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ASPECTOS TAXONÔMICOS, ALIMENTAÇÃO E REPRODUÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU) (ELASMOBRANCHII:POTAMOTRYGONIDAE) NO RIO PARANÃ-TOCANTINS GETULIO RINCON FILHO Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia). Rio Claro Estado de São Paulo-Brasil Março de 2006

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ASPECTOS TAXONÔMICOS, ALIMENTAÇÃO E

REPRODUÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon

orbignyi (CASTELNAU)

(ELASMOBRANCHII:POTAMOTRYGONIDAE) NO RIO

PARANÃ-TOCANTINS

GETULIO RINCON FILHO

Tese apresentada ao Instituto de Biociências daUniversidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia).

Rio Claro Estado de São Paulo-Brasil

Março de 2006

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ASPECTOS TAXONÔMICOS, ALIMENTAÇÃO E

REPRODUÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon

orbignyi (CASTELNAU)

(ELASMOBRANCHII:POTAMOTRYGONIDAE) NO RIO

PARANÃ-TOCANTINS

GETULIO RINCON FILHO

Orientador: Prof. Dr. MIGUEL PETRERE JR.

Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia).

Rio Claro Estado de São Paulo-Brasil

Março de 2006

Agradecimentos

Agradeço aos meus pais, Getulio e Regina, pelo apoio, carinho e amor e aos meus

irmãos e irmãs, Regina, Lara, Rafael, Daniel, Estevão e Pepê.

À Claudia, por seu amor, carinho, paciência, força e por tudo mais. Sem você eu nunca

chegaria a esse ponto da minha vida. À minha família de coração, Dona Socorro, Seu

Hugo, Huguinho e Paulo, pelo apoio e carinho.

Ao meu orientador Prof. Dr. Miguel Petrere, pelo apoio, amizade, ensinamentos, puxões

de orelha e por me mostrar o caminho para me tornar um melhor pesquisador e ser

humano.

Aos membros da banca examinadora: Dr. Teodoro Vaske Jr., Dr. Otto B. F. Gadig, Dr.

Roberto Goitein e Dr. Paulo Emílio Vanzolini. Muito obrigado por seus comentários e

ajuda para o aprimoramento da tese.

Aos colegas de pós-graduação, ou não, que me apoiaram durante estes anos: Janice,

Marcelo, Kotas, Serguei, Saul, Lúcia, Jerry, Agostinho, Alonso, Yzel, Henrique,

Letizia, Tuca, Cinthia, Leandro, Rafael, Fábio, Sidney, Isabela, Simone, Valéria, Silvia,

Dona Maria, Beraldo, Denise e Andrea.

Aos amigos que não mediram informações e troca de experiências em conversas

infindáveis sobre as raias de água doce, Patricia Charvet-Almeida, Mauricio Almeida,

Lúcia Araújo e Ricardo Rosa. Em especial agradeço à Patricia e Maurício por sempre

me receberem com carinho em Belém e pela saída de campo na baía de Marajó em

2000.

Aos meus alunos de graduação do UniCEUB Ana, Francisco e Rodrigo, muito obrigado

pela convivência com vocês e pela ajuda nas análises dos animais e na morfometria.

Ao amigo Matthias Stehmann, pela ajuda na saída de campo, sugestões, idéias,

bibliografia, divulgação e inúmeras xícaras de chá tomadas na varanda.

Ao Prof. Dr. Hugo P. Castello, muito obrigado pela ajuda e atenção em enviar as

últimas separatas originais de seus trabalhos com raias de água doce na década de 70.

À Sharon Thorson, obrigado por enviar informações e livros de seu pai, Dr. Thomas

Thorson, sobre o seu trabalho com raias de água doce na América do Sul.

Ao meu irmão Pedro Paulo, Pepê, pela ajuda nas saídas de campo, noites mal dormidas

nas margens dos rios e por estar comigo no acidente de carro durante a última saída de

campo numa estrada de terra no meio do Tocantins. Muito obrigado.

Aos ladrões que roubaram meu computador e todos os meus cd’s de arquivos e

programas, agradeço por não terem levado meus cd’s de backup. A Deus, por não ter

deixado os ladrões levarem os cd’s de backup, escondendo-os debaixo de uma única

folha de papel sobre a mesa.

À Profa. Dra. Elineide E. Marques da Universidade Federal do Tocantins, que

compartilhou informações não publicadas sobre as raias de água doce do médio

Tocantins.

À Profa. Dra. Maria Julia Martins Silva da Universidade de Brasília, pelo apoio na

identificação de invertebrados bentônicos, principalmente os moluscos, encontrados na

alimentação das raias de água doce.

À CAPES, pela bolsa de doutorado.

À Tatiana Walter, pela amizade, ajuda e apoio. Brigadão Tati!

Ao Chicago Zoological Society, pelo financiamento do projeto de Conservação das

Raias de Água Doce do Rio Tocantins e que forneceu a oportunidade de colher maiores

informações sobre a gestação e comportamento em cativeiro destes animais.

Ao Monterey Bay Aquarium pelo apoio financeiro e material logístico de campo, em

especial à Dra. Ava Ferguson.

Ao IBAMA, pelo fornecimento das licenças de pesca, transporte e exposição de raias.

Ao Ray Troll, pelo apoio e ajuda nos projetos com as raias de água doce ao ceder uma

de suas obras para ilustrar os folders.

À ACEPOPA, pelo financiamento parcial do Programa de Monitoramento da Pesca

Ornamental de Raias de Água Doce, que ofereceu oportunidade de coleta de material

comparativo, estudo da dinâmica da pesca ornamental e infra-estrutura para futuras

coletas.

Ao UniCEUB, principalmente nas pessoas das Dra.’s Magda Carvalho Branco,

coordenadora do Labocien e Marta Rodrigues, coordenadora do curso de Biologia, pela

amizade, uso dos laboratórios e apoio logístico.

À IUCN Sharks Specialist Group-SSG, principalmente Sarah Fowler e Rachel

Cavanagh, que apoiaram a pesquisa e sempre abriram espaço para a sua divulgação no

boletim Shark News.

À Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios-SBEEL, principalmente na

pessoa de sua ex-presidenta, Dra. Rosangela Lessa, que apoiou institucionalmente o

projeto de conservação e acompanha o monitoramento da pesca ornamental.

Ao Museu Paraense Emilio Goeldi-MPEG, Instituto Nacional de Pesquisas da

Amazônia-INPA e Universidade Federal da Paraíba-UFPB (em especial ao Prof. Dr.

Ricardo Rosa) por permitirem a análise de suas coleções de raias de água doce.

A Deus, muito obrigado.

ÍNDICE

Página

RESUMO...........................................................................................................................i

ABSTRACT.....................................................................................................................iii

INTRODUÇÃO GERAL..................................................................................................1

CAPÍTULO I – AS RAIAS DE ÁGUA DOCE DO RIO PARANÃ, ALTO

TOCANTINS. ASPECTOS TAXONÔMICOS E DISTRIBUIÇÃO DE

Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU, 1855)...............................................................5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................5

MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................7

RESULTADOS...............................................................................................................11

As Espécies......................................................................................................................11

Potamotrygon orbignyi....................................................................................................11

Potamotrygon sp. A…………………….........................................................................26

Paratrygon aiereba..........................................................................................................31

Identificação....................................................................................................................36

Distribuição de Potamotrygon orbignyi no rio Paranã....................................................38

Variabilidade do Colorido em Potamotrygon na Bacia Tocantins-Araguaia..................42

DISCUSSÃO...................................................................................................................45

LITERATURA CITADA................................................................................................53

Anexo 1............................................................................................................................60

CAPÍTULO II – ALIMENTAÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon

orbignyi NO RIO PARANÃ, ALTO TOCANTINS....................................................62

INTRODUÇÃO...............................................................................................................62

MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................................64

RESULTADOS...............................................................................................................69

Morfologia do Sistema Digestório..................................................................................69

A Captura.........................................................................................................................72

Dieta e Hábitos Alimentares............................................................................................73

Grau de Repleção e Digestão...........................................................................................79

Nível Trófico...................................................................................................................83

DISCUSSÃO...................................................................................................................86

LITERATURA CITADA................................................................................................93

CAPÍTULO III – REPRODUÇÃO DE Potamotrygon orbignyi NO RIO PARANÃ,

ALTO TOCANTINS...................................................................................................101

INTRODUÇÃO.............................................................................................................101

MATERIAL E MÉTODOS...........................................................................................103

RESULTADOS.............................................................................................................105

Tamanho de Maturação.................................................................................................105

O Sistema Reprodutor...................................................................................................109

Fecundidade Ovariana e Uterina...................................................................................114

Índice Hepatossomático.................................................................................................116

Ciclo Reprodutivo..........................................................................................................117

Idade de Maturação.......................................................................................................118

DISCUSSÃO.................................................................................................................119

LITERATURA CITADA..............................................................................................124

CONCLUSÃO GERAL................................................................................................129

i

RESUMO

A raia de água doce Potamotrygon orbignyi do rio Paranã, alto Tocantins, foi analisada

quanto a aspectos de sua taxonomia, identificação, alimentação e reprodução. Duas

espécies de raias de água doce do gênero Potamotrygon, P. orbignyi e Potamotrygon sp.

A (uma espécie ainda não descrita), e Paratrygon aiereba ocorreram nas capturas no rio

Paranã. P. orbignyi é identificada principalmente com base na sua morfologia e fórmula

dentária, colorido dorsal do disco, uma única fileira de espinhos caudais e presença de

sulco labial. Uma chave de identificação para as espécies do rio Tocantins é proposta

com base em caracteres externos. P. orbignyi e P. aiereba possuem ampla distribuição

na bacia Tocantins-Araguaia e são reportadas desde o médio Araguaia até o alto

Tocantins. O principal item alimentar de P. orbignyi foi ninfas de Ephemeroptera

(87,5% - IRI%), seguido por larvas de Diptera (10,6%) e Trichoptera (1,6%). Não foram

observadas diferenças significativas quali e quantitativamente na alimentação entre as

estações da seca e chuvas, entre machos e fêmeas, ou entre o dia e a noite. Contudo,

exemplares imaturos e adultos apresentaram diferença significativa, onde os jovens (até

180 mm LD) se alimentam principalmente de larvas de Diptera, enquanto que os

adultos de ninfas de Ephemeroptera. As raias Potamotrygonidae apresentaram um nível

trófico intermediário (NT = 3,76), predominantemente como consumidores secundários

(NT<4). O nível trófico apresentou correlação positiva significativa com a LD máxima.

A maturidade sexual (LD50) ocorreu aos 251 mm LD nos machos e 260 mm LD nas

fêmeas. A fecundidade uterina foi de um filhote por gestação e o parto da maior parte da

população adulta ocorreu nas chuvas, entre setembro e fevereiro. Os filhotes nascem

com aproximadamente 115 mm LD e pesos totais em torno dos 60 gramas, o que

ii

corresponde a um ganho de peso de 1605% em relação ao peso do ovo (3,8 g). A

variabilidade do índice hepatossomático ao longo do ano evidenciou uma queda nas

reservas hepáticas na estação da seca e acúmulo destas reservas durante as chuvas. Com

base na leitura de anéis etários em vértebras e a sua relação com o tamanho estimado de

maturidade sexual, a idade de maturação foi estimada em 5 anos e a longevidade

máxima de 10 anos em P. orbignyi.

iii

ABSTRACT

The smooth back river stingray Potamotrygon orbignyi of the Paranã river, upper

Tocantins river, was studied in relation to its taxonomy, identification, feeding and

reproduction aspects. Two Potamotrygon species, P. orbignyi and Potamotrygon sp. A

(undescribed species), and Paratrygon aiereba were also captured in the Paranã river.

P. orbignyi was identified based on the morphology of the tooth and its formula, dorsal

color pattern, one single row of spines on the tail and the presence of a labial fold. It is

proposed a key to the species of freshwater stingrays of the Tocantins river based

mainly on external characters. P. orbignyi and P. aiereba presented a broad distribution

in the Tocantins-Araguaia basin and records from the middle Araguaia to the upper

Tocantins river. Nymphs of Ephemeroptera (87,5% - IRI%) were the most important

feeding content of P. orbignyi, followed by Diptera (10,6%) and Trichoptera larvae

(1,6%). Comparisons between rainy and dry seasons, males and females, or day and

night periods have showed no evidence of difference in the specific composition or

amount of food ingested. However, immature specimens (especially those smaller than

180 mm disc width-DW) feed mainly on Diptera larvae, while adults feed on nymphs of

Ephemeroptera. The freshwater stingrays of the family Potamotrygonidae are in

intermediate trophic position (NT = 3,76) and they are largely second level consumers

(NT<4). Their disc width and trophic level presented a positive and highly significative

correlation. The sexual maturity (DW50) was estimated to occur in 251 mm DW for

males and 260 mm DW for females. The uterine fecundity per gestation was just one

embryo and the parturition occurred along the rainy season for most of the reproductive

population (September to February). The neonates are estimated to have 115 mm DW

iv

and 60 grams of total weight, which corresponds to a weight increase of 1605% in

relation to the initial ova weight (3,8 g). The hepatosomatic index variation along the

year indicates a lower hepatic reserve condition in the dry season and higher reserve

hepatic condition in the rainy season. Based on readings of vertebral rings, the sexual

maturity was estimated to occur at the age of 5 with a maximum longevity of 10 years.

1

Introdução Geral

As raias de água doce Neotropicais pertencem à família Potamotrygonidae

GARMAN e estão restritas a três gêneros reconhecidos, Potamotrygon, Paratrygon e

Plesiotrygon. Dentre as características em comum que determinam a inabilidade destas

raias em viver em ambiente marinho estão a redução da glândula retal e as baixas

concentrações de uréia no sangue (THORSON et al., 1983). A presença de um processo

pré-pélvico longo que se estende anteriormente até quase atingir a cintura peitoral

também é uma sinapomorfia deste grupo (THORSON et al., 1983, ROSA, 1985;

CARVALHO et al., 2003). Os gêneros Paratrygon e Plesiotrygon são monotípicos,

enquanto que Potamotrygon apresenta um número maior de espécies, podendo variar

segundo os autores de 16 (+3 a +6, segundo levantamento deste autor) a 18 (+2)

(ROSA, 1985; CARVALHO et al., 2003).

Embora as raias de água doce apresentem um longo registro histórico científico

datando do período colonial (q. v. CASTEX, 1963) e tenham sido tema de pesquisas

desenvolvidas entre as décadas de 60 e 70 (CASTEX, 1964, 1969; CASTEX et al.,

1963; CASTELLO, 1975; ACHENBACH & ACHENBACH, 1976), observa-se nestes

trabalhos uma análise pontual, baseada em poucos exemplares e sem preocupação com

o policromatismo expresso pelo grupo, o que gerou posteriormente um certo grau de

confusão. As principais questões taxonômicas da família Potamotrygonidae começaram

a ser elucidadas com a revisão de ROSA (1985a) e seus trabalhos subseqüentes (ROSA,

1985b, 1990; ROSA et al., 1987). Estudos filogenéticos procurando esclarecer a relação

das raias de água doce com as demais Myliobatiformes, e a sua possível origem no

Pacífico ou no Atlântico tomaram impulso na mesma época ou quase que

2

imediatamente após os primeiros resultados de ROSA (1985a, 1985b) e evidenciaram a

necessidade de uma melhor amostragem taxonômica e a escolha de caracteres

consistentes e com maior poder de inferência filogenética (BROOKS et al., 1981;

NISHIDA, 1990; LOVEJOY, 1996; LOVEJOY, 1997; LOVEJOY et al., 1998;

McEACHRAN et al., 1996; MARQUES, 2000; McEACHRAN & ASCHLIMAN,

2004; CARVALHO et al., 2004; GONZÁLEZ-ISÁIS & DOMINGUEZ, 2004). De

forma geral, estes estudos reiteram a monofilia da família Potamotrygonidae, e que o

evento invasivo no continente sul-americano ocorreu por um ancestral comum entre o

Eoceno e o Mioceno (54-5 milhões de anos atrás) (para maiores detalhes veja

CARVALHO et al., 2004). Contudo, o gênero Potamotrygon, o mais diverso da família

com aproximadamente 16-18 espécies, apresenta discordância quanto à sua suposta

origem comum (MARQUES, 2000) e ainda necessita melhor resolução filogenética.

Apesar do desenvolvimento recente dos estudos taxonômicos e filogenéticos do

grupo das raias de água doce, a biologia básica, ecologia e dinâmica populacional destes

animais ainda continuavam em sério descompasso com o desenvolvimento da

taxonomia. THORSON et al. (1983) foram os primeiros a descrever aspectos da

reprodução de P. motoro baseados em exemplares em cativeiro, ultrapassando o limite

da observação casual de poucos exemplares. Publicações sobre a biologia reprodutiva

ou alimentação continuaram durante os anos seguintes com P. magdalenae (TESHIMA

& TAKESHITA, 1992), P. orbignyi e Paratrygon aiereba (LASSO et al., 1996),

Potamotrygon sp. do rio Negro (ARAÚJO, 1998), Plesiotrygon iwamae (CHARVET-

ALMEIDA, 2001) e P. scobina (ALMEIDA, 2003) e com uma recente revisão sobre

aspectos da reprodução de cinco espécies, P. orbignyi, P. scobina, P. schroederi, P.

3

motoro, Potamotrygon sp. (raia cururu do rio Negro), P. aiereba e P. iwamae

(CHARVET-ALMEIDA et. al., 2005).

A raia de água doce Potamotrygon orbignyi apresenta ampla distribuição nas

bacias Amazônica e do Orinoco e em rios do Suriname e Guianas (CARVALHO et al.,

2003). LASSO et al., (1996) descreveram aspectos gerais da alimentação desta espécie

nos “llanos” Venezuelanos e identificaram esta espécie como predominantemente

insetívora, podendo se alimentar também de crustáceos. Estes autores relatam ainda

baixa fecundidade uterina e apontam evidências de atividade reprodutiva constante, com

maior incidência de partos ocorrendo na estação das chuvas. BRAGANÇA et al., (2004)

corroboram com a identificação de P. orbignyi como uma espécie insetívora e

CHARVET-ALMEIDA et al., (2005) apontam diferenças nos parâmetros reprodutivos

(fecundidade e tamanho de maturidade) desta espécie em exemplares capturados na baía

de Marajó. Embora tenha sido descrita para a bacia do Tocantins-Araguaia

(CASTELNAU, 1855), P. orbignyi não possui estudos quanto à sua taxonomia ou

variabilidade policromática, distribuição, alimentação e reprodução nesta bacia. A

lacuna de informações sobre as raias de água doce favorece um comportamento

corriqueiro por parte dos ictiólogos ao ignorar este grupo de animais e leva a engano nas

identificações em trabalhos bem intencionados e pioneiros realizados com as raias da

bacia Tocantins-Araguaia (PANTANO-NETO, 2001 possivelmente em parte do

material identificado).

Historicamente as raias de água doce não são consumidas pelas comunidades da

bacia do Tocantins-Araguaia, salvo por eventual uso medicinal do fígado e ferrão, que

são tidos como eficientes no tratamento de diversas enfermidades como asma, alergia,

dor de cabeça e outros. Contudo, recentemente uma pesca ornamental destas raias se

4

desenvolveu em certos pontos do baixo rio Tocantins, no Estado do Pará, e ao menos

duas espécies estão sendo capturadas para a comercialização no mercado internacional

(P. henlei e P. orbignyi). Desde de 2003, duas Portarias do IBAMA (Portaria No 36 de

25 de junho de 2003 e Portaria No 27 de 31 de agosto de 2005) autorizaram a pesca e

comercialização de raias de água doce e até o momento 2600 exemplares de P. henlei e

4600 exemplares de P. orbignyi foram capturados, de acordo com os números limites

estabelecidos pela portaria 36 e 27. O comércio destas duas espécies de raias equivale a

um montante aproximado entre US$88.000 a US$160.000, dependendo do mercado

final e do padrão de colorido da raia, e justifica a preocupação com a manutenção destes

estoques no baixo Tocantins, tendo em vista que a tendência atual é de expansão desta

pescaria, tanto pelo aumento das quotas de captura quanto pela busca de novos padrões

de colorido em outras regiões.

Desta forma, esta tese trata da identificação de P. orbignyi na bacia Tocantins-

Araguaia – com especial ênfase nos animais capturados no rio Paranã, alto Tocantins –

descrição de sua variabilidade de colorido, distribuição, análise de aspectos

taxonômicos, alimentação e reprodução, a fim de fornecer subsídios para uma

identificação de população/estoque com base em parâmetros biológicos para um correto

manejo frente ao recente crescimento da pesca ornamental ou possíveis impactos

ambientais.

5

CAPÍTULO I

As Raias de Água Doce do Rio Paranã, Alto Tocantins.

Aspectos Taxonômicos e Distribuição de Potamotrygon

orbignyi (CASTELNAU, 1855)

INTRODUÇÃO

Embora as raias de água doce sejam peixes de médio-grande porte (e.g.

Potamotrygon brachyura e Paratrygon aiereba, ROSA, 1985), e podendo pesar até 50

quilos, esses animais são geralmente ignorados ou fracamente considerados em

avaliações íctio-faunísticas em diversas bacias hidrográficas (SANTOS et al., 1984;

GÉRY, 1984; ORTEGA & VARI, 1986; PLANQUETTE, et al., 1996; GALVIS et al.,

1997; FERREIRA et al., 1998). Esta indiferença muito se deve à dificuldade de

6

identificação do material coletado, ao grande porte dos animais, o que dificulta sua

preservação e transporte para posterior análise e à falta de pesquisadores especialistas na

área para identificar corretamente as espécies encontradas. Da mesma forma, e pelos

mesmos motivos, não há estudos sistemáticos sobre a diversidade da chondrofauna nos

rios da bacia Tocantins-Araguaia (q. v. PAIVA, 1983; SANTOS et al., 1984).

Recentemente PANTANO-NETO (2001), em seu estudo de anatomia descritiva

funcional associada à alimentação em P. motoro e P. henlei, identificou diversas

espécies de raias de água doce para o rio Cristalino, médio Araguaia, incluindo P.

castexi, P. leopoldi e P. ocellata. No entanto, P. castexi pertence à bacia do rio Paraná e

seus registros na bacia Amazônica são questionados; P. leopoldi é considerada

endêmica do rio Xingu e P. ocellata possui registros esporádicos no baixo Amazonas,

sua validade taxonômica é duvidosa e não possui registro no rio Tocantins

(CASTELLO & YAGOLKOWSKI, 1969; CASTEX & CASTELLO, 1970; ROSA,

1985; CARVALHO et al., 2003). Estas identificações equivocadas evidenciam a notória

fragilidade de qualquer estudo biológico ou medida de manejo sem a identificação e a

descrição das espécies envolvidas.

Estudos recentes indicam que uma abordagem a partir de uma escala

microrregional pode ser o melhor caminho para uma correta estimativa da riqueza de

raias de água doce nas bacias hidrográficas onde ocorrem (ARAÚJO, 1998;

CHARVET-ALMEIDA, 2001 e ALMEIDA, 2003). O policromatismo intra-específico,

a dificuldade de identificação correta, amostras pequenas e sem boa representatividade e

a possibilidade de endemismos nas cabeceiras dos rios (ROSA, 1985) dificultam os

estudos biogeográficos e sistemáticos destes animais (NISHIDA, 1990; LOVEJOY,

1996; MARQUES, 2000). Somente com levantamentos faunísticos regionais a

7

verdadeira riqueza biológica poderá ser estimada, promovendo o desenvolvimento de

estudos sistemáticos envolvendo todas as espécies do grupo, corrigindo a validade dos

caracteres morfológicos e estimando sua variabilidade intra-específica, e

conseqüentemente, fornecendo maior poder de inferência filogenética às análises

(HILLIS, 1996).

Desta forma, este trabalho trata da identificação das raias de água doce do rio

Paranã, afluente do alto Tocantins e de sua distribuição na bacia Tocantins-Araguaia

com base em amostragens complementares realizadas desde o ano 2000. Esta

identificação será apresentada para fins práticos como um guia de campo, onde os

animais podem ser identificados sem dissecações para análise de suas estruturas

internas. Este tipo de identificação é crucial para o acompanhamento da pesca

ornamental, a fim de validar o manejo pesqueiro destes recursos, que atualmente é

baseado em quotas específicas de exportação.

MATERIAL E MÉTODOS

O material analisado consiste de 223 exemplares identificados previamente

segundo ROSA (1985) e pelo conjunto das seguintes características: colorido dorsal do

disco, colorido ventral da cauda, morfologia dentária, presença de sulco labial e número

de fileiras de espinhos na cauda. Todos os exemplares analisados foram coletados no

médio rio Paranã, afluente do alto Tocantins, às margens do município de Paranã-TO,

próximo à divisa com o Estado de Goiás (Fig. 1), com zagaia (arpão de mão) durante a

noite com o uso de facho luminoso, tarrafa e espinhel de fundo com 25 anzóis nos anos

de 2002 (janeiro-abril e agosto-dezembro) e 2003 (janeiro e agosto-setembro) e no alto

8

Paranã nas proximidades do município de Formosa-GO, distante 48 km do Distrito

Federal.

Figura 1. Identificação da área de coleta no rio Paranã às margens do município de

Paranã-TO e a distribuição da captura ao longo da área de coleta. Pontos pretos referem-

se a exemplares de P. orbignyi com cauda e os vermelhos aos exemplares sem cauda.

Os exemplares coletados foram ainda comparados a espécimes adicionais

depositados em museus e instituições de pesquisa (Museu Paraense Emílio Goeldi-

MPEG, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e Universidade Federal da

Paraíba-UFPB). A distribuição geográfica destas espécies ao longo da bacia Tocantins-

Araguaia foi inferida a partir de registros de captura dos animais depositados em

coleções e de cruzeiros adicionais efetuados no médio Araguaia (Município de Aruanã-

9

GO em junho de 2001) e baixo Tocantins (Municípios de Marabá e Tucuruí-PA em

julho e agosto de 2000, junho e julho de 2004 e maio de 2005) utilizando a mesma

metodologia de pesca descrita para os animais coletados no rio Paranã. Uma listagem

dos exemplares analisados e tombados em diferentes instituições encontra-se no Anexo

I. A terminologia do colorido segue ROSA (1985) e ALMEIDA (2003).

O colorido das espécies de Potamotrygon ocorrentes na bacia Tocantins-

Araguaia foi considerado para a inferência do padrão de colorido primitivo de

Potamotrygon para esta bacia hidrográfica. A análise do colorido para as espécies do rio

Tocantins segue a hipótese filogenética proposta por MARQUES (2000) com base em

seqüências genéticas do citocromo-b, que embora não inclua todas as espécies

ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia, atualmente é a única hipótese disponível que

considera o maior número possível de espécies do rio Tocantins para tal análise.

Somente parte do cladograma proposto por este autor, onde as espécies ocorrentes no

rio Tocantins estão agrupadas, foi considerada para esta análise (Figura 2.2-B, página

11). Os padrões de colorido considerados foram os observados como predominantes nas

capturas no rio Tocantins ou identificados por ROSA (1985) para cada espécie.

A morfometria segue ROSA (1985), modificada na inclusão das seguintes

medidas: 3-Largura do Disco aos Olhos (máxima largura do disco na linha

imediatamente posterior aos olhos); 4-Largura do Disco na Origem das Nadadeiras

Pélvicas (máxima largura do disco na linha por sobre a margem anterior das nadadeiras

pélvicas) e 22-Comprimento da Abertura Cloacal (comprimento máximo da abertura

cloacal). Todas as medidas foram tomadas com paquímetro em milímetros. A

morfometria do neurocranium também segue ROSA (1985), modificada com a inclusão

das seguintes medidas: 2-Comprimento Pré-Fontanela (comprimento desde a margem

10

anterior do crânio até a margem anterior da fontanela); 4-Largura do Crânio no Processo

Pós-Orbital (largura máxima do crânio através dos processos pós-orbitais); 6-

Comprimento da Fontanela Anterior (comprimento longitudinal da fontanela anterior);

8-Comprimento da Fontanela Posterior (comprimento longitudinal da fontanela

posterior); 9-Altura do Crânio nas Cápsulas Nasais (altura máxima do crânio na região

das cápsulas nasais); 10-Altura do Crânio na Cápsula Ótica (altura máxima do crânio na

região da cápsula ótica); 11-Largura do Forâmen do Nervo Óptico; 12-Largura do

Crânio no Processo Pré-Orbital (largura máxima do crânio através dos processos pré-

orbitais). Todas as medidas do neurocranium foram tomadas em centésimos de

milímetros com paquímetro digital Starrett.

A contagem de dentes e sua descrição foram feitas macroscopicamente ou

através de lupa estereoscópica (Nikon) e segue STEHMANN (1977). As contagens

foram expressas em fórmulas dentárias onde o numerador representa o número de

fileiras de dentes na arcada superior e o denominador representa o número de fileiras de

dentes na arcada inferior. A terminologia dentária segue HERMAN et al. (1999),

enquanto a terminologia para as estruturas do esqueleto segue COMPAGNO (1999) e

NISHIDA (1990) e ROSA (1985) para o clásper.

Todos os testes estatísticos foram executados pelos programas STATISTICA 5.5

da STATSOFT e Excel 2002 da Microsoft e consideraram o nível de significância de

5%.

11

RESULTADOS

As Espécies

Após a identificação preliminar, foram identificadas três espécies para o rio

Paranã. Duas espécies, Potamotrygon orbignyi e Paratrygon aiereba, apresentam ampla

distribuição na bacia Amazônica. Uma segunda espécie de Potamotrygon também foi

encontrada e identificada previamente como Potamotrygon sp. A, tendo em vista que

não se encaixa em nenhuma outra espécie já descrita e provavelmente se trata de uma

espécie nova. Ainda como resultado das amostragens complementares no baixo

Tocantins, na região de Marabá-PA, também foi identificada uma segunda espécie não

descrita e muito semelhante a P. henlei. Esta espécie está sendo descrita como parte de

uma revisão e redescrição de P. henlei e será denominada neste trabalho de

Potamotrygon sp. B.

A Tabela 1 apresenta a descrição das três espécies encontradas no rio Paranã em

termos percentuais de sua largura de disco (LD). A Tabela 2 apresenta a morfometria

dos neurocrania para as espécies P. orbignyi, P. henlei, P. scobina, Potamotrygon sp.A

e Potamotrygon sp. B em termos percentuais de seu comprimento.

Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU, 1855)

Sinonímia - q. v. CARVALHO et al. (2003) para uma revisão. Localidade tipo no rio

Tocantins sem identificação do ponto de coleta. Holótipo MNHN 2333. Exemplar

preservado seco, com somente partes do corpo remanescentes (pele, cauda, olhos,

12

arcadas e nadadeiras pélvicas) (ROSA, 1985; Dr. Bernard Séret1, comunicação pessoal)

(Fig. 2).

Tabela 1. Descrição das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no rio Paranã.

Potamotrygon orbignyi Potamotrygon sp. A Paratrygon aierebaN Min Máx Média Var N Min Máx Média Var N Min Máx Média Var

1 Comprimento Total 64 230 880 433 15152 7 328 770 592 25736 16 501 838 637 103172 Largura do Disco 74 147 467 236 3928 8 264 452 364 5937 20 228 540 406 75873 Largura do Disco aos Olhos 74 125 400 198 2599 8 234 392 319 3922 20 218 506 375 6064

4Largura do Disco na Origem das Nadadeiras Pélvicas

73 121 385 200 2875 8 232 386 316 4568 19 187 491 342 5905

5 Comprimento do Disco 74 155 522 256 5103 8 283 489 397 7892 20 249 581 435 79056 Comprimento Interno do Disco 74 134 483 223 4085 8 247 439 351 6521 20 219 529 390 67707 Comprimento do Olho 74 7 17 11 4 8 10 14 12 2 20 5 8 7 18 Comprimento Espiracular 74 10 49 18 28 8 13 30 23 51 20 9 20 14 119 Largura Interocular 69 29 96 48 169 8 49 85 68 198 20 28 62 48 10610 Largura Interespiracular 73 25 76 40 110 8 50 80 66 142 20 27 67 49 11511 Comprimento Pré-Ocular 74 38 129 61 300 8 71 122 97 445 20 69 168 123 67812 Largura da Cauda na Base 74 15 66 29 105 8 30 61 47 141 20 12 38 26 3913 Largura da Cauda no Espinho 65 6 25 13 17 6 15 25 21 14 18 7 17 11 814 Altura da Cauda na Base 74 9 43 19 45 8 20 39 31 56 20 9 33 17 3215 Comprimento do Ferrão 61 34 96 57 221 6 73 98 86 110 12 19 46 30 8216 Boca Escapulocoracoide 74 44 184 78 571 7 80 139 114 579 20 50 110 82 31417 Boca Cloaca 72 93 367 163 2650 8 172 309 242 3056 20 121 291 215 1977

18 Boca 1o Fenda Branquial 69 18 71 33 106 7 43 67 55 120 19 19 50 37 72

19 Focinho 1o Fenda Branquial 69 37 156 77 459 7 103 172 135 849 19 93 236 164 1270

20 Cloaca ao Ferrão Caudal 63 63 264 117 1595 6 122 198 166 1041 17 45 134 89 54321 Comprimento Pré-Cloacal 72 125 451 208 3767 8 231 411 321 5177 20 189 488 344 564722 Comprimento da Abertura Cloacal 72 6 30 13 23 8 13 29 22 39 18 13 37 24 4323 Comprimento Pré-Oral 74 28 89 45 124 8 60 103 79 265 20 70 184 126 81524 Comprimento Pré-Narial 74 21 65 35 71 8 43 73 58 120 20 66 180 117 744

25Comprimento do Cesto Branquial (=1o a 5o Fendas Branquiais)

73 25 81 41 144 8 33 58 49 112 20 23 54 40 69

26Largura do Cesto Branquial (=Largura entre 1o' s Fendas Branquiais)

64 33 119 57 327 6 64 103 82 318 19 48 121 86 367

27 Largura da Boca 73 12 46 23 49 8 26 46 37 54 19 23 53 37 7428 Comprimento da Narina 74 5 28 13 18 8 12 23 19 19 20 2 7 4 229 Largura Internarial 73 12 36 19 25 8 22 33 29 17 20 19 45 33 6030 Comprimento da Cauda 63 8 410 213 3771 6 217 334 287 2366 17 109 413 265 11040

31Largura da Nadadeira Pélvica (=Largura da Margem Posterior da Pélvica)

74 30 154 69 518 8 69 128 104 484 20 42 119 83 427

32Comprimento da Nadadeira Pélvica (=Comprimento da Margem Anterior da Pélvica)

74 33 100 54 197 8 63 113 91 455 20 38 88 62 168

33Comprimento da Base da Nadadeira Pélvica

74 15 104 43 284 8 43 101 73 509 20 28 89 55 243

34 Comprimento do Clasper 36 10 71 30 384 4 25 113 75 1939 11 9 61 41 395

35Comprimento da Cauda Desde a MargemPosterior do Disco à Inserção do Espinho

64 45 251 94 1403 6 100 176 131 832 17 15 50 32 77

36 Comprimento Pré-Pélvico 35 139 422 205 3724 6 337 492 399 2911

37 Comprimento da Cauda (Cloaca) 34 145 415 223 3773 5 141 196 171 72438 Número de Espinhos na Cauda* 35 7 47 20 74 8 28 63 46 152 5 50 110 82 61739 Número de Fileiras de Espinhos* 35 1 1 1 0 8 1 3 2 0 5 4 6 5 1

40 Número de Dentes da Arcada Superior* 30 26 38 29 7 3 13 20 20 25 7 17 23 23

41 Número de Dentes da Arcada Inferior* 30 24 36 28 7 3 19 22 1 7 13 22 20

42 Número de Voltas da Válvula Espiral* 18 16 17 16 0 3 14 14 14 0 9 12 14 14 0

43 Número de Papillas Orais Desenvolvidas* 20 5 5 5 0 3 3 3 3 0 12 _ _ _ _

1 Dr. Bernard Séret – Museu Nacional de História Natural-MNHN, Paris-França.

13

Figura 2. Fotografia de holótipo de P. orbignyi depositado no Museu Nacional de

História Natural (MNHN-2333). Foto enviada pela equipe do MNHN.

Distribuição no rio Paranã – registrada ao longo do médio e baixo Paranã; sem

registros no alto Paranã.

Nomes comuns - raia ou arraia branca ou arraia de fogo. Em todas as regiões

amostradas, o nome arraia é mais freqüentemente utilizado.

Diagnose - Esta raia caracteriza-se por possuir sulco labial desenvolvido, margeando os

cantos da boca e se estendendo de cada lado em direção à sínfise por aproximadamente

1/4 da largura da boca; musculatura débil da boca e a mesma pode ser aberta com a

mão, mesmo após a fixação; cinco papilas orais centrais no interior da boca; dentes

muito pequenos, com a coroa triangular e levemente monocúspide em machos e

trapezóide tricúspide em fêmeas; arranjados em 29-40 fileiras na arcada superior e 24-

42 fileiras na arcada inferior; uma única fileira de espinhos caudais, ocasionalmente

14

espinhos acessórios distribuídos aleatoriamente. P. orbignyi pode ser ainda confundida

com P. scobina, que se distribui no médio e baixo Tocantins e no rio Araguaia, mas P.

scobina não possui sulco labial acentuado, seu colorido ventral da cauda desde sua

origem não forma listras transversais, seus dentes são mono-cúspides e relativamente

maiores que os de P. orbignyi , e o colorido dorsal de adultos nunca forma retículas

hexagonais em fundo uniforme.

Tabela 2. Morfometria do neurocrania das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no

rio Tocantins. Os valores estão expressos em porcentagem do comprimento do

neurocranium

Medidas P. orbignyi P. orbignyi P. scobina P. sp. B P. henlei P. sp. ANúmero ES-15 ES-06 SN 31 SN 691005

Sexo Fêmea Fêmea Macho Fêmea Fêmea FêmeaComprimento do Neuro. (mm) 102.19 82.16 94.36 128.46 170 72.75Comprimento Pré-Fontanela 20.40 14.53 15.33 17.45 16.14 18.63Largura do Neuro. na Cápsula Nasal 56.41 55.61 66.25 60.42 64.25 64.18Largura do Neuro. no Processo Pós-Orbital 62.17 64.59 64.24 73.38 82.36 70.56Largura Interorbital 20.53 23.39 29.10 32.31 39.66 36.85Comprimento da Fontanela Anterior 25.09 25.06 19.92 23.74 24.96 23.11Largura da Fontanela Anterior 19.15 20.92 25.93 28.23 33.55 27.01Comprimento da Fontanela Posterior 42.20 41.91 43.24 42.77 45.03 39.70Altura do Neuro. nas Cápsulas Nasais 18.96 26.20 25.51 24.65 28.26 25.68Altura do Neuro. nas Cápsulas Óticas 26.92 24.50 22.13 23.88 25.34 25.10Largura do Forâmem do Nervo Ótico 16.04 13.78 6.17 8.87 7.89 7.42Largura do Neuro. no Processo Pré-Orbital 69.60 71.03 65.63 67.08 72.36 70.76

Variabilidade do colorido – Esta espécie apresenta policromatismo acentuado no

dorso do disco; o colorido dorsal de P. orbignyi apresentou seis padrões distintos

(reticulado, pontilhado, ocelado, spot, vermiculado e roseta-modificada) e seus

intermediários, onde os padrões se mesclam. O padrão mais conhecido é o reticulado

(Fig. 3c), sendo que este pode apresentar o retículo completo ou incompleto.

15

Figura 3. Padrões de colorido em P. orbignyi; a – pontilhado, b – roseta-modificada, c –

reticulado, d – ocelado, e – spot, f – vermiculado. Todas as fotos foram tiradas do lado

direito do disco do animal. O exemplar ao centro é uma fêmea adulta com 400 mm LD

(largura do disco) com o padrão de colorido roseta-modificada.

16

O padrão reticulado completo é menos freqüente nos exemplares do rio Paranã

(aproximadamente 27% dos exemplares analisados), mas aparece com alta freqüência

no baixo Tocantins, no reservatório da hidrelétrica de Tucuruí e baía de Marajó. No rio

Araguaia este padrão não foi encontrado, sendo mais freqüentes os padrões spot ou

ocelado, semelhante em alguns exemplares ao colorido de P. motoro (Fig. 3d). Quando

o padrão reticulado apresenta forte interrupção, este forma o padrão pontilhado, que

nada mais é que retículas extremamente quebradas (Fig. 3a). Este padrão nada tem em

semelhança com o padrão spot, pois os pontilhados não são sempre circulares e a sua

distribuição não apresenta padrão ou homogeneidade. Os padrões vermiculado e roseta-

modificada (Fig. 3b) são alterações do padrão ocelado, onde ocelos maiores encontram-

se margeados por pequenos spots que se fundem formando pequenas vermiculações e

conseqüentemente, formando as rosetas-modificadas; as vermiculações se formam com

o desmanche completo das rosetas e com a fusão de todos os spots e ocelos (Fig. 3f).

Neonatos apresentaram somente o padrão spot-ocelado, que logo após o nascimento

começa a modificar-se principalmente para os padrões reticulado ou pontilhado.

O colorido ventral é predominantemente branco ou creme claro, com as margens

do disco e margens posteriores das pélvicas podendo apresentar sombreado de

pontilhado amarelo claro ou castanho escuro a preto; o colorido ventral da cauda é

alternado em amarelo claro e preto, formando listras transversais. Geralmente ocorre um

ponto escuro por sobre a barra da cintura peitoral. Curiosamente este ponto localiza-se

exatamente onde a vesícula vitelínica está aderida ao ventre do animal durante a fase

embrionária.

17

Descrição morfológica do exemplar No 815180, macho adulto 230 mm LD - Disco

sub-circular, levemente oval, tão largo quanto longo e com proeminência anteromediana

na margem frontal do disco; largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu

comprimento; margem do disco contínua, sem sinuosidades ou ponto de inflexão entre

as margens anterior ou posterior; disco relativamente baixo na região do neurocranium-

splanchnocranium, evidenciando débil musculatura associada. A largura interocular

cabe 1,26 vezes dentro do comprimento pré-ocular, equivale a 3,8 vezes o comprimento

do olho e cabe 5,4 vezes dentro da largura do disco. Olhos semi-ovais com leve

concavidade na face dorsal, relativamente pequenos e bem pedunculados em animais

fixados; operculum do olho em forma de “V” sem ornamentação aparente em animais

fixados.

Cauda ovalada em corte transversal, larga na origem e fortemente comprimida

dorso-ventralmente, afastada das bordas do disco na axila e relativamente curta,

dificilmente alcançando os espiráculos quando em posição de ataque; quilhas laterais

evidentes, uma a cada lado da cauda, desde a linha da extremidade das nadadeiras

peitorais à origem do ferrão caudal; quilha ventral desde a linha da origem do ferrão

caudal até o final da cauda; quilha dorsal desde a extremidade do ferrão até a ponta da

cauda; a cauda diminui de largura suavemente até a origem do ferrão, quando sofre

acentuada compressão lateral até a extremidade da cauda, formando o remo caudal.

Nadadeiras pélvicas musculosas, macias e com alto grau de mobilidade; margem

anterior ligeiramente convexa, com bordas espessas e arredondadas, seu comprimento

cabe 5,1 vezes na largura de disco; ápice sem ponto de inflexão distinto demarcando a

separação entre a margem anterior e posterior; margem posterior quase reta, com

18

endentações simples ou duplas (9/10 esquerda/direita) resultantes da disposição das

estruturas cartilaginosas de sustentação da nadadeira.

Comprimento pré-narial 6,8 vezes menor que o comprimento do disco, 2 vezes

maior que a largura internarial e 2,7 vezes maior que o comprimento da narina;

aberturas em forma de fenda, diagonalmente inclinadas com as margens anteriores

direcionadas ao focinho e posteriores às comissuras da boca; interior das narinas

levemente pigmentado de cinza; aberturas posteriores medialmente posicionadas em

relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina nasal trapezóide,

com a margem posterior franjada não alcançando a boca, dividida em dois lóbulos pelo

frenum nasal e aproximadamente 1,8 vezes o comprimento da narina.

Boca localizada no primeiro 1/5 do comprimento do disco e sua largura cabendo

10,4 vezes na largura do disco; comprimento do cesto branquial igual a 1,25 vezes a

distância da boca à 1º fenda branquial; boca não recoberta pela cortina nasal, com

sulcos labiais evidentes, levemente arqueada quando fechada e com os dentes mais

externos visíveis em ambas as arcadas; cinco papilas orais desenvolvidas e centralizadas

internamente à arcada inferior. A válvula espiral é do tipo cônico-espiral com 16 voltas.

Cesto branquial com largura 3,8 vezes menor que a largura do disco e

comprimento 6 vezes menor que o comprimento do disco; fendas branquiais sinuosas,

dispostas lado a lado em “V” com o vértice sobre a barra coracóide e mergulhadas em

uma leve depressão do ventre.

Cloaca localizada entre as nadadeiras pélvicas e inserida na musculatura,

elipsóide e com uma fenda longilínea; a musculatura associada é longitudinal à fenda e

a mantém fechada.

19

Claspers robustos, relativamente curtos e cônicos, recobertos por tecido macio e

com todas as feições dispostas na face dorsal e lateral interna; a face ventral é lisa. O

canal do clasper estende-se obliquamente desde sua abertura anterior (apopyle), na face

dorsal próximo à sua base, e segue em direção à margem lateral externa até um ponto de

inflexão, que divide o comprimento do canal ao meio, e de onde segue levemente

oblíquo no sentido oposto em direção à face interna do clasper. A sua abertura posterior

(hypopyle) localiza-se na porção anterior do rhipidion, que segue paralelo ao

pseudosifão ventral. O pseudosifão dorsal é uma pequena fenda e localiza-se dorso-

lateralmente próximo à margem externa na altura do ponto de inflexão do canal do

clasper e se estende obliquamente em direção à face interna por um comprimento igual

à 1/3 da largura do clasper, na origem do pseudosifão.

Dentição arranjada em mosaico (Fig. 4ab), desde a sínfise até as comissuras.

Dentes relativamente pequenos (aprox. 1 mm largura) predominantemente triangulares,

mais largos que longos e de coroa tricúspide na face interna, ou monocúspide nos dentes

frontais mais desgastados; heterodontia monognástica acentuada entre os dentes

sinfisiais triangulares maiores e os comissurais ovalados menores; leve heterodontia

sexual, onde nos machos predominam dentes monocúspides ou com frágeis cúspides

laterais e nas fêmeas predominam dentes tricúspides. Raiz dupla com base triangular-

oval, curta e inclinada; cavidade com forâmen de nutrição do dente em posição mediana

entre as bases da raiz. Números dentários expressivos e que aumentam em proporção ao

crescimento do animal; exemplares adultos com mais de 40 dentes em cada arcada (Fig.

6; Tab. 3); fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1.

Dorso relativamente liso, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos

densamente sobre a região anterior do disco, sobre a cabeça, região mediana do corpo e

20

ao longo da cauda; demais margens do disco com fraca ou nenhuma espinulação, bem

como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos dentículos dérmicos são

encontrados aleatoriamente; dorso e laterais da cauda recobertos com dentículos

dérmicos.

Figura 4. Dentição das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no rio Tocantins; a, b

– P. orbignyi; c, d, e – Potamotrygon sp. A; f, g – Potamotrygon scobina; h – P. henlei;

21

i, j – Potamotrygon sp. B. Para cada espécie são apresentados primeiro os dentes da

arcada inferior direita e posteriormente os dentes da arcada superior esquerda.

Potamotrygon sp. A figura-d apresenta a linha divisória entre os dentes mais externos

em uso e os dentes mais internos ainda não utilizados da arcada inferior. Parte superior

da foto refere-se à face interna e a parte inferior à face externa. Todos os exemplares são

fêmeas.

Figura 5. Dentes inferiores próximos à sínfese de P. orbignyi (a, c, d, e – fêmea 155 mm

LD; b – macho 234 mm LD) e Paratrygon aiereba (f, g, h – fêmea 493 mm LD). a, h –

vista apical, b, c, g – vista da face interna, d, e – vista basal, f- vista lateral.

22

Dentes da Arcada Inferior por LD em P. orbignyi

y = 0.0486x + 17.783R2 = 0.6348

20

25

30

35

40

45

100 150 200 250 300 350 400 450

Largura de Disco (mm)

Núm

ero

de D

ente

s

Figura 6. Aumento do número de dentes ao longo do crescimento em P. orbignyi.

Tabela 3. Resumo da regressão Arcada Inferior-LD. R= 0.79676192 R²=0.63482, Adjusted R²=0.62223747.F(1,29)=50.415 p<0.00000 erro padrãoda estimativa: 2.2816

Erro Padr. Erro Padr.BETA de BETA B de B t(29) p

Intercepto 17.7826 1.526822 11.6468 1.86561E-12LD 0.796762 0.112214 0.048617 0.006847 7.10035 8.20576E-08

Os dentículos dérmicos recobrem densamente os espaços entre os espinhos,

laterais da cauda, quilhas dorsal e ventral e remo caudal; não ocorrem dentículos

dérmicos no ventre da cauda na região anterior à linha de origem do ferrão. Espinhos

alinhados em uma única fileira com ocasionais espinhos acessórios; arqueados

posteriormente, com base estrelada e estriada; raiz mais larga que a sua altura;

recobertos por integumento pigmentado segundo o colorido da pele. Ferrão caudal

23

posicionado após a linha de espinhos no dorso da cauda, em número variável (1-3) e

proporcional ao tamanho do animal; margens serrilhadas e direcionadas anteriormente.

Neurocranium pouco calcificado, mesmo em indivíduos adultos – descrição

baseada em dois exemplares fêmeas No ES-15 e No ES-06 com 400 e 319 mm LD,

respectivamente (Fig. 7abc)– mais longo que largo, cerca de 1,6 vezes (1,5;1,6) a sua

largura no processo pós-orbital e 1,7 (1,7;1,7) vezes a largura nas cápsulas nasais, que

são ovais e largas, inseridas no crânio com leve inclinação da lâmina basal (Fig. 8a) e

não ultrapassando a largura do crânio nos processos pré-orbitais; processos pré-orbitais

cônicos, relativamente longos e arqueados postero-ventralmente; processos pós orbitais

semi-transparentes, mais largos distalmente e levemente direcionados anteriormente.

Fossa parietal subdividida lateralmente com uma fenestra perilinfática e um forâmen

endolinfático em depressões individuais para cada lado. Forâmen do nervo óptico

relativamente maior e côndilo antorbital distintamente afastado da face ventral da

cápsula nasal. Cintura peitoral (Fig. 7de) com processo escapular triangular; forâmen

ântero-dorsal triangular menor que o forâmen ântero-ventral sub-retangular; forâmen

postero-ventral vestigial com pequena depressão em seu lugar. Cintura pélvica (Fig.

7fgh) com processo pré-púbico levemente cônico e longo; processos pré-púbicos

laterais oblíquos, direcionados para as laterais do disco; barra púbica fortemente

arqueada posteriormente e com processos ilíacos ornamentados na margem interna,

posteriormente ao processo isquial triangular; três foramina obturador posicionados

ventralmente ao côndilo radial e alinhados entre os processos pré-púbico lateral e

isquial.

24

Figura 7. Esqueleto de P. orbignyi. a – neurocranium em vista dorsal de fêmea 400 mm

LD; b, c, d, e, f, g, h – neurocranium em vista postero-dorsal e ventral, cintura peitoral

em vista posterior e lateral e cintura pélvica em vista ventral, dorsal e lateral de fêmea

319 mm LD, respectivamente. af – fontanela anterior, adf – forâmen ântero-dorsal, avf –

forâmen ântero-ventral, bcor – barra coracoide, cb- côndilo basal, cr – côndilo radial, fp

– fossa parietal, fo – foramina obturador, lb – lâmina basal, mc – mesocôndilo, mtc –

metacôndilo, nc – cápsula nasal, pc – procôndilo, pesc – processo escapular, pf –

25

fontanela posterior, pi – processo isquial, pil- processo ilíaco, ppl – processo pré-púbico

lateral, ppm – processo pré-púbico medial, pr – processo pré-orbital, pt – processo pós-

orbital, pvf – forâmen postero-ventral, sf – foramina supraorbital, sof – forâmen

oftálmico superficial.

Figura 8. Vista lateral dos neurocrania de a – P. orbignyi (fêmea 400 mm LD), b – P.

henlei (fêmea 660 mm LD), c – Potamotrygon sp. B (fêmea 710 mm LD), d –

Potamotrygon sp. A (fêmea 286 mm LD). of – forâmen óptico e ac – côndilo antorbital.

26

Potamotrygon sp. A

Sinonímia – Não há.

Distribuição no rio Paranã - ao longo de todo o rio Paranã e ao menos até o médio

Tocantins. Aparentemente esta espécie é mais freqüente no médio Tocantins e seus

afluentes. Ocorre também no rio Maranhão (MARQUES2, material não publicado).

Nomes comuns - raia de fogo.

Diagnose - Esta raia caracteriza-se pela ausência de sulco labial; musculatura da boca

fortemente desenvolvida; três papilas orais centrais desenvolvidas e duas vestigiais

próximas às comissuras da boca; dentes hexagonais com coroa plana e sem cúspides,

arranjados em 13-20 fileiras na arcada superior e 19-22 fileiras na arcada inferior; duas

a três fileiras de espinhos no dorso da cauda; policromatismo pouco acentuado, variando

de spots a rosetas e vermiculado amarelo claro; colorido ventral é cinza escuro com as

regiões oral e branquial creme ou branco; a cauda é cinza escuro pontilhada por pontos

claros e três papilas orais desenvolvidas na boca. As duas únicas outras espécies da

bacia Tocantins-Araguaia com as quais esta espécie pode ser confundida por possuírem

mais de duas fileiras de espinhos sobre a cauda são P. henlei e Potamotrygon sp. B, que

se distribuem no baixo Tocantins e no rio Araguaia. No entanto, estas duas espécies

apresentam o dorso do disco coberto por ocelos em padrão circular que se expandem do

centro para as margens, enquanto que Potamotrygon sp. A possui um colorido uniforme

com spots menores que o diâmetro do olho e densamente distribuídos por sobre o dorso;

os dentes em Potamotrygon sp. B e são relativamente menores, com coroa em relevo e

um sulco transversal, losangulares a hexagonais e em maior número, enquanto que em

2 Dra. Elineide Eugênio Marques. Rua Paraguaçú 450. Setor Umuarama. 77500-000

27

P. henlei os dentes são relativamente maiores, losangulares, hexagonais e retangulares,

com coroa plana e sem sulco transversal e com profundas bases de fixação.

Variabilidade do colorido – O colorido dorsal de Potamotrygon sp. A apresentou três

padrões (spot, roseta e vermiculado) distintos ocorrendo dois a dois concomitantemente,

os padrões spot-roseta e spot-vermiculado (Fig. K). O padrão spot-roseta é caracterizado

por spots de pequeno tamanho distribuídos homogeneamente sobre a cabeça, focinho e

margem anterior do disco; no resto do disco surgem spots maiores margeados por spots

menores formando as rosetas, que estão intercaladas por spots pequenos. O padrão spot-

vermiculado aparentemente é formado quando os spots pequenos se fundem formando

vermículos que margeiam spots maiores distribuídos principalmente nas laterais do

disco e posterior à linha dos olhos.

Descrição do exemplar No 302, macho adulto, 428 mm LD - Disco sub-circular,

levemente oval, quase tão largo quanto longo e com proeminência anteromediana na

margem frontal do disco; largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu comprimento;

margem do disco contínua, sem inflexões demarcando nitidamente margens anterior ou

posterior; disco alto na região do neurocranium-splanchnocranium, evidenciando forte

musculatura associada. A largura interocular cabe 1,3 vezes dentro do comprimento pré-

ocular, equivale a 5,5 vezes o comprimento do olho e cabe 5,4 vezes dentro da largura

do disco. Olhos ovais, relativamente pequenos e pouco pedunculados em animais

fixados; operculum do olho em forma de “V” sem ornamentação aparente em animais

fixados (Fig. 9).

Cauda ovalada em corte transversal, larga na origem e levemente comprimida

dorso-ventralmente, afastada das bordas do disco na axila e relativamente curta,

Porto Nacional, Tocantins. Fundação Universidade do Tocantins. Campus de Porto Nacional.

28

dificilmente alcançando os espiráculos em indivíduos adultos quando em posição de

ataque; quilhas laterais pronunciadas, uma a cada lado da cauda, que se estendem da

linha da extremidade das nadadeiras peitorais à origem do ferrão caudal; quilha ventral

desde a linha da origem do ferrão caudal até o final da cauda; quilha dorsal desde a

extremidade do ferrão até a ponta da cauda; a cauda diminui de largura suavemente até

a origem do ferrão, quando sofre acentuada compressão lateral até a extremidade da

cauda, formando o remo caudal.

Figura 9. Exemplar macho adulto de Potamotrygon sp. A (428 mm LD).

Nadadeiras pélvicas musculosas, macias e com alto grau de mobilidade; margem

anterior ligeiramente convexa com borda espessa e arredondada, cabendo 3,7 vezes na

largura de disco; ápice sem ponto de inflexão distinto demarcando a separação entre a

29

margem anterior e posterior; margem posterior quase reta, com endentações (10/11

esquerda/direita) resultantes da disposição das estruturas cartilaginosas de sustentação

da nadadeira.

Comprimento pré-narial 6,4 vezes menor que o comprimento do disco, 2,2 vezes

maior que a largura internarial e 3 vezes maior que a abertura anterior da narina;

aberturas em forma de fenda, diagonalmente inclinadas com as margens anteriores

direcionadas ao focinho e posteriores às comissuras da boca; interior das aberturas

anteriores fortemente pigmentado de preto; aberturas posteriores medialmente

posicionadas em relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina

nasal trapezóide, com a margem posterior franjada não alcançando a boca, dividida em

dois lóbulos pelo frenum nasal.

Boca localizada no primeiro 1/5 do comprimento do disco e sua largura cabendo

11 vezes na largura do disco; distante do cesto branquial a uma distância

aproximadamente igual ao comprimento do cesto branquial; boca não recoberta pela

cortina nasal, sem sulcos labiais ou fossa oral, levemente arqueada quando fechada e

com os dentes mais externos visíveis em ambas as arcadas. Três papilas orais

centralizadas logo após a arcada inferior e outras duas severamente reduzidas, uma a

cada lado, próximas às comissuras da boca. A válvula espiral é do tipo cônico-espiral

com 14 voltas.

A largura do cesto branquial é 4,1 vezes menor que a largura do disco e seu

comprimento é 7,8 vezes menor que o comprimento do disco; as fendas são onduladas e

estão imersas em uma depressão em forma de arco que segue da primeira à quinta

fenda.

30

Cloaca posicionada entre as nadadeiras pélvicas, mergulhada na musculatura

onde apresenta uma forma elipsóide e uma fenda longilínea; a musculatura associada é

longitudinal à fenda e a mantém fechada.

Claspers robustos, curtos e cônicos, recobertos por tecido macio, sem feições

distintivas significantes que distinga Potamotrygon sp. A das demais espécies do

gênero; todas as feições do clásper estão na face dorsal e lateral; a face ventral é lisa e

não ornamentada.

Dentição arranjada em fileiras distintas ou em leve mosaico (Fig. 4cde), desde a

sínfise até as comissuras. Dentes predominantemente hexagonais, mais largos que

longos e de coroa plana. As fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1.

Dorso áspero, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos densamente

sobre a região mediana do corpo e ao longo da cauda; margens do disco com fraca

espinulação, bem como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos

dentículos dérmicos são encontrados aleatoriamente. Dorso e laterais da cauda

recobertos com dentículos dérmicos; espinhos arranjados em 1 a 2 fileiras com espinhos

acessórios ocasionais. Os dentículos dérmicos recobrem densamente os espaços entre os

espinhos, laterais da cauda, quilhas dorsal e ventral e remo caudal; ventre da cauda sem

dentículos dérmicos na região anterior à linha de origem do ferrão. Os espinhos são

arqueados posteriormente, com base estrelada e estriada, recobertos por integumento

pigmentado segundo o colorido da pele, dispersos em fileiras ligeiramente dispersas em

indivíduos jovens ou densamente arranjados em indivíduos adultos.

31

Paratrygon aiereba (MULLER & HENLE, 1841)

Sinonímia – q. v. ROSA (1991) e CARVALHO et al. (2003) para uma revisão.

Localidade tipo: Brasil. Exemplar tipo perdido segundo CASTEX & CASTELLO

(1969) e ROSA (1985).

Distribuição no rio Paranã - Ao longo de todo o rio. Esta espécie também é registrada

ao longo de todo o rio Tocantins e Araguaia.

Nomes comuns - arraia aramaçã ou aramaçá.

Diagnose - Esta raia caracteriza-se por possuir um grande porte (machos maturando em

torno dos 430 mm LD e fêmeas ainda imaturas aos 540 mm LD); comprimento pré-

ocular maior que em Potamotrygon e cerca de ⅓ da largura do disco; a margem anterior

do disco é distintamente côncava e não possui a proeminência anteromediana

característica de Potamotrygon; seus olhos são diminutos e não pedunculados, imersos

na musculatura do disco; cauda curta e fortemente armada com espinhos em indivíduos

adultos; freqüentemente possue pequeno ferrão; exemplares jovens possuem uma cauda

filiforme e longa, sem espinhos e sem quilhas; margem posterior do espiráculo com

projeção arredondada; boca relativamente pequena e sem sulcos labiais; papilas orais

extremamente vestigiais ou ausentes; dentes relativamente pequenos e arranjados em

17-23 dentes na arcada superior e 13-22 dentes na arcada inferior.

Variabilidade do colorido – O colorido dorsal desta espécie varia de um fundo marrom

claro com um malhado irregular marrom escuro ou preto sobre o dorso do disco; alguns

exemplares podem ainda ser castanho escuro a marrom escuro ou cinza sem o malhado

irregular; a cauda e nadadeiras pélvicas são da mesma cor do disco sem padrões

definidos (Fig. 10). Todos os exemplares analisados apresentavam manchas escuras

32

circulares em alto relevo, dispostos em círculos concêntricos no dorso do disco e

destacando-se do fundo mais claro. O colorido ventral é branco (Fig. 11).

Freqüentemente o colorido malhado é frágil e parte deste colorido sai com a fixação em

formol ou com a remoção da camada de muco.

Figura 10. Vista dorsal de P. aiereba. Macho 378 mm LD.

33

Figura 11. Vista ventral de P. aiereba. Macho 378 mm LD.

Descrição do exemplar No 691062, fêmea imatura, 327 mm LD - Disco oval, quase

tão largo quanto longo; margem anterior côncava e sem proeminência anteromediana;

largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu comprimento; margem do disco

contínua, sem inflexões demarcando nitidamente margens anterior ou posterior; disco

alto na região do splanchnocranium, evidenciando forte musculatura associada. Órbitas

posicionadas posteriormente, comprimento pré-ocular cabe 3,9 vezes no comprimento

do disco; largura interocular cabe 2,3 vezes dentro do comprimento pré-ocular, equivale

a 6,1 vezes o comprimento do olho e cabe 8,8 vezes dentro da largura do disco. Olhos

34

semi-circulares com forte concavidade na face dorsal, extremamente reduzidos, não

pedunculados, mas posicionados dorso-lateralmente; operculum do olho em forma de

“V” sem ornamentação aparente em animais fixados e nadadeiras pélvicas totalmente

recobertas pelo disco.

Cauda ovalada, relativamente larga na origem, comprimida dorso-ventralmente e

afastada das bordas do disco na axila; comprimento variável com segmento filiforme

pós-ferrão geralmente ausente em indivíduos adultos; distintas quilhas laterais, uma a

cada lado da cauda, da linha da extremidade das nadadeiras peitorais até a origem do

ferrão caudal; quilhas ventral e dorsal ausentes; a cauda diminui de largura suavemente

até a origem do ferrão, quando sofre acentuada compressão lateral e forma um segmento

filiforme de comprimento variável, mas podendo ser igual à LD.

Nadadeiras pélvicas musculosas, relativamente curtas, macias e com alto grau de

mobilidade; margem anterior ligeiramente convexa com borda espessa e arredondada,

cabendo 6,1 vezes na largura de disco; ápice com ponto de inflexão distinto; margem

posterior reta, com endentações (17/16 esquerda/direita) resultantes da disposição das

estruturas cartilaginosas de sustentação da nadadeira.

Comprimento pré-narial 3,7 vezes menor que o comprimento do disco, 3,9 vezes

maior que a largura internarial e 30,3 vezes maior que a abertura anterior da narina;

aberturas circulares com interior claro; aberturas posteriores medialmente posicionadas

em relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina nasal trapezóide,

com a margem posterior franjada, arqueada e alcançando a boca nas comissuras,

dividida em dois lóbulos pelo frenum nasal.

Boca localizada no primeiro 1/3 do comprimento do disco e sua largura cabendo

12,5 vezes na largura do disco; distante do cesto branquial a uma distância

35

aproximadamente igual a 4/5 do comprimento do cesto branquial; boca parcialmente

recoberta pela cortina nasal, sem sulcos labiais ou fossa oral, levemente arqueada

quando fechada e com os dentes não visíveis. Boca sem papilas orais desenvolvidas. A

válvula espiral é do tipo cônico-espiral com 14 voltas.

A largura do cesto branquial é 5,2 vezes menor que a largura do disco e seu

comprimento é 10,6 vezes menor que o comprimento do disco; as fendas são sinuosas e

estão distribuídas obliquamente em forma de arco, a cada lado, que segue da primeira à

quinta fenda.

A cloaca está entre as nadadeiras pélvicas, mergulhada na musculatura onde

apresenta uma forma elipsóide e uma fenda longilínea; a musculatura associada é

longitudinal à fenda e a mantém fechada.

Os cláspers são robustos, curtos e cônicos, recobertos por tecido macio, sem

feições distintivas significantes que distinga Paratrygon aiereba das demais espécies do

gênero; todas as feições do clásper estão na face dorsal e lateral; a face ventral é lisa e

não ornamentada.

Dentição arranjada em leve mosaico, desde a sínfise até as comissuras. Dentes

predominantemente losangulares (Fig. 5fgh), mais largos que longos e com cúspide

pronunciada. As fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1.

Dorso áspero, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos densamente

sobre a região mediana do corpo e ao longo da cauda; margens do disco com menor

espinulação, bem como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos

dentículos dérmicos são encontrados aleatoriamente. Dorso e laterais da cauda

recobertos com dentículos dérmicos; espinhos dispersos aleatoriamente sobre a cauda

até o ponto distal do ferrão; espinhos acessórios ocasionais. Os dentículos dérmicos

36

recobrem densamente os espaços entre os espinhos e laterais da cauda; não ocorrem

dentículos dérmicos no ventre da cauda antes da linha de origem do ferrão. Os espinhos

são arqueados posteriormente, recobertos por integumento pigmentado segundo o

colorido da pele, ligeiramente dispersos em indivíduos jovens ou densamente arranjados

em indivíduos adultos.

Identificação

Chave de identificação com base em caracteres externos para as espécies de

potamotrygonídeos do rio Tocantins (modificado a partir de ROSA (1985)).

1A. Distância da boca à margem anterior do disco (Comprimento Pré-Oral)

relativamente longa, 2,6 a 3,4 vezes na largura do disco; processo em forma de gota na

margem posterior dos espiráculos; olhos não pedunculados..............Paratrygon aiereba

MULLER & HENLE

1B. Distância da boca à margem anterior do disco (Comprimento Pré-Oral)

relativamente curta, 3,6 a 5,6 vezes na largura do disco; espiráculos sem processos em

forma de gota na margem posterior; olhos pedunculados.................................................2

2A. Sulco labial proeminente ou levemente demarcado; uma única fileira de espinhos na

cauda, podendo ocorrer espinhos acessórios*...................................................................3

2B. Sulco labial ausente; uma a três fileiras de espinhos na cauda*.................................4

3A. Sulco labial proeminente; dentes muito pequenos com menos de 1 mm de largura

da coroa em indivíduos adultos; forte policromatismo do colorido dorsal do disco,

variando entre reticulado, pontilhado, ocelado, vermiculado a roseta-modificada;

37

colorido ventral da cauda freqüentemente alternado entre amarelo e preto desde de sua

origem (Fig.X)...................................................................Potamotrygon orbignyi

CASTELNAU

3B. Sulco labial levemente demarcado; dentes relativamente maiores com mais de 2

mm de largura da coroa em indivíduos adultos; colorido dorsal com padrão spot;

colorido ventral da cauda freqüentemente com a base clara, com pigmentação após a

linha ventral referente ao ponto de origem do ferrão...Potamotrygon scobina GARMAN

4A. Sulco labial ausente; duas ou três fileiras de espinhos na cauda, podendo ocorrer

espinhos acessórios; colorido dorsal com ocelos ou spots e vermiculações claros (branco

ou laranja-avermelhado) em fundo preto ou cinza escuro; ocelos ou spots se estendendo

até a ponta da cauda; colorido ventral predominantemente cinza

escuro.................................................................................................................................5

4B. Sulco labial ausente; uma única fileira de espinhos na cauda, podendo ocorrer

espinhos acessórios; colorido com ocelos predominantemente laranja-avermelhado em

fundo marrom castanho ou marrom claro; ocelos não se estendem até a ponta da cauda,

restringindo-se à sua base; colorido ventral predominantemente claro........Potamotrygon

motoro NATTERER**

5A. Colorido dorsal com ocelos ou ocelos margeados por spots......................................6

5B. Colorido dorsal com spots, rosetas-modificadas ou vermiculações....Potamotrygon

sp. A.

6A. Dentes nas séries mais externas (dentes em uso) são brancos, pentagonais ou

hexagonais, mas predominantemente hexagonais e com coroa plana; até 27 dentes na

arcada superior e 33 dentes na arcada inferior (exemplar fêmea com 660 mm

LD)............................................................................Potamotrygon henlei CASTELNAU

38

6B. Dentes nas séries mais externas (dentes em uso) são caramelo, pentagonais ou

hexagonais, mas predominantemente pentagonais e com a coroa irregular e com uma

nítida crista no sentido da largura da boca; até 34 dentes na arcada superior e 39 dentes

na arcada inferior (exemplar fêmea com 710 mm

LD)......................................................................................................Potamotrygon sp. B

* As fileiras de espinhos na cauda aumentam com o tamanho do animal e desta forma,

neonatos e juvenis devem ser considerados com cuidado, pois todos possuem somente

uma única fileira de espinhos na cauda.

** A ocorrência de P. motoro para a porção do rio Tocantins à montante da barragem de

Tucuruí deve ser considerada com cuidado. Alguns exemplares de P. orbignyi

apresentam o padrão de colorido ocelado muito semelhante ao de P. motoro. Contudo,

P. motoro não possui sulco labial. Todos os exemplares analisados de P. motoro para

este estudo estavam em museus e foram capturados à jusante desta barragem e nenhum

exemplar de P. motoro foi capturado nas coletas. No entanto, esta espécie é considerada

na chave de identificação devido à possibilidade de ocorrência.

Distribuição de Potamotrygon orbignyi no rio Paranã

As raias foram coletadas em 33 locais diferentes do rio Paranã em 46 dias de

captura nas proximidades do município de Paranã dentro de um limite de 10 km à

montante e jusante deste município (Figura 1). A maior captura em um único dia foi de

17 raias em dois locais de captura, Barra do Genipapeiro e Ilha do Bonilha. Em 26 dias

de captura, ou 56% do esforço total, somente um ou dois indivíduos foram capturados,

enquanto que 76% das raias foram capturadas em apenas 16 dias, ou 34% do esforço

39

total. As maiores capturas diárias, acima de 5 indivíduos, ocorreram em um a quatro

pontos de pesca no mesmo dia. Em 81% (13 dias) dos dias de maiores capturas, apenas

um ou dois pontos foram responsáveis pela captura, enquanto que nos dias restantes (3

dias) quatro pontos registraram capturas. Embora o esforço de pesca tenha sido maior

nos pontos mais próximos do município, a saber: Arrozal, Auleria, Barra da Areia, Ilha

Bonita, Ilha do Bonilha, Micaela, Praia do Meio, Praião da Lagoa Verde, Praião do

Dominguinho, Praia do Retiro, Praia Três Bocas e São Vicente; somente as Praias do

Retiro, do Meio e Três Bocas e a Ilha do Bonilha apresentaram CPUE’s altas (8,3, 5,3, 4

e 5,7 indivíduos por dia, respectivamente). Nos demais pontos de captura a CPUE foi de

1 a 2,3 indivíduos por dia.

Tendo em vista o costume local de se amputar a cauda das raias de água doce

capturadas, antes de as devolverem ao rio, utilizou-se destes animais amputados como

exemplares marcados para uma estimativa de sua capacidade de dispersão. Desde que

não há comunidades ribeirinhas às margens do rio Paranã a pelo menos 50 km do

município de Paranã (montante e jusante), considerou-se que todas as raias amputadas

ocorrentes na região provinham da ação dos pescadores locais, já que em áreas distantes

de comunidades pesqueiras (alto Paranã e rio do Peixe no médio Araguaia) é rara a

ocorrência de animais amputados. As espécies encontradas com amputações foram P.

orbignyi e Potamotrygon sp. A, enquanto que nenhum exemplar de Paratrygon aiereba

apresentou evidências de amputações. De um lote de 147 exemplares de P. orbignyi

amostradas em três cruzeiros, 19 raias (13%) apresentavam a cauda amputada e

cicatrizada, mas não houve diferenças nas proporções de indivíduos amputados ao longo

dos três cruzeiros - 14%, 17%, 9% (n = 6, 7 e 6) de raias amputadas para o 1º, 2º e 3º

cruzeiros, respectivamente - (χ2 = 1,1678; p > 0,05). Dentre estas 19 raias amputadas, 8

40

raias (42%) foram capturadas na estação da seca, enquanto 11 raias (58%) foram

capturadas na estação das chuvas; não havendo diferenças significativas entre as

proporções de indivíduos amputados nestas duas estações (χ2 = 0,7647; p < 0,3818). A

grande maioria das raias amputadas encontrava-se dentro de um raio de 2 km do

município de Paranã, mas duas raias foram capturadas além deste perímetro, a

aproximadamente 3 e 4,5 km a jusante de Paraná, evidenciando portanto, sua restrita

mobilidade..

A distribuição das espécies de raia de água doce ao longo da bacia Tocantins-

Araguaia indica uma relação do número de espécies e o distanciamento da foz, onde nas

cabeceiras do rio Tocantins a riqueza de espécies é baixa – de uma a três espécies,

dependendo do afluente – em comparação com as porções médias e baixas com pelo

menos cinco espécies (Fig. 12). A espécie com maior distribuição geográfica na bacia

Tocantins-Araguaia é Paratrygon aiereba, ocorrendo inclusive nas cabeceiras do rio

Tocantins. A segunda espécie com maior distribuição geográfica é Potamotrygon

orbignyi, que aparentemente apresenta baixas densidades ou não ocorre em alguns

afluentes da cabeceira do Tocantins. Esta espécie apresenta a maior variabilidade de

coloridos no rio Tocantins e normalmente é confundida com outras espécies tais como

P. scobina, P. motoro e P. castexi. A raia de água doce P. scobina também apresenta

ampla distribuição, mas restringe-se ao rio Tocantins e à região da foz do rio Paranã

(MARQUES3, material não publicado), não tendo sido capturada no médio ou alto

Paranã. P. motoro apresenta ocorrência duvidosa na bacia Tocantins-Araguaia, e desta

forma, sua identificação e registro necessitam de confirmação. Potamotrygon sp. A é

uma espécie restrita ao alto e médio Tocantins, não sendo registrada para o baixo

3 Dra. Elineide Eugênio Marques. Rua Paraguaçú 450. Setor Umuarama. 77500-000 Porto Nacional, Tocantins. Fundação Universidade do Tocantins. Campus de Porto Nacional.

41

Tocantins ou Araguaia. Potamotrygon henlei e Potamotrygon sp. B apresentam

registros no baixo Tocantins, sendo que Potamotrygon sp. B também ocorre no rio

Araguaia. A distribuição de P. henlei está confirmada somente para a região de Marabá.

Figura 12. Distribuição das raias de água doce na bacia Tocantins-Araguaia segundo as

unidades fisiográficas (RIBEIRO, et al., 1995). Vermelho – alto Tocantins e Araguaia,

verde – médio Tocantins e Araguaia, azul – zona de transição, preto – baixo Tocantins.

42

“a” – Exemplares identificados pela equipe da Universidade do Tocantins-UNITINS;

Potamotrygon sp. 1 é sinônimo de P. orbignyi, Potamotrygon sp. 2 e 3 são sinônimos de

Potamotrygon sp. A.

Variabilidade do Colorido em Potamotrygon na Bacia Tocantins-Araguaia

Os padrões de colorido ocorreram freqüentemente mesclados e os animais foram

identificados segundo o seu padrão de colorido predominante. O padrão reticulado

correspondeu a 27% das raias amostradas, o padrão pontilhado a 14,8%, o padrão

vermiculado a 13,5%, o padrão roseta-modificada a 12,1% e os padrões ocelado e spot

corresponderam juntos a 32,4%. O colorido de uma mesma espécie de Potamotrygon

não é constante e varia tanto geograficamente quanto ao longo do crescimento do

animal. Enquanto embriões e neonatos de P. orbignyi apresentam o colorido

predominantemente nos padrões spot-ocelado (Fig. 3de), animais com mais de um mês

de nascimento apresentam padrões mesclados de ocelado-reticulado ou spot-reticulado.

Ao longo do crescimento esses padrões podem se alterar para padrões de colorido mais

complexos como o pontilhado → vermiculado → roseta-modificada. Esta variação é

confirmada com base na comparação das distribuições de larguras de disco (LD) para

cada padrão de colorido (Kruskal-Wallis-H = 18,21; p = 0,001), onde se observa que

indivíduos de menor porte apresentam os padrões ocelado (incluindo spot) e reticulado,

alternando ao longo do crescimento para os padrões pontilhado e vermiculado e

finalmente para o padrão roseta-vermiculado em indivíduos de maior porte (Fig. 13).

Em P. henlei e Potamotrygon sp. B observa-se um aumento da complexidade do

colorido ao longo do crescimento. Embriões e neonatos das duas espécies apresentam

43

colorido com os padrões spot-ocelado, que após o nascimento alternam para o padrão

ocelado. Após a maturidade sexual, os ocelos podem vir margeados por spots formando

rosetas com ocelos no seu interior. A maior quantidade de spots se concentra na cabeça

e região mediana do disco. Potamotrygon scobina, da mesma forma, nasce com

colorido no padrão spot, spot-reticulado ou pontilhado, que com o crescimento do

animal alterna para o padrão spot.

Variação do Colorido em P. orbignyi em Função do Crescimento

0

100

200

300

400

500

0 1 2 3 4 5 6

Padrões de Colorido

Larg

ura

de D

isco

(mm

)

oceladoreticuladopontilhadovermiculadoroseta

Figura 13. Variação do colorido de P. orbignyi ao longo do crescimento.

As diferenças geográficas ficam evidentes quando populações distintas são

comparadas. O colorido de P. scobina no rio Tocantins não apresentou a variabilidade

descrita para a mesma espécie na região da baía de Marajó, caracterizado por

exemplares com padrões spot, roseta, roseta-modificada e escuro (ALMEIDA, 2003).

Esta espécie apresenta um padrão predominantemente spot, tanto no rio Tocantins

quanto no rio Araguaia, ocorrendo em menor freqüência o padrão roseta modificada. Da

44

mesma forma, P. orbignyi não apresenta o padrão vermiculado ou roseta-modificada na

baía de Marajó, o que a princípio gerou problemas de identificação dos exemplares

capturados no rio Paranã. Predominâncias de determinados padrões em afluentes ou

porções da bacia Tocantins-Araguaia foram observadas, mas o número de exemplares

amostrados ainda é insuficiente para uma identificação conclusiva dos padrões

predominantes por espécie e região nessa bacia hidrográfica.

O colorido predominante nas espécies ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia é

o ocelado, mas algumas espécies apresentam padrões mesclados principalmente de

ocelos e spots (P. henlei, P. orbignyi e Potamotrygon sp. B). Quando o padrão de

colorido predominante é plotado por espécie sobre a hipótese filogenética (Fig. 14),

observa-se um agrupamento das espécies com ocelos em um clado e das espécies com

colorido no padrão spot, ou derivado deste, em outro.

Figura 14. Padrões de coloridos predominantes das raias de água doce sobre a hipótese

filogenética de Marques (2000). Espécies com * ocorrem na bacia Tocantins-Araguaia.

45

Tendo em vista que o colorido ocelado provavelmente é uma derivação do

padrão spot, já que os embriões a termo e filhotes de espécies com padrão ocelado

apresentam o padrão spot antes de desenvolverem o padrão ocelado, é possível afirmar

que todas as espécies da hipótese filogenética em análise que ocorrem no rio Tocantins

apresentam o padrão spot ao menos em uma fase do seu desenvolvimento.

Ao considerarmos que o colorido dos filhotes provavelmente representa o

colorido mais geral (primitivo), enquanto o colorido dos adultos reflete os processos

adaptativos à caça, fuga de predadores e outros processos característicos da espécie

(ORTOLANI & CARO, 1996), e que o padrão spot é registrado em outras espécies não

considerados na hipótese filogenética ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia, é

possível inferir que o padrão spot é o padrão de colorido mais primitivo para as espécies

de Potamotrygon desta bacia hidrográfica.

DISCUSSÃO

Potamotrygon orbignyi foi identificada para o rio Paranã principalmente com

base na sua morfologia, tamanho e fórmula dentária, tendo em vista que esta espécie é a

única descrita para toda a bacia Tocantins-Araguaia com dentes levemente tricúspides,

larguras máximas da coroa em torno de 1 mm em indivíduos adultos e em números

superiores a 40 dentes por arcada. Estas características condizem com a descrição dos

dentes do holótipo de P. orbignyi (CASTELNAU, 1855; MNHN-2333) feitas por

ROSA (1985) em sua revisão da família Potamotrygonidae e considerados por este

autor como diagnósticas para a espécie. Embora o holótipo de P. orbignyi não possa

atualmente ser emprestado devido à fragilidade do material, é possível, através de

46

fotografias deste exemplar fornecidas por pesquisadores do Museu Nacional de História

Natural de Paris, comprovar a fileira única de espinhos na cauda e o colorido cinza

escuro. Análises de exemplares adicionais de P. orbignyi identificados por ROSA

(1985) e depositados em diversas instituições nacionais, e recentes avanços da pesquisa

em potamotrygonídeos desenvolvidos em conjunto com pesquisadores do Museu

Paraense Emilio Goeldi-MPEG e Universidade Federal da Paraíba-UFPB, identificaram

outras características potencialmente diagnósticas para esta espécie, tais como: presença

de fortes sulcos labiais, identificação dos padrões de colorido dorsal e ventral e fileira

única de espinhos caudais. Estas características, em conjunto, certamente identificam P.

orbignyi em qualquer fase da vida, ao contrário da chave de identificação anteriormente

proposta por ROSA (1985), que favorecia a identificação de exemplares adultos

somente com o padrão de colorido reticulado. A morfologia do endoesqueleto de P.

orbignyi também a difere das demais espécies do rio Tocantins no que tange a sua baixa

calcificação, permanecendo transparente em alguns pontos até mesmo em indivíduos

adultos, baixa inclinação da lâmina basal do crânio, maior largura relativa do forâmen

do nervo óptico, fossa parietal dupla e oblonga fontanela posterior. Embora LOVEJOY

(1996) tenha observado exemplares de P. orbignyi, nenhum dos caracteres citados

acima é abordado em sua análise sistemática da família Potamotrygonidae devido ao

fato deste autor não ter considerado mais intensivamente o neurocranium em seu estudo.

Um grande número de caracteres com marcante variabilidade interespecífica foi

observado no neurocranium, e desta forma, indicando sua potencialidade como fonte de

informações para análises filogenéticas. Na sua generalidade, as análises filogenéticas

da ordem Myliobatiformes não são totalmente conclusivas (ROSA, 1985; NISHIDA,

1990; LOVEJOY, 1996; McEACHRAN et al., 1996; MARQUES, 2000; DUNN et al.,

47

2003; McEACHRAN & ASCHLIMAN, 2004; ISÁIS & DOMINGUEZ, 2004,

CARVALHO et al., 2004), mas é consenso a identificação das Himanturas americanas

como grupo irmão das Potamotrygon e que estas deveriam ser incluídas na família

Potamotrygonidae (McEACHRAN et al., 1996). A validade dos caracteres escolhidos

nestes estudos e sua variabilidade intra e interespecíficas, necessitam confirmação

através de uma amostra maior e baseadas em identificações de campo fidedignas. De

outra forma, incorre-se no risco de utilizar caracteres com maior plasticidade e/ou

contaminação da amostra com espécies semelhantes, como por exemplo P. henlei e

Potamotrygon sp. B ou P. orbignyi e P. scobina.

O rio Paranã, que juntamente com o rio Maranhão formam os principais

afluentes da cabeceira do rio Tocantins (RIBEIRO et al., 1995), apresenta uma baixa

diversidade de espécies de raias de água doce quando comparado com as demais

porções do rio Tocantins. A baixa diversidade de espécies nas cabeceiras dos rios é um

padrão ecológico observado em rios tropicais (LOWE-McCONNELL, 1995) e muito se

deve a dificuldades de acesso a essas regiões e especificidade de habitats, com menor

variabilidade de nichos (RIBEIRO et al., 1995). No entanto, observa-se que as espécies

com maior distribuição geográfica na bacia Tocantins-Araguaia (Paratrygon aiereba e

Potamotrygon orbignyi) também são as únicas espécies registradas nestas cabeceiras,

evidenciando a sua alta adaptabilidade. Estas espécies também apresentam ampla

distribuição no restante da bacia Amazônica. Enquanto P. aiereba é registrada em quase

toda a bacia Amazônica, desde os seus principais afluentes (Ucayali, Solimões,

Amazonas, Negro, Branco e Madeira) até a bacia do rio Orinoco (CARVALHO et al.,

2003), P. orbignyi apresenta registros na bacia do rio Orinoco na Venezuela, na

Amazônia Colombiana, Guianas, Suriname e baixo Amazonas (ROSA, 1985;

48

CARVALHO et al., 2003). Segundo LOWE-McCONNELL (1995), é de se esperar

maior similaridade específica longitudinal ao longo da bacia Amazônica, o que se

reflete em maior semelhança entre as comunidades de raias de água doce entre as

Guianas, Suriname, foz do rio Amazonas e bacia Tocantins-Araguaia que entre rios

vizinhos como o Tapajós, Xingu e o Tocantins. Talvez isso explique o fato de haver ao

menos uma espécie endêmica em cada uma dessas bacias (CHARVET-ALMEIDA e

ARAÚJO4, com. pessoal) e um baixo número de espécies compartilhadas – somente P.

orbignyi e P. aiereba.

O registro de Potamotrygon sp. A., uma espécie nova na cabeceira do rio

Tocantins, evidencia a superficialidade do conhecimento acerca deste grupo de peixes e

a fragilidade das identificações destes animais em uma bacia supostamente bem

conhecida (COSTI et al., 1977; PAIVA, 1983; SANTOS, et al., 1984; SANTOS &

JEGU, 1989). A ocorrência de espécies novas nas porções médias e nas cabeceiras das

bacias hidrográficas é um padrão previsto (ROSA, 1985; RIBEIRO, et al., 1995) e

parece se confirmar também dentro dos elasmobrânquios de água doce. Contudo, a

identificação de uma nova espécie (Potamotrygon sp. B) em exemplares identificados

como P. henlei, uma espécie com grande importância econômica no mercado de peixes

ornamentais, evidencia não somente a fragilidade do conhecimento sobre a família

Potamotrygonidae, mas também o risco de depleção de um estoque antes mesmo de ser

identificado. O ordenamento da pesca ornamental por meio de quotas específicas no

Estado do Pará, que desde 2003 exportou aproximadamente 8000 exemplares de juvenis

e sub-adultos de três espécies diferentes de raias de água doce (P. henlei, P. leopoldi e

4 Patricia Charvet-Almeida: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; [email protected]. Lúcia Góes de Araújo: Universidade Estadual do Amazonas; [email protected].

49

P. orbignyi), pode não estar sendo uma medida de manejo adequada devido a problemas

de identificação.

A distribuição de P. orbignyi nas coletas no rio Paranã, principalmente com base

nos indivíduos com a cauda amputada pelos pescadores e já cicatrizada, evidencia que

os indivíduos desta espécie não apresentam uma grande dispersão a partir do local onde

vivem e foram marcados. Embora a porcentagem de indivíduos marcados tenha variado

de 14 a 9% entre o primeiro e terceiro cruzeiros, esta variação não foi estatisticamente

significativa e provavelmente reflete muito mais o acaso do que um decréscimo de

indivíduos marcados devido à amostragem. O número de indivíduos marcados

capturados na estação das chuvas ou da seca foi muito próximo – 11 e 8,

respectivamente – indicando que estes animais possivelmente não efetuam migração ao

longo do rio, restando confirmar uma possível migração batimétrica ou de habitat.

Migrações batimétricas sazonais de elasmobrânquios para fins reprodutivos já foram

observadas em diversas espécies na costa brasileira tais como Squatina guggenheim,

Rhinobatos horkelii, Rhizoprionodon lalandii e Mustelus fasciatus (VOOREN, 1992,

1998; MOTTA, 2001; YOKOTA, 2005) e devido à variação do volume dos rios e

disponibilidade de alimentos, é possível que as raias de água doce troquem de habitat

entre as estações do ano. Os pescadores relatam que muitos exemplares de P. aiereba

são extremamente territorialistas e podem ser identificados ao longo do tempo por

preferirem certas bacias de pedras, raízes de árvores submersas ou entradas das margens

do rio, onde repousam longamente durante o dia. Segundo os pescadores, estes mesmos

animais são encontrados diversas vezes no mesmo local ao longo dos meses ou anos,

chegando a ponto de serem capturados, identificados, soltos e recapturados diversas

vezes. Este padrão de comportamento corrobora as evidências de baixa dispersão de P.

50

orbignyi e nos faz concluir que, ao menos em determinadas condições ambientais ou

trechos de rios, as raias de água doce parecem preferir permanecer em uma mesma

região ao longo de sua vida.

O colorido em elasmobrânquios tem gerado estudos sobre o seu mecanismo

fisiológico e suas implicações ecológicas (q. v. VISCONTI, et al., 1999 para uma

revisão dos processos fisiológicos; WILSON & DODD, 1973; GRUBER et al., 1975;

LOWE & GOODMAN-LOWE, 1996; KEMP, 1999). Particularmente nas raias de água

doce, o colorido tem sido historicamente utilizado como a principal característica

diagnóstica de muitas espécies (CASTELLO & YAGOLKOWSKI, 1969; ROSA, 1985)

e recentemente analisada e avaliada a sua variabilidade intra-específica (ALMEIDA,

2003). O forte policromatismo de P. orbignyi no rio Paranã corrobora os estudos de

ALMEIDA (2003), que também encontrou o mesmo padrão policromático em P.

scobina para a baía de Marajó e, desta forma, evidencia o policromatismo como uma

característica do gênero Potamotrygon. Esta característica se expressa na alternância de

padrões de colorido (spot, ocelado, pontilhado, reticulado, vermiculado e roseta-

modificada) ou no arranjo destes padrões sobre o dorso do animal. A alternância de

padrões de colorido ao longo do crescimento é sugerida por ALMEIDA (2003) para P.

scobina, que observou o padrão spot e roseta em indivíduos até 550 mm LD e o padrão

escuro como predominante em indivíduos maiores. Embora os fatores fisiológicos

envolvidos ainda não estejam totalmente esclarecidos, hormônios associados ao

crescimento e maturidade sexual (prolactina) podem estar relacionados a essa

alternância de padrões de colorido ao longo do crescimento do animal (VISCONTI et

al., 1999). Diversas outras espécies de elasmobrânquios também apresentam alternância

de padrão de colorido ao longo do crescimento (Galeocerdo cuvier, Chyloscyllium spp.,

51

Stegostoma fasciatum, Hemiscyllium spp. e outros) (COMPAGNO et al., 2005) e

acredita-se que a função ecológica desta alternância, principalmente em espécies

recifais, seja evitar o canibalismo intra-específico através de um aviso aos adultos ou

pela camuflagem (ALLEN, 1996). O surgimento do ocelo caudal em Cichla ocellaris, a

princípio como um spot, parece estar associado à comunicação intra-específica e ocorre

na fase juvenil mais vulnerável, logo após abandonar os pais (ZARET, 1977;

SCHROEDER & ZARET, 1979). A função ecológica desta alternância do colorido em

raias de água doce ainda requer maiores estudos tendo em vista que o canibalismo não

parece ocorrer nestes animais.

A análise de distribuição dos padrões de colorido sobre a hipótese filogenética

proposta por MARQUES (2000) indica uma predominância dos padrões spot-ocelado

no clado onde as espécies da bacia Tocantins-Araguaia se concentram. Embora P.

orbignyi, e P. scobina apresentem diversos padrões discutidos anteriormente, os

resultados apresentados neste estudo, ROSA (1985) e ALMEIDA (2003), evidenciam

que o padrão spot, ou variações diretas deste (roseta e ocelado), são predominantes

nestas espécies na bacia Tocantins-Araguaia. Desta forma, P. orbignyi e P. scobina

foram consideradas como spot-ocelado e spot, respectivamente. O padrão geral do

colorido em adultos, aliado ao colorido dos embriões e filhotes, que provavelmente

representa o colorido mais geral (primitivo) e não adaptado à caça, fuga de predadores

e/ou reprodução (ORTOLANI & CARO, 1996), evidenciam um colorido

predominantemente spot para as espécies do rio Tocantins e por conseqüência, o mesmo

padrão de colorido como o mais primitivo dentre as espécies do rio Tocantins. Contudo,

deve-se considerar a possibilidade de que o padrão spot em embriões e neonatos reflita

tão somente a incapacidade dos cromatóforos de se organizarem em padrões distintos ou

52

que o padrão spot esteja sendo determinado por uma relação filogenética maior que

englobe todas as espécies do gênero Potamotrygon - presumindo que o gênero seja

monofilético - e não somente a expressão da relação filogenética entre as espécies do rio

Tocantins. Ao analisar-se a hipótese filogenética proposta por MARQUES (2000)

baseada em seqüências genéticas do citocromo-b, deve-se considerar também a baixa

amostragem taxonômica perante a diversidade do gênero Potamotrygon e o método

utilizado. Tendo em vista o baixo número de espécies do gênero Potamotrygon, pelo

menos 16 espécies segundo avaliações recentes (CARVALHO et al., 2003), é

recomendável que uma análise filogenética seja feita com o maior número possível de

taxa a fim de se garantir a sua precisão (HILLIS, 1996).

53

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60

Anexo 1. Exemplares adicionais analisados.

Potamotrygon henlei – INPA-1762 (4 exemplares machos imaturos); 175 mm LD, 133

mm LD, 160 mm LD, 126 mm LD; Igarapé Valentim, Rio Tocantins-PA, 06/jul./82,

Det. Ricardo Rosa-1988. INPA-1748 fêmea com 172 mm LD; Jatobal, Rio Tocantins-

PA, 05/jul/82, Det. Ricardo Rosa. INPA-1749 (2 machos imaturos); 203 mm LD e 150

mm LD; Rio Tocantins (Igarapé Canoal), Breu Branco-PA, Nov./81, Det. Ricardo

Rosa-1988, Col. Equipe do INPA.

Potamotrygon scobina – INPA-20465 macho imaturo com 110 mm LD, Rio Xingu –

Altamira, Ilha do Sr. Izaltino (abaixo da ilha do Massaranduba) em 05/out./96, Col.

Zuanon. INPA-10157 fêmea imatura com 98 mm LD; Rio Amazonas, L. Grande em

Monte Alegre-PA, 5 a 12/ago./82, Col. Zuanon. INPA-1763 fêmea imatura com 129

mm LD; Rio Trombetas em Porto da Beira-PA, 08/out./85, Col. E. Ferreira e L. Py-

Daniel, Det. Ricardo Rosa-1988; exemplar identificado como P. orbignyi por Ricardo

Rosa, mas possui características de juvenil de P. scobina. INPA-15101 fêmea com

aproximadamente 270 mm LD; Rio Tefé – Jatuarana, 08/ago./79, Col. M. Gould.

Potamotrygon motoro – INPA-20478 Macho imaturo com 165 mm LD; Rio Araguaia,

Município de Caseara-TO, Lago de Volta Grande em 10/nov./00. INPA-15105 (2

machos, um adulto e o outro juvenil), 303 mm e 251 mm LD; Rio Tefé, Ressaca da

Paula em 03/ago./79, Col. W. M. Goulding, Det. Ricardo Rosa. INPA-1772 fêmea com

291 mm LD; Rio Tocantins a jusante da Barragem de Tucuruí-PA, V-85 Malha dura,

Det. Ricardo Rosa. INPA-15104 fêmea sem dados de coleta. Det. Ricardo Rosa.

MPEG-2466 fêmea imatura com 237 mm LD. MPEG-2468 macho adulto com 284

61

mm LD. UFPB-1474 fêmea com 172 mm LD; Volta Grande, Mun. Santo Antonio do

Leverger-MT, abr./1982, coletor J. B. Silva.

Potamotrygon sp. (Ilha de Marajó) – UFPB-3529 macho juvenil com 146 mm LD;

Praia Malhada, Cachoeira do Arari, rio Arari, Ilha de Marajó-PA, coletor C. S. Mendes.

Potamotrygon schroederi – F-0038, exemplar não tombado pela UFPB. Exemplar

fêmea com 293 mm LD.

Potamotrygon leopoldi – Sem numeração ou tombo pela UFPB. Exemplar fêmea com

297 mm LD.

Potamotrygon signata – UFPB-1518 macho juvenil com 155 mm LD; rio Sambito,

afluente do rio Poti, 22/ago./1986, coletor Jeremias P. S. Filho.

Potamotrygon magdalenae – UFPB-7638 macho adulto com 148 mm LD; coletor

Thomas B. Thorson. UFPB-7636 fêmea com 163 mm LD; coletor T. B. Thorson.

Potamotrygon yepezi – UFPB-1429 macho com 133 mm LD; rio Lemon, Venezuela,

6/dez./1982, coletor F. Mago-Leccia. UFPB-1427 macho adulto com 158 mm LD; lago

de Maracaibo, Venezuela, 1977, coletor T. B. Thorson.

Potamotrygon sp. (rio Negro) - UFPB-4867 macho adulto 150 mm LD; rio Itu, afluente

do rio Negro, Barcelos, out./2001, coletor M. L. G. de Araújo. UFPB-4866 fêmea com

160 mm LD; rio Itu, afluente do rio Negro, Barcelos, out./2001, coletor M. L. G. de

Araújo. UFPB-5217 fêmea com 233 mm LD; rio Itu, afluente do rio Negro, Barcelos,

3/jan./2001, coletor M. L. G. de Araújo.

62

CAPÍTULO II

Alimentação da Raia de Água Doce Potamotrygon

orbignyi no Rio Paranã – Alto Rio Tocantins

INTRODUÇÃO

As raias de água doce neotropicais pertencem à família Potamotrygonidae e

distribuem-se na maioria das bacias hidrográficas sul-americanas ao norte do rio da

Prata, com exceção daquelas que drenam para o Oceano Pacífico e da bacia do rio São

Francisco (ACHENBACH & ACHENBACH, 1976; BROOKS et al., 1981; ROSA,

1985; CARVALHO et al., 2003). Dezesseis espécies são reconhecidas em três gêneros,

sendo Paratrygon e Plesiotrygon gêneros monoespecíficos, e Potamotrygon com a

maior diversidade e 14 espécies (CARVALHO et al., 2003). Embora estas raias sejam

alvo de pesquisas desde o início do século XVIII (CASTEX, 1964), sua taxonomia e

63

biogeografia foram muito prejudicadas pelo forte policromatismo do grupo, descrições

superficiais, antigas, equivocadas e baseadas em poucos exemplares, perda de material

tipo, falta de informações precisas de coleta e revisões confusas (CASTELNAU, 1855;

GARMAN, 1913; CASTEX, 1963, 1964, 1967; ROSA, 1985).

A bacia Tocantins-Araguaia contém reconhecidamente seis espécies de raias de

água doce, a saber, Potamotrygon scobina, P. orbignyi, P. henlei, Potamotrygon sp. A

(alto e médio Tocantins) e Potamotrygon sp. B (baixo Tocantins e Araguaia) e

Paratrygon aiereba (ROSA, 1985; CARVALHO et al., 2003). Outras duas espécies

listadas para esta bacia, P. motoro e P. dumerilli, ainda não foram confirmadas ou, no

caso de P. dumerilli, foi sinonimizada como P. orbignyi (CARVALHO et al., 2003). O

rio Tocantins, principalmente na sua porção superior, é um rio que corre em canais, com

estreitas áreas de inundação, alta densidade de drenagem e gradiente íngreme (1400-600

m) (RIBEIRO et al., 1995). O rio Paranã é um dos dois principais afluentes formadores

do rio Tocantins e drena uma vasta área de inundação nas terras altas do Planalto

Central. Neste rio, apenas três espécies de raias de água doce foram registradas até o

momento, Paratrygon aiereba, Potamotrygon orbignyi e a espécie não descrita

Potamotrygon sp. A, o que confirma a previsão de ROSA (1985) de que as cabeceiras

das bacias hidrográficas poderiam conter espécies ainda não descritas.

A raia de água doce Potamotrygon orbignyi tem ampla distribuição geográfica

nas bacias dos rios Amazonas, Orinoco, Tocantins-Araguaia, Apure e em rios do

Suriname, Guiana e Guiana Francesa (ROSA, 1985; LASSO, 1985; LASSO et al.,

1996; CARVALHO et al., 2003). Embora apresente ampla distribuição em toda a bacia

Tocantins-Araguaia, pouco se sabe sobre a sua biologia reprodutiva, ecologia e relações

tróficas. LASSO et al., (1996), em estudos sobre a alimentação e reprodução de P.

64

orbignyi nos “llanos” venezuelanos da bacia do rio Apure, a identificam como

predadora de invertebrados aquáticos como larvas de insetos, crustáceos e Ostracoda.

PANTANO-NETO (2001), em estudo qualitativo da alimentação de P. motoro e P.

henlei em afluentes do rio Araguaia, corrobora com a identificação de P. orbignyi

(erroneamente identificada neste trabalho como P. castexi e possivelmente P. motoro)

como uma espécie basicamente insetívora. BRAGANÇA et al. (2004) também

identificam P. orbignyi como espécie predadora de invertebrados aquáticos tais como

isópodes, decápodes e larvas de díptera para a região da baía de Marajó (PA). Contudo,

surpreendentemente não há estudos quanto à cronologia da alimentação, câmbios

alimentares decorrentes do crescimento, estações do ano ou fases lunares e identificação

e avaliação do nível trófico desta espécie. Assim, o estudo da sua alimentação como

parte integrante da identificação de seu nicho é de fundamental importância para o

desenho das relações tróficas no ambiente onde vivem a fim de pautar a tomada de

decisões e medidas conservacionistas para todo o ecossistema.

Este capítulo tem por finalidade descrever a alimentação de Potamotrygon

orbignyi no rio Paranã, alto rio Tocantins, identificar sua posição trófica, variabilidade

ao longo do ano e possíveis câmbios de dietas decorrentes do crescimento e maturidade

do animal.

MATERIAL E MÉTODOS

O material analisado para o estudo da alimentação consiste de 83 exemplares de

Potamotrygon orbignyi coletados no médio rio Paranã, afluente do alto Tocantins, às

margens do município de Paranã-TO, próximo à divisa com o Estado de Goiás (Fig. 1),

65

com zagaia (arpão de mão) como arte de pesca ativa e espinhel de 25 anzóis como arte

de pesca passiva durante os anos de 2002 (janeiro-abril e agosto-dezembro) e 2003

(janeiro e agosto-setembro). No total, 181 indivíduos foram capturados em 38 dias de

coleta. Uma sub-amostra aleatória de 83 indivíduos foi escolhida para a análise da

alimentação. Desta sub-amostra, 67 indivíduos foram capturados em 26 dias de coleta.

Os demais 16 exemplares perderam suas etiquetas de campo no transporte ou manuseio.

As larguras de disco dos animais analisados variaram de 153 a 371 mm para machos e

de 150 a 460 mm LD para fêmeas (Fig. 2).

Figura 1. Mapa hidrográfico do Brasil e localização da região de coleta com imagem de

satélite (GoogleEarth). 1 – Rio Palmas e 2 – Rio Paranã. Escala = 2 km.

O alto Tocantins está compreendido na subregião de clima Xeroquimênico, que

é um clima tropical de monção, com um período seco no inverno e um período úmido

bastante acentuado, com chuvas torrenciais, no verão, sendo que a temperatura média

do mês mais frio é inferior a 20oC, o que condiciona a uma variação termoximênica

66

atenuada (COSTI, et al., 1977). Para fins de análise comparativa entre as estações de

chuvas e seca, considerou-se as chuvas como o período entre setembro e fevereiro e a

seca como o período entre março e agosto.

Distribuição de Frequências de P. orbignyi

0

2

4

6

8

10

12

140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460

Largur ade Disco (mm)

Freq

uênc

ia A

bsol

uta Fêmeas

Machos

Figura 2. Distribuição de freqüências dos 82 indivíduos utilizados no estudo de

alimentação.

Após a captura, cada exemplar foi fixado inteiro em formalina a 4%, ainda no

campo, e posteriormente transportado para o laboratório. De cada exemplar foram

observados sua LD, sexo, peso total (g), peso eviscerado(g) e removido seu sistema

digestório - compreendido nesta análise como o conjunto de órgãos mecano-químicos

localizados entre o esôfago e a cloaca incluindo o fígado - etiquetado para identificação

e acondicionado em formalina para exame detalhado. A análise do sistema digestório e

da alimentação também considerou o peso do estômago com conteúdo (g), peso do

estômago sem conteúdo (g) , o grau de repleção (1 = cheio, 2 = ¾ cheio, 3 = ½ cheio, 4

= ¼ cheio e 5 = vazio), peso do intestino cheio (g) e peso do intestino vazio (g), peso do

conteúdo estomacal úmido (g), número de itens por grupo taxonômico determinado (N),

sua freqüência de ocorrência (FO), peso (g) (P) e grau de digestão (1 = inteiro, 2 =

67

parcialmente digerido, 3 = digerido e identificado a grupo taxonômico superior e 4 =

digerido a resíduo). O Índice de Repleção Relativa (BM%) foi calculado como a razão

entre o peso úmido do conteúdo estomacal(g) e o peso total do animal (g).

Com base no número, freqüência de ocorrência e peso dos itens identificados,

foram calculados os seus respectivos N%, FO% e P%. O Índice de Importância Relativa

- IRI = FO% x (N% + P%) (PINKAS et al., 1971), modificado no uso do peso do item

ao invés de seu volume, e de seu respectivo IRI% (CORTÉS, 1997) e o Índice

Alimentar – IA = (FO% + P%)/∑( FO% + P%) (KAWAKAMI & VAZZOLER, 1980)

foram então calculados como índices de alimentação compostos para o cálculo do nível

trófico - NTk = 1 + ﴾∑ Pj x TLj ﴿, onde Pj é a proporção de um item alimentar e TLj é

o nível trófico deste item (CHRISTENSEN E PAULY, 1992; CORTÉS, 1999). Os

níveis tróficos dos itens alimentares invertebrados seguem VANDER ZANDEN et al.

(1997). Os níveis tróficos dos peixes identificados seguem o banco de dados do

FishBase para as espécies da Amazônia (www.fishbase.org) ou a média do nível trófico

da família identificada no conteúdo estomacal, caso a espécie não esteja listada no site.

Nos casos onde somente a categoria “peixes” é identificada, utilizou-se a média do nível

trófico para as espécies demersais do ecossistema amazônico listadas no FishBase

(NTmédio = 3,2; n = 157 espécies). Referências bibliográficas diversas como artigos

publicados em revistas científicas, resumos expandidos de congressos, anais de

congressos, relatórios, monografias e dissertações de mestrado também foram utilizados

como fonte de informação sobre a alimentação de diversas espécies de raias de água

doce para o cálculo de seus respectivos níveis tróficos a título de comparação com os

resultados obtidos neste trabalho.

68

A maturidade sexual (L50) nas fêmeas foi determinada por meio da presença de

folículos ovarianos com diâmetros maiores que 10 mm ou de fêmeas grávidas (L50 =

260 mm LD) e nos machos por meio da curva de crescimento do clásper (L50 = 241 mm

LD) e o grau de rigidez do mesmo (q. v. capítulo de reprodução). Com base nestes

valores de L50, os animais foram agrupados em juvenis e adultos para comparações

ontogenéticas de sua dieta.

Juvenis e adultos foram comparados entre si para cada sexo quanto aos

principais itens predados por meio do teste-χ2 em tabelas de contingência 2x2 com

correção de continuidade de Yates ou tabelas “rxs” (SOKAL & ROLF, 1969; VIEIRA,

2003). A alimentação para os principais itens alimentares foi comparada entre as

estações de seca e chuva e das fases lunares pelo teste-χ2 das freqüências destes itens

entre as estações e as fases lunares. As análises comparativas entre as estações de

chuvas e seca e entre os períodos diurno e noturno com base no BM% foram feitas por

meio do Teste-t, quando respeitadas suas premissas, ou pelo seu equivalente não

paramétrico Teste-U de Mann-Whitney. Para fins de análise circadiana da alimentação,

considerou-se o período diurno compreendido entre as 8:00 e 17:59 horas e o período

noturno entre as 18:00 e 7:59 horas. Todos os testes estatísticos foram executados pelos

programas STATISTICA 5.5 da STATSOFT e Excel 2002 da Microsoft e consideraram

o nível de significância de 5% (α = 0,05).

Todas as medidas foram tomadas com paquímetro em milímetros ou centésimos

de milímetros - paquímetro digital Starrett para o tamanho das presas, - e os pesos

medidos em balança digital Filizola modelo DC500 de precisão de 5 gramas para as

raias com mais de 500 gramas e com balança Plena Precision com precisão de 0,1

grama para raias com menos de 500 gramas. Os itens estomacais foram pesados em

69

balança Marte AL200c com precisão de milésimo de grama após secagem parcial em

papel toalha para a remoção do excesso de água.

Os itens estomacais foram identificados por meio de bibliografia especializada

(HYNES, 1970; McCAFFERTY, 1981; VOSHELL, 2003) e com auxílio da Dra. Maria

Julia Martins da Silva do Laboratório de Bentos Aquático da Universidade de Brasília-

UNB.

RESULTADOS

Morfologia do Sistema Digestório (Fig. 3)

Boca. Localizada ventralmente na porção anterior do disco, logo após as narinas e com

abertura que varia de 6,3 a 12% da largura do disco; parcialmente recoberta pela cortina

nasal. Fileiras centrais de dentes expostas com a boca fechada. Arcadas relativamente

frágeis e com musculatura associada pouco robusta. Sulcos labiais visíveis nos cantos

inferiores da boca, evidenciando uma relativa protractibilidade. A boca de indivíduos

formalizados se abre facilmente com a pressão dos dedos ou com um objeto introduzido

no interior da mesma.

Dentição. Arcadas armadas com fileiras de dentes arranjadas lado a lado e

acompanhando a arcada em diagonal. Dentes de machos com coroas monocúspides.

Fêmeas com coroas tricúspides; cúspide central maior e distinta e cúspides laterais

pouco evidentes. Dentes pequenos, cerca de 0,8 mm em indivíduos adultos, e com

distinto dimorfismo dignástico, monognástico e ginândrico; dimorfismo ontogenético

pouco evidente (maiores detalhes no capítulo 1).

70

Cortina oral. Desenvolvida e estendendo-se de uma comissura à outra; localizada

exatamente interior à arcada dentária, logo após a placa dentária; sua finalidade é

desconhecida, mas deve regular o fluxo de água para o interior da boca no momento da

ingestão dos alimentos.

Papilas orais. Localizadas em posição simétrica à da cortina oral, mas imediatamente

interior à cartilagem de Meckel. Apresenta cinco papilas orais desenvolvidas, próximas

entre si e centralizadas na boca.

Faringe. Cavidade trapezóide, ampla e livre de dentículos ou dentes para a mastigação;

não possui estruturas para a manipulação dos alimentos, que devem seguir diretamente

para o esôfago.

Esôfago. Estreitamento do sistema digestório a partir da faringe com desenvolvida

musculatura e evaginações do epitélio a fim de permitir a distensão do mesmo para a

entrada de alimentos maiores no estômago. Distensão limitada pela coluna vertebral e

barra coracóide da cintura peitoral.

Estômago. Órgão em forma de “J” com leve distinção entre o estômago cardíaco e

pilórico. Estômago cardíaco localizado imediatamente após o esfíncter fortemente

muscularizado e rico em evaginações do epitélio interno. Estômago pilórico sem

musculatura desenvolvida evidente e evaginações, semelhante a uma bolsa e terminando

em um esfíncter pilórico.

Intestino proximal. Logo após o esfíncter pilórico e anterior à válvula espiral existe

uma câmara relativamente ampla onde o alimento chega altamente hidratado.

Intestino. Órgão curto, cerca de duas vezes mais longo que largo; freqüentemente cheio

de areia e material em digestão; válvula espiral do tipo cônico-espiral, com 16

evoluções e segue até próximo ao final do intestino, que termina formando um reto com

71

um esfíncter. A glândula retal é visível na parede externa dorso-lateral esquerda do reto

e possui sua luz para dentro do mesmo. O bolo fecal chega ao reto e à cloaca

desidratado.

Figura 3. Sistema digestório de Potamotrygon orbignyi; a) Detalhe da boca em vista

ventral; b) Dentes superiores sinfisiais de fêmea No 815151 com 224 mm LD; c)

Sistema digestório em vista geral com boca e faringe à esquerda; d) Porção distal do

sistema digestório em vista ventral; e) Sistema digestório em vista ventral com o fígado

removido. a-cortina oral, b-arcada inferior, c-papilas orais, d-faringe, e-narinas, es-

esôfago, g-estômago, h-fígado, vb-vesícula biliar, i-intestino, r-glândula retal, ip-

72

intestino proximal, p-pâncreas, cg-estômago cardíaco, pg-estômago pilórico e cl-cloaca.

Escala em b é igual a 1 mm; escala nas demais figuras é igual a 20 mm.

A Captura

A pesca passiva com espinhel de fundo se mostrou pouco eficiente na captura de

qualquer espécie de raia de água doce, principalmente durante o dia, quando o

rendimento médio foi de 0,7 raias por dia. Desta forma, optou-se pela pesca ativa com a

zagaia, que apresentou um rendimento médio 2,57 indivíduos por dia. A proporção de

fêmeas e machos nos animais analisados foi de 1,7:1, indicando uma diferença

significativa em favor das fêmeas (χ2 = 5,90; p < 0,015). O rendimento diurno foi de 1,5

(18 animais em 12 dias) e noturno de 2,76 raias por dia (47 animais em 17 dias).

Embora as capturas diurnas e noturnas apresentem diferenças entre suas médias (1,5 vs.

2,76), essa diferença não se mostrou significativa (Teste-U de Mann-Whitney; Z = 1,87

e p = 0,06). A análise da captura por estação do ano revelou uma média para a seca de

2,33 e para as chuvas de 2,72 exemplares por dia, sem haver diferenças significativas

entre as estações (Teste-t; t = -0,54 e p = 0,59). A CPUE (captura por dia de pesca) por

fase lunar apresentou diferenças significativas (χ2 = 7,87; p = 0,019) entre as fases de

lua crescente, cheia e nova, evidenciando uma vulnerabilidade diferenciada de P.

orbignyi à pesca ativa. Na lua cheia a CPUE média foi a menor com 1,5 indivíduos por

noite, enquanto que nas luas crescente e nova a CPUE média foi respectivamente 4,5 e

2,3 indivíduos por noite. A fase de lua minguante não foi incluída na análise por ter sido

registrada em apenas dois dias de captura com média de 2 indivíduos por noite.

73

Dieta e Hábitos Alimentares

A raia de água doce Potamotrygon orbignyi alimenta-se basicamente de larvas e

ninfas de insetos no rio Paranã (Tab. 1). As principais Ordens em grau de importância

relativa foram: Ephemeroptera (IRI = 15352,8), Diptera (IRI = 1863,1) e Trichoptera

(IRI = 281,9), que corresponderam juntas a 99,72% do IRI% (Fig. 4). As Ordens

Odonata (IRI = 48,1) e Coleoptera (IRI = 0,15) correspondem juntas a menos de 0,3%

do IRI%.

Tabela 1. Listagem taxonômica da dieta de P. orbignyi com valores de porcentagem

numérica N%, porcentagem em peso P%, porcentagem de freqüência de ocorrência

FO%, índice de importância relativa IRI e seu respectivo porcentual por categorias

alimentares.

Itens Alimentares N% P% FO% IRI IRI%Arthropoda Insecta Diptera 22.534 7.057 62.963 1863.182 10.619 Chironomidae Ceratopogonidae Tipulidae Ephemeroptera 75.766 85.738 95.062 15352.853 87.499 Leptophlebiidae Ephemeridae Trichoptera 1.478 4.532 46.914 281.920 1.607 Odonata 0.176 2.612 17.284 48.196 0.275 Libellulidae Coenagrionidae Aeshnidae Coleoptera 0.031 0.000 4.938 0.151 0.001 Chelicerata Arachnida 0.008 0.005 1.235 0.016 0.000Vertebrata Osteichthyes 0.008 0.056 1.235 0.078 0.000

74

Figura 4. Diagrama IRI% com valores de FO%, N%, P% para os principais itens

alimentares de P. orbignyi (n = 83). Os três itens mais importantes corresponderam a

99,7% da dieta desta espécie.

Um único fragmento de peixe (IRI = 0,07) e uma aranha (IRI = 0,01) foram

registrados, mas correspondem a menos de 0,0005% de importância relativa percentual.

Itens digeridos a resíduo também foram encontrados e classificados como massa

amorfa, o que quase sempre correspondeu à massa digerida de larvas e ninfas de insetos,

evidenciado por uma grande quantidade de partes soltas destes animais, tais como

antenas, articulações e carapaças.

A massa amorfa, quando considerada no cálculo do IRI, alcançava o segundo

grau de importância relativa devido aos seus altos valores de peso (50,2%) e à sua

freqüência (82,7%), perdendo somente para Ephemeroptera. No entanto, como categoria

75

em si, não é efetivamente capturada pelo predador e não foi considerada para a análise

final do IRI.

Areia, pedras e fragmentos vegetais foram considerados itens não nutricionais,

provavelmente decorrentes de ingestão acidental ao revirar o fundo. Contudo, areia foi

um item muito pesado com uma média de 1,39 gramas em cada estômago analisado e

com freqüência de ocorrência em 30,8%. Embora pedras e fragmentos vegetais não

representem uma grande contribuição em peso, estes itens foram bem comuns com

45,6% e 27,1% de freqüência de ocorrência, respectivamente. Vermes nematóides

foram considerados parasitas por estarem sempre não digeridos, tanto no estômago

quanto no intestino.

Potamotrygon orbignyi apresentou distinta dominância de ninfas de

Ephemeroptera em sua dieta alimentar seguido de larvas de Diptera. Uma representação

gráfica tridimensional dos conteúdos estomacais em referência aos eixos FO%, N% e

P%, reiteram a dominância de Ephemeroptera com altos valores nestes eixos e

posicionamento desta categoria alimentar perto do vértice D (dominância) da Figura 5.

Categorias alimentares localizadas próximo ao vértice R, tais como peixes, Odonata,

Coleoptera e aracnida, indicam a raridade destas categorias, com baixos valores de

FO%, N% e P%. Diptera e Trichoptera, por outro lado, apesar de não apresentarem uma

representatividade em peso significativa, ocorrem freqüentemente e em grandes

números na dieta de P. orbignyi, evidenciando um alto grau de oportunismo para estas

categorias.

76

Figura 5. Representação Tridimensional da dieta de P. orbignyi com indicação dos

vértices de D-dominante e R-raro, em referência à presa, e S-especialista e G-

generalista, em referência ao hábito alimentar do predador.

A variabilidade percentual do número e peso dos principais itens encontrados

indica maior contribuição de Diptera nas menores classes de comprimento para ambos

os sexos (Fig. 6, 7, 8 e 9). Esta contribuição é gradativamente substituída por

Ephemeroptera, que a partir de 180 mm LD assume a maior importância relativa na

alimentação desta espécie. Em termos numéricos da participação de Diptera,

Ephemeroptera e Trichoptera na alimentação de P. orbignyi, houve diferença

significativa entre jovens e adultos (χ2 = 1682,5; p = 0,000), confirmando o câmbio

alimentar de Diptera para Ephemeroptera durante a fase juvenil. Exemplares de maior

porte – acima de 400 mm LD – foram escassos nas análises e estavam quase sempre

77

com graus de repleção baixos e poucos itens estomacais, sobrevalorizando a

importância de Diptera e Trichoptera nas análises dos gráficos.

Variação Alimentar Relativa em Fêmeas de P. orbignyi ao Longo do Crescimento

0.00

20.00

40.00

60.00

80.00

100.00

140 180 220 260 300 340 380 420 460

Largura de Disco (mm)

%N

%Odonata%Tricop%Epheme%Diptera

Figuras 6. Variação ontogenética do N% para fêmeas de P. orbignyi.

Variação Alimentar Relativa em Machos de P. orbignyi ao Longo do Crescimento

0.00

20.00

40.00

60.00

80.00

100.00

140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380

Largura de Disco (mm)

%N

%Odonata%Tricop%Epheme%Diptera

Figura 7. Variação ontogenética do N% para machos de P. orbignyi.

78

Variação Alimentar Relativa em Fêmeas de P. orbignyi ao Longo do Crescimento

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380 400 420 440 460

Largura de Disco (mm)

%P

%Odonata%Tricop%Epheme%Diptera

Figura 8. Variação ontogenética do P% para fêmeas de P. orbignyi.

Variação Alimentar Relativa em Machos de P. orbignyi ao Longo do Crescimento

0102030405060708090

100

140 160 180 200 220 240 260 280

Largura de Disco (mm)

%P

%Odonata%Tricop%Epheme%Diptera

Figura 9. Variação ontogenética do P% para machos de P. orbignyi.

79

Os intestinos freqüentemente encontravam-se cheios de material em digestão –

carapaças de larvas e ninfas de insetos – e areia e pedras. A média em peso desse

conteúdo intestinal foi de 31,35 gramas (2,86-134,86 gramas), o que corresponde a

2,24% do peso total do animal e é aproximadamente 9 vezes o peso médio percentual

(0,25% e variância de 0,04) do conteúdo estomacal. Esta diferença evidencia uma baixa

taxa de evacuação gástrica em relação à freqüência alimentar de aproximadamente 1/9

vezes. Ou seja, se o intervalo entre o início de um período alimentar e o início do

próximo período alimentar for de três horas, o tempo para o início da evacuação gástrica

seria de aproximadamente 27 horas à temperatura ambiente média de 28oC, e sem a

interrupção de alimentação, pois o intestino necessariamente deve estar cheio, como

ocorre naturalmente.

A desidratação do conteúdo intestinal ocorreu na sua porção distal, indicando

maior absorção da água e nutrientes nesta porção do intestino. O peso médio da areia

encontrada no intestino foi aproximadamente 22 vezes maior que o peso médio da areia

encontrada no estômago.

Grau de Repleção e Digestão

Aproximadamente 96,3% (80 estômagos) das raias analisadas apresentaram

conteúdo estomacal. A distribuição de freqüências para o grau de repleção evidencia

que 51,2% dos estômagos analisados estavam com até ¼ do seu volume cheio de presas

e que 38,4% encontravam-se em categorias de ½ a ¾ do seu volume cheios (Fig. 10).

Cinco estômagos estavam cheios (6,4%) e somente três estômagos estavam vazios

(3,8%). A análise do Índice de Repleção Relativa (BM%) em função do período de

80

captura não indicou diferença significativa entre os animais capturados durante o dia

(8:00-17:59, n = 17) e os animais capturados à noite (18:00-7:59, n = 48) (Z = -0,2985;

p = 0,765), com média do BM% no período diurno de 0,30% (s2 = 0,061) do peso

somático do animal versus 0,22% do período noturno (s2 = 0,041) (Fig. 11). A média do

peso da massa alimentar foi de 1,54 g durante o dia, com variabilidade de 0,355 a 4,463

g, e de 1,30 g durante a noite, com variabilidade de 0,025 a 6,721 g. Da mesma forma,

os animais capturados nas chuvas e na seca não apresentaram diferenças significativas

quanto às suas médias de BM% (Z = 0,2237; p = 0,822), e que variaram de 0,30% nas

chuvas contra 0,23% na seca (Fig. 12 e 13). Os pesos médios da massa alimentar para as

chuvas e a seca foram respectivamente 1,22 e 1,48 g (Tab. 2).

Distribuição de Frequências do Percentual do Grau de Repleção

0102030405060

1 2 3 4 5Grau de Repleção

Freq

uênc

ia

Perc

entu

al

1>Cheio 2>3/4 Cheio 3>1/2 Cheio 4>1/4 Cheio 5>Vazio

Figura 10. Distribuição percentual do grau de repleção em P. orbignyi.

Os conteúdos estomacais apresentaram baixo grau de digestão, com a maioria

(74,11%) das categorias alimentares sendo identificadas como “inteiro” ou

“parcialmente digeridas”, nos graus de digestão 1 e 2. No entanto, a freqüência de

81

categorias nos graus de digestão “digerido a fragmentos” ou “digerido a resíduos”,

graus de digestão 3 e 4, corresponderam a 25,89%. As larvas de insetos das ordens

Diptera, Ephemeroptera e Trichoptera foram ingeridas quase sempre inteiras, sem

mastigação. Altas concentrações destas larvas de insetos foram freqüentes e

apresentaram grande homogeneidade de digestão, evidenciando um padrão de predação

“especialista-oportunista” sobre uma miríade de insetos.

95% Inter ConfMEDIA

Variação Cicardiana da Alimentação de Potamotrygon orbignyi

BM

%

-0.02

0.02

0.06

0.10

0.14

0.18

0.22

Dipt DiaEphemer Dia

Trich DiaDipt Noite

Ephemer NoiteTrich Noite

Figura 11. Variação do BM% para os três principais itens da dieta de P. orbignyi entre o

dia e a noite.

82

Máx e MínMÉDIA

BM% por Estação do Ano e por Período do Dia

BM

%

-0.5

0.0

0.5

1.0

1.5

2.0

2.5

3.0

3.5

Chuva Seca Dia Noite

Figura 12. Média do BM% de P. orbignyi entre as estações de seca e chuva e dia e

noite.

Tabela 2. Variação do peso úmido do conteúdo estomacal e do índice de repleção

relativa-BM% por estação e entre o dia e a noite. n = número de observações.

Peso Úmido média variância Mín Máx nSeca 1.485 0.898 0.025 3.877 35Chuva 1.226 1.980 0.069 6.721 30Dia 1.541 1.008 0.355 4.463 17Noite 1.304 1.536 0.025 6.721 48

BM% média variância Mín Máx nBM% Seca 0.231 0.026 0.004 0.539 35BM% Chuva 0.300 0.332 0.003 3.069 30BM% Dia 0.299 0.061 0.015 0.791 17BM% Noite 0.222 0.041 0.001 0.902 48

83

Figura 13. Variação do BM% para os três principais itens da dieta de P. orbignyi entre

as estações de seca e chuva.

Nível Trófico

Os níveis tróficos de quatro espécies de Potamotrygon (P. orbignyi, P. scobina,

Potamotrygon sp. A e P. henlei) e os níveis tróficos de Plesiotrygon iwamae e

Paratrygon aiereba foram calculados para a estimativa do nível trófico médio da

família Potamotrygonidae (Tab. 3).

Os gêneros Potamotrygon e Plesiotrygon alimentam-se basicamente de

invertebrados bentônicos e demersais, com algumas espécies predando peixes

oportunamente (ROSA, 1995; ROSA, 1997; LASSO et al., 1996; PANTANO-NETO,

95% Inter ConfMEDIA

Variação Sazonal da Alimentação de Potamotrygon orbignyi

BM%

-0.04

0.00

0.04

0.08

0.12

0.16

0.20

Dipt SecaEphemer Seca

Trich SecaDipt Chuvas

Ephemer ChuvasTrich Chuvas

84

2001; CHARVET-ALMEIDA, 2001; BRAGANÇA et al., 2004; MARQUES5, material

não publicado; RINCON, material não publicado).

Paratrygon aiereba foi a única raia identificada como dominantemente

ictiófaga, podendo ocorrer invertebrados bentônicos oportunamente (LASSO et al.,

1996; RINCON, material não publicado; MARQUES, material não publicado).

Tabela 3. Dieta alimentar identificada para as espécies analisadas no estudo do nível trófico- NT. Índice de Importância Alimentar - IRI. Índice Alimentar - IA,NT - Nível Trófico. Os valores de IA foram multiplicados por 100 para efeito de comparação com o IRI%.

P. aiereba P. iwamae P. orbignyi Potamotrygon sp. A P. scobina P. henleiN = 6 N = 9 N = 34 N* = 4 N = 18 N* = 20 N = 82 N = 13 N = 3 N* = 4 N = 18

Ítem IA x 100 IRI% IRI% IRI% IA x 100 IRI% IRI% IA x 100 IRI% IRI% IRI%Peixe 100.00 98.00 10.97 3.69 0.00 60.73 22.13Molusco 0.04 9.46 50.05Pomacea sp. 66.82 3.28Melanoides tuberculatus 11.05Camarão 66.60 88.00 0.12 0.50 16.70 80.80 25.00Siri 8.81Isopoda (Piolho d'água) 1.63 67.11 18.00Odonata 18.54 0.27 4.09 3.48Diptera 21.28 32.40 10.62 0.58Chironomidae 9.18Ceratopogonidae 22.43 0.03Trichoptera 8.28 1.61 8.61 12.08Ephemeroptera 2.00 16.34 87.50 0.09 5.54Coleoptera 0.08 0.00 0.28Chaoboridae 0.01Hemiptera 0.00Restos de InsetosAracnida 0.00SedimentoRestos Vegetais 11.97 12.00 1.20NT 4.2 4.18 3.77 3.76 3.61 3.83 3.5 3.97 3.26 3.97 3.37P. aiereba, P. orbignyi, Potamotrygon sp. A. Valores de alimentação expressos em IA x 100 - SANTOS, 2000P. aiereba e P. henlei IRI% - RINCON material não publicadoP. iwamae - CHARVET-ALMEIDA, 2001N* identifica espécies analisadas por BRAGANÇA et al., (2004)

O nível trófico de Potamotrygon ficou entre 3,26 e 3,97 com Potamotrygon sp.

A do rio Paranã apresentando o menor nível trófico e P. scobina da baía de Marajó com

o maior nível trófico. Plesiotrygon iwamae ocupou um nível trófico intermediário

(3,77), com dieta baseada principalmente em camarões Palaemonidae, peixes,

caranguejos e isópodes, evidenciando portanto uma dieta basicamente carcinófaga.

5 Dra. Elineide Eugênio Marques. Rua Paraguaçú 450. Setor Umuarama. 77500-000 Porto Nacional, Tocantins. Fundação Universidade do Tocantins. Campus de Porto Nacional.

85

Paratrygon aiereba ocupa o maior nível trófico registrado para a família

Potamotrygonidae (4,20), alimentando-se basicamente de peixes, principalmente

espécies da família Pimelodidae e Loricariidae. O nível trófico médio da família

Potamotrygonidae com base nas seis espécies analisadas foi de 3,76 (IC95% 3,51-4,00).

A estatística apresentada na Tabela 4 identifica a família Potamotrygonidae como

consumidores secundários (NT<4), sendo que Paratrygon aiereba é a única espécie

identificada como consumidor terciário (NT>4). O nível trófico e o tamanho máximo do

corpo (largura de disco) observado ou registrado em bibliografia apresentaram

correlação positiva (r = 0,80, p = 0,025, n = 6) e expressa pela equação linear NT =

2,588 + 0,0017LD (Fig. 14).

Tabela 4. Estatística do nível trófico-NT de raias de água doce e de tubarões (Cortés, 1999) a título comparativo.

Grupo Taxonômico N Média ICI ICS Mín Máx Mediana 25%p 75%p ModaTubarões 149 4 3.9 4.1 3.1 4.7 4.1 3.8 4.2 4.2Potamotrygonidae 6 3.7 3.5 4 3.3 4.2 3.7 3.2 3.9 3.3

Nível Trófico por Largura de Disco Máxima Observada

11.5

22.5

33.5

44.5

400 500 600 700 800 900

Largura de Disco (mm)

NT

Potamotrygon sp. AP. scobinaP. orbignyiP. henleiP. aierebaP. iwamae

Figura 14. Relação entre a largura de disco e o nível trófico para seis espécies de

Potamotrygonidae.

86

DISCUSSÃO

A morfologia do sistema digestório de P. orbignyi confirma uma dieta baseada

em itens alimentares frágeis e de pouca resistência à predação, condizentes com o hábito

alimentar insetívoro encontrado nesta espécie. Todo o sistema digestório pré-esofágico

parece estar relacionado à captura e ingestão de presas frágeis, não havendo estruturas

auxiliares na digestão mecânica dos alimentos. O número de cinco papilas orais no

interior da boca parece ser freqüente em espécies com dieta dominante de invertebrados,

enquanto que espécies com durofagia ou peixes apresentam somente três papilas

centrais desenvolvidas e duas comissurais distintamente vestigiais (P. henlei,

Potamotrygon sp. A, Potamotrygon sp. B, P. aiereba e P. motoro). A relativa

protratibilidade da boca, evidenciada pelos sulcos labiais, permite brusca alteração do

volume buco-faringeano, provocando a sucção de itens alimentares aglomerados tais

como as larvas de insetos. Este mesmo padrão é observado em espécies de Myliobatis,

Rhinoptera e Aetobatus, que utilizam essa sucção para cavarem o fundo em busca de

moluscos bivalvos enterrados (HOWARD et al., 1977; GREGORY et al., 1979;

MOYLE & CECH, 1982).

A dentição de P. orbignyi é frágil, diminuta – com dentes menores que 1 mm de

largura máxima - e relativamente independente, onde cada dente pode agir

individualmente para a captura da presa. As pequenas cúspides e a fina cartilagem das

arcadas, permitem ao animal “pinçar” alguns de seus itens alimentares maiores tais

como os odonatas, coleopteras e possivelmente os trichopteras. Outras raias

microfágicas, do ponto de vista para elasmobrânquios, como Discopyge tschudii e

Narcine brasiliensis, também apresentam dentição de tamanho reduzido, o que parece

87

favorecer a manipulação da presa para a sua ingestão sem a mastigação (BIGELOW &

SCHROEDER, 1953; GARCIA, 1984). A ação mecânica do alimento ocorre no

interior da válvula espiral, onde, juntamente com uma grande quantidade de areia

acumulada e o deslocamento do alimento ao longo das evoluções, tritura as carapaças

das larvas de insetos e as separa para melhor absorção dos nutrientes. Esta absorção

ocorre na porção distal do intestino e é evidenciada pelo grau de desidratação do bolo

fecal.

A captura de raias de água doce durante o dia com o uso do espinhel de fundo

foi severamente prejudicada pela competição com outros peixes. Os baixos rendimentos

durante o dia induziram a troca de apetrecho e de comportamento de pesca. Segundo

BOWEN (1983), a pesca ativa no estudo da alimentação de peixes tem a vantagem de

capturar tanto os peixes que estão em busca de alimento quanto os saciados. Desta

forma, de uma arte de pesca tipicamente passiva, passou-se a uma pesca ativa, com o

uso da zagaia de três pontas, ou tridente. No entanto, o espinhel de fundo tem sido

utilizado com eficiência em outras regiões (CHARVET-ALMEIDA, 2001; PINTO DE

ALMEIDA, 2003). Esta diferença no rendimento do espinhel provavelmente se deve a

características regionais típicas na baía de Marajó como a presença de marés,

comportamento do pescador e diferença na composição específica da captura de raias de

água doce, que pode apresentar comportamentos alimentares diferenciados a presas

disponíveis no meio ambiente. A distribuição preferencial de P. orbignyi no rio Paranã é

próxima à margem do rio, em pontos de correnteza moderada a fraca onde encontra a

maior abundância de suas presas sobre fundo lodoso ou arenoso, intercalado por

vegetação subaquática e marginal. Desta forma, a sua distribuição sobrepõe estes pontos

ricos em alimento, onde a sua captura é favorecida. Da mesma forma, capturas em noite

88

de lua crescente e nova foram significativamente maiores que as capturas de lua cheia.

A diferença observada nas CPUE entre as fases lunares corrobora com o que os

pescadores identificam como comportamento tímido das raias de água doce nas noites

claras de lua cheia, dificultando sua captura com a zagaia. Estes animais são adaptados à

visão em condições de baixa intensidade luminosa através da reflexão da luz pelo

tapetum lucidum e pela seleção dos comprimentos de onda de luz por pigmentos

específicos dentro das células fotoreceptoras (HUETER et al., 2004). Desta forma, é

compreensível que o animal enxergue melhor em noites de lua cheia que em noites sem

lua ou mesmo de dia, quando teria dificuldades para lidar com o excesso de luz.

A raia de água doce Potamotrygon orbignyi é basicamente insetívora na região

do rio Paranã, alto Tocantins, e alimenta-se principalmente de ninfas de Ephemeroptera

e larvas de Diptera e Trichoptera ao longo de toda a sua vida. No entanto, esta espécie

parece adaptar-se facilmente à disponibilidade de recursos alimentares do ambiente,

alimentando-se de itens compatíveis com sua capacidade predatória e morfologia do

sistema digestório. O principal item alimentar desta espécie na baía de Marajó são

crustáceos isópodes (BRAGANÇA et al., 2004), os quais não foram encontrados em

exemplares da mesma espécie no alto Tocantins. Assim, LASSO et al. (1996) também

relatam uma variedade de invertebrados na dieta de P. orbignyi para os “llanos”

venezuelanos incluindo camarões, caranguejos e ostracodes, os quais também não

ocorreram na dieta dos exemplares analisados neste estudo. Este padrão não é incomum

em elasmobrânquios e já foi relatado para espécies de ampla distribuição geográfica

como Squalus acanthias, Raja radiata e Prionace glauca, dentre outras (HOLDEN,

1966; RAE, 1967; TRICAS, 1979; PEDERSEN, 1995; VASKE & RINCON, 1997).

Diferenças no tipo de habitat e profundidade foram identificadas como responsáveis por

89

influenciar a composição da dieta em elasmobrânquios (STILLWELL & KOHLER,

1982; CORTÉS et al., 1996). Assim, variações na dieta de P. orbignyi entre pontos

distintos geograficamente indica uma adaptabilidade da espécie às condições distintas

de habitat e às relações tróficas existentes.

A dominância de ninfas de Ephemeroptera deve ser cautelosamente interpretada

como uma especialização à predação desta presa. Embora P. orbignyi apresente

modificações morfológicas para uma dieta composta principalmente de invertebrados

aquáticos, populações distintas desta espécie apresentam diferentes itens dominantes em

suas dietas (LASSO et al., 1996; BRAGANÇA et al., 2004), indicando um oportunismo

de P. orbignyi para predar itens que apresentem um balanço compensatório entre

abundância, densidade e valor energético. A abundância e densidade necessárias

determinam um padrão comum em populações distintas de P. orbignyi, a preferência

por somente um ou poucos itens alimentares dominantes.

Câmbios alimentares devido à ontogenia e mesmo à maturidade sexual em

elasmobrânquios são freqüentes e relatados para diversas espécies (STILLWELL &

KOHLER, 1982, 1993; PEDERSEN, 1995; LOWE et al., 1996; ALONSO et al., 2001;

MUTO et al., 2001). Potamotrygon orbignyi apresenta dois câmbios alimentares na fase

juvenil; o primeiro entre 110-130 mm, quando troca a alimentação endógena pela

exógena ao exaurir as reservas vitelínicas; o segundo entre 160-180 mm LD, quando

troca as larvas de Diptera por ninfas de Ephemeroptera como seu principal item

alimentar. Nesta mesma fase do desenvolvimento - segundo câmbio alimentar - também

se observa um aumento da diversidade de itens (Odonata, Trichoptera e Coleoptera) na

dieta e de sua participação em número e peso. Este câmbio pode estar associado a um

aumento da experiência de captura das jovens raias, que começam a predar sobre ítens

90

alimentares com maior capacidade de locomoção, mas mais vantajosos energeticamente

(STEPHENS & KREBS, 1986). Este câmbio é ontogenético e não decorrente da

maturidade sexual, que ocorre somente em indivíduos maiores (240 mm LD para

machos e 260 mm LD para fêmeas). O mesmo padrão foi observado em Dipturus

chilensis (ALONSO et. al., 2001), que em seu primeiro câmbio alimentar ontogenético

troca uma dieta betônica, composta principalmente por crustáceos, por uma dieta

demersal-bentônica, composta principalmente por peixes.

A alta incidência de animais com conteúdo estomacal em todos os horários de

captura em um intervalo de 14 horas e a variedade de graus de digestão ocorrendo

concomitantemente evidencia contínua alimentação. De outra forma, seria de se esperar

períodos do dia onde os animais apresentassem estômagos vazios ou graus de

alimentação coincidentes, indicando sincronismo alimentar populacional. Este padrão é

ainda confirmado pela constância dos valores do índice de repleção relativa (BM%), os

quais não apresentam diferenças significativas entre o dia e a noite ou entre as estações

de seca e chuvas. O pequeno porte das suas presas corriqueiras e seu provável baixo

valor nutricional induzem o predador a uma constante busca por alimento a fim de

suprir suas necessidades nutricionais diárias. As ocorrências singulares de peixe e

aracnida indicam que P. orbignyi pode ter um comportamento alimentar oportunista. O

único peixe encontrado provavelmente foi ingerido morto, tendo em vista o fato de ser

somente um fragmento, o que contraria o comportamento usual da espécie de engolir

suas presas inteiras.

O valor médio do nível trófico da família Potamotrygonidae identifica as raias

de água doce como predadores intermediários na cadeia trófica dos rios, contrariando a

visão corriqueira de que estes animais sejam predadores de topo. Essa visão equivocada

91

do posicionamento trófico das raias de água doce provavelmente provém de uma

inferência a partir do posicionamento trófico do seu grupo irmão, os tubarões

(CORTÉS, 1999). Nos ambientes onde ocorrem, as raias de água doce provavelmente

utilizam recursos similares que a maioria dos peixes demersais da bacia Amazônica com

níveis tróficos estimados (n = 157), os quais apresentaram um nível trófico médio de 3,2

vs 3,6 das raias. No entanto, o impacto competitivo destas raias no rio Paranã somente

pode ser avaliado com base em estudos ecológicos mais complexos através de

levantamentos ictiofaunísticos regionais, avaliações de abundância bentônica e estudos

de alimentação e abundância de peixes.

A relação LD-NT apresentou boa correlação linear e cerca de 65% da variação

do nível trófico pode ser explicada pela reta de regressão (largura de disco e nível

trófico). No entanto, um número maior de espécies terá de ser incorporado neste modelo

para melhor avaliação de tendências. Com base neste modelo, espécies de grande porte

como P. brachyura, uma raia de água doce gigantesca das bacias dos rios Paraná,

Paraguay e Uruguay, devem possuir um nível trófico elevado (NT>4) e uma dieta

dominante de peixes. Por outro lado, espécies menores como a Potamotrygon sp. C

“cururu” do rio Negro, devem apresentar um nível trófico baixo, com dieta dominante

de invertebrados. No entanto, exceções podem ocorrer, como os grandes tubarões

planctófagos Cetorhinus maximus e Rhincodon typus, que apresentam NT muito abaixo

do esperado para seu grande porte (Cortés, 1999).

As fontes de variação e erro das estimativas dos níveis tróficos das raias de água

doce são diversas. O uso de diferentes índices de alimentação compostos tais como o

IRI e o IA, embora expressem a mesma relação de dominância alimentar, podem

apresentar variabilidade não estimada devido aos poucos trabalhos existentes sobre a

92

alimentação de raias de água doce e amostras pequenas. A padronização de todos os

trabalhos ao IRI, que incorpora as três dimensões alimentares (FO%, N% e P%), foi

impossibilitada pela falta de informações em alguns trabalhos (ausência do N%). A

possibilidade de padronização dos dados ao IA foi considerada restritiva com perda de

informação e, conseqüentemente, não utilizada. A categorização dos itens alimentares,

principalmente os peixes, pode ter afetado as estimativas de NT. Embora fosse

preferível a utilização do NT específico da presa, muitos trabalhos de alimentação de

raias apenas identificavam o item “peixes”. Tendo em vista que a maioria dos peixes

predados localizam-se no fundo ou perto dele, a utilização de um NT médio para peixes

demersais pareceu a mais acertada e exeqüível.

O aumento de pesquisas na área de alimentação das raias de água doce poderá

fornecer uma avaliação melhor do nível trófico médio da família e da largura da cadeia

trófica onde vivem, bem como estimativas da variabilidade intra-específica, correções

nas avaliações baseadas em poucos exemplares e comparações com estimativas por

isótopos estáveis.

93

LITERATURA CITADA

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101

CAPÍTULO III

Reprodução de Potamotrygon orbignyi

(CASTELNAU, 1855) no Rio Paranã, Alto

Tocantins.

INTRODUÇÃO

As raias de água doce apresentam um modo de reprodução identificado como

viviparidade aplacentária com trofonemata, o qual é seguido, de uma forma geral, por

todas as raias Myliobatiformes (HAMLETT & KOOB, 1999). Este padrão foi

evidenciado até mesmo em raias de água doce do Eoceno inferior da América do Norte

(CARVALHO et al., 2004), onde fêmeas grávidas e recém abortadas foram encontradas

em um depósito fossilífero de um sistema de paleolagos formados pela orogênese das

Montanhas Rochosas. O cenário descrito pelos fosseis é o mesmo encontrado nas

102

espécies atuais quando estas raias morrem grávidas, abortando seus filhotes na tentativa

de salvá-los se estiverem a termo.

Ao longo das últimas décadas, diversos trabalhos forneceram informações

superficiais e pontuais sobre aspectos da reprodução destes animais (CASTEX, 1963,

1964; ACHENBACH & ACHENBACH, 1976; YÉPEZ & ESPINOSA, 1970;

THORSON, et al., 1983), quase sempre baseados em encontros casuais, sem uma

hipótese clara e desenho amostral. A falta de estudos sistemáticos sobre a reprodução

das raias de água doce muito se deve à dificuldade em se obter coletas periódicas de

animais, extremamente necessárias devido aos longos períodos de gestação e ciclos

reprodutivos complexos. Estas características, por vezes, impossibilitam o desenho

esquemático de todas as etapas envolvidas na reprodução, desde a maturidade, cópula,

fecundação, gestação e parto, e conseqüente estimação de sua periodicidade.

Pesquisas recentes começaram a apresentar um melhor panorama do estudo da

reprodução em raias de água doce, fornecendo informações primordiais como a

morfologia do sistema reprodutor e sua variabilidade ao longo da gravidez, e estimando

parâmetros reprodutivos básicos como o tamanho de primeira maturação, fecundidade e

tempo de gestação (TESHIMA & TAKESHITA, 1992; LASSO et al., 1996; ARAÚJO,

1998; CHARVET-ALMEIDA, 2001; CHARVET-ALMEIDA et al., 2005). Somente

com base em informações biológicas mais detalhadas será possível estimar os melhores

parâmetros populacionais a serem utilizados em modelos para conservação e manejo de

estoques (CORTÉS, 2004).

Tendo em vista o desenvolvimento recente da pesca ornamental de raias de água

doce na bacia dos rios Tocantins-Araguaia e a necessidade de se estimar a fragilidade do

estoque perante esta atividade, faz-se necessário o estudo da reprodução destas raias,

103

tendo em vista que a maioria dos modelos de manejo pesqueiro se baseia em parâmetros

reprodutivos e de captura para uma avaliação do estoque. Este capítulo trata da

reprodução de Potamotrygon orbignyi no rio Paranã, afluente do alto rio Tocantins, e

fornece informações sobre a biologia básica reprodutiva e do aspecto morfológico dos

sistemas reprodutores, bem como estima parâmetros reprodutivos a serem utilizados nos

modelos de manejo pesqueiro.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra de animais dissecados para análise de seus sistemas reprodutores

consistiu de 47 fêmeas com larguras de disco-LD que variaram de 150 a 460 mm e de 37

machos com 153 a 371 mm LD. Todos os animais foram capturados no rio Paranã,

afluente do alto rio Tocantins na região do município de Paranã-TO com zagaia (arpão de

mão) durante a noite e com o uso de facho luminoso, tarrafa e espinhel de fundo com 25

anzóis nos anos de 2002 (janeiro-abril e agosto-dezembro) e 2003 (janeiro e agosto-

setembro). Em laboratório foi registrada a largura de Disco-LD (mm), peso total-PT (g) e

peso eviscerado-PE (g) de cada exemplar. Os órgãos reprodutores foram retirados e de

cada exemplar foram observados os seguintes aspectos: Fêmeas - forma e configuração do

sistema reprodutor, cor e diâmetro dos folículos ovarianos, conteúdo dos úteros,

classificados como vazios (fêmea não grávida) ou com ovos uterinos ou embriões (fêmea

grávida); os ovos uterinos foram contados, pesados (g) e medido o maior diâmetro (mm);

os embriões foram pesados (g), sexados e medido a LD (mm); Machos – foram medidos

os comprimentos dos claspers, desde sua axila até a sua extremidade posterior (mm);

largura e comprimento dos epidídimos, vaso deferente, vesículas seminais e testículos

104

(mm); os testículos também foram pesados (g). Todas as medidas foram tomadas com

paquímetro e os pesos com balança digital DIPSE PS-250 com precisão de décimo de

grama.

O critério de identificação de fêmeas adultas foi baseado nas seguintes

características em ordem de importância: presença de ovos ou embriões em seus úteros,

presença de folículos vitelogênicos com mais de 10 mm de diâmetro nos ovários,

morfologia dos seus úteros e largura e desenvolvimento das glândulas nidamentárias. Os

machos foram considerados adultos quando seus cláspers estão rigidamente calcificados e

existe conteúdo na vesícula seminal. O feto a termo é aquele com reduzida ou inexistente

vesícula vitelínica externa. Contudo, é importante ressaltar a capacidade que muitos

embriões possuem de sobreviver após o parto prematuro ou aborto induzido pela captura,

mesmo com vesículas vitelínicas relativamente grandes. A estimativa do comprimento

médio (L50) de primeira maturação foi calculada pelo método gráfico de VAZZOLER

(1996) e pelo método da regressão logística (ROA et al., 1999).

O índice hepatossomático em P. orbignyi foi calculado através da relação entre o

peso do fígado (PF) e o peso somático do animal (PT) pela equação: IHS = (PF/PT) x 100

e a sua variabilidade indicou o acúmulo de reservas energéticas hepáticas a serem

utilizadas na reprodução.

A leitura dos anéis nas vértebras se fez através da remoção das primeiras cinco

vértebras imediatamente posteriores ao sinarcual toracolumbar, emblocagem de uma

vértebra em resina epóxi e corte longitudinal, ou desgaste com serra manual de alta rotação

(11000-35000 RPM) com disco de lixa fina. Após o corte, a superfície era polida com

disco de lã. Os cortes foram lidos em lupa estereoscópica Nikon com luz incidente. A

terminologia e definições seguem CAILLIET et al., (1983).

105

A terminologia para a descrição do sistema reprodutor de P. orbignyi segue

BABEL (1967) e HAMLETT (1999) e a fecundidade foi interpretada como em PERES &

VOOREN (1991), na qual estes autores reconhecem a fecundidade uterina como o número

de filhotes e ovos nos úteros, e a fecundidade ovariana como o número de folículos

ovarianos em maturação (vitelogênese) no ovário.

Todos os testes estatísticos foram executados pelos programas STATISTICA 5.5

da STATSOFT, SYSTAT 10 da SPSS e Excel 2002 da Microsoft e consideraram o

nível de significância de 5%.

RESULTADOS

No total, 162 indivíduos (97 fêmeas e 65 machos) foram analisados para o estudo

da reprodução e 84 indivíduos foram dissecados (47 fêmeas e 37 machos) para análise do

sistema reprodutor. A proporção sexual encontrada foi 1,49:1 F:M, o que se mostrou

significativamente diferente da proporção esperada de 1:1 (χ2 = 6,32; p = 0,011).

Contudo, não foi encontrada diferença na razão sexual F:M entre adultos 1,71:1 (χ2 =

2,63; p = 0,10), mas ocorreu uma diferença significativa na proporção F:M entre jovens

1,44:1 (χ2 = 4,14; p = 0,04).

Tamanho de Maturação

As larguras de disco variaram de 153 a 371 mm LD nos machos (n = 37), onde o

menor macho maturo possuía 225 mm LD e o maior macho imaturo possuía 278 mm

LD. O comprimento médio de primeira maturação (LD50) foi estimado em 251 mm LD,

106

tanto para o método gráfico quanto pela regressão logística (Fig. 1), o que representa

67,6% da LD máxima observada (LDmax). Os clasperes apresentaram um incremento

no crescimento a partir de 207 mm LD até atingir 250 mm LD, quando este crescimento

tendeu a estabilizar (Fig. 2).

Maturidade Sexual em Machos de P. orbignyi

00.25

0.50.75

11.25

100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360 380

Largura de Disco (mm)

Fraç

ão d

e In

diví

duos

A

dulto

s

Figura 1. Curva de maturidade em machos de P. orbignyi pelo método gráfico. LD50 =

251 mm LD.

Crescimento do Clasper em Potamotrygon orbignyi

0

20

40

60

80

100

100 150 200 250 300 350 400 450

Largura do Disco (mm)

Com

prim

ento

do

Cla

sper

(mm

)

Figura 2. Crescimento do clásper em machos de P. orbignyi.

107

O sistema reprodutor juvenil permaneceu como um canal indiferenciado ao

longo de cada lado da coluna vertebral até aproximadamente 200 mm LD.

As larguras de disco variaram entre 150 a 460 mm nas fêmeas analisadas (n =

47), onde a menor fêmea matura possuía 243 mm LD e a maior fêmea imatura 280 mm

LD. O comprimento médio de primeira maturação (LD50) foi estimado em 260 mm LD

pelo método gráfico e em 244 mm LD pela regressão logística (Fig. 3). Assumindo o

maior valor de LD50 (260 mm LD) como uma medida precautória para medidas de

manejo populacional, o LD50 representa 56,5% da LDmax.

Maturidade Sexual em Fêmeas de P. orbignyi

0.00

0.25

0.50

0.75

1.00

1.25

0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500

Largura de Disco (mm)

Fraç

ão d

e In

diví

duos

Adu

ltos

Figura 3. Maturidade sexual em fêmeas de P. orbignyi pelo método gráfico.

Fêmeas e machos apresentaram crescimentos em peso (g) significativamente

diferentes (F = 5,33; p<0,05) (Figs. 4 e 5), e enquanto as fêmeas atingem pesos

máximos de 6420 g, os machos não ultrapassaram 3895 g, o que correspondeu a cerca

de 60% do peso máximo das fêmeas.

108

Relação Largura de Disco/Peso Total para Fêmeas de Potamotrygon orbignyi

y = 3E-05x3.1185

R2 = 0.9688

01000200030004000500060007000

100 150 200 250 300 350 400 450 500

Largura de Disco (mm)

Peso

Tot

al (g

)

Figura 4. Relação LD-Peso Total em fêmeas de P. orbignyi.

Relação Largura de Disco/Peso Total para Machos de Potamotrygon orbignyi

y = 1E-05x3.2597

R2 = 0.945

0

1000

2000

3000

4000

5000

100 150 200 250 300 350 400

Largura de Disco (mm)

Peso

Tot

al (g

)

Figura 5. Relação LD-Peso Total em machos de P. orbignyi.

109

O Sistema Reprodutor

O Sistema reprodutor nos machos adultos de P. orbignyi consiste de um par de

testículos do tipo composto, desenvolvidos e aparentemente funcionais, órgão epigonal,

um par de epidídimos – divididos em cabeça, corpo e cauda do epidídimo – glândula de

Leydig, um par de vasos deferente – diferenciados distalmente formando a vesícula

seminal –, um par de glândulas alcalinas de Marshall e um par de clasperes (Fig. 6).

Figura 6. Vista ventral do sistema reprodutor masculino maturo de P. orbignyi (272 mm

LD) com detalhe da porção distal à direita; ce – cabeça do epidídimo, cl – cloaca; gam –

glândula alcalina de Marshall, r – rim; t – testículo esquerdo, vd – vaso deferente, vs –

vesícula seminal.

110

Em machos adultos, a cabeça do epidídimo está posicionada ventralmente em

relação à porção distal do sinarcual cervicotoráxico, lateralmente ao esôfago e entre os

testículos; os epidídimos seguem ventralmente inseridos na glândula de Leydig e

margeando a coluna vertebral até a cauda do epidídimo, demarcada por um

estreitamento do canal; o canal do vaso deferente apresenta um colorido esbranquiçado

e segue sinuosamente até a vesícula seminal, identificada por um distinto alargamento

do canal, seu posicionamento sobre a coluna vertebral e a sua abertura no sinus

urogenital. Estas vesículas apresentam compartimentações complexas, formadas por

prolongações das paredes dorsais da vesícula que se estendem até quase obstruí-la. Lado

a lado à porção distal das vesículas seminais estão as glândulas alcalinas de Marshall,

que são ovais, translúcidas e com um diâmetro igual à 1/3 do comprimento da vesícula.

O órgão epigonal estende-se medialmente desde os testículos até a vesícula seminal;

aderido dorsalmente na cavidade peritoneal como uma prega de tamanho e forma

variáveis.

O sistema reprodutor nas fêmeas consiste dos seguintes órgãos duplos: ovários,

ostia, ovidutos anteriores, glândulas nidamentárias e ovidutos posteriores ou úteros, que

terminam no sinus urogenital (Fig. 7). Os ovários são órgãos flácidos sem forma

definida e infiltrados no órgão epigonial, localizados na porção anterior da cavidade

peritoneal e aderidos à parede dorsal pelo mesovarium; cada oviduto anterior possui na

sua extremidade um afunilamento denominado ostium, por onde a ova entra e segue ao

longo do oviduto em direção ao útero; a glândula nidamentária diferencia-se do oviduto

anterior por um alargamento sinuoso da parede do oviduto e um estrangulamento

posterior demarcando o início do útero; o útero é mais largo que o oviduto anterior e

que a glândula nidamentária, mas a relação entre a sua largura e o comprimento são

111

variáveis com a maturidade e com a reprodução; a parede interna é altamente

vascularizada e rica em vilosidades denominadas trofonemata e apresenta grande

adaptabilidade ao desenvolvimento embrionário e ao crescimento do filhote.

Figura 7. Vista latero-ventral do sistema reprodutor de fêmea adulta de P. orbignyi (400

mm LD). A região anterior encontra-se à esquerda e a posterior à direita; fl – folículos

vitelogênicos, gn – glândula nidamentária, oa – oviduto anterior, ov – ovário, op –

órgão epigonal, os – óstium direito, ut – útero. O ovário esquerdo está mais

desenvolvido, enquanto o ovário da direita está reduzido com um pequeno folículo.

P. orbignyi apresentou simetria ovariana em 36% das fêmeas analisadas e na

maioria das vezes somente o ovário esquerdo é desenvolvido e funcional. Embora

menos freqüente, o ovário direito também desenvolveu folículos vitelogênicos e não

foram encontradas diferenças significativas na largura e comprimento médio entre os

ovários (Teste-t, t = 2,08 e p = 0,055 e t = 2,17 e p = 0,050). Os úteros de fêmeas

112

grávidas apresentaram-se distendidos com o desenvolvimento dos fetos e a sua largura

média foi o dobro da largura média do útero de uma fêmea adulta não gestante (Z =

2,80; p = 0,005). Durante a gestação e logo após o parto, estes úteros encontravam-se

fortemente vascularizados, com o trofonemata desenvolvido e freqüentemente úmidos

internamente pelo leite uterino – secreção embriotrófica (Fig. 8). Esta secreção é

absorvida pelo embrião através da boca e dos espiráculos, que freqüentemente

apresentavam o trofonemata entrando pelo espiráculo e mantido agarrado pela válvula

espiracular. Em algumas ocasiões, ao segurar os filhotes com a mão dentro do útero pela

abertura da cloaca para evitar que fossem abortados, estes filhotes mordiscavam a ponta

dos dedos do pesquisador, provavelmente pensando se tratar de alguma vilosidade do

trofonemata. Este comportamento se dá rapidamente e evidencia a sua curiosidade e

facilidade em encontrar as vilosidades do útero, bem como qualquer outro eventual

material intra-uterino (e. g. ovos).

Figura 8. Vista ventral dos úteros abertos de P. orbignyi evidenciando o trofonemata (tr)

e a secreção embriotrófica (se). O paquímetro repousa sobre a cintura pélvica.

113

O crescimento da glândula nidamentária acompanha o crescimento do sistema

reprodutor feminino até aproximadamente a classe de tamanho de 240 mm LD, quando

estabiliza em termos percentuais da LD (Fig. 9). Na época de reprodução, a glândula

nidamentária alarga-se no período próximo à fecundação, decorrente do aumento de

volume pela estocagem de espermatozóides, irrigação sanguínea e pela passagem do

ovo através da glândula, voltando ao normal ainda durante a gestação. A classe de

tamanho (LD) correspondente à maturidade da glândula nidamentária corrobora com a

LD50 estimada para as fêmeas pela regressão logística.

Crescimento Percentual da Largura da Glândula Nidamentária em Fêmeas de P. orbignyi

00.5

11.5

22.5

33.5

4

100 150 200 250 300 350 400 450 500

LD (mm)

Larg

ura

Perc

entu

al d

a G

N/L

D

Não Grávidas Grávidas

Figura 9. Crescimento percentual da largura da glândula nidamentária em fêmeas de P.

orbignyi. Quadrados verdes representam as larguras das glândulas de fêmeas grávidas e

losangos azuis representam fêmeas imaturas, maturas em repouso e maturas recém

paridas.

114

Fecundidades Ovariana e Uterina

A fecundidade ovariana foi de 1 a 5 folículos vitelogênicos, com média de 2

folículos por ovário e sem evidências de aumento de fecundidade com o crescimento da

mãe (Fig. 10). Embora qualquer um dos ovários possa desenvolver os folículos para o

próximo ciclo reprodutivo, este desenvolvimento ocorreu em somente um ovário por

vez. As fêmeas adultas apresentaram o desenvolvimento vitelogênico de seus folículos

ovarianos sem uma evidente correlação cronológica. O maior folículo encontrado

apresentava 30 mm de diâmetro e 3,8 gramas e foi considerado pré-ovulatório. Nenhum

ovo foi encontrado nos úteros ou na cavidade abdominal entre o ovário e o óstium.

Fecundidade Ovariana em P. orbignyi

0

1

2

3

4

5

6

200 250 300 350 400 450

LD (mm)

Núm

ero

de F

olíc

ulos

Ova

riano

s Vi

telo

gêni

cos

Figura 10. Fecundidade ovariana em P. orbignyi.

A fecundidade uterina foi sempre de um único filhote por gestação e ambos os

úteros foram funcionais. Os embriões encontrados variaram de tamanho entre 35 e 92

115

mm LD ou 6,6 e 42 g de PT, respectivamente. O menor exemplar livre natante

encontrado foi uma fêmea com 130 mm LD (130 g de PT) capturada no início de

agosto, durante a estação seca. Este exemplar já havia digerido todo o vitelo, o que

geralmente leva em torno de três a quatro semanas após o parto e que corresponde a um

acréscimo de 10 a 15 mm na LD durante este período (observação pessoal, Fig. 11).

Desta forma, o parto em P. orbignyi deve ocorrer quando os filhotes atingem de 100 a

115 mm LD e pesos entre 48 e 61 gramas, o que corresponde a um ganho em peso do

filhote de 1605% em relação ao peso inicial do ovo. Observações adicionais em

neonatos livre natantes capturados em Marabá pela pesca ornamental confirmam esses

valores.

Figura 11. Exemplar neonato macho de P. orbignyi mantido em aquário após o parto

(98 mm LD). A fita marrom clara ao lado é vitelo digerido defecado, indicando que este

exemplar ainda se nutre das reservas acumuladas durante a gestação.

116

Índice Hepatossomático

As fêmeas adultas sofreram um declínio acentuado nas suas reservas hepáticas

durante a seca (Fig. 12). O IHS atingiu seu ápice durante a estação das chuvas, entre

outubro e fevereiro, quando o fígado representou um peso médio mensal superior a

2,5% do peso somático do animal. O IHS médio foi significativamente diferentes entre

as estações de chuvas e seca (Teste-t, t = 3,58 e p = 0,011) com valores iguais a 2,56 e

1,89, respectivamente.

Variação Mensal Média de IHS em P. orbignyi

00.5

11.5

22.5

33.5

4

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Mês

IHS

Fêmas

Machos

Figura 12. Variação mensal média do índice hepatossomático em P. orbignyi.

Quadrados verdes representam os machos adultos e os losangos azuis representam as

fêmeas adultas.

117

Ciclo Reprodutivo

Todas as fêmeas grávidas foram capturadas nas chuvas (setembro-fevereiro),

representando 45% das fêmeas adultas capturadas nesta estação, e estavam em

adiantado estágio de desenvolvimento embrionário. O parto em P. orbignyi deve ocorrer

entre dezembro e fevereiro, quando os filhotes atingem o tamanho de nascimento e o rio

oferece maior abundância de alimentos, evidenciada pelos altos valores de reservas

hepáticas (IHS) acumuladas durante as chuvas. No entanto, pequenas raias (neonatos e

juvenis) com larguras de disco entre 130 e 140 mm também foram capturadas durante

os meses de seca. Tendo em vista que o desenvolvimento dos folículos ovarianos não

apresentou evidente correlação cronológica e a captura de fêmeas grávidas não foi

homogênea ao longo do ano, não foi possível estimar a época de cópula, fecundação e o

tempo de gestação. Contudo, o fato de que fêmeas grávidas apresentaram o

desenvolvimento de folículos vitelogênicos concomitantemente com a gestação é forte

evidência de que a cópula e o início de um próximo período gestacional ocorram logo

após o parto. Desta forma, com o parto ocorrendo nos meses das chuvas (dezembro-

fevereiro) para parte da população feminina adulta, a cópula e o início da nova gestação

devem ocorrer a partir de março.

Não foram identificadas áreas de berçário, entendidas como feições específicas

do rio (praias arenosas, igarapés, pedregal ou fundos lodosos) onde as raias preferissem

dar à luz e os neonatos e juvenis pudessem ocorrer em maiores densidades favorecidos

por maior proteção contra os predadores e disponibilidade de alimentos. Entretanto, esta

observação não foi considerada a fundo durante as capturas e requer futuros estudos.

118

Idade de Maturação

Uma análise comparativa do tamanho de maturação para P. orbignyi e de um

estudo preliminar das leituras dos anéis nas vértebras destes animais, revelou que, para

o mesmo intervalo de classe de largura de disco de maturação – 240-250 mm LD

(Fig.13) –, observa-se nas vértebras de fêmeas uma banda mais larga e distinta,

demarcando o que provavelmente seja o ano de maturidade sexual (Fig. 14) – o esforço

fisiológico para a formação de gametas, gestação e nutrição do embrião é maior nas

fêmeas e é melhor registrado nas suas vértebras que nos machos.

Figura 13. Vértebra de fêmea de P. orbignyi (460 mm LD) em corte longitudinal com as

bandas identificadas em ordem crescente da direita para a esquerda. A banda

correspondente ao 5º ano de vida identifica a maturidade sexual.

119

Tendo em vista o padrão senoidal identificado para o IHS (Fig. 12) e sua relação

com a abundância de alimentos, é natural supor uma deposição anual de uma banda

larga com a matriz rica em proteínas durante as chuvas e de uma banda estreita rica em

uma matriz de carbonato de cálcio durante a seca. A maturidade sexual em P. orbignyi

ocorreria então no quinto ano de vida e esta espécie teria uma longevidade máxima

estimada de 10 anos. Com base na hipótese de 1 a 2,4 gestações por ano – considerando

cópula e gestação ocorrendo em cenários distintos de 11 ou 5 meses –, a fecundidade

máxima de uma fêmea ao longo de sua vida ficaria entre 5 a 12 filhotes,

respectivamente.

Largura de Disco por Anel Vertebral em P. orbignyi

0

100

200

300

400

500

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Número de Anéis Vertebrais

LD (m

m)

Figura 14. Larguras de disco por anel vertebral (banda) em P. orbignyi. A maturidade

sexual no quinto ano de vida seria atingida a partir de 242 mm LD.

DISCUSSÃO

Os tamanhos de primeira maturidade sexual (L50) para P. orbignyi no rio Paranã

são muito próximos dos valores encontrados por LASSO et al., (1996) na bacia do rio

120

Apure, Venezuela - 230 mm e 185-290 mm LD para machos e fêmeas, respectivamente.

No entanto, diferem drasticamente dos valores estimados para a mesma espécie na baía

de Marajó e rio Negro (CHARVET-ALMEIDA et al., 2005), que maturam com larguras

de disco muito superiores – 390 mm e 440 mm LD para machos e fêmeas,

respectivamente. Estas populações diferem ainda na fecundidade uterina (1 vs 1-5, para

Tocantins e Marajó-Negro, respectivamente) e no número de ovários funcionais (2 vs

1). Embora haja registros de variações intra-específicas nos parâmetros biológicos ou

populacionais em algumas espécies de elasmobrânquios (BRANSTETTER, et. al.,

1987; TANAKA et al., 1990; PARSONS, 1993; SMINKEY & MUSICK, 1995;

TANIUCHI & TACHIKAWA, 1999; CHIARAMONTE & PETTOVELLO, 2000), as

diferenças encontradas entre as populações de P. orbignyi do rio Tocantins e da baía de

Marajó-Negro são suficientes para questionar a validade da identificação específica.

Diferenças nos parâmetros reprodutivos de espécies simpátricas já foram utilizadas

como ferramentas taxonômicas na diagnose destas espécies (VOOREN & SILVA,

1991). Desta forma, baseando-se nestas evidências, faz-se necessária uma revisão

taxonômica comparativa de P. orbignyi entre os exemplares da baía de Marajó-Negro e

o rio Tocantins a fim de se confirmar a identificação.

As diferenças encontradas em alguns parâmetros reprodutivos entre as duas

populações poderiam ser explicadas por diferenças nas interações ecológicas, seja pela

ausência de predadores naturais na população Marajó-Negro ou por uma alimentação

qualitativamente mais rica e que fornecesse maior aporte nutricional. Segundo

BRAGANÇA et al., (2004), P. orbignyi teria larvas de Hemiptera (piolhos d’água)

como principal item alimentar na baía de Marajó, enquanto que Ephemeroptera é o

principal item alimentar desta raia no rio Tocantins (q. v. capítulo II). Assumindo que

121

larvas de Hemiptera sejam energeticamente mais compensatórias, essa diferença

alimentar justificaria um maior ganho de peso e tamanho nas raias de Marajó. No

entanto, se esta oferta nutricional beneficiasse P. orbignyi, necessariamente teria de

beneficiar outras espécies ecologicamente correlatas, tanto de teleósteos quanto

elasmobrânquios. Potamotrygon scobina é uma raia de água doce com hábitos

alimentares muito semelhantes a P. orbignyi, principalmente na baía de Marajó, onde

seu principal item alimentar também é larvas de Hemiptera (piolhos d’água)

(BRAGANÇA, et al., 2004). Contudo, P. scobina também é uma espécie comum no rio

Tocantins e o seu tamanho de maturidade sexual não difere do indicado para os

exemplares da baía de Marajó (350 e 400 mm LD para machos e fêmeas,

respectivamente; CHARVET-ALMEIDA et al., 2005), e os machos maturam com cerca

de 357 mm LD e as fêmeas com 430 mm LD (G. Rincon, material não publicado).

Desta forma, as diferenças de tamanho de maturidade sexual observadas em P. orbignyi

entre as populações do rio Tocantins e Marajó-Negro não podem ser explicadas com

base nas diferenças de hábitos alimentares ou na ausência de predadores naturais, haja

vista que a suposta ausência destes predadores na baía de Marajó também beneficiaria

P. scobina, o que não ocorre. Resta então a necessidade de uma revisão taxonômica de

P. orbignyi para a baía de Marajó e rio Negro e sua confirmação específica, o que está

em andamento pelos pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba e Museu

Paraense Emílio Goeldi (Patricia Charvet-Almeida e Mauricio Almeida).

Potamotrygon magdalenae, uma espécie endêmica da Colômbia e distribuída

nos rios Magdalena, Cauca, San Jorge, Catatumbo e Atrato (GALVIS et al., 1997),

apresenta diversas similaridades reprodutivas com P. orbignyi do rio Tocantins, embora

seja ligeiramente menor que a espécie brasileira; são estas: dois ovários funcionais,

122

diâmetro do folículo ovariano maturo em aproximadamente 25 mm, tamanho de

maturidade sexual de machos e fêmeas – expresso como porcentagem da LDmax igual a

69% e 53%, respectivamente –, baixa fecundidade com apenas 2 filhotes por gestação,

tamanho ao nascer em 100 mm LD e período reprodutivo indefinido devido à presença

de fêmeas com vitelogênese e fêmeas grávidas em diversos estágios de

desenvolvimento embrionário concomitantemente (TESHIMA & TAKESHITA, 1992).

Da mesma forma, LASSO et al. (1996) também observaram fêmeas grávidas de P.

orbignyi, tanto na estação da seca quanto nas chuvas, e apesar de indicar um longo

período de atividade reprodutiva para a espécie, estes autores acreditam que a o parto

seja mais freqüente na época das chuvas, quando o rio está mais alto. Este padrão de

ciclo reprodutivo parece ser seguido, também, no rio Tocantins, onde parte da

população adulta está sincronizada e dá a luz nos meses da estação das chuvas

(aproximadamente 45% das fêmeas adultas). Da mesma forma, diversas outras espécies

de peixes reproduzem durante a estação das chuvas no rio Tocantins, quando a

produtividade é maior e a abundância de alimentos garante uma melhor sobrevivência

juvenil (LOWE-McCONNELL, 1975; COSTI et al., 1977; LOWE-McCONNELL,

1995).

Embora a análise de idade de maturação seja apresentada com base em

resultados preliminares, os valores encontrados de longevidade máxima das raias (10

anos), a baixa fecundidade (1 filhote por gestação) e a curta vida reprodutiva (5 anos) –

entendida como a máxima estimativa de longevidade em anos com atividade

reprodutiva – fornecem estimativas de fecundidade máxima (5 filhotes) – número de

filhotes produzidos ao longo da vida – muito baixas e são seriamente alarmantes para a

conservação desta espécie. Estes valores são mais próximos de exemplares de

123

Rajiformes, dos quais muitas espécies apresentam vidas reprodutivas de 1 a 13 anos

EBERT (2005). Este mesmo autor apresenta valores de estimativas de vida reprodutiva

para 17 espécies de Rajiformes, das quais 9 espécies possuem menos de 6 anos de vida

reprodutiva. Embora estas espécies sejam ovíparas e a sua fecundidade seja

significativamente maior que em potamotrygonídeos, a sua mortalidade juvenil também

é maior (HOLDEN, 1975).

A raia ticonha Rhinoptera bonasus apresenta uma fecundidade uterina de um

filhote por gestação, mas o seu filhote já nasce com uma largura de disco de 405 mm, o

que equivale a metade do tamanho de um adulto (HAMLETT et al., 1985). P. orbignyi

nasce com uma largura de disco equivalente a 45% da largura de disco de um adulto,

mas em termos absolutos é muito menor, com somente 115 mm LD e provavelmente

mais vulnerável a predadores (piranha, jacaré, alguns siluriformes, ariranha e boto). O

investimento energético em uma pequena prole deve ser o suficiente para garantir a

sobrevivência dos filhotes sem o completo esgotamento materno, o que impediria uma

nova gestação em curto prazo. Desta forma, embora P. orbignyi seja relativamente

pequena em relação às demais raias Myliobatiformes, sua mortalidade natural juvenil

deve ser baixa e a freqüência gestacional dentro do esperado para o grupo, o que

favorece a hipótese de uma gestação de 4 meses e pelo menos 2 ciclos reprodutivos por

ano (HAMLETT & KOOB, 1999) a fim de garantir a sobrevivência da espécie.

Contudo, esse equilíbrio é tênue, e diferentemente de espécies de elasmobrânquios mais

prolíficos como o tubarão-azul (Prionace glauca), que pode parir 130 filhotes em uma

única ninhada, estas raias dependem somente de uma baixa fecundidade para recuperar

a população de eventuais oscilações da mortalidade populacional, o que acarreta em um

maior tempo de recuperação, vulnerabilidade e muito baixa resiliência à pesca. Devido à

124

baixa fecundidade, o estoque de recrutamento é quase que imediatamente influenciado

pela pesca do estoque adulto, mesmo com a estimativa de 4 coortes sub-adultas. Embora

a pesca ornamental de P. orbignyi no rio Tocantins esteja baseada na captura de

indivíduos juvenis (Instrução Normativa No 27 de 6 de setembro de 2005), qualquer

mudança na arte ou comportamento de pesca deve ser imediatamente avaliado sob o

risco de uma sobre-pesca em curto prazo.

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129

Conclusão Geral

As raias de água doce identificadas no rio Paranã, afluente do alto rio Tocantins,

foram Potamotrygon orbignyi CASTELNAU, Potamotrygon sp. A e Paratrygon

aiereba MULLER & HENLE.

Potamotrygon orbignyi é uma espécie de médio porte, alcançando no máximo

460 mm LD e apresenta as maiores abundâncias nas capturas por pesca experimental no

rio Paranã. Esta espécie distingue-se das demais espécies ocorrentes no rio Tocantins

principalmente no reduzido tamanho dos dentes e no seu relativo maior número

dentário, colorido dorsal policromático, colorido ventral da cauda fortemente

pigmentada com faixas amarelas alternadas, uma única fileira de espinhos caudais e

presença de sulco labial desenvolvido. A sua distribuição é documentada desde o médio

Araguaia até o alto Tocantins, mas sem registros de capturas nas cabeceiras destes rios.

Potamotrygon sp. A é uma espécie de médio-grande porte, com fêmeas em

maturação com 452 mm LD. Esta espécie apresentou baixas abundâncias no rio Paranã

e distingue-se das demais espécies ocorrentes no rio Tocantins principalmente na

morfologia e fórmulas dentárias, colorido dorsal relativamente uniforme, duas ou mais

fileiras de espinhos na cauda e ausência de sulco labial. Os registros de captura

restringiram-se apenas para o alto e médio Tocantins.

Paratrygon aiereba é uma espécie de grande porte, com machos atingindo a

maturidade com aproximadamente 430 mm LD e fêmeas ainda imaturas aos 540 mm

LD. Esta espécie caracteriza-se pela morfologia dos dentes, concavidade acentuada na

margem anterior do disco, distância pré-ocular cerca de 1/3 do comprimento do disco,

olhos não pedunculados e relativamente pequenos e margem posterior dos espiráculos

130

com projeção arredondada. A raia aramaçã possui registros de captura ao longo de toda

a bacia Tocantins-Araguaia.

Nesta tese é proposta uma chave de identificação para as espécies de raias de

água doce ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia, com base em caracteres externos.

A análise da distribuição de P. orbignyi ao longo do rio Paranã, com base em

indivíduos amputados pela pesca local, indica baixa mobilidade, sem padrões de

migração evidentes.

O número de espécies registradas é menor nas cabeceiras e parece aumentar com

a proximidade da foz do rio Tocantins, onde ocorrem as raias com maior distribuição na

bacia. Tanto o alto quanto o baixo Tocantins registram espécies endêmicas e este padrão

sugere medidas específicas para o manejo destes estoques.

A raia P. orbignyi apresentou forte policromatismo, seu colorido predominante

foi o padrão mesclado de spot-ocelado (32,4%), seguido pelo padrão reticulado (27%),

o mais conhecido para esta espécie. Evidências sugerem que o colorido varie ao longo

do crescimento do animal, desde o padrão spot-ocelado, em indivíduos de menor porte,

até o padrão roseta-modificada nos indivíduos mais velhos. Variações populacionais de

colorido parecem ocorrer em P. orbignyi e P. scobina, com predominância de padrões

específicos para certas regiões.

A análise do colorido das raias de água doce da bacia Tocantins-Araguaia e de

seus filhotes, com base na hipótese filogenética de MARQUES (2000), evidencia o

padrão de colorido spot como o mais primitivo para estas raias.

P. orbignyi é uma espécie insetívora no rio Paranã e alimenta-se principalmente

de ninfas de Ephemeroptera, Diptera e Trichoptera. Não foram observadas diferenças na

alimentação (qualitativa e quantitativa) desta espécie entre o dia e a noite, entre as

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estações de seca e chuvas e entre os sexos. No entanto, jovens alimentam-se mais

marcadamente de larvas de Díptera do que de ninfas de Ephemeroptera, mas esta

relação se inverte quando atingem 180 mm LD.

A análise do grau de repleção e de digestão em P. orbignyi evidencia

alimentação contínua de P. orbignyi, onde seus estômagos encontravam-se sempre com

conteúdos pouco digeridos, podendo ser identificados no nível de espécie. As larvas de

insetos foram predadas inteiras, sem maceração evidente e freqüentemente em grandes

números, evidenciando um padrão “especialista-oportunista”.

O nível trófico das raias de água doce é predominantemente intermediário –

consumidores secundários (NT<4) – devido ao seu hábito alimentar bentófago baseado

em invertebrados. A única espécie identificada como consumidora terciária foi P.

aiereba, por se alimentar basicamente de peixes. A largura máxima e o nível trófico das

raias de água doce apresentaram uma correlação positiva, correspondendo ao que foi

encontrado em tubarões, com exceção das espécies planctófagas.

Potamotrygon orbignyi atinge a maturidade com 251 mm LD nos machos e 260

mm LD nas fêmeas, o que corresponde também a uma diferença no seu crescimento em

peso, onde fêmeas alcançam um peso total maior que o dos machos para a mesma

largura de disco. Esta diferença é ainda mais evidente após o tamanho de maturidade

sexual e o peso máximo registrado para machos foi de 3895 g e de 6420 g para fêmeas.

A fecundidade ovariana variou de 1 a 5 folículos, mas a fecundidade uterina foi

sempre de 1 filhote por gestação. Os folículos estão maturos com diâmetros

aproximados de 30 mm e 3,8 g de peso. Os embriões estão à termo com 115 mm LD e

pesos totais entre 48 e 61 g, o que equivale a um ganho em peso de 1605% em relação

ao peso inicial do ovo.

132

O índice hepassomático apresentou um padrão senoidal com os menores valores

na estação da seca e os maiores valores durante a estação das chuvas. Este padrão

senoidal e a presença de fêmeas grávidas na estação das chuvas evidenciam que o parto

ocorra, para a maior parte da população, durante esta estação. Contudo, parte da

população dá a luz também durante a estação da seca, o que evidencia uma gestação de

4 meses e um mês de cópula.

A análise preliminar da deposição de bandas vertebrais identificou o 5º ano de

vida como a idade de maturação e longevidade máxima de 10 anos, o que corresponde a

cinco gestações após a idade de primeira maturação. Desta forma, a fecundidade total de

uma fêmea ao longo de sua vida é de 5 a 12 filhotes, dependendo do tempo de ciclo

reprodutivo considerado, 11 ou 5 meses.

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