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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3782
ASSOCIANDO TRABALHO E INSTRUÇÃO: A TRIBUNA ARTÍSTICA E A INSTRUÇÃO DE TRABALHADORES NO RIO DE JANEIRO (1870).1
Bárbara Canedo R. Martins2
O que serve são as ideias que se adquirem sobre os direitos e os deveres de cada um na sociedade em que se vive, para que seja possível a cada um o cumprimento de seus deveres de cada indivíduo e a exigência do que lhe pertence por direito; serve também saber quais são os direitos e deveres de cada indivíduo em outras sociedades, para que possa julgar a nossa, e modificá-la convenientemente. O conhecimento da organização social, dos direitos e dos deveres do cidadão em seu país e no estrangeiro é uma necessidade; a sua necessidade é manifesta. Esse conhecimento garante a justiça, arreda o absolutismo, e diminui consideravelmente a seção da polícia, porque restringe o número dos delitos, que pela maior parte são filhos da ignorância. Precisa-se cultivar o intelectual, o moral e o físico do homem, proporcionando aos homens aquilo de que eles precisam, acha cada um o meio de subsistir por uma justa remuneração do seu trabalho, mas é certo que para economizar tempo, ou o máximo possível em um tempo dado, é preciso ter as faculdades desenvolvidas. (Tribuna Artística, TRANSCRIÇÃO – Instrução Pública, 10/12/1871, p. 2.)
Na coluna transcrita acima, a instrução surgia como forma de erradicar problemas, de
conquistar direitos e de melhorar as condições materiais dos mundos do trabalho. O
conhecimento a cerca dos direitos individuais, no país e fora dele, garantia modos de
introduzir outro tipo de comportamento, distante daqueles reprováveis. Entre aquelas
condutas estavam as que conduziam aos delitos, como também o apoio à monarquia.
Assim, política e instrução estavam entrelaçadas em seus significados durante a
década de 1870. Neste período, os debates eram efervescentes sobre o destino dos escravos,
libertos e seus descendentes, a questão do trabalho se desdobrava em iniciativas com a
finalidade de valorá-lo. As discussões giravam em torno das oportunidades possíveis de
participação social, de cidadania e dos direitos dos trabalhadores. Outro ponto também
ganhava relevância: a organização do Estado Monárquico.
No caso acima, a Monarquia se revestia de más qualidades ligada à violência e ao
atraso. Da mesma forma, a falta de conhecimento dos direitos em relação à baixa
remuneração dos trabalhadores manuais. Entrelinhas reforçava a ideia na busca por outras
1 A análise a seguir é parte da minha tese de doutorando em História da Educação, em processo de construção. 2 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora da Secretaria de Educação do
Estado do Rio de Janeiro. E-Mail: [email protected].
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soluções para o manejo de questões colocadas a reboque das mudanças previstas, já que a Lei
Rio Branco foi assinada em setembro de 1871.
Cabe lembrar, que a República enquanto alternativa ao atual governo era apoiada em
vários círculos de intelectuais e profissionais liberais. A Lei do Ventre Livre tornava visível a
interferência do poder público em meio às relações pessoais, entre patrões e empregados,
entre senhores e escravos. O momento, em particular, caracterizava-se por uma cultura
política urbana carregada de sentidos e significados, “marcada pela crescente presença
popular negra e mestiça em manifestações e acontecimentos que antes se restringiam ao
âmbito dos partidos, do parlamento, da imprensa e das rodas de intelectuais” (SALLES;
SOARES, 2005. p. 111).
Os caminhos sinalizados, pelo referido texto, apostavam na instrução, no
desenvolvimento das capacidades pessoais, como meio de descolar o trabalho artesanal de
sua carga pejorativa, devido à escravidão, nobilitando-o. Naquele momento a escravidão era
bastante significativa nos mundos do trabalho urbano carioca. Conforme Marcelo Badaró
trabalhadores livres, escravos e libertos labutavam e resistiam lado a lado durante o último
quartel do século XIX (BADARÓ, 2009).
Desse modo, consideramos que a instrução assumia sentidos e significados para os
trabalhadores durante fins do século XIX. O trabalho aqui apresentado propõe-se a analisar
ideias e projetos de instrução para trabalhadores, a partir da chamada imprensa operária da
década de 1870, privilegiando especialmente o jornal Tribuna Artística. Considerando a
particularidade de tal periódico em meio às iniciativas congêneres de associações de
trabalhadores do período. Por meio da análise das fontes, pretendemos esmiuçar os possíveis
significados que as aulas e cursos noturnos adquiriram entre os trabalhadores.
Antes de nos aprofundarmos em mais investigações junto às fontes, é necessário
alguns comentários sobre a natureza das fontes analisadas. Segundo Maciel, a imprensa feita
por trabalhadores foi o meio encontrado para que esses sujeitos pudessem intervir
socialmente, considerando o contexto de expansão e renovação da imprensa de massa. Na
cidade do Rio de Janeiro as taxas de alfabetização eram superiores a média nacional na
primeira década do século XX. Os valores encontrados pela autora revela a importância das
práticas anteriores de leituras em voz alta nas praças, associações e clubes, o que ajudava a
disseminação de opiniões e valores (MACIEL, 2008).
Por meio da investigação qualitativa buscamos pequenos signos que aparentemente
não querem dizer nada e procuramos desmembrá-los em significados importantes para o
entendimento da lógica que informava a experiência dos sujeitos. Segundo Ginzburg, “o
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conhecimento histórico, indireto, indiciário e conjetural”, o caráter qualitativo ajuda a ciência
histórica a entender “a totalidade e desvendar a profundidade da realidade” (GINZBURG,
1989, P.157-160).
A coleção da Tribuna Artística compreende seis números. Essas edições foram
consultadas por meio da hemeroteca digital, a partir da entrada “instrucção”. Entretanto os
artigos foram investigados em sua totalidade, com a finalidade de garantir uma visão mais
ampla do dito periódico. A Tribuna era impressa na Tipografia da Rua do Ouvidor n. 20,
constituía-se em 4 páginas, dividida em quatro colunas, com assinatura de 200 reis mensais.
Como seções permanentes podemos citar: “Crônica”, “Literatura”, “Imprensa” e poesias
diversas. Julio Diniz e Otavianno Hudson eram os colaboradores mais frequentes.
As referências às apostas futuras brotavam das páginas da Tribuna Artística por meio
da publicação de autores alheios ao contexto brasileiro, porém a mensagem estava contida ali
para que as discussões florescessem no meio dos trabalhadores, ao qual o jornal se destinava.
Os Estados Unidos apareciam quanto modelo de organização política. O destaque ao referido
país vizinho emergia como crítica a divisão tênue entre os partidos políticos brasileiros.
(Tribuna Artística, Partidos e instrução pública, 19/11/1871, p.2) Os limites entre
republicanos e democratas eram bem definidos e assumiam características interessantes:
Os republicanos são abolicionistas; estendem a mão francamente aos negros (* Grant nomeou dois homens de cor como representantes da República dos Estados Unidos), fazem deles ministros; enviam-os ao senado e câmara dos deputados. Com o fim de fazer crescer o mais depressa possível o número de habitantes, eles concedem facilmente aos imigrantes. [...] Pedem aumento ao salário dos operários e a associação entre o operário e o
patrão ou o capitalista. (Tribuna Artística, “IMPRENSA – ESTADOS UNIDOS – Por Mme Olympe Audouard”; 03/12/1871, p. 3-4.)
No trecho acima, o Partido Republicano era acionado como exemplo de participação
política, com questões avançadas no setor, pois os “homens de cor” eram nomeados para
cargos importantes. Tal ideia reverberava em melhores condições de trabalho dos operários e
nas relações entre “patrões” e operários, movidos pela coalizão de interesses. As proposições
levantadas pelo artigo eram defendidas pela Tribuna Artística. Ou seja, a conquista de maior
igualdade política entre os trabalhadores, independente das suas origens sociais. Em vista
disso, o abolicionismo, a cidadania e os direitos sociais dos trabalhadores formavam um
mesmo bloco de questões suscitadas pelos editores do jornal.
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Cabe lembrar, que tais palavras eram tradução da obra de Olympe Audouard3. A
autora exaltava a organização da cidade americana, alicerçada sobre o sentimento de
dignidade, estabelecida entre todos os setores da administração pública. A instrução aparecia
como competência de homens probos, porque eleitos:
Cada departamento teria um orçamento seu, e por consequência um imposto departamental, que serviria para conservar em bom estado as cidades, as estradas, os passeios, os hospitais, as escolas, os institutos. Haverá em cada departamento uma comissão de instrução pública, composta de homens eleitos, pelos sufrágios dos cidadãos, escolhidos entre os mais instruídos e honrados; serão responsáveis por seus atos. Sua missão será estabelecer escolas gratuitas, os institutos, as faculdades; velar pelo bom andamento e regularidade destes estabelecimentos. Ocupar-se-iam do bem estar dos escolares, da honradez e habilitações dos professores. Cada departamento votará fundos necessários para conservação das escolas, que serão todas gratuitas. Os membros da comissão darão cada ano as contas exatas, e se julgarem que é necessário aumentar as cifras das despesas, farão
um memorial, que será apresentado às câmaras. (Tribuna Artística,
Imprensa, Estados Unidos – Capítulo I – A constituição de Washington
aplicada à França, 25/02/1872, p.5-6.)
Mme Olympe era a única mulher cujo texto foi publicado pela Tribuna. Ao valorizar o
modelo de organização política e social estadunidense colocava-se no contra fluxo do
momento, baseado no ideal da civilização europeia, especificamente francesa, no Rio de
Janeiro (SCHWARTZ, 2012). Talvez a peculiaridade da autora, já que era francesa, instigava
leitores e ouvintes, a ponto de provocar polêmicas e discussões no meio dos trabalhadores.
Marcelo Badaró acredita que as experiências associativas dos trabalhadores sofreram
grandes influências dos modelos franceses, com eles dialogavam. Até os jornais tomavam
como referências símbolos como o barrete. De certo modo, a reprodução da coluna de Mme
Olympe dá indícios de tais influências, mas a recorrência ao exemplo da organização
administrativa e condução política dos Estados Unidos conduz-nos a acreditar que existiam
determinados assuntos cuja preponderância era diversa daquela apontada (BADARÓ, 2009,
p.83-91.)
A instrução do trabalhador operário na Tribuna Artística possuía clara conotação
política. As matérias que aludiam ao tema reivindicavam maior atenção ao “operário”, para
que a instrução não fosse restrita apenas a disseminação de escolas públicas, mas “que todos
3 Segundo Isabelle Ernot, Olympe Audouard era uma escritora e jornalista, escreveu crônica, livros de viagens e romances, fundadora de inúmeras revistas e colunas, “seu projeto nunca foi, aparentemente, criar uma organização de notícias do tipo feminista ou virou-se unicamente para o público feminino. Ela aspirava sobretudo expressar-se livremente sobre temas polêmicos contemporâneos”. Dando-se muito bem em seu ambiente intelectual. ERNOT, I. Olympe Audouard dans l’univers de la presse, (France, 1860-1890). Genre & Historie: Les femes prennent la plume., n.14, Printemps 2014, p.1.
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os homens saibam ler”, a fim de desenvolver as “faculdades pela leitura” (Tribuna Artística,
TRANSCRIÇÃO – Instrução Pública, 10/12/1871, p. 2.). O apoio à instrução dos
trabalhadores tomavam direções peculiares, como sugeria Hudson:
Esta associação de beneficência não pode deixar de merecer adesão pública e as simpatias de todas as classes, porque ela é fundada sob as bases as mais sagradas da sociedade – amor ao trabalho, proteção e respeito mútuo e instrução aqueles que não a tiverem. Para que o operário reconheça que tem deveres sérios a cumprir é necessário ter a instrução primária em primeiro lugar, para poder dá-la também aqueles que a não tiverem e proporcionar a seus filhos a educação operaria e instrutiva. Se a classe operaria não tiver a instrução precisa será um obstáculo ao progresso do trabalho que lhe sair das mãos. Aos operários analfabetos ensinaremos a ler. É para o bem comum que o sócio terá de dar um livro para a biblioteca da associação. (Tribuna Artística, “A LIGA OPERÁRIA” 25/02/1872, p.2)
No trecho acima, Hudson destacava o papel da associação para o desenvolvimento do
saber do operário. O ato de instruir também pertencia ao trabalhador, considerado como
ativo sujeito na disseminação do conhecimento, encarregando-o de transmiti-lo para a
própria família. O saber adquirido era o inicio do desenvolvimento do trabalho. O mais
importante para o jornalista era criar meios para que tal tarefa avançasse. Otaviano Hudson
sugeria para isso o ensino e a criação de uma biblioteca.
A organização de aulas e espaço próprio para os livros manifestava a tentativa de
construção de espaço alternativo e autônomo, diversos daqueles criados por outras
sociedades, como: a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e o Lyceo de Artes e Ofícios.
De acordo com Ana Costa, essas sociedades foram as primeiras a desenvolver iniciativas de
instrução noturna voltadas para o trabalhador, especialmente a primeira criada em 1870
(COSTA, 2007, P.76).
De forma geral os jornais feitos por trabalhadores, nas últimas décadas do século XIX,
acompanhavam outras promovidas por sociedades particulares. Além daquelas já citadas
anteriormente, temos indicações de outras, como por exemplo: a Sociedade Promotora da
Instrução, o Congresso de Beneficência e Instrução, o Club Gutemberg e o Lyceo Literário
Português. Outras iniciativas foram subvencionadas pelo governo, porém não eram
divulgadas nas páginas dos jornais operários, como o Curso Noturno da Sociedade
Propagadora da Instrução das Classes Operárias, na rua São Clemente, aquele promovido
pela Irmandade de Nossa Senhora de Copacabana e a Escola Noturna da Irmandade de
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Nossa Senhora da Conceição do Engenho Novo (Arquivo Nacional, Série Educação, Ie – 20,
1877, Ie – 17- 1874.).
A promulgação da lei que autorizava a criação de cursos noturnos voltados para
trabalhadores, em 1878, durante a gestão de Leôncio Carvalho, contava, aparentemente, com
o apoio dos trabalhadores, porquanto outros periódicos colocavam-se contra as atitudes do
governo em extinguir os ditos cursos noturnos, em finais da década de 1880:
Os cursos noturnos onde o povo bebia a instrução, coisa tão necessária ao homem como o ar que respiramos, foram fechados por falta de verba para gás e outras pequenas despesas. Seguia com essa medida o governo a doutrina de muitos <<vultos>> da governança, que entendem que o povo não precisa de instrução intelectual e profissional. O povo só precisa de duas coisas: ser humilde como o carneiro do rebanho de Panurgio, e sujeitar-se a pagar todos os impostos diretos e indiretos sem tugir, nem mugir e louvar as franquezas das instituições que nos regem e que tão funesta influência tem tido. (O Artista, 17/03/1883, p.1 )
Além das despesas com a iluminação a gás, mobiliários, livros e diversos materiais,
encontramos, entre os pedidos estava o de Antônio Candido Rodrigues Carneiro para “15
dúzias de vela estearinas”, referentes aos meses de Outubro e Novembro de 1878 (Ofício à
Ministério da Instrução Pública, 07/03/1879, Arquivo Nacional, Série Educação, Ie4 – 24,
1879.). Ao que parece os custos de manutenção foram pouco considerados pelas autoridades
políticas no momento da criação da lei. São inúmeros os recibos dos gastos com material para
a instalação dos cursos noturnos. Outros constavam contestações dos valores e períodos a
serem pagos. Para os colaboradores do jornal O Artista a falta desses recursos estavam
subjugados aos interesses do governo em manter os trabalhadores passivos, sem poder de
questionamento. Desse modo, a instrução para os trabalhadores carregavam cada vez mais
significados políticos.
O Artista não indicava nenhuma direção ou supervisão, a tipografia era “particular do
artista”, a única localização registrada era a redação na Rua Dona Emília Guimarães, no
Bairro do Catumbi. Contudo as cartas deveriam ser dirigidas ao Sr. Adriano Nogueira, na Rua
Luiz de Camões n. 22. Segundo Batalha, as associações de trabalhadores e grande parte da
imprensa produzida por elas privilegiavam locais junto ao centro da cidade do Rio de
Janeiro, porque era local privilegiado para manifestações e passeatas (BATALHA, 2009).
Além disso, havia outras peculiaridades, esse jornal não fazia alusão a nenhum partido
operário apenas indicava “confraternizar-se com todas as associações abolicionistas e
associações da arte operária” (O Artista, 17/03/1883, p.1)
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As menções às associações profissionais faziam referência a Tipografia Fluminense,
aos Empregados do Comércio, ao Clube A. Gutemberg e a Sociedade Beneficente Bons
Amigos União do Bonfim. Por meio dessas pistas acreditamos que os editores de O Artista
eram um grupo de tipógrafos, com acesso aos meios para a produção do jornal, o que
provavelmente facilitava e contribuía para que os preços de cada exemplar fossem mais
baratos do que qualquer outro, pois o avulso custava apenas 40 reis, já as assinaturas
chegavam a 1$000 (Corte) e 1$500 (Províncias) para o trimestre e 2$000 (Corte) e 2$500
(Províncias) para o semestre.
A partir do que vimos até aqui, podemos inferir que as perspectivas de instrução
começavam a ganhar maior visibilidade e eram acompanhadas de perto por movimentos
ligados aos trabalhadores, provavelmente, conectadas às novas regras de participação
eleitoral, inauguradas com a Reforma Eleitoral de 1881. Na qual foram definidos a leitura e
escrita como determinantes para o exercício do voto. Vale lembrar que as mudanças quanto a
as exigências eleitorais brasileiras não estavam distantes daquelas experimentadas em outros
países europeus. Essas imposições diminuíam o contingente de trabalhadores especializados
que participavam dos pleitos (MARTINEZ, 2007).
As associações voltadas para os trabalhadores procuravam conceber cada vez mais
meios e formas para proporcionar instrução aos seus sócios. Ana Costa (2016) aponta
movimento crescente desses sujeitos a fim de organizarem espaços próprios para a instrução.
O viajante Herbert Smith teve percepção semelhante em sua estadia no Rio de Janeiro:
Há também falta de educação entre as classes mais pobres; apreciando as necessidades próprias, os trabalhadores combinar-se-iam para mutuamente proteger-se como tem feito às associações operárias quaisquer que sejam os abusos a que deem origem, são todos um benefício para qualquer país. (...) Animando-se a educação, e dando aos trabalhadores meios legais de se resguardarem e dirigirem. (SMITH, 1886, p. 305)4
O naturalista norte-americano esteve no Brasil cinco vezes durante o período de 1870
e 1880, e escreveu 27 artigos publicados no Jornal do Commercio e Gazeta de Notícias, que
deu origem ao livro consultado (KLUNZER, et. al., 2011). Smith percebia o envolvimento das
associações operárias na obtenção de direitos legais para os trabalhadores, incluindo a
instrução. A referência às associações de trabalhadores, talvez, indicava a maior visibilidade
que as mesmas ganhavam enquanto força social, procurando interferir nas decisões políticas
direcionadas aos trabalhadores.
4 Grifos meus.
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Ana Luiza Costa (2012) verifica que desde 1870 até 1917 essas associações destacavam
a importância à cultura letrada e a instrução. Foram criadas múltiplas formas de instrução,
entre as quais podemos citar: as conferências, os cursos/aulas e as bibliotecas. Cumpre
ressaltar que tais práticas dialogavam com os estabelecimentos particulares, que objetivavam
o mesmo fim, qual seja a instrução dos trabalhadores, como relatava o francês Émmile Allain,
em 1885:
Se o estado da educação primária pública e da educação particular está longe de ser satisfatório no Rio de Janeiro, ele não pode se reservar aos esforços de várias associações que mantêm gratuitamente cursos geralmente noturnos, independentemente da nacionalidade. O maiores e mais antigos desses estabelecimentos: O Lycéo de Artes e Ofícios da Sociedade Propagadora das Belas Artes; O Litterario Lyceo Portuguez, e as escolas, em número de 3 construídas e mantidas pela Associação Promotora da Instrução. (ALLAIN, 1886, p.244-246)5
A crítica do viajante estrangeiro às ofertas de ensino primário, públicos e particulares,
acompanhavam as opiniões contemporâneas da falta de estabelecimentos para atender a
população pobre. Conforme Alessandra Martinez, associações e sociedades particulares, de
cunho religioso ou leigo elegeram a instrução, como “problema social”, com finalidades
disciplinares e moralizantes. As ações empreendidas pelo Estado e pelas iniciativas
particulares eram complementares, contudo “esses empreendimentos também
representavam disputas por controles e ideias sobre quais as melhores maneiras de viabilizar
a educação dos setores populares.” Apontava-se assim para a diversidade e complexidade em
torno da ideia de “formação do povo” (MARTINEZ, 1997, p. 136-137).
Nesse sentido os trabalhadores também se mobilizaram em torno de conquistas e
objetivos próprios. A criação da Liga Operária foi uma delas, amplamente divulgada pelas
páginas da Tribuna Artística. As ideias que alicerçavam a fundação da Liga Operária, uma
das primeiras a serem consideradas como sociedades de resistência, que apresentava seus
objetivos de criação e a ata da primeira reunião no referido jornal, no último número
disponível:
A liga operaria Ora a democracia, ora o socialismo influi no arcar constante dos indivíduos proletários contra os capitalistas, e as teorias sucedem-se, umas após as outras, levando de vencida a estabilidade do feudalismo dos últimos séculos [...] Essa luta é imensa, e se cada individuo de per si não procurar resolver o problema da vida, ela será interminável, ou dará em resultado um predomínio incapaz de ser o que queremos e devemos almejar. [...] Assim levados á investigação, nós concebemos o socorro mútuo e a instrução como
5 Grifos meus.
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único principio que deve ser aceito para a organização das associações operárias. Estas reflexões foram-nas sugeridas pela notícia que tivemos da organização da associação Liga Operária. O iniciador desta ideia, o Sr. Octaviano Hudson, torna-se digno de mil encômios por ter levado a efeito esta obra, que a muitos pareciam uma mera utopia. (Tribuna Artística, “A Liga Operária”, 25/02/1872, p. 1.)
O autor dos esclarecimentos sobre os objetivos da Liga Operária não nos é revelado,
porém ficava patente o enlace entre criação da associação e a instrução. O próprio Otaviano
Hudson, então iniciador da proposta, além da criação da Liga Operária se envolvia durante as
décadas de 70 e 80, na organização de cursos noturnos em várias outras iniciativas.6
As sociedades de auxílio mútuo, como a Liga Operária, organizavam-se com o intuito
de garantir direitos previdenciários aos sócios operários. Essa era a única forma garantida
por lei para assegurar benefícios e mobilizar os trabalhadores em torno de um propósito
comum. Segundo Claudio Batalha, a Liga Operária apresentava características que a
diferenciava das sociedades de auxílios mútuos do período:
A Liga era de certo modo uma sociedade de socorros mútuos sui generis, pois, além do auxílio material aos sócios no caso de necessidade, visava “procurar por todos os meios ao seu alcance melhorar a sorte das classes operárias, introduzindo melhoramentos em todos os ramos de trabalho artístico e industrial”, bem como “propagar a instrução, como o meio mais eficaz de esclarecer quer o operário, quer o artista”. Visando alcançar esse último objetivo, oferecia aulas noturnas de português, francês, inglês, aritmética, desenho e música, frequentadas, porém ,por poucos alunos, sócios ou filhos destes. (BATALHA, 1999, p.56)
O caráter atribuído por Batalha à Liga Operária em parte provém da importância
dada à instrução, viabilizando o empreendimento dos cursos noturnos. As sociedades de
auxílios mútuos alcançavam funções próximas àquelas mantidas por sindicatos, em anos
posteriores, como por exemplo: reivindicação de melhores condições de trabalho e salários.
Outras vezes guardavam práticas e concepções de outras formas de associativismo, como as
corporações de ofícios, ou Irmandades Leigas (BATALHA, 2010, p. 18-20).
Dessa forma, a Liga Operária guardava em sua organização traços com formas
anteriores a esse tipo de associativismo. Encontramos no compromisso de algumas
irmandades, o incentivo à instrução para os irmãos e seus filhos. Martha Abreu, investigando
a Irmandade do Divino Espírito Santo, encontra mudanças significativas em relação ao
6 Octaviano Hudson foi tipógrafo, jornalista e poeta, conforme as indicações do dicionário organizado por Claúdio Batalha; Dicionário do movimento operário. São Paulo: Perseu Abramo, 2009, p.79. Sabemos ainda que reuniu as obras de Fagundes Varela para ajudar a viúva e os filhos deste. Foi também responsável pela carta de apresentação de Eliseu Visconti ao Liceu de Artes e Ofícios, por ser amigo da família. Ver: http://www.eliseuvisconti.com.br/site/biografia/PrimeirosTempos.aspx; Acessado em 22/03/2016, 20:14.
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período colonial, entre elas destaca o oferecimento de instrução gratuita para “os filhos dos
irmãos pobres” (ABREU, 1999, p.117, nota 46).
Ao analisarmos os dois compromissos da Irmandade do Divino Espírito Santo da
Lapa são possíveis observar mudanças consideráveis que os aproximavam daquelas
propostas pelas associações mutualistas7. A diferença de quase vinte anos entre eles
demonstravam o quanto a formação dos trabalhadores vinha se tornando parte importante
nas demandas e reinvindicações dos trabalhadores. No compromisso aprovado em 1865
ficava estabelecido:
Concorrer para a educação das filhas dos Irmãos Pobres, conservando sempre preenchido o número de meninas que a Irmandade tem o direito de ter no Recolhimento de Santa Theresa; e para o dos filhos, criando em tempo oportuno um Estabelecimento, onde recebam, pelo menos a instrução primária. (Compromisso da Imperial Irmandade do Divino Espírito Santo da Lapa Erecta na Igreja do Convento do Carmo, 1867, p.1)
Ronaldo de Jesus e Davi Lacerda (2010) encontram na Sociedade de Socorros Mútuos
dos Ourives a intenção de criar oficina responsável por introduzir o ensino profissionalizante,
a fim de deter o controle da produção e da comercialização das peças produzidas. Essa
tentativa remontava em parte a tradição associativa das corporações de ofício. Dessa forma,
pensamos que a Tribuna Artística, e a própria Liga Operária tentavam recuperar espaços
perdidos com a proibição das corporações de ofício, tomando para si a tarefa de instrução dos
trabalhadores, que antes pertenciam aos mestres.
Aliás, a instrução pública era uma questão continuamente levantada nas colunas
analisadas na Tribuna Artística. Uma das primeiras divulgadas em suas páginas são os
postos pedagógicos, mantidos pelo bacharel Alfredo Moreira Pitto:
De acordo com amigos seus, pretende fundar em diversas freguesias desta Corte cursos de explicação, onde os estudantes encontrarão quem lhes explique humanidades, mediante prestações ao alcance de todos. Além dos serviços reais, que a instituição pôde prestar ao ensino, avulta ainda o auxílio à emancipação, a que se destina a metade da joia de entrada. As matérias ensinadas serão: latim, grego, português, francês, inglês, alemão, matemáticas, geografia, historia universal (e particularmente a da nação a que pertencer o aluno) retórica e filosofia.
7 Além de “render culto ao mesmo divino Espirito Santo” indicavam a possibilidade de “socorrer os Irmãos pobres tanto quanto for compatível com os recursos que dispor.” ( Artigo 1., parágrafos primeiro e segundo). Estabelece um capítulo, apenas, com o intuito de apontar “os socorros prestados aos Irmãos” e define no artigo 77: “Aos Irmãos necessitados, a Irmandade socorrerá, toda vez que o estado de suas finanças o permitir, com uma pensão mensal, que pela mesa será arbitrada” , p. 20. Compromisso da Imperial Irmandade do Divino Espírito Santo da Lapa Erecta na Igreja do Convento do Carmo. Capital Federal: Typographia Fluminense, 1867. Estatutos aprovados em 30 de julho de 1865, redigidos em 16 de fevereiro de 1864.
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Haverá um curso de direito criminal, que será frequentado gratuitamente pelas pessoas que quiserem. Merecerá especial estudo da língua vernácula. O código criminal será lido por todos os explicandos. Haverá em cada posto uma biblioteca à disposição dos indivíduos matriculados. Haverá um curso à noite para os operários, que pagarão à medida de seus recursos. As pessoas que forem reconhecidamente pobres receberão gratuitamente a mesma instrução que aqueles pagam. É exigida a joia de 10$, sendo 5$ destinados a um fundo qualquer de emancipação. Fornecem-se gratuitamente lápis, canetas, papel, penas e tintas. Os preços invariáveis das mensalidades são: Por uma matéria – 5$000. Por mais de uma – 8$000. (Tribuna Artística, 03/11/1871, p.4)
A notícia acima, reproduzida por outro jornal, dimensionava em parte os diálogos
com a Tribuna Artística, dando indícios da concordância com as ideias defendidas pelo outro
periódico. Os colaboradores do jornal estimulavam iniciativas instrutivas e mantinham uma
postura em defesa do abolicionismo. Embora o curso do dito bacharel Pitto fosse voltado
para diferentes setores da população, o empreendimento pretendia estender a instrução aos
trabalhadores no horário noturno, mesmo aqueles mais pobres. A situação da gratuidade do
material, contava provavelmente com uma rede de solidariedade capaz de abastecer aquele
projeto.
Algumas Conclusões
Por mais que houvesse por parte das elites a intenção de normartizar e disciplinar os
trabalhadores a fim de torna-los morigerados e passivos, grupos mobilizados por meio de
associações ou organizados em torno da imprensa procuravam criar alternativas a tal ideal.
A crítica às sociedades de instrução ou as práticas governamentais estavam enleadas a
criação de espaços autônomos e independentes de instrução. A partir da constituição de
projetos próprios, voltados, até mesmo, para repassar conhecimentos tradicionais
pertinentes a cada ofício. Dessa maneira, a Tribuna Artística associava mobilização política à
instrução como forma de abrir espaços de maior participação social e política para os
trabalhadores.
Assim, os cursos noturnos eram iniciativas propostas por trabalhadores para outros
trabalhadores iletrados com vistas a maior inserção e participação política no interior do
quadro de mudanças sociais prometidas com o avanço da legislação abolicionista do período.
Mudanças essas que sinalizavam apostas de maiores transformações, capazes de dinamizar a
interferência nas redes de poder.
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Nossos apontamentos iniciais e primeiras investigações, além de ajudar o
entendimento das múltiplas iniciativas na criação dos cursos e aulas noturnas, nos instigam
ao aprofundamento de tais questões, pois segundo Ginzburg “não há textos neutros”
(GINZBURG et al., 1989, p. 209).
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