantes de Copernico foram:

• introduziu o conceito de que a Terra e apenas um dos seis planetas(entao conhecidos) girando em torno do Sol;

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Figura 9.1: Movimento retrogrado dos planetas.

• colocou os planetas em ordem de distancia ao Sol: Mercurio, Venus,Terra, Marte, Jupiter, Saturno (Urano, Netuno e Plutao);

• determinou as distancias dos planetas ao Sol, em termos da distanciaTerra-Sol;

• deduziu que quanto mais perto do Sol esta o planeta, maior e suavelocidade orbital. Dessa forma, o movimento retrogrado dos planetasfoi facilmente explicado sem necessidade de epiciclos [ver figura (9.2)].

Convem notar que Copernico manteve a ideia de que as orbitas dosplanetas eram circulares e, para obter posicoes razoaveis, teve de manterpequenos epiciclos, mas nao usou equantes.

9.2.1 Classificacao dos planetas pela distancia ao Sol

Planetas inferiores: Mercurio e Venus. Tem orbitas menores do que aorbita da Terra. Os dois planetas estao sempre muito proximos doSol, alcancando o maximo afastamento angular em relacao ao Sol de28◦, no caso de Mercurio, e 48◦, no caso de Venus. Por essa razao, elesso sao visıveis ao anoitecer, logo apos o por-do-sol (astro vespertino),ou ao amanhecer, logo antes do nascer do Sol (astro matutino).

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Planetas superiores: Marte, Jupiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutao.Tem orbitas maiores do que a da Terra. Podem estar a qualquerdistancia angular do Sol, podendo ser observados no meio da noite.

9.2.2 Configuracoes planetarias

Para definir as configuracoes dos planetas, que sao as posicoes caracterısticasdos planetas em suas orbitas, vistas da terra, convem antes definir elongacao:

elongacao (e): distancia angular do planeta ao Sol, vista da Terra.

Configuracoes de um planeta inferior

• conjuncao inferior: o planeta esta na mesma direcao do Sol (e = 0) emais proximo da Terra do que o Sol.

• conjuncao superior: o planeta esta na mesma direcao do Sol (e = 0),e mais longe da Terra do que o Sol.

• maxima elongacao: a distancia angular entre o planeta e o Sol emaxima, e vale 28◦ no caso de Mercurio, e 48◦ no caso de Venus.Na maxima elongacao ocidental, o planeta esta a oeste do Sol (nasce ese poe antes do Sol) e, portanto, e visıvel ao amanhecer, no lado leste.Na maxima elongacao oriental, o planeta esta a leste do Sol (nasce ese poe depois do Sol) e e visıvel ao anoitecer, no lado oeste.

Configuracoes de um planeta superior

• conjuncao: o planeta esta na mesma direcao do Sol (e = 0), e maislonge da Terra do que o Sol;

• oposicao: o planeta esta na direcao oposta ao Sol (e = 180◦). Oplaneta esta no ceu durante toda a noite;

• quadratura (e = 90◦): O planeta esta 6h a leste do Sol (quadraturaoriental) ou a oeste do Sol (quadratura ocidental).

9.2.3 Perıodo sinodico e sideral dos planetas

Perıodo sinodico (S): e o intervalo de tempo decorrido entre duas con-figuracoes iguais consecutivas. E o perıodo de revolucao aparente doplaneta, em relacao a Terra.

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2

1B A

3

3

B

1

A

1 2

B

3

A

2

Figura 9.2: Perıodo sinodico e sideral.

Perıodo sideral (P): e o perıodo real de translacao do planeta em tornodo Sol, em relacao a uma estrela fixa.

Relacao entre os dois perıodos

Considere dois planetas, A e B, como na figura 9.2.3. O planeta A move-semais rapido do que o planeta B, por estar numa orbita mais interna. Naposicao (1), o planeta A passa entre os planeta B e o Sol. O planeta Aesta em conjuncao inferior visto de B, e o planeta B esta em oposicao vistode A. Quando A completou uma revolucao em torno do Sol, e retornou aposicao (1), o planeta B moveu para a posicao (2). De fato, A nao alcancao planeta B ate os dois estarem na posicao (3), quando as posicoes de Ae B em relacao ao Sol voltam a ser as mesmas que na situacao (1), e teradecorrido um perıodo sinodico para A e B. Mas, nesse ponto, o planeta Atera ganho uma volta completa (360◦) em relacao a B.

Para achar a relacao entre o perıodo sinodico e o perıodo sideral, vamoschamar de Pi o perıodo sideral do planeta interior, e de Pe o perıodo sideraldo planeta exterior. S e o perıodo sinodico, que e o mesmo para os dois.

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O planeta interior, movendo-se 360◦Pi

por dia, viaja mais rapido do que oplaneta exterior, que se move a 360◦

Pepor dia.

Apos um dia, o planeta interior tera ganho um angulo de 360◦Pi

− 360◦Pe

emrelacao ao planeta exterior. Por definicao de perıodo sinodico, esse ganho eigual a 360◦

S , ja que em S dias esse ganho sera igual a 360◦. Ou seja:

360◦

S=

(360◦

Pi− 360◦

Pe

)

que e o mesmo que:1S

=(

1Pi− 1Pe

)

9.3 Exemplos de perıodos

1. Sabendo-se que Marte leva 780 dias para nascer quando o Sol se poeduas vezes seguidas, qual e o perıodo sideral (orbital) de Marte? Usa-mos a formula

1S

=1Pi− 1Pe

identificando que, neste caso, i=Terra e Pi=1 ano, e=Marte e S=780 d/ 365,25 (dias/ano) = 2,14 anos, ja que o perıodo entre duas oposicoese o perıodo sinodico S.

Calculado-se1Pe

=1Pi− 1S

obtem-se Pe=1,87 anos = 687 dias.

2. Sabendo-se que Venus leva 583,93 dias para aparecer em elongacaomaxima a leste duas vezes seguidas (se poe 3 horas depois do Sol),qual seu perıodo sideral (orbital)? Usamos a formula

1S

=1Pi− 1Pe

identificando que, neste caso, e=Terra e Pe= 365,25 dias, i=Venus eS=583,93 dias, ja que o perıodo entre duas elongacoes maximas a lestee o perıodo sinodico S.

Calculado-se1Pi

=1Pe

+1S

obtem-se Pi= 224,7 dias.

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9.3.1 Distancias dentro do Sistema Solar

Copernico determinou as distancias dentro do sistema solar em termos dadistancia Terra-Sol, ou seja, em unidades astronomicas (UA).

Distancias dos planetas inferiores

emax

p

T S

Quando o planeta inferior esta em maxima elongacao (eM ), o anguloentre Terra e Sol, na posicao do planeta, sera de 90◦. Entao, nessa situacaoSol, Terra e planeta formam um triangulo retangulo, e a distancia do planetaao Sol sera:

sen eM =distancia(planeta−Sol)

distancia(Terra−Sol)

Portanto:

distancia(planeta−Sol) = sen eM × 1 UA

No caso de Mercurio, cuja orbita tem alta excentricidade, a elongacaomaxima varia de 23◦ a 28◦, e a distancia de 0,39 a 0,46 UA.

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Distancias dos planetas superiores

E

.

E’

SP

P’

Observando Marte, Copernico viu que o intervalo de tempo decorridoentre uma oposicao e uma quadratura e de 106 dias.

Nesse perıodo de 106 dias, a Terra percorre uma distancia angular de104,5◦, pois se em 365 dias ela percorre 360◦, em 106 dias ela percorre106/365 × 360◦.

Como o perıodo sideral de Marte e de 687 dias, entao a distancia angularpercorrida por Marte nesse mesmo perıodo de 106 dias sera 55,5◦ (106/687× 360◦).

Agora, considerando o triangulo formado pelo Sol, Terra e Marte naquadratura (SE’P’ na figura), o angulo entre o Sol e o planeta, visto daTerra, e de 90◦, e o angulo entre Terra e Marte, visto do Sol, e de 104,5◦ -55,5◦ = 49◦.

Entao, a distancia entre Marte e Sol e:

distancia(Sol−Marte) =1 UA

cos 49◦= 1, 52 UA

A tabela a seguir mostra uma comparacao entre os valores das distanciasdos planetas ao Sol, em unidades astronomicas, determinadas por Copernico,e os valores atuais.

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Planeta Copernico ModernoMercurio 0,38 0,387Venus 0,72 0,723Terra 1 1Marte 1,52 1,523Jupiter 5,22 5,202Saturno 9,17 9,554

Apesar do grande sucesso de Copernico em determinar as distancias dosplanetas ao Sol, e na simplicidade da explicacao do movimento observado dosplanetas no seu sistema, as posicoes previstas para os planetas nesse sistemanao eram melhores do que as posicoes previstas no sistema de Ptolomeu.

Uma relacao empırica para a distancia media dos planetas em tornodo Sol foi proposta em 1770 por Johann Elert Bode (1747-1826) e JohannDaniel Titius (1729-1796)

a =2n × 3 + 4

10

com n = −∞ para Mercurio, n=0 para Venus, n=1 para a Terra, n=2para Marte, n=3 para o cinturao de asteroides, n=4 para Jupiter, n=5para Saturno, n=6 para Urano, Netuno nao fita, e n=7 para Plutao. Estarelacao indica que deve haver algum tipo de resonancia mecanica no discoprotoplanetario que deu origem ao Sistema Solar.

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