aspectos regionais da cultura brasileira e suas implicações
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Aspectos Regionais da Cultura Brasileira e suas Implicações
Vivian Strhelau
Silvio Laban
Danny Claro
Insper Working PaperWPE: 133/2008
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“Brasil mostra a tua cara”
Aspectos Regionais da Cultura Brasileira e suas Implicações
Vivian Strhelau, Silvio Laban, Danny Claro
Ibmec São Paulo
Resumo: Devido às mudanças nos padrões de desenvolvimento regional no Brasil, a expansão das
empresas para outras regiões e estados representa, simultaneamente, oportunidades e desafios, em
virtude das particularidades regionais do país. Uma maneira de identificar e compreender aspectos
regionais consiste no estudo dos valores sociais. Este trabalho procura identificar diferenças de valores
entre quatro cidades brasileiras: Belém, Porto Alegre, Salvador e São Paulo. A revisão teórica aborda
cultura e microcultura enfatizando valores sociais. O modelo de análise baseia-se na lista de valores
terminais e instrumentais de Rokeach. Foi realizada análise documental e de conteúdo das transcrições
de oito grupos de foco sobre o tema viagem. Os valores identificados apresentam variações
interessantes, indicando a predominância da imaginação e lógica em Belém, enquanto Porto Alegre se
caracteriza como gentil e útil. Em Salvador há o predomínio da capacidade e da intelectualidade,
enquanto a ambição e o amor destacam-se em São Paulo. Os resultados mostram que existe um corpo
comum de valores em todas as cidades, como independência e responsabilidade, além do trabalho e
família. Este estudo oferece evidências de que, apesar de fazerem parte de um mesmo país, brasileiros
em diferentes capitais apresentam padrões de valores sociais diferenciados e, essas diferenças
necessitam ser consideradas pelas empresas na elaboração de suas estratégias mercadológicas.
Palavras-chave: Comportamento do Consumidor, Valores Sociais, Cultura, Microcultura, Subcultura
Abstract: There have been dramatic changes in the regional development patterns and expansion of
businesses throughout Brazil. This certainly represents both opportunities and challenges to marketing
due to regional particularities of the country. One way to identify and understand regional aspects is the
study of social values. This paper aims to identify differences in social values among four Brazilian
state capitals: Belém, Porto Alegre, Salvador and Sao Paulo. The paper presents a literature review
literature on microculture, emphasizing the matter of social values. The analysis is based on the
Rokeach’s list of terminals and instrumental values. This list served as basis for the document and
content analysis of eight transcriptions of focused groups that discussed about trips. The identified
values have interesting variations among the studied cities, indicating the predominance of imagination
and logic in Belém, while Porto Alegre is characterized as gentle and useful. In Salvador there is a
predominance of capacity and the intellectuality, while the ambition and love stand out in Sao Paulo.
The results also show that there is a body of common values, such as independence and responsibility,
besides work and family. This study provides evidence that, despite being part of the same country,
Brazilians have different patterns of social values, and these differences need to be considered by
companies when drawing up their marketing strategies.
Uniterms: Consumer Behavior, Social Values, Culture, Microculture, Subculture
Resumen: El presente documento tiene por objeto identificar las diferencias en los valores sociales
entre cuatro ciudades brasileñas: Belém, Porto Alegre, Salvador y Sao Paulo, con apoyo de la revisión
teórica sobre micro culturas con énfasis en la cultura y los valores sociales. El tipo de análisis se basa
en la lista de valores terminales y instrumentales de Rokeach, que sirvió como base para el análisis de
documentos y de contenido de las transcripciones de ocho grupos focales que discutieron el tema
“viajes”. Los valores identificados presentan interesantes variaciones entre las ciudades encuestadas, lo
que indica el predominio de la imaginación y la lógica en Belém, mientras que Porto Alegre se
caracteriza por ser suave y útil. En Salvador hay un predominio de la capacidad y los intelectuales,
mientras que la ambición y el amor se destacan en Sao Paulo. Los resultados también muestran que hay
un conjunto de valores comunes en todas las ciudades, como la independencia y la responsabilidad,
además de trabajo y la familia. Este estudio proporciona evidencia de que, a pesar de ser parte de un
mismo país, los brasileños tienen diferentes patrones de valores sociales, y estas diferencias deben ser
considerados por las empresas en la elaboración de sus estrategias de marketing.
Palabras clave: Comportamiento del Consumidor, Valores Sociales, Cultura, Microcultura, Subcultura
“Brasil mostra a tua cara”
Aspectos Regionais da Cultura Brasileira e suas Implicações
Vivian Strhelau, Silvio Laban, Danny Claro Ibmec São Paulo
1. Introdução:
Prahalad e Liebertahl (2003) afirmam que as grandes empresas multinacionais tendem a reproduzir nos
mercados emergentes produtos e estratégias, desenvolvidos em seus mercados de origem, sem
considerar as particularidades daqueles mercados, caracterizando, na definição dos autores, o
imperialismo corporativo. Todavia, os resultados dessa abordagem têm ficado muito aquém do
esperado, fazendo com que mais e mais as empresas busquem maior entendimento das características
econômicas, sociais e culturais dos mercados em que pretendem atuar. A abordagem etnocêntrica
descrita por Prahalad e Liebertahl (2003) faz pensar se, num país com as características econômicas,
sociais e regionais como o Brasil, não há, por parte de muitas empresas, a adoção de estratégias e ações
homogêneas de âmbito nacional, sem considerar aspectos microculturais.
Trabalhos fundamentais a respeito da formação econômica e social do Brasil de autores como Prado
Junior (2000), Furtado (2001), Freyre (2002) e Buarque de Holanda (2002), indicam a existência de
aspectos culturais e sociais específicos muito característicos em estados, regiões e até mesmo
microrregiões no Brasil. Existem também indícios, oriundos da prática gerencial, de que empresas
locais, ou seja, mais próximas de sua região de atuação, têm desenvolvido ofertas e programas de
marketing mais adaptados e ajustados. (VARGA, 1998; KAMIO, 2005). Além destes, existem outros
indicadores das dificuldades enfrentadas por empresas quando tentam “exportar” seus modelos de
sucesso de um estado, região ou microrregião a outro. (FACCHINI, 2006; JUNGERFEL e BUENO,
2006). Os argumentos apresentados anteriormente indicam a necessidade de se estudar as microculturas
regionais no Brasil, de modo a que as empresas possam ajustar suas estratégias e ações de marketing de
forma mais específica e apropriada.
A formação econômica e social do Brasil parece indicar existirem elementos favoráveis ao
desenvolvimento de culturas específicas associadas a regiões, estados e até mesmo microrregiões. No
entanto, por muitos anos, as empresas consideraram essas diferenças de forma mais financeira que
cultural. No âmbito empresarial, pode-se identificar uma maior, e recente, preocupação com o
desenvolvimento de produtos e de pesquisas acerca de hábitos, preferências e comportamentos
regionais. Algumas empresas de bens de consumo não duráveis, cuja atuação pode ser caracterizada
pelo marketing de massa, começam a diferenciar sua oferta, incorporando aspectos e particularidades
regionais a seus produtos, comunicação, preço e canais. Como exemplo, pode-se mencionar o
desenvolvimento do Sabão em pó Ala para o mercado Nordestino de classes socioeconômicas C/D/E.
Este foi um dos primeiros sabões em pó embalados em plástico, em razão do uso em bacias e açudes.
Ou ainda na diferença da mensagem em comunicação como no caso de café que antes retratava o
consumo da bebida em um clima de frio mesmo no calor do nordeste e que agora possui versões
específicas para o Nordeste, onde a ênfase é dada ao rendimento do produto (Brito, 2007). Outros
indícios do reconhecimento dessas mudanças são identificados por D’Ambosio e Cruz (2006):
“Com um paladar diferente e hábitos de consumo também distintos do resto do Brasil, o
nordestino conquistou a indústria de alimentos. Duas gigantes multinacionais, Nestlé e
Kraft Foods, mantêm unidades de negócios no Nordeste totalmente voltadas ao
desenvolvimento do mercado regional. Além de embalagens menores e mais baratas - a
exemplo do que já fazem as empresas de higiene - as múltis de alimentos também fazem
produtos e sabores específicos para o consumidor local.”
“A comunicação é outro diferencial importante. "Aqui, usa-se muito rádio, carro de
som e até propaganda em jangadas", diz. O marketing no ponto-de-venda também tem
outras características. "Não adianta oferecer leve três e pague dois, eles querem mix de
produtos, como café e leite juntos", explica”. (grifo nosso)
Fica evidente que o impacto das diferenças culturais pode ser refletido em diferentes aspectos
mercadológicos, além do óbvio comportamento do consumidor, mas em áreas em que se destaca
imagem de marca, propaganda e comunicação e negociação (USUNIER, 1996). Para Baudrillard
(1991) o consumo pode ser visto como um processo de distinção social que filia o indivíduo ao seu
próprio grupo tomado como referência ideal ou como grupo de referência a um estrato superior.
A relevância da cultura no estudo do consumidor tem sido alvo de diversos estudos acadêmicos e não-
acadêmicos nos últimos anos e sua relevância é bastante reconhecida. No entanto não foram
encontrados trabalhos na área de marketing que explorem ou apontem diferenças regionais no Brasil.
Diversos são os trabalhos de cunho etnográfico ou não, enfocando determinados segmentos de mercado
e microculturas, tais como: Barros (2006), Bacha, Strehlau e Perez (2006) e Barros e Rocha (2007). Em
suma, não foram encontrados trabalhos comparativos nos quais diferenças ou peculiaridades entre
distintas microculturas, em especial ligadas a aspectos regionais, tenham sido estudadas ou ressaltadas.
Portanto, o objetivo deste trabalho é discutir acerca de diferenças regionais na cultura brasileira, a partir
de seus valores. Para buscar evidência empírica sobre o assunto, oito grupos de foco foram realizados
em quatro diferentes capitais brasileiras e o tema abordado foi viagem. Os participantes dos grupos
representam indivíduos de ambos os sexos que viajam freqüentemente a trabalho e/ou a lazer. A
metodologia empregada consistiu de uma análise documental e de conteúdo sobre as transcrições dos
grupos de foco realizados em Belém, Porto Alegre, Salvador e São Paulo.
O trabalho está organizado em cinco seções. O referencial teórico apresentado nas seções dois e três
aborda conceitos importantes sobre cultura e microcultura e relaciona-os com a lista de valores de
Rokeach. Na seção quatro são apresentados os procedimentos metodológicos utilizados para a
realização da parte empírica deste trabalho. Os resultados e discussões são elaborados na seqüência e
finalmente as considerações finais do trabalho explora as contribuições e implicações do trabalho.
2. Subcultura ou Microcultura
Neste trabalho é importante ressaltar o conceito de microcultura ou subcultura. A recomendação de
Blackwell, Miniard e Engel (2005, p.329) é dar preferência ao termo microcultura para evitar uma
possível indicação de inferioridade que o termo “sub” implica. Neste trabalho adotamos a palavra
microcultura por achá-la mais apropriada para a discussão proposta. No entanto, neste referencial
teórico as duas expressões (microcultura e subcultura) são utilizadas, respeitando-se a preferência do
autor mencionado.
Para Blackwell, Miniard e Engel (2005), microcultura corresponde aos “valores e símbolos de um
grupo restrito ou segmento de consumidores, definido de acordo com variáveis como idade, religião,
etnia, classe social...” Edgar e Sedgwick (2002, p.322) acrescentam que o conceito de “subcultura”
“refere-se aos valores, crenças, atitudes e estilos de vida de uma minoria (ou “sub-“) dentro de uma
sociedade”. O conceito foi desenvolvido principalmente a partir de trabalhos da Sociologia do Desvio,
referindo-se à cultura de delinqüentes, criminosos e usuários de drogas, podendo ser aplicado a grupos
étnicos, de gênero e sexuais. Sheth, Mittal e Newman (2001) apontam características que podem ser
usadas para identificar microculturas, como nacionalidade ou origem, raça, região, idade, religião.
Gênero, classe social e profissão. Para Edgar e Sedgwick (2002) a subcultura pode ser vista como
“negociadora de um espaço cultural, em que as exigências contraditórias da cultura-mãe dominante
podem ser trabalhadas ou receber resistência, e em que o grupo possa expressar e desenvolver sua
identidade”.
Mowen e Minor (2003) destacam que quando se menciona subcultura, o foco está nos valores, nas
tradições, nos símbolos e nas ações do grupo, sendo que variáveis demográficas apenas descrevem a
característica de uma população. Subculturas mais comumente estudadas são as etárias, nas quais o
estudo dos idosos tem ganho relevância cada vez maior. Isto ocorre por causa da crescente proporção
dessa faixa etária na população, que vive cada vez mais e com melhor qualidade de vida. Da mesma
forma, o conceito de etnia também pode ser relevante, ou seja: étnico ou etnia refere-se a uma “palavra
usada para se referir aos diferentes grupos raciais ou nacionais que se identificam em virtude de suas
práticas, normas e sistema de crenças em comum” (EDGAR e SEDGWICK, 2002). Ou seja, está
implícito o fato de que a participação em um grupo étnico implica possuir um conjunto de atitudes ou
tradições diferentes das praticadas pela maioria dos membros da sociedade. Assim sendo, “etnia denota
a autoconsciência das próprias distinções culturais por parte de um grupo específico” (EDGAR e
SEDGWICK: 2002, p.117).
Um ponto interessante que diferencia culturas é o sentido do tempo, que nos países ocidentais costuma
ser considerado como uma mercadoria que tem valor (GRANDE, 2007). Um sentido de tempo
monocrômico considera que só se pode realizar uma coisa de cada vez, enquanto um sentido de tempo
policrômico permite que várias coisas sejam realizadas ao mesmo tempo. Hawkins, Mothersbaugh e
Best (2007) destacam, ainda, o elemento cultural na etiqueta, ou seja, comportamentos aceitos em
situações sociais, seguido de diversos exemplos entre culturas ocidentais e orientais.
Triandis (1994) destaca que a identidade cultural que os indivíduos desenvolvem é resultado de um
processo de assimilação em que cada grupo perde um pouco de suas características dominantes
(subtração multicultural) ou esse processo pode envolver a adição de habilidades ou características de
outros grupos (adição multicultural). Para Canclini (2004) esgotaram-se os modelos em que se
acreditava que uma nação poderia combinar culturas chegando a um “cadinho” de raças. O mesmo
autor distingue um mundo multicultural que considera uma “justaposição de etnias ou grupos de uma
cidade ou nação” de um intercultural, que “remete à confrontação e ao entrelaçamento”. (CANCLINI,
2004, p.17). Canclini estabelece ainda a diferença entre multiculturalidade e multiculturalismo: a
multiculturalidade propicia “enriquecimentos e fusões, inovações estilísticas mediante empréstimos
tomados de muitas partes”. Já o multiculturalismo pode ser entendido como a “exaltação indiferenciada
das realizações e misérias daqueles que compartilham a mesma etnia ou gênero” (CANCLINI, 2004, p.
26-27).
O problema que culturas modernas enfrentam é, justamente, o da “explosão e dispersão de referências
culturais mais do que da homogeneização” (WARNIER, 2003). O mesmo autor considera que “o que
está em jogo é a capacidade dos países de produzirem sua própria cultura, fazê-la perdurar diante de
agressões externas e da invasão seletiva de mercadorias culturais” (WARNIER, 2003, p.95). Já
Amselle (1998) parte de outra perspectiva em que considera que não existe uma fronteira cultural
nítida, mas pelo contrário, um “continuum cultural”. Para Burke (2003) por mais que se tente, não é
possível reagir à tendência global para a mistura e a hibridização. Para esse autor, existem culturas
inteiras mais abertas à hibridização (como a japonesa), mas também há locais específicos que são mais
favoráveis à troca cultural, como as metrópoles e a região fronteiriça (BURKE, 2003, p.69).
A questão da hibridização tem atraído pesquisadores oriundos de diversas disciplinas, como sociólogos,
antropólogos, historiadores e lingüistas. Segundo Diegues Jr. (1963) o Brasil pode ser considerado
como uma ampla experiência de pluralismo étnico e cultural em que as mais diversas relações de raças
e culturas indicam diferenças regionais no país e, conseqüentemente, diferenças entre os diversos
falares brasileiros. Segundo Leite e Callou (2002) todo brasileiro é capaz de reconhecer um eixo
divisório entre os falares do norte e do sul, no tocante à cadência, vogais pretônicas abertas no
nordestino e fechadas no sulista, o “s” sibilado do paulista em oposição ao “chiante” do carioca e o “r”
rolado do gaúcho contra o aspirado do carioca. Tais aspectos sugerem indícios de que o Brasil possui
um conjunto de microculturas específicas e particulares em cada região, que necessitam ser melhor
estudadas e compreendidas no âmbito acadêmico e empresarial.
3. Valores
Valor é um termo de menção bastante usual em marketing. Leão e Mello (2006) apontam pelo menos
três significados para o termo: o primeiro se refere a uma relação de custo-benefício. O segundo se
refere ao valor que um cliente tem para uma empresa ao longo de sua vida e por fim o terceiro aborda
“o aspecto do valor relativo à própria condição da existência humana em suas relações sociais,
assumindo que as pessoas alcançam seus valores pessoais através de algumas ações ou atividades
específicas, dentre as quais o consumo”, que é o foco deste trabalho.
Uma possível abordagem para entender as variações culturais no comportamento é entender os valores
característicos de diferentes culturas. Rokeach (1973) define valor como “...uma crença central e
duradoura que guia as ações e julgamentos através de situações específicas e além dos objetivos
imediatos para os estados finais da existência”. Para Schwartz e Bilsky (1987), valores são
representações de necessidades humanas , tanto biológicas, como sociais e de sobrevivência e bem
estar de grupos. Existem três formas amplas de se classificar os valores que refletem a visão da
sociedade sobre cada um desses pontos (HAWKINS, MOTHERSBAUGH e BEST, 2007), ou seja:
• Valores voltados aos outros – sobre os relacionamentos adequados entre indivíduos e grupos
dentro dessa sociedade.
• Valores voltados ao ambiente – sobre o relacionamento com seu ambiente econômico, técnico/
científico e seu ambiente físico.
• Valores voltados a si mesmo – refletem objetivos da vida e abordagens que os indivíduos da
sociedade acham desejável.
Rokeach (1973) desenvolveu uma das escalas mais utilizadas para a mensuração de valores, algumas
razões explicam seu sucesso, como a de encontrar valores específicos que diferenciam diversos grupos
políticos, religiosos, de gerações e culturais. Outras razões incluem a versatilidade de uso e
simplicidade dos conceitos envolvidos (BRAITHWAITE e LAW, 1985). Apesar disso, não é muito
utilizada por pesquisadores da área de marketing (SOLOMON, 2002) que tendem a preferir a LOV
(List Of Values) que foi desenvolvida para isolar valores mais relacionados ao marketing. A LOV foi
desenvolvida por Kahle (1983) sobre uma base teórica oriunda de Feather (1975), os valores terminais
de Rokeach (1973) e a hierarquia de valores de Maslow (1954) e vários outros autores contemporâneos
da pesquisa sobre valores (BEARDEN e NETEMEYER, 1999). A LOV é composta por nove valores
(Sentimento de pertencer; Excitação; Relações calorosas com os outros; Auto-realização; Ser bem
respeitado; Diversão e prazer; Segurança; Auto-respeito; Sentimento de realização) e tem sido usada
em relevantes trabalhos como em Leão, Souza Neto e Mello (2007).
A escala desenvolvida por Rokeach (1973) distingue dois tipos de valores: valores instrumentais e
valores terminais. Para Evans, Moutinho e Van Raaij (1996), valores instrumentais são aqueles
relacionados a modos preferidos de conduta, uma forma de atingir aos objetivos, enquanto valores
terminais são aqueles relacionados ao crescimento e a auto-atualização. Esses dois tipos de valores são
contemplados na escala proposta por Rokeach (1973) e atualizada por Rokeach e Ball-Rokeach (1989).
A lista de valores de Rokeach será utilizada nesta pesquisa para identificar as diferenças regionais. A
lista completa é apresentada no Quadro 1.
Quadro 1 – Valores instrumentais e terminais de Rokeach VALORES INSTRUMENTAIS VALORES TERMINAIS
Ambicioso Intelectual Amizade verdadeira Reconhecimento social
Amoroso Leal Amor maduro Sabedoria
Capaz Limpo Auto-respeito Salvação
Controlado Lógico Harmonia interior Saúde
Corajoso Magnânimo Igualdade Segurança da família
Gentil Mente aberta Liberdade Segurança nacional
Honesto Obediente Mundo de beleza Senso de realização
Imaginativo Responsável Mundo de paz Vida confortável
Independente Útil Prazer Vida emocionante
Fonte: Traduzido de Rokeach e Ball-Rokeack (1989)
4. Procedimentos metodológicos:
A metodologia empregada neste trabalho é de cunho qualitativo enfocando as diferenças dos valores
sociais de identificadas com base no tema viagem. Duas técnicas de pesquisa foram utilizadas neste
trabalho: a entrevista em profundidade com agentes de viagem e análise de conteúdo de oito grupos de
foco. Ambas constam da recomendação de Hofstede (1984) que discute sobre quatro estratégias
disponíveis para operacionalizar constructos sobre o que denominou de programas mentais humanos
conforme apresentado no Quadro 2.
Quadro 2: Quatro estratégias para operacionalizar constructos sobre programas mentais humanos PROVOCADO NATURAL
PALAVRAS
Entrevistas
Questionários
Testes projetivos
Análise de conteúdo, discursos, discussões,
documentos
AÇÕES
Experimentos de laboratório
Experimentos de campo
Observação direta
uso de estatísticas descritivas disponíveis
Fonte: Hofstede (1984, p.17)
Os grupos foram reunidos em quatro capitais brasileiras: Belém, Porto Alegre, Salvador e São Paulo.
Em cada uma dessas cidades foram realizados dois grupos mistos (homens e mulheres), sendo que foco
da discussão eram viagens. Um grupo reunia pessoas que abordavam viagens a lazer e o segundo grupo
reunia pessoas que discutiam viagens a negócios. Em suma, no total foram observados oito grupos,
sendo quatro lazer e quatro negócios, um de cada capital brasileira estudada.
Cada grupo foi conduzido por um moderador local contratado por empresa especializada na condução
deste tipo de pesquisa e apoiado por um roteiro de pontos a serem discutidos. Este roteiro sofreu poucas
modificações entre as praças e percorria a apresentação individual de cada participante, bem como de
um objeto pessoal que representasse o momento atual de cada participante e que deveria ser trazido
para a reunião. Encerradas as apresentações, foram discutidas questões sobre marcas de empresas
aéreas, expectativas sobre viagens e as experiências delas decorrentes. As discussões ficaram bastante
centradas nas questões de transporte aéreo dado o momento em que a coleta de dados foi realizada,
durante o período denominado de “caos aéreo”, no primeiro semestre de 2007. No total participaram 65
pessoas nos grupos das quatro capitais. O único critério utilizado na seleção foi que os participantes
deveriam ter viajado pelo menos uma vez de avião no último ano.
As discussões dos grupos de foco foram transcritas pela empresa condutora da discussão e analisadas
individualmente pelos autores deste trabalho, debatidas entre si e posteriormente debatidas com outro
pesquisador da área. O procedimento descrito anteriormente aumenta a confiabilidade da codificação,
uma vez que as codificações foram consensuais e validadas junto a um pesquisador não envolvido
diretamente com este trabalho. As análises conduzidas pelos autores utilizaram como base a lista de
valores terminais e instrumentais de Rokeach. Apesar da Lista de Valores LOV ser utilizada em
pesquisas de marketing, considerou-se que a lista de Rokeach pelo fato de ser mais ampla e com
maiores sutilezas permitiria uma maior variabilidade entre as cidades estudadas.
Conforme orientação de Bardin (1977), a análise de conteúdo envolveu três fases fundamentais:
1. Pré-análise: envolveu a preparação das transcrições dos oito grupos de foco para a análise,
procedeu-se, então, à leitura flutuante para a familiarização do conteúdo e à das categorias de
análise. Para a definição das categorias de análise procurou-se atender às sugestões de Muchielli
(1998) acerca das quatro qualidades que as categorias devem apresentar: exaustivas, exclusivas,
objetivas e pertinentes.
2. Exploração do material: vem a ser o cumprimento das decisões tomadas anteriormente, ou
seja, a categorização do material obedecendo aos critérios definidos e, adaptando-os nas
discussões entre os pesquisadores que avaliaram os materiais.
3. Tratamento dos resultados, inferência e interpretação: tem por objetivo tornar os resultados
brutos em significativos e válidos. Segundo Bardin (1977), nessa fase podem ser utilizadas
técnicas quantitativas e/ou qualitativas, condensando os resultados em busca de padrões,
tendências ou relações implícitas.
5. Resultados e Discussão
Em primeiro lugar serão apresentados os resultados em que se revelaram valores comuns,
caracterizando a síntese cultural das cidades estudadas e, na seqüência, serão apresentados conforme os
locais em que foram obtidas as informações: Belém, Porto Alegre, Salvador e São Paulo.
O Quadro 3, a seguir, apresenta a comparação dos resultados obtidos em cada uma das localidades
analisadas com relação aos valores instrumentais e terminais.
Quadro 3: Valores terminais e instrumentais com maior incidência nas capitais Valores Belém Porto Alegre Salvador São Paulo
Independência Independência Independência Independência Responsabilidade Responsabilidade Responsabilidade Responsabilidade Imaginação Educação/Gentil Capacidade Ambição
Instrumentais
Lógica Prestativo/Útil Intelectual Amável/Amoroso Liberdade Reconhecimento
Social Reconhecimento Social
Reconhecimento Social
Reconhecimento Social
Liberdade Liberdade Prazer
Saúde Prazer Prazer Vida Confortável Vida Confortável Segurança Familiar Saúde Segurança Familiar
Terminais
Prazer Vida Confortável Igualdade Saúde
Uma visualização gráfica das diferenças de valores entre as cidades pesquisadas é apresentada nos
Gráficos 1 e 2, a seguir:
Gráfico 1: Distribuição dos valores terminais nas quatro capitais pesquisadas.
Gráfico 2: Distribuição dos valores instrumentais nas quatro capitais pesquisadas
5.1 Existência de elementos comuns às cidades pesquisadas
A análise dos dados revelou a existência de valores comuns que podem ser interpretados como
elementos característicos que sintetizam os valores da sociedade brasileira em geral. Nas quatro regiões
analisadas, houve uma concordância quanto aos valores instrumentais mais fortemente manifestados na
pesquisa: independência e responsabilidade. As seguintes frases colhidas das transcrições dos grupos
de foco são representativas da independência:
“Eu pego minha bota, Calço, vamo embora e vou embora. Pra qualquer lugar. Pareço com ela. Vou recarregar
energias em qualquer lugar, seja... Eu vou trabalhar também, trabalha, chega a noite e se diverte. Pra mim, o que
eu tenho aqui é isso” (Belém)
“...sou casada, meu marido é Engenheiro também, a gente trabalha juntos, mas, nós brigamos muito. Então,
trabalhamos o mínimo possível juntos...” (Porto Alegre)
“Já tenho 20 anos de casado, não necessito mais nada do lado emocional. Agora é trabalhar o futuro profissional
que tem que ser afinado sempre!” (Salvador)
“...meu momento atual é o meu trabalho e também meus relacionamentos, mas estou mesmo focado em ganhar
dinheiro pra comprar meu apartamento.” (São Paulo)
Já o valor instrumental responsabilidade pode ser caracterizado, através das seguintes manifestações:
“Que é tudo que o homem que quer construir uma família, que quer ter filhos pensa antes de qualquer outra coisa.
Eu antes de ter meu carro zero eu tinha minha casa.” (Belém)
“...eu viajo mais porque eu tenho a minha mãe que mora no Rio...” (Porto Alegre)
“Eu estou num momento de transição e desafio profissionalmente! Estou em fase de mudança! Assumindo uma
área maior! Na mesma empresa! Só que antes de fazer isso, tenho que preparar quem está comigo atualmente
para permanecer no trabalho onde estou!” (Salvador)
“...o que vejo de ruim é que às vezes me pego pensando no futuro, você colocar uma vida nesse mundo hoje é um
pouco mais de responsabilidade de quem colocou a gente, então dá um pouco de medo. O que é? O que vai ser?
Por mais cuidado que vc tenha com educação, berço, cuidados... como vai ser mais na frente? Isso me assusta um
pouco.” (São Paulo)
Dentre os cinco valores terminais mais identificados, apenas dois valores são comuns nas localidades
analisadas: reconhecimento social e vida confortável. O reconhecimento social pode ser identificado
nas seguintes frases:
“...eu trabalho na área profissional e realizo projeto institucional. Eu fechei um grande negócio na área de
desenvolvimento educacional” (Belém)
“...eu fui direto para Madri, tipo assim: eu e a minha irmã se destoava do grupo, entendeu, e mais umas duas o
resto...” (Porto Alegre)
“Eu estou num momento que também é muito bom! Mas sou uma pessoa que sempre quero mais! O momento está
ótimo! Mas quero mais! Estou bem financeiramente e no trabalho... Mas quero mais!” (Salvador)
“...saí da casa da minha família e fui morar sozinha, o lado bom é que hoje eu trabalho por conta própria, tenho
que meter as caras e levar não, coisa que não acontecia antes, eu estou aprendendo muito, ralando muito.” (São
Paulo)
Por sua vez, a vida confortável aparece nas seguintes manifestações:
“...Talvez eu seja pouco materialista, então eu não tenha nada que eu não possa largar. Qualquer coisa na minha
vida eu posso trocar” (Belém)
“...ando de moto,eu atrelo a moto ao turismo, então eu dou uma viajada quando o tempo tá legal, e tô sempre
envolvido com isso....” (Porto Alegre)
“Depois que viajei de avião eu nunca mais entrei num ônibus para viagens! Nem de carro Você não quer mais
perder tempo!” (Salvador)
“Gosto de variar o lazer, ficar em casa e tb saio bastante, gosto de cinema, teatro, passear no shopping, parques,
viagens, praia, fazer caminhadas” (São Paulo)
Em resumo, a emergência dos valores de independência e responsabilidade, como síntese das culturas
das cidades investigadas, parece se opor ao resultado obtido por Hofstede (1997) que aponta o Brasil
como um país que tende ao coletivismo. A constatação de Hofstede (1997) é coerente com DaMatta
(1985), para quem, no Brasil, as relações que uma pessoa tem são mais importantes do que aquilo que
ela faz ou o lugar onde nasceu e, portanto, o fato de pertencer a um grupo confere importância ao
indivíduo. A explicação para esta aparente contradição, pode estar na afirmação de Aidar et al. (2000,
p.56): “Nossa noção de solidariedade é precária e parece envolver somente os mais próximos. Não
chegamos a concluir o caminho que leva à noção de cidadania e bem comum”. No caso específico do
valor responsabilidade, podemos especular mais uma contradição em relação ao modelo de Hofstede
(1997), uma vez que o Brasil, assim como diversos países latinos, apresenta elevado distanciamento do
poder. Em paises com elevado distanciamento do poder, as decisões tendem a ser autocráticas e
paternalistas e a distribuição do poder é desigual. No caso do valor responsabilidade, encontramos
traços que caracterizam indivíduos que tomam para si os efeitos e implicações de suas ações, não as
delegando a terceiros.
Os valores terminais reconhecimento social e vida confortável podem ser caracterizados como
resultantes das ações independentes e da responsabilidade que os indivíduos assumem ao tomar para si
a condução de sua própria vida pessoal e profissional. Os resultados obtidos são intrigantes, pois os
estereótipos associados ao brasileiro em geral apontam para aspectos mais hedônicos, festivos e de
diversão (DAMATTA, 1984).
Com relação ao trabalho, este aparece fortemente: a maioria gosta de trabalhar e trabalha muito, tem
rotina agitada e pouco espaço para a vida pessoal e lazer (não raro o trabalho “invade” os finais de
semana). Além de tranqüilidade financeira, há busca de reconhecimento e realização/gratificação
pessoal. Outro aspecto recorrente é a busca por “qualidade de vida” onde a meta é conciliar trabalho
com o usufruto de vivências e momentos emocionalmente significativos com os amigos e a família, que
por sinal é outro ponto importante - “é o seu porto seguro”
5.2 Os aspectos diferenciadores das culturas regionais
Na seção anterior abordamos os aspectos comuns e, porque não dizer, surpreendentes compartilhados
pelas microculturas regionais. Nesta seção, iremos abordar os aspectos idiossincráticos das
microculturas estudadas e suas implicações.
Com relação ao tempo e etiqueta, em Belém e Salvador todos falam ao mesmo tempo e isso parece
adequado e natural. Enquanto em São Paulo e Porto Alegre há uma etiqueta em que se espera cada
pessoa terminar de falar. A interação social ocorre mais rapidamente nas cidades ao norte, em que já na
apresentação aparecem as primeiras brincadeiras uns com os outros. Nas cidades mais meridionais essa
interação demora mais a ocorrer.
Com relação aos valores instrumentais, além da individualidade e da responsabilidade, não houve
convergência em nenhuma localidade quanto aos valores apresentados na terceira e quarta posições de
nossa análise.
Belém
Em Belém, encontramos o predomínio da imaginação e da lógica, o que talvez possa explicar o sucesso
de manifestações culturais locais que, rapidamente, tomam de assalto outras regiões do país e do
exterior tais como o Tecnobrega, a Lambada e o Calipso (MARTINS, 2005). Em outras palavras a
cultura de Belém parece tentar equilibrar a razão e a emoção, tendo como objetivo final uma vida
confortável com liberdade e saúde, com reconhecimento social que pode advir de manifestações
criativas, sem perder de vista o prazer e a diversão.
Na análise de grupo na cidade de Belém, percebemos presença mais alta em liberdade, reconhecimento
social, saúde, vida confortável. Já nos valores instrumentais, percebe-se uma alta presença nos valores
de independência, responsabilidade, imaginação, e lógica.
Ao analisar os valores mais marcantes da cidade de Belém percebe-se relações que permitem tirar
conclusões sobre os indivíduos residentes da cidade. O conceito de liberdade pode ser muito associado
com a independência, dado que estes indivíduos desejam ter mais autonomia para conseguirem se
sentirem livres. Os valores de imaginação e reconhecimento social também se relacionam pelo fato das
pessoas mais imaginativas conseguirem meios (como por exemplo, empreendedores) de alcançar um
reconhecimento social. Também vemos relação entre saúde e responsabilidade, pelo fato de que
pessoas mais responsáveis terão mais cuidado com sua saúde, tanto mental quanto física. Finalmente, o
valor de lógica pode ser relacionado com a vida confortável (ou até saúde), dado que um raciocínio
claro e lógico pode levar a conclusões como uma que indique que o melhor equilíbrio na vida seria ter
uma vida confortável, ao invés de ter uma dedicada ao trabalho, por exemplo.
Notamos que nos valores terminais, eles não se diferenciam em intensidade, mas nos valores
intermediários vemos que o valor de liberdade se destaca claramente dos outros 3 maiores.
Em Belém, com relação a viagens surgiram alguns comentários interessantes que revelam um
sentimento de exclusão com relação a outras partes do país, principalmente no tocante à existência de
muitos vôos de madrugada, ou ainda pelo fato de ser uma região em desenvolvimento/expansão, com
novos pólos de negócios e de turismo, e, portanto, com demandas crescentes. Consideram o transporte
rodoviário precário e longas distâncias potencializam a importância do transporte aéreo. Sentem-se
desprestigiados com as aeronaves utilizadas na região norte e nordeste como sinaliza a fala:
“De S. Paulo a Brasília é um avião lindo, maravilhoso, de Brasília para Belém vem num teco-teco. Dá
impressão de discriminação com o pessoal do norte e nordeste, os aviões mais velhos e apertados são
para cá.”
Além de queixas quanto à cobertura de vôos, sentem-se mal servidos se comparados a outras regiões do
país.
“Para chegar ao Rio Grande do Norte, você conhece todo o norte e nordeste antes de pousar! É um
pinga-pinga, você se sente um ioiô!”
Porto Alegre
Uma característica predominante do gaúcho é um certo bairrismo: tem orgulho do que é ‘seu’ e, mais
do que isso, possui uma relação passional, tendendo a minimizar defeitos e a idealizar suas criações, até
porque acredita que estas são diferenciadas tendo um quê de superioridade.
“Não tem como tu não te orgulhar de uma cria daqui, olha o que a Varig representava para o mundo, é
gaúcha!”
Já em Porto Alegre, a educação e o ser prestativo, que pode ser entendido como preocupação com o
coletivo, parecem representar valores instrumentais importantes. Talvez estes valores ajudem a explicar
o engajamento político neste estado do Sul, bem como seu senso de identidade mais desenvolvido.
Neste sentido, pode-se especular que a busca de reconhecimento social, segurança familiar e de uma
vida confortável com liberdade, passa pela educação e pelo desenvolvimento de relações mais
cooperativas, sem perder de vista os objetivos individuais, reforçando a hipótese levantada por Aidar et
al. (2000), já apresentada anteriormente.
Os valores de um indivíduo prestativo e responsável se relacionam com segurança familiar, porque as
pessoas que desejam obter esta segurança podem ser categorizadas como mais prestativas às
necessidades da sua família e têm um senso de responsabilidade aguçado por quererem o melhor para
os outros.
Salvador
É curioso observar que Salvador é colocada com um “pé na singular e sofrida” região Nordeste, e,
outro, visivelmente em São Paulo. Consideram o mercado local de turismo em transformação e
expansão, também no mundo corporativo, em direção a um maior profissionalismo segundo alguns
agentes de viagem – “ficando menos amador, não mais só pensar em Carnaval e São João”.
Salvador apresenta como valor terminal distintivo a questão da igualdade. De fato, a capital baiana
pode ser considerada um exemplo bastante interessante de tolerância religiosa e de coexistência de
diversas manifestações culturais, religiosas e sociais. Surgem como valores instrumentais
característicos, a capacidade de realização e a valorização intelectual. Indícios que podem ajudar a
justificar a existência destes valores instrumentais na microcultura soteropolitana podem ser
observados se considerarmos que a primeira faculdade no Brasil foi instalada em Salvador
(SOBRINHO, 2008); assim como, é da Bahia que vêm expoentes das letras e das artes, muitas vezes,
superando adversidades políticas, econômicas e sociais.
Na análise dos valores de Salvador, percebem-se valores mais altos nos valores terminais de
reconhecimento social, liberdade, prazer, e saúde. Em Salvador, não é um peso maior nos valores que
chama a atenção, mas sim a homogeneidade, dado uma distribuição de pesos similares entre os valores,
especialmente nos valores instrumentais. De fato, existe maior peso em alguns valores, como os já
citados (independência e responsabilidade), mas há uma presença igual nos valores de capacidade,
intelectual, lógica, educação, indicando que a heterogeneidade de Salvador.
São Paulo
Finalmente, São Paulo, caracteriza-se pela busca de uma vida confortável com saúde, prazer,
reconhecimento social e segurança familiar. Todavia, os demais valores instrumentais reforçam o
estereótipo da São Paulo do trabalho, das longas horas de trabalho e das oportunidades para aqueles
que tenham ambição e podem indicar a busca dos valores instrumentais que passam necessariamente
pela performance, pela ambição e pela competição. Interessante notar que, talvez como um
contraponto, a esta excessiva orientação individualista, surge o valor instrumental da amabilidade,
talvez como forma de tentar oferecer algum ponto de equilíbrio aos indivíduos que vivem na cidade.
Na visão dos grupos de outras cidades, São Paulo é vista como “epicentro pulsante do país” ou “O
dinheiro está em São Paulo”, “Profissionalismo/ seriedade/ diversidade/ “ritmo” frenético de vida /
trabalho” Em outros casos é vista até mesmo com “brega”.
Em São Paulo percebe-se um alto nível de observações em 4 valores terminais: reconhecimento social,
prazer, vida confortável, e segurança familiar. Além dessas, existem 5 categorias em destaque nos
valores instrumentais: independente, ambicioso, responsável, amável, e capaz.
Há também uma relação entre a responsabilidade e a segurança familiar e responsabilidade. Um
indivíduo que deseja a segurança pela sua família muito provavelmente é responsável, dada a sua
preocupação legítima com sua própria família. O valor amável também pode ser relacionado com
segurança familiar, pois é provável que as pessoas desejadoras de segurança para sua família são muito
amáveis e por isso priorizam o desejo de que nada aconteça com seus amados. Os valores prazer e vida
confortável já denominam a cidade de São Paulo como uma que contém indivíduos que desejam
aproveitar a vida ao invés de focar muito no trabalho, que também podem ser relacionados com o valor
de alguém independente que não deseja se apegar a trabalho, e prefere ter uma vida mais voltada ao
prazer e conforto.
Em São Paulo, percebemos que os maiores pesos estão claramente nos valores de reconhecimento
social e independência, embora os outros valores, como já foi explicitado, sejam relevantes também.
Isto pode ocorrer devido ao fato de existir uma grande migração a São Paulo dado que as pessoas
visualizam a cidade como uma espécie de “terra da oportunidade”, local onde estão localizados os
grandes negócios e chances para o sucesso financeiro. Esta característica pode fazer com que os
residentes da cidade passam a ter características de desejar o reconhecimento e admiração por obterem
este sucesso através do próprio esforço.
6. Considerações finais:
Observou-se que existe um conjunto de valores instrumentais que são comuns às diversas cidades
pesquisadas: independência e responsabilidade, e um segundo conjunto em que há forte variação,
indicando peculiaridades locais, como imaginação e lógica em Belém, educação e prestatividade em
Porto Alegre, capacidade e intelectualidade em Salvador e ambição e amabilidade e São Paulo. Já os
valores terminais sofrem pequenas variações, sendo reconhecimento social o que aparece em primeiro
lugar em três das capitais, exceto em Belém em que aparece em segundo lugar, liberdade é outro valor
terminal relevante em três capitais, exceto São Paulo em que o valor prazer é mais importante.
A análise apresentada neste trabalho indica que no tocante aos valores instrumentais encontramos
diferenças significativas. No caso dos valores instrumentais, as diferenças também existem, porém são
menos características. Essa constatação nos permite especular que a cultura brasileira tende mais para a
homogeneidade quando consideramos os valores terminais e, por conseguinte, os objetivos buscados
pelos indivíduos. Todavia, os meios para se atingir estes objetivos semelhantes têm forte influência dos
valores regionais. Em síntese, podemos considerar que:
• Belém: caracteriza-se por focar pouco em reconhecimento social e mais nos valores como
liberdade, saúde, e conforto.
• Porto Alegre: ênfase nos valores de segurança familiar, educação, e responsabilidade. Isto é
consistente com o fato de Porto Alegre ser a capital com o maior IDH do Brasil, dado que estes
valores de fato contribuiriam para um IDH mais elevado.
• Salvador: quase todas as intensidades dos valores são medianos em relação as demais capitais.
Ou seja, a intensidade apresenta menos picos (de alta ou de baixa), reforçando a idéia de uma
cultura mais heterogênea. Esta heterogeneidade pode ocorrer pelo fato de existir tanto pessoas
que são mais voltadas ao intelecto, quanto àqueles que desejam uma vida mais confortável
(Salvador é uma atração turística pelas suas praias e clima de festa). As outras capitais já
apresentam certos pontos de maior ou menor "score", indicando uma cultura mais homogênea.
• São Paulo: estão claramente mais categorizados como sendo aqueles com mais foco nos
valores de reconhecimento social, ambição, e capaz, possivelmente devido ao fato de São Paulo
ser a cidade aonde as pessoas vêm em busca de oportunidades de sucesso financeiro e carreira.
Diferente das outras cidades, os moradores de São Paulo dão pouca importância ao valor da
liberdade, possivelmente pelo ambiente de correria e pouco sossego que existe na cidade, o que
também condiz com o fato de almejarem mais que qualquer outra cidade o reconhecimento
social.
O presente estudo, ainda que limitado a quatro capitais brasileiras, apresenta indícios importantes
quanto à importância de buscar uma melhor compreensão das microculturas regionais e sua relação
com a cultura nacional, a partir de uma escala de valores. A identificação de valores distintos em cada
capital sugere a necessidade de se aprofundar os estudos no sentido de uma maior abrangência
nacional. Empresas têm observado e incorporado as diferenças regionais em suas ações
mercadológicas, no entanto pesquisadores da área de marketing pouco se ativeram à elaborações que
trouxessem contribuições teóricas sobre o tema.. Este trabalho contribui com um início à formação de
um corpus teórico acerca da regionalização das práticas mercadológicas.
As implicações práticas deste estudo se concentram na necessidade de elaborar e executar planos de
marketing considerando as diferenças nos valores sociais dos consumidores em regiões diversas.
Warnier (2003) alertou para o problema da explosão e dispersão de referências culturais. No Brasil,
empresas precisam de pesquisas que discriminem regionalmente os hábitos e preferências que estão
fortemente atrelados aos valores sociais. Estratégias de massa talvez não sejam adequadas para oferecer
e comunicar os produtos. Um programa de marketing que incorpore estas diferenças regionais é
necessário para definir adequadamente as características dos produtos, da comunicação, do preço e dos
canais de distribuição.
Este estudo apresenta um incentivo na busca por melhor compreender as diferenças e similaridades que
existem dentro do Brasil. Cabem diversas sugestões para dar continuidade a este trabalho, destacando-
se como se dá o processo de hibridização entre as diversas microculturas presentes no território
brasileiro, a questão da imigração e das migrações, como estas trouxeram elementos por vezes
dissonantes da cultura local e rapidamente incorporado no modus vivendi local. Futuras pesquisas
podem utilizar de outros métodos de coleta de dados, como por exemplo uma survey, que permita
aprofundar nas diferenças e eventualmente em causalidades entre instrumentais e terminais. Pode-se
também concentrar nos valores que se destacaram especificamente em cada uma das capitais. Em
estudos futuros, análises podem considerar outros modelos teóricos de valores ou de comportamento
social que permitam avançar no mapeamento das diferenças culturais entre as regiões.
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