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ASPECTOS JURÍDICOS DA REGULAÇÃO DOS INVESTIMENTOS DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR Matheus Corredato Rossi 1 Publicado originalmente na Revista de Previdência da UERJ/CEPED. n. 6. Outubro de 2007. Sumário: 1. Nota introdutória; 2. A Resolução CMN 3121/03 e o Direito de Preferência; 3. A Previdência Complementar e a intermediação financeira; 4. A auto- regulação privada no ambiente dos investimentos das EFPC’s; 5. Notas; 6. Referências bibliograficas. 1. Nota introdutória O estudo das relações do Estado com a economia vem sendo pautado basicamente pela observação do grau de profundidade e intensidade da intervenção estatal nos vários momentos históricos da ordem econômica. É inquestionável que a natureza e a extensão dessa intervenção sofreram uma profunda transformação, passando de uma fase abstencionista no século XIX para uma fase intervencionista no século XX. Como sabemos, a regulação estatal da previdência complementar no Brasil ganhou contornos mais definidos na década de 70. A partir daí, o que se viu foi o crescimento invejável do setor orientado por um regime de capitalização que logo se destacou pela contribuição na formação da poupança interna do país. A título de ilustração, somente a previdência complementar fechada é responsável pela complementação dos benefícios previdenciários a mais de seis milhões de pessoas, tendo uma participação atual de 18% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados da Secretaria de Previdência Complementar 1 Advogado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, mestrando em Direito pela PUC/SP.

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ASPECTOS JURÍDICOS DA REGULAÇÃO DOS INVESTIMENTOS DAS ENTIDADES FECHADAS

DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

Matheus Corredato Rossi 1

Publicado originalmente na Revista de Previdência da UERJ/CEPED. n. 6. Outubro de 2007.

Sumário: 1. Nota introdutória; 2. A Resolução CMN 3121/03 e o Direito de Preferência; 3. A Previdência Complementar e a intermediação financeira; 4. A auto-regulação privada no ambiente dos investimentos das EFPC’s; 5. Notas; 6. Referências bibliograficas.

1. Nota introdutória

O estudo das relações do Estado com a economia vem sendo pautado basicamente pela

observação do grau de profundidade e intensidade da intervenção estatal nos vários

momentos históricos da ordem econômica. É inquestionável que a natureza e a extensão

dessa intervenção sofreram uma profunda transformação, passando de uma fase

abstencionista no século XIX para uma fase intervencionista no século XX.

Como sabemos, a regulação estatal da previdência complementar no Brasil ganhou

contornos mais definidos na década de 70. A partir daí, o que se viu foi o crescimento

invejável do setor orientado por um regime de capitalização que logo se destacou pela

contribuição na formação da poupança interna do país. A título de ilustração, somente a

previdência complementar fechada é responsável pela complementação dos benefícios

previdenciários a mais de seis milhões de pessoas, tendo uma participação atual de 18% do

Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados da Secretaria de Previdência Complementar

1 Advogado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, mestrando em Direito pela PUC/SP.

(SPC).2 Já a previdência complementar aberta conta com reservas na ordem de

aproximadamente R$ 97,8 bilhões, o que faria um total de R$ 470 bilhões ou 22% do PIB.3

A exemplo das transformações ocorridas na regulação estatal da economia, provocadas por

ondas privatizadoras e liberalizadoras do mercado, a regulação pelo Conselho Monetário

Nacional (CMN) das aplicações dos recursos poupados pela previdência complementar

experimentou ao longo dos anos, através do exercício da chamada capacidade normativa

de conjuntura,4 um alargamento das possibilidades de investimentos e mutações constantes

nos limites mínimos e máximos para alocação dos recursos nos diversos segmentos de

aplicação.5

O presente estudo aborda então aspectos jurídicos da regulação dos investimentos pelas

entidades fechadas de previdência complementar (EFPC’s), também chamadas de fundos

de pensão, a partir de uma visão holística do ordenamento jurídico de modo a contribuir à

sedimentação dos conceitos em matéria de regulação econômica da previdência

complementar, passando pela análise dos limites máximos para alocação dos recursos nos

diversos segmentos de aplicação e suas exceções, bem como da vedação imposta às

EFPC’s de atuar como instituição financeira concedendo empréstimo e financiamento a

terceiros.

O texto traz ainda reflexões acerca da competência do CMN sobre as normas que

estabelecem as diretrizes das aplicações das reservas técnicas, fundos especiais e provisões

2 Informe Estatístico da Secretaria de Previdência Complementar – Setembro/2006 (Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/docs/pdf/ie_Setembro2006.pdf). 3 Segundo estatística de janeiro de 2007 divulgada pela Associação Nacional da Previdência Privada – ANAPP (Disponível em: http://www.anapp.com.br/Site/830/18458.aspx). 4 A expressão é usada e definida por Eros Roberto Grau como sendo a possibilidade do Poder Executivo de criar normas, seja pela administração centralizada, seja por alguns de seus entes autônomos, de modo a conferir resposta à necessidade de produção imediata de normas jurídicas, em razão das flutuações da conjuntura econômica. (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. et alli). 5 Sob a perspectiva do direito econômico, a previdência privada com todas as suas características específicas, revela-se nitidamente um instrumento de política pública na economia, haja vista o interesse estatal na formação da poupança interna. De certa forma, sob esse ângulo não há espaço para a distinção entre previdência complementar aberta e fechada, não obstante as particularidades de cada subsistema jurídico.

dos planos de benefícios e, ainda, alguns aspectos do debate em torno da equiparação

prevista na Lei 8.177/91, entre a atividade desempenhada pelas EFPC’s e a atividade de

intermediação financeira realizada pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro

Nacional.

Por fim, apresentamos alguns apontamentos acerca da inserção das EFPC’s em uma nova

ordem auto-regulatória dos investimentos, apoiada em questões relacionadas à

transparência, desenvolvimento social e meio-ambiente até então relegadas pelo meio

corporativo, mas que ultimamente têm sido determinante na alocação e obtenção dos

retornos financeiros pelas EFPC’s.

2. A Resolução CMN 3121/03 e o Direito de Preferência6

As normas que atualmente estabelecem as diretrizes pertinentes à aplicação dos recursos

dos planos de benefícios administrados pelas EFPC’s estão previstas na Resolução CMN

nº 3.121/03. Fruto de uma discussão conceitual no âmbito da SPC, da avaliação empírica

dos resultados obtidos na vigência da Resolução CMN nº 2.829/01 e do diálogo com as

EFPC’s, as atuais normas mantêm a premissa de que as mesmas, na qualidade de

investidoras institucionais, devem observar em seus investimentos as condições de

segurança, rentabilidade, solvência e liquidez, de forma a proteger os interesses das

pessoas que contribuem para o sistema.

Na aplicação dos recursos garantidores das reservas técnicas, bem como aqueles de

qualquer origem ou natureza, correspondentes às demais reservas, fundos e provisões, dos

planos de benefícios, as EFPC’s devem necessariamente considerar ainda os seus

compromissos atuariais junto aos seus participantes e assistidos, tal como determinado no

art. 18, §3º da Lei Complementar nº 109/01.

6 Este capítulo reproduz em parte as considerações contidas no artigo intitulado “A Resolução CMN 3121/03 e o Direito de Preferência. in “Fundos de Pensão” – Revista da ABRAPP / SINDAPP / ICSS. Ano XXIV. n. 300. São Paulo: jan/05.

Dentro desse conceito, o órgão regulador sempre estabeleceu limites máximos para

alocação dos recursos nos diversos segmentos de aplicação, distribuídos por carteiras. Na

década de 70, quando o Governo Federal tentava impulsionar o mercado de capitais no

país, os investimentos das EFPC’s obedeciam às diretrizes fixadas pela Resolução CMN nº

460/78, a qual já estabelecia limites para alocação dos recursos garantidores.7

Não há dúvidas de que os limites máximos são adotados para proteger os interesses dos

participantes dos planos de benefícios, razão porque seria um paradoxo invocar puramente

a proteção coletiva para justificar novos investimentos que levassem a entidade fechada de

previdência complementar (EFPC) ao desenquadramento ou até mesmo ao agravamento

dessa situação. A norma do art. 4º da Resolução tax

participação minoritária em favor dos controladores, os quais têm como fazer prevalecer

sua vontade em propostas sucessivas de aumentos do capital social da empresa.8

Referido direito está previsto na lei das sociedades anônimas (LSA), em seu art. 109,

inciso IV, o qual assegura aos acionistas o direito essencial de preferência para a

subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis

em ações e bônus de subscrição, uma vez observado o disposto nos arts. 171 e 172 da

referida lei.

O direito de preferência revela-se também importante no âmbito dos fundos de

investimento, notadamente nos fundos do tipo private equity e venture capital. Embora a

Resolução faça menção expressa apenas a ações e debêntures conversíveis, é importante

analisarmos a possibilidade do recebimento pela EFPC de quotas de fundos de

investimento provenientes do exercício desse direito. Considerando hipoteticamente que a

EFPC atingiu o limite do segmento renda variável, seja no conjunto dos investimentos ou

individualmente nas respectivas carteiras, a questão que se coloca é se a operação poderia

ser considerada como infringência da norma, tendo em vista que a ocorrência não está

prevista expressamente no inc. II do art. 53 do Regulamento anexo à Resolução CMN

3.121/03.

Cremos que a resposta seja negativa. Na hermenêutica contemporânea, a norma como

instrumento regulatório do comportamento humano engloba aspectos sociais e valorativos

determinantes da própria eficácia do direito. O apego à letra da lei não pode imperar em

detrimento de sua finalidade. Na interpretação da lei deve prevalecer o alcance à sua

finalidade para assegurar o respeito aos direitos que se quer protegidos na sua aplicação,

atendendo-se ainda aos fins sociais a que se destina e ao bem comum.

8 Observe-se que a manutenção da proporcionalidade não se fundamentada exclusivamente no aspecto patrimonial, pois: "muitos dispositivos concedem direitos e faculdades à minoria somente quando esta detém uma certa porcentagem do capital ou de ações com direito (ou mesmo sem) a voto dos quais, se alguns parecem justificados, como no caso da exibição integral dos livros, outros parecem desarrazoados, como o que exige a detenção de uma certa porcentagem do capital para pedir informações aos administradores ou

Os fundos de investimento, mesmo não reunindo os elementos do condomínio regulado no

Código Civil, constituem um condomínio com características especiais a resultar de ato

voluntário dos interessados, meio para reunir esforços e colocá-los a serviço de um fim

comum. Nesse aspecto, os fundos de investimento assemelham-se à figura da sociedade,

em que a affectio societatis permite a conjugação de esforços e de recursos para a busca de

um resultado que de outro modo não seria alcançado ou só seria com maiores riscos. Os

quotistas, por sua vez, detêm a co-propriedade sobre as quotas, independentemente da

futura liquidação, bem como os direitos políticos assegurados nos respectivos

regulamentos.

É cediço que a administração do fundo deve atender às determinações contratuais e às

regras da boa-fé, no interesse exclusivo dos quotistas, cabendo ao administrador o amplo

poder de disposição sobre os bens integrantes do fundo. Eventualmente, os quotistas

podem ser convocados a suplementar as inversões com a aquisição de novas quotas

emitidas pelo fundo, seja com a finalidade de honrar os compromissos do próprio fundo

(por exemplo, taxa de administração), seja para a efetivação de novas aplicações em

empresa integrante de sua carteira de ativos em razão do exercício do direito de preferência

pelo próprio fundo.

Há claramente no âmbito dos fundos de investimento legítimo interesse das EFPC’s

quotistas da manutenção de sua posição, a exemplo do que ocorre nas sociedades por

ações. Especialmente nos fundos de investimento em empresas emergentes e em

participações disciplinados pelas Instruções CVM 209/94 e CVM 391/03 (private equity e

venture capital), o exercício de alguns direitos previstos no regulamento do fundo

dependem efetivamente do percentual de participação do quotista, tais como: convocação

de assembléia, alteração do regulamento, eleição de membros dos comitês e conselhos do

fundo, alteração da política de investimento, substituição do administrador, alteração na

para propositura de ações contra a direção ou os controladores.”(BULGARELLI, Waldirio. Regime Jurídico da Proteção às Minorias nas S/A. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 150).

taxa de administração, deliberação sobre fusão, cisão, incorporação e liquidação do fundo,

etc.

Outros exemplos da importância do percentual de participação da EFPC quotista estão

previstos nos incisos VI e VII do art. 14 da Instrução CVM 391/03, que trata das

obrigações do administrador do fundo. Somente os quotistas detentores de pelo menos

10% (dez por cento) das quotas emitidas poderão obrigar o administrador a fornecer os

estudos e análises de investimento que fundamentem as decisões tomadas em assembléia

geral, bem como suas respectivas atualizações periódicas, de forma a permitir o

acompanhamento dos investimentos realizados, objetivos alcançados, perspectivas de

retorno e identificação de possíveis ações que maximizem o resultado. Evidentemente que

a EFPC que requerer as informações deverá estar isenta de interesses conflitantes em

relação ao conhecimento dos dados técnicos, sob pena de indeferimento do pedido pela

assembléia geral de quotistas, a teor do parágrafo único do art. 15, inciso X da mencionada

Instrução.

Nota-se, portanto, que no âmbito dos fundos de investimento, o direito de preferência ao

quotista para subscrição de quotas tem igual relevância para o acionista na subscrição de

ações da companhia. De tal sorte que, não encontramos sustentação jurídica para que o

inciso II do art. 53 do Regulamento anexo à Resolução CMN nº 3121/03 autorize apenas o

recebimento de ações ou debêntures conversíveis provenientes do exercício de tal direito

pela EFPC que se encontrar em situação de desenquadramento. A propósito, para efeito de

classificação das carteiras de investimentos, nos segmentos de renda fixa e de renda

variável, a Resolução equiparou as aplicações realizadas diretamente pelas EFPC’s àquelas

efetuadas por meio de fundos de investimento ou de carteiras administradas.

Dessarte, diversos dispositivos da Lei 6.404/76 muitas vezes são referenciados nos

próprios regulamentos dos fundos de investimento como forma de suprir situações não

contempladas nos normativos específicos das espécies de fundo, por exemplo, o

procedimento de chamada pelo administrador dos quotistas para integralização das quotas

(§1º, art. 106). Como dissemos acima, os fundos de investimento muito se assemelham à

figura da sociedade. Assim, nos termos da lei societária, os administradores de fundos de

investimento estão sujeitos a deveres e responsabilidades, na medida em que se equiparam

analogicamente ao administrador de uma Companhia. Até mesmo o voto de cada quotista

em assembléia geral deve ser exercido no interesse do fundo, podendo inclusive ser

considerado abusivo, nos termos do art. 115 da Lei 6.404/76. Disso decorre que o direito

de preferência assegurado pela lei das sociedades anônimas como um direito essencial ao

acionista aplica-se analogicamente ao quotista em suas relações jurídicas com os fundos de

investimento.

Concluindo esse capítulo, a Resolução CMN nº 3.121/03 ao estabelecer limites máximos

para alocação dos recursos nos diversos segmentos de aplicação, assim o faz para proteger

os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios. A realização de “novas

aplicações” ou “novos investimentos” que levem a EFPC ao desenquadramento ou até

mesmo ao agravamento dessa situação está expressamente vedada, salvo nas hipóteses do

art. 53 do Regulamento anexo à Resolução, dentre elas o recebimento de ações ou

debêntures conversíveis provenientes do exercício do direito de preferência.

Tal como ocorre nas sociedades por ações, no âmbito dos fundos de investimento,

mormente nos fundos de private equity e venture capital, as EFPC’s têm legítimo interesse

na manutenção de sua posição, como demonstrado acima. A aplicação analógica da lei das

sociedades anônimas aos fundos de investimento permite-nos concluir que nem o

regulamento nem a assembléia geral poderão privar a EFPC quotista de preferência na

subscrição de quotas do fundo. Assim, a situação hipotética de uma EFPC que recebeu

quotas de um fundo de investimento decorrente do exercício de preferência, já se

encontrando no limite do segmento renda variável, seja no conjunto dos investimentos ou

individualmente nas respectivas carteiras, não deve ser entendida como infringência da

norma, tendo em vista a identidade de fundamentos que justificam a exceção à regra para o

caso de recebimento de ações e debêntures conversíveis provenientes do exercício de tal

direito.

3. A Previdência Complementar e a intermediação financeira9

Outro aspecto que convém destacar diz respeito ao risco de equiparação equivocada da

realização de investimentos pelas EFPC’s com a atividade de intermediação financeira

desenvolvida pelas instituições financeiras, por força do art. 64, inc. I, da Resolução CMN

n. 3121/03.

Como sabemos, a importância dos mercados financeiro e de capitais é conhecida por

possibilitar que os agentes econômicos sejam colocados em contato a um custo mínimo e

com as menores dificuldades possíveis, resultando em aproveitamento das oportunidades,

benefícios de produtividade, de eficiência e bem-estar da sociedade.10

Em linhas gerais, a poupança e o investimento constituem os pilares desses mercados que

integram o Sistema Financeiro Nacional, vez que a ampliação da capacidade produtiva

decorre da utilização dos recursos poupados, próprios ou de terceiros.

Considerando que as EFPC’s agregam poupanças de trabalhadores e alocam recursos em

diferentes investimentos, é possível afirmar que as mesmas desenvolvem atividade de

intermediação financeira?

Certamente, a resposta a essa indagação exige uma análise além dos seus aspectos

econômicos, alcançando os princípios que norteiam a atividade desenvolvida pelas

EPFC’s, bem como a disciplina incidente sobre a aplicação dos recursos dos planos de

benefícios.

As EFPC’s têm papel fundamental nos mercados financeiro e de capitais através da busca

pelos melhores investimentos a partir dos princípios de segurança, rentabilidade, solidez e

com exceção das aplicações tipificadas na própria Resolução, toda e qualquer alocação dos

recursos dos planos de benefícios pela EFPC encerra uma atividade de intermediação

financeira típica das instituições financeiras.

É bem verdade que o art. 29 da Lei 8.177/91 cuidou de integrar as EFPC’s no Sistema

Financeiro Nacional ao equipará-las às instituições financeiras para sobre elas fazer incidir

as normas do Banco Central do Brasil, ampliando-se assim a competência do Conselho

Monetário Nacional (CMN) exercida até então sobre as diretrizes das aplicações. Sem

adentramos na discussão de sua constitucionalidade, tal equiparação refere-se

exclusivamente à disciplina das “operações financeiras”, vez que restou mantida

expressamente a competência específica do Ministério da Previdência Social (MPS) sobre

o regime jurídico das EFPC’s.

Justamente por ser restrita a um segmento das aplicações, a equiparação prevista na lei não

tem o condão de caracterizar a atividade das EFPC’s como sendo de intermediação

financeira. Como é cediço, tanto as operações financeiras, quanto as operações de valores

mobiliários e demais segmentos, fundamentam-se no mesmo princípio da necessidade de

se auferir ganhos e rendimentos indispensáveis à estabilidade econômico-financeira e

atuarial dos planos de benefícios.

Quanto à competência do CMN para disciplinar as diretrizes das aplicações das reservas

técnicas, fundos especiais e provisões dos planos de benefícios, entendeu o legislador que

tal atribuição deveria ficar sob a responsabilidade do órgão de formulação da política da

moeda e do crédito na busca do desenvolvimento econômico e social do País, não

guardando relação alguma com o exercício do seu poder de regulação no âmbito do

Sistema Financeiro Nacional, sem prejuízo da competência específica do MPS sobre o

regime jurídico da previdência privada.12

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.” 12 Sobre a competência do CMN, confira-se a anotação de Flavio Martins Rodrigues: “Veja-se que o dispositivo legal refere-se a ‘diretrizes’, portanto conjunto de instruções genéricas, jamais podendo

especializada e dirigida a uma finalidade determinada, necessariamente lucrativa,

desempenhada de forma pública e notória”.13

De igual modo é a jurisprudência do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro

Nacional (CRSFN), vejamos:

“RECURSO VOLUNTÁRIO – Exercício de atividades típicas de

instituição financeira sem a competente autorização do Banco Central

do Brasil – Ausência de habitualidade e profissionalidade –

Irregularidade não caracterizada - Apelo a que se dá provimento.” 14

Diante de tais entendimentos, não menos equivocada é a conclusão de que a realização de

investimentos pelas EFPC’s não tipificados pelo CMN implica necessariamente na

equiparação à atividade de intermediação financeira, por força do art. 64, inc. I, da

Resolução CMN n. 3121/03.15 Há que se distinguir a realização de “operação financeira”

da atuação como “instituição financeira”, este último caso fundado na profissão habitual.

Referido dispositivo tem aplicação imediata nos casos em que se verifica um

desalinhamento com o princípio da necessidade de se auferir ganhos e rendimentos

indispensáveis à estabilidade econômico-financeira e atuarial dos planos de benefícios, a

partir da constatação de práticas reiteradas pelas EFPC’s de concessão irregular de

empréstimos e financiamentos a terceiros, de modo a caracterizar a presença dos elementos

da habitualidade e profissionalidade indissociáveis da prática de atos de intermediação

financeira (coleta, intermediação e aplicação de recursos). Neste caso, há ainda a violação

13 EIZIRIK, Nelson. in “Administração De Cartão De Crédito Constitui Atividade Privativa De Instituição Financeira?,” RDM 88/25. Ainda, “a legislação bancária só se aplica a quem profissional e habitualmente, com espírito de lucro, faz a coleta, intermediação e aplicação de recurso de terceiros (não próprios).” (WALD, Arnoldo. in “A Evolução do conceito de Instituição Financeira”. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 28, p. 224). 14 Acórdão/CRSFN 3578/02, DOU de 31.05.02, Seção I, p.21. No mesmo sentido: Recursos 2460/98, 2461/98, 2511/98, 2814/00 e 4210/03. 15 Tal situação caracteriza a infração prevista no art. 103 do Decreto nº 4.942/03, mas não precisamente a intermediação financeira pelas EFPC’s.

ao art. 18 da Lei 4.595/64 por falta de autorização para funcionar como instituição

financeira pela Banco Central.

De qualquer forma, quando a Resolução CMN nº 3.121/03 emprega a expressão “atuar

como instituição financeira”, obrigatoriamente devemos recorrer ao conceito dessa

atividade expresso no ordenamento jurídico. Dentre as regras de hermenêutica importa

destacar o princípio da tipicidade que pressupõe a existência de conceitos determinados, de

modo que os elementos integrantes do tipo sejam precisos e determinados na lei, a fim de

que os aplicadores do direito não possam valer-se de critérios subjetivos na aplicação da

norma ao caso concreto.

Concluindo a análise, a realização de investimentos pelas EFPC’s em hipótese alguma

poderá ser confundida com a atividade de financiamento praticada pelas instituições

financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo para fins penais,16 vez que os

16 Confira-se o entendimento do E. STJ extraído do julgamento do HC 33674/SP, da 6ª Turma, rel. Min Hamilton Carvalhido, de 25/05/04, posteriormente confirmado pelo E. STF em recurso relatado pelo Min. Gilmar Mendes (RHC85094-SP): “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. EQUIPARAÇÃO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. 1. Instituição financeira, para os fins da Lei nº 7.492/86, é toda e qualquer pessoa jurídica de direito público ou privado, que, como atividade principal ou acessória, custodie, emita, distribua, negocie, intermedeie, ou administre valores mobiliários, ou capte, intermedeie, ou aplique recursos financeiros de terceiros, a ela se equiparando a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recursos de terceiros, e a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas, ainda que de forma eventual. 2. O que caracteriza, para os fins da Lei nº 7.492/86, a instituição financeira, de natureza pública ou privada, é, essencialmente, que a sua atividade, principal ou acessória, tenha por objeto valores mobiliários ou recursos financeiros, por ela, sensu lato, captados ou administrados. 3. A entidade fechada de previdência privada, que capta e administra recursos destinados ao pagamento de benefícios de seus associados, equipara-se a instituição financeira para fins de incidência da Lei nº 7.492/86. 4. O fato de estatuir a Lei nº 4.565/64, na letra de seu artigo 25, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 5.710, de 7 de outubro de 1971, que "as instituições financeiras privadas, exceto as cooperativas de crédito, constituir-se-ão unicamente sob a forma de sociedade anônima", em nada repercute nos tipos penais elencados na Lei nº 7.492/86, que lhe é posterior e, para os seus fins, definiu as instituições financeiras e indicou-lhes as equiparadas. 5. Quando se negue que a entidade fechada de previdência privada não participa da natureza das instituições de seguro, a disposição inserta no inciso I do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 7.492/86 requisita, pela

seus investimentos em negócios ou empresas com boas perspectivas de rentabilidade é

atividade essencial para que as mesmas possam obter o benefício econômico necessário à

preservação de sua reserva técnica, indispensável ao cumprimento de sua atividade-fim.

4. A auto-regulação privada no ambiente dos investimentos das EFPC’s

Quando o assunto é a aplicação dos recursos dos planos de benefícios administrados pelas

EFPC’s, diversos aspectos merecem a atenção por parte das EFPC’s, pois “são recursos de

terceiros, e portanto devem ser geridos com a prudência que esta situação exige,

principalmente porque sua finalidade é pagar benefícios quando há perda de capacidade

laborativa do participante (morte, invalidez); são recursos de vulto, porque são resultado

da reunião da poupança previdenciária de várias pessoas, para ser investida

coletivamente; são recursos disponíveis por longo prazo, porque em geral a relação de um

participante com seu plano de previdência administrado por fundo de pensão dura

sua própria letra, o emprego da interpretação analógica intra legem, enquanto faz equiparada à instituição financeira toda pessoa jurídica que, "capte ou administre" "recursos de terceiros", se análoga a "pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança", hipótese em que se enquadra a AEROS-Fundo de Pensão Multipatrocinado. 6. Desse modo, por força de natureza ou pela equiparação levada a cabo pela Lei 7.492/86 (artigo 1º, parágrafo único, inciso I, parte final), não há falar, relativamente às entidades fechadas de previdência complementar, na sua não recepção, nem na sua revogação pela Constituição Federal de 1988, à luz, respectivamente, da redação original do inciso II do seu artigo 192 ou da redação que lhe atribuiu a Emenda Constitucional nº 13, de 22 de agosto de 1996, que referiram, distintamente, estabelecimentos de seguro e de previdência entre outros, por incluído este último, estabelecimento de previdência, evidentemente, na disposição genérica da última parte do inciso I do parágrafo único do artigo 1º da Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. 7. A Emenda Constitucional nº 40/2003 - que reduziu as disposições referentes ao Sistema Financeiro Nacional ao que era o caput do artigo 192, com ligeiras modificações, suprimindo-lhe todos os demais incisos, com remessa da sua disciplina à lei complementar, e a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 - que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências, em nada repercutiram na Lei nº 7.492/86. 8. É que a decisão política de envio das entidades fechadas de previdência complementar do capítulo próprio do Sistema Financeiro Nacional para o capítulo da Seguridade Social não fez as entidades fechadas de previdência complementar estranhas à instituição financeira, nem as tornou independentes do Sistema Financeiro Nacional, como resulta do disposto nos artigos 192 da Constituição Federal e 3º, inciso II, e 31, parágrafo 2º, inciso I, da Lei Complementar nº 109, de 21 de maio de 2001. 9. É da competência da Justiça Federal o julgamento dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tipificados na Lei nº 7.492/86 (artigo 26). 10. Ordem denegada.”

décadas; são, finalmente, recursos destinados a se tornarem líquidos, porque em algum

momento deverão ser convertidos em dinheiro para pagamento de benefícios

previdenciários (renda mensal, pecúlio, etc)”.17

Hodiernamente, a atividade de gestão de recursos de terceiros desempenhada pelas EFPC’s

está indissociável da adoção crescente de práticas de auto-regulação que favoreçam a

transparência dos mercados que compõem os segmentos de aplicação dos recursos.18 A

propósito, com a Resolução CMN nº 2.829/01, o conceito de “transparência” em matéria

de investimentos passou a ser exigível inclusive no ambiente das EFPC’s, tornando-se

obrigatória a divulgação aos participantes e ao órgão fiscalizador da política de

investimentos e de seus ativos específicos, inclusive com a rentabilidade alcançada a cada

exercício.

Influenciado pela liderança exercida por fundos de pensão dos Estados Unidos da América

e do Reino Unido, o movimento da governança corporativa intensificou-se em diversos

mercados mundiais na tentativa de revitalizar os mecanismos de financiamento das

empresas. No Brasil, a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC),

a listagem de companhias em segmentos especiais de negociação na Bolsa de Valores de

São Paulo – Bovespa, bem como o incondicional apoio dado pelas EFPC’s, algumas

inclusive com seus próprios Códigos de Melhores Práticas de Governança Corporativa,

vêm provocando uma revisitação da forma mais adequada de gerir negócios explorados em

sociedade, com enfoque no relacionamento com os acionistas.

17 CHEDEAK, José Carlos Sampaio; PAIXÃO, Leonardo André e PINHEIRO, Ricardo Pena. Regulação dos Investimentos nos Fundos de Pensão: Evolução histórica, tendências recentes e desafiois regulatórios. in Revista de Previdência, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino do Direito (CEPED). n. 3. Rio de Janeiro: Gramma, 2005. p. 36. 18 O conceito de auto-regulação aqui adotado é no sentido da própria regulação do mercado pelos agentes econômicos de forma privada. Refiro-me àquele segundo sentido dentre os três indicados por Vital Moreira: “Aplicada ao sistema econômico, a expressão auto-regulação é utilizada na literatura com três sentidos diferentes: a) Como capacidade de funcionamento equilibrado da economia, sem necessidade de normas exteriormente impostas aos agentes econômicos -, é assim que se fala nos poderes auto-reguladores do mercado (Mayntz, 1987: 58); b) Como regulação de um determinado grupo por meio de normas voluntárias e autovinculação voluntária (auto-regulação privada); c) Como capacidade de um determinado grupo de se regular a si mesmo mediante reconhecimento oficial e com meios de direito público (poder regulamentar,

A própria regulamentação das aplicações dos recursos dos planos de benefícios, no

segmento renda variável, passou a prestigiar expressamente os investimentos realizados em

companhias com listagem segregada na Bovespa, permitindo-se uma maior concentração

das aplicações em ações de companhias com os respectivos padrões de governança

corporativa. De forma inovadora, algumas EFPC’s atualmente têm estendido a referida

diretriz às suas aplicações no segmento de imóveis, notadamente na gestão das

participações imobiliárias em Shoppings Centers.

De fato, diversos são os estudos que demonstram efetivamente a criação de valor para as

empresas que adotaram melhores práticas de governança corporativa, situação esta que nos

revela que a auto-regulação privada do mercado vem promovendo em grande parte o

alinhamento de interesses das EFPC’s e dos demais participantes do mercado. Neste

sentido, ganha contornos o discurso acerca da desnecessidade de regulação da governança

corporativa, vez que apoiada está em uma questão de atitude (boa-fé), a qual muitas vezes

não seria claramente identificada no ambiente regulatório.

Ainda na linha da auto-regulação privada do mercado, verifica-se atualmente uma

crescente preocupação das EFPC’s com questões relacionadas a desenvolvimento social e

meio-ambiente, as quais orientam em boa medida as diretrizes de rentabilidade e liquidez

dos investimentos. A proporção ótima dos aspectos econômico-financeiro, social e

ambiental acabou gerando no meio corporativo o conceito de investimentos responsáveis,

cuja sustentabilidade tem sido o grande desafio do processo de gestão das empresas.

Pois bem, essas três bandeiras de auto-regulação privada dos mercados (governança

corporativa, desenvolvimento social e meio-ambiente) têm contribuído para o

aparecimento de uma nova ordem jurídico-econômica dos investimentos nacionais e

internacionais, se é que assim podemos chamar. Não por outra razão, recentemente a

Organização das Nações Unidas (ONU) convidou um grupo de líderes da comunidade

disciplinar, etc. obrigatório para toda a categoria).” (MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997. p. 53).

internacional de investimentos, dentre eles fundos de pensão de diversos países, inclusive

do Brasil, com a finalidade de desenvolver um conjunto de princípios globais de melhores

práticas em investimento responsável, os quais estão alicerçados nos referidos fatores de

auto-regulação privada do mercado (Princípios para o Investimento Responsável ou

Principles for Responsible Investiment - PRI).19

Segundo a ONU, a ausência de um conjunto de diretrizes comuns de avaliação de riscos e

oportunidades representava uma lacuna no ambiente auto-regulatório dos investimentos,

ocasionando um desprestígio do conceito de responsabilidade sócio-ambiental incorporado

cada vez mais por empresas aptas a receber os aportes financeiros, notadamente aquelas

que aderiram ao projeto Pacto Global das Nações Unidas (United Nations Global

Compact), abaixo referido. Os PRI fornecem então um marco na busca de melhores

retornos de investimentos de longo-prazo e mercados desenvolvidos mais sustentáveis.20

A propósito, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu inicialmente com a própria

ONU em 1987, com o relatório “Nosso Futuro Comum” da Comissão das Nações Unidas

para Desenvolvimento e Meio Ambiente.21 Alguns anos depois, representantes de diversos

19 A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI, juntamente com o “Government Pension Fund” da Tailândia, foram os únicos investidores oriundos de países em desenvolvimento. Atualmente no Brasil, o projeto já conta com adesão da Astra Investimentos Ltda. (gestora de fundos de investimentos), DESBAN – Fundação BDMG de Seguridade Social, Fundação Banco Central de Previdência Privada – CENTRUS, Fundação dos Economiários Federais - FUNCEF, Fundação Petrobrás de Seguridade Social – PETROS e Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social – VALIA (Disponível em: http://www.unpri.org/signatories/. Acesso em: 26.02.07). 20 A recente edição da revista Exame traz alguns dados sobre o comportamento dos agentes de mercado frente aos setores da economia que tenham uma relação direta com o aquecimento global. Segundo a reportagem, a “produção de cimento é uma das atividades humanas que mais contribuem para o efeito estufa. Um estudo recente do banco de investimentos alemão Dresdner Kleinwort Wasserstein desaconselhou investimentos em cimento e projetou quedas de até 13% nos preços das ações de oito companhias européias. (...) Geradoras de energia cuja base é o carvão estão em situação ainda mais grave. O banco suíço UBS calcula as desvalorizações em até 70%. É o impacto da teoria do aquecimento no mercado acionário e nas decisões de investimento. A matriz energética dos negócios, que antes só era considerada um custo, hoje faz parte de qualquer cálculo de riscos financeiros.” (Revista Exame. Ed. 883. Ano 40. nº 25. São Paulo: Abril, 20/12/06. p. 28/29). 21 O Relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido como “Bruntland”, foi elaborado na Conferência Internacional promovida em Moscou, pela UNESCO e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com o intuito de avaliar os resultados desenvolvidos durante a década e traçar uma estratégia internacional de ação em educação ambiental para a década de 1990. O relatório revelou uma nova

segmentos se uniram em torno dessa proposta na Conferência das Nações Unidas sobre

Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro (ECO-92), reafirmando que os

“estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento

sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, de forma a

reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender as necessidades da maioria

da população do mundo”.22

Já em 1997, a preocupação com o meio-ambiente levou os países signatários da Convenção

da ONU de Mudanças Climáticas a aprovarem o principal documento que reúne medidas

de consenso no combate às alterações climáticas (Protocolo de Quioto), limitando o

modelo tradicional de crescimento econômico através do chamado Mecanismo de

Desenvolvimento Limpo.23

Ainda, na linha da evolução do ambiente de auto-regulação privada da responsabilidade

corporativa, cabe lembrar o surgimento do Pacto Global das Nações Unidas (United

Nations Global Compact), que serviu de inspiração para os Princípios para o Investimento

Responsável – PRI. Lançado em pleno Fórum Econômico Mundial em Davos (2000), na

Suíça, o projeto tem por objetivo o fomento da cidadania corporativa, a partir da

implementação voluntária de dez princípios universais nas áreas de direitos humanos,

relações de trabalho, meio-ambiente e práticas anti-corrupção, tendo como destinatários

empresas de grande, médio e pequeno porte, desde que tenham no mínimo dez

empregados.24

perspectiva para abordagem da questão ambiental de modo indissociável do processo de desenvolvimento econômico e social. 22 Princípio 5 da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de janeiro, 1992. 23 Trata-se de um mecanismo criado para servir de instrumento de compensação entre os interesses de países poluidores incumbidos de atender metas ambientais (Partes Anexo I do Protocolo) e de países em desenvolvimento que, embora não tenham compromissos de redução de emissão de gases geradores do efeito estufa, demonstraram um comprometimento com a questão ambiental (não Partes Anexo I do Protocolo). 24 Referidos princípios derivam da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. São eles (Disponível em: http://www.pactoglobal.org.br/pg_principio.php. Acesso em 05.02.07): “Princípios de Direitos Humanos 1. Respeitar e proteger os direitos humanos;

Segundo a ONU, “through the power of collective action, the Global Compact seeks to

advance responsible corporate citizenship so that business can be part of the solution to

the challenges of globalisation. In this way, the private sector — in partnership with other

social actors — can help realize the Secretary-General’s vision: a more sustainable and

inclusive global economy”.25

Não há como negar atualmente a inserção das EFPC’s nessa nova ordem auto-regulatória

dos investimentos, pois a preocupação com investimentos que priorizem questões

relacionadas à transparência, desenvolvimento social e meio-ambiente alcançou estágios

jamais vistos anteriormente no meio corporativo.

Outrossim, a possibilidade dos investidores institucionais interferirem na gestão das

companhias e nas políticas públicas da economia, dada a sua capacidade de impulsionar ou

retrair atividades econômicas específicas, tendo presentes os referidos fatores de

investimentos, demonstra que a coordenação econômica contemporânea

predominantemente de mercado – reforçada no final do século XX e início de século XXI26

2. Impedir violações de direitos humanos; Princípios de Direitos do Trabalho 3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho; Princípios de Proteção Ambiental 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente. Princípio contra a Corrupção 10. Combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina.” 25 “através do poder da ação coletiva, o Pacto Global busca avançar a responsabilidade corporativa da cidadania a fim de que o negócio possa ser parte da solução dos desafios da globalização. Dessa forma, o setor privado – em parceria com os atores sociais – pode ajudar a perceber a visão do Secretário Geral: uma economia global mais sustentável e inclusiva.” (Tradução livre). Disponível em: http://www.unglobalcompact.org/docs/about_the_gc/2.0.1.pdf. Acesso em: 26.12.06. 26 Entretanto, esse predomínio do princípio do mercado não tem o condão de obnubilar a importância do papel da regulação estatal, como anota o autor português: “Dizer que uma economia é de mercado é dizer apenas que nela predomina o princípio da coordenação pelo mercado. Nenhuma economia, por mais liberal

– conjuga manifestações auto-regulatórias de caráter privado oriundas da comunidade

nacional e internacional de investimentos, as quais embora centrada numa questão de

atitude dos agentes econômicos, têm contribuído para a obtenção dos esperados retornos

financeiros, notadamente das aplicações dos recursos garantidores dos planos de benefícios

administrados pelas EFPC’s.

* * * * * * * *

que seja, dispensa hoje níveis de regulação mais ou menos intensa. O mercado coexiste com a regulação estadual. Mas nem toda a regulação é regulação estatal. Uma parte dela é prosseguida pelos próprio agentes económicos através das suas organizações – é a auto-regulação associativa [investida de funções regulatórias, não se confundindo com a auto-regulação privada tratada nesse estudo].” (MOREIRA, op. cit., p. 32/33).

5. Notas

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