aspectos psiquiátricos do tratamento da obesidade

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Page 1: Aspectos Psiquiátricos Do Tratamento Da Obesidade

Vasques, F.; Martins, F.C.; de Azevedo, A.P. Rev. Psiq. Clin. 31 (4); 195-198, 2004

� Artigo Original

Aspectos psiquiátricos do tratamento daobesidade

FÁTIMA VASQUES1

FERNANDA CELESTE MARTINS2

ALEXANDRE PINTO DE AZEVEDO3

1 Psicóloga cognitivista do Grupo de Estudo, Assistência e Pesquisa em Comer Compulsivo eObesidade – GRECCO/Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Ipq – AMBULIM– Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo – HC-FMUSP

2 Médica psiquiatra do GRECCO/AMBULIM - IPq-HC-FMUSP

3 Médico psiquiatra. Coordenador do GRECCO/AMBULIM - IPq-HC-FMUSP

Endereço para correspondência: AMBULIM – Rua Dr. Ovideo Pires de Campos, 785 – 2º andar– 05403-010 – São Paulo – SP – e-mail: [email protected] – Fone: (11) 3069-6975.

Resumo

A obesidade, por sua caracterização e etiologia multifatorial, é uma condiçãoque tem merecido atenção e estudos de diversas áreas de especialidades,particularmente a psiquiatria e a psicologia. Os problemas emocionais sãogeralmente percebidos como conseqüências da obesidade, embora conflitos eproblemas psicológicos possam preceder o desenvolvimento dessa condição. Adepressão e a ansiedade são sintomas comuns, e depressão maior pode sermais freqüente nos gravemente obesos. No tratamento psicoterápico, a terapiacognitiva vem mostrando eficácia por objetivar a organização das contingênciaspara mudanças de peso e comportamentos, em princípio, relacionados aoautocontrole de comportamentos alimentares e contexto situacional mais amplo.Embora o tratamento farmacológico da obesidade não deva ser a primeiraopção terapêutica, seu uso está plenamente aprovado. Atenção deve ser dadapara as drogas realmente aprovadas para uso em longo prazo e as de açãocentral, podendo atuarem como desencadeadoras de quadros psiquiátricos.

Palavras-chave: obesidade, terapia cognitiva, agentes antiobesidade.

Recebido: 02/09/2004 - Aceito: 15/09/2004

Psychiatric Aspects in the Treatment of Obesity

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Introdução

A obesidade, por sua caracterização e etiologia multi-fatorial, é uma condição que tem merecido atenção eestudos de diversas áreas de especialidades, particular-mente a psiquiatria e a psicologia. Contudo, no DSM-IV-R não se encontram critérios para identificação eavaliação da obesidade como transtorno psiquiátrico,mesmo na categoria de transtornos alimentares, apesarde seus portadores apresentarem perturbaçõescomportamentais e conflitos psíquicos relacionados àalimentação. Embora, de fato, a obesidade não devaser classificada como transtorno alimentar, algunsautores a incluem didaticamente nesta categoria pelosaspectos de funcionamento semelhante aos demaistranstornos, pelo fato de caracterizar-se por pertur-bações no comportamento alimentar, apresentandosíndrome psicológica associada que pode merecerintervenção médica e/ou psiquiátrica (Flaherty, 1995).

Compreensão da obesidade

Há diversas formas de conceituar e classificar aobesidade. A definição primária de obesidade pode sera de “acúmulo excessivo de tecido adiposo no organismo”(Nunes, 1998). A grande dificuldade deste conceitobásico é como medir esse tecido adiposo e como estabe-lecer o limiar a partir do qual um determinado indi-víduo será rotulado como obeso. Criou-se, então, o Ín-dice de Massa Corporal (IMC), método mais utilizadoatualmente e que define que a obesidade seria classi-

Abstract

Obesity is a condition that has deserved studies of different areas, particularlypsychiatry and psychology, because of its multifactorial etiology. The emotionalproblems generally are perceived as a consequence of obesity, but psychologicalconflicts and problems can precede the development of obesity. Depression andanxiety are common symptoms and depression syndrome can be more frequentin the severe obesity. The psycotherapeutic treatment, especially the cognitivetherapy, shows good action for organization, weight changes and beyond theself-control of food behaviors. Although the pharmacological treatment of obesityshould not be the first therapeutic option, its use is fully approved. Attentionshould be drawn to drugs that were really approved for use in obesity and thosewith central action.

Keywords: Obesity, cognitive therapy, antiobesity agents.

ficada a partir de um IMC superior a 30 kg/m². Outradefinição que se refere igualmente ao excesso de pesoé a de que “uma pessoa obesa é definida, convencional-mente, como aquela que pesa 20% a mais do que opeso-padrão especificado com relação ao sexo, altura eestrutura corporal.” (Flarherty, 1995).

A cultura ocidental enfatiza mais a boa forma e aimagem corporal, o que facilita a identificação de incô-modos com o excesso de peso, independente dos graus deobesidade. Nossos padrões culturais fazem com que atéindivíduos com peso dentro dos parâmetros de normali-dade possam sentir-se com peso acima do desejado. Épossível observar a importância da participação de váriosfatores etiológicos genéticos e orgânicos, da falta deatividades físicas, de fatores educacionais e psicológicos.Estes últimos, ocupando dois lugares específicos quecomparticipam, lugar de causas e lugar de complicaçõesda obesidade (Flarherty, 1995).

No aspecto clínico, relacionado a padrões dealimentação dos obesos, integram conteúdos como desco-nhecimento de mecanismos exatos controladores dasaciedade e apetite e ainda, em alguns, com visão negativado corpo, preocupados com a forma como responsávelpelo acesso, aceitação, sucesso social e felicidade.

Os problemas emocionais são geralmentepercebidos como conseqüências da obesidade, emboraconflitos e problemas psicológicos de autoconceito possampreceder o desenvolvimento da obesidade. A depressão ea ansiedade são os sintomas comuns; depressão maiorpode ser freqüente nos gravemente obesos. Pacientesobesos emocionalmente instáveis podem experienciar

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aumento na ansiedade e depressão quando fazem dietas(Flarherty, 1995). Portanto, o obeso apresenta aspectosemocionais e psicológicos identificados como causadoresou conseqüências ou retroalimentadores da sua condiçãode obeso, concomitante a uma condição clínica eeducacional alterada.

Aspectos psicológicos dotratamento da obesidade

No tratamento psicoterápico, a terapia cognitiva vemmostrando eficácia por trabalhar a partir da estruturaoperante do paciente com objetivos de organizar ascontingências para mudanças de peso e comporta-mentos, em princípio, relacionados ao autocontrole decomportamentos alimentares, e contexto situacionalamplo, aprofundando para todo o desconforto (Abreu,2003). A avaliação e correção dos pensamentosinadequados, que contribuem tanto para a etiologiaquanto para a manutenção da obesidade, são procedi-mentos disparadores e freqüentes no processo psicote-rapêutico para a modificação comportamental. Areestruturação cognitiva, imagens orientadas, otreinamento da auto-instrução, a determinação deobjetivos, o estímulo ao auto-reforço e resolução deproblemas são alguns procedimentos inter-rela-cionados, de base cognitiva, incorporados a outros pro-gramas comportamentais (Abreu, 2003).

A orientação cognitivo-comportamental segue omodelo que identifica a crença central e a crençaintermediária (regra, atitude, suposição) que leva aum pensamento e influencia uma situação, e vice-versa, desencadeando igualmente reações emocionais,comportamentais e fisiológicas (Hawton, 1997). Combase nesta orientação, os sistemas de crenças deindivíduos obesos determinam sentimentos e compor-tamentos desencadeados por pensamentos disfun-cionais acerca do peso, da alimentação e do valorpessoal; por exemplo, a crença de que ser magro estáassociada a autocontrole, competência e superioridadeinterfere diretamente na constituição da auto-estimada pessoa, ou mesmo, a crença de que ser magro éfundamental para a solução de problemas da vida eque, portanto, pessoas obesas seriam infelizes emalsucedidas, são significações que também sãoencontradas neste grupo (Abreu, 2003).

Estes conjuntos de crenças provocam, no obeso,tendências disfuncionais de raciocínio levando-o adesenvolver pensamentos dicotômicos – pensamentosem termos absolutos e extremos do tipo “se não estoucompletamente com o controle, significa que perdi todoo controle, que está tudo perdido; então, posso mefartar.” Considerando-se o sistema de crenças, identi-ficamos os aspectos psicológicos da obesidade, aspectosenvolvidos no controle da alimentação, ou seja: ascorrelações, interdependências e interações que

existem entre o ambiente, pensamentos, sentimentose comportamentos (Hawton, 1997).

Portanto, o desafio da psicoterapia cognitiva écompreender como diversos fatores interagem entresi em cada caso ou situação e, associada e integrada aoutras terapias, favorecer a melhora no manejo dosintoma para que o paciente possa dispor de um reper-tório qualitativamente mais amplo para responder àsdemandas da vida.

Na obesidade, nem sempre o tratamento farma-cológico é a primeira opção terapêutica; este deve,antes, compor o tratamento que deve ser pautadonuma abordagem multidisciplinar. Dietoterapiaassociada à psicoterapia, por serem modalidades não-invasivas, devem ser sempre priorizadas. No entanto,quando transtornos psiquiátricos como os trans-tornos fóbico-ansiosos, depressão atípica, síndromedo comer noturno e/ou transtorno da compulsãoalimentar periódica (TCAP) estão presentes contri-buindo para o ganho de peso, devemos considerar afarmacoterapia (Aronne, 2003).

Drogas aprovadas para uso em longo prazo

A sibutramina é uma amina terciária que age ini-bindo a recaptação de serotonina e noradrenalina e,em menor grau, de dopamina. É usualmente utili-zada em doses de 10 a 15 mg/dia. Atua diminuindo aingestão alimentar e deve elevar a termogênese emalguns indivíduos (Aronne, 2003). Estudos mostramque 66% daqueles que completam um ano de trata-mento perdem mais de 5% de seu peso comparados aapenas 29% do grupo placebo. Cerca de 39% dospacientes perderam mais que 10% do peso comparadoscom 6% do controle (Bray, 1999). A sibutramina foiinicialmente desenvolvida para uso antidepressivo(Aronne, 2003) e, embora seja descrita alguma açãoem quadros de depressão maior, não deve ser utilizadapara esta finalidade. Além disso, atenção especial deveser dada ao uso em indivíduos cuja ação de maiordisponibilidade de neurotransmissores deva serevitada, como os portadores de transtorno afetivobipolar. Efeitos colaterais como irritabilidade einquietação podem ocorrer.

O orlistat é um agente farmacológico que inibe alipase pancreática, diminuindo a absorção de gordurano trato gastrintestinal e promovendo a perda de peso.O uso dessa medicação implica uma dieta orientada,e sua associação com exercícios físicos potencializa osresultados. Contudo, não apresenta efeito supressorde episódios de compulsão alimentar, já que não háação central (Hvizdos, 1999). Além disso, por sua açãoexclusivamente gastrintestinal e por não promoveralterações na absorção de drogas usualmenteutilizadas em psiquiatria como os antidepressivos, podeser a droga de escolha em indivíduos obesos emtratamento psiquiátrico.

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Drogas como a fluoxetina e sertralina não foramaprovadas para tratamento da obesidade. Reganho depeso costuma ocorrer após seis meses do início dotratamento. Essas drogas, contudo, podem ser benéficasem casos de comorbidades, como o transtorno dacompulsão alimentar periódica (Aronne, 2003).

Drogas utilizadas para tratamentoem curto prazoMedicamentos anorexígenos de ação central, geral-mente hipotalâmica nos sistemas catecolaminérgicos(noradrenalina e/ou dopamina), são conhecidos porserem derivados quimicamente das anfetaminas. Sãodrogas que devem ser utilizadas por curto prazo tantopor seus potenciais efeitos colaterais como por seuelevado potencial para abuso e dependência, além dapossibilidade de desencadear sintomas e síndromespsiquiátricas, como surtos psicóticos, síndromesdepressivas ou de mania.

Drogas com potencial futuro parauso na obesidadeO topiramato é uma droga anticonvulsivante etem sido estudado como medicação promissora notratamento da obesidade. Inicialmente utilizadocomo estabilizador do humor e no controle da

impulsividade, observou-se sua propensão àpromoção da perda de peso e no tratamento dotranstorno da compulsão alimentar periódica.Estudos demonstraram, em populações obesas,redução importante dos episódios de compulsãoalimentar e posterior perda de peso (Shapira,2000). História pessoal de transtorno depressivodiagnosticado ou sintomas depressivos impor-tantes contra-indicam seu uso.

Conclusão

Quando o indivíduo obeso apresenta comorbidade doespectro psiquiátrico, a associação medicamentosa àdietoterapia e psicoterapia torna-se imprescindível,ficando bem indicado o uso de antidepressivo associadoou não com estabilizador de humor. Os agentesantiobesidade são mais indicados para obesidade semcomorbidade psiquiátrica e como coadjuvantes napresença de comorbidades. As drogas anorexígenas,apesar de eficazes, devem ser usadas com cautela epor curto período de tempo. Apesar de o tratamento doponto de vista psiquiátrico da obesidade estar emevidência, é necessário maior investimento nodesenvolvimento do acompanhamento em longo prazo.

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