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Assessoria e assistência técnica em territórios de resistência: São Paulo, Salvador e Belo Horizonte Technical assistance and technical advice in territories of resistance: São Paulo, Salvador and Belo Horizonte Coordenador: Caio Santo Amore, Professor da FAUUSP / arquiteto e urbanista da Peabiru. [email protected] Debatedor: Raúl Vallés, Professor da Udelar – Uruguai. [email protected]

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Assessoriaeassistênciatécnicaemterritóriosderesistência:SãoPaulo,SalvadoreBeloHorizonte

Technicalassistanceandtechnicaladviceinterritoriesofresistance:SãoPaulo,SalvadorandBeloHorizonte

Coordenador:CaioSantoAmore,ProfessordaFAUUSP/[email protected]

Debatedor:RaúlVallés,ProfessordaUdelar–[email protected]

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DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

A origem da assessoria e da assistência técnica pode ser imputada à atuação de arquitetos,advogados, assistentes sociais e de outros profissionais junto a populações pobres e periféricasque se organizavamemmovimentos sociais urbanos na luta pela de redemocratização do país,numcontextoemquealutaera“contra”oEstadoautoritário.Aconstruçãodaspolíticaspúblicasvoltadas à populaçãomais pobre, que incorporavam a participação popular e que procuravamlidar com a cidade real, com as melhorias e reconhecimento dos assentamentos populares,surgiramdessaação,dessaproximidade.Tratou-sedeumaaçãoautônoma,queprecedeumuitasdaspolíticasquetemosatualmente.

O momento de “fim de ciclo”na luta pela Reforma Urbana, nos termos de Ermínia Maricato,requerreflexõeserevisõesdaspolíticasurbanasqueconstruímosnosúltimosvinteoutrintaanos.Muitos grupos de moradores das favelas e periferias não se sentem representados nos játradicionaismovimentosdemoradiaqueajudaramaconstruiraspolíticashabitacionaiseurbanase que tem voltado suas energias para a produção habitacional de unidades novas em terrenosvazios – aindaquepartedesses gruposdiscutade formaabsolutamentepertinenteaqualidadedessa moradia, a apropriação dos processos produtivos, a gestão física e financeira dosempreendimentos como meios para formação política da base social, para a “construção decidadaniaparaalémdaconstruçãodacasa”,comosediz.Acidadeeasalternativasdemoradiaparaagrandemassadetrabalhadorasetrabalhadores,entretanto,sãoproduzidasnas favelaseassentamentosprecários(parausaranomenclaturagenérica,recentementeinstitucionalizadanaspolíticas empreendidas pelo Ministério das Cidades), em territórios populares que são“autorizados”aexistiremdeterminadaslocalizações,enquantoosinteressesdominantesnãosãoafrontados.Megaeventos,renovaçõesdecentroshistóricos,operaçõesurbanas,obrasestruturaisdemobilidade, parques públicos, urbanização de assentamentos precários, projetos e obras dedesenvolvimentoeconômicoeurbano...sãodiversososmotivosalegadosparaaextinçãofísicadebairros populares, que aparecem como entraves ao dito “interesse público” (afinal, quem seriacontraumparque,umaviaestruturantecomtransportepúblicodemassa,umpólotecnológico,umarecuperaçãodopatrimôniohistóricoouumaurbanizaçãodefavela?).

De outro lado, ocupações de terra e de edifícios têm sido uma tática frequente de acesso dasclassespopularesàterraeaorganizaçãodessaspráticasseconfundemcomasprópriasorigensdemuitos dos movimentos de luta por moradia no país. Já nos anos de 1980, denunciava-se aretenção de vazios especulativos na periferia da cidade, reivindicava-se a urbanização e oprovimentodeinfraestruturas,atendia-seaumademandaobjetivadeprovisãohabitacionalparauma grande massa de trabalhadoras e trabalhadores que chegavam às grandes cidades e queautoconstruíam suas casas, num processo de sobretrabalho bastante funcional à acumulaçãocapitalistaàbrasileira,queforacaptadoporFranciscodeOliveiranosanosde1970.Muitosdosbairrosque resultaramdessasocupações se consolidarameconformama realpaisagemurbanabrasileira. No final da década de 1990 e ao longo dos anos 2000, ganharam força as táticas deocupação de edifícios ociosos em áreas centrais de muitas metrópoles, denunciando, então, oesvaziamentopopulacionaldessasregiões,dotadasdeinfraestruturaeequipamentos,ondeanãoutilizaçãoeadeterioraçãoprogressivadeedifíciosacabavaoperandoemlógicassemelhantesderetenção especulativa para os seus proprietários. Na atualidade, essas ocupações semultiplicaram,comotambémsemultiplicaramosmovimentosdeluta,comdesignaçõesdiversas,fruto de rachas e discidências entre organizações. As ocupações “não organizadas” também semantiveram no radar das camadas populares, como mais uma autosolução do problema damoradia.

Consideram-se territórios de resistência essas áreas, esses assentamentos que se mantêm emregiõesemtransformaçãoouvalorizadaspelocapitalimobiliário,bemcomoaquelesquesãofruto

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deaçõesdiretasdemovimentosde luta,quetomamasocupaçõeseoenfrentamentocomoummeio para formação política, para formação da base na chave da “pedagogia do confronto”,segundo Benedito Barbosa. O “planejamento conflitual”, nos termos de Carlos Vainer, ou“insurgente”, conforme de Faranak Miraftab, surge de experiências concretas de resistência –contraaaçãodoEstadooudomercado,contraprocessosderemoçãoforçada,contraprojetosdedesenvolvimento – vem se tornando um campo de reflexão e trabalho fundamental para aconstruçãodenovasgramáticas,novaspropostas,novosatores,novaspolíticasenovosarranjosinstitucionais que sejam capazes de ouvir e dar publicidade para situações diversas devulnerabilidadeeparapotencialidadespoliticasdaspopulaçõesquenãosão reconhecidascomopessoasdedireitonacidade.

O trabalho de assessoria a movimentos sociais e a tais populações, prestada por grupos deprofessores e estudantes ligados a universidade, por associações de profissionais ou porprofissionaisautônomosdasáreasdaarquiteturaeurbanismo,direitoe trabalhosocial,ajudaaconstituir esse campo teórico e prático. Planos populares, projetos alternativos, análise dedocumentos,contra-laudos,participaçãoemnegociaçõescomosagentespúblicoseprivadossãoformasdeapropriaçãoeredefiniçãodetécnicasfrequentementeutilizadasnachavedo“discursocompetente”, como ensinou Marilena Chauí. O apoio a ocupações, por sua vez, permite queestratégias de consolidação sejam estabelecidas, permite prever um futuro de regularizaçãofundiária, garantir condiçõesadequadasdehabitabilidade, contribuirparaaorganizaçãopolíticadebase,diantedamobilizaçãodemassaemtornodamoradia.Sãoaçõesurgentesenecessárias,emummomentoemqueas audiênciaspúblicas, conselhos gestores edemais espaçospúblicosinstitucionalizados de mediação e negociação de conflitos são esvaziados de sentido, já nãorespondem às necessidades de instauração do “dissenso” como possibilidade de construçãopolítica.

ASessãoLivrepropostatratarádeexemplosempíricosrecentes,ocorridosemdiferentesestadosbrasileiros(SãoPaulo,BahiaeMinasGerais),nointuitodeproblematizaroalcanceeosdesafiosdestetipodetrabalhodeassessoriaeassistênciatécnica(física,jurídica,social)econtarácomumprofessor da Udelar (Universidad de la República em Montevideo) e assessor técnico decooperativas no Uruguai como debatedor. A exposição da assessoria técnica Peabiru traráexperiênciasemaçõesdiretas comoMLB (Movimentode LutasnosBairrosVilase Favelas) emDiadema-SPe comFLM (Frentede LutapelaMoradia)na região centralda capital, alémdeumpanoramasobreoutrosterritóriosderesistênciaqueforamlevantadosnosprocessosdeOficinasdeAssistênciaTécnicaemHabitaçãodeInteresseSocial(ATHIS)queaentidaderealizounoestadodeSãoPauloentrenovembrode2015emaiode2016.DeSalvador,Bahia,teremosaexperiênciade advogados populares organizados no grupo Ideas juntamente com grupo de estudantes eprofessores da UFBA no apoio ao MSTB (Movimento Sem Teto da Bahia) e a moradores deterritóriospopularesnocentroantigodeSalvador.DeBeloHorizonte,MinasGerais,traremosaodebatealgumaspráticasdeapoioaoplanejamentodeocupaçõesdasBrigadasPopulares,doMLBe da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com um olhar especial sobre o potencial político daautoconstruçãodamoradianosprocessosdeconsolidaçãodasocupações.

Comoassessorestécnicostrabalhamnosprocessosdeplanejamento,deprojetodo loteamento,dosespaçospúblicosecomunitários,dasdivisõesinternasdospavimentosocupados,dascasasesuasampliações,dossistemasdeinfraestrutura?Comocolaboramnadefesaenaargumentaçãotécnica e jurídica junto a órgãos do poder público ou ao sistemade justiça? Como se arriscam,junto com os movimentos de luta, nos contextos recentes e crescentes de criminalização ejudicialização da luta social? Como atuam numa relação dialética de autonomia einterdependência?Comoasocupaçõesdialogamcomasestratégiasterritoriaisdosmovimentos?

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Quaisasperspectivasdessetipodepráticanocontextoatualderetrocessosdepolíticassociais,nareduçãodossubsídioshabitacionais,numaprovávelretraçãodaproduçãoemescala?SãoalgumasdasquestõesquepretendemosdebaternessaSessãoLivre.

Ocupaçãoepermanência:desafiosdotrabalhodeassessoriatécnicaemSãoPaulo

RafaelBorgesPereira(Peabiru/FAUUSP)eMariaRitaHorigoshi(Peabiru)

Osexpositorestratarãodedoisaspectosdaassessoriatécnicaemterritóriosderesistência:apoioaocupaçõeseaçõesdiretasdemovimentosde lutapormoradiaedefesapelapermanênciadeterritórios de moradia popular em áreas urbanas em disputa com interesses dominantes. Noprimeiro,serãoapresentadasexperiênciasdeapoioaocupaçõesdemovimentosnaRMSP:comoMLB(MovimentodeLutasnosBairrosVilaseFavelas),emterrenosemDiadema;outracomaFLM(FrentedeLutapelaMoradia),emumedifícioociosonoCentroeemumterrenovazionaZonaLeste de São Paulo. Serão esmiuçadas as várias etapas que compuseram estes trabalhos(estratégia territorial, projeto da ocupação, ação direta e consolidação) e discutido o papel daassessoria técnica cada uma delas. No segundo aspecto, serão trazidas algumas situações deresistência identificadas e debatidas nas Oficinas ATHIS – realizadas pela Peabiru entre 2015 e2016emmunicípios-polodoestado–propondoumolharpara lutasqueescapamaoscontextosmetropolitanos, mas onde a extinção física dos assentamentos populares aparece como umpressupostodaspolíticaspúblicas.Trata-sedesituaçõesemquecontra-laudos,planosalternativoseoutrasformasdepublicizaçãodeconflitossãopartedoapoiotécniconecessárioparaorganizaraluta pela permanência.Os riscos de atuação profissional, a responsabilização técnica e civil poreventuais danos à integridade física dos moradores, o conflito e a negociação de expectativasentrea coordenaçãodomovimento,baseeassessoria técnica, sãoalgunsdosdesafios a seremenfrentadosnessedebateenessaprática.

Articulação entre assessoria popular e universidade: limites epossibilidadesdeatuaçãonasdisputaspelacidadeemSalvador

WagnerMoreira(UFBA/Ideas),ThaísRosaeGabrielaLeandroPereira(UFBA)

Arelaçãoentremovimentossociais,comunidadesameaçadasdeexpulsãoeassessoriaspopularesé o foco desta comunicação. A partir da reflexão sobre a atuação do IDEAS - AssessoriaPopular(BA) desdobram-se as questões propostas para esta sessão, cuja problematizaçãopassapelas possíveis articulações entre as dimensões jurídicas e socioespaciais da assessoria popular,bemcomoporexperiênciasdediálogo,trocaeaproximaçãocomauniversidade.EmSalvador,oespaço urbano foi historicamente conformado a partir de conflitos e disputas pela inserção epermanência das camadas populares na cidade, cujos territórios encontram-se capilarizados emsuaextensão.Aslutassederamcommaisforçacontraosdespejosecommenorpesoemtornodaurbanização, ou domodelo construtivo, tanto em áreas periféricas (comoAlagados e Bairro daPaz),quantoemáreascentrais,marcadaspelaresistênciadapopulaçãonegra(comoGamboadeBaixoouArtíficesdaLadeiradaConceição).Comareconfiguraçãopolíticaesocialdopaísnosanos2000, e a emergência de inúmeros conflitos territoriais em Salvador, os movimentos sociaisreconfiguram-se,culminandonaconformaçãodoMSTB(MovimentoSemTetodaBahia).Poresse

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contextopassa tambémoredimensionamentodasatuaçõesdeassessoriaspopularesnacidade.Nospropomosarefletiremquemedidaaaproximaçãoentreassessoria,professores,estudanteseprofissionais de arquitetura, urbanismo e geografia, poderia contribuir no tensionamento dascondições desiguais de produção das cidades contemporâneas no Brasil?Que possibilidades deatuaçãopodemserconstruídas juntoamovimentoscomoMSTBesuasocupações,ou juntoaosterritórioshistóricosderesistência?

Osmovimentos sociaisde lutapormoradiadeBeloHorizonteeosprocessosdeautoconstrução

TiagoCasteloBrancoLourenço(UFMG/PUC-Minas)

Estaapresentaçãoédedicadaàleituradeaçõesdosmovimentossociaisdelutapormoradiaqueorganizaram e promoveram algumas importantes ocupações urbanas em Belo Horizonte nosúltimosanos.Trata-sedasBrigadasPopulares,doMovimentodeLutanosBairros,VilaseFavelas(MLB) e da Comissão Pastoral da Terra – Seção Minas Gerais (CPT-MG), que realizaram asocupações Dandara, Eliana Silva, Emanuel Guarani Kaiowá e Izidora. Essesmovimentos contamcomapoioeparceriadeativistassociais–advogados,arquitetos,geográfos,sociólogos,religiosos,dentre outros – que não são vinculados organicamente aosmesmos, mas cujo apoio tem sidoimportante para que essas ocupações ocorram e se consolidem. Nas experiências que têmacontecidonacapitaldeMinasGerais,aautoconstruçãotemseapresentadocomo instrumentode lutapolítica,poispotencializaapossibilidadedepossedoterrenoocupado, jáqueamoradiaemalvenariaéum indicativodaconsolidaçãodaocupaçãoaosolhosdosagentespúblicos,que,emmuitoscasos,podemdeterminarareintegraçãodeposseeconsequenteremoçãodasfamílias.Esteé,portanto,umaspectoquepodepautaradecisãodessesagentesefavorecerapermanênciadasfamílias.Contudo,apráticaapresentaaindaalgumascontradições,jáquenosprocedimentosadotados pelos movimentos e ativistas sociais, o potencial de apropriação dos territórios éusualmenteminimizadocomoprocessodeformaçãopolíticadesuasbases.NodiálogocomoutrasexperiênciasnacionaispresentesnessaSL,buscar-se-á construirumacríticaà autoconstrução, apartir desse potencial que ainda não é plenamente aproveitado dentro das lutas urbanas dacidade.