aspectos jurÍdicos da indenizaÇÃo na … · marcia carla pereira ribeiro márcio cammarosano...

196
2ª edição revista, ampliada e atualizada CLOVIS BEZNOS Prefácio Sergio Ferraz ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Upload: lenguyet

Post on 13-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

Visite a nossa Livraria Virtual: [email protected]

Vendas: (31) 2121-4949

CÓDIGO: 10000894

ISBN: 978-85-450-0112-6

Acesse nossa livraria virtualwww.editoraforum.com.br/loja

A presente obra do Professor Clovis Beznos oferece ao leitor a oportunidade de aprofundar-se em questões de suma relevância referentes ao instituto da desapropriação, abrindo questionamentos fundamentais sobre vários aspectos de interesse geral. Nas investigações a que se propõe, trilha o autor caminhos ainda não percorridos, buscando soluções para os mais intrigantes problemas que o tema suscita, e que afligem especialmente os menos favorecidos, que hoje se veem despojados de seus bens, sem a realização do primado constitucional da prévia e justa indenização em dinheiro, alocados ao destino inglório das intermináveis e injustas filas de precatórios. De outra parte, a obra, não obstante animada pela análise de sólidos ensinamentos da doutrina, alia essa investigação científica a aspectos práticos, deixando o autor por vezes dominar-se em sua senda pelo espírito do advogado e professor de prática forense, para oferecer soluções práticas, inclusive de ordem processual, com a análise da jurisprudência das Cortes Superiores do país. A função social da propriedade e a desapropriação-sanção também são objetos de tratamento na obra, preocupando-se o autor com relevantes aspectos relativos ao meio ambiente, bem como pela distribuição dos encargos da sua realização. Relevantíssimo é o tratamento que o livro oferece quanto à imissão provisória de posse e quanto à execução na desapropriação, apresentando quanto à mesma solução absolutamente inovadora. Não deixou, por outro lado, o autor de abordar aspectos de interesse do erário, enfrentando a questão referente a indenizações exacerbadas — muitas vezes decorrentes de atos menos dignos — e a questão referente ao trânsito em julgado inconstitucional.

DIRE

ITO

ADM

INIS

TRAT

IVO

CLOV

IS B

EZNO

SAS

PECT

OS J

URÍD

ICOS

DA

INDE

NIZA

ÇÃO

NA D

ESAP

ROPR

IAÇÃ

O

2ª ediçã

o revis

ta, ampliada

e atualizada

CLOVIS BEZNOS

Prefácio

Sergio Ferraz

ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO

NA DESAPROPRIAÇÃOC L O V I S B E Z N O S

Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Facul-dade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de Direito Admi nistrativo na Faculdade de Direito da PUC-SP nos cursos de bacharelado e pós-graduação. Coor denador do Curso de Especialização em Direito Administra-tivo da PUC-SP – COGEAE. Procu rador do Estado de São Paulo, aposentado, onde ocu pou, como derradeira função, a Chefia da Pro curadoria Admi-nistrativa. Advogado em São Paulo.

2ª edição

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_CAPA.indd 1-5 19/11/2015 10:50:29

Page 2: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

Belo Horizonte

2016

CLOVIS BEZNOS

PrefácioSergio Ferraz

ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO

NA DESAPROPRIAÇÃO

2ª edição revista, ampliada e atualizada

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 3 19/11/2015 10:44:25

Page 3: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

© 2006 Editora Fórum Ltda. 2016 2ª edição revista, ampliada e atualizada

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico, inclusive por processos xerográficos, sem autorização expressa do Editor.

Conselho Editorial

Adilson Abreu DallariAlécia Paolucci Nogueira Bicalho

Alexandre Coutinho PagliariniAndré Ramos Tavares

Carlos Ayres BrittoCarlos Mário da Silva VellosoCármen Lúcia Antunes Rocha

Cesar Augusto Guimarães PereiraClovis Beznos

Cristiana FortiniDinorá Adelaide Musetti Grotti

Diogo de Figueiredo Moreira NetoEgon Bockmann Moreira

Emerson GabardoFabrício Motta

Fernando Rossi

Flávio Henrique Unes PereiraFloriano de Azevedo Marques NetoGustavo Justino de OliveiraInês Virgínia Prado SoaresJorge Ulisses Jacoby FernandesJuarez FreitasLuciano FerrazLúcio DelfinoMarcia Carla Pereira RibeiroMárcio CammarosanoMarcos Ehrhardt Jr.Maria Sylvia Zanella Di PietroNey José de FreitasOswaldo Othon de Pontes Saraiva FilhoPaulo ModestoRomeu Felipe Bacellar FilhoSérgio Guerra

Luís Cláudio Rodrigues FerreiraPresidente e Editor

Coordenação editorial: Leonardo Eustáquio Siqueira Araújo

Av. Afonso Pena, 2770 – 15º andar – Funcionários – CEP 30130-007Belo Horizonte – Minas Gerais – Tel.: (31) 2121.4900 / 2121.4949

www.editoraforum.com.br – [email protected]

B547 Beznos, ClovisAspectos jurídicos da indenização na desapropriação / Clovis

Beznos; prefácio de Sergio Ferraz. 2. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte : Fórum, 2016.

207 p.

ISBN 978-85-450-0112-61. Desapropriação 2 Posse

CDD: 343.810252CDU: 351.712(094.4)

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

BEZNOS, Clovis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. 2. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2016. 207 p. ISBN 978-85-450-0112-6.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 4 19/11/2015 10:44:26

Page 4: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

À Lúcia Valle Figueiredo, saudosa amiga, cuja lembrança é sempre carregada de emoção e ternura.

Aos meus filhos Márcio, Marília, Marta, Daniel e Eduardo, com o meu amor.

À Vera, companheira sempre presente, cujo amor é a razão da minha vida.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 5 19/11/2015 10:44:26

Page 5: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................11

PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

Sergio Ferraz ............................................................................................ 13

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Lúcia Valle Figueiredo ........................................................................... 15

INTRODUÇÃO ......................................................................................................17

CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO ...................................................191.1 Esboço histórico .........................................................................................191.2 O instituto da desapropriação .................................................................231.3 O fundamento jurídico da desapropriação ............................................24

CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE.........................................................372.1 A previsão normativa................................................................................372.2 A evolução jurisprudencial ......................................................................412.3 A noção de posse .......................................................................................452.4 O direito à indenização completa e prévia ............................................46

CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA ..................................................................513.1 O conceito de desapropriação indireta – Seu fundamento normativo ....................................................................................................513.2 O ilícito, a ação reivindicatória e a via reparatória ...............................54

SUMÁRIO

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 7 19/11/2015 10:44:26

Page 6: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS ............................................................634.1 A legislação florestal e a indenização .....................................................634.2 A servidão ...................................................................................................76

CAPÍTULO 5DESAPROPRIAÇÃO DE BENS PÚBLICOS ..............................................79

CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO ..............................................................................................836.1 A previsão legal da retrocessão em nosso Ordenamento ....................846.2 A natureza jurídica da retrocessão ..........................................................886.3 Causas determinantes da retrocessão .....................................................93

CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ..........................................977.1 A revisão do julgado inconstitucional ....................................................977.2 A ação popular .........................................................................................105

CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO ..................................................................1138.1 A função social da propriedade ............................................................1138.2 O Estatuto da Cidade ..............................................................................1238.3 A reforma agrária ....................................................................................131

CAPÍTULO 9A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA ...137

CONCLUSÕES ..................................................................................................147

REFERÊNCIAS .....................................................................................................153

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 8 19/11/2015 10:44:26

Page 7: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

ANEXOLEI Nº 4.132, DE 10 DE SETEMBRO DE 1962 (DOU 07.11.1962)..................159

LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965) ..........................................................161

LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993 (DOU 26.02.1993) .................175

LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001 (DOU 11.07.2001) ........................185Capítulo I Diretrizes gerais ...........................................................................185Capítulo II Dos instrumentos da política urbana .......................................186Seção I Dos instrumentos em geral ........................................................186Seção II Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios .....187Seção III Do IPTU progressivo no tempo ................................................187Seção IV Da desapropriação com pagamento em títulos ......................188Seção V Da usucapião especial de imóvel urbano ................................188Seção VI Da concessão de uso especial para fins de moradia ...............189Seção VII Do direito de superfície ..............................................................189Seção VIII Do direito de preempção ............................................................189Seção IX Da outorga onerosa do direito de construir ............................190Seção X Das operações urbanas consorciadas .......................................191Seção XI Da transferência do direito de construir ..................................191Seção XII Do estudo de impacto de vizinhança .......................................192Capítulo III Do Plano Diretor ..........................................................................192Capítulo IV Da gestão democrática da cidade .............................................193Capítulo V Disposições Gerais ......................................................................193

LEI COMPLEMENTAR Nº 76, DE 6 DE JULHO DE 1993 .............................197

DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941 (DOU 18.07.1941) ....201Disposições Preliminares ....................................................................................201Do Processo Judicial ............................................................................................202Disposições Finais ................................................................................................206

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 9 19/11/2015 10:44:26

Page 8: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LISTA DE ABREVIATURAS

ADIn Ação Direta de Inconstitucionalidadeart. artigoCC Código CivilCf. conformecit. citado(a)DJU Diário de Justiça da Uniãoinc. incisoRDA Revista de Direito AmbientalRDP Revista de Direito Públicorel. relatorREsp Recurso EspecialRSTJ Revista do Superior Tribunal de JustiçaRTJ Revista Trimestral de JurisprudênciaT. TurmaTDAs Títulos da Dívida Agráriaven. venerandov.g. verbi gratia

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 11 19/11/2015 10:44:26

Page 9: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

A obra de Clovis Beznos, sobre a indenização na desapropriação, tornou-se um clássico. E prefaciar um clássico é sempre uma difi-culdade, pois ele, por suas excelências, já dispensa apresentações. Tais dificuldades avultam significativamente, ao nos lembrarmos de que a primeira edição desse imprescindível trabalho foi prefaciada pela saudosa e insuperável Lúcia Valle Figueiredo. Mas a honra do convite para a apresentação da segunda edição é um galardão que não pode ser recusado. Por isso, com todos os riscos próprios à empreitada, a ela me lanço.

Em primeiro lugar: todas as agudas observações de Lúcia Valle Figueiredo, em seu prefácio de 2006, continuam válidas. Relembrando-as: Lúcia elogiava o pioneirismo (cuja validade o tempo confirmou) com que o autor enfrentou o então polêmico tema da relativização da coisa julgada inconstitucional; na sequência, elogiava o aprofunda-mento que Clovis dedicara à questão da função social da propriedade bem como à rejeição da tese do domínio eminente como fundamento da desapropriação; e arrolava, na sequência, dentre muitos outros importantes destaques, a total felicidade com que versados os pon-tos referentes à necessária cautela com que deve ser vista a imissão provisória na posse, à inaplicabilidade do artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41 às chamadas desapropriações indiretas, aos cuidados exi-gíveis no tratamento das servidões ambientais e à estruturação concei-tual de que merecedoras as desapropriações de imóveis urbanos.

Como tive a honra de participar da banca de doutoramento (presidida por Celso Antônio Bandeira de Mello e composta, além de mim, pelos ilustres Professores María Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Adilson Dallari), de que se originou o presente livro, acudiu-me a oportunidade de fazer algumas observações ao trabalho de Clovis, particularmente no que referente aos delicados (mas riquíssimos) desafios da retrocessão e da desapropriação de bens públicos — e é com prazer que vejo, nesta segunda edição, o enfrentamento lúcido e funda-mentado que o ilustre Professor reservou para tais itens, com o que de muito se valorizou, ainda mais, seu já precioso produto intelectual.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 13 19/11/2015 10:44:26

Page 10: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

14 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Adito, por derradeiro, que a leitura do texto ora prefaciado ampliará de muito o cabedal de conhecimento dos interessados no tema, até porque, ao lado da sólida arquitetura teórica, não faltou a Clovis a preocupação da pertinente pesquisa jurisprudencial.

Em suma, trata-se de livro que veio para ficar e que, por sua inquestionável utilidade e opulência conteudística, ainda conhecerá muitas outras edições.

São Paulo.Sergio Ferraz

Foi membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Consultor Jurídico do Ministério da Justiça e Professor Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Consultor Jurídico. Advogado militante.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 14 19/11/2015 10:44:26

Page 11: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Conheci Clovis Beznos quando realizávamos regularmente, na PUC-SP, cursos de especialização em Direito Administrativo. Isso nos idos de 1973, 1974, quando, tendo concluído o mestrado, passei a integrar a equipe de Celso Antônio Bandeira de Mello, que se em-penhava em transmitir os novos conceitos de Direito Administrativo, do Direito Administrativo de garantias dos administrados, e não de superioridade da Administração Pública.

Clovis foi o 2º Mestre da nova Escola de Direito Administrativo, isso em 1976, e pertenceu à primeira turma de Mestrado em Direito Administrativo sob a iluminada docência de Celso Antônio.

Todavia, sua carreira, que poderia ter sido muito rápida, não o foi por força de seu perfeccionismo como autor. Por isso, somente fez seu doutoramento em 2002, sob minha quase nenhuma orientação, pois dela não precisava Clovis.

Infelizmente, por motivos de ordem pessoal, não pude parti cipar de sua banca examinadora, cabendo ao ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de Mello ser seu Presidente, acompanhado dos Profes sores Doutores Maria Garcia, Adílson Dallari, Sergio Ferraz e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

O Direito Administrativo sempre foi para o autor seu leit motif, não obstante ter ocupado com maior sucesso o cargo de Procurador do Estado, durante treze anos. E, também, de seu grande sucesso na prática intensa da advocacia, sobretudo quando se aposentou da Procuradoria do Estado, em 1997. Atualmente continua sua docência e é também, juntamente com o Professor Márcio Cammarosano, Coordenador do Curso de Especialização em Direito Administrativo da PUC/COGEAE.

O autor não precisaria de minha apresentação neste Prefácio, pois basta lembrarmos de sua dissertação de mestrado Poder de Polícia, coroada de sucesso e esgotada de há muito. Além dos inúmeros artigos e estudos publicados.

Quanto a esta obra, sua tese de doutoramento, que tive a honra de figurar como orientadora, reafirma sua tradição de pesquisador, de estudioso que jamais se esquece de rever seus conceitos, de repensá-los e de construir ideias novas a lume dos novos quadros legislativos, dos novos institutos jurídicos (e como foram transformados nestes últimos dez anos!).

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 15 19/11/2015 10:44:26

Page 12: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

16 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Pinço, apenas, algumas de suas conclusões (embora todas sejam muito interessantes) que me parecem de particular importância.

Examinemos primeiramente sua contestação à coisa julgada inconstitucional. Quando Clovis dela falou, na elaboração da tese, tratava-se de ideia quase inteiramente nova, ainda muito pouco venti-lada (a elaboração da tese deu-se entre 2000 e 2001). Hoje, pode-se dizer, a jurisprudência e a doutrina já a consagraram.

Do novo conceito de função social da propriedade trazido pela Constituição de 1988, retira toda fundamentação da desapropriação, pois não aceita tenha o Estado relação de superioridade sobre o parti-cular, por entender que, em tese, não há interesses (direitos) preva-lecentes, somente averiguáveis no caso concreto.

Considera inconstitucional a imissão prévia na posse sem que o particular possa levantar todo o valor depositado. Na verdade, a imissão prévia somente se justificaria com fundamento na urgência e se trataria de tutela antecipada.

Outra importante conclusão do autor é a inaplicabilidade do artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41 para a desapropriação indireta. Asse vera que o bem esbulhado do particular poderá ser reintegrado a seu pa trimônio, se ainda não tiver, de fato, se incorporado ao patri-mônio público.

Se irreversível o esbulho, admite o autor (a meu ver com inteira razão) a possibilidade de imputar ao agente administrativo responsável a figura da improbidade administrativa, nos termos do incisivo I do artigo 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

Portanto, o “expropriado”, ou melhor dizendo, o “esbulhado”, teria possibilidade, se o bem não pudesse ser reintegrado a seu patrimônio, de reclamar indenização por perdas e danos.

Outra importante conclusão é a respeito da servidão ambiental, nas hipóteses de necessária preservação ambiental, e, consequentemente, da necessidade de indenização na medida dos danos causados, fazendo-se, assim, a repartição dos ônus por toda coletividade. Repele, pois, que se considere mera limitação administrativa.

A desapropriação de imóveis urbanos, no entendimento do autor, que descumprem a função social da propriedade deve-se dar com a justa indenização, significado do valor real da indenização utilizado no Texto Constitucional.

Enfim, não cabe neste prefácio examinar todas as importantes conclusões do autor, mas, sim, apenas, abrir ao leitor algumas das portas desta magnífica obra.

São Paulo, 8 de março de 2006Lúcia Valle Figueiredo

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 16 19/11/2015 10:44:26

Page 13: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

INTRODUÇÃO

A indenização é o ponto nodal da desapropriação, que sem ela, pura e simplesmente, não existe.

É ela a marca da existência do direito à desapropriação em con-traposição ao confisco, bem como é, conforme seja adotada uma ou outra modalidade, o traço caracterizador de seu caráter sancionador.

Configura a indenização o símbolo do respeito pelo poder aos direitos individuais, traduzindo-se também em evidente significado do princípio da igualdade.

O Estado de Direito pressupõe a inexistência de sacrifícios individuais, sem contrapartida, em prol das arcas do príncipe ou da obra pública, e por isso os ônus públicos são repartidos pela coletividade, pela via da indenização.

Todavia, o Estado de Direito pressupõe também a efetividade do direito e do respeito à Constituição.

É papel do jurista identificar os mecanismos de defesa do Estado de Direito, para que o Direito em sua dinâmica seja efetivo.

Assim, o princípio da constitucionalidade, informador da supre-macia da Constituição e da eficácia dos seus meios de defesa, paralela-mente ao princípio da igualdade, constitui-se em ideal a ser perseguido.

De seu turno, a ideologia é aspecto indispensável à coerência de qualquer construção jurídico-científica, não se podendo dela prescindir para que qualquer esforço nessa área tenha algum significado.

Todavia, é de mister reconhecer que da estática da norma à sua dinâ mica há um árduo caminho a percorrer, e que somente o aprendi-zado, a experiência e o experimento com os acertos e erros inevitáveis são a via que leva ao encontro do ideal perseguido.

O Estado que não paga, caloteiro, que toma a propriedade alheia, pela execrável prévia imissão; que pratica o esbulho, pela malsi nada “desapropriação indireta”; que arrasta à eternidade a sua fila de credo-res, pelos não menos abomináveis precatórios; que utiliza expe dientes de pura tecnicalidade para postergar feitos, com teses já vencidas; que utiliza processos legislativos para parcelar suas dívidas em dez longos anos, é realmente um Estado de Direito?

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 17 19/11/2015 10:44:26

Page 14: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

18 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Existe, em verdade, a responsabilidade extracontratual do Estado, que ministramos aos nossos alunos nos bancos acadêmicos? Exis te a desapropriação mediante prévia e justa indenização? Existe a isonomia?

De outra parte, pode o jurista assistir passivamente ao dinheiro público ser às escâncaras desviado de tantas necessidades de nosso povo miserável, para ser carreado aos ávidos bolsos de espertalhões que, aproveitando-se do sono administrativo, e com a ajuda de espertos “experts”, escudam-se na coisa julgada para enriquecer suas arcas? Tem o Direito resposta para isso?

A coisa julgada que afronta a Constituição Federal, com des-pre zo ao pressuposto da justa indenização, deve ser extirpada do ordenamento?

O objetivo deste singelo trabalho é o encontro de soluções para os pontos que se nos afiguram relevantes acerca da indenização no instituto da desapropriação, além da afirmativa com ênfase de soluções já encontradas, mas não usualmente tratadas, talvez pela modéstia de seus autores ou, quem sabe, pelo desânimo da tese não escutada.

Considerando a pertinência ao tema escolhido, a busca da efe-ti vidade das normas que asseguram o respeito ao indivíduo e à sua propriedade, à coletividade e ao Erário Público e que realizem o ideal do Estado de Direito é o objetivo deste trabalho. Se conseguirmos des-pertar o leitor para o questionamento dos pontos abordados, teremos atingido nosso objetivo.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 18 19/11/2015 10:44:26

Page 15: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 1

O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

1.1 Esboço históricoO instituto da desapropriação caminha historicamente em para-

lelo com a noção da propriedade individual.Com efeito, a propriedade privada caracteriza-se por ser exclu-

siva, no sentido do poder que assiste ao seu titular de excluir o restante da comunidade de sua fruição, enquanto a desapropriação exclui o proprietário privado, para alocar o bem sob a fruição da coletividade.

Todavia, não obstante essa aparente contradição, é evidente que uma é pressuposto da outra, havendo quem, como Eurico Sodré, afirme que “a desapropriação é uma das garantias constitucionais da propriedade”.1

Anotando o seu caráter de compulsoriedade, assinala Maria Garcia, com apoio em Pontes de Miranda, o seu aspecto de assegu ra-mento da propriedade, que afirma preponderante sobre a ameaça de sua integridade.2

1 SODRÉ. A desapropriação, p. 9.2 “Não obstante se assinale universalmente essa característica de vis compulsiva, Pontes de

Miranda observa que a expropriação figura na sistemática constitucional brasileira, antes como garantia da propriedade do que como ameaça à sua integridade, sendo a indenização o ressarcimento, a compensação à perda patrimonial sofrida pelo expropriado, prévia e justa, mediante a qual o princípio da garantia mantém-se incólume e inviolado. Sem dúvida que o posicionamento do ilustre jurista encontra apoio no consenso doutrinário constitucional, porquanto a circunscrição do âmbito do poder de intervenção estatal para a ‘forçosa transferência da propriedade’, na pré-citada expressão de Alessi, a determinação dos contornos dessa possibilidade a ser exercida contra o detentor da propriedade vem constituir, exatamente, a garantia dessa mesma titularidade, desse mesmo direito.” GARCIA. Desapropriação para urbanização e reurbanização, p. 27 e 28.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 19 19/11/2015 10:44:26

Page 16: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

20 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Quanto à sua origem, refere Vicente Sabino Júnior a divergência doutrinária no sentido de que alguns supõem que em seus primórdios fora ela coletiva, tal como a propriedade tribal que hoje se conhece, enquanto outros dizem que a propriedade privada sempre existiu.3

Segundo Canasi, a palavra domínio deriva etimologicamente da palavra latina “domus” (“dominus”, senhor da casa), significando o poder que uma pessoa tem de usar e dispor livremente do que lhe pertence.4

Observa-se no Direito romano uma evolução do conceito da propriedade, que se origina na pilhagem, no butim de guerra, para depois concretizar-se no chefe de família a capacidade exclusiva de domínio, “domus”, e em sequência estender-se ao indivíduo que adquire tal capacidade com o alcance precedente.5

No que tange à desapropriação, a sua evolução histórica também sugere divergências quanto à sua existência no Direito Romano, ou mesmo em épocas anteriores.

Refere Marienhoff vestígios dela na Bíblia, em passagem do Velho Testamento, advertindo todavia que tais escritos não refletem precisamente manifestações de desapropriações, mas de atos de força, de poder ou de autoridade.6

Para Eurico Sodré não há dúvidas quanto ao fato de que os romanos conheciam o fenômeno da desapropriação, eis que segundo o autor seria impossível que as importantíssimas obras públicas que

3 “Afirmam outros que a propriedade privada sempre existiu, confundindo, segundo deter-minados autores, a apropriação momentânea com o conceito real de propriedade. Não se encontra na legislação oriental antiga alusão precisa sobre a propriedade imobi liária, a não ser muito vagamente nas Leis de Esnunna (1930 a.C.). Não se sabe, porém, se a referência ao proprietário de um campo diz respeito à propriedade efetiva da terra, ou somente à sua cultura. A rigor o que pertence ao chefe é o produto de seu trabalho e a sua casa, além das coisas móveis e semoventes.” SABINO JÚNIOR. Da desapropriação, p. 13.

4 CANASI. Derecho Administrativo, p. 834.5 Idem, ibidem, p. 835.6 “En la Biblia, Antiguo Testamento, hay vestigios de ella. En el Libro 1º de Samuel, entre

los derechos del Rey, se dice: ‘Asimismo tomará vuestras tierras, vuestras viñas, y vuestros buenos olivares, y los dará a sus siervos’ (capítulo 8º, versículo 14). En el Libro 2º de Samuel, capítulo 24, versículos 21 a 25, el Rey requiere la propiedad de los particulares para levantar un altar a Dios, con el objeto de que cese la plaga o mortandad en el pueblo; pero aclara que tal entrega de la propiedad será mediante pago de precio, ‘porque no ofreceré a Jehová mi Dios holocaustos por nada’. En el Libro del Profeta Ezequiel, con referencia al reparto de la tierra, después de establecer qué parte de ésta le correponderá al Principe, se agrega: ‘Esta tierra tendrá por posesión en Israel, y nunca más mis príncipes oprimirán a mi pueblo: y darán la tierra a la casa de Israel por sus tribus’; y luego dice: Así ha dicho el Señor Jehová (capítulo 45, versículos 8 y 9).” MARIENHOFF.Tratado de Derecho Administrativo, p. 140 e 141.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 20 19/11/2015 10:44:26

Page 17: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

21CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

realizavam não encontrassem algum proprietário que a elas se opusesse dentro de sua propriedade.7

Por outro lado, lembra o autor a solidez do conceito de domínio privado no Direito Romano, que tangia praticamente o absoluto, asse-gu rando, nesse sentido, ao dono o direito de usar e abusar de sua propriedade.8

Narra, ainda, em reforço a essa ideia, a lenda de Licinius Crassus, contada por Tito Lívio, que se opôs à construção de um aqueduto público, fazendo prevalecer seu direito de não ceder o terreno, no local de planejamento da obra.9

O Direito francês conheceu três distintas épocas quanto ao instituto da desapropriação.

Nesse sentido alude Diez que a primeira época é resultante da Constituição de 1791, a segunda decorrente da Lei de 8 de março de 1810 e a terceira oriunda da Lei de 7 de julho de 1883.

Nessa primeira fase, a Constituição francesa de 1791 estabelecia a desapropriação por razões de necessidade pública, vindo a ser pos-teriormente substituído tal pressuposto pelo da utilidade pública, e que a indenização haveria de ser prévia e justa.

O defeito dessa previsão, contudo, consistia no fato de que era a própria administração que fixava o valor da indenização e que operava a transferência da propriedade para o Poder Público.

Na segunda fase, a Lei de 8 de março de 1810, baixada por inspi-ração de Napoleão, conferiu à autoridade judiciária a faculdade de transferir a propriedade e regular a indenização.

7 “É evidente que os Romanos conheciam o fenômeno da desapropriação, ainda que não o tivessem regulamentado, ou sistematizado de forma institucional. Realizavam vastas e importantíssimas obras públicas e é impossível que jamais defrontassem com o problema de um proprietário que a elas se opusesse, dentro de sua propriedade. E nesses casos, a indenização correspondente dependeria do grau de arbítrio das autoridades. As noções jurídicas esboçadas no Digesto — ‘de religiosis’, ‘quemadm. servit. admitt’; e no Senatusconsulto — ‘de acquaeductibus Romae’ etc., seriam aplicadas com maior ou menor amplitude, segundo a conformação moral ou o sentimento jurídico dos governantes.” SODRÉ. Op. cit., p. 11.

8 “No Direito Romano o conceito de domínio privado era de uma solidez e extensão que raiavam praticamente com o absoluto, assegurado ao dono o direito de usar e abusar de sua propriedade. A ‘potestas’ ‘do pater familias’ era uma autoridade que se reunia à dos deuses. Porque em Roma, segundo ensina Fustel de Coulanges, não eram sobretudo as leis que protegiam a propriedade, mas a religião. Ali, os marcos divisórios, cuja imobilidade é, ainda hoje, protegida pela lei penal, deificavam-se no mito do Termo, deus doméstico.” SODRÉ. Op. cit., p. 10.

9 Idem, ibidem, p. 10.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 21 19/11/2015 10:44:27

Page 18: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

22 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Essas disposições renderam ensejo a críticas que afirmavam o sacrifício do interesse coletivo em favor do interesse privado, porque os juízes serviam-se de peritos, o que era determinante de delongas no procedimento, com a circunstância agravante de que tais “experts” normalmente exacerbavam a indenização.

Por último, a Lei de 7 de julho de 1883 criou a figura do jurado da expropriação, que tinha por missão regular a indenização e o que fosse concernente a liquidações de hipotecas sobre o bem, ou relativo a outros direitos que incidissem sobre este.

O jurado permitia a celeridade do procedimento expropriatório porque sua decisão era soberana e, portanto, irrecorrível.

Essa reforma, todavia, não teve êxito, porque durante muitos anos o jurado de desapropriação exagerava nas avaliações, exacerbando as indenizações.10

O nosso ordenamento jurídico tradicionalmente acolhe o instituto da desapropriação, assegurando como requisito de sua efetivação a indenização.

Conforme anota Sergio Ferraz, não tem sido uniforme o trata-mento constitucional da indenização.11

De fato, a Constituição de 1824 fixava tão somente a necessi-dade da prévia indenização para “o uso e emprego da propriedade do cidadão”, relegando à lei, entretanto, a fixação das regras para a determinação dessa indenização (art. 179, inc. XXII).

Nessa mesma linha de previsão, seguiu-se a Constituição de 1891 fixando tão somente o requisito da prévia indenização para a efetivação da desapropriação (art. 72, §17).

Já a Constituição de 1934 pela primeira vez introduziu no orde-namento a previsão constitucional da justa indenização, agregando-se tal pressuposto ao requisito de ser ela efetivada previamente à con-cretização da desapropriação (art. 113, inc. 17).

A previsão constitucional da justa indenização, todavia, desa-pa rece sob a égide da Carta de 1937, mantendo-se nela tão somente a prévia indenização como pressuposto de sua realização (art. 122, inc. 14).

A Constituição democrática de 1946 novamente elenca os pres-supostos da prévia e justa indenização para a efetivação da desapro-priação (art. 141, §16), o que foi mantido na Constituição de 1967 (art. 150, §22), na Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 153, §22) e, finalmente, na atual Carta Política, em seu artigo 5º, inc. XXIV.

10 DIEZ. Derecho Administrativo, p. 231.11 FERRAZ. A justa indenização na desapropriação, p. 1 e 2.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 22 19/11/2015 10:44:27

Page 19: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

23CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

Exposto esse breve esboço quanto ao histórico do instituto objeto de nossa preocupação, cabe-nos em sequência examinar o instituto da desapropriação.

1.2 O instituto da desapropriaçãoO nosso entendimento da desapropriação envolve a análise dos

seguintes elementos: o direito de propriedade, a igualdade diante das necessidades da coletividade e a igualdade informadora da indenização.

De fato, o princípio da igualdade que se colhe do artigo 5º do Texto Constitucional constitui-se, a nosso ver, em um dos princípios que sobrepairam os demais, condicionando a existência dos demais direitos e deveres que o ordenamento prescreve.

Assim, não se pode conceber, diante desse princípio, que os encargos sociais decorrentes dos benefícios ou melhorias, construídos em prol da coletividade, recaiam especialmente sobre alguém, exigindo que sejam eles distribuídos por toda a sociedade.

Bastaria esse princípio para informar o dever da recomposição patrimonial integral do desapropriado, eis que este tem a sua proprie-dade extinta sempre em razão de um interesse público, de uma neces-sidade pública ou de um interesse social.

É em razão desse fato que a previsão da justa indenização, como pressuposto para efetivar-se a desapropriação, afigura-se-nos uma expressão pleonástica, o que não nos impedirá de utilizá-la neste estudo, vez que essa é a expressão utilizada pela Constituição Federal, além de ser consagrada pelo uso.12

No plano jurídico, o pressuposto da desapropriação colhe-se da função social da propriedade, fixada pela Constituição Federal.

Com efeito, a Carta Magna, ao assegurar a propriedade no inciso XXII do artigo 5º, entre os direitos que elenca como fundamentais, em seguida, no inciso XXIII, traça desde logo o contorno desse direito, ao subordinar a sua existência à função social da propriedade.

12 Observe-se, contudo, a respeitabilíssima posição de Sergio Ferraz, em sua notável obra supracitada, na qual considera que “O vocábulo justa representa um dos pontos nodais de todo o estudo referente ao instituto da desapropriação”. Com efeito, o ilustre jurista, depois de incursão semiológica, com apoio inclusive em Warat, quanto ao aspecto jurídico, aponta o perigo da não inclusão da palavra “justa” a adjetivar o termo indenização, referindo-se como exemplo ao ordenamento italiano, nos seguintes termos: “A ausência do adjetivo ‘justa’, no texto constitucional italiano, tem levado a jurisprudência a consi-deráveis perplexidades. O risco supremo é de que os julgadores, ou os intérpretes, acreditem que da omissão do texto se poderá concluir não estar a Administração obrigada à correspondência de valor.” FERRAZ. Op. cit., p. 3 a 15.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 23 19/11/2015 10:44:27

Page 20: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

24 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

De outra parte, ao elencar os princípios da nossa ordem econô mica, no artigo 170, aloca entre eles, o Texto Constitucional, o princípio da propriedade privada, no inciso II, para em sequência, no inciso III, arrolar o princípio da função social da propriedade.

Significa isso que nosso sistema constitucional, não obstante assegure a propriedade privada com característica de princípio, ou seja, de base, alicerce de toda nossa ordem econômica, com idêntica força condiciona essa propriedade a ser destinada a uma função.

Como se vê, afasta o Texto Constitucional o conceito de proprie-dade estática, para lhe atribuir uma função social, significando isso que a propriedade privada deve ser voltada não apenas para o interesse do proprietário, mas também para a sua interação aos interesses da sociedade.

Disso se colhe, em primeiro lugar, que a fruição da propriedade privada deve ser adequada à sua função social.

De outra parte, pode a necessidade pública, entendida esta em seu senso lato, compreendendo também a utilidade pública e o interesse social, ser determinante da extinção da propriedade privada, com a desapropriação.

Assim sendo, no plano constitucional é a função social da propriedade o fundamento para a desapropriação.

Vale referir nesse passo que a Constituição Federal, além da re fe rência à “função social da propriedade” em sentido amplo, que se colhe como parâmetro do perfil do direito de propriedade (art. 5º, inc. XXIII), ou na categoria de princípio informador da ordem eco-nômica, também refere essa expressão em sentido estrito, seja quando define a função social da propriedade urbana – artigo 182, §2º, seja quando fixa o que signi fica o implemento da função social da propriedade rural, no artigo 186, incisos I a IV.

Examinado o instituto da desapropriação, passa-se à análise do seu fundamento jurídico, com incursão às principais teses sustentadas pela doutrina.

1.3 O fundamento jurídico da desapropriaçãoDiez, ao tratar do fundamento da desapropriação, aparta as

teorias de caráter jurídico das teorias de caráter racional.Colaciona a lição de Villegas Basavibaso, que refere a existência

de três teorias racionais para explicar o fenômeno da desapropriação:

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 24 19/11/2015 10:44:27

Page 21: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

25CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

a) a teoria da colisão de direitos, que aponta para a supremacia do direito público sobre o direito privado: a propriedade do titular de uma coisa deve ceder à prevalência do direito su-perior da coletividade sobre essa coisa. Essa teoria restringe o problema a uma colisão de direitos entre o interesse privado e o interesse público;

b) a teoria da função social da propriedade, que se baseia racio-nalmente no fato de que a propriedade imobiliária, capitalista e hereditária não se pode explicar a não ser por sua utilidade social e não se legitima se não se demonstra que em determina-da época seja socialmente útil. Assim sendo, o legislador pode impor à propriedade privada todas as limitações que sejam conformes com a necessidade social a que ela se subordina;13

c) a teoria da reserva baseia-se no fato de que a propriedade em sua origem era coletiva e, após, transformou-se em individual, reservando-se ao poder social o direito de retirá-la do domí-nio individual para fazê-la retornar ao patrimônio comum mediante indenização.

Quanto às teorias de caráter jurídico, arrola Diez duas:a) a teoria do domínio eminente, relatando que no Estado feudal

e no Estado-polícia admitia-se a existência de um domínio eminente, ou seja, de um direito público real que assistia ao soberano sobre todo o território e, em consequência, sobre qualquer parte dele.

Assim, esse território não pode pertencer ao particular, a não ser por concessão soberana que atribui ao particular somente o domínio útil, ou seja, o direito de gozo de caráter precário e revogável.

Destarte, a desapropriação não seria senão o exercício do domínio normal que assiste ao soberano sobre todos os bens dos súditos.

Conclui Diez que essa teoria no Direito moderno é insuficiente para explicar o fundamento da desapropriação; isso porque a soberania é territorial e, assim, só serviria para dar suporte à desapropriação de bens imóveis, e não de outros bens móveis e direitos sujeitos igualmente à desapropriação.

Anota Diez a proposta doutrinária da substituição do arcaico conceito de domínio eminente pelo de poder de legislação, jurisdição e polícia, que tem por finalidade a promoção do bem-estar geral.

13 DIEZ. Op. cit., nota de rodapé, p. 233 e 234.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 25 19/11/2015 10:44:27

Page 22: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

26 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Averba, todavia, o autor que embora esse ponto de vista retire da expropriação o odioso cunho feudal, não permite justificar o aspecto indenização em favor do proprietário.14

b) a teoria dos fins do Estado. Essa teoria tem como pressuposto o fato de que não se pode conceber a propriedade privada em oposição aos direitos da sociedade.

Portanto, a desapropriação não constitui uma violação do direito de propriedade, representando antes uma conciliação do direito do particular com o direito da comunidade.

Um conflito entre esses direitos revela-se impossível porque a propriedade, em sua forma jurídica, cessa de existir na medida em que representa um obstáculo às exigências da sociedade.

O Estado tem como um de seus fins essenciais a promoção do bem comum e deve então contrapor aos direitos de domínio do particular a vontade do Estado, o que ocasiona a extinção da propriedade toda vez que sua existência constitua-se em obstáculo à satisfação do interesse público.

Daí decorre o caráter coativo da desapropriação por motivo de utilidade pública.

Desse modo, afirma Diez que a desapropriação constitui-se em uma forma de solução de conflito entre o interesse público e o interesse privado, e, assim, o Estado, para cumprimento de seus fins, sacrifica o “interesse menor”.

Nessa suposição, o Estado, para cumprimento de seus fins, deve submeter o interesse particular ao interesse da coletividade.

Assim, a desapropriação há que supor a antítese entre o inte-resse do particular e o interesse geral que o Estado representa, e este, para cumprimento de suas finalidades, deve superar esse conflito, extin guindo a propriedade particular mediante a correspondente indenização.15

Bielsa também refere que várias são as teorias que procuram dar suporte jurídico à desapropriação:

a) a que identifica na primitiva propriedade coletiva a origem e o fundamento do instituto;

14 “Como la naturaleza del dominio eminente es su absolutismo, su señhorio incontrastable, cuando es ejercido en función de la soberanía que representa, el derecho del expropiado a ser indemnizado sólo puede concebirse como una concesión graciosa del Estado, nunca como un derecho.” DIEZ. Op. cit., p. 235.

15 DIEZ. Op. cit., p. 236.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 26 19/11/2015 10:44:27

Page 23: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

27CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

b) a que a concebe como uma limitação jurídica da propriedade (anota o autor que tal fato é mais consequência do que seu fun damento).

c) a teoria que considera a desapropriação como decorrência do domínio eminente do Estado sobre seu território;

d) a que concebe a desapropriação como um direito público real;e) a que a compreende como uma instituição necessária aos fins do

Estado. Afirma essa teoria que o Estado, além de seu fim essen-cial, o fim jurídico, consistente em criar o direito e assegurar seu império, tem por finalidade a procura do bem-estar social e do progresso social, e esse fim, que para o Estado-polícia foi mais eventual, para o Estado moderno, de estrutura social, é um fim necessário.

Segundo essa teoria, a faculdade de desapropriar encontra-se justificada pela realização dos fins jurídicos e sociais do Estado.

O poder soberano é exercido, em princípio, pelo Estado sem limitações, sendo, todavia, autolimitado em forma positiva pela Constituição e pelas leis regulamentadoras.

Quanto à doutrina que vislumbra no domínio eminente o fun-damento da desapropriação, formula Bielsa as seguintes críticas.

O fundamento no domínio eminente, tendo em conta a evolução histórica no direito público, atribui à desapropriação uma peculiaridade determinada em conformidade com o conceito de soberania.

Portanto, segundo essa evolução histórica, em seus lineamentos gerais, a ideia de dominium se transforma em imperium, que no Estado moderno significa soberania.

Assim, no Estado moderno o que se entende por domínio emi-nente é tão somente uma expressão da soberania.

Essa noção, todavia, é insuficiente para explicar a desapropriação. De fato, se a soberania é territorial, deve-se entendê-la como faculdade que não deriva de um poder que o Estado exerce sobre a pessoa dos súditos, não se prestando, por isso, a fundamentar a desapropriação sobre os bens móveis daqueles.

Disso decorre que a faculdade de desapropriação como derivada da soberania territorial somente alcança os bens imóveis, ou seja, aqueles que constituem o território, o que significa uma restrição incompatível com o conceito social do domínio e com a extensão determinada pelos fins do Estado.

Assim sendo, esse pressuposto revela-se insuficiente para dar suporte à desapropriação num sistema jurídico em que esta pode ser exercida sobre todos os bens passíveis de exercício do direito de

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 27 19/11/2015 10:44:27

Page 24: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

28 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

propriedade: móveis ou imóveis, créditos e também direitos intelectuais, quando de utilidade pública em sentido geral.

De outra parte, sustenta-se o fundamento da desapropriação no domínio eminente, não em sua visão do Estado feudal, mas sim considerando-o como uma faculdade da legislação, jurisdição e polícia que se exerce com a finalidade de promover a prosperidade do Estado.

Entretanto, também essa fundamentação é rejeitada pelo autor, vez que aparece ela como uma ação positiva do direito do domínio eminente dentro do regime de polícia e do conceito demasiadamente genérico de ordem pública.

Assim, ainda que se extraia do fundamento da expropriação o caráter do odioso cunho feudal, e ainda supondo-a derivada do jus politiae, baseado no conceito de ordem pública, culmina-se por não explicar nem justificar o direito que o expropriado tem em todas as legislações, em relação ao expropriante, que consiste no direito de ser indenizado.

Ora, se o Estado, ao expropriar, agisse fundado no domínio eminente, o expropriado não teria direito algum a opor a ele, tal qual se verifica quando o Estado age como Poder Público.

Entende Bielsa que o direito à indenização na desapropriação sempre foi reconhecido, tanto no Direito Romano como no atual, e que o domínio eminente sempre foi por sua natureza soberano e absoluto.

Quando exercido, a faculdade do Estado é ilimitada, mesmo que fundada na soberania, como também o é a que constitui o poder de polícia, ante a qual desaparece toda consideração de ordem privada.

Em síntese, esse poder expressa a ideia de um conjunto de limitações impostas à liberdade pessoal.

A faculdade de expropriar, ao contrário, reconhece e sempre reconheceu limitações explícitas; a necessidade ou a utilidade pública sempre são declaradas justificadamente, e a indenização, em princípio, é prévia ao desapossamento, ainda que em caso de urgência seja bastante a consignação do preço oferecido pelo expropriante. E essa é a forma que tem aprovação da consciência jurídica geral.

Finalmente, manifesta o autor sua posição para afirmar o fun-damento da desapropriação nos próprios fins do Estado, um dos quais é procurar o maior bem-estar para a sociedade; afasta assim a ideia do domínio eminente, que qualifica de decrépito, como fundamento da desapropriação, afastando igualmente o poder de polícia como tal.16

16 BIELSA. Derecho Administrativo, p. 441 e 442.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 28 19/11/2015 10:44:27

Page 25: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

29CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

Igualmente alude Marienhoff a inúmeras teorias que buscam explicar o fundamento da desapropriação:

a) a teoria da colisão de direitos. Nesse caso emerge a superiori dade do direito público sobre o direito privado: a proprie dade do titular sobre uma coisa deve ceder ante o direito supe rior da coletividade sobre a mesma.

Refere o autor que essa teoria foi abandonada, ao argumento de que para que houvesse conflito entre o interesse privado e o interesse público mister seria que se tratasse de interesses qualitativamente idênticos e quantitativamente diferentes.

Todavia, como em relação a tais interesses não incide uma questão de quantidade, mas de qualidade, a teoria perdeu sua sustentação.

b) a teoria da função social da propriedade. Seu principal expositor foi Duguit, que afirmava que a propriedade imobiliária não pode ser explicada a não ser por sua utilidade social e somente será legítima se em uma época determinada for socialmente útil;

Tal doutrina somente pode ser compreendida dentro da teoria positivista de Duguit, que nega a concepção individualista de sociedade e de direito objetivo e que desconhece a noção de direito subjetivo.

c) teoria das reservas. Segundo essa teoria o fundamento da desa-propriação reside na origem histórica da propriedade;

O homem aparece primeiro em estado de comunidade, da qual o indivíduo não é senão uma simples parte; depois afirma sua individualidade, tratando de desprender-se da sociedade.

A propriedade reconhece as mesmas fases: em sua origem é coletiva e depois se transforma em individual.

Essa propriedade coletiva manteve-se ao longo dos séculos e, mesmo quando do surgimento da propriedade individual, reservou-se ao poder social o direito de retirar esse domínio individual, para fazê-lo entrar no domínio comum, mediante indenização, isso em relação a todas as coisas cuja propriedade fosse exigida pela utilidade pública.

Segundo essa teoria não existe oposição entre o direito de propriedade e a desapropriação, pois tal direito, desde o seu surgimento, encontra-se condicionado a extinguir-se em razão da utilidade pública, para retornar à propriedade coletiva.

Essa teoria foi contestada ao argumento de que os fatos dos quais decorre são baseados em suposições gerais ou deduções.

Afirmou-se, então, que não há necessidade de correlacionar a propriedade coletiva com a individual, eis que a propriedade coletiva representa um ciclo, enquanto a propriedade individual, outro, e finalmente a social, um ciclo posterior.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 29 19/11/2015 10:44:27

Page 26: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

30 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

A propriedade não se inclina por si em nenhum dos momentos assinalados. Ela é evolutiva e se acomoda às circunstâncias sociais de cada momento, por isso não pode haver um fundamento geral e uniforme para todas as etapas.

d) teoria do domínio eminente, que o autor refere nos mesmos mol-des já expostos quando nos referimos ao pensamento de Diez;

e) teoria dos fins do Estado. Essa teoria é referida por Marienhoff nos mesmos moldes em que o faz Diez, e já por nós referida.17

Enrique Sayagués Laso também vislumbra nos fins do Estado o fundamento da desapropriação.18

Para Garrido Fala, o fundamento da desapropriação não apenas se sedia na sensibilidade da Administração quanto à satisfação dos interesses públicos, mas também no caráter de subordinação e condi-cionamento da propriedade ao interesse público.19

Hector Jorge Escola filia-se à corrente que entende que a teoria dos fins do Estado é a que atualmente explica e dá suporte à desa-propriação.20

Entre nós também divergem as teorias propostas quanto ao fundamento da desapropriação.

Segundo Hely Lopes Meirelles, seria a desapropriação “a mais drástica das formas de manifestação do poder de império, ou seja, da soberania interna do Estado no exercício de seu domínio eminente sobre todos os bens existentes no território nacional”.21

Alguns, como Celso Antônio Bandeira de Mello,22 Diogenes Gasparini23 e José dos Santos Carvalho Filho24, basicamente sustentam

17 MARIENHOFF. Op. cit., p. 133 em diante.18 LASO. Tratado de Derecho Administrativo, p. 318.19 GARRIDO FALA. Tratado de Derecho Administrativo, p. 212.20 ESCOLA. Compendio de Derecho Administrativo, p. 1070.21 MEIRELLES. Direito Administrativo brasileiro, p. 496 e 497.22 O douto Professor Celso Antônio sustenta que o fundamento político da desapropriação

reside na supremacia do interesse coletivo sobre o individual, quando incompatíveis, enquanto o fundamento jurídico teórico consiste na acolhida no ordenamento normativo dos princípios políticos que o sistema adota, para concluir: “corresponde à idéia do domínio eminente de que dispõe o Estado sobre todos os bens existentes em seu território”. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 727.

23 Para o autor são três os fundamentos da desapropriação: um político, outro constitucional e um terceiro legal. O político consiste na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, enquanto o constitucional sedia-se nos artigos 5º, inciso XXIV, e 184 da Constituição, e finalmente o legal se encarta nos vários diplomas legais que disciplinam entre nós a desapropriação. GASPARINI. Direito Administrativo, p. 604.

24 Para esse autor dois são os fundamentos da desapropriação, um consistente na supre-macia do interesse público sobre o privado e outro que sustenta a desapropriação na

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 30 19/11/2015 10:44:27

Page 27: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

31CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

o fundamento da desapropriação na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, quando em confronto.

Para José Carlos de Moraes Salles a desapropriação encontra seu fundamento na utilidade ou necessidade pública, ou ainda no interesse social “que indique a conveniência de apropriação do bem particular em nome do interesse coletivo”, advertindo, todavia, o autor que não se deve nesses casos falar em conflito entre interesses particulares e públicos.25

Lúcia Valle Figueiredo, acolhendo o pensamento de Bielsa, rejeita a ideia de que o fundamento da desapropriação repouse no do-mínio eminente do Estado, para filiar-se à corrente que vislumbra nas atividades finalísticas do Estado, dentro das missões que lhe incumbem, a base da desapropriação.26

Para nós, a desapropriação fundamenta-se no próprio perfil do direito de propriedade, tal como é ele acolhido em nosso sistema constitucional.

Cabe observar, de outra parte, que não obstante a previsão constitucional se limite a remeter ao legislador ordinário a disciplina do procedimento expropriatório, não há dúvidas quanto ao fato de que a definição do que seja necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, também é tarefa legislativa.

De fato, a Constituição Federal consagra o princípio da legali-dade, em seu artigo 5º, inciso II, preconizando que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o que significa que não é dado à Administração agir senão em decorrência de previsão legal.

Além disso, o inciso LIV do mesmo artigo 5º assegura a todos o direito ao devido processo legal, em hipóteses de privação de bens ou direitos, sendo inafastável a ideia de que tal garantia compreende também um conteúdo material.27

função social da propriedade: “O texto constitucional revela a existência de um direito contraposto a um dever jurídico. Dizendo que a propriedade deve atender a função social assegura o direito do proprietário, de um lado, tornando inatacável sua propriedade se consonante com aquela função, e, de outro, impõe ao Estado o dever jurídico de respeitá-la nessas condições. Sob outro enfoque, o dispositivo garante ao Estado a intervenção na propriedade se descompassada com a função social, ao mesmo tempo em que faz incidir sobre o proprietário o dever de mantê-la ajustada à exigência constitucional.” CARVALHO FILHO. Manual de Direito Administrativo, p. 418 e 419.

25 SALLES. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 81.26 FIGUEIREDO. Curso de Direito Administrativo, p. 308.27 Ensina Lúcia Valle Figueiredo: “Inicialmente, os processualistas entendiam como cumprido

o due process of law quando fosse cumprido o due procedural process of law. Em outro falar, o

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 31 19/11/2015 10:44:27

Page 28: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

32 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

De outra parte, cabe anotar que o elastério legal da disciplina das hipóteses de desapropriação não pode ocorrer de sorte a proporcionar, sem critério, a exaustão do direito de propriedade, somente podendo ocorrer dentro de parâmetros lógicos, que se extraem do próprio ordenamento jurídico, com demonstrável relação de adequação com a estruturação da atividade administrativa, voltada ao objetivo da realização do interesse público.

Outrossim, verificada a situação fática prevista na hipótese normativa legal, configuradora da necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, deve ocorrer a desapropriação, com o perecimento do direito de propriedade, com sua consequente substituição pela indenização.

Assim, concretiza-se verdadeiro sacrifício do direito de pro-priedade, que cede passo ao interesse público,28 ensejando a conclusão de que os contornos do direito de propriedade são compostos da possibilidade de seu exaurimento, diante de circunstâncias assim deter minantes, ou seja, a conclusão no sentido de que o direito de pro priedade, tal como o concebe a Constituição Federal, traz ínsita a possibilidade de seu sacrifício, em dadas circunstâncias previstas na lei.

O fundamento jurídico, pois, da desapropriação tradicional no nosso direito positivo subsome-se no próprio perfil constitucional do

procedimento do devido processo legal. Cumprido, então, o procedimento, considerava-se cumprido o due process of law. Modernamente assim já não mais é, conforme já dissemos, o due process of law passa a ter conteúdo também material, e não tão-somente formal — quer dizer, passa a ter duplo conteúdo: substancial e formal. Os processualistas da atualidade entendem que está contido, no due process of law, conteúdo material. Somente respeitará o due process of law a lei — e assim poderá ser aplicada pelo magistrado — se não agredir, não entrar em confronto, não entrar em testilha, com a Constituição, com seus valores fundamentais”. FIGUEIREDO. Op. cit., p. 418.

28 Renato Alessi, ao tratar da responsabilidade da administração pública pelos danos causados aos particulares, distingue as hipóteses de ressarcimento, fundado na violação de um direito subjetivo, das situações de ocorrência de sacrifício de direito, com o dano decorrente de uma atividade lícita da administração, anotando que a composição dos danos, nessa última hipótese, não tem a natureza de ressarcimento: “Ciò non pertanto in molti casi in cui da una norma giuridica viene previsto il sacrificio di un diritto privato per il soddisfacimento di un interesse pubblico, dalla norma stessa viene disposta la rifusione del danno per tal modo cagionato al cittadino, dando luogo così a quella forma speciale di responsabilità della pubblica amministrazione cui si è accennato, e cioè alla responsabilità per danni legittimi. È chiaro però, naturalmente, che questa rifusione del danno non avrà la natura di un vero e proprio risarcimento (e di fatti dalle leggi che lo contemplano è denominata per lo più indennizzo anzichè risarcimento), così come il fondamento teorico e positivo di questa speciale forma di responsabilità sarà sostanzialmente diverso dal fondamento teorico e positivo della vera e propria responsabilità, la quale presuppone la violazione di un diritto soggettivo.” ALESSI. La responsabilità della Pubblica Amministrazione, p. 246.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 32 19/11/2015 10:44:27

Page 29: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

33CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

direito de propriedade,29 que contém uma carga de exaustão, diante da necessidade ou utilidade pública e interesse social, tal como a lei venha a dispor, com os limites lógicos que compreendem a relação de adequação com a estruturação da atividade administrativa, no objetivo da realização do interesse público, como suprarreferido.30

Rejeitamos, assim, a ideia de supremacia do interesse público sobre o privado, como elemento informador do instituto da desa-propriação, tal como o concebe parte relevante da doutrina, bem como a ideia de domínio eminente do Estado sobre os bens em seu território.31

De fato, no Estado de Direito não se pode conceber a priori a exis-tência de supremacia de certa gama de interesses que se sobreponham a outros em relação ao mesmo objeto, eis que a supremacia de interesses, ou de direitos que destes são sinônimos, frente a outros, diante de uma lide somente se pode dar pela interpretação pelo poder competente — o Judiciário —, da questão em debate, considerando os fatos e o direito aplicável.

Com efeito, o direito à desapropriação não surge em razão de uma suposta supremacia dos interesses públicos frente aos interesses privados, mas de específica previsão normativa de índole constitucional que assegura tal direito ante a ocorrência de seus pressupostos também previstos normativamente.

Ao nosso sentir não é a supremacia do interesse público sobre o interesse privado que se constitui no fundamento da desapropriação, mas, ao contrário, é o instituto da desapropriação acolhido pelo Orde-namento que se constitui em fundamento para afirmar-se o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Não apenas a desapropriação, aliás, mas toda espécie de sacrifício de direito que o Ordenamento acolhe, privilegiando o interesse coletivo, ante o interesse individual.

29 Nesse sentido de há muito já ensinava Eurico Sodré: “O fundamento científico da desapropriação deu-a LAURENT (Princs. Du Droit. Civ., VI/133). O interesse particular não cede diante do geral. O proprietário, mais que um interesse, é titular de um direito, sobre o qual outro interesse ainda que geral não pode nunca prevalecer. Melhor se diria, talvez — abandonando a curvatura dos direitos individuais ante os sociais — que os direitos individuais já nascem e se consolidam com as limitações efetivas ou potenciais impostas pelo direito de propriedade.” SODRÉ. Op. cit., p. 15.

30 Vale referir que revimos nesse passo nossa anterior posição quanto ao tema, no sentido de considerar o fundamento da desapropriação sediado na supremacia do interesse público sobre o interesse individual, quando em confronto, conforme se lê no capítulo de nossa lavra em obra coletiva. BEZNOS. Direito Administrativo na Constituição de 1988, p. 104.

31 “Hoje essas explanações teóricas tornaram-se obsoletas diante da criação do Estado Constitucional, onde a lei fixou regras para as relações entre o Poder Público e os súditos” (referência de Eurico Sodré a Otto Mayer, Direito Administrativo). SODRÉ. Op. cit., p. 15.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 33 19/11/2015 10:44:27

Page 30: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

34 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

É a própria concepção constitucional do direito de propriedade, passível de sacrifício, ante a necessidade/utilidade públicas ou interesse social que traduz essa escolha prévia do sistema jurídico, que permite afirmar-se uma supremacia de um direito frente ao outro, conferindo à Administração Pública a possibilidade da aquisição compulsória da propriedade, ainda que contra a vontade do seu titular.

O mesmo se pode afirmar da servidão administrativa, ou do instituto da requisição.

É, portanto, a identificação desses institutos no Ordenamento Jurídico que fundamentam a afirmação da existência de uma supre-macia do interesse público sobre o interesse privado, quando em confronto, e não é essa supremacia que é determinante da existência desses institutos.

Assim, inexoravelmente é o próprio direito de propriedade com o desenho constitucional em que é concebido que ostenta uma carga po-tencial expropriatória, com a possibilidade da sua exaustão, ante a ocor-rência de certos pressupostos também constitucionalmente previstos.

Cabe observar, todavia, que existem outras previsões constitu-cionais a informar peso superior do interesse público em ponderação com o interesse privado.

Assim, o próprio preâmbulo da Carta Política declina a finalidade da instituição de um Estado Democrático preordenado, a assegurar não apenas o exercício dos direitos individuais, mas também dos direitos sociais, de uma sociedade fraterna, elencando como valores supremos a alcançar os pertinentes a liberdade, a segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento, a igualdade e a justiça.

De outra parte, o artigo 3º da Constituição, ao elencar os objetivos fundamentais de nossa República Federativa, declina consistirem: na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da margi-nalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais; e na promoção do bem de todos.

Ora, não há como negar que esses pressupostos informam a existência de peso maior dos interesses coletivos, na ponderação com os interesses privados, quando em confronto, eis que estes últimos não podem obstar os objetivos em que é estruturado o próprio Estado Federativo, justificando assim seu sacrifício, desde que respeitada a igualdade, compensando-os na exata medida do sacrifício.

Assim, em termos de instrumentalização para o alcance desses objetivos, prevê o Ordenamento a possibilidade do sacrifício de direitos, com a contrapartida da indenização.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 34 19/11/2015 10:44:27

Page 31: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

35CAPÍTULO 1O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO

Esse conjunto de regras configura o fundamento da identificação no Ordenamento de uma supremacia do interesse público sobre o interesse privado, quando em confronto, e não o contrário.

Exposto o fundamento jurídico no qual se assenta a desa pro-priação, passa-se no capítulo seguinte ao tratamento de relevantíssimo tema, pertinente aos objetivos deste estudo, consistente na imissão provisória de posse.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 35 19/11/2015 10:44:28

Page 32: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 2

A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

2.1 A previsão normativaImissão provisória de posse, nos termos estabelecidos pelo

Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, significa a retirada da posse de seu titular, de um bem imóvel, declarado de utilidade pública ou de interesse social, para fins de desapropriação, em favor do poder expropriante, previamente ou no curso da ação expropriatória, mediante declaração de urgência e efetivação de depósito em dinheiro.

Duas são as formas determinantes do valor a ser depositado, em conformidade com o artigo 15 e seus parágrafos desse diploma, ambas ao talante do poder expropriante: uma, independentemente de citação do desapropriado, e outra, mediante arbitramento, em procedimento subordinado ao contraditório.

A primeira hipótese elencada considera duas diferentes situações: a de imóveis sujeitos ao pagamento de imposto predial e a de bens imóveis sujeitos ao imposto territorial.

Quanto aos imóveis sujeitos ao lançamento do imposto predial, o diploma desdobra em duas as possibilidades: uma, em que o preço ofertado para a desapropriação seja superior a vinte vezes o valor locativo, quando, então, haveria de ser depositado o valor da oferta; e outra, em que essa oferta seja inferior a vinte vezes o valor locativo, quando então o valor a ser depositado haveria de corresponder à referida importância de vinte vezes o valor locativo.1

1 Tal previsão normativa tinha em conta o fato de que o valor locativo do imóvel sujeito ao lançamento do imposto predial se constituía em sua base de cálculo. Hoje a base de cálculo do IPTU é o seu valor venal, conforme o artigo 33 do Código Tributário Nacional, a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 37 19/11/2015 10:44:28

Page 33: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

38 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Quanto aos imóveis sujeitos ao imposto territorial, também se abrem duas possibilidades, considerando o valor cadastral do imóvel, para o lançamento do imposto; uma, no caso de ter sido atualizado no ano fiscal o valor cadastral do imóvel, e outra para a circunstância de tal atualização não ter ocorrido.

Na primeira situação, o valor a ser depositado haverá de ser correspondente ao valor cadastral do imóvel e, na segunda, tal valor deverá ser fixado pelo juiz, independentemente de avaliação, considerando-se tão somente a época da fixação originária do valor cadastral e a valorização ou desvalorização superveniente.

A outra hipótese para apuração do valor a depositar-se efetivar-se-ia pela modalidade de arbitramento judicial, reportando-se o aludido artigo 15 do decreto-lei ao artigo 685 do Código de Processo Civil, como norma de regência dele.

Tal dispositivo, todavia, do Estatuto Processual Civil de 1939 regulava o processamento das medidas cautelares, tendo por suce-dâneos no Código atual os artigos 802 e 803, como anota José Carlos de Moraes Salles.2

É fácil intuir que o Poder Público costumeiramente prefere a primeira das modalidades de fixação do valor, para efeitos da imissão de posse.

De fato, considerando a alteração legislativa ao que tange à base de cálculo desse tipo de tributo, ou seja, do valor locativo para o valor venal, passou-se a admitir como o valor a ser depositado, tanto para imóveis sujeitos ao lançamento de imposto predial, como para aqueles sujeitos ao lançamento do imposto territorial, o valor venal do imóvel cadastrado junto às prefeituras municipais.

Assim, preferiam os expropriantes essa modalidade de imissão de posse, sem a citação do expropriado, porque usualmente sempre se verifica grande defasagem entre o valor cadastral e o valor real das propriedades, propiciando aos administradores inescrupulosos o apos samento de imóveis dos administrados, frequentemente de pessoas pobres, com o pagamento de valor miserável, transformando desa possados em verdadeiras vítimas, verdadeiros párias sem teto.

Além disso, a irresponsabilidade de administradores era de tal monta, que confiando na morosidade do procedimento judicial expro-priatório, e mesmo na esdruxularia consistente no pagamento das dívidas de desapropriação pelos malsinados precatórios, deixavam

2 SALLES. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 300.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 38 19/11/2015 10:44:28

Page 34: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

39CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

o problema do pagamento para as administrações subsequentes, dirigindo suas baterias tão somente para as imissões de posse, mediante pagamento de valores irrisórios.3

Tão dramática se afigurava essa situação, em especial na gestão do então Prefeito Faria Lima, com desapropriações em massa de in-contáveis imóveis da população carente, para a construção da ave-nida, na cidade de São Paulo — que depois recebeu o nome desse prefeito —, que o comando militar então no poder, invocando razões de “segurança nacional”, como então era frequente, baixou em 22 de janeiro de 1970 o Decreto-Lei nº 1.075, regulando a imissão provisória de posse em imóveis residenciais urbanos habitados pelo proprietário ou por compromissário comprador, cujo compromisso de compra se encontrasse registrado no Registro Imobiliário.

Tal diploma apenas defere a imissão de posse, mediante a possi-bilidade do contraditório, vez que necessariamente o expropriado deve ser citado, e não concordando com a oferta, cabe-lhe impugná-la no prazo de cinco dias.

Impugnada a oferta, dar-se-á o arbitramento para fixar o valor provisório do imóvel, estabelecendo a lei que o juiz para fazê-lo poderá servir-se de perito avaliador, se assim entender necessário.

É claro que, em se tratando de avaliação imobiliária, dificilmente poderá o juiz dispensar o perito avaliador, eis que tal avaliação depende de dados de que usualmente se servem os experts para fixar o valor de imóvel, que normalmente não existem nos autos, sem a realização da perícia.

De qualquer sorte, seja sob o regime do Decreto-Lei nº 3.365/41, seja sob as regras do Decreto-Lei nº 1.075/70, o fato é que, sem nenhuma razão de ordem lógica, o expropriado, caso pretenda contestar o preço ofertado, não pode levantar a integralidade do valor depositado para os efeitos da imissão provisória de posse.

3 Hoje essa hipótese dificilmente ocorrerá, em razão da edição da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo artigo 16, em seus incisos I e II, exige do ordenador de despesa para a desapropriação de imóveis urbanos a estimativa do impacto orçamentário-fiscal referente ao exercício fiscal em que deva ser efetivada, além da declaração no sentido de que a despesa guarda adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias; além do fato de que o artigo 46 desse diploma comina a nulidade ao ato de desapropriação de imóvel urbano expedido sem o atendimento do disposto no §3º do artigo 182 da Constituição Federal, ou o prévio depósito do valor da indenização, ou seja: expedido sem o depósito do justo preço, pena de severas sanções ao administrador, inclusive de ordem criminal.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 39 19/11/2015 10:44:28

Page 35: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

40 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

De fato, pelo regime do Decreto-Lei nº 3.365/41, e em conformi-dade com o seu artigo 33, §2º, pode o expropriado, se contestar o preço ofertado, levantar apenas 80% (oitenta por cento) do valor depositado.

De outro lado, pelo regime do Decreto-Lei nº 1.075, como se viu, impugnada a oferta, haverá de ser fixado pelo juiz o valor provisório do imóvel.

A razão para tanto decorre da urgência, que justifica a imissão antecipada da posse, o que não significa que tal avaliação possa afastar-se do pressuposto constitucional da justa indenização, devendo, pois, ser realizada com o objetivo de aferir o justo valor do imóvel, ainda que em caráter provisório, sujeitando-se assim a uma avaliação posterior, na qual tal valor pode ou não ser confirmado.

Além disso, estabelece o artigo 3º desse diploma que, quando o valor arbitrado for superior ao valor ofertado, somente será admitida a imissão de posse se for complementado o depósito pelo expropriante, até que o valor depositado atinja a metade do valor arbitrado, o que significa que somente na hipótese de o valor arbitrado ser superior ao dobro do valor ofertado haverá a necessidade de complementação.

De outra parte, a razão não se sabe, preconiza o decreto-lei que tal complementação de depósito é limitada, no máximo, ao valor corres-pondente a 2.300 salários mínimos.

Assim, considerando que o valor depositado não supera, em nenhuma hipótese, à metade do valor arbitrado, prescreve o decreto-lei que o expropriado poderá levantar integralmente o depósito, ou, se preferir, poderá levantar 80% (oitenta por cento) do valor ofertado.

Conforme se vê, mesmo em se apurando o preço, mediante arbitramento, não se autoriza o desapossado a levantar integralmente o valor arbitrado, caso resolva contestar a ação expropriatória, como se existisse nas previsões em questão uma proposital pressão para a aceitação da oferta pelo expropriado, que nessas circunstâncias frequentemente se transforma em verdadeira vítima da truculência com que se vê despojado da posse de seu bem.

De fato, se aceita a oferta, normalmente irrisória e não corres-pondente ao valor de seu imóvel, inclusive o residencial, como se viu, recebe valor que não lhe permite adquirir imóvel equivalente ao que lhe foi tirado; e se resolve contestar o preço, menos ainda se presta o valor levantado à substituição do bem de que se viu despojado.

Dessa forma, a desapropriação, que deveria ser um instrumento de realização da igualdade, ao contrário, transforma-se em instru-mento de política nefasta e injusta, desigualando a comunidade, colo-cando a carga apenas sobre os ombros de uns, em proveito de todos.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 40 19/11/2015 10:44:28

Page 36: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

41CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

2.2 A evolução jurisprudencialApercebendo-se dessa situação e da leviandade com que muitos

administradores agiam quanto à desapropriação, e especialmente quanto à imissão de posse, formou-se uma corrente jurisprudencial, especialmente após a promulgação da Constituição de 1988, que embora afirmando a vigência do artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41, sustentava que seu §1º e suas alíneas não haviam sido recepcionados pela nova Carta Política, razão pela qual deixara de existir a possibilidade da imissão de posse mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, inaudita altera parte, afirmando, outrossim, a necessidade de sempre se apurar o justo valor mediante avaliação judicial provisória.

Nesse sentido, o ven. acórdão prolatado no Recurso Especial nº 19.647-0/SP, relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, como se lê de sua ementa:

A imissão prévia e compulsória de expropriante na posse do imóvel, somente é possível mediante depósito integral do valor apurado, em avaliação judicial provisória.

Em aludido julgado, prolatado em maio de 1995, anotou então o ministro-relator que a 1ª Seção da Corte resolvera uniformizar a jurisprudência em conformidade com o entendimento da Segunda Turma, determinando a lavratura de súmula, que desde novembro de 1994 se encontrava aguardando apreciação daquela Corte.

Era esse o entendimento que se ia solidificando em nível do Superior Tribunal de Justiça, quando o Supremo Tribunal Federal deu uma verdadeira guinada, retornando ao passado, e por sua sessão plenária, por maioria de votos, ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 185.933-4, contrariando o voto do ilustre relator, Ministro Carlos Mario Velloso, que não conhecia do recurso, acolheu o voto do Ministro Moreira Alves, para dar-lhe provimento no sentido de afirmar a compatibilidade da Constituição de 1988 com o §1º e suas alíneas do artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Em seu voto, o Ministro Moreira Alves sustentou que o aludido dispositivo sempre foi interpretado pela Suprema Corte em função dos textos constitucionais, que em sua essência não diferiam do texto da Constituição atual, salientando, então, a provisoriedade da imissão de posse por ele prevista, contrariando o ponto de vista do relator, para quem essa imissão era definitiva. (“No caso, a imissão de posse pretendida pelo expropriante somente é provisória no nome. Na verdade, é ela definitiva”.)

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 41 19/11/2015 10:44:28

Page 37: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

42 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Partindo desse pressuposto, de ser tal imissão de posse definitiva e não provisória, o ministro-relator concluiu por efetuar interpretação conforme à Constituição, cuja síntese se traduz no tópico final de seu voto, que reproduzimos:

Retorno ao meu raciocínio. O que se deve fazer é emprestar interpre-tação conforme ao citado §1º do artigo 15 da Lei de Desapropriações, assim: citados parágrafos dizem respeito à imissão provisória apenas, vale dizer, aquela posse em que o Poder Público se serve do bem por pequeno espaço de tempo, devolvendo-o, após, ao seu proprietário. Se a imissão for definitiva, sem possibilidade de devolução do bem ao seu proprietário, então tem-se uma imissão de posse ‘initio litis’, definitiva, na sua natureza. Neste caso, não tem aplicação o §1º do artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41, e sim o ‘caput’ do artigo 15, que propicia avaliação.

A esse argumento, respondeu então o Ministro Moreira Alves que a imissão de posse na desapropriação é sempre provisória, até mesmo porque se permite ao expropriante desistir da desapropriação, salientando que o que se perde com a imissão de posse é tão somente a posse, e não a propriedade, que permanece de titularidade do proprietário, que pode inclusive aliená-la.

De seu turno, o Ministro Maurício Corrêa, após cotejar a pre-visão do instituto da desapropriação e da indenização na Emenda Constitucional nº 1/69 com a redação do Texto Constitucional atual, afir-mou não vislumbrar diferença conceitual entre os mecanismos indeni-zatórios preconizados por um e outro texto, o que de fato é inegável.

De outra parte, afirmou que o tema já fora objeto de decisões anteriores da Corte, colacionando os julgados proferidos no Recurso Extraordinário nº 89.033, relator o Ministro Djaci Falcão (RTJ 88/345-349), o Recurso Extraordinário nº 91.611, relator o Ministro Cunha Peixoto (RTJ 101/717-719), e Recurso Extraordinário nº 116.409, relator o Ministro Octávio Gallotti (RTJ 126/854-857), pelos quais não se vislumbrou inconstitucionalidade do artigo 15 e parágrafos do Decreto-Lei nº 3.365/41.

Embasado nessa jurisprudência, colacionou em seu voto tópico do primeiro dos julgados por ele arrolados, em que se afirmou:

O que o artigo 153, §22, da Constituição Federal assegura é o direito de propriedade, não a posse direta. A garantia da prévia e justa indenização se refere àquele direito. No processo desapropriatório o domínio só se transfere após o pagamento integral da indenização fixada.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 42 19/11/2015 10:44:28

Page 38: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

43CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

Foi então proferido o lúcido voto do Ministro Sepúlveda Pertence, que discordou da distinção proposta pelo voto do ministro-relator, quanto a ser provisória ou definitiva a imissão de posse, admitindo também que não vislumbrava diferença entre a previsão do artigo 5º, inciso XXIV, da atual Constituição e as previsões constitucionais anteriores, desde a Constituição de 1934, que, com exceção da Carta de 1937, previram a indenização prévia e justa para a efetivação da desapropriação.

Todavia, em seguida, afirmou o ministro, com inegável sapiência, o seguinte:

O que mudou a meu ver foi a crescente tomada de consciência da força normativa da Constituição e da conseqüente necessidade de dar-lhe eficiência real, que reclamam no ponto, ‘data maxima venia’, dar pre-valência à realidade do campo normativo da garantia constitucional em causa sobre a transposição, sem temperamentos, para a hermenêutica constitucional, da diferenciação civilística entre a privação da posse do expropriado e a aquisição posterior do domínio pelo expropriante.

Salientou o ilustre ministro que a posição do Supremo Tribunal configurava postura vetusta ao elaborar a distinção, “prenhe da orto-doxia civilista, entre a perda da posse, antecipada quando haja imissão provisória, e a transferência da propriedade, só concretizada com o pagamento ao final da indenização definitivamente fixada”.

Sustentou, então, em seu douto voto, o Ministro Sepúlveda Pertence:

Não me consigo libertar da convicção de que a exigência constitucio-nal da indenização prévia não pode ser interpretada com abstração de que, no mundo da realidade, o próprio núcleo essencial do direito de propriedade — que com ela se visa a garantir — é atingido com a perda da posse.

Entretanto, vencidos o ministro-relator e o Ministro Sepúlveda Pertence, prevaleceu o anterior entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido da possibilidade da imissão provisória de posse, independentemente de avaliação do bem, mediante o depósito do valor cadastral do imóvel.

Considerando essa posição da Suprema Corte, alterou o Superior Tribunal de Justiça a tendência referida, como se vê do ven. acórdão prolatado no Recurso Especial nº 74.131/SP, relator o Ministro Aldir Passarinho, no qual se confere o seguinte tópico da ementa:

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 43 19/11/2015 10:44:28

Page 39: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

44 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Assentou o egrégio Supremo Tribunal Federal que os incisos do §1º do artigo 15 do Decreto-Lei nº 3.365/41 são compatíveis com a Carta da República, de sorte que a justa indenização nela prevista é a que se concretiza ao termo do processo expropriatório e não antes. Em con-seqüência o valor cadastral fiscal, desde que atualizado, serve como parâmetro para o depósito prévio autorizativo da imissão provisória na posse do imóvel, no caso de urgência na sua ocupação.

Esse entendimento foi consolidado, com a edição da Súmula nº 652, do Supremo Tribunal Federal, que ostenta a seguinte redação: “Não contraria a constituição o art. 15, §1º, do decreto-lei 3365/1941 (lei da desapropriação por utilidade pública)”.

Desse modo, a jurisprudência atual das Cortes Superiores, sus-tentando a distinção entre posse e propriedade, afirma que o preceito da prévia e justa indenização, prevista pela Constituição Federal, como pressuposto da desapropriação, somente se aplica para a perda da pro-priedade, e não para a retirada da posse.

Todavia, à luz de nosso ordenamento, do comando constitucional incidente quanto à desapropriação, não nos parece que se possa fazer tal distinção, entre os direitos de posse e de propriedade, para afastar a integral recomposição patrimonial, em hipótese da ablação de um ou de outro direito.

Com efeito, quer se considere que a retirada da posse significa a exaustão da própria expressão do direito de propriedade, quer se encare posse e propriedade como direitos autônomos, em uma ou outra compreensão da situação a justa indenização é pressuposto prévio para a retirada da posse.

A avaliação que deve ser efetuada só ostenta a adjetivação de provisória em razão da circunstância da urgência com que é feita, exatamente para atendimento da urgência, que é pressuposto legal para a imissão provisória de posse.

O fato de ser provisória a avaliação apenas indica que uma outra haverá de ser efetuada, com maiores delongas, em situação em que não incida a pressa, só determinada pela urgência, para a conferência de ter a anterior atendido ou não ao pressuposto constitucional da justa indenização.

Carlos Ari Vieira Sundfeld, ao exame da imissão provisória de posse, entende que esta significa uma desapropriação antecipada, con siderando que o bem cuja posse tenha sido retirada não será devolvido; e, vislumbrando-a como a ablação de “todo significado útil da propriedade”, afirma que se a urgência pode determinar a perda do

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 44 19/11/2015 10:44:28

Page 40: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

45CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

conteúdo útil da propriedade, sem a concretização do devido processo legal, enunciado pelo inciso LIV do artigo 5º da Constituição, “não pode implicar em negação da indenização justa”.4

Com efeito, ainda que se considere a distinção de caráter civilista elaborada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de apartar os di-reitos de posse e propriedade, ainda assim a indenização para a retirada de um ou de outro direito enseja a prévia e justa indenização, pena de vulneração ao preceito constitucional que assegura a desapropriação.

2.3 A noção de posseInquestionavelmente a posse constitui-se em direito autônomo

que não se confunde com o direito de propriedade, embora possa dele decorrer, porém não necessariamente.5

Leciona José Carlos de Moreira Alves que desde o Direito Romano claramente se distinguem a posse da propriedade,6 aludindo, outrossim, que também de há muito se percebeu que a posse pode ser considerada em si mesma, independentemente de fundar-se em título jurídico, podendo de outra parte ser tida como uma das faculdades jurí dicas que integram o conteúdo do direito de propriedade, bem como de outros direitos não tão amplos.7

4 Nesse sentido afirma o autor: “Ademais, a indenização só é justa quando, além de corres-ponder ao valor do bem perdido, é prestada no devido momento”. SUNDFELD. Desapro­priação, p. 51.

5 Essa a observação de Carlos Alberto de Campos Pereira: “Em que pese a utilização, na linguagem não técnica dos dois vocábulos como sinônimos, pois fala-se no linguajar comum do possuidor para designar o proprietário e vice-versa, juridicamente as duas noções — posse e propriedade — diferenciam-se de tal maneira que a posse pode ou não coincidir com a propriedade”. CAMPOS PEREIRA. A disputa da posse, p. 26.

6 “Posse e propriedade. Ius possidendi e ius possessionis (ou factum possessionis). — Desde o direito romano, tem-se distinguido nitidamente a posse da propriedade. Separata esse debet possessio a proprietate (‘a posse deve ser separada da propriedade’), nihil conmmune habet proprietas cum possessione (‘nada tem em comum a propriedade com a posse’). Nec possessio et proprietas misceri debent (‘posse e propriedade não devem confundir-se’) declaram os textos do Digesto (43, 17, 1, 2, 41, 2, 12, 1; 2 41, 2, 52, pr.).” (MOREIRA ALVES. Posse, p. 25.

7 “Considerada em si mesma, e, portanto, sem levar em conta se o possuidor é também titular de direito que lhe atribua a posse da coisa, ocorre o que tradicionalmente se denomina ius possessionis, ou — como preferem autores mais modernos (como Barbero — Sistema Instituzionale del Diritto Privato Italiano), que têm a posse como sendo um fato e não um direito — factum possessionis, expressões que significam posse sem titularidade. Tida a posse por faculdade jurídica de direitos como o de propriedade, dá-se-lhe a denominação de ius possidendi (faculdade jurídica de possuir).” Idem, ibidem, p. 25.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 45 19/11/2015 10:44:28

Page 41: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

46 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Segundo Washington de Barros Monteiro, a posse constitui o sinal exterior da propriedade, configurando o jus possidendi, “o direito de possuir, e pelo qual o proprietário, de modo geral, afirma seu poder sobre aquilo que lhe pertence”.8

Tal entendimento, contudo, não afasta a análise do autor quanto a configurar a posse um fato ou um direito, quando considerada iso-ladamente, destacada da propriedade.

Nesse passo colaciona tanto a posição de Savigny, quanto a de Ihering, para afirmar que não dissentem substancialmente sobre a natureza jurídica da posse, eis que para ambos ela se constitui em um direito, divergindo apenas em que, para o primeiro, configura um direito pessoal, enquanto que para o segundo, a posse aninha-se entre os direitos reais.9

Anota ainda o autor que a jurisprudência pátria, inspirando-se em Ihering, considera a posse como direito real, exigindo assim a outor-ga uxória, para ajuizamento de interditos relacionados a bens imóveis.

2.4 O direito à indenização completa e préviaAo se considerar a posse como mera expressão do direito de

propriedade, não se pode ter dúvida de que sua retirada significa a verdadeira exaustão desse direito e que, portanto, enseja o pagamento da prévia e justa indenização, ainda que apurada de forma provisória, em razão da urgência que lhe é determinante.

De outra parte, considerando-se a posse como direito autônomo, destacado do direito de propriedade, a toda evidência, a retirada desse direito de posse enseja indenização prévia e justa, porque o objeto da desapropriação não se limita ao direito de propriedade, mas pode alcançar outros direitos.10

8 “Constitui então, sob esse ponto de vista, um dos elementos integrantes do aludido direito, aliás, dos mais apreciáveis, sendo conhecida a frase de CARLYLE, para quem a posse vale sempre nove pontos do direito.” BARROS MONTEIRO. Curso de Direito Civil, p. 20.

9 “SAVIGNY sustenta que ela é um fato, sua existência independe de todas as regras de direito. Mas apesar de constituir um fato, produz conseqüências jurídicas. Será, portanto, simultaneamente, fato e direito, incluindo-se, pela sua natureza, entre os direitos pessoais. IHERING, por seu turno, sustenta que a posse é um direito, vale dizer, um interesse juridicamente protegido. Ela constitui condição de econômica utilização da propriedade e por isso o direito a protege. É relação jurídica, tendo por causa determinante um fato. Sua verdadeira conceituação é a de instituição jurídica tendente à proteção do direito de propriedade. Para IHERING, portanto, o lugar da posse é no direito das coisas, entre os direitos reais.” BARROS MONTEIRO. Op. cit., p. 20.

10 Nesse sentido a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Pode ser objeto de desapro-priação tudo aquilo que seja objeto de propriedade. Isto é, todo bem, imóvel ou móvel,

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 46 19/11/2015 10:44:29

Page 42: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

47CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

O fato de poder a Administração arrepender-se e desistir da desapropriação,11 o que se diga não é o usual, não serve como argumento para afastar-se o preceito constitucional da indenização prévia e justa.

De fato, a desapropriação do direito de posse consuma-se no exato momento da retirada da posse pelo Poder Público, independentemente de outras formalidades.

A adjetivação provisória que se confere a esse tipo de retirada da posse é decorrente da linguagem legal, conferida pelo Decreto-Lei nº 3.365/41, que, por certo, não se pode contrapor ao preceito cons-titucional determinante da prévia e justa indenização, para a retirada de direitos, por desapropriação, seja o de propriedade, seja o de posse, seja o de ambos.

De fato, a imissão antecipada da posse amolda-se no conceito corrente da tutela antecipada, preconizada no Estatuto Processual Civil, com a diferença de que sua concessão decorre tão somente da urgência, e não da possibilidade da incidência de dano irreparável ou de difícil reparação, nem de nenhum comportamento procrastinatório da parte adversa.

Além disso, salvo vício processual, ou procedência de defesa indireta do mérito, quase que necessariamente o pedido na ação de desapropriação haverá de ser acolhido ao final.

Sendo assim, não se justifica, pela mera circunstância de viabilizar-se o arrependimento do expropriante, deixar de lado o pre-ceito da justa e prévia indenização, pela retirada da posse, em qualquer fase do processo expropriatório.

De outra parte, parecem-nos de flagrante inconstitucionali dade todos os dispositivos legais que prescrevem o levantamento pelo expropriado de apenas parte do valor depositado, quando da retirada antecipada da posse na desapropriação, eis que igualmente nessa circunstância se dá a vulneração do preceito constitucional da prévia e justa indenização.

Tenha-se em conta, ainda, que é muito mais grave a situação da retirada da posse de pessoas pobres, como muitas vezes se verifica, deixando-as ao desabrigo, do que a situação em que, após o pagamento

corpóreo ou incorpóreo, pode ser desapropriado. Portanto também se desapropriam direitos em geral”. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 732.

11 Reiterada é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de afirmar a possibilidade da desistência da desapropriação pelo Poder Público, independentemente da aquiescência da parte adversa, fixando-se, porém, o dever do pagamento dos danos sofridos pelo expropriado, como se pode conferir dos acórdãos prolatados nos Recursos Extraordinários nºs 99.528, 109.881 e 92.440.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 47 19/11/2015 10:44:29

Page 43: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

48 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

da justa indenização pela retirada da posse, venha a Administração a arrepender-se e a desistir da desapropriação.

Essa situação por certo é mais facilmente recomposta, ainda porque se hão de apurar as perdas e danos sofridos pelo expropriado, do que a situação dos excluídos socialmente, expulsos de suas moradias sem o pagamento do valor que lhes permita a aquisição de outro abrigo.

Finalmente, entendemos que o artigo 46 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao preconizar a nulidade do ato de desapropriação de imóvel urbano, expedido sem o atendimento do disposto no §3º do artigo 182 da Constituição Federal, ou o prévio depósito judicial do valor da indenização, inviabiliza a imissão provisória de posse, sem o pagamento do valor integral da indenização, ou seja: da justa indenização.

Com efeito, a regra incidente sobre o ato de desapropriação referido pelo dispositivo legal, ainda mais em se considerando que o diploma que o veicula se destina ao controle das finanças públicas, “voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal”, não deixa dúvidas de que objetiva evitar a sobrecarga orçamentária, com desapropriações para pagamentos futuros, e, frequentemente, comprometedoras do desempenho das subsequentes administrações.

Assim, ao se estabelecer como condição de higidez da desa-propriação o pagamento ou o depósito prévios da justa indenização, evidencia-se que não mais se podem efetivar desapropriações com pagamentos parciais, e se o depósito é integral, pelas razões expostas, assiste ao expropriado o inafastável direito de levantá-lo integralmente, quando privado de sua posse, para a realização do preceito insculpido no §3º do artigo 182 da Constituição Federal.12

12 Vale destacar que a nossa posição quanto ao tema tem sido reiteradamente aplicada pela Justiça Federal, em Primeira Instância, como, v.g., se verifica da r. sentença prolatada ao julgamento da ação expropriatória (Processo nº 0005874-47.2009.403.6105) pela Magistrada Federal Titular da 4ª Vara Federal de Campinas, Dra. Margarete Jefferson Davis, publicada no Diário: DJSP edição de 26.10.2015, página 65, destacando-se o decisum o seguinte tópico: “Frise-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000, art. 46) preconiza a nulidade do ato de desapropriação de imóvel urbano, expedido sem o atendimento do disposto no §3º do art. 182 da Constituição Federal, segundo o qual as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. No caso, verifica-se que, em consonância com os dispositivos normativos mencionados, a parte Autora realizou o depósito do valor da indenização, cabendo à Ré, por sua vez, observado o disposto no art. 34do Decreto-lei nº 3,365/41, levantá-lo integralmente, bem como o seu complemento, em vista do laudo de fls. 373/396. Acerca do tema, vale destacar as palavras de Clovis Beznos (Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 51), a seguir transcritas: Assim ao estabelecer como condição de higidez da desa pro-priação o pagamento ou o depósito prévios da justa indenização, evidencia-se que não

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 48 19/11/2015 10:44:29

Page 44: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

49CAPÍTULO 2A IMISSÃO PROVISÓRIA DE POSSE

Examinada a imissão provisória de posse, o próximo tema, objeto de nossa preocupação, ao exame de aspectos jurídicos indenizatórios na desapropriação, constitui-se na denominada desapropriação indireta.

mais se podem efetivar desapropriações com pagamentos parciais, e se o depósito é integral, pelas razões expostas, assiste ao expropriado o inafastável direito de levantá-lo integralmente, quando privado de sua posse, para a realização do preceito insculpido no §3º do artigo 182 da Constituição Federal”.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 49 19/11/2015 10:44:29

Page 45: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 3

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

3.1 O conceito de desapropriação indireta – Seu fundamento normativo

Costuma-se denominar por desapropriação indireta o despo-jamento da propriedade privada pela Administração, com ânimo definitivo, sem os pressupostos exigíveis para a efetivação de uma desapropriação.

João Nunes Sento Sé, em proficiente estudo publicado na Revista de Direito Público sob o título “Desapropriação indireta”, faz uma incursão histórica sobre a desapropriação indireta, de origem no Direito francês, e colaciona a doutrina de Hauriou, Berthélemy, Vedel, Benoit e outros, trazendo à baila a distinção daquilo que a doutrina francesa denomina “via de fato”, com a “desapropriação indireta” e a “emprise” (apropriação).

Segundo o autor, a primeira espécie abarca a hipótese de uma apropriação de bem privado sem nenhum suporte legal, praticada deliberadamente pela Administração, o que inclusive é determinante de responsabilidade pessoal do agente público.

Arrola, também, o magistério de Berthélemy, segundo o qual, sendo impossível na prática determinar-se que a ilegalidade foi cometida conscientemente, deve haver a presunção de sua decorrência de erro.

Assim, essa hipótese da via de fato caracteriza-se quando uma autoridade administrativa pratica ato jurídico ou material sem nenhum respaldo na ordem legal, seja em razão de uma norma expressa ou de um princípio jurídico.

De seu turno, a desapropriação indireta ocorre quando a Admi-nis tração se apossa de um bem particular sem o respeito às formas do processo expropriatório, tal como se verifica na hipótese de se edificar

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 51 19/11/2015 10:44:29

Page 46: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

52 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

uma obra pública, por erro, em um terreno privado, ou quando se apossa a Administração de área em razão de delimitação inexata do terreno público, avançando sobre o bem privado.

Finalmente, a emprise verifica-se quando a Administração pratica um atentado, sob forma de desapossamento, mas em circunstâncias em que tal ato não possa ser considerado totalmente desprovido de base legal. É o que ocorre, por exemplo, quando, procedendo à requisição de um bem privado, mantém-se na sua posse após a expiração do prazo fixado para a duração da requisição.

Nesse caso não se pode considerar a ocorrência de via de fato, porque a entrada na área foi efetuada com base em previsão legal (requisição).

As consequências basicamente não são diferentes quanto à construção da obra pública no terreno particular, pois seja em caso de via de fato, seja na ocorrência de desapropriação indireta, seja também na eventualidade de emprise, a obra não pode ser destruída, inviabilizando-se a recuperação do imóvel pelo particular, ressalvando-se, todavia, a hipótese da via de fato, quando a obra pode até ser paralisada, ou pode ter obstada sua construção, por determinação da jurisdição civil, com a responsabilização dos agentes públicos implicados na ocorrência.

De qualquer sorte, em quaisquer dessas hipóteses, segundo o magistério de Vedel, também referido na lição em comento, embora quando exista apossamento ilegal, como no caso da via de fato, assista aos particulares a via possessória, perante a jurisdição civil, a devolução da área se inviabiliza, quando a obra pública já tenha sido construída, em razão do princípio de que “l’ouvrage public mal planté ne se détruit pas”.

O fundamento desse princípio reside no entendimento de que a destruição da obra seria decorrente de um formalismo oneroso para as arcas públicas, vez que, após a sua demolição, poderia a Adminis-tração proceder à expropriação do imóvel e reiniciar a construção da obra pública.1

Assim, nessa hipótese, nada mais resta ao particular lesado senão as vias reparatórias.

Entre nós, afirmam os autores, sem divergência, que essa cha-mada desapropriação indireta configura um ilícito, uma usurpação do direito de propriedade.2

1 SÉ. Revista de Direito Público, n. 15, p. 138 e seguintes, jan./mar. 1971.2 “A desapropriação indireta não passa de um esbulho da propriedade particular e como

tal não encontra apoio em lei.” Cf. MEIRELLES. Direito Administrativo brasileiro, p. 498; “Desapropriação indireta é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 52 19/11/2015 10:44:29

Page 47: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

53CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Todavia, não obstante esse entendimento, costumam negar, tanto a doutrina como a jurisprudência, o direito do proprietário de reaver seu bem do poder de quem injustamente o possua, como preceitua o artigo 1.228 do Código Civil, desde que incorporado ao patrimônio público.

A base legal para tal entendimento é o artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que estabelece: “Os bens expropriados, uma vez incorporados a Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.

Com efeito, não obstante sustente a doutrina a possibilidade do uso dos remédios possessórios para obstar-se o ilícito apossamento em que se configura a denominada desapropriação indireta, entende também, sem discrepância, que a partir do momento em que se possa considerar incorporado o bem ao patrimônio público, não mais pode ser objeto de reivindicação, cabendo ao proprietário esbulhado tão somente o caminho da postulação de perdas e danos.

Afirma Celso Antônio Bandeira de Mello que, ocorrida a desa-propriação indireta, “cabe ao lesado recurso às vias judiciais para ser plenamente indenizado, do mesmo modo que o seria caso o Estado houvesse procedido regularmente”.3

Hely Lopes Meirelles afirma que “a ela pode opor-se o proprie-tário até mesmo com os interditos possessórios”, advertindo, entretanto: “Consumado o apossamento dos bens e integrados no domínio público, tornam-se, daí por diante, insuscetíveis de reintegração ou reivin dicação, restando ao particular espoliado haver a indenização corres pon dente da maneira mais completa possível, inclusive correção monetária, juros moratórios, compensatórios a contar do esbulho, e honorários de advogado, por se tratar de ato caracteristicamente ilícito da Admi nistração”.4

Maria Sylvia Zanella Di Pietro perfilha a mesma opinião, afir-mando que a desapropriação indireta “pode ser obstada por meio de ação possessória”; todavia, igualmente adverte: “No entanto, se

imóvel particular pelo Poder Público, com sua conseqüente integração ao patrimônio público, sem obediência às formalidades e cautelas do procedimento expropriatório.” Cf. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 746; “Desapropriação indireta é a que se processa sem observância do procedimento legal.” Cf. DI PIETRO. Direito Administrativo, p. 177.

3 BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 746.4 MEIRELLES. Op. cit., p. 498.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 53 19/11/2015 10:44:29

Page 48: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

54 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

o proprietário não o impedir no momento oportuno, deixando que a administração lhe dê uma destinação pública, não mais poderá reivindicar o imóvel, pois os bens expropriados, uma vez incorporados ao patrimônio público, não podem ser objeto de reivindicação (art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41 e art. 21 da Lei Complementar nº 76/93)”.5

3.2 O ilícito, a ação reivindicatória e a via reparatóriaA nosso entender, a chamada desapropriação indireta, além de

configurar um esbulho possessório, vulnera frontalmente a Constituição Federal, que condiciona a desapropriação ao pagamento da prévia e justa indenização.6

Com efeito, de plano se constata a vulneração de dois preceitos constitucionais pelo apossamento administrativo sem o pressuposto da prévia e justa indenização e do processo devido: o inciso XXII do artigo 5º, que assegura o direito de propriedade, e o inciso XXIV do mesmo artigo, que além de condicionar a desapropriação à prévia ocorrência da necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, prescreve também a necessidade de um procedimento legal para a efetivação da desapropriação.

Além disso, outro preceito constitucional vê-se atingido às es-câncaras, que se amolda com a previsão referida do inciso XXIV do artigo 5º, contida no inciso LIV do mesmo artigo, que assegura a todos o devido processo legal em hipótese de privação da liberdade ou dos bens.

Finalmente, também é vulnerado o princípio constitucional da igualdade, pela imposição de sacrifício de direito especialmente a al guém pela ação administrativa de construção da obra pública, fruí-vel pela coletividade, ou pela própria Administração, sem nenhuma compensação.

5 Refere a autora o seguinte: “Imagine-se hipótese em que o Poder Público construa uma praça, uma escola, um cemitério, um aeroporto, em área pertencente a particular; termi-nada a construção e afetado o bem ao uso comum do povo ou ao uso especial da Admi-nistração, a solução que cabe ao particular é pleitear indenização por perdas e danos”. DI PIETRO. Op. cit., p. 177.

6 Nesse sentido, à luz da anterior Constituição, Carlos Ayres Brito e José Sergio Monte Alegre já verberavam severas críticas à constitucionalidade da chamada desapropriação indireta, que para eles era nula de pleno direito, seja pela ótica constitucional, seja pela legal, pro pugnando pela invalidação judicial dos atos de esbulho da propriedade privada pelo Poder Público, criticando tanto a posição da doutrina como a do Judiciário que apenas vislum bravam a possibilidade indenizatória para a hipótese, excluindo a possibilidade de recuperação do imóvel esbulhado. BRITO; MONTE ALEGRE. Revista de Direito Público, n. 74, p. 242 em diante, abr./jun. 1985.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 54 19/11/2015 10:44:29

Page 49: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

55CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

Ora, quais as consequências na ordem jurídica para tão grave procedimento do Poder Público, com a vulneração do Texto que os governantes juram defender?

Segundo o que se sustenta, basicamente nenhuma, porque tanto a doutrina quanto a jurisprudência afirmam que aos esbulhados pelo Poder Público simplesmente resta o ínvio caminho da demanda judicial, em face das pessoas públicas, que fruem de privilégios processuais tais como os referentes aos prazos, para, depois de vencida essa íngreme escalada, se verem na contingência de iniciar a penosa execução, que após sua liquidação coloca o administrado na via dos precatórios, com o risco de uma emenda constitucional parcelar esses créditos em dez longos anos, como recentemente ocorreu.7

Tal situação, todavia, desafiadora da lógica, que beneficia o infrator sem nenhuma sanção, que privilegia o esbulhador, o adminis-trador violador da Constituição Federal, e castiga a vítima, por certo está a merecer outro tratamento.

Em primeiro lugar, é evidente que o disposto em lei não pode ter prevalência sobre as garantias constitucionais, razão por que se o artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, afrontasse a regra constitucional que assegura o direito de propriedade, com a ressalva da desapropriação mediante prévia e justa indenização, não haveria de sobre ela prevalecer.

Ocorre que tal dispositivo nem ao menos conflita com a Cons tituição Federal, pois quando estabelece a impossibilidade de reivindicação dos bens incorporados ao patrimônio da Fazenda Pública, faz expressa referência aos “bens expropriados”.

Ora, para que os bens sejam considerados expropriados, evidencia-se a necessidade do pagamento prévio da justa indeni za-ção, significando isso que enquanto não efetuado o pagamento da inde nização não se pode considerar nenhum bem como expropriado, pena da vulneração da regra do artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição

7 O artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, para os precatórios pendentes na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, estabeleceu a possibilidade do pagamento em até oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, por decisão do Poder Executivo. A Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, no artigo 78 introduzido ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ressalvando os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia e os abrangidos pelo artigo 33 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações, e os que tivessem seus recursos liberados ou depositados em juízo, previu para os precatórios pendentes na data da promulgação da emenda e decorrentes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 a liquidação em até o prazo máximo de dez anos, em prestações anuais.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 55 19/11/2015 10:44:29

Page 50: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

56 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Federal, que estabelece como requisito para a desapropriação o pagamento da prévia e justa indenização.

Como se vê, a regra estatuída pelo citado artigo 35 não alcança os bens compreendidos na chamada desapropriação indireta, porque tais bens não podem ser considerados como expropriados, pela ausência do requisito indenizatório e do processo legal, exigidos como pressupostos da desapropriação.

Assim, não há no ordenamento jurídico respaldo normativo expresso a justificar a impossibilidade da ação de reivindicação do bem objeto de ilícito apossamento pelo Poder Público.

O que ocorre, isso sim, é uma situação fática que impossibilita a recuperação pelo expropriado do objeto do esbulho frequentemente pela total desfiguração do bem, ou mesmo por transformação ocorrida, de sorte que seja inviável seu retorno à situação anterior sem grandes prejuízos às arcas públicas.

É claro que se o esbulho for reversível, caberá a ação reivindi-ca tória do bem, com eventual condenação em perdas e danos, que se traduzem normalmente nos lucros cessantes, pela privação da propriedade, quando assim efetivamente ocorrer.

Afirmamos o ressarcimento dos danos em caráter de eventua-lidade, eis que nem sempre a privação da propriedade acarretará a incidência de lucros cessantes, mas somente em hipóteses em que tais danos efetivamente possam existir, dentro do que seria razoável admitir como o que se deixou de auferir, nos moldes preconizados pelo artigo 402 do Código Civil.

Entretanto, efetivamente em caso de “desapropriação de fato”, verificada pela irreversibilidade do apossamento do bem pela Admi-nistração, como, por exemplo, ocorreria pela construção no terreno alheio de uma edificação de uso comum do povo, da construção de uma estrada de rodagem, de uma praça pública, ou mesmo de um imóvel de uso especial da Administração, outra alternativa não resta ao particular esbulhado senão a via da reparação.

Ocorre, todavia, que frequentemente o apossamento adminis-trativo se verifica por ato intencional de administradores, como meio de realização de obras, sem o dispêndio de verbas.

Nesse sentido refere Kiyoshi Harada:

Normalmente, o apossamento administrativo é levado a efeito pelos administradores menos escrupulosos como forma de viabilizar im-plantação de melhoramento público, sem a correspondente dotação orçamentária e sem os recursos financeiros necessários, com grave

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 56 19/11/2015 10:44:29

Page 51: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

57CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

infração dos princípios orçamentários. Porém, obedece sempre a um plano de melhoramento previamente aprovado por lei ou por órgão com essa incumbência. Na maioria das vezes, até existe o ato declaratório de desapropriação regularmente emitido pela chefia do Executivo. Só faltam os recursos orçamentários e financeiros. Daí o apossamento.8

Em tais hipóteses, essa circunstância da ocorrência de dolo efe-tivamente comprovado afigura-se-nos determinante de conse quências graves contra o administrador de má-fé.

De fato, a lei prescreve a pena de nulidade para a desapropriação efetuada sem o pagamento ou o depósito prévio da justa indenização.

É o que dispõe o artigo 46 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000:

É nulo de pleno direito ato de desapropriação de imóvel urbano expedi-do sem o atendimento do disposto no §3º do artigo 182 da Constituição, ou prévio depósito judicial do valor da indenização.

Ora, se a lei, em cumprimento ao comando constitucional da prévia indenização, comina a pena de nulidade de pleno direito à desapropriação efetuada sem o implemento dessa condição, a fortiori deve ser penalizado o ato material da desapropriação sem o devido processo legal, que a Constituição Federal preconiza como forma para a desapropriação efetivar-se.

Por essa razão, haverá o fato consistente no esbulho de ser objeto de apuração, com a responsabilização dos servidores que, por culpa ou dolo, tenham sido responsáveis pelo apossamento administrativo, com prática de patente ilícito.

Ao que tange à conduta dolosa, nesse sentido, pode ser a mesma enquadrada em improbidade administrativa, conforme a previsão do artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, pois configura a prática de ato “diverso daquele previsto na regra de competência”, porque evidente o desvio de poder nessa circunstância.

E isso é determinante, segundo o inciso III do artigo 12 desse diploma, do ressarcimento do dano, se houver; da perda da função pública; da suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos; do pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público

8 HARADA. Desapropriação: doutrina e prática, p. 163 e 164.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 57 19/11/2015 10:44:29

Page 52: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

58 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Essa conduta, que se assemelha à “via de fato” do Direito francês, além dessa consequência, pode ser determinante da responsabilização civil direta do agente público causador do dano, em casos de dolo ou ainda de culpa, com base nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, que, respectivamente, prescrevem:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudên-cia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Isso não afasta, como é óbvio, a possibilidade de a ação ser pro-posta em face da pessoa pública esbulhadora, ou, ainda, se preferir o desapossado, em face de ambos, pessoa pública e agente público, em litisconsórcio passivo, quando se evidenciar a culpa ou dolo de parte deste.9

O pedido deve compreender não apenas o valor do bem, mas também eventuais lucros cessantes, sob a forma de juros compen-satórios,10 juros moratórios a contar do trânsito em julgado da sentença, honorários de advogado, reposição das custas e despesas processuais.

Além disso, vislumbramos a possibilidade do pleito de danos morais, em cumulação com os danos materiais.

De fato, o ilícito praticado pela Administração Pública, atingindo direito individual do administrado, é causa inquestionável de sofri-mento moral.

Com efeito, se a Administração deve pautar sua conduta nos prin cípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal, e se é natural que dela se espere uma

9 Essa é a lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, adotada por Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que a vítima de dano, por ação culposa ou dolosa do agente público, pode propor ação contra o agente, contra o Estado ou contra ambos, responsabilizando-os solidariamente. BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 876.

10 Nesse diapasão, as Súmulas nºs 69 e 114 do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente: “Na desapropriação direta, os juros compensatórios são devidos desde a antecipada imissão na posse e, na desapropriação indireta, a partir da efetiva ocupação do imóvel”. “Os juros compensatórios, na desapropriação indireta, incidem a partir da ocupação, calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente.”

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 58 19/11/2015 10:44:29

Page 53: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

59CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

atitude de proteção ao direito dos administrados, a conduta contrária, consistente na violação do direito alheio, causa enorme desconforto e sentimento de desproteção, porque frustra a normal expectativa quanto a um comportamento ético, configurando o dano moral.11

De fato, a conduta que se espera da Administração é sempre uma conduta ética e voltada para a realização do interesse da coletividade, e de respeito ao direito alheio, como salienta Eurico Sodré, tratando o tema da desapropriação indireta:

Por via de regra o desapossamento administrativo raramente deverá ocorrer pois se presume no Poder Público um alto respeito pelos direi-tos alheios e espírito de continência ante a prática de atos violentos ou tirânicos. Por isso, o apossamento administrativo somente se justificará quando praticado sem dolo, ainda que com culpa.12

Assim, essa frustração da expectativa de proteção de direito do administrado, com a prática de ato que evidencia exatamente o con-trário, enseja a reparação pelo dano moral causado, sendo pacífico o entendimento pretoriano quanto à juridicidade do pleito de cumulação de danos materiais com danos morais, quando ambos sejam incidentes, como na espécie pode ocorrer.

Quanto ao pleito judicial para a espécie, firmou-se a jurispru-dência no sentido de considerar o prazo prescricional da ação em vinte anos, como uma verdadeira exceção ao prazo prescricional para as ações contra a Fazenda Pública, de cinco anos, fulcrado no Decreto nº 29.910, de 1932.13

De fato, firmou a jurisprudência o entendimento de que o prazo da prescrição aquisitiva de vinte anos, então estatuído pelo artigo 550

11 Tratando o tema do princípio da moralidade administrativa, escreve Cármen Lúcia Antunes Rocha: “O fortalecimento da moralidade administrativa como princípio jurídico deu-se, pois, com a aceitação da idéia de que o serviço público tem que atender ao que é justo e honesto para a sociedade a que se destina. A Administração Pública tem, pois, que tomar a si a responsabilidade de realizar os fins da sociedade segundo padrões normativos de justiça e de justeza, esta configurada pelo conjunto de valores éticos que revelam a moralidade. (...) A ética da qual se extraem os valores a serem absorvidos pelo sistema jurídico na elaboração do princípio da moralidade administrativa é aquela afirmada pela própria sociedade segundo suas razões de crença e confiança em determinado ideal de justiça, que ela busca realizar por meio do Estado”. ROCHA. Princípios constitucionais da Administração Pública, p. 191.

12 SODRÉ. A desapropriação, p. 94.13 O artigo 1º-C, da Lei nº 9.494, de 10.09.1997, introduzido pela Medida Provisória

nº 2.180-35, de 24.08.2001, estabeleceu o prazo prescricional de cinco anos para a propo-situra da ação de ressarcimento de danos, causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 59 19/11/2015 10:44:29

Page 54: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

60 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

do Código Civil anterior, para a consumação do usucapião ordinário, aplicava-se à hipótese.14

Nesse sentido a Súmula nº 119 do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciada na seguinte ementa: “A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos”.

Veja-se, nesse sentido, v.g., o acórdão prolatado ao julgamento do Recurso Especial nº 164.481-SP, relator o Ministro Ari Pargendler, cuja ementa assim foi redigida:

ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. A perda da propriedade só se consuma depois de vinte anos, quando o titular do domínio já não se pode valer da ação de reivindicação. Inaplicabilidade da regra do artigo 1º do Decreto nº 29.910, de 1932, à chamada desapropriação indireta. Recurso especial não conhecido.

Além disso, firmou-se a jurisprudência no sentido da conver-sibilidade do pedido reivindicatório da propriedade em perdas e danos, em hipótese da impossibilidade da devolução do imóvel, como se colhe da seguinte ementa do acórdão prolatado ao julgamento do Recurso Especial nº 114.464-BA, relator o Ministro Ari Pargendler:

PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DE AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO EM AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO ‘EXTRA PETITA’. NÃO-OCORRÊNCIA. A sentença que, em face da impossi-bilidade da devolução do imóvel ao proprietário, converte a ação de reivindicação em ação de indenização pela perda da propriedade, não contraria os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil; construção pretoriana, já antiga, destinada a reparar os danos da chamada desapro­priação indireta. Recurso especial não conhecido.15

Preocupado com a construção pretoriana quanto ao prazo pres-cricional na espécie, baixou o Presidente Fernando Henrique Cardoso a Medida Provisória nº 2.027, de 29 de junho de 2000, introduzindo um parágrafo único ao artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, fixando a extinção em cinco anos do prazo para a

14 Hoje o artigo que corresponde ao artigo 550 do Estatuto Civil de 1916 é o artigo 1.238 do Código Civil atual, que estabelece o prazo de quinze anos para a ocorrência do usucapião ordinário.

15 Nesse mesmo sentido confiram-se os acórdãos da mesma Corte prolatados nos Recursos Especiais nºs 7.459-0-SP, relator o Ministro Ari Pargendler; 361689-RS, relator o Ministro José Delgado; 153.756-RS, relator o Ministro Milton Luiz Pereira.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 60 19/11/2015 10:44:30

Page 55: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

61CAPÍTULO 3DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

propositura de ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, além da ação preordenada à obtenção de indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público.

Tal medida provisória, todavia, foi objeto de impugnação por ação direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Fede ral, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo seu Con selho Federal.

Aludida ADIn, distribuída ao Ministro Moreira Alves sob o nú mero 2.260/DF, recebeu despacho acolhendo o pedido de liminar, no sentido de afastar da redação do dispositivo a previsão do prazo prescricional de cinco anos para a ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta,16 de cuja ementa se colhe o seguinte tópico:

De há muito, a jurisprudência desta Corte afirmou que a ação de desa-propriação indireta tem caráter real e não pessoal, traduzindo-se numa verdadeira expropriação às avessas, tendo o direito à indenização que daí nasce o mesmo fundamento da garantia constitucional da justa in-denização nos casos de desapropriação regular. Não tendo o dispositivo ora impugnado sequer criado uma modalidade de usucapião por ato ilícito com o prazo de cinco anos para, através dele, transcorrido esse prazo, atribuir o direito de propriedade ao Poder Público sobre a coisa de que ele se apossou administrativamente, é relevante o fundamento jurídico da presente argüição de inconstitucionalidade no sentido de que a prescrição extintiva, ora criada, da ação de indenização por de-sapropriação indireta fere a garantia constitucional da justa e prévia indenização, a qual se aplica tanto à desapropriação direta como à indireta. – Ocorrência, no caso, do requisito da conveniência para a concessão da liminar requerida.

Esse despacho concessivo da liminar foi acolhido pelo Plenário da Suprema Corte, conforme acórdão publicado no Diário Oficial da União, de 2 de agosto de 2002, decretando posteriormente o novo relator para o feito, o Ministro Joaquim Barbosa, a perda do objeto da ação direta, em razão da alteração substancial da redação do dispositivo impugnado, por medida provisória superveniente (a Medida Provisória nº 2.183-56, de 24.08.2001), anotando, então, o relator que a nova redação

16 Em realidade, como é óbvio, as duas hipóteses são uma só, consistente no esbulho posses-sório por ato do Poder Público sobre a propriedade privada.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 61 19/11/2015 10:44:30

Page 56: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

62 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

coincidia com o que ficara decidido em sede do julgamento da cautelar anteriormente mencionada17.

Examinada a chamada desapropriação indireta e as questões que nos parecem pertinentes ao aspecto indenizatório, nosso próximo capítulo, também com adequação ao tema deste estudo, pretende uma incursão em questões ambientais, para tratar das indenizações a elas relativas.

17 A Medida Provisória nº 2.183-56, de 24.08.2001, introduziu um parágrafo único ao ar ti go 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21.06.1941, com a seguinte redação: “Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público”.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 62 19/11/2015 10:44:30

Page 57: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 4

AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

4.1 A legislação florestal e a indenizaçãoPropriedade: função social – o direito de propriedade é relati-

vi zado, de sorte que além da fruição pelo proprietário (direito de propriedade), incide sobre ela um outro direito, de titularidade social (direito social), exsurgindo uma relação de administração, uma finali-dade cogente a ser atendida pelo proprietário. Existe ao mesmo tempo direito subjetivo e relação de administração?1

1 Nesse sentido a lição de José Afonso da Silva: “São inegavelmente dessa natureza, como já escrevi de outra feita, os bens imóveis de valor histórico, artístico, arqueológico, turístico e as paisagens de notável beleza natural, que integram o patrimônio cultural brasileiro, assim como os bens constitutivos do meio ambiente natural.A Constituição, no art. 225, declara que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em bem jurídico. A isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Pode-se dizer que tudo isso significa que esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou pessoa particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer, porque ela não integra a sua disponibilidade. Além disso, há elementos físicos do meio ambiente que também não são suscetíveis de apropriação privada, como o ar, a água, que são, já por si, bens de uso comum do povo. Assim também as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Por isso, como a qualidade do ambiente, não são bens públicos nem particulares. São bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo.A conclusão importante é que esses bens vinculados a um regime especial de imodifi-cabilidade e, às vezes, de relativa inalienabilidade têm uma parte que fica sob o poder de decisão do proprietário acerca de sua utilização e fruição e que fica sob o domínio

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 63 19/11/2015 10:44:30

Page 58: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

64 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Nesse passo surge a questão consistente na indagação sobre a igualdade, ou seja, o princípio da isonomia a exigir a distribuição dos ônus pela comunidade, em caso de sacrifício individual. Vejamos.

O artigo 225 da Constituição Federal define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, afirmando que esse bem se constitui em direito de todos.

A defesa e a preservação desse direito incumbem não apenas ao Poder Público, mas também à coletividade, estabelecendo o §1º do dispositivo meios para assegurar a efetividade do direito em causa.

Nesse sentido fixa o seu inciso III caber ao Poder Público, entre outras incumbências, definir em todas as unidades da Federação espa-ços territoriais e seus componentes a serem especialmente prote gidos, reservando-se, todavia, apenas à lei a alteração ou supressão dessa reserva e proteção, sendo proibida qualquer utilização que possa com-pro meter a integridade dos atributos que a justifiquem.

De outra parte, o inciso VII desse artigo estabelece também como dever do Poder Público a proteção da fauna e da flora, preconizando a vedação, na forma da lei, de práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Além disso, o §4º do artigo em exame estabelece que a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira constituem-se em patrimônio nacional, preconizando, de outro lado, que sua utilização far­se­á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

O Código Florestal, a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, define as florestas e demais formas de vegetação em nosso território como bens de interesse comum a todos os habitantes do país, fixando outrossim que o exercício do direito de propriedade em relação a elas haverá

do poder público. Por isso a interpretação que a jurisprudência tem dado a respeito do valor de indenização desses bens, especialmente das florestas especialmente protegidas, não tem levado em conta que tais bens não podem ter o mesmo valor monetário que teriam se não estivessem incluídos na categoria dos bens de interesse público. No cálculo da in denização, quando cabível há de se ponderar entre o interesse público e o interesse privado sobre o bem, para que se cumpra a determinação constitucional do preço justo no caso da desapropriação direta ou indireta. O conceito de valor justo não é só em benefício do pro prietário. Se o bem tem uma parte de interesse público, o valor deve levar em conta a parte es tri tamente do particular. A parte vinculada desconta-se no valor total que teria o bem, se des pido de vínculo de interesse público”. SILVA. Revista Interesse Público, n. 10, p. 16.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 64 19/11/2015 10:44:30

Page 59: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

65CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

de ser efetuado com as limitações que a legislação em geral e especialmente o próprio Código estabeleçam.

Entre as definições estabelecidas pelo Código Florestal, cuidou este de definir como área de preservação permanente a área protegida nos termos dos artigos 2º e 3º da lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

De outra parte, definiu o diploma a área de Reserva Legal como a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.

O artigo 2º do código define como áreas de preservação per-manente:

- as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde seu nível mais alto, variando a largura da faixa de proteção, conforme a largura dos cursos d’água;

- as existentes ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais;

- as situadas nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chama-dos “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográ-fica, num raio mínimo de 50 m (cinquenta metros) de largura;

- as localizadas no topo de morros, montes, montanhas e serras;- as situadas nas encostas ou partes destas, com declividade su-

perior a 45 graus, equivalente a 100% na linha de maior declive;- as localizadas nas restingas, como fixadoras de dunas ou esta-

bilizadoras de mangues;- e, finalmente, aquelas situadas nas bordas dos tabuleiros ou

chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 m (cem metros) em projeções horizontais; em altitude superior a 1.800 m (mil e oitocentos metros), qualquer que seja a vegetação.

Ao que respeita às áreas urbanas, assim entendidas as com-preendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, fixa o parágrafo único do citado artigo 2º o dever de observar-se o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere o artigo.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 65 19/11/2015 10:44:30

Page 60: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

66 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Além dessa definição legal de área de preservação permanente, prescreve o Código Florestal, em seu artigo 3º, a possibilidade de o Poder Público, por ato administrativo, declarar como de preservação permanente florestas e demais formas de vegetação natural que sejam destinadas a atenuar a erosão das terras; fixar as dunas; formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares; proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; asilar exem-plares da fauna ou flora ameaçados de extinção; manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; assegurar condições de bem-estar público.

De outra parte, prescreve o §1º desse artigo 3º da lei a possibili-dade de supressão total ou parcial das florestas de preservação perma-nente, mediante prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social.

Finalmente, o §2º desse artigo fixa que as florestas que integram o patrimônio indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente, nos termos da lei.

Como se vê, a possibilidade de supressão de florestas, tidas como de preservação permanente por ato do Poder Público, conflita com o disposto no inciso III do §1º do artigo 225 da Constituição Federal, na medida em que a Carta Magna prescreve que embora caiba ao Poder Público definir os espaços a serem protegidos, somente a lei pode permitir a alteração ou supressão dessas áreas protegidas.

Assim, deve-se reputar como não recebida pela Constituição a prescrição legal em sentido contrário.

De outra parte, o Código Florestal prevê a possibilidade de supressão de florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em áreas de preservação permanente, bem como as não sujeitas à utilização limitada ou objeto de legislação específica.

A condição para essa supressão é a de que sejam mantidos a título de reserva legal percentuais mínimos fixados das propriedades rurais, percentuais esses variáveis conforme a localização do imóvel.

Assim, em conformidade com o artigo 16 da lei, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.080-60, de 22 de fevereiro de 2001, a reserva legal será correspondente a 80% da propriedade rural, para o imóvel localizado na Amazônia Legal.

Corresponderá a 35% para a propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20% na propriedade e 15% na forma de compensação em outra área, desde

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 66 19/11/2015 10:44:30

Page 61: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

67CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

que esteja localizada na mesma microbacia e seja averbada nos termos do §7º do artigo (Em conformidade com o §1º do artigo, o percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando-se separadamente os índices contidos nas situações supra-aludidas).

Será de 20% para a propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do país.

Também deve ser de 20% da propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do país.

De outra parte, figura a lei possibilidade de redução da reserva, ao que tange à Amazônia Legal, ou ampliá-la em até 50% dos índices previstos em todo o território nacional. Com efeito, assim dispõem os incisos I e II do §5º do artigo 16 em exame:

§5º O Poder Executivo, se for indicado pelo Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE e pelo Zoneamento Agrícola, ouvidos o CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, poderá:I – reduzir, para fins de recomposição, a reserva legal, na Amazônia Legal, para até cinqüenta por cento da propriedade, excluídas, em qualquer caso, as Áreas de Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente protegidos, os locais de expressiva biodiversidade e os corredores ecológicos; eII – ampliar as áreas de reserva legal, em até cinqüenta por cento dos índices previstos neste Código, em todo o território nacional.

Considerando que essas áreas de floresta de proteção permanente ou de reserva legal podem incidir não apenas sobre terras públicas, mas também sobre terras privadas, coloca-se a questão de assistir ou não aos proprietários privados o direito à indenização quanto à obrigação da manutenção daquelas em suas propriedades.

Inquestionavelmente, o instituto da desapropriação é que dá a exata dimensão do direito de propriedade em nosso ordenamento jurídico, pois fixa o critério da indenização justa e prévia para a hipótese do sacrifício desse direito, em prol do interesse público ou social.

Além disso, o princípio da igualdade na lei e perante a lei constitui-se em importante barreira de ordem constitucional à ideia do sacrifício específico, individual, para a fruição de todos.

Ao que tange ao direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado, vale notar que na medida em que o artigo 225 da Constituição

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 67 19/11/2015 10:44:30

Page 62: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

68 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Federal o qualifica como bem de uso comum do povo, ao mesmo tempo impõe o dever de sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações ao Poder Público e à coletividade.

Significa isso que para alcançar tal equilíbrio o seu custo deve ser igualmente distribuído entre todos que têm o dever de sua defesa e preservação.

Os cultores do Direito Ambiental, quase que em uníssono, sustentam que não incidem restrições ao direito de propriedade, no que respeita ao dever de manutenção de florestas de preservação permanente e das reservas legais, lastreando essa suposição no entendimento de que o regime da propriedade não é simplesmente o regime privado atribuído pelo Código Civil, mas preponderantemente o regime público, conferido pela Constituição da República.2

Assim, argumentam que a função social da propriedade, que interpretam como a “função ambiental da propriedade”, integra a composição, o próprio perfil do direito de propriedade, que sem esse conteúdo resta invalidado e, mesmo, inexistente.

Sustentam também que as restrições que se impõem à proprie-dade privada, ao que se refere à reserva legal e às áreas de proteção permanente, constituem-se em meras limitações administrativas, colhendo tal ideia simplesmente do fato de que estas atingem genericamente todas as propriedades rurais, concluindo ipso facto que esse requisito da generalidade seria suficiente para descaracterizar qualquer sacrifício do direito de propriedade, determinante de indenização.

Nesse sentido, escreve Antônio Herman V. Benjamin, afirmando a existência de limites internos e externos à propriedade, alocando nesses limites internos o próprio perfil do direito de propriedade.

Assim, aludindo aos limites internos tradicionais desse direito, tais como as regras de vizinhança, a proteção à saúde pública etc., define também a função social da propriedade como limite interno, fixando tal função como essencial à composição do próprio direito, para concluir que os limites internos se constituem em elemento do direito de propriedade, não podendo configurar por isso um caráter ablativo desse direito.3

2 Reportam-se esses autores ao disposto no artigo 524, caput, do Código de 1916, correspondente ao artigo 1.228, do Estatuto Civil atual.

3 “Na esfera dos limites internos, por conseguinte, não se pode falar em desapropriação, pois um ônus indissociável da propriedade não tem o dom de ser, a um só tempo, seu elemento e uma intervenção desapropriadora. Não se pode compensar pela negação (= desapropriação) de um direito que não se tem. Tais figurantes internos colocam-se como condicionadores a priori do direito de propriedade. No geral, a proteção do meio

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 68 19/11/2015 10:44:30

Page 63: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

69CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

Quanto aos limites externos, esses, sim, indenizáveis, estariam a pressupor previamente “uma dominialidade que opera em sua plenitude”, e sendo-lhe consecutivos são determinantes do dever de indenizar, como, por exemplo, quando a Administração Pública necessita da propriedade privada parcial ou integralmente para a construção de escolas, estradas, etc.

Ao que respeita às Áreas de Preservação Permanente, subdivide-as o autor em duas espécies: as APPs ope legis, que decorrem da lei (do próprio Código Florestal), e as APPs administrativas, cuja criação é dependente de ato administrativo.

Quanto ao primeiro tipo e também quanto à Reserva Legal, entende-as o autor não serem jamais indenizáveis, por constituírem limites internos ao direito de propriedade, o mesmo não ocorrendo com as Áreas de Preservação Permanente administrativas, que sustenta indenizáveis, quando lhes faltar o caráter da generalidade e não bene-ficiarem direta ou indiretamente o proprietário, e sua implantação aniquilar a totalidade do uso ou dos possíveis usos da propriedade.4

Versando o tema, Vlamir Passos de Freitas refere que as Áreas de Preservação Permanente podem ser estabelecidas de sorte que favo reçam, além do interesse público, também o interesse privado do pro prietário. É o caso da alínea a do artigo 2º do Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15.09.1965), que trata das matas ciliares, essenciais para a qualidade da água dos rios, como também o é o caso da alínea e do mesmo dispositivo, quando cuida da preservação de florestas nas encostas dos morros, com declividade superior a 45 graus.5

Sustenta o autor que essas áreas de preservação permanente, tal como previstas no artigo 2º do Código Florestal, não são indenizáveis a qualquer título, entendendo-as como mera limitação administrativa,

ambiente, no sistema constitucional brasileiro, não é uma incumbência imposta sobre o direito de propriedade, dele sendo fragmento inseparável. Em resumo, os limites internos não aceitam imposição do dever de indenizar, exatamente porque fazem parte do feixe de atributos necessários ao reconhecimento do direito de propriedade.” BENJAMIN. Anais do Congresso Internacional de Direito Ambiental, p. 20.

4 Idem, ibidem, p. 27 e 28.5 Nesse sentido, invoca o autor a lição de Osny Duarte Pereira acerca de previsão de igual

teor já existente no Código Florestal de 1934: “Sua conservação não é apenas por interesse público, mas do interesse direto e imediato do próprio dono. Assim como ninguém escava o terreno dos alicerces de sua casa, porque poderá comprometer a segurança da mesma, do mesmo modo ninguém arranca as árvores das nascentes das margens dos rios, nas encostas das montanhas, ao longo das estradas, porque poderá vir a ficar sem água, sujeito a inundações, sem vias de comunicação, pelas barreiras e outros males conhecidos resultantes de sua insensatez”. PEREIRA Apud FREITAS. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais, p. 139.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 69 19/11/2015 10:44:30

Page 64: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

70 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

em razão de a imposição ser de caráter geral, atingindo a todas as propriedades do Brasil.

Quanto às previstas no artigo 3º do Código, o que define, segundo o autor, o dever de indenizar é a inviabilidade do uso. “Portanto, se o ato administrativo inviabilizar por completo a utilização do bem pelo proprietário, fulminando a fruição do direito, ele acabará equivalendo a uma verdadeira expropriação. Surgirá, daí, o dever de reparar.”6

Nessa linha de sustentação, o pensamento de Paulo Affonso Leme Machado, que afirma a gratuidade da constituição da Reserva Florestal Legal, ao argumento de que a obrigação de instituir e manter tal reserva atinge genericamente todas as propriedades rurais privadas, afirmando ainda que a incidência do princípio da função social da propriedade seria determinante da gratuidade em questão.7

Nesse mesmo sentido, aliás, constata-se o pensamento de inúmeros estudiosos do tema.8

Édis Milaré salienta a função social e ambiental da propriedade como determinante do dever do proprietário rural de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente, qualificando tal obrigação como de caráter real imposta ao proprietário do bem, “mesmo não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento”.9

Todavia, com a devida vênia dos cultos tratadistas da matéria, não nos parece a melhor conclusão a que sustenta não serem as áreas reservadas em propriedades privadas indenizáveis, com base, de um lado, na função social da propriedade, porque elemento interno,

6 Idem, ibidem, p. 140 e 141.7 “Considerada a generalidade da obrigação de instituir reservas florestais, não cabe inde-

ni zação ao proprietário por parte do Poder Público. A obrigação de instituir e manter a reserva não grava um proprietário somente, mas todas as propriedades rurais privadas. Aplicam-se, concretamente, dois princípios constitucionais: ‘a propriedade atenderá a sua função social’ (art. 5º, XXIII) e ‘a função social é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente’ (art. 186 da CF).” MACHADO. Direito Ambiental brasileiro, p. 642.

8 DANELUZZI. Revista de Direito Ambiental, n. 5, p. 77. CALÇAS. Revista de Direito Ambiental, n. 6, p. 70. PACCAGNELLA. Revista de Direito Ambiental, n. 8, p. 15 e seguintes. CUSTÓDIO. Revista de Direito Ambiental, n. 12, p. 6 e seguintes. COSTA. Revista de Direito Ambiental, n. 18, p. 151. LEUZINGER. Revista de Direitos Difusos, v. 5, p. 587 e seguintes.

9 “É com base nesse princípio que se tem sustentado, por exemplo, a possibilidade de imposição ao proprietário rural do dever de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, mesmo não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento, certo que tal obrigação possui caráter real — propter rem —, isto é, uma obrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for, bastando para tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor.” MILARÉ. Direito do Ambiente, p. 121.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 70 19/11/2015 10:44:30

Page 65: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

71CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

configurador do perfil do direito de propriedade, e, de outro, com base na suposição de que tais incidências sobre terras privadas constituam meras limitações administrativas, não sendo ipso facto indenizáveis.

De fato, em primeiro lugar, o tratamento constitucional dado ao tema função social da propriedade indica que o não cumprimento dessa função, pelo proprietário, enseja consequências estabelecidas com o caráter de sanção.

Com efeito, quanto aos imóveis urbanos estabelece-se a pena-lidade de desapropriação, mediante o pagamento em títulos da dívida pública, quando descumpram sua função social, nos termos do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal.

De outra parte, preconiza o artigo 184 da Constituição a desa pro-priação por interesse social, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante o pagamento em títulos da dívida agrária.

Assim, se é verdade que o direito de propriedade pode ser extinto em razão do descumprimento de sua função social, também o é o fato de que tal extinção se faz por desapropriação, mediante o pagamento de indenização.

Ou seja: o cumprimento da função social da propriedade, embora cogente sua implementação, nos termos da Constituição e das leis disciplinadoras, não se constitui em encargo exclusivo do proprietário; e, embora elemento integrante do perfil do direito de propriedade, o custo de sua concretização, em último caso, deve ser distribuído à coletividade, porque sua não implementação conduz à desapropriação, mediante pagamento, aliás, do justo preço, embora em títulos, o que reafirma que o ônus da realização da função social da propriedade se configura em dever de toda a sociedade, e não exclusivamente do proprietário.

A função social da propriedade, assim, embora constituindo fator interno ao direito de propriedade, determinante de seu perfil, configura um dever de toda a coletividade, evidenciando que, se de um lado o descumprimento desse dever pelo proprietário é determi nante da sanção, consistente em desapropriação sem o pagamento prévio em dinheiro, de outro, determina à coletividade tal pagamento, em bora parcelado e em títulos públicos, impondo-se, a partir daí, ao Poder Público o dever de realizar essa função social, por si ou por terceiros.

Conforme já afirmamos, o instituto da desapropriação no tratamento conferido por nosso ordenamento jurídico é fator de afir-mação do direito de propriedade, uma vez que preconiza a substituição desse direito pela justa indenização, considerada como aquela que

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 71 19/11/2015 10:44:30

Page 66: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

72 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

permita ao desapropriado adquirir outro bem de igual valor ao que lhe é retirado.

Destarte, não apenas se reafirma o direito de propriedade que não pode ser retirado sem a indenização correspondente ao seu valor, mas também se afirma o princípio basilar do nosso ordenamento, consistente no princípio da igualdade.

O pagamento da indenização justa distribui a carga da realização da desapropriação por toda a coletividade.

Assim, a extinção do direito de propriedade por desapropriação é determinante da distribuição de seu custo à coletividade, seja quanto ao pagamento antecipado em dinheiro, seja quanto ao pagamento a prazo em títulos públicos, o que implica o reconhecimento do direito de propriedade em toda a sua extensão.

Inexistisse essa forma de extinção do direito indenizada e fosse permitido seu exaurimento nas hipóteses em que o ordenamento reclama a propriedade, por razões de necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, ou descumprimento da função social da propriedade, sem indenização, e estar-se-ia diante da negação do direito de propriedade.

Assim, fosse possível a retirada da propriedade de seu titular, sem indenização, pelo descumprimento da função social da propriedade, e seria viável a tese de que o fato de essa função integrar o conteúdo da propriedade seria determinante de sua extinção pela sua não imple-mentação pelo proprietário.

Todavia, exigindo-se a indenização e a justa indenização, confor-me prevê a Constituição Federal, mesmo diante do ilícito consis tente no descumprimento da função social da propriedade, evidencia-se que essa função, embora constituindo elemento interno conformador do direito de propriedade, seu implemento configura um dever de toda a sociedade, sendo, ipso facto, seu descumprimento pelo proprietário determinante da desapropriação, mediante o pagamento da justa indenização.

Destarte, a retirada da propriedade de seu titular que não cumpra a sua função social não deve ser vislumbrada simplesmente como uma sanção, mas também como um sacrifício de direito.

De fato, como se pode perceber, a Constituição e as leis que dis ciplinam a retirada da propriedade, pelo não cumprimento de sua função social, objetivam, com a retirada do imóvel do proprietário inadimplente, exatamente a implementação da função social da pro-priedade, seja por obra do Poder Público expropriante, seja pelo futuro adquirente do bem assim expropriado.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 72 19/11/2015 10:44:30

Page 67: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

73CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

Ou seja, paga-se o justo preço da integralidade do bem expropriado, para implementar-se nele a sua função social.

Portanto, se assim é, razão não há para invocar a função social da propriedade rural como fundamento para o não pagamento de indenização de propriedade privada individual que venha a ser onerada, com a incidência de sacrifício de direito, em prol do atendi-mento dessa função, que se constitui em custo tributável a toda a coletividade, como visto.

Por outro lado, não nos parece se possam qualificar tanto as florestas de preservação permanente como as reservas legais em meras limitações administrativas.

É notório que para qualificar tais áreas reservadas como limi-tações ao direito de propriedade os estudiosos ambientalistas têm-se limi tado a invocar dois aspectos que caracterizam as limitações, consis-tentes no fato de atingirem elas genericamente todas as propriedades rurais, de um lado, e, de outro, decorrerem da lei.

Ocorre que há um aspecto relevantíssimo, que a nosso ver não é considerado nessa construção e que Celso Antônio Bandeira de Mello, com sua habitual maestria, arrola, consistente na “especial sujeição à utilidade pública”, de sorte que se proporcione a parcial fruição direta do próprio bem, seja pela Administração, seja pela coletividade, a caracterizar com isso a servidão e não a mera limitação.10

Com efeito, a utilidade que se colhe das limitações administrativas não advém diretamente delas mesmas, eis que sempre ostentam o caráter instrumental, proporcionando o benefício sempre indiretamente, em razão de uma abstenção que com elas se objetiva.

É a ideia de preservação da ordem existente que anima as me-didas ou restrições de polícia, em que se aninham as limitações.

É por isso que Celso Antônio Bandeira de Mello, na lição em referência, distingue as limitações das servidões também pelo aspecto em que vislumbra um non facere nas limitações, ou seja, uma obrigação de não fazer, enquanto nas servidões afirma a existência de um dever de suportar, um pati.

10 “Nas servidões administrativas há um ônus real — ao contrário das limitações —, de tal modo que o bem gravado fica em especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem (simultaneamente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral).” BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 765.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 73 19/11/2015 10:44:31

Page 68: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

74 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

As limitações administrativas não são indenizáveis, porque configuradoras do desenho do próprio perfil do direito de propriedade,11 enquanto que as servidões, porque retiram parcela desse direito em prol ou da Administração Pública, ou diretamente em favor da comunidade, são, em princípio, indenizáveis, sempre que signifiquem sacrifício econômico do proprietário.12

Pois bem, o que se almeja com as áreas verdes cuja preservação é imposta aos proprietários rurais?

O que se quer e se retira delas é a contribuição ao equilíbrio do meio ambiente, que as florestas proporcionam. É a melhoria ou pre-servação da qualidade de vida para toda a coletividade, que advém das áreas verdes, o que ninguém nega.

Ao exame específico da matéria, afirma Celso Antônio Bandeira de Mello essa circunstância quanto às reservas florestais, vislumbrando nelas o caráter de servidão, verbis:

Pelo contrário, na esmagadora maioria dos casos de tombamento pelo Patrimônio Histórico quando são atingidos algum ou alguns especi-ficados bens ou nas hipóteses de declaração de que certa área passa a ser reserva florestal e que, em conseqüência, as árvores não podem ser cortadas há uma individualização do bem objeto do ato imperativo da Admi nistração que traz consigo um prejuízo econômico manifesto para o proprietário.Suponha-se que alguém adquira uma fazenda e intente fornecer ma-deira, ou aproveitá-la industrialmente, dada a existência de numerosas árvores. Se as florestas em questão vierem a ser declaradas reservas do Estado, há um agravamento manifesto na esfera do proprietário atingido. Em nome do princípio da “igualdade dos ônus dos adminis-trados em face do Estado”, cabe indenização. A entender-se de outro modo, alguns seriam forçados a suportar desproporcionalmente ônus estabelecidos em nome do interesse de todos, no que estaria ferido o princípio constitucional da isonomia.13

11 Essa a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, com suporte em Renato Alessi: “Convém desde logo observar que não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direito de propriedade. Estes últimos são as expressões daquelas, porém, tal como admitidas em um dado sistema normativo. Por isso, rigorosamente falando, não há limitações administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade — é a brilhante observação de Alessi — uma vez que estas simplesmente integram o desenho do próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele. Há, isso sim, limitações à liberdade e à propriedade”. BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 693.

12 Essa é também a observação de Celso Antônio Bandeira de Mello, no sentido de que nem sempre são indenizáveis as servidões, pois para que o sejam é de mister a ocorrência de prejuízo ao titular da propriedade sobre a qual incidem. Idem, ibidem, p. 766.

13 BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 766.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 74 19/11/2015 10:44:31

Page 69: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

75CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

Também Cirne Lima, ao exame da matéria à luz do anterior Código Florestal, qualificava tais reservas como servidões adminis-trativas:

Servidão administrativa “para certo fim” (art. 695, Código Civil) recai sobre as florestas protetoras, de propriedade privada, as quais, além de não poderem ser alienadas, sem que aquela restrição as acompanhe (art. 8º, Código Florestal), estão sujeitas, no que respeita à sua condição específica, não mais ao arbítrio do proprietário, senão às determinações das autoridades competentes, a benefício do serviço público florestal, especialmente “quanto ao replantio, à extensão e à oportunidade da exploração (art. 11, Código Florestal).14

Assim, parece-nos amoldarem-se perfeitamente tais restrições ao direito de propriedade na figura da servidão, sendo, portanto, em prin cípio indenizáveis as áreas reservadas em questão.

Todavia, quanto à indenização, cabe a ponderação de que se a reserva permanente prevista no Código Florestal atender aos interesses do proprietário do imóvel, tais como evitar erosões, desabamentos de terra nas encostas dos morros, ou mesmo a preservação das águas que cortam a propriedade, etc., não se pode pensar em distribuição dos encargos pela coletividade, devendo, pois, cada situação ser examinada casuisticamente.

O mesmo, todavia, não se passa com a reserva legal, parecendo-nos, pelas disposições legais que as preveem, serem sempre constituídas no interesse da coletividade, sendo, portanto, sempre indenizáveis.

Cabe examinar se eventual ação de indenização pelo estabele-cimento dessas Reservas Legais estaria prescrita, eis que sua previsão já se faz distante no tempo, incidindo desde a edição do Código Florestal.

Afigura-se-nos inexistente prescrição quanto a essa ação indenizatória.

Com efeito, dispõe o §8º do artigo 16 do Código Florestal, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que a área de Reserva Legal deve ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel rural, no Registro Imobiliário, estabelecendo ainda a vedação de alteração de sua destinação em casos de transmissão a qualquer título.

De outra parte, o §4º do mesmo artigo fixa que a localização da Reserva Legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou mediante convênio pelo órgão ambiental municipal ou

14 CIRNE LIMA. Revista de Direito Público, n. 5, p. 26, jul./set. 1968.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 75 19/11/2015 10:44:31

Page 70: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

76 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

outra instituição devidamente habilitada, havendo de ser considerada no processo de aprovação a função social da propriedade.

Assim sendo, a lei em tese não poderia fazer fluir o prazo pres-cricional, que somente se inicia pela incidência em concreto do comando legal sobre seus destinatários, que se verifica com a averbação da Reserva Legal no Registro Imobiliário.

4.2 A servidãoConsiderando a conclusão quanto à indenização exigível pelas

injunções supraexaminadas, cabe, todavia, ponderar que a indenização deve corresponder ao efetivo prejuízo do proprietário rural, que necessariamente não corresponde à perda da área, mas simplesmente ao valor suprimido de seu uso, ou seja: sua rentabilidade presumível.

Nesse sentido, Adilson Abreu Dallari, chamando à colação os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, averba:

A servidão embora afete apenas o atributo da exclusividade, que deixa de existir, é uma privação parcial e, assim, em princípio indenizável. Mas intervém com rara argúcia Hely Lopes Meirelles, o que se indeniza não é a propriedade, mas o prejuízo eventualmente causado pelo uso público. Em resumo remanesce para o Estado o dever de indenizar somente quando e na medida em que a instituição de uma servidão administrativa causar um prejuízo ao titular da propriedade privada. Isto, entretanto, somente pode ser verificado em cada caso concreto.15

Como salienta José Carlos de Moraes Salles, não se confunde a servidão com a desapropriação, na medida em que nesta ocorre a transferência da propriedade ao Poder Público, enquanto naquela não se verifica a retirada do domínio do proprietário, mas somente a imposição do ônus de submeter a propriedade à utilidade pública.

Por essa razão entende também com Hely Lopes Meirelles que na servidão não se indeniza a propriedade, mas sim o prejuízo que tal uso venha a causar ao titular do domínio.16

Nesse mesmo sentido, ao afirmar indenizáveis as servidões admi nistrativas, com os mesmos fundamentos que justificam a indenização das desapropriações por utilidade pública, afirma Diez

15 DALLARI. Revista de Direito Público, n. 59/60, p. 96, jul./dez. 1981.16 SALLES. Revista de Direito Público, n. 12, p. 93, abr./jun. 1970.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 76 19/11/2015 10:44:31

Page 71: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

77CAPÍTULO 4AS INDENIZAÇÕES AMBIENTAIS

que a indenização deve ser proporcional ao valor da quota-parte ideal do direito de propriedade subtraído pela servidão.17

Entretanto, quando o sacrifício de direito atinge a totalidade da propriedade, não mais cabe pensar na figura da servidão, mas sim na da desapropriação, o que será determinante da indenização integral.

Exemplos dessa situação verificaram-se com o estabelecimento de parques em propriedades privadas, como ocorreu no Estado de São Paulo, com a criação do Parque Estadual da Serra do Mar, que deu margem a questionamentos judiciais por parte dos proprietários atingidos, gerando indenizações fixadas judicialmente, de graves consequências para os cofres estaduais.18

Considere-se, como se tem notícia, que o Estado de São Paulo, por sua procuradoria, vem impugnando os valores fixados ao argumento de que tais condenações de grande vulto teriam sido lastreadas em perícias seriamente questionáveis.

Finalmente, considere-se que as indenizações foram fixadas por sentenças judiciais, com trânsito em julgado ocorrido.

Evidencia-se, assim, a hipótese de fixação de indenizações em descompasso, para mais ou para menos, com o valor real da pro-priedade desapropriada.

É evidente que o comando constitucional da justa indenização fica prejudicado, comprometendo a higidez da sentença judicial, que ao fixar a indenização em valor menor ou maior do devido afronta o preceito da justa indenização, sendo, pois, vulneradora da Constituição Federal.

17 “Dijimos que la indemnización en esta materia tiene el mismo fundamento y la misma función que en la expropiación por causa de utilidad pública; en esta última, estando sacrificado el derecho entero, debe corresponder una indemnización igual al íntegro valor económico de la cosa. En la servidumbre, habiéndose sufrido solamente una parte de ese derecho, la indemnización debe ser proporcional al valor de la cuota ideal que se ha sustraído.” DIEZ. Derecho Administrativo, p. 200.

18 O Estado de São Paulo, em 30 de agosto de 1977, baixou o Decreto nº 10.251 criando o Parque Estadual da Serra do Mar, fixando em seu artigo 2º a área abrangida pelo parque, de 315.000 hectares, com a descrição do respectivo perímetro. De outra parte, o artigo 6º desse diploma declarou de utilidade pública, para fins de desapropriação, “as terras de domínio privado abrangidas pelo parque”, de forma genérica e não identificadas as áreas ou seus proprietários. Entretanto, não obstante tivesse sido reduzido o número de desapropriações efetuadas pelo Poder Público, inúmeras ações de indenização por desapropriação indireta foram propostas contra o Estado de São Paulo, ao argumento de que a criação do Parque Estadual havia subtraído aos proprietários o conteúdo do direito de propriedade. Essa questão ostenta grande significado para as finanças estaduais, vez que o Estado de São Paulo sofreu condenações milionárias em razão das chamadas ações ambientais imobiliárias, disso decorrendo condenações com trânsito em julgado, com escoamento do prazo para a propositura de ações rescisórias.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 77 19/11/2015 10:44:31

Page 72: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

78 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Ante tal possibilidade, parece-nos pertinente o exame da coisa julgada inconstitucional. É o que faremos no próximo capítulo deste trabalho.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 78 19/11/2015 10:44:31

Page 73: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 5

DESAPROPRIAÇÃO DE BENS PÚBLICOS

São os bens públicos passíveis de desapropriação?A desapropriação significa o sacrifício de direito imposto ao

proprietário do bem unilateralmente, mediante uma indenização.Para que se possa pensar em desapropriação de bens públicos

é necessário sustentar-se a possibilidade de o Ordenamento Jurídico conferir a uma pessoa pública impor a outra pessoa pública o sacrifício do direito de propriedade, mediante o pagamento de uma indenização, como também a possibilidade de uma pessoa pública impor sanção a outra, pelo descumprimento da função social da propriedade.

O Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, prevê em seu artigo 2º, §2º, a possibilidade da desapropriação dos bens de domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios pela União, e os dos Municípios pelos Estados, fixando que em qualquer caso ao ato expropriatório deve preceder autorização legislativa.

O §3º do mesmo artigo 2º proíbe a desapropriação pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas, cujo fun ciona-mento dependa de autorização do Governo Federal, salvo mediante prévia autorização, por decreto, do Presidente da República.

A primeira questão reside na indagação, quanto à recepção dos dispositivos arrolados, pela atual Constituição.

O artigo 1º da nossa Carta Política define a República Federativa do Brasil pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito.

De seu turno, o artigo 18 do Texto Constitucional, ao tratar da organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, assegura a autonomia das Pessoas Políticas da Federação.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 79 19/11/2015 10:44:31

Page 74: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

80 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Uma segunda indagação se segue: poderia colher-se da Consti-tuição a previsão dessa organização, em situação hierarquizada ou horizontal?

A distribuição de competências das Pessoas Políticas da Fede-ração se colhe do mesmo Texto Constitucional.

Daí acudir-nos a indagação: pode a União desapropriar um bem municipal utilizado no exercício de sua competência constitucional específica?

Tome-se como exemplo um bem utilizado no serviço público de transporte urbano de passageiros, que o artigo 30, inciso V, da Constituição afirma competir ao Município, atribuindo-lhe caráter essencial, pode ser objeto de desapropriação pela União Federal?

Pode a União desapropriar bem do Estado, utilizado na exploração de gás canalizado, cuja competência de exploração é dos Estados Federados — art. 25, §2º da Constituição da República?

A posição do Supremo Tribunal Federal, ao exame do Recurso Extraordinário nº 172816-7, relator o Ministro Paulo Brossard, afirmou enfaticamente a regra do Decreto-Lei nº 3.365/41, citando os precedentes nesse sentido da Corte: RE nº 20.149, MS nº 11.075, RE nº 115.665 e RE nº 111.079.

Celso Antônio Bandeira de Mello, em parecer solicitado pelo Município de Valinhos, publicado na RDP 29/47, solucionou a seguinte questão:

O Município de Valinhos adquiriu uma adutora, para resolver seu problema de abastecimento de água, existente em um imóvel pertencente ao Município de Campinas, parcialmente situado no Município de Vinhedo.

O Município de Vinhedo, inconformado com a situação, não obstante não dependesse dessa adutora para o seu abastecimento de água, que era efetuado pelas águas do Rio Capivari, bombeadas apenas uma vez por semana, promoveu a declaração de utilidade pública, preordenada à desapropriação do imóvel, declarando a urgência, para fins de imissão provisória de posse, sem declarar todavia a finalidade da desapropriação.

Em aludido parecer, o ilustre jurista afirma que a classificação do Código Civil sobre os bens públicos compreende uma classificação decrescente, de interligação com a utilidade pública e, consequentemente, que o grau de proteção que devem merecer encontra-se justamente na relação direta que tais bens tenham com o interesse público.

Com isso, concluiu o magno professor, que em conflitos sus-citados sobre bens públicos, por diferentes pessoas políticas, com

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 80 19/11/2015 10:44:31

Page 75: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

81CAPÍTULO 5DESAPROPRIAÇÃO DE BENS PÚBLICOS

idênticas atribuições constitucionais, a preponderância da proteção deve ser solvida pela maior satisfação do interesse público que a sua utilização possa proporcionar.1

Com efeito, tratando-se de duas pessoas políticas de igual estatura na Federação, não caberia a qualquer delas invocar uma posição de supremacia em relação à outra.

Conclui o douto jurista que o Município de Vinhedo não poderia desapropriar o bem em questão, tendo em conta tratar-se de imóvel adstrito à satisfação de uma necessidade pública de Valinhos, não cabendo a uma pessoa política de igual estatura a supremacia que lhe permitiria desapropriar bens de terceiros.

A ilustre Professora Letícia Queiroz de Andrade, em seu Desa­propriação de bens públicos, sustenta a possibilidade de desapropriação entre as pessoas políticas componentes da nossa Federação pela prevalência do interesse público posto em confronto.2

Assim, conclui que o interesse primário, o interesse público, eventualmente, em confronto com o interesse secundário, ainda que pertinente a pessoas públicas, há que prevalecer.

Nesse passo, admite a desapropriação de bens que se encon trem alocados a um interesse público se a destinação pela qual se desapropria for de interesse público de maior abrangência (essa maior abran gência refere-se ao número de beneficiários que o oferecimento da utilidade pública possa alcançar).

Utiliza-se a escala progressiva do art. 2º, §2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 para o exame da maior abrangência: interesse nacional, regional e local.3

1 “Nas relações controvertidas incidentes sobre bens públicos, se as partes conflitantes perseguem interesses jurídicos do mesmo nível, prepondera a proteção incidente sobre o bem público, quando o grau de adstrição dele à satisfação de um interesse coletivo atual se sedia nas escalas em que é mais elevado seu comprometimento com a realização imediata de uma necessidade pública.”

2 Desapropriação de Bens Públicos. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 94: “Ou seja, a supremacia de um interesse com outro se justifica na medida em que o interesse preponderante propicie maior benefício social que o outro, porquanto a superação de interesses legítimos deve-se à necessidade de prover o bem-estar social, sendo essa a razão pela qual esse interesse merece tratamento jurídico privilegiado. Por essa razão, não é difícil imaginar que mesmo entre os interesses públicos possa se configurar essa desigualdade jurídica que constitui pressuposto para o desencadeamento da força expropriatória: basta que, entre os dois interesses públicos em conflito, um seja capaz de oferecer maior benefício social que outro, para que o primeiro deva prevalecer sobre o segundo”.

3 “A validade desse dispositivo legal e a aplicabilidade da escala expropriatória nele referida dependem de que se dê uma interpretação restritiva, no sentido que constituem um mecanismo para resolução de conflitos entre os interesses públicos primários atribuídos a essas pessoas, pelo qual o interesse nacional prevalecerá sobre o interesse regional e local e, o interesse regional sobre o local” (op. cit., p. 138).

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 81 19/11/2015 10:44:31

Page 76: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

82 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Nenhuma pessoa pode desapropriar bem não situado em seu território e nem são passíveis de desapropriação os bens atribuídos às pessoas políticas pela Constituição (art. 20, incisos II a XI e 176 e 26, incisos I a IV).4

Nossa posição: entendemos que se o bem estiver alocado a um serviço ou utilidade pública, dentro das atribuições constitucionais da pessoa política, não há a possibilidade de desapropriação, por violar o pacto Federativo, que se constitui em cláusula pétrea, vez que o art. 60, §4º, inciso I, da Constituição da República veda a deliberação de emenda tendente a abolir “a forma federativa de Estado”.

Nossa Federação não foi disciplinada no sentido de prevalência de uma pessoa política sobre a outra, mas preconiza uma distribuição de competências, que são indeclináveis e imunes a ingerência de uma pessoa na outra.

Destarte, parece-me não recepcionado o artigo 2º, §2º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 pela Constituição de 1988.

Todavia, os bens dominicais que não estejam alocados ao exer-cício das competências constitucionais das pessoas políticas, ou mesmo de sua administração indireta, podem ser passíveis de desapropriação para uma finalidade pública desde que comprovada.

Para tanto, permito-me fazer o exame do artigo 20 do Decreto-Lei nº 3.365/41, que não se aplica nessa hipótese, devendo a questão de mérito da desapropriação ser discutida em sede de conhecimento na ação expropriatória, com a ampla defesa e o contraditório inerente.

Assim, somente o exame do caso concreto pode justificar ou não a desapropriação.

Finalmente, existindo conflito entre entidades públicas quanto ao mesmo bem público passível de desapropriação, a prevalência do interesse público mais relevante será evidentemente o critério para a solução da questão.

Vale dizer que esses interesses públicos, colocados ao cotejo sujeitar-se-ão à ponderação, havendo de pender a escolha para o que for dotado de maior peso, no caso concreto, efetuando-se a comparação mediante a aplicação da espécie proporcionalidade em sentido estrito, pela qual haverá de ser determinada a maior vantagem de um dos interesses públicos, com o menor sacrifício possível do outro.

4 Op. cit., p. 138.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 82 19/11/2015 10:44:31

Page 77: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 6

A RETROCESSÃO

Designa-se por retrocessão a consequência jurídica cuja arguição é facultada ao desapropriado ante a ocorrência da invalidade na de-sapropriação, pela incidência do desvio de finalidade havida quando da efetivação do seu sacrifício do direito de propriedade pelo Poder Público expropriante.

A retrocessão, bem como a possibilidade da sua arguição, ante o aludido vício de desvio da finalidade na desapropriação, inde-pende de qualquer previsão legal, vez que consiste numa decorrên-cia lógica da previsão da desapropriação no ordenamento jurídico constitucional, bem como do princípio da igualdade e do princípio do Estado Democrático de direito, que coloca o Estado sob as regras do Ordenamento Jurídico.

Cabe, todavia, considerar que ante a necessidade, normalmente incidente, da celeridade do processo de desapropriação, o pleito de retrocessão haverá de ser efetivado em ação autônoma e posterior à efetivação da desapropriação.

Com efeito, tendo em conta que a desapropriação configura uma prerrogativa do Poder Público, que lhe é conferida pela Consti tuição Federal, para o exercício da função administrativa, ensejando-lhe impor sacrifício de direito ao seu titular, mediante correspondente inde nização, efetivamente, regra geral, nada tem o desapropriado que ques tionar no processo expropriatório, salvo o preço, para atender-se o pressuposto constitucional da justa e prévia indenização.

Declarada a utilidade pública de um bem, para efeito de desa-propriação, desde que a hipótese na mesma apontada se subsuma em uma das hipóteses da lei, normalmente, nada cabe ao desapropriado objetar quanto ao mérito da declaração.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 83 19/11/2015 10:44:31

Page 78: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

84 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Entretanto, se motivo houver para impugnar o motivo deter-minante da desapropriação, poderá o proprietário utilizar-se da ação direta.

Pode ocorrer, de outra parte, que ao depois de efetivada a desa-pro priação venha a evidenciar-se o desvio do motivo em que se assentou a desapropriação.

Assim, é possível a ocorrência daquilo que a doutrina denominou de tredestinação, ou tresdestinação, como prefere Carlos Mário da Silva Velloso,1 do bem expropriado, que nada mais consiste senão a alteração da destinação do bem expropriado, em cotejo com o motivo legal, que fundamentara a desapropriação.

Pode dar-se também a hipótese da omissão da Administração em dar ao bem expropriado o destino para o qual a desapropriação se efetivou, constante da declaração de utilidade/necessidade públicas, ou da declaração de interesse social, não lhe conferindo qualquer destinação.

A questão que se coloca nessa hipótese é a seguinte: verificada a tredestinação do bem, ou caracterizada a inexistência do motivo determinante do ato da desapropriação, pela omissão da Administração em dar ao mesmo o destino previsto ao bem, qual o direito que nasce para o Administrado.

6.1 A previsão legal da retrocessão em nosso OrdenamentoConforme afirmado antes, a existência da retrocessão jamais

dependeu de lei, vez que estabelecendo a Constituição o instituto da desapropriação, bem como as hipóteses para a sua ocorrência, e con sistindo a mesma em sacrifício de direito, somente pode ser enten-dida em sentido estrito, ou seja: não ocorrentes as hipóteses elenca-das na Constituição da República para sua efetivação, evidencia-se da manutenção da desapropriação sem causa a violação do direito de propriedade, de berço constitucional, bem como a violação do princípio da igualdade, ao desigualar alguém especificamente dos demais administrados.

Todavia, cabe referir que nosso Ordenamento, em nível legal, vem expressamente tratando do instituto da retrocessão, e quando

1 VELLOSO, Carlos Mário. Da retrocessão na desapropriação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 257 a 281 Apud WALD, Arnold (Org.). O Direito na década de 80: estudos jurídicos em Homenagem a Hely Lopes Meirelles.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 84 19/11/2015 10:44:31

Page 79: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

85CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

não o fez, haveria de ser esta subentendida na própria previsão da desapropriação.

A desapropriação já era prevista entre nós desde a Constituição do Império de 1824, que a estabelecia como única exceção ao direito de propriedade, garantido “em sua plenitude”, cometendo à lei disciplinar os casos de sua ocorrência, a significar a sua efetivação fora das hipóteses legais uma nítida violação dessa plenitude de direito. Confira-se o artigo 179, inciso 22, da Carta Constitucional do Império:

É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção e dará as regras para se determinar a indenização.

Todavia, em 1836, pela Lei Provincial nº 57, foi conferido ao expropriado o direito de recorrer à Assembleia Legislativa Provincial para haver a restituição da propriedade, como anota Rogério Tadeu Romano.2

Também a Constituição Republicana de 1891 previu em seu artigo 72, §17, a desapropriação, nos seguintes termos:

§17 O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, sal-vo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Observava-se, portanto, o condicionamento do sacrifício de direito à necessidade ou utilidade pública como uma ressalva à plenitude do direito de propriedade, o que tornava evidente a ilicitude da efetivação desse sacrifício não ocorrentes as hipóteses constitu-cionalmente previstas para a sua efetivação.

Tenha-se em conta que Nova Consolidação das Leis Civis, vigente em 11 de agosto de 1899, em seu artigo 855 dispunha:

2 A Lei Provincial nº 57, de 18 de março de 1836, veio disciplinar o instituto da desapro-priação e cogitou no instituto da retrocessão no artigo 5º, ao dispor que o processo de desapropriação deveria ser expedido administrativamente, sem formalidades judiciárias, somente havendo recurso ordinário sobre o quantitativo da indenização que fosse arbitrada, concluindo pela possibilidade de recurso à Assembleia legislativa provincial para a restituição da propriedade. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/42463/alguns-comentarios-sobre-a-retrocessao-nas-desapropriacoes#ixzz3qFhjU5IG>.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 85 19/11/2015 10:44:32

Page 80: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

86 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Se verificada a desapropriação, cessar a causa que a determinou ou a propriedade não for aplicada ao fim para o qual foi desapropriada, considera-se resolvida a desapropriação, e o proprietário desapropriado poderá reivindicá-la.3

De outra parte, em 26 de agosto de 1903, foi editada a Lei nº 1.021, cujo artigo 2º, §4º, preconizava:

Se por qualquer motivo não forem levadas a efeito as obras para as quais foi decretada a desapropriação, é permitido ao proprietário reaver seu imóvel, restituindo a importância recebida, indenizando as benfeitorias que porventura tenham sido feitas e aumentado o valor do prédio.

O Código Civil de 1916, em seu artigo 1.150, estabelecia:

A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou.

A Constituição de 16 de julho de 1934 recepcionou esse artigo, vez que seu artigo 113, nº 17, assim dispunha:

É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.

Igualmente não existe qualquer dúvida quanto à recepção do artigo 1.150 do Código Civil de 1916 pela Carta Política de 1937, cujo artigo 122, alínea 14, assim estabelecia:

3 A referência se colhe do voto do ilustre, e sempre referido, Ministro José Delgado, ao julgamento da Ação Rescisória nº 769 - CE (1998/0035391-7), no Colendo Superior Tribunal de Justiça: “O art. 855 da Nova Consolidação das Leis Civis, vigente em 11 de agosto de 1899, previa expressamente a figura da retrocessão, consoante se vê do texto que se segue: ‘Se verificada a desapropriação cessar a causa que a determinou ou a propriedade não for aplicada ao fim para o qual foi desapropriada, considera-se resolvida a desapropriação, e o proprietário desapropriado poderá reivindicá-la.’”

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 86 19/11/2015 10:44:32

Page 81: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

87CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício.

Além disso, tampouco sobeja a menor dúvida quanto à recepção do mesmo dispositivo pela Constituição democrática de 1946, que também dispôs sobre a desapropriação em seu artigo 141, §16, nos seguintes termos:

É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior.

A Constituição de 1967 igualmente previu a desapropriação, como as anteriores, condicionada à ocorrência dos pressupostos para a sua efetivação, consistentes na necessidade ou utilidade pública ou interesse social, conforme o artigo 150, §22:

É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, §1º. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

A Emenda nº 1/69 manteve igual dispositivo.A atual Constituição manteve, entre outras, a desapropriação

tradicional em nosso direito. Quanto à desapropriação por necessidade/utilidade pública

e interesse social, assim dispôs a Constituição em seu artigo 5º inciso XXIV:

a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessi-dade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

De seu turno, o Código Civil atual, editado em 2002, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, igualmente previu, em seu

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 87 19/11/2015 10:44:32

Page 82: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

88 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

ar ti go 519, o direito de preferência do expropriado para readquirir o bem objeto da desapropriação, não sendo dado ao mesmo o destino para o qual fora efetivada a desapropriação.

Como se viu, todas as nossas Constituições, a contar da Constituição Republicana, de 1891, recepcionaram textos legais prevendo o direito de preferência para a aquisição da coisa expropriada em hipótese de retrocessão, sendo evidente, de outra parte, como acima já se afirmou, que a retrocessão, para a sua existência, sempre independeu de previsão legal, encontrando-se contida na própria previsão da desapropriação.

6.2 A natureza jurídica da retrocessãoConforme se viu, o Código Civil de 1916 estabeleceu em seu

artigo 1.150 o direito de o ex-proprietário receber a oferta para aquisição do bem expropriado em hipótese de o Poder Público não lhe ter dado o destino para o qual tenha sido expropriado.

Aludido dispositivo foi inserido no Código Civil na seção II do Título V, dispondo a mesma seção sobre as cláusulas especiais de venda e compra, no tópico pertinente à preempção ou preferência.

Evidentemente a desapropriação está longe de ser um negócio de compra e venda, oriundo de um contrato, vez que nem mesmo a desapropriação efetuada mediante acordo tem essa característica, ante o fato de que o acordo se cinge meramente à fixação do preço e nada mais.

Destarte, caracteriza-se a mesma, tal como a efetuada judicial-mente, como uma retirada compulsória da propriedade pelo Poder Público, ante a ocorrência das hipóteses legais caracterizadoras da necessidade/utilidade pública, ou do interesse social, mediante o pagamento da prévia e justa indenização.

Pois bem, além do disposto no artigo 1.150, o Código de 1916, dentro do mesmo item relativo à preempção ou preferência, em seu artigo 1.149, fixou a imposição ao comprador da obrigação de oferecer ao vendedor a coisa objeto da venda, ou dação em pagamento, para que este usasse seu direito de prelação na compra tanto por tanto.

Como se vê, tratou o Código Civil dessa preferência fixada le galmente, em aquisição compulsória da propriedade, como uma cláusula especial de contrato de compra e venda, quanto ao qual tivesse sido fixando o direito de preferência ou preempção.

O Código também dispunha em seu artigo 1.157 que o direito de preferência, pelo mesmo disciplinado, não era passível de cessão e tampouco transmissível por herança.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 88 19/11/2015 10:44:32

Page 83: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

89CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

Finalmente, o artigo 1.156 do Código Civil de 1916 fixava que o descumprimento pelo comprador do dever de dar ciência ao vendedor do preço e das vantagens que lhe oferecem pela coisa impunha-lhe a responsabilidade por perdas e danos.

Firmou-se, então, uma respeitável corrente de pensamento jurí dico no sentido de que a retrocessão não configurava o direito de reivindicar a coisa desapropriada, em hipótese de não ter sido conferido à mesma o destino pelo qual dera-se a desapropriação.

Configurava-se, assim, segundo tal doutrina, tão somente o direito a haver perdas e danos do Poder Público, ou seja: tratava-se de direito pessoal, cujo inadimplemento se resolvia com perdas e danos.

Além disso, o artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41 reforçava essa ideia, na medida em que estabelecia, como ainda estabelece, que os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação, bem como que qualquer ação nesse sentido julgada procedente haveria de resolver-se em perdas e danos.

Mais ainda ficou esse ponto de vista reforçado, porque na expo-sição de motivos do Decreto-Lei nº 3.365/41, o então Ministro Francisco Campos sustentou a exclusão da retrocessão e da requisição, da disci-plina da desapropriação, ao entendimento de que tais institutos nada tinham que ver com a desapropriação, salientando, outrossim, que na legislação anterior era expresso o direito à reaquisição do imóvel pelo expropriado quando deixasse a Administração de efetuar as obras pelas quais fora decretada a desapropriação.4

A doutrina evoluiu, bem como a jurisprudência. Vejamos.Conforme Carlos Mario da Silva Velloso, a retrocessão, não

obstante ser regulada pelo Código Civil, tem origem na própria

4 Nesse sentido, leciona Paulo Henrique Blasi (Da reaquisição do bem expropriado. São Paulo: Resenha Universitária, 1975, p. 18 e 19): “Na exposição de motivos que justificou a atual lei de desapropriações, o então Ministro Francisco Campos excluiu os institutos da requisição e da retrocessão, no seu entender erradamente assimilados ao da desapropriação, os quais continuavam a reger-se pelo Código Civil. (Exposição, item VIII). O Decreto 3.365 – art. 35 – tornou definitiva a opinião do Ministro ao estabelecer: ‘Os expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente resolver­se­á por perdas e danos’. No regime da lei anterior, o direito à reaquisição do bem expropriado era expresso: ‘Se por qualquer motivo não forem levados a efeito as obras para as quais foi decretada a desapropriação, é permitido ao proprietário reaver o seu imóvel, restituindo a importância recebida, indenizando as benfeitorias que porventura tenham sido feitas, e aumentado o valor do prédio’. (Lei 1.021, de 26.8.1903 – art. 2º, §4º)”.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 89 19/11/2015 10:44:32

Page 84: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

90 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Cons ti tuição Federal, vez que a mesma decorre do direito que tem o desapropriado de reaver o bem quando não se verifique a destinação à finalidade com que fora o bem desapropriado.5

Com efeito, o direito de propriedade é assegurado pela Consti-tuição da República, prevendo a Carta a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, nos termos da lei, à qual cabe estabelecer o procedimento para sua efetivação (art. 5º, incisos XX e XXIV).

De outra parte, conforme o artigo 22, inciso II do mesmo Texto Constitucional, tem a União Federal a competência privativa para legislar sobre desapropriação.

Disso se evidencia que somente a lei pode definir o que con-siste a necessidade e utilidade públicas, ou interesse social, para fim de desapropriação, cabendo igualmente apenas à lei traçar o iter procedimental para que a desapropriação seja efetivada.

Descumprir a lei, procedendo à desapropriação em descon for-midade com aquilo que a lei designa por interesse e utilidade públicas, ou desconforme com o rito legal estabelecido para a efetivação da desa-propriação, significa vulnerar o artigo 5º, inciso XXIV, que define os pressupostos básicos para a ocorrência da desapropriação.

De outra parte, a vulneração do artigo 5º, inciso XXIV, consis-tentes na violação dos pressupostos básicos para desapropriar, signi fica também a violação do direito de propriedade, protegido pelo inci so XXII do mesmo artigo.

O pressuposto da retrocessão decorre, inquestionavelmente, de um desvio de finalidade do ato expropriatório, consistindo em destinar-se o bem expropriado para finalidade diversa daquela para a qual tenha a desapropriação se efetivado ou, ainda, pela caracterização da não utilização do bem em qualquer finalidade.

Existe o mau vezo entre nós de analisar-se institutos constitu-cionais a partir de normas inferiores, olvidando-se o princípio da cons-titucionalidade, que informa todo Ordenamento Jurídico.

Quanto à desapropriação, não é diferente.

5 “A retrocessão é instituto de Direito Público. Sem embargo de estar regulado no Código Civil, art. 1.150, finca ‘raízes no próprio Direito Constitucional da República, de que é titular qualquer indivíduo desapropriado de bem seu , em holocausto ao interesse coletivo’” (apud M. Seabra Fagundes). In: “O Direito na década de 80: estudos jurídicos em homenagem a Hely Lopes Meirelles. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 256.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 90 19/11/2015 10:44:32

Page 85: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

91CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

No Brasil, como refere Diogenes Gasparini, já tivemos lei ex-pressa regulando a retrocessão.6 Referia-se o sempre lembrado e douto administrativista à Lei Federal nº 1.021, de 1903, artigo 2º, §4º, que anteriormente já transcrevemos.

Gilmar Ferreira Mendes, em parecer manifestado ao tempo em que ocupava o cargo de Procurador da República, entende dispensável a previsão legal para a existência do instituto da retrocessão em nosso Ordenamento Jurídico, afirmando-a como preceito decorrente do próprio direito de propriedade.7

O Código Civil de 1916, no Capítulo I (“Da compra e venda”), seção II (“Das cláusulas ESPECIAIS à compra e venda”), na rubrica “Da preempção ou preferência”, estabelecia em seu artigo 1.150, verbis:

A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imó-vel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino para que o foi.

Assim, alocava-se a retrocessão, como um direito de preempção, entre as cláusulas especiais dos contratos de compra e venda, cujo descumprimento ensejava o direito ao pleito de perdas e danos, vez que o artigo 1.156 da mesma rubrica estipulava:

Responderá por perdas e danos o comprador, se ao vendedor não der ciência do preço e das vantagens, que lhe oferecem pela coisa.

Além disso, o artigo 1.157 do Código Civil fixava a impossibilidade de cessão do direito de preferência ou a sua transmissão aos herdeiros.

Francisco Campos, como foi referido, na exposição de motivos do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, expressamente referiu:

6 Direito Administrativo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 679 (obra atualizada por Fabrício Motta).

7 “Tal direito se encontra assegurado pelo art. 1.150 do CC, segundo o qual ‘a União, o Estado, ou o Município, oferecerão ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino, para que se desapropriou’. Todavia, mesmo que não existisse o preceito contido no art.1.150 do CC, entendemos que a retrocessão seria corolário lógico do direito de propriedade assegurado pelo §22 do art. 153 da CF, uma vez que este dispositivo só admite a desapropriação se ocorrer causa de necessidade ou utilidade pública, ou, ainda de interesse social. Em consequência, inocorrendo um desses pressupostos constitucionais, a desapropriação que assim se consumar será manifestamente inconstitucional, ensejando a retrocessão dobem expropriado”. (Revista de Direito Público, v. 86, p. 96, abr./jun. 1988.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 91 19/11/2015 10:44:32

Page 86: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

92 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Deixaram de ser regulados os institutos da requisição e da retrocessão, hoje erradamente assimilados ao da desapropriação, os quais continu-arão a ser regidos pelo Código Civil.

De outra parte, o artigo 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 estabelece:

Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos.

Conforme supra-afirmamos, foram essas as circunstâncias que ensejaram o entendimento de inúmeros juristas, no sentido de que o instituto da retrocessão, em nosso direito, fora reduzido a um direito pessoal, que somente conferia ao desapropriado o pleito de perdas e danos, e com prazo prescricional de cinco anos, em razão do disposto no Decreto nº 28.910, de 06 de janeiro de 1932, cujo artigo 1º assim dispõe:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Entretanto, a desapropriação não se confunde com um contrato de compra e venda, ainda que se verifique de forma amigável a fixação de seu preço. Não se trata, assim, de um negócio jurídico em que se possa estabelecer uma cláusula de direito de preferência.

É patente, pois, que por esse aspecto, não obstante o local do Código onde foi inserido o dever do oferecimento ao expropriado em caso da não destinação do bem para o fim com que foi desapropriado, e pelo mesmo preço (entre as cláusulas especiais do contrato de compra e venda), as consequências do inadimplemento da preempção contratual, e tampouco o seu alcance, podiam atingir esse suposto direito de preempção legal.

A uma, no sentido de transformar a retrocessão em direito pessoal e, a duas, no sentido de torná-la intransmissível aos herdeiros do desapropriado.

Por outro lado, trata-se do direito de propriedade, assegurado constitucionalmente, e que somente é passível de desapropriação por necessidade/utilidade pública ou interesse social.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 92 19/11/2015 10:44:32

Page 87: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

93CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

Quando há um desvio de finalidade na desapropriação, evidencia-se a nulidade do ato de desapropriação, em razão do que é per fei ta mente devida a recuperação do bem pelo expropriado, assumindo, então, a ação o caráter de ação real,8 não se sujeitando à prescrição quinquenal.

Não se afasta, todavia, a hipótese de o desapropriado preferir as perdas e danos em lugar da reivindicação do seu bem.9 Nesse caso, a ação terá caráter pessoal e seu prazo prescricional será de 5 anos.

Todavia, caso resolva desconstituir a desapropriação reivindi-cando o seu bem, qual seria o prazo prescricional?

Nessa hipótese, o prazo seria o da ação reivindicatória, que a jurisprudência consagrou como sendo a do usucapião extraordinário, hoje de 15 anos, nos termos do artigo 1.238 do Código Civil.

6.3 Causas determinantes da retrocessãoA tredestinação do bem expropriado pode, ou não, ser causa de

retrocessão. Significa ela a destinação do bem para outra finalidade pela qual fora desapropriado.

A jurisprudência entende que não há causa para a retrocessão quando a alteração da destinação do bem seja efetuada para outra finalidade pública (desapropria-se para a construção de uma escola pública e se constrói uma casa de saúde).

Todavia, a tredestinação rende ensejo à retrocessão quando o desvio de finalidade ocorrer transferindo-se o bem expropriado para uma finalidade privada.

8 Nesse sentido, comentando a posição da doutrina que sustenta consistir a retrocessão em um direito real, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 919): “Já, os que propugnam pela existência do direito real de reaver o bem sempre se esforçaram diretamente no Texto Constitucional. Hoje a base para tanto reside notadamente no art. 5º, XXIV. É que o nele estatuído, tal como as disposições do passado (mesmo variando suas redações ao longo do tempo), configura o direito de propriedade como direito básico, que só deve ceder à demissão compulsória para a realização de uma finalidade pública”. Disso se extrai que, vindo a falecer tal fundamento, por desistência de aplicação do bem ao des tino que justificaria a expropriação, esvai-se o presumido suporte jurídico para o sacri fí cio do direito de quem o perdeu. Via de consequência, cabe o retorno do bem ao ex-proprietário, ante a insubsistência, ulteriormente patenteada, do arrimo constitucional que a susteria”.

9 Nesse sentido, igualmente, averba Celso Antônio Bandeira de Mello (op. cit., p. 921): “Com efeito, se houver violação do direito de preferência, o expropriado, ao nosso ver, tanto poderá se valer do citado preceptivo, pleiteando perdas e danos, quanto, ao invés disto, optar pela ação de retrocessão, a fim de reaver o bem. O que não poderia, a toda evidência, é pretender simultaneamente o desfrute dos dois direitos, pois o exercício de um exclui o exercício do outro. Há, simplesmente, dois direitos, alternativamente, isto é, excludentemente, postos à disposição do expropriado. Um que lhe advém diretamente da Constituição; outro que lhe foi outorgado pelo Código Civil”.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 93 19/11/2015 10:44:32

Page 88: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

94 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

De outra parte, também a não utilização da coisa expropriada ou a não utilização parcial pode caracterizar a retrocessão.

Com efeito, a não utilização do bem expropriado constitui-se em causa de retrocessão? Quando essa não utilização se caracteriza?

O momento caracterizador da não utilização do bem expropriado é pleno de dificuldades, tendo em conta que, muitas vezes, o interesse público pode reclamar um atraso de obras.

Quanto à desapropriação por interesse social, fixa a Lei nº 4.132/62 em seu artigo 3º que o expropriante tem o prazo de dois anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a desapropriação “e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado”.

Todavia, ao que se refere à desapropriação por necessidade/utilidade pública não há prazo fixado para o início da utilização do bem expropriado, o que é determinante da questão supracolocada.

Lamentavelmente, não há como gizar-se um esquema científico, caracterizador do momento da não utilização do bem expropriado por necessidade/utilidade públicas. Do que se segue, nos parecer que a única solução possível é o exame caso a caso, inclusive tendo-se presente o processo interno, determinante da instauração da desapropriação, do qual é possível colher-se elementos que possam diferenciar um simples atraso do início do aproveitamento do bem, do abandono de sua utilização.

É certo, que a prescrição nesse caso somente começa a correr quando nasça a pretensão, caracterizada pelo abandono da destinação do bem.

Quanto à não destinação parcial, também será caracterizado o direito à retrocessão quando a parte não utilizada for relevante. Havendo sobras de áreas insignificantes, evidentemente não surge o direito à retrocessão.

De outra parte, cabe advertir que a desapropriação por zona, prevista no art. 4º do Decreto-Lei nº 3.365/41, que preconiza hipótese de desapropriação de área contígua, necessária ao desenvolvimento da obra, bem como dispõe sobre as zonas que se valorizarem extraordinariamente em razão da obra a que se destina, estabelece a revenda das áreas não indispensáveis à continuidade da obra, parecendo-nos viável e constitucional a hipótese, não caracterizando ipso facto motivo para a retrocessão.

Prevê o Decreto-Lei nº 3.365/41, no §3º do seu artigo 5º, que a hipótese de desapropriação para a finalidade de loteamento, para a implantação de parcelamento popular, destinado a classes de menor

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 94 19/11/2015 10:44:32

Page 89: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

95CAPÍTULO 6A RETROCESSÃO

renda, não pode ter outra destinação e nem renderá ensejo à retrocessão. Pergunta-se: pode a lei excluir a retrocessão? Parece-nos que não, vez que a mesma, decorrendo do desvio de finalidade da desapropriação, violando com isso, o direito de propriedade, tem berço constitucional.

Assim, de nada vale a proibição legal para excluir a retrocessão. O que pode excluí-la é a caracterização da finalidade pública em que o bem venha a ser destinado, ainda que diferente do motivo declarado para a efetivação da desapropriação.

O Código Civil atual, no artigo 519, tem previsão semelhante ao do artigo 1.150 do Código de 1916. Ostenta, não obstante, importantes diferenças.

O artigo 1.150 do Código de 1916 estabelecia:

A União, o Estado, ou o Município, oferecerá ao ex-proprietário o imó-vel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tenha o destino para que o foi.

O artigo 519 do Código de 2002 estabelece:

Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

Vê-se, em primeiro lugar, que a nova redação trata do direito de preferência não somente em relação a imóvel, pois se refere à coisa expropriada, o que compreende também coisas móveis e semoventes; de outra parte se vê que, na senda da jurisprudência, prescreve a possibilidade da utilização da coisa expropriada para outra finalidade pública, e, finalmente, a diferença substancial consiste no preço para o exercício da preferência, fixada no Código anterior pelo preço em que se efetivara a desapropriação, e no vigente, pelo preço atual da coisa.

Parece-nos, todavia, que o desvio da finalidade não poderá pro-porcionar uma vantagem para a entidade expropriante. Assim, somente caberia exigir-se o preço atual, se maior que o preço da desapropriação, se a alteração de preço se verificar por ação do próprio Poder Público. Caso a valorização seja fruto de questões estranhas à Administração, não lhe cabe a mais valia, com ablação de direito do administrado à valorização que teria obtido, caso não se verificasse o ilícito de parte do Poder Público.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 95 19/11/2015 10:44:32

Page 90: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 7

A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

7.1 A revisão do julgado inconstitucionalAlguns autores vêm sustentando a possibilidade da revisão a

qualquer tempo da decisão judicial, ainda que transitada em julgado, quando ela vulnerar a Constituição Federal.

Nesse sentido a posição defendida por José Augusto Delgado, que, com suporte na lição de Paulo Roberto de Oliveira Lima, em sua obra Teoria da coisa julgada, afirma que a proteção estabelecida pela Constituição Federal à coisa julgada cinge-se à lei superveniente, que não pode atingi-la.

Ou seja, aplica-se o princípio da irretroatividade das leis, frente à decisão judicial transitada em julgado, que não pode ser atingida pela lei nova, devendo ser dela preservada.

Com efeito, para o autor a moralidade é o princípio supremo, existindo absoluta vinculação quanto a este, ao lado do princípio da legalidade, sobrepondo-se ao princípio da coisa julgada.1

Manifesta o ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça sua preocupação quanto às sentenças injustas, decorrentes de decisões violadoras do círculo da moral e tangentes dos limites da legalidade, decisões que vulneram princípios decorrentes da Constituição Federal e que desconhecem a realidade natural das coisas.2

1 “O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos.” DELGADO, José Augusto. In: II SEMINÁRIO DE DIREITO AMBIENTAL IMOBILIÁRIO. Palestra contida em publicação do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Série Eventos, n. 7, p. 196.

2 “A sentença não pode expressar comando acima das regras postas na Constituição nem violentar os caminhos da natureza, por exemplo, determinando que alguém seja filho de

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 97 19/11/2015 10:44:32

Page 91: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

98 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Além disso, lembra o autor que, nos termos do artigo 469, inciso II, do Código de Processo Civil, os fatos originariamente examinados pela sentença não transitam em julgado, disso concluindo que “podem, conseqüentemente, ser revistos em qualquer época e produzirem novas situações jurídicas, em situações excepcionais”.3

Humberto Theodoro Junior e Juliana Cordeiro de Faria tratam excelentemente da matéria, e, embasados nos ensinamentos de Jorge Miranda, invocam o princípio da constitucionalidade como informador da validade ou invalidade de uma norma, por sua conformidade ou desconformidade com a Constituição, expressando a ideia de que, paralelamente ao fato de a Constituição garantir direitos, também deve juridicamente ser garantida:

O princípio da constitucionalidade, que exige para a validade do ato sua conformidade com a Constituição, funciona, nas precisas lições de JORGE MIRANDA, “como a ‘ratio legis’ da garantia jurisdicional da Constituição”. É, pois, o princípio da constitucionalidade que resume a garantia da observância da Constituição, pois a ele se encontra agregada a sanção para o seu desrespeito: a inconstitucionalidade do ato, o que importa em sua invalidade.4

De outra parte, ao exame da noção de coisa julgada que, com base em Liebman, qualificam como “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”, aludindo que “ao conceito de coisa julgada se encontra umbilicalmente ligada a idéia de imutabilidade”,5 e ipso facto de sua irrevogabilidade, culminam por concluir que tal irrevogabilidade deve ser compreendida em seus contornos reais, ou seja:

que a irrevogabilidade presente na noção de coisa julgada apenas sig-nifica que a inalterabilidade de seus efeitos tornou-se vedada através da via recursal e não que é impossível por outras vias.6

outrem, quando a ciência demonstra que não o é. Será que a sentença mesmo transitada em julgado, tem valor maior que a regra científica? É dado ao juiz esse ‘poder’ absoluto de contrariar a própria ciência? A resposta, com certeza, é de cunho negativo.” DELGADO, op. cit., p. 208. Nesse passo, está o autor a se referir à decisão do STJ no sentido de prestigiar a decisão transitada em julgado, que reconhecera a paternidade de alguém, mesmo após superveniente exame de DNA, afirmando negativamente essa paternidade.

3 Idem, ibidem, p. 208.4 THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. Revista da Advocacia Geral

da União, n. 9, p. 6, abr. 2001.5 Idem, ibidem, p. 10.6 Idem, ibidem, p. 12.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 98 19/11/2015 10:44:32

Page 92: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

99CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Referem esses autores como via aberta para tanto pelo ordena-mento a ação rescisória, para as hipóteses preconizadas pelo artigo 485 do Código de Processo Civil.

Fazendo um cotejo da Constituição brasileira com a portuguesa, aludem que, ao contrário do que em Portugal ocorre, a intangibilidade da coisa julgada entre nós sedia-se apenas em sede infraconstitucional, na medida em que a sua proteção se verifica tão somente quanto à lei nova.

Disso concluem que no direito nacional o princípio da intangi-bilidade da coisa julgada é hierarquicamente inferior ao princípio da constitucionalidade.7

Mesmo no Direito português, em que tanto o princípio da imu ta bilidade da coisa julgada como o da constitucionalidade têm sede na Constituição, afirmam os autores a prevalência do segundo, sus ten tando que se a segurança jurídica é bastante para a sustentação da coisa julgada ilegal, o mesmo não se passa com a coisa julgada inconstitucional. Nesse sentido, invocam a lição do jurista português Paulo Otero:

A segurança e a certeza jurídicas apenas são possíveis de salvaguardar ou validar efeitos de actos desconformes com a Constituição quando o próprio texto constitucional expressamente o admite. (...) Fora de tais situações, repete-se, os valores da segurança e da certeza não possuem força autônoma para fundamentarem a validade geral de efeitos de actos inconstitucionais.8

Além disso, cabe referir outro aspecto relevantíssimo salientado pelos autores nesse notável artigo, com base nos ensinamentos de Paulo Otero, que justifica a diversidade de tratamento dado à coisa julgada ilegal e à coisa julgada inconstitucional, e que reside no princípio da separação de poderes, vez que, sendo os tribunais titulares de um poder constituído e não constituinte, detêm “uma soberania exercível nos quadros da Constituição, não podendo criar decisões sem fundamento directo ou em oposição ao preceituado em Lei Fundamental”.

7 “A inferioridade hierárquica do princípio da intangibilidade da coisa julgada, que é uma noção processual e não constitucional, traz como consectário a idéia de sua submissão ao princípio da constitucionalidade. Isto nos permite a seguinte conclusão: a coisa julgada será intangível enquanto tal apenas quando conforme a Constituição. Se desconforme, estar-se-á diante do que a doutrina vem denominando de coisa julgada inconstitucional.” THEODORO JUNIOR; FARIA, op. cit., p. 14 e 15.

8 Idem, ibidem, p. 16.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 99 19/11/2015 10:44:32

Page 93: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

100 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Concluem, assim, que nos sistemas jurídicos como o nosso, em que não há ressalvas expressas na Constituição, inexoravelmente a tutela da coisa julgada, com a imutabilidade que lhe é inerente, subordina-se ao atendimento do princípio da constitucionalidade, para concluir, com Paulo Otero:

O princípio da constitucionalidade determina (...) que a validade de quaisquer actos do poder público dependa sempre da sua conformidade com a Constituição. Por isso mesmo, as decisões judiciais desconfor-mes com a Constituição são inválidas; o caso julgado daí resultante é, também ele, consequentemente, inválido, encontrando-se ferido de inconstitucionalidade.9

De outra parte, preocupam-se os autores em discorrer sobre os instrumentos de impugnação da coisa julgada inconstitucional.

Rejeitam a ideia de alguns de que o ato inconstitucional é ine-xistente. De fato, existência não se confunde com validade e, por isso, concluem que o ato judicial inconstitucional é existente, sendo, todavia, inválido, e padecendo do vício da inconstitucionalidade é nulo.

Assim, considerando que a nulidade pode ser até mesmo decretada de ofício, não afastam a possibilidade de se utilizar a ação rescisória, naturalmente sem o prazo decadencial de dois anos.10

Admitem também a possibilidade dessa arguição em sede de embargos à execução, nos termos do artigo 741, inciso II, do Código de Processo Civil.

De outra parte, aludem à ação declaratória de nulidade como meio eficaz para a impugnação da coisa julgada inconstitucional.

Nessa mesma linha de pensamento, o ilustre Juiz Federal e Professor Francisco Barros Dias arrola os ensinamentos de Canotilho para sustentar a supremacia da Constituição, a que devem obediência as demais fontes do Direito:

9 Idem, ibidem, p. 16.10 “A decisão judicial transitada em julgado desconforme com a Constituição padece do

vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte pode ‘a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução” (STJ, REsp nº 7.556/RO, 3.ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/439). THEODORO JUNIOR; FARIA, op. cit., p. 22.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 100 19/11/2015 10:44:33

Page 94: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

101CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

A Constituição é o fundamento da coerência intrínseca do ordenamento jurídico, tanto pelo estabelecimento de regras de hierarquia e de orde-nação entre as diversas fontes como pelo estabelecimento dos princípios jurídicos fundamentais a que hão de obedecer todas as demais fontes.

Além disso, refere o autor outra passagem do notável mestre português, em que este preleciona:

Compete à Constituição, como norma primária sobre a produção jurí-dica, identificar as fontes do ordenamento jurídico, ou seja, as fontes de produção normativa, e determinar a validade e eficácia de cada uma delas em relação às demais.

Embasado nesses pensamentos, conclui o ilustre magistrado federal:

Constata-se, assim, que a Constituição, como fonte primeira do ordena-mento jurídico, é a vertente de todas as normas emanadas do Estado, devendo estas, necessariamente, se sujeitar a esse princípio hierárquico, inclusive as decisões judiciais, sob pena de desfigurar todo o edifício construído para emprestar “validade e eficácia” a cada uma dessas normas.11

Como se vê, com outras palavras, basicamente se desenha o princípio da constitucionalidade, informador dessa hierarquia das normas constitucionais a que se sujeitam todas as demais normas do ordenamento, inclusive as emanadas das decisões judiciais, pena de invalidade.

Em seguida, arrola o autor vários princípios constitucionais que, conforme entende, conferem sustentação para a impugnação da coisa julgada inconstitucional, tais como: o princípio democrático, o princípio da legalidade, o da isonomia e o da separação dos poderes, via do qual salienta que “as decisões judiciais deverão estar em consonância, em primeiro plano, com a Constituição que, por sua vez, foi emanada do Poder Constituinte originário ou derivado, em obediência à separação dos Poderes”.12

Ao tratar da coisa julgada, em conformidade com nosso orde-namento, arrola o autor pertinente passagem da obra de José Afonso da Silva, na qual esse notável constitucionalista averba:

11 DIAS. Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional, p. 4.12 DIAS, op. cit., p. 8.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 101 19/11/2015 10:44:33

Page 95: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

102 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicio-nal. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o artigo 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória.13

Sustenta Francisco Barros Dias que a sentença que viola a Cons tituição deve ser considerada inexistente no mundo jurídico, entendendo-a atacável por ação rescisória, sem o cômputo do prazo decadencial.

Além disso, defende o autor a possibilidade do ataque a esse tipo de decisão transitada em julgado pela via que entende mais viável, que é a da ação declaratória de inexistência da coisa julgada, que não estaria sujeita a prazo seja de decadência, seja de prescrição, e que poderia ser proposta perante o primeiro grau de jurisdição, ressalvando-se os casos de competência originária dos tribunais.14

O ilustre Professor Ivo Dantas também versa sobre a matéria, elencando o pensamento de vários autores a respeito do tema, para também fixar posição sobre a impugnabilidade da coisa julgada inconstitucional, ao argumento da inexistência de coisa julgada, quando o decisum fere a Constituição Federal.

Por esse motivo conclui:

sendo a Coisa Julgada calcada em norma inconstitucional, não se há de falar em relativização ou flexibilização da Coisa Julgada Inconstitucional, razão pela qual, os meios processuais utilizáveis para a sua impugna-ção apenas irão reconhecer, através de novo pronunciamento, que a decisão rescindenda, juridicamente, nunca existiu, por estar calcada em inconstitucionalidade. Na prática, contudo, sem a rescisão, e como foi dito com base em PONTES DE MIRANDA, “a eficácia da sentença rescindível é completa, como se não fosse rescindível”.15

Além disso, conclui Ivo Dantas que o tempo não conta para a impugnabilidade da decisão judicial inconstitucional, não havendo que se falar em decadência ou prescrição, arrolando como instrumentos processuais, em substituição à ação rescisória, caso seja considerada

13 SILVA, José Afonso da. Apud DIAS, op. cit., p. 8 e 9.14 DIAS, op. cit., p. 11 e 12.15 DANTAS, Ivo. Revista Forum Administrativo, n. 15, p. 606 e 607, maio 2002.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 102 19/11/2015 10:44:33

Page 96: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

103CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

ilegítima para tanto, o mandado de segurança e a ação declaratória de nulidade absoluta da sentença, anotando que essa última hipótese já foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgamento do Recurso Extraordinário nº 97.589, de 17 de novembro de 1982, relator o Ministro Moreira Alves (DJU de 03.06.1983, v.u.), porém dentro do prazo da ação rescisória.16

Afirma, assim, que tais impugnações não afrontam a segurança jurídica, uma vez que esta “não se poderá assentar no nada, no ine-xistente”, afirmando finalmente que “lei ou ato eivados de inconsti-tucionalidade não geram direitos nem deveres, pelo que o ato judicial inconstitucional não faz coisa julgada, da mesma forma que não faz ato jurídico perfeito ou direito adquirido”.17

Lúcia Valle Figueiredo admite a revisão da indenização, mesmo após o trânsito em julgado na ação expropriatória. Ao tratar do tema, arrola trechos de voto do eminente Ministro Carlos Mario Velloso nesse sentido, em que se destaca a prevalência do princípio constitucional garantidor do direito de propriedade, de resguardo aos direitos individuais, sobre o princípio da segurança jurídica, em que se aninha a coisa julgada.18

Nossa opinião faz coro com a dos autores suprarreferidos, vez que para nós o princípio da constitucionalidade é o princípio maior do ordenamento jurídico, que informa o Estado de Direito.

Com efeito, de nada valeriam as demais garantias constitucio-nais se pudessem simplesmente ser ignoradas; os demais princípios não passariam de simples escritos em pedaços de papel se não fossem obrigatórios e hierarquicamente superiores às normas infracons ti-tucionais, inclusive as que derivam em concreto das sentenças judiciais.

Além disso, se não existissem os meios de defesa da supremacia da Constituição, inócua seria também a sua supremacia, que não passaria de frase de efeito em exposições acadêmicas.

Por isso, inafastável e indeclinável é o princípio da constitucio-nalidade, do qual não se pode abrir mão, pena de consequências gravíssimas para o ordenamento.

Uma lei, ou um ato inconstitucional, venha de onde vier, oriundo de quaisquer dos Poderes do Estado, é impugnável sempre, sem prazo decadencial ou prescricional.

16 Idem, ibidem, p. 607.17 Idem, ibidem, p. 607.18 FIGUEIREDO. Curso de Direito Administrativo, p. 331 e 332.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 103 19/11/2015 10:44:33

Page 97: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

104 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

O valor segurança jurídica de nada valeria se fosse a Constituição vulnerável, e sujeita ao desrespeito, por mero cochilo da parte, por erro de entendimento judicial, etc.

Os remédios judiciais adequados, parece-nos, são os arrolados pela doutrina suprarreferida, sendo especialmente interessante a ação declaratória de nulidade do decisum vulnerador da Constituição Federal, sem afastar a ideia do mandado de segurança, quando a prova dos fatos jurídicos revelar-se pré-constituída, a evidenciar a existência de direito líquido e certo, como condição de admissibilidade do mandamus.

Vale referir, finalmente, que a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, com vigência a contar de seis meses a partir de sua publicação, em 23 de dezembro de 2005, introduziu significativas alterações relativas ao cumprimento da sentença.

Em referência à execução por título judicial contra pessoas privadas, suprimiu a lei a figura dos embargos à execução, substituindo-os pela impugnação.

Entre os fundamentos da impugnação, arrolados no artigo 475-L, introduzido pela nova lei ao Código de Processo Civil, estabeleceu o diploma a previsão constante do seu inciso II, consistente na inexigibilidade do título.

O §1º desse artigo estabelece:

Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fun-dado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

Quanto à execução fundada em sentença, promovida pela Fa-zenda Pública, manteve a lei a figura dos embargos à execução, intro-duzindo, todavia, idêntica disposição, ao tratar dos fundamentos para a oposição de embargos.

Arrolou o Diploma como causa de inexigibilidade do título, conforme a redação que atribuiu ao parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil, igualmente, o fato de o título judicial fundar-se em lei ou ato normativo federal, declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundar-se em aplicação ou interpretação de lei ou de ato normativo federal, tidos pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 104 19/11/2015 10:44:33

Page 98: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

105CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Dessa forma, evidencia-se que a possibilidade de alteração do julgado inconstitucional, a partir das modificações dos dispositivos do Código de Processo Civil referidos, encontra-se positivada em nosso Ordenamento, indo de encontro ao pensamento pioneiro da doutrina, concretizando inovação de grande valia para o aperfeiçoamento de nosso direito.

Cabe referir, de outra parte, que, quanto às lesões patrimoniais sofridas, ou em vias de ser suportadas pelo Erário Público, em decor-rência de fraudes avaliatórias efetuadas em juízo, não nos parece seja a arguição de inconstitucionalidade da coisa julgada o único caminho judicial para a defesa do patrimônio público.

7.2 A ação popularOutro caminho afigura-se-nos viável, mesmo quando a lesão

sofrida pelo Erário não decorra de inconstitucionalidade, mas até de simples ilegalidade constatada em decisão judicial com trânsito em julgado. Vejamos.

Os interesses públicos são indisponíveis. Significa isso que não se pode abrir mão de bens e direitos das pessoas públicas, em prejuízo do Erário.

Ninguém tem o direito de fazê-lo. De fato, não se pode abrir mão de nenhuma parcela de direito ou de bens do Poder Público, porque o patrimônio público é intangível por ato do administrador, que sempre deve agir como quem não é dono.19

Qualquer ato de oneração patrimonial pública, sem os requisitos devidos, é nulo de pleno direito.

De outra parte, cumpre considerar que os representantes judiciais da Fazenda Pública não podem transigir sobre o conteúdo material em debate no processo, salvo em condições especialmente previstas, e nos termos da lei, e atendidos ainda os pressupostos da relação de su-bordinação hierárquica, com a autorização da autoridade competente.

Não se confunde a disponibilidade processual com a disponi-bilidade material, significando isso que eventual transigência quanto

19 Celso Antônio Bandeira de Mello colaciona a lição de Cirne Lima, para afirmar com o mestre gaúcho: “Na administração o dever e a finalidade são predominantes, no domínio a vontade. Administração é ‘a atividade de quem não é senhor absoluto’. (...) Em suma, o necessário — parece-nos — é encarecer que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela”. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 46.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 105 19/11/2015 10:44:33

Page 99: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

106 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

ao não oferecimento de recurso, por exemplo, ou mesmo a desistência do processo, não se confunde com transigência quanto ao conteúdo material do direito em questionamento.

De fato, se não há a disponibilidade material, qualquer ato de transigência nesse aspecto é nulo de pleno direito, porque os procu-radores das pessoas públicas são absolutamente incompetentes para transigir quanto ao conteúdo material, objeto do processo.

Tenha-se presente que é pacífica a consideração da inexistên cia de revelia contra as pessoas de direito público e isso em homena-gem ao princípio da indisponibilidade dos interesses públicos pela Administração.

Quanto aos fatos que se constituem na base para a prolação da sentença judicial, suponha-se o caso mal cuidado pelo Procurador da Fazenda, como, por exemplo, a hipótese em que tenha deixado de observar, em questão pericial de avaliação de preço de terra, para fins indenizatórios contra o Estado, aspecto fundamental, propiciando por inércia, falta de zelo, imperícia ou má-fé, ou seja lá o que for, valor que não corresponda à indenização devida na espécie, em detrimento do patrimônio da pessoa pública.

Descoberto tal fato, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória, e exaurido o prazo da ação rescisória, pode ser revista a avaliação, anulando-se a decisão judicial por vício consistente em disponibilizar-se o patrimônio público, sem razão para tanto?

Suponha-se, de outra parte, a fraude pericial, ou seja, a perícia elaborada de má-fé, induzindo o magistrado a condenar a Fazenda Pública em valores não devidos, propiciando o enriquecimento sem causa de alguém, em detrimento do patrimônio público.

Sendo tal patrimônio indisponível meramente por ato de vontade do administrador, também a fortiori o é por meio da fraude, do ato ilícito, do crime.

Nessas hipóteses, parece-nos possível perseguir a anulação da decisão judicial, pela via da ação popular, sem bater de frente com a questão da coisa julgada.

A questão processual, parece-nos, é de extrema simplicidade.De fato, segundo dispõe o artigo 472 do Código de Processo Civil,

a sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, não prejudicando nem beneficiando terceiros, salvo nas causas relativas ao estado de pessoa e se houverem sido citados no processo todos os interessados.

O sempre lembrado Moacyr Amaral Santos discorre sobre a notável teoria de Liebman, que foi acolhida pelo Direito brasileiro, ao que se refere à coisa julgada e a sua incidência em relação a terceiros.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 106 19/11/2015 10:44:33

Page 100: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

107CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Liebman afirma que a coisa julgada não é efeito da sentença, mas sim uma qualidade especial das sentenças, distinguindo a eficácia da sentença que atinge terceiros e a qualidade da coisa julgada que somente atinge as partes do processo em que se formou.

Essa teoria, aplicada por Liebman, distingue três categorias de terceiros. Na primeira delas situam-se os terceiros indiferentes, compreendidos como aqueles que nenhum prejuízo sofrem por motivo da sentença, e que por isso nada têm a fazer quanto a ela senão reconhecer-lhe a eficácia natural; na segunda situam-se os terceiros interessados, considerados aqueles a quem a sentença acarrete somente prejuízo prático ou econômico. “Assim terceiros, credores na ação de reivindicação, não poderão insurgir-se contra a sentença nesta proferida”, porque a sentença nada mais lhes trouxe que prejuízos práticos ou econômicos. “Não há incompatibilidade entre o seu direito de crédito e o direito de propriedade declarado na sentença.”

A última categoria, compreendendo os terceiros juridicamente interessados, divide-a Liebman em dois grupos: o primeiro formado por aqueles que têm interesse igual ao das partes, afirmando quanto a estes que: “Os terceiros desse grupo podem opor-se à sentença, que de modo algum afeta o seu direito”. O outro grupo, cujo interesse jurídico é inferior ao das partes, porque são titulares de relação jurídica dependente da relação jurídica julgada no processo. Estes estão sujeitos à sentença, podendo, porém, quanto a ela se insurgir, demonstrando sua injustiça ou ilegalidade.20

Também discorrendo sobre os efeitos da coisa julgada, após referir a citada teoria de Liebman, o ilustre Ovídio A. Batista da Silva afirma que os terceiros sujeitos aos efeitos reflexos da sentença (o segundo subgrupo da última espécie supra) são aqueles legitimados a intervir como assistentes simples, e ao integrar a lide nessa qualidade sofrem o que é denominado “efeito da intervenção”. Entretanto, adverte:

Se os terceiros desta categoria não forem intimados regularmente da existência do litígio, ou não ingressarem nele espontaneamente, a sentença não lhes poderá ser oposta, podendo eles valerem-se contra a mesma da ação de embargos de terceiros (art. 1.046, CPC), ou promover ação rescisória.21

20 SANTOS. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 491 e 492.21 BATISTA DA SILVA. Curso de Direito Processual Civil, p. 508 e 509.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 107 19/11/2015 10:44:33

Page 101: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

108 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Finalmente preleciona Liebman que os terceiros, sujeitos de relação incompatível com a decisão, podem desconhecer a sua eficácia, igualmente como coisa julgada, na medida em que seriam prejudicados por ela:

o terceiro, que é sujeito de relação praticamente incompatível com a decisão, não deve (precisamente por força do enunciado princípio jurídico) sofrer em conseqüência da sentença aquele prejuízo que ela, por exclusão implícita, tenderia a proporcionar-lhe a direito seu. Esse terceiro pode, por conseqüência, desconhecer legitimamente a coisa julgada entre as partes, na medida em que seria por ela prejudicado (terceiros juridicamente interessados).22

É bem por essa razão que a jurisprudência de nossos tribunais proclama a imunidade de terceiros à coisa julgada, em feito em que não tenham sido partes. Nesse sentido, confiram-se os julgados do colendo Superior Tribunal de Justiça:

REsp nº 345933/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, de cuja ementa se colhe o seguinte tópico:

A coisa julgada constituída entre as partes da ação de embargos de terceiro (mulher do devedor e massa insolvente representada pelo sín-dico) não pode prejudicar aquele que não integrou a relação processual. O devedor, em relação à ação mencionada, é terceiro que não pode ser atingido pelos efeitos da sentença de improcedência dos embargos de terceiro e tem legítimo interesse na apreciação de seu pedido de declaração de impenhorabilidade do imóvel residencial, ainda que a questão jurídica tenha sido tocada na ação ajuizada pela mulher e esta não tenha direito à meação.

REsp nº 268020/SP, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, de cuja ementa se destaca:

A sistemática do Código de Processo Civil brasileiro não se compadece com a extensão da coisa julgada a terceiros, que não podem suportar as conseqüências prejudiciais da sentença, consoante princípio com teto no artigo 472 da lei processual civil. Assim, anterior ação indenizatória ajuizada pela mãe não gera efeitos aos filhos, que posteriormente ve-nham postular seus direitos.

22 LIEBMAN. Eficácia e autoridade da sentença, p. 91.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 108 19/11/2015 10:44:33

Page 102: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

109CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

REsp nº 206946/PR, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, de cuja ementa se evidencia o seguinte:

A sistemática do Código de Processo Civil brasileiro não se compadece com a extensão da coisa julgada a terceiros, que não podem suportar as conseqüências prejudiciais da sentença, consoante princípio estabelecido no art. 472 da lei processual civil.

Assim, desde logo, um primeiro aspecto da questão evidencia-se, ou seja: a coisa julgada em ações de indenização promovidas em face da Fazenda, ou nas ações expropriatórias promovidas pela Fazenda, não alcança o autor popular, que age por legitimação ordinária, defendendo interesse substancial próprio, e não por substituição, conforme a lição de José Afonso da Silva, quando se tratar de ação popular corretiva, como seria a hipótese.23

De outra parte, segundo o artigo 469, incisos I e II, do Código de Processo Civil, não fazem coisa julgada os motivos da sentença, tampouco a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Assim, se o autor popular não é alcançado pela coisa julgada e se os fatos e motivos da sentença não fazem coisa julgada, nada obsta seja a questão novamente agitada, se cabível a hipótese, em sede de ação popular.

Evidentemente, surge a indagação: é cabível ação popular para a desconstituição de ato judicial?

A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXIII, preconiza a ação popular como remédio atribuível ao cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, bem como ato lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

23 José Afonso da Silva em magistral obra preleciona: “É preciso primeiro distinguir, entre ação popular supletiva e ação popular corretiva. A posição do autor naquela é de substi-tuto processual, isso porque o autor tem uma ação correspondente a da entidade, cujo patrimônio foi lesado por um terceiro, e a ação é proposta contra este. A ação popular cor retiva, ao contrário, é intentada contra a própria entidade ou qualquer de seus agentes, ou contra ambos, como é o caso da nossa (art. 150, §31, da Constituição do Brasil — atual art. 5º, inciso LXXIII — nossa observação); visa a corrigir desvios na gestão do patrimônio público da entidade sindicada. O autor aqui, como já demonstramos, não é substituto proces sual. Age por direito substancial próprio, faz ‘vallere um particolare diritto sostanziale d’iniziativa’, conforme expressão de Enrico Allorio”. SILVA. Ação Popular Constitucional, p. 193.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 109 19/11/2015 10:44:33

Page 103: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

110 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

A Carta Magna não faz nenhuma distinção quanto à origem do ato, nada obstando sirva o remedium para a anulação de atos executivos, legislativos ou mesmo judiciários, desde que preenchido o pressuposto da lesividade.

A ocorrência de lesividade patrimonial pressupõe, como é certo, a existência de ilicitude, eis que só a cumulação dessas duas cir cuns-tâncias, ao que se refere aos casos de lesão patrimonial, rende ensejo à propositura de ação popular.

Ora, a perícia fraudulenta, determinante de exacerbação da in -denização, conduz à ocorrência de um ilícito, consistente em suprainde-nização, que inclusive vulnera o preceito constitucional da “justa indenização”.

Assim, temos também o ilícito a propiciar a ação popular.Nessas hipóteses, salvo conluio do juiz — o que, embora não

usual, não é impossível de ocorrer —, a ação haveria de ser dirigida à entidade que haverá de suportar o dano patrimonial, ao responsável pela perícia fraudulenta e aos beneficiários do ato, por analogia com a hipótese preconizada no artigo 6º, §2º, combinado com o artigo 4º, inciso II, alínea b, da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965.

De fato, preconiza o aludido artigo 4º, inciso II, alínea b, o caso de ação popular em decorrência de empréstimo, por entidades bancárias públicas ou privadas, constituídas ou mantidas com dinheiros públicos, quando, entre outras hipóteses, o bem outorgado em garantia for de valor inferior ao da avaliação.

Nessa circunstância, segundo o §2º do artigo 6º do aludido diploma, devem ser citados como réus no feito popular apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os seus beneficiários.

A escolha do legislador quanto ao fato de ser a ação dirigida apenas contra os responsáveis pela avaliação inexata, excluindo do polo passivo quem tenha praticado o ato do empréstimo, sedia-se certamente na circunstância de que tal ato é praticado com fundamento em trabalho técnico de avaliadores, não se podendo, por essa razão, atribuir dolo ou culpa a quem pratique o ato, com suporte no laudo de avaliação.

Idêntica é a posição do juiz quando fundamenta sua decisão em trabalho técnico de perito judicial, não cabendo rotineiramente atribuir-lhe qualquer responsabilidade por acolher a avaliação pericial em juízo, salvo teratologia evidente, visível aos olhos de qualquer leigo, que, muito mais que simples culpa, reflita indícios graves de dolo. Assim, justifica-se a analogia.

Finalmente, cabe examinar a questão referente à prescrição da ação popular no caso em tela, para negar a possibilidade de sua ocorrência, quando estiver em questão lesão patrimonial.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 110 19/11/2015 10:44:33

Page 104: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

111CAPÍTULO 7A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Quanto à prescrição, entendemos que o artigo 21 da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que estatui o prazo prescricional de cinco anos para a propositura da ação popular, não foi recepcionado pela Constituição de 1988, no que tange aos casos de lesão patrimonial. E isso porque, segundo o artigo 37, §5º, da Constituição Federal, são imprescritíveis as ações de ressarcimento de danos contra o Erário, decorrentes de ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não.

Aludido dispositivo, ao determinar que a lei fixará o prazo prescricional para ilícitos praticados por agentes, servidores ou não, expressamente ressalva as respectivas ações de ressarcimento.

Ao fazê-lo, preconizou a imprescritibilidade de qualquer tipo de ação, preordenada ao ressarcimento do Erário, por danos causados em decorrência de ilícitos praticados por qualquer espécie de agente público, servidor ou não.

Entre as modalidades de ação de ressarcimento, situa-se obvia-mente a ação popular, cujo objeto imediato é não somente um pro-vimento judicial desconstitutivo, mas também condenatório.24

Celso Antônio Bandeira de Mello, pioneiramente, aponta tal imprescritibilidade:

É imprescritível — repita-se — a ação de responsabilidade civil contra o servidor que haja causado danos ao erário público mediante compor-tamento ilícito, como decorre do art. 37, §5º, da Constituição do País.25

Ressalte-se, todavia, que, por força do art. 37, §5º, da Constituição, são imprescritíveis as ações de ressarcimento por ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem danos ao erário.26

Ora, a teor do artigo 139 do Estatuto Processual Civil, os peritos, entre outros, são auxiliares da Justiça, caracterizando-se

24 José Afonso da Silva assim trata a matéria: “A demanda popular é constitutiva negativa e condenatória. Tem ela como objeto imediato pleitear do órgão judicial competente: a) a anulação do ato lesivo ao patrimônio das pessoas de direito público ou de direito privado, instituições ou fundações em que as pessoas de direito público sejam interessadas (Constituição do Brasil, art. 150, §31 — hoje art. 5º, inciso LXXIII — nossa observação, e Lei nº 4.717, art. 1º); b) e a condenação dos responsáveis pelo ato invalidado, e dos que dele se beneficiaram, ao pagamento de perdas e danos. O que se pede, pois, imediatamente na demanda popular, é uma sentença constitutiva negativa, isto é, uma sentença que decrete a invalidade do ato lesivo ao patrimônio daquelas pessoas, entidades ou instituições. Em decorrência dessa decisão, deverá a sentença condenar os responsáveis em perdas e danos.” SILVA, op. cit., p. 108 e 109.

25 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 291.26 Idem, ibidem, p. 890.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 111 19/11/2015 10:44:33

Page 105: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

112 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

inquestionavelmente como agentes públicos, inclusive para os efeitos da imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos em causa, e ipso facto para os efeitos da imprescritibilidade da ação popular.

Examinada a temática da coisa julgada e a sua desconformi-dade com a Constituição, passaremos ao tratamento do tema da desa-propriação com a natureza jurídica de sanção, sempre com o obje tivo de focalizar a indenização como o tema central que une as matérias tratadas neste estudo.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 112 19/11/2015 10:44:33

Page 106: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 8

DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

8.1 A função social da propriedadeO conceito de direito de propriedade é dinâmico, variando

no tempo e no espaço, com maior ou menor extensão, conforme concepções filosóficas, econômicas, político-sociológicas, que no plano da elaboração normativa o informam.1

Entre nós, a Constituição de 1988 assegura o direito de pro-prie dade, como se lê do inciso XXII do seu artigo 5º, colhendo-se dos inci sos XXIII e XXIV subsequentes importantes diretrizes, que em conjunto com outras regras, estabelecem o perfil constitucional do direito de propriedade.

Com efeito, estabelece o inciso XXIII que a propriedade atenderá a sua função social, enquanto o inciso XXIV comete à lei a disciplina do procedimento para desapropriação por necessidade e utilidade pública ou por interesse social, definindo desde logo que esta deve verificar-se mediante justa e prévia indenização em dinheiro.

Entretanto, alberga também tal dispositivo a possibilidade de excepcionar tais pressupostos da prévia e justa indenização em dinheiro para a efetivação da desapropriação, vez que ressalva os casos previstos na Constituição.

De outra parte, ao declinar em seu Título VII (Da Ordem Eco-nômica e Financeira) os princípios gerais da atividade econômica, arrola a Constituição, entre eles, a propriedade privada (art. 170, inc. II), e, logo em seguida, a função social da propriedade (art. 170, inc. III).

1 A propósito do tema, consulte-se SALLES. A desapropriação à luz da doutrina e da juris­prudência, p. 76 e seguintes.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 113 19/11/2015 10:44:33

Page 107: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

114 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Desse conjunto normativo se extrai que o direito de propriedade pode ser retirado de seus titulares, diante da incidência da necessidade ou até mesmo da utilidade pública, e ainda do interesse social, cabendo exigir, de outra parte, que a propriedade cumpra a sua função social.

A Constituição de 1988 revelou preocupação marcante em oferecer instrumentos de realização de interesses coletivos, difusos ou não, que o texto consagra.

Já a Constituição revogada, a de 1967, com a redação que lhe deu a Emenda nº l, de 1969, arrolava no título referente à “Ordem Econômica e Social”, em seu artigo 160, inciso III, entre os princípios basilares da realização do desenvolvimento nacional e da justiça social, a “função social da propriedade”.

Ao argumento de que tal preceito encerrava conteúdo meramente programático, despido de eficácia, respondia, então, Eros Roberto Grau:

Tenho para mim ser esse um falso problema. Não admito a existência de disposições constitucionais carentes de eficácia — ou dotadas de grau menor de eficácia. Consagrado determinado preceito, no nível constitucional, é diretamente aplicável, vinculando os Poderes Legis-lativo, Executivo e Judiciário. Parece-me inconcebível admitir que o texto constitucional, ainda quando sujeita a implementação de um de seus preceitos à expedição de lei ordinária, tenha transferido função constituinte ao Poder Legislativo, que, por omissão, poderia frustrar a eficácia de tal preceito. Há que cuidar, em hipóteses como tais, da figura da inconstitucionalidade por omissão. De qualquer modo, é certo que, integrada a função nos conceitos de propriedade, o preceito constitucio-nal em que consagrada resulta dotado de eficácia plena incontestável.2

Todavia, não obstante tal posicionamento endossado pela melhor doutrina, o certo é que pouco ou quase nada se fez em relação ao desenvolvimento urbano no sentido de estabelecer uma verdadeira reforma urbana, que se fazia necessária desde um passado já longínquo.

Com efeito, entre nós sempre foi notório o ranço de uma con-cepção arcaica a incensar o direito de propriedade como coisa sagrada, intocável, de cunho egoístico e negativista.

A concepção da propriedade-função, em contraposição ao direito subjetivo de propriedade, todavia, é noção bem antiga.

De fato, Léon Duguit, em 1911, por ocasião de uma série de con-ferências produzidas de agosto a setembro daquele ano, na Faculdade

2 GRAU. Direito Urbano, p. 70 e 71.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 114 19/11/2015 10:44:34

Page 108: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

115CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

de Direito de Buenos Aires, posteriormente editadas em livro sob o título Lês transformations générales du droit privé depuis le Code Napoléon, oferecia uma outra perspectiva do Direito, negando ser o homem titular de direitos subjetivos quanto à propriedade.

Antes, asseverava esse grande mestre que todo homem tem uma função social, tendo o dever de desempenhá-la, compreendendo esta o dever de desenvolver-se em sua plenitude, sendo todas as suas atividades no desempenho dessa função socialmente protegidas.

Quanto à propriedade, negava Duguit o seu caráter de direito subjetivo, qualificando-a de função social:

Mas a propriedade não é um direito; é uma função social. O proprietário, vale dizer, o possuidor de uma riqueza, tem pelo fato de possuir essa riqueza uma função social a cumprir; enquanto cumpre tal missão, sua atuação como proprietário se encontra protegida. Se não a cumpre ou a cumpre mal, se, por exemplo, não cultiva sua terra ou deixa sua casa arruinar-se, a intervenção dos governantes se legitima para obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui, conforme a destinação das mesmas.3

Tais concepções colheu-as esse douto jurista do positivismo de Augusto Comte, em obra publicada em 1850, cuja lição refere nestes termos:

O primeiro a colocar essa idéia em relevo no século XIX foi Augusto Comte – Escrevia com efeito, em 1850, no seu Système de Politique Positive: “Em todo estado normal da humanidade, todo cidadão, qualquer que seja, constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou menos definidas, determinam por seu turno obrigações e pretensões. Este princípio universal deve certamente estender-se até a propriedade, como a concebe o positivismo, especialmente como uma função social destinada a formar e a administrar as riquezas com as quais cada geração prepara os trabalhos da seguinte. Sabiamente concebida, esta aprecia-ção normal enobrece sua posse, sem restringir sua justa liberdade e até fazendo-a mais respeitável”.4

3 DUGUIT. Las transformaciones generales del derecho privado, desde el Código de Napoléon, p. 37. Nossa a tradução do texto em espanhol: “Pero la propiedad no es un derecho; es una función social. El propietario, es decir, el poseedor de una riqueza, tiene, por el hecho de poseer esta riqueza, una función social que cumplir; mientras cumple esta misión sus actos de propietario están protegidos. Si no la cumple o la cumple mal, si por ejemplo no cultiva su tierra o deja arruinarse su casa, la intervención de los gobernantes es legítima para obligarle a cumplir su función social de propietario, que consiste en asegurar el empleo de las riquezas que posee conforme a su destino”.

4 COMTE Apud DUGUIT, op. cit., p. 178 e 179. Nossa a tradução do espanhol.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 115 19/11/2015 10:44:34

Page 109: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

116 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

A respeito do especulador de terras, referia o autor:

Nos países que ainda estão, segundo a expressão de que me utilizei ainda há pouco, no período da propriedade-especulação, o problema se coloca; e isto é uma prova de que, inclusive nesses países, a noção de propriedade-direito tende a desaparecer. Os que compram grandes quantidades de terrenos a preços relativamente baixos e que se mantêm durante vários anos sem explorá-los, esperando que o aumento natural do valor do terreno lhes traga um grande benefício, não exercem uma prática que deveria ser proibida? Se a lei intervém, a legitimidade de sua intervenção não seria discutível nem discutida. Isso nos conduz a uma distância muito grande da concepção do direito de propriedade intangível, que outorga ao proprietário o direito de permanecer inativo ou não, segundo lhe convenha.5

À luz de nosso ordenamento jurídico, não há incompatibilidade entre o direito de propriedade e a função social da propriedade, desde que compreendido o direito subjetivo em um momento estático, que legitima o proprietário a manter o que lhe pertence, imune a pretensões alheias, e a função em um momento dinâmico, que impõe ao proprietário o dever de destinar o objeto de seu direito aos fins sociais determinados pelo ordenamento jurídico.6

O ilustre Professor Agustín Gordillo, em página magnífica, dis corre sobre a compatibilização entre as garantias individuais e as ga rantias sociais, negando serem elas contraditórias:

Na realidade ambos os tipos de garantia, se é que uma tal divisão se pode efetuar, se complementam e se reafirmam mutuamente, do mes-mo modo que as liberdades públicas também se complementam reci-procamente. Poderíamos por acaso dizer que a liberdade de ensinar e aprender seria efetiva sem uma liberdade de expressão do pensamento?

5 DUGUIT, op. cit., p. 183 e 184. “En los países que aún están, según la expresión de que me he servido hace un momento, en el período de la propiedad-especulación, el problema se plantea; y esto es una prueba de que, incluso en esos países, la noción de propiedad-derecho tiende a desparecer. Los que compran grandes cantidades de terrenos a precios relativamente bajos y que se mantienen durante vários años sin explotarlos, esperando que el aumento natural del valor del terreno les procure un gran beneficio. ¿No siguen una práctica que debería estar prohibida? Si la ley interviene, la legitimídad de su intervención no seria discutible ni discutida. Esto nos lleva muy lejos de la concepción del derecho de propiedad intangible, que implica para el propietario el derecho a permanecer inactivo o no, según le plazca”. Nossa a tradução do espanhol.

6 Nesse sentido, confiram-se: GRAU, op. cit., p. 70. SUNDFELD, Função Social da Proprie-dade. In: Temas de Direito Urbanístico, p. 5. RUSSOMANO. Função Social da Propriedade, RDP, 75/265.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 116 19/11/2015 10:44:34

Page 110: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

117CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

Seria plena a liberdade pessoal sem a liberdade de entrar e sair do país? Evidentemente, não: a existência de qualquer garantia de liberdade será sempre mais plena e efetiva na medida em que também existam as liberdades públicas. Do mesmo modo, a existência das liberdades públicas não é totalmente real e vigente na medida em que não existam também as chamadas garantias sociais; por isso, a existência destas, longe de significar uma contradição com aquelas, implica ao contrário sua revitalização mais plena; como diria Burdeau, os direitos sociais revalorizam a liberdade.7

Emerge, todavia, a noção de que, não cumprida pelo proprietário a função social estabelecida pelo ordenamento positivo, deve o direito de propriedade extinguir-se, nas condições previstas na Constituição e nas leis, passando das mãos de seu titular ou para o Estado, ou para quem lhe dê a função almejada.

Disso se segue que, diante das leis definidoras da função social da propriedade, encontra-se o Poder Público no dever de impor uma atuação positiva ao proprietário, sob penalidades inscritas no orde-namento, que, logicamente, devem conduzir à extinção do uso nocivo ou do não uso e, se preciso for, com a consequente expropriação, como adiante se verá.

Quanto à questão urbana, a atual Constituição dedicou o Capí-tulo II de seu Título VII, que trata “Da Ordem Econômica e Financeira”.

7 “En realidad ambos tipos de garantías, si es que una tal división puede efectuarse, se complementan y reafirman mutualmente, del mismo modo que las libertades públicas también se complementan recíprocamente. ¿Podríamos acaso decir que la libertad de enseñar y aprender sería efectiva sin una libertad de expresión del pensamiento? ¿O que la libertad personal seria plena sin la libertad de entrar y salir del país? Evidentemente no: la existência de cualquier garantía de libertad será siempre más plena y efectiva en la medida en que también existan las demás libertades públicas. Del mismo modo, la existência de las libertades públicas no es de todo real y vigente en la medida en que no existan también las llamadas garantias sociales; por ello, la existência de éstas, lejos de significar una contradicción con aquéllas, implica en cambio su revitalización más plena; como diría Burdeau, los derechos sociales ‘revalorizan la libertad’” – nossa a tradução espanhola. Em complemento agrega ainda esse douto jurista o seguinte: “Desde luego, siempre existirá el problema de la medida de cada uno de los derechos individuales en detrimento extremo de los sociales (por ejemplo, negando la posibilidad de expropiar tierras para realizar una reforma agraria, estaremos desvirtuando el Estado de Bienestar; y si exacerbamos los derechos sociales en prejuicio excesivo e irrazonable de los derechos individuales, estaremos violando el regimen del Estado de Derecho. Se trata de una cuestión de equilíbrio, a resolverse en forma justa y razonable en cada caso; que puede, por la humana falibilidad, resolverse en alguna oportunidad erroneamente, en uno o otro sentido, pero no por ello configura una antítesis, directa ni indirectamente.” GORDILLO. Introducción al Derecho de la Planificación, p. 28.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 117 19/11/2015 10:44:34

Page 111: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

118 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Tal capítulo, denominado “Da Política Urbana”, veio a oferecer novo instrumental no sentido de efetivar-se a função social da propriedade, para o fim de se atingir o objetivo da política de desenvol-vimento urbano, tal como se encontra definida em seu art. 182, no sentido de: “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Impõe-se, no §1º desse artigo, às cidades com mais de vinte mil habitantes, a elaboração de plano diretor, que, aprovado pela Câmara Municipal, ou seja, editado por lei, consistirá no “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”.

O §2º do artigo, por seu turno, fixa que: “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências de ordenação da cidade, expressas no plano diretor”.

Aludido dispositivo ganha dinamicidade ao cotejo do estatuído no §4º do referido artigo, que estabelece:

É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprie-tário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:I – parcelamento ou edificação compulsórios;II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, asse-gurados o valor real da indenização e os juros legais.

O §3º do artigo em referência dispõe sobre a prévia e justa indenização em dinheiro dos imóveis urbanos e poderia, a um primeiro lance de vista, parecer superfetação da regra geral da desapropriação contida no inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional, que assim dispõe:

A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessi-dade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

Entretanto, como adiante se verá, o referido §3º incide com um elemento de contraste ao disposto no inciso III do §4º do artigo 182.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 118 19/11/2015 10:44:34

Page 112: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

119CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

Por outro lado, o artigo 183 do Texto Constitucional, também inserido no capítulo em referência, cria um tipo de usucapião especial em prol dos possuidores de área urbana de até 250 m2, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, desde que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural e tenham utilizado a área possuída para a sua moradia ou de sua família, estabelecendo a Constituição o reconhecimento desse direito apenas por uma vez, consoante o §2º do artigo.

O §1º desse dispositivo preconiza que o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

Finalmente, o §3º desse artigo dispõe sobre a vedação da aqui-sição pelo usucapião dos imóveis públicos.

A análise dessa configuração da política urbana oferecida pela Constituição Federal exige, desde logo, uma referência à competência para a edição de normas de direito urbanístico, matéria essa que suscitou controvérsias à época do Texto Constitucional revogado.

De fato, ao ensejo do oferecimento do Projeto de Lei nº 775, de 1983, que se preordenava a dispor sobre os objetivos e a pro-moção do desenvolvimento urbano e que oferecia instrumentos de desenvolvimento urbano ousados para a época, tais como o parcela-mento, edificação ou utilização compulsórios, o direito de preempção em favor dos Municípios e o direito de superfície, além dos meios tradicionais, uma das críticas que se dirigiu ao projeto foi a da incom-petência da União para legislar sobre matéria urbanística.8

A questão, hoje, encontra-se superada, vez que a competência para legislar sobre direito urbanístico em face do Texto Constitu cional atual é concorrente entre a União e os Estados federados, consoante dispõe o artigo 24, inciso I, sobrando aos Municípios a compe tência para “promover, no que couber, adequado ordenamento terri torial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocu-pação do solo urbano”, consoante estabelece o inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal.

Além disso, cumpre considerar que o artigo 30, inciso I, do Texto Constitucional confere competência aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, e que o inciso II desse dispositivo estabelece a competência dos Municípios para suplementar a legislação federal e estadual no que couber; evidente se torna a competência residual

8 Confira-se, nesse sentido: GRAU, op. cit., p. 128.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 119 19/11/2015 10:44:34

Page 113: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

120 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

conferida aos Municípios para editar normas urbanísticas naquilo que diga respeito ao interesse local, não previstas nas normas de caráter geral baixadas pela União ou pelos Estados.

Estabelecidos os parâmetros determinantes da competência em matéria de direito urbanístico, passemos ao exame dos dispositivos que compõem o capítulo da Constituição que trata da “política urbana”.

Conforme já se referiu, o plano diretor, obrigatório para as cida-des com mais de vinte mil habitantes, deve ser veiculado pela edição de lei.

Emergindo a importância substancial do plano diretor, parece-nos que seria prudente que as leis orgânicas, cuja edição é de compe-tência dos próprios Municípios, previssem quorum qualificado para a edição da lei e suas alterações posteriores que dispusessem sobre o plano.

Nesse sentido, sob a égide da Constituição anterior, manifestava-se Hely Lopes Meirelles:

A aprovação do plano diretor deve ser por lei, e lei com supremacia sobre as demais para dar preeminência e maior estabilidade às re-gras e diretrizes do planejamento. Daí por que os Estados costumam estabelecer que seus Municípios só aprovem a lei do plano diretor e suas modificações por maioria qualificada (2/3), infundindo, assim, mais segurança e perenidade a essa legislação. Toda cautela que vise a resguardar o plano diretor de levianas e impensadas modificações é aconselhável, podendo a própria Câmara estabelecer regimentalmente um procedimento especial, com maior número de discussões ou votação em duas ou mais sessões legislativas, para evitar a aprovação inicial e suas alterações por maiorias ocasionais.9

Consoante se vê, de outra parte, a caracterização constitucio nal da função social da propriedade, remetendo a sua conformação às exigências de ordenação da cidade contidas no plano diretor, pos-sibilitou a existência de diversificadas figurações dessa função, dadas as incomensuráveis disparidades existentes entre os Municípios componentes de nosso gigantesco território.

Assim, pode-se dizer que eclodirão múltiplos desenhos dessa função atribuída à propriedade urbana, diferenciando-a da função social da propriedade rural em relação à qual cuida a Constituição de definir-lhe os parâmetros de realização (art. 186, incs. I-IV).

9 MEIRELLES. Direito Municipal, p. 397.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 120 19/11/2015 10:44:34

Page 114: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

121CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

De qualquer sorte, seja qual for o caminho escolhido pelos Municípios, idealmente, a urbanificação, no sentido que empresta ao termo José Afonso da Silva,10 deve atender às funções urbanas ele-mentares, que a doutrina costuma definir como a habitação, o tra balho, o lazer e a circulação, e hoje também a sadia qualidade de vida, com res peito ao equilíbrio ecológico do meio ambiente.

Dessa maneira, sendo claro que os planos diretores baixados pelos Municípios não poderão afastar-se das metas urbanísticas concebidas a partir de direitos assegurados no próprio Texto Constitucional, deverão, entretanto, peculiarizar-se, conforme as necessidades de urbanificação existentes em concreto, impondo maiores ou menores exigências, cujo descumprimento configure a subutilização ou não utilização dos imóveis urbanos.

Além disso, cabe distinguir, no §4º do art. 182 da Constituição Federal, três diversos tipos de lei, ali referidos: o primeiro, a lei emanada do Município que edita o plano diretor; o segundo, também consistente em lei municipal, que estabelecerá a desconformidade de determinado solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado com o seu adequado aproveitamento, sujeitando-o às penalidades inseridas nos incisos I a III do artigo; e o terceiro, a lei federal editada dentro da competência da União para legislar sobre direito urbanístico, que estabelecerá o procedimento próprio para a adequação desejada ou a aplicação das penalidades previstas.

Assim sendo, evidentemente, a lei municipal caracterizadora da desconformidade de uso ou aproveitamento terá a característica de lei no aspecto formal, sendo, entretanto, quanto ao aspecto material, verdadeiro ato administrativo, à semelhança da declaração de utilidade pública para fins expropriatórios baixada por lei.

Fica clara, pois, a direta incidência na esfera jurídica de seus desti natários desse tipo de lei de efeitos concretos, possibilitando, desde logo, o seu contraste pelas vias judiciárias.

Quanto à desapropriação prevista no inciso III do §4º do ar tigo 182 do Texto Constitucional, parecem-nos pertinentes as se-guintes observações.

10 Distingue o ilustre autor a urbanização da urbanificação, na medida em que o primeiro termo compreende o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural, enquanto a urbanificação é o processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação urbana. “Nesse passo, cito as palavras de Gaston Bardet, que qualifica a urbanização como o mal, do qual a urbanificação é o remédio.” SILVA. Direito Urbanístico brasileiro, p. 10.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 121 19/11/2015 10:44:34

Page 115: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

122 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Em primeiro lugar, a desapropriação em questão, ao contrário do disposto tradicionalmente em nosso ordenamento, aparece como penalidade. Tem, assim, tal tipo de expropriação caráter penal.

Em segundo lugar, a desapropriação, nessa hipótese, não se con-cretiza mediante o pagamento da indenização prévia e em dinheiro, mas, sim, em títulos da dívida pública, resgatáveis em até dez anos em parcelas anuais, iguais e sucessivas.

Daí a razão da existência do §3º do artigo 182, que, fixando a desapropriação dos imóveis urbanos precedida da prévia e justa indenização em dinheiro, oferece nítido discrímen entre a desapropriação urbana efetuada por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, com a desapropriação-penalidade, pelo descumprimento da função social da propriedade.

Passemos, agora, ao exame das demais disposições contidas no capítulo em foco.

O artigo 183 do Texto Constitucional criou um usucapião especial urbano à semelhança do usucapião especial rural, previsto na Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981.

Para aquisição do título de domínio, basta a posse ininterrupta e sem oposição por cinco anos, desde que o possuidor utilize a área urbana de até 250 m2, para sua moradia ou de sua família e atenda à condição de não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Em trabalho apresentado à II Conferência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, realizada em Petrópolis no período de 10 a 13.03.1982, o Professor Ricardo Pereira Lira, preocupado com o problema social decorrente do grande número de favelados existentes no Grande Rio, sugeriu a criação do usucapião especial urbano aplicável tão somente a áreas situadas em favelas.

Tal sugestão assemelhava-se às disposições do Texto Consti-tucional, no sentido de estabelecer como requisito para a aquisição da área a existência da posse igual ou superior a cinco anos, sem oposição, e aquisição do domínio independentemente de justo título ou boa-fé.11

Cumpre observar, finalmente, que o §3º do artigo 183 taxati-vamente impede a aquisição, por usucapião, de imóveis públicos.

Assim sendo, revela-se impossibilitado o usucapião de terras devolutas, eis que são estas de titularidade da União ou dos Estados Federados, consoante os artigos 20, II, e 26, IV, do Texto Constitucional; usucapião, este, previsto anteriormente no artigo 2º da Lei nº 6.969,

11 LIRA, RDA, 148/270.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 122 19/11/2015 10:44:34

Page 116: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

123CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

de 10 de dezembro de 1981; o que não impede, todavia, a legitimação de posse de imóvel rural, nos termos e requisitos preconizados pelo arti go 29 e seguintes da Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976, que disciplina a ação discriminatória.

8.2 O Estatuto da CidadeA Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que se autodenomina

Estatuto da Cidade, tem em seu artigo 8º a seguinte redação:

Art. 8° Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.§1° Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.§2° O valor real da indenização:I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o §2° do art. 5° desta Lei;II – não computará expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios. §3° Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.§4° O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.§5° O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.§6° Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do §5° as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5° desta Lei.

Esse artigo 8º da lei preconiza, portanto, a desapropriação com o caráter de sanção,12 aplicável ao proprietário de imóvel que

12 O caráter de sanção atribuído ao instituto da desapropriação já foi objeto de observação de nossa parte, nos seguintes termos: “Emerge, todavia, a noção de que, não cumprida pelo proprietário a função social, estabelecida pelo Ordenamento positivo, deve o direito

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 123 19/11/2015 10:44:34

Page 117: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

124 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

descumpra a sua função social, como derradeira consequência imposta ao proprietário renitente, que mesmo após a imposição do IPTU progressivo pelo prazo de cinco anos consecutivos, omita-se em tomar as providências para a adequação do solo urbano de sua titularidade, às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

A primeira observação quanto à previsão em tela é a de que se constitui em instrumento para o atendimento de uma das diretrizes fixadas no Capítulo I da lei, que dispõe sobre as diretrizes gerais do diploma, contida em seu artigo 2º, inciso VI, alínea e, que assim estabelece:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvi-mento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:(...)VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:(...)e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subu-tilização ou não utilização.

De outra parte, cumpre desde logo tornar expresso que a espécie de desapropriação prevista na lei somente se viabiliza ante a exis tência de plano diretor, vez que é a sua desconformidade com o aproveita-mento mínimo definido em aludido plano que será deter minante desse tipo de desapropriação.

Destarte, ainda que não obrigatória a existência de plano diretor, como se dá com as cidades com menos de vinte mil habitantes (§1º do art. 182 da Constituição Federal), para que ocorra a desapropriação em trato, necessária será a prévia edição de lei municipal estabelecendo o plano diretor.

Além da necessária preexistência de plano diretor, necessária também é a precedente edição de lei municipal,13 de caráter concreto,

de propriedade extinguir-se, passando das mãos do seu titular, ou para o Estado, ou para quem lhe dê a função almejada.Disso se segue, que diante das leis definidoras da função social da propriedade, encontra-se o Poder Público, na situação de impor uma atuação positiva ao proprietário, sob penalidades inscritas no Ordenamento, que logicamente devem conduzir à extinção do uso nocivo ou do não uso, e, se preciso for, com a conseqüente expropriação”. BEZNOS. Direito Administrativo na Constituição de 1988, p. 112.

13 Cumpre observar que a lei exigida nesse caso é lei de efeitos concretos, ou seja: é lei apenas quanto ao aspecto formal, vez que materialmente se equipara ao ato administrativo,

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 124 19/11/2015 10:44:34

Page 118: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

125CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

determinando, conforme a hipótese, o parcelamento, a edificação ou a utilização de solo urbano subutilizado ou não utilizado.

Finalmente, para viabilizar-se a desapropriação, necessário é o esgotamento de todas as medidas previstas como precedentes pelo diploma, consistentes: a) na determinação, conforme a hipótese, de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; b) na imposição de IPTU progressivo.

Observa Celso Antônio Bandeira de Mello, todavia, que a hipótese dessa desapropriação será muito difícil de ocorrer, considerando as medidas anteriores impostas ao proprietário do imóvel.14

Aliás, tenha-se em conta que diante da imposição do IPTU progressivo durante cinco anos que antecedem à desapropriação, chegando a sua alíquota a 15%, dificilmente teria o proprietário con-dições de resistir ao cumprimento do dever de adequar o imóvel à sua função social.

Assim, para chegar-se à desapropriação, necessária é a prévia edição de lei municipal que, considerando área incluída no plano diretor, determine, conforme a hipótese, o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano, desde que não edificado ou subutilizado, considerando-se como tal o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, fixando condições e prazos para implementação dessa obrigação.

Em seguida, deve ser o proprietário notificado pelo Executivo municipal para o cumprimento dessa obrigação, devendo ser a notificação averbada no Registro Imobiliário.

Tal notificação deverá ser pessoal, vez que dispõe a lei seja ela efetuada por funcionário do órgão competente do Poder Público ao proprietário do imóvel ou ao representante que tenha poderes de gerência geral ou administração, em se tratando de proprietária pessoa jurídica.

Frustrada a tentativa de notificação, por três vezes, legitima-se seja ela efetuada por edital.

inserindo-se desde logo na esfera jurídica de seus destinatários, o que possibilita de imediato o seu controle pelo Judiciário.

14 “Percebe-se que será muito difícil que ocorra hipótese ensejadora dessa desapropriação, pois não é de crer que o proprietário, alertado pelas medidas prévias que têm de antecedê-la, ainda assim se mantenha inerte.” BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 723.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 125 19/11/2015 10:44:34

Page 119: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

126 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Descumpridas as condições e os prazos legais, aplicar-se-á sobre o imóvel o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial (IPTU) progressivo no tempo, pela majoração da alíquota no prazo de cinco anos consecutivos.

Essa alíquota terá seu valor anual previamente fixado na lei municipal específica, determinante das medidas aludidas de parce-lamento, edificação ou utilização compulsórios, sendo vedado que exceda ao dobro da alíquota do ano anterior e limitada a alíquota máxima a 15%.

Após o decurso desse prazo de cinco anos com a cobrança do IPTU progressivo sem que tenha o proprietário cumprido a obri-gação imposta pela lei específica, poderá o Município proceder à desapropriação mediante o pagamento em títulos da dívida pública.

Como se lê do seu artigo 8º, a Lei nº 10.257/01 estabelece uma faculdade ao Município no que tange à desapropriação, vez que utiliza o termo “poderá” e não “deverá”.

Essa faculdade explica-se, vez que os títulos que se constituem na moeda do pagamento da desapropriação dependem de prévia aprovação do Senado Federal, o que retira das mãos do Município a decisão plena sobre a efetivação das desapropriações.

Segundo o artigo 52, inciso IX, da Constituição Federal, é de competência privativa do Senado Federal o estabelecimento de limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

O Senado Federal, no exercício dessa competência, baixou a Reso lução nº 43, de 2001, publicada em 21 de dezembro de 2001 e repu-blicada em 10 de abril de 2002.

Conforme o artigo 11 dessa resolução, até 31 de dezembro de 2010, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão emitir títulos da dívida pública no montante necessário para o refinanciamento do principal, devidamente atualizado, de suas obrigações existentes, representada por essa espécie de títulos.

Tal dispositivo, que bem reflete o desejo do controle dos débitos das pessoas públicas, inviabiliza, atualmente, a emissão de títulos novos da dívida pública por parte dos Municípios, o que leva à conclusão de que dificilmente ocorrerá essa espécie de desapropriação, não apenas pelas razões aludidas pelo Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, suprarreferidas, mas também pela impossibilidade de emissão de títulos da dívida pública pelos Municípios para a finalidade da desapropriação, que se estende a um período de quase cinco anos.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 126 19/11/2015 10:44:34

Page 120: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

127CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

Quanto à indenização, prevê a lei que esses títulos da dívida pública serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros de seis por cento ao ano.

De outra parte, o §2º do artigo 8º fixou que o “valor real da indenização” será o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área do imóvel, após a notificação efetuada pelo Poder Público para que o proprietário promova o parcelamento, a edificação ou a utilização do imóvel, conforme a hipótese.

Pois bem, a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, segundo estabelece o artigo 33 do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

Tal valor venal nem sempre reflete o real valor do imóvel, ainda mais em se considerando que normalmente é este fixado em planta geral de valores, baixada pelas Prefeituras Municipais, muitas vezes defasadas no tempo.

Significa isso que a lei, ao estabelecer um parâmetro prefi-xado para fixar-se o valor da indenização, afastou o critério da justa indenização como pressuposto para a efetivação da desapropriação do solo urbano, quanto ao qual tenha o proprietário descumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, tal como previsto em seu artigo 8º.

Ao exame do tema, em trabalho elaborado ao advento da Cons-tituição de 1988, sustentamos a tese de que a previsão do inciso III do seu artigo 182, que preconiza essa desapropriação mediante o pagamento em títulos da dívida pública, não assegurava o direito à justa indenização.

Com efeito, afirmamos então que a desapropriação em trato, por um lado, ao contrário da desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, configurava uma penalidade, e, de outra parte, em sua previsão constitucional não se encontra a justa indenização, existindo tão somente a referência à preservação do valor real de indenização, que então entendemos como a manutenção do valor da desapropriação, ao longo dos anos, pela correção monetária.15

Hoje revimos nossa posição anterior. De fato, nenhuma dúvida existe quanto ao fato de que, sendo o fundamento jurídico desse tipo de desapropriação a prática de um ilícito, a indenização pode e deve

15 BEZNOS, op. cit., p. 114 e 115.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 127 19/11/2015 10:44:34

Page 121: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

128 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

ser diferenciada da incidente na desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, ostentando um caráter penal.

Todavia, o desapropriado já é suficientemente sancionado pelo fato de não receber a indenização prévia e em dinheiro, mas sim em parcelas anuais, em até dez anos, em títulos, que não se prestam sequer como meio de pagamento de tributos, conforme a previsão do §3º do artigo 8º.16

De outra parte, parece-nos que o termo indenização, por si, é suficiente para assegurar a indenização correspondente ao valor integral do bem, e assim a sua previsão constitucional no artigo 182, inciso III, no sentido de que sejam “assegurados o valor real da indenização e os juros legais”, é suficiente para vincular o legislador a não se afastar da integralidade da composição do valor retirado ao desapropriado.

De fato, o verbo indenizar, segundo o Dicionário Aurélio tem a sua formação pela composição do termo indene, do latim indemne, com o sufixo izar. Ora, indene significa “que não sofreu dano ou prejuízo; íntegro, ileso, incólume”.

Assim, justa indenização nada mais é que uma expressão pleonástica, pois para ser íntegra a recomposição patrimonial bastaria a referência à indenização.17

De outra parte, cabe referir que, em relação à desapropriação como sanção pelo descumprimento da função social da propriedade rural, prevê a Constituição Federal o requisito da justa indenização, como se observa do artigo 184 da Carta Política.

Ora, não havendo razão jurídica para o discrímen em idêntica situação de descumprimento da função social da propriedade, somente se pode concluir que a preservação do valor real da indenização, tal como prevê o artigo 182, quer significar a mesma coisa que justa indenização.

De fato, o termo real significa verdadeiro, concluindo-se, pois, que a indenização verdadeira nada mais é que a justa indenização.

Observe-se ademais que, enquanto o artigo 182 da Constituição Federal se refere ao valor real da indenização que deve ser assegurado,

16 Observe-se a disparidade de tratamento legal com os Títulos da Dívida Agrária (TDAs), que desde a sua criação, pela Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, ostentam a possibilidade de utilização para pagamento de até 50% do ITR (art. 105, §1º, alínea a), não obstante também constituam meio de pagamento da desapropriação-sanção, pelo descumprimento da função social da propriedade rural.

17 Celso Antônio Bandeira de Mello, ao cuidar do instituto da desapropriação, leciona: “indenização justa, prevista no artigo 5º, XXIV, da Constituição, é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio.” BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 740.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 128 19/11/2015 10:44:35

Page 122: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

129CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

o artigo 184, quando se refere ao real valor, o faz em referência aos títulos da dívida agrária, aos quais estabelece o pressuposto da existência de “cláusula de preservação do valor real”, a indicar que nesse passo se encontra simplesmente a prever a atualização monetária desses títulos, preservando-se seu valor real.

Assim, nada tem que ver essa preservação do real valor dos títulos na desapropriação para a reforma agrária, com o asseguramento do valor real de indenização na desapropriação do imóvel urbano que descumpra sua função social, eis que nessa hipótese o termo real tem o mesmo sentido de “justa”, sendo ambas as expressões — justa indenização, como real indenização — pleonásticas.

Destarte, parece-nos inconstitucional o inciso I do §2º do artigo 8º da Lei nº 10.257/01, na medida em que o atendimento de sua previsão, ao possibilitar a retirada da propriedade com base em valor prefixado com a possibilidade de não ficar indene o proprietário, vulnera o preceito da real indenização previsto pelo artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal.

Além disso, esse dispositivo ostenta outro defeito, a nosso ver, consistente na previsão do desconto do valor incorporado, em razão de obras realizadas pelo Poder Público na área onde se localize.

Com efeito, tal previsão nada mais configura que uma contri-buição de melhoria, portanto de tributo que somente pode ser cobrado como tal, mediante a edição de lei específica oriunda da pessoa política dele beneficiária, que obedeça a uma série de requisitos previstos nos artigos 81 e 82 do Código Tributário Nacional.

Nesse sentido, a jurisprudência afasta o abatimento da indeni-zação do valor correspondente à valorização da área desapropriada, ao argumento de que a valorização decorrente de obra pública somente pode ser cobrada como contribuição de melhoria, além do que, sendo geral a valorização, seria descabido cobrar apenas do desapropriado.18

De outra parte, o inciso II do §2º do artigo 8º da lei preconiza que no valor da indenização não deverão ser computados “expectativas de ganhos”, “lucros cessantes” e “juros compensatórios”.

Nesse passo, parece que a lei incide em tautologia, eis que a figura dos lucros cessantes, como tradicionalmente são concebidos por definição legal, consiste naquilo que razoavelmente se deixou de lucrar (art. 402 do CC).

18 Nesse sentido a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgamento da Apelação Cível nº 262.561-2/Piraju. Nesse mesmo sentido a decisão da mesma Corte na Apelação Cível nº 020.108-5/Jacupiranga. In: “Jurisprudência Informatizada Saraiva”, CD-ROM nº 24, 2º trimestre de 2001.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 129 19/11/2015 10:44:35

Page 123: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

130 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Destarte, parece-nos que expectativa de ganho, desde que razoável, outra coisa não configura que os próprios lucros cessantes.

Ora, se a Constituição Federal, na espécie, preconiza a real inde-nização que, para nós, como anteriormente exposto, tem o mesmo significado da justa indenização, evidentemente para que seja ela realizada haverá de compreender os danos causados ao proprietário, que compreendem não apenas o que se perdeu (dano emergente), como o que razoavelmente se deixou de lucrar (lucros cessantes).

De outra parte, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, os juros compensatórios são devidos ao expropriado como compensação pela perda antecipada da posse, em razão da imissão de posse initio litis. Daí diz o autor: “Como a justa indenização só é paga no final da lide, o expropriado, cuja posse foi subtraída no início dela, se não fosse pelos juros compensatórios, ficaria onerado injustamente com a perda antecipada da utilização do bem”.19

Tenha-se presente, contudo, que tal observação foi formulada pelo autor em relação à desapropriação tradicional, por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social.

Que dizer, entretanto, da espécie expropriatória em trato, em que a indenização pode dar-se ao longo de dez anos, em prestações anuais?

Ora, considerando-se que o artigo 182 da Constituição Federal, ao tratar dessa espécie de desapropriação, afirma que ela se efetuará com pagamento mediante títulos da dívida pública, etc., conclui-se que somente poderá ser efetivada a desapropriação mediante a entrega desses títulos ao expropriado.

Ora, se assim é, a imissão antecipada na posse, anterior à efe-tivação da desapropriação que implique sua perda antecipada, haverá de ser compensada pelo pagamento dos juros compensatórios, pena da vulneração do preceito indenizatório que preconiza a recomposição integral do patrimônio afetado.

Por outro lado, nos termos do §4º do artigo 8º, efetuada a desa-propriação, surge para o Município o dever de conferir ade quado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contados de sua incorporação ao patrimônio público, podendo dar-se o apro-veitamento diretamente pelo Poder Público, ou mediante a alienação ou concessão a terceiros, via de procedimento licitatório, transferindo-se ao adquirente do imóvel as mesmas obrigações de parcelamento, edificação, utilização, conforme a hipótese.

19 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 741.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 130 19/11/2015 10:44:35

Page 124: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

131CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

Duas questões nos ocorrem quanto a essa possibilidade: a primeira, consistente no prazo que teria o novo adquirente para pro-ceder às providências que lhe cabem para cumprir a função social da propriedade, e a segunda, que envolve a possibilidade de o desapro-priado participar da licitação para a aquisição do imóvel.

A solução que nos ocorre quanto à primeira questão é a de que os prazos poderão ser estabelecidos no edital do procedimento licitatório para a alienação do imóvel, mas se não o forem, o que seria lamentável, os prazos da lei haverão de ser devolvidos ao adquirente e, assim, teria ele o prazo de um ano para apresentar projeto e de dois para dar início às obras, após a aprovação do projeto; a partir daí, todos os prazos de aplicação por cinco anos do IPTU progressivo para, ao final, dar-se novamente a desapropriação.

Quanto à segunda indagação, parece-nos que o desapro-priado que já descumpriu a função social da propriedade encontra-se proibido de participar da licitação, até porque o interesse social, como aspecto relevantíssimo do direito de propriedade, não pode ficar ao sabor de situações configuradoras de abuso de direito, ainda mais tendo-se em conta o árduo caminho percorrido até a concretização da desapropriação.

Finalmente, cabe indagar qual o rito judicial aplicável a esse tipo de desapropriação.

Enquanto não editada lei especial regulando a matéria, consi-derando a inaplicabilidade dos diplomas que regem a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social,20 a solução encontra-se no artigo 271 do Estatuto Processual Civil, que preconiza que, salvo disposição em contrário, do próprio Código ou de lei especial, aplica-se a todas as causas o procedimento comum que, segundo o arti-go 272 do mesmo Estatuto Processual, pode ser o ordinário ou sumário.

Assim sendo, enquanto não receber disciplina específica, haverá essa ação expropriatória de obedecer ao procedimento comum, ordinário ou sumário, conforme o valor da causa.

8.3 A reforma agráriaTal como ocorre em relação à propriedade urbana, fixou o Texto

Constitucional que o imóvel rural encontra-se também vinculado a atender a sua função social, pena de desapropriação.

20 Respectivamente o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e a Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 131 19/11/2015 10:44:35

Page 125: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

132 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Essa desapropriação, conforme expressa previsão constitucional e legal, deve ser precedida de prévia e justa indenização.

Assim como a desapropriação para fins de reforma urbana, essa indenização deve ser efetuada em títulos, nesse caso, da dívida agrária (TDAs), com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão.

Observe-se, contudo, que as benfeitorias úteis e necessárias devem ser indenizadas em dinheiro.

Tal desapropriação deve dar-se por interesse social e é privativa da União, conforme se colhe do artigo 184, §2º, da Constituição Federal.

Anote-se, ainda, que o artigo 185, incisos I e II, do Texto exclui da desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural, como tal definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra, excluindo também desse tipo de desapropriação a propriedade produtiva.

O artigo 186, incisos I a IV, define o que a Constituição Federal considera como atendimento à função social da propriedade rural, cuidando de estabelecer como implemento dessa função não apenas o aproveitamento adequado, mas também a utilização dos recursos naturais de sorte que se preservem o meio ambiente e o cumprimento da legislação do trabalho. Curiosamente o constituinte inseriu também como condição da configuração da função social da propriedade que a exploração rural seja efetuada de sorte que contemple não somente o bem-estar dos trabalhadores, mas também o dos proprietários, parecendo evidente que esse último requisito foi resultado do jogo político de forças antagônicas na Constituinte.

21

De outra parte, a desapropriação-sanção em exame configura um tipo de desapropriação por interesse social, porém para a finalidade específica da reforma agrária.

A desapropriação por interesse social, disciplinada pela Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, basicamente se distingue da desapropriação por necessidade/utilidade pública pelas hipóteses que elenca, que caracterizam legalmente o interesse social, a viabilizar a desapropriação.

21 “A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo os critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.”

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 132 19/11/2015 10:44:35

Page 126: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

133CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

A efetivação dessa espécie de desapropriação é de atribuição das mesmas pessoas políticas que têm competência para desapropriar por necessidade/utilidade pública, conforme estabelecido no artigo 2º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941: União Federal, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

Todavia, para a finalidade específica da reforma agrária, a com-petência para essa espécie de desapropriação por interesse social é exclusiva da União Federal.

Em nível infraconstitucional, diferentemente das demais hipó-teses de desapropriação por interesse social, o diploma que regula a desapropriação por interesse social, para a finalidade de reforma agrária, é a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.

O objeto desse tipo de desapropriação é, portanto, o imóvel rural que não cumpre sua função social.

O artigo 4º da lei, em seu inciso I, define o imóvel rural como o “prédio rústico de área contínua que se destine ou possa se desti-nar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial”, independentemente de sua localização, o que significa a sujeição à desapropriação para a reforma agrária, independentemente do zoneamento efetuado pelos Municípios, esteja o imóvel situado em zona rural ou zona urbana.

O §2º do artigo 2º do diploma autoriza a União, pelo seu órgão competente, a ingressar nos imóveis rurais para levantamento de dados e informações, mediante prévia notificação.

Esse tipo de vistoria tem caráter de fiscalização e preordena-se à constatação de estar ou não cumprindo o imóvel rural sua função social.

Isso se evidencia pelo disposto no §4º do mesmo artigo, que fixa a desconsideração de qualquer modificação quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, verificada até seis meses posteriores à data da comunicação da vistoria.

Essa vistoria é pressuposto da desapropriação, vez que segun-do os §§6º e 7º do mesmo artigo 2º a vistoria não será realizada, respectivamente pelo prazo de dois anos e quatro anos, em hipótese de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário e sua reincidência.

Tal previsão tem nítida finalidade de conter o Movimento dos Sem-Terra (MST), ao que tange às invasões de imóveis rurais, na expec-tativa de forçar desapropriações e assentamentos rurais.

De outra parte, o artigo 2-A da lei preconiza a punição com multa severa em hipótese de simulação de esbulho ou invasão de parte do proprietário ou de quem legalmente detenha sua posse.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 133 19/11/2015 10:44:35

Page 127: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

134 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

O tipo de vistoria de caráter prévio de verificação do cumpri-mento ou não das funções sociais do imóvel rural não se confunde com a vistoria de caráter avaliatório, preconizada pelo §2º do artigo 2º da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, que disciplina o processo de desapropriação para a finalidade de reforma agrária, estabelecendo-lhe um rito especial, sumário.

O ingresso na propriedade para essa finalidade de avaliação fica condicionado à prévia declaração de interesse social; é realizado mediante o auxílio de força policial, se necessário, mediante prévia autorização judicial.

O prazo de validade da declaração de interesse social é de dois anos, devendo a ação expropriatória ser proposta nesse prazo, pena de caducidade da declaração e consequente carência da ação.

Ocorrida a caducidade da declaração de interesse social, pode ser ela repetida? Entendemos que sim, desde que se respeite o interregno de um ano entre a caducidade e a nova declaração de interesse social.

Com efeito, embora a Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, não ofereça disposição nesse sentido, seu artigo 5º estabelece a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, às desapropriações por interesse social, naquilo em que a lei for omissa.

Vale referir que, em ocorrendo a hipótese de caducidade da declaração de utilidade/necessidade pública, pelo escoamento do prazo de cinco anos, prevê o Decreto-Lei nº 3.365/41, como se lê de seu artigo 10, a possibilidade de nova declaração, após o decurso de um ano da data do termo final de sua validade.

A repetição da declaração de interesse social, relativa à desa-propriação para o fim de reforma agrária, contudo, dependerá de nova vistoria e da constatação de que o imóvel rural, pelos motivos anteriores, ou por novos motivos, descumpre sua função social.

Quanto à indenização, as benfeitorias úteis e necessárias devem ser pagas em dinheiro.

Quanto aos títulos da dívida agrária, pelos quais se efetiva a indenização, seus prazos de vencimento variam conforme a dimensão do imóvel.

Assim, o imóvel de dimensão de até setenta módulos fiscais22 será indenizado por TDAs, com cláusula de preservação de seu valor real, resgatáveis do segundo ao décimo quinto ano; do segundo ao décimo

22 O módulo fiscal, conforme o Decreto nº 84.685, de 6 de maio de 1980, de cada Município é expresso em hectares e deve ser fixado pelo INCRA, considerando-se o tipo de exploração do imóvel; a renda obtida no tipo de exploração predominante; outras explorações existentes no Município, que embora não predominantes sejam expressivas;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 134 19/11/2015 10:44:35

Page 128: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

135CAPÍTULO 8DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO

oitavo ano para a indenização de imóveis com área acima de setenta e até cento e cinquenta módulos fiscais, e do segundo ao vigésimo ano, para indenização dos imóveis com área superior a cento e cinquenta módulos fiscais.

Todavia, existe a possibilidade de alteração desses prazos em hipótese de aquisição por compra e venda de imóveis rurais pela União, para a implementação do Programa Nacional de Reforma Agrária, ou em decorrência de acordo judicial, em audiência de conciliação na ação expropriatória.

A lei considera como efetivada a justa indenização, em confor-midade com seu artigo 12, pelo pagamento do preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias do imóvel, observados os aspectos relativos à localização do imóvel, sua aptidão agrícola, a dimensão do imóvel, a área ocupada e ancianidade das posses, a funcionalidade, tempo de uso e estado das benfeitorias.

Diz a lei que, aferido o preço de mercado atual da totalidade do imóvel, efetuar-se-á a dedução do valor das benfeitorias indenizáveis em dinheiro, obtendo o preço da terra a ser indenizado em TDAs.

Entretanto, se o justo preço definido em lei não significar a indenização do imóvel, no sentido de conferir ao proprietário despojado de seu patrimônio o valor correspondente ao preço de aquisição de imóvel das mesmas características e valor do bem desapropriado, estará ferida a Constituição Federal, que preconiza a desapropriação, condicionando-a, porém, à indenização do valor integral do imóvel.

Considere-se, de outra parte, que a desapropriação em questão é efetuada mediante o pagamento em longo prazo.

Qual seria o valor de mercado? Seria o preço à vista, porém pago a prazo?

Como se sabe, não obstante a cláusula de preservação do valor real das TDAs, ao longo do prazo de seus vencimentos, o preço de mercado normalmente é colhido para o valor pago à vista.

Assim, para a aferição do valor de mercado, haveria de ser consi -derado o preço de imóvel rural, para o pagamento nas mesmas con-dições da desapropriação, e isso evidentemente não se encontrará para cotejo no mercado, eis que ninguém vende imóvel rural para pagamento

e o conceito de “propriedade familiar”, constante do artigo 4º, inciso II, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964: “o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de explo ração, e eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros”.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 135 19/11/2015 10:44:35

Page 129: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

136 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

em quinze, dezoito ou vinte anos; e supondo-se que esse tipo de venda se verificasse, o preço, mesmo com a correção monetária do valor a ser pago a prazo, seria infinitamente maior que o preço pago em dinheiro.

Daí por que se nos afigura despida de praticidade ou mesmo de constitucionalidade a fixação do justo preço com base no preço de mercado.

A indenização deve ser prévia, por expressa disposição consti-tucional.

É por essa razão que a expedição de mandado translativo de domínio, ao Registro Imobiliário, em favor do expropriante, somente se verifica após o depósito judicial em dinheiro, para o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais, e em Títulos da Dívida Agrária, para o pagamento da terra nua. É o que se colhe dos artigos 14 e 15 da Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993. Nessas hipóteses, prevê a lei o pagamento em Títulos da Dívida Agrária, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, com vencimento a partir do segundo ano da emissão, no seguinte escalonamento:

imóveis com área de até três mil hectares, no prazo de cinco anos; imóveis com área superior a três mil hectares: a) o valor relativo aos primeiros três mil hectares, no prazo de cinco anos; b) o valor relativo à área superior a três mil hectares e até dez mil hectares, em dez anos; c) o valor relativo à área superior a dez mil hectares até quinze mil hectares em quinze anos; d) o valor da área que exceder quinze mil hectares em vinte anos.

Ao exame da desapropriação-sanção em nosso ordenamento, não poderíamos deixar de referir a previsão do artigo 243 da Consti-tuição Federal, que preconiza a retirada da propriedade do imóvel, sem nenhuma indenização, quando utilizado no cultivo de plantas psicotrópicas.

Tais áreas, após a retirada da propriedade de seu titular, vulne rador da lei penal, devem ser destinadas especificamente ao assen ta mento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medi camentosos.

Esse tipo de retirada da propriedade, não obstante denominada de expropriação pela Constituição Federal, em verdade não se amolda ao instituto da desapropriação, que não prescinde da indenização para a sua configuração, tendo na realidade o caráter de confisco.

Examinados os aspectos da desapropriação com característica de sanção em nosso ordenamento, passaremos ao derradeiro tópico, objeto de nossa detença neste estudo, consistente na tormentosa questão da execução do título judicial decorrente da ação de desapropriação.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 136 19/11/2015 10:44:35

Page 130: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CAPÍTULO 9

A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA

A execução contra a Fazenda Pública em nosso ordenamento é especialmente regulada, não se podendo, em tese, sujeitar o Poder Público ao mesmo tipo de execução comum às demais pessoas, uma vez que os bens públicos são em princípio impenhoráveis.1

1 Fizemos a ressalva quanto à impenhorabilidade dos bens públicos, porque nos dias atuais essa regra não é mais absoluta, considerando a alteração do artigo 100 e seus parágrafos, introduzida pela Emenda Constitucional nº 30, em especial ao que refere o §3º, quanto ao pagamento das obrigações de pequeno valor, devidas em razão de sentença judicial transitada em julgado, pela Fazenda Federal, Estadual, Municipal e Distrital, que excepciona a forma de execução preconizada pelo caput do artigo 100 da Constituição Federal. Em razão desse fato, também não é aplicável, em relação a essas obrigações, o disposto nos incisos I e II do artigo 730 e no artigo 731 do Código de Processo Civil, que regulam a execução contra a Fazenda Pública, nos moldes do artigo 100 da Constituição Federal. A Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispôs sobre a instalação dos Juizados Especiais Federais, no âmbito da Justiça Federal, define obrigações de pequeno valor, como as de valor até sessenta salários mínimos (art. 17, §1º, combinado com o art. 3º, do diploma). Segundo o artigo 17 da lei, após o trânsito em julgado da decisão (naturalmente compreende a regra a liquidação da sentença), sendo o valor devido de até sessenta salários mínimos, mediante requisição do juiz (a lei diz à autoridade citada para a causa, devendo entender-se: ao representante legal do réu) deverá ser efetuado o pagamento, no prazo de sessenta dias contados da entrega da requisição, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil (naturalmente em conta aberta em nome do credor), pena do sequestro judicial do numerário suficiente ao cumprimento da decisão judiciária, nos termos do §2º desse artigo 17. Anote-se que embora essa modalidade de sequestro do valor devido somente se aplique aos débitos da Fazenda Federal, quanto às Fazendas Estaduais, Municipais e Distritais o mais se aplica, ou seja: o limite de até sessenta salários mínimos (advirta-se que nos termos do §4º do artigo 100 da Constituição Federal, também introduzido pela Emenda Constitucional nº 30, poderá a lei fixar valores distintos quanto a esse limite, para as pessoas públicas, considerando a capacidade de cada uma; mas enquanto isso não for feito, vale o limite atual de sessenta salários mínimos), que configura obrigações de pequeno valor, bem como a não incidência do disposto no artigo 100 da Constituição Federal, nem dos incisos I e II do artigo 730 e artigo 731 do Código de Processo Civil nas execuções até esse valor. Assim, aplicáveis subsidiariamente serão as

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 137 19/11/2015 10:44:35

Page 131: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

138 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

De fato, o artigo 100 da Constituição Federal preconiza que os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, em virtude de sentença judiciária, devem efetivar-se exclusivamente na ordem de apresentação dos precatórios, e à conta dos créditos respectivos.

A sistemática preconizada pela Constituição Federal compreende a inclusão no orçamento das entidades públicas da verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciais, apresentados até 1º de julho, quando serão atualizados seus valores, fazendo-se, em tese, o pagamento até o final do exercício seguinte.

Afirmamos que em princípio o pagamento será efetuado até o final do exercício seguinte porque o §2º desse artigo 100, após fixar que as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, preconiza caber ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, que pode não ser suficiente, como frequentemente ocorre.2

regras da execução comum, para essas hipóteses, podendo inclusive se dar a penhora de seus bens dominicais, que Celso Antônio Bandeira de Mello define como aqueles que “são os próprios do Estado como objeto de direito real, não aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral, sobre os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lhe assistam em conta de direito pessoal”. BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 769.

2 Nos idos de 1986, o douto Vicente Greco Filho publicou a obra Da Execução contra a Fazenda Pública, e considerando a oportunidade da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, formulou proposta de alteração do artigo 117 da Constituição revogada, equivalente ao atual artigo 100, procurando dar efetividade à execução contra a Fazenda Pública, propondo regra expressa sobre a consequência do inadimplemento, assim fixada: “No caso de descumprimento pelo Poder Executivo dos parágrafos anteriores, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, fica o Presidente do Tribunal Federal de Recursos ou o Presidente do Tribunal de Justiça, conforme o caso, autorizado a anular, total ou parcialmente, dotações orçamentárias consignadas a outras finalidades da pessoa jurídica de direito público devedora, fazendo diretamente o empenho em favor da conta própria, para a efetiva liquidação dos precatórios que deverão ser pagos no exercício quando a dotação ou a liberação de recursos para pagamento dos precatórios se mostrar insuficiente”. Era reflexo tal proposta à “crise de efetividade” de que padecia a justiça, como logo na introdução de seu livro salientou o autor, em que, trazendo à baila os escólios de Barbosa Moreira, salientou então: “Meditando sobre essas proposições e convencidos de que a ordem jurídica deve tender à sua concretização, contemplamos perplexos o que vem acontecendo com os pagamentos devidos pela Fazenda Pública, mesmo nos Estados e Municípios mais ricos da Federação, quando os direitos dos indivíduos, como a justa indenização na desapropriação, os direitos de funcionários que obtiveram na justiça o reconhecimento de vantagens, os direitos de todos os prejudicados pela atuação do Estado, ainda que necessária, e que propuseram ações com fundamento no art. 107 da Constituição Federal, e outros, ficam postergados pela omissão da Administração em efetivar o pagamento o mais rápido possível”. GRECO FILHO. Da execução contra a Fazenda Pública, p. 101 e 102.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 138 19/11/2015 10:44:35

Page 132: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

139CAPÍTULO 9A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA

Considere-se que, quanto ao aspecto em tela, é evidente a crise de efetividade da justiça, o que acarreta descrédito, colocando em xeque a credibilidade do Poder Judiciário e das instituições democráticas, eis que intermináveis são as filas de precatórios, além do fato de que usualmente as Fazendas Públicas, salvo honrosas exceções, utilizam todos os expedientes possíveis para retardar os feitos em que se lhes possam impor condenações em favor dos administrados, atuando como verdadeiras litigantes de má-fé, o que é simplesmente lamentável.3

Entretanto, após essa rápida abordagem da execução contra a Fazenda Pública, afirmamos que esta foi efetivada apenas em caráter ilustrativo, eis que o objeto de nossa indagação circunscreve-se à sua pertinência quanto à ação expropriatória, para expressamente negá-la, pelas razões que adiante vão desenvolvidas.

Ao termo do processo de desapropriação, estabelecido o valor da indenização em caráter definitivo, o desejável seria que o Poder Público espontaneamente efetuasse o pagamento da indenização, para que em seguida, sendo imóvel o objeto da ação expropriatória, fosse expedido mandado judicial ao Registro Imobiliário para a efetivação da matrícula em nome do expropriante.

Todavia, o que se vê na prática é a promoção da execução pelo expropriado contra a Fazenda Pública, que, após tornar-se líquido o

3 A possibilidade de intervenção federal, em hipóteses da suspensão do pagamento de dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, ou pelo descumprimento de sentença judiciária, nos Estados e Distrito Federal, constitui-se em possibilidade prevista na Constituição Federal, em seu artigo 34, incisos V, alínea a, e VI. Achava-se em julgamento, então, perante o Supremo Tribunal Federal, pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, em razão de não pagamento de precatórios de débitos de caráter alimentar. Segundo a Revista Consultor Jurídico (publicada no site <www.conjur.com.br>) edição de 17 de agosto de 2002, após os votos do Ministro Marco Aurélio, que concedia a intervenção, acompanhado parcialmente pelo voto do Ministro Ilmar Galvão e dos votos contrários dos Ministros Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, verificando­se pedido de vista do Ministro Carlos Velloso. A revista em questão efetuou a seguinte previsão: “Dos cinco ministros que ainda vão votar, o decano, Moreira Alves, já se manifestou, anteriormente, contra a intervenção. Dois outros, de perfil conservador — Carlos Velloso e Sydney Sanches — devem seguir o mesmo caminho. Confirmada essa contabilidade, mesmo que Celso de Mello e Sepúlveda Pertence votem com o relator, a questão já estará decidida”. Independentemente da previsão da revista e de sua pertinência com a realidade, o que importa nessa matéria efetivamente é o elenco dos números de intervenções pedidas em relação aos diversos Estados da Federação, valendo salientar que o Estado de São Paulo é alvo de 2.822 processos de pedido de intervenção. Por último, referência também importante no artigo em tela é o fato de que até hoje o Supremo Tribunal Federal, em sua história concedeu somente três intervenções federais, no Maranhão (IF 25, de 5.4.1965), no Mato Grosso (IF 46, de 23.03.1966) e no Rio Grande do Norte (IF 47, de 08.08.1966), anotando a revista que, dessas três, apenas o pedido maranhense não se sustentava em descumprimento de decisão judicial.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 139 19/11/2015 10:44:35

Page 133: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

140 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

quantum debeatur, efetiva requerimento de expedição de precatório, com fundamento no artigo 100 da Constituição Federal, procedendo na forma dos artigos 730 e 731 do Estatuto Processual Civil.

Entretanto, essa prática é inquestionavelmente desafiadora da lógica e desconforme com o regramento da espécie.

O expropriado é o réu na ação de desapropriação, em que, a teor do artigo 20 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, sua contestação é limitada à arguição de vício no processo judicial, ou à impugnação do preço, sendo expresso que qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.

Ora, considerando, além disso, que o artigo 9º desse diploma veda ao juiz, no processo expropriatório, decidir sobre a existência ou não da utilidade pública, que propicia a efetivação da desapropriação,4 evidencia-se que em princípio, nada mais pode o expropriado opor ao pedido expresso na ação expropriatória que a impugnação da oferta da indenização, que se constitui no pressuposto constitucional para a efetivação da desapropriação.

A impugnação do preço, pois, constitui a defesa de mérito do desapropriado, sendo patente que o rito especial desse feito, com a limitação imposta pelo artigo 20 do Decreto-Lei nº 3.365/41, não comporta reconvenção.5

Ora, tirante a hipótese preconizada pelo §1º do artigo 278, que no rito sumário confere ao réu a possibilidade de, na contestação, formular pedido em seu favor, e a hipótese de reconvenção, outra possibilidade

4 Tenha-se presente a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que admite a possibilidade de arguição de vício da declaração de utilidade pública na própria ação de desapropriação, quando se possa demonstrar “objetiva e indisputavelmente” a ocorrência de desvio de poder na declaração de utilidade pública, para evitar-se que o bem se integre indevi-damente ao patrimônio público, com a vulneração do direito de propriedade: “Cumpre que tal apreciação possa ser feita até mesmo na ação expropriatória, que, se assim não fora, de nada valeria ao particular demonstrar-lhe o vício posteriormente, pois, uma vez integrado o bem, ainda que indevidamente, ao patrimônio público — ex vi do art. 35 do Decreto-Lei nº 3.365 —, a questão resolver-se-ia por perdas e danos, donde ser ineficiente tal meio para garantir ao proprietário despojado a proteção estabelecida no art. 5º, XXIV, da Carta Magna, que assegura a propriedade, salvo quando o interesse público (entende-se, efetivamente existente) requeira sua conversão na correspectiva expressão patrimonial”. BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 747.

5 Nesse sentido averba José Carlos de Moraes Salles: “A impugnação do preço, portanto, como matéria de mérito, deve verificar-se na própria contestação. Não há contra-ataque que possa ser desfechado pelo expropriado por meio de reconvenção, porque a natureza da ação de desapropriação não permite que outras questões — além daquelas referidas pelo art. 20 do Decreto-Lei nº 3.365/41 — possam ser discutidas e decididas em seu âmbito, cumprindo ao interessado valer-se da ação direta, mencionada naquele dispositivo legal, para debatê-las”. SALLES. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, p. 389.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 140 19/11/2015 10:44:35

Page 134: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

141CAPÍTULO 9A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA

não há, em nosso Direito Processual, de o réu obter com a sentença título judicial condenatório.

É óbvio, aliás, que na ação expropriatória a sentença não confere ao expropriado um título condenatório, até porque tal não poderia ocorrer sem pedido condenatório formulado pelo réu, que como se viu, nesse tipo de ação não pode ocorrer, com exceção, é lógico, dos ônus da sucumbência que podem ser impostos ao autor, comportando em relação a eles, e exclusivamente quanto aos mesmos, a execução em favor do réu.

Tenha-se presente que a indenização fixada na sentença do feito expropriatório não é condenatória, mas meramente declaratória, não constituindo ipso facto um título judicial em favor do desapropriado.

Nesse sentido já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao julgamento da Reclamação nº 471/SC, relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, de cuja ementa se colhe o seguinte tópico:

I. No processo de desapropriação, a sentença que fixa o valor do ressar-cimento é declaratória. Por isso não se presta à execução.II. Não é correto falar em execução para a cobrança do valor arbitrado no processo expropriatório: a teor do princípio da prévia indenização, o bem só estará desapropriado após pago o preço; por outro lado, ape-nas o sucumbente está legitimado para ser réu no processo executório, não sendo possível executar-se o expropriante [certamente por erro de digitação foi consignado na ementa “expropriado”, o que seria contra-ditório com o acórdão, sendo certo que se quis consignar expropriante], vitorioso no processo de conhecimento.

Vale consignar os seguintes tópicos do voto do ilustre relator:

Assim, a sentença que fixa o valor da indenização carece de força con-denatória; ela tem evidente natureza declaratória: nela o juiz explicita qual o valor da indenização que derrogará o direito a ser expropriado.Merece destaque a circunstância de que a sentença não efetiva a desa-propriação. Nela o juiz limita-se em dizer ao Estado autor: ‘Se quiser consumar a desapropriação, pague ao expropriado o valor tal’.Abre-se, então, em favor do Estado a faculdade de depositar o preço e consumar a desapropriação.Fique bem claro: a sentença não condena o Estado a efetuar a de-sapropriação; ela simplesmente acerta o valor a ser entregue, como indenização.Tanto isso é verdadeiro que — desaparecida a necessidade motivadora — pode o Estado desistir da pretensão expropriatória [a redação consigna

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 141 19/11/2015 10:44:35

Page 135: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

142 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

“pretensão indenizatória” por evidente erro de digitação] (em verdade, ele fica impedido de consumar a desapropriação, por haver desaparecido um de seus requisitos).

O artigo 584, inciso I, do Código de Processo Civil, ao tratar dos títulos executivos judiciais refere-se à sentença condenatória, evidenciando que a sentença declaratória não se constituindo em título executivo judicial, não se presta para embasar a execução. Nesse sentido, afirma Chiovenda:

a sentença declaratória, obtida antes do vencimento da obrigação, não se converte em título executório quando do vencimento. A sentença que não teve originariamente função preparatória de execução não pode adquiri-la depois. Seria grave que o réu ficasse sujeito à execução, quando é possível surgirem, após a sentença declaratória, novas exceções a seu favor, e ser-lhe-ia forçoso fazê-las valer, então, sob a incômoda forma de embargos à execução. A actio iudicati, pois, que se extrai da sentença declaratória, não pode endereçar-se à execução mas unicamente à emanação de uma nova sentença (de condenação).6

Nesse sentido, tratando da ação declaratória, afirma Moacyr Amaral Santos:

Em tais termos, proposta a ação para tão-só declarar a existência de um crédito do autor em face do réu, e julgada procedente a ação, a declaração de certeza esgota a função do juiz. A sentença valerá como declaração de certeza da existência de uma relação de crédito, valerá como preceito, como norma jurídica concreta. Mas para o vencedor fazer valer o seu crédito contra o vencido, exigindo-lhe o respectivo pagamento, terá que propor outra ação contra o devedor, esta de natureza condenatória, fundada na declaração da sentença declaratória.7

Nesse diapasão preleciona Alcides de Mendonça Lima:

No Brasil, pelo menos doutrinariamente, a sentença que autoriza a execução é sempre condenatória, ainda que tal condição nela se revele apenas numa parte secundária.8

6 CHIOVENDA. Instituições de Direito Processual Civil, p. 275 e 276.7 SANTOS. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, p. 31.8 LIMA. Comentários ao Código de Processo Civil, p. 315.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 142 19/11/2015 10:44:35

Page 136: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

143CAPÍTULO 9A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA

A jurisprudência é pacífica no sentido de que a ação meramente declaratória não comporta execução.9

Como se vê, não existe na ação expropriatória provimento con-denatório, contra o autor da desapropriação, eis que a indenização fixada pelo decisum é simplesmente declaratória, constituindo-se em simples condição, para a efetivação da desapropriação.

Assim, a indenização na desapropriação não se constitui em direito autônomo em favor do réu, a ensejar a sua cobrança ao trânsito em julgado da decisão prolatada na sentença expropriatória.

Fica a desapropriação subordinada ao implemento da inde-nização, que deve efetivar-se como andamento lógico e final do processo expropriatório.

Estabelece o artigo 100 da Constituição Federal:

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Vê-se que não se aloca a indenização na desapropriação no conceito de pagamento devido pela Fazenda Pública em virtude de sentença judiciária, mesmo porque, como acima foi referido, não se constitui a indenização na ação expropriatória em direito autônomo do réu, exequível como um provimento condenatório.

O que aparta essa situação judicial das condenações da Fazenda Pública, sujeitas aos trâmites preconizados nos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil, com base no artigo 100 da Constituição Federal, é que a sentença declaratória na desapropriação, ao contrário das sentenças condenatórias, não faz surgir o título determinante de uma execução, mas tem por objetivo tão somente, com seu trânsito em julgado, fixar o valor devido, para a concretização da desapropriação.

Desse modo só se pode concluir que é absolutamente equivo-cada a prática da execução da indenização pelos expropriados, com

9 Confiram-se nesse sentido os ven. acórdãos prolatados pelo Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais nºs 153.353-SP, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: “Na lição de Chiovenda, o nome de sentenças declaratórias (‘judgements déclaratoires’, ‘Festsllungsurteils’, ‘declaratory judgements’) compreende ‘lato sensu’ todos os casos em que à sentença do juiz não se pode seguir execução”; 180.852-RS, relator o Ministro Edson Vidigal; 226.030-SP, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e 237.383-SC, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 143 19/11/2015 10:44:36

Page 137: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

144 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

fundamento no artigo 100 da Constituição Federal e nos termos dos artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil.

Dessa situação apercebeu-se de há muito o ilustre Sergio Ferraz, eis que no Encontro Jurídico sobre Desapropriação, realizado em outubro de 1984,10 em palestra denominada “A Justa Indenização e o Anteprojeto da Lei de Desapropriação”, analisando o artigo 37 do anteprojeto, objeto do “Encontro”, afirmou o seguinte:

O art. 37 substitui o regime do mandado requisitório por uma intimação para depósito, num prazo curto a fim de que realmente se possa habilitar o expropriante às conseqüências que buscava. Nesse ponto me parece estar um ‘punctum dolens’ na prática da desapropriação no Brasil. No Brasil as indenizações expropriatórias, por comodismo dos advogados, por equívoco dos julgadores, por omissão da doutrina, se tem resolvido na expedição de precatórios. Esses precatórios em absoluto realizam a prescrição constitucional da justa e prévia indenização. Submeter o pagamento da indenização a precatório/expropriatório é praticar um atentado à Constituição. Nem se diga que a própria Constituição con-tém preceitos que mandam que as sentenças condenatórias da Fazenda Pública sejam expressas, na sua realização, em ordens de pagamento, que são exatamente esses precatórios, os quais, segundo a previsão constitucional, terão que ser pagos efetivamente na estrita ordem de sua apresentação, sob pena até de configuração de crime de responsabilida-de. Nem se diga isso por uma pura e simples razão: a sentença, na ação de desapropriação, não condena o expropriante a pagar indenização; o que ela faz é declarar o valor da indenização.

Pois bem, tratando-se de imóvel o objeto da desapropriação, como usualmente ocorre, como se soluciona a questão se o expropriante não pagar a indenização e, portanto, não der continuidade ao processo, para a efetivação do registro do bem em seu nome, mediante o mandado judicial a ser expedido ao Registro Imobiliário?

Como se sabe, a teor do artigo 42 do Decreto-Lei nº 3.365/41, ao processo expropriatório aplica-se subsidiariamente o Código de Processo Civil.

A inércia do expropriante caracteriza a sua contumácia e, assim, aplicando-se por analogia o artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil, a pedido do desapropriado, deve ser a pessoa jurídica expropriante intimada na pessoa de seu representante legal, para dar

10 As conferências realizadas nesse seminário foram publicadas pela Furnas Centrais Elétricas S.A., em 1984.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 144 19/11/2015 10:44:36

Page 138: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

145CAPÍTULO 9A EXECUÇÃO DE SENTENÇA NA AÇÃO EXPROPRIATÓRIA

continuidade ao processo, requerendo a expedição do mandado de registro da propriedade em seu nome ao Registro Imobiliário, mediante o pagamento da indenização, pena do decreto da extinção do processo, nos termos do §1º do artigo 267 do Código de Processo Civil.11

Em hipótese de ter ocorrido a imissão provisória de posse sem a prévia e justa indenização, como devido, conforme exposto no Capítulo 2 deste estudo, e se torne inviável a devolução do bem ao expropriado pela sua desfiguração ou irreversível “incorporação” ao patrimônio do expropriante, pela construção sobre ele da obra pública, caracterizar-se-á a “desapropriação indireta”, ensejando então nessa hipótese a indenização, com as consequências expostas no Capítulo 3 deste estudo, ao qual nos reportamos.

11 Nossa posição tem sido acolhida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, valendo destacar o v. acórdão prolatado na Apelação com Revisão nº 765.717-5/0-00, da Comarca de São Vicente, Relator o Desembargador Xavier de Aquino, e o v. acórdão prolatado no Agravo de Instrumento nº 2028507-49.2014.8.26.0000, Relator o Desembargador Aliende Ribeiro.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 145 19/11/2015 10:44:36

Page 139: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

CONCLUSÕES

1 A Constituição Federal estabelece a função social da propriedade, em sentido lato, como parâmetro informador do perfil do direito de propriedade, fixando de outro lado essa função em sentido estrito, quando a define como dever a ser implementado à propriedade urbana, ou quando especifica a compreensão da função social da propriedade rural.

2 Como elemento integrante do perfil do direito de propriedade, a função social é determinante da diretriz estabelecida no ordena-mento, no sentido de que a propriedade privada, além de proporcionar a sua fruição individual pelo proprietário, também é direcionada à satisfação dos interesses da sociedade, podendo por isso extinguir-se, diante da necessidade/utilidade pública ou interesse social, mediante a indenização correspondente, indenização essa informada pelo princípio da igualdade.

3 Pela incidência de dois princípios, o da função social da pro-priedade e o da igualdade, pode-se concluir que a satisfação dos inte-resses coletivos, com a implementação da função social da pro priedade, não se constitui em carga atribuível tão somente ao proprietário, mas a toda a sociedade. Nesse sentido, em nível constitucional, a função social da propriedade é o fundamento da desapropriação.

4 Cabe à lei disciplinar as hipóteses caracterizadoras da neces-sidade e utilidade públicas, ou interesse social. Todavia, o legislador encontra-se limitado aos parâmetros lógicos, que se colhem do próprio ordenamento jurídico, no sentido de que as hipóteses eleitas ostentem adequação com a estruturação da atividade administrativa, conferida pelo próprio ordenamento, para a missão de realizar o interesse público.

5 O fundamento da desapropriação tradicional, por necessidade/utilidade pública ou interesse social, em nosso direito positivo se extrai

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 147 19/11/2015 10:44:36

Page 140: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

148 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

do próprio perfil do direito de propriedade, tal como é ele concebido no ordenamento, com uma carga de exaustão, diante da ocorrência da necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, assim definidos pela lei.

6 Rejeita-se a teoria que fundamenta a desapropriação na su-premacia do interesse público sobre o interesse privado, quando em confronto, porque no Estado de Direito não se pode conceber a priori a existência de supremacia de um certo tipo de interesse que se sobreponha a outros. Diante de um conflito de interesses, caberá ao Poder Judiciário, considerando os fatos e o direito aplicável, definir qual o interesse (sinônimo de direito em nosso ordenamento) prevalente. A desapropriação decorre de expressa previsão constitucional, ante a ocorrência de pressupostos fáticos normativamente determinados a priori.

7 Fora das hipóteses de desapropriação-sanção, a imissão pro-visória de posse somente se pode efetuar mediante prévia e justa indenização em dinheiro.

8 Em se considerando a posse como mera expressão do direito de propriedade, sua retirada significa a exaustão desse direito, ensejando, portanto, o pagamento da prévia e justa indenização, ainda que apurada sob forma provisória em razão da urgência.

9 Por outro lado, ainda que se considere a posse como direito autônomo, apartado do direito de propriedade, sua retirada, signifi-cando a desapropriação do direito de posse, enseja o pagamento prévio da justa indenização, em razão do comando constitucional dela determinante.

10 A previsão constitucional da desapropriação alcança tanto os bens móveis, como os bens imóveis, os bens corpóreos como os incorpóreos, alcançando, assim, os direitos em geral, entre os quais se inclui o direito de posse.

11 São patentemente inconstitucionais as previsões legais que prescrevem o levantamento pelo expropriado apenas de parte do valor depositado, quando da imissão de posse. De fato, tais prescrições vulneram o preceito constitucional do pagamento da prévia e justa indenização, estabelecido como condicionante da efetivação da desa-propriação, o que ocorre com a ablação do direito de posse, quando da incidência da chamada imissão provisória de posse.

12 A imissão provisória de posse, em relação ao processo expropriatório, amolda-se na figura da tutela antecipada, configurando a urgência, seu único pressuposto de concessão.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 148 19/11/2015 10:44:36

Page 141: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

149CONCLUSÕES

13 O disposto no artigo 46 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, ao preconizar a nulidade do ato de desapropriação do imóvel urbano, expedido sem o atendimento do disposto no §3º do artigo 182 da Constituição Federal ou sem o depósito judicial do valor da indenização, inviabiliza a imissão provisória de posse, sem o pagamento ou depósito do valor integral da indenização, que significa o valor da justa indenização.

14 A regra do artigo 35 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, não alcança os bens supostamente incorporados ao patrimônio público em decorrência de desapropriação indireta, pois ela disciplina a impossibilidade da reivindicação dos bens expropriados, integrados ao patrimônio das pessoas públicas. De fato, os bens atingidos pela “desapropriação indireta” não podem ser considerados como expropriados pela ausência do requisito constitucional da prévia indenização, carecendo ainda do pressuposto do processo legal, necessário para tanto.

15 Inexistindo situação fática que desfigure o bem, de sorte que se torne inviável seu retorno à situação anterior ao esbulho possessório praticado pela Administração, é cabível a ação reivindicatória da propriedade pelo proprietário esbulhado, com os remédios possessórios adequados, em cumulação com o pleito de perdas e danos, pela privação da propriedade, consistentes nos lucros cessantes, quando incidirem tais perdas.

16 Sendo o esbulho irreversível, caberá cumulativamente o res sarcimento de perdas e danos, materiais e morais, podendo ser proposta a ação diretamente em face do agente público responsável pelo esbulho, ou em face da pessoa de Direito Público responsável ou, ainda, em face de ambos, podendo a conduta do agente ser enquadrada em improbidade administrativa, nos termos do inciso I do artigo 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

17 Na mesma medida em que o artigo 225 da Constituição Federal confere a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equi librado, impõe, em contrapartida, ao Poder Público e à coletividade o dever de sua defesa e preservação para as presentes e futuras ge-rações. Considerando, pois, que esse dever de preservação do equilíbrio ecológico de longo alcance constitui-se em um dever de toda a cole-tividade, não se pode carrear seus ônus apenas a alguns, mas devem ser eles distribuídos por toda a coletividade, realizando-se, nesse passo, também o pressuposto da igualdade perante os encargos sociais, em contraposição à fruição que alcança igualmente a todos.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 149 19/11/2015 10:44:36

Page 142: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

150 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

18 Os encargos decorrentes da preservação de áreas de florestas, existentes em propriedades privadas, que não configurem apenas um benefício ao proprietário da área devem ser distribuídos pela cole-tividade, o que se realiza com a indenização.

19 O dever de integração do bem privado à sua função social não é excludente da indenização nessa hipótese, porque o descumprimento da função social da propriedade em nosso ordenamento não é determinante do desfazimento do direito de propriedade sem indenização, mas, antes, configura hipótese de desapropriação, mediante indenização, pelo pagamento que, embora efetuado em títulos públicos, deve corresponder à justa indenização.

20 A preservação de áreas florestais imposta às pessoas privadas não configura meramente limitação à propriedade componente de seu perfil, mas amolda-se no instituto da servidão, sendo, ipso facto, indenizável.

21 O benefício que se colhe da preservação das áreas verdes, em terras particulares, é diretamente decorrente do bem colocado sob especial serventia da coletividade, o que não se passa com as limitações, cujo benefício é colhido de modo indireto. O dever de suportar, assim imposto ao proprietário, sobre sua propriedade, para o benefício da coletividade, configura servidão, impondo-se a indenização, na medida de seu prejuízo, e unicamente nessa medida.

22 Considerando que as áreas de reserva legal, nos termos do §8º do artigo 16 da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, devem ser averbadas à margem da inscrição da matrícula do imóvel, no Registro Imobiliário, em que se estabelece, inclusive, a vedação da alteração de sua destinação, ainda que, em caso de alienação, somente após a efetivação desse registro é que se concretiza o comando legal sobre a esfera jurídica de seus destinatários, passando, então, a fluir o prazo prescricional para ações indenizatórias em decorrência do sacrifício de direito. De fato, não tendo a lei em tese aptidão para ferir direitos, não pode determinar a fluência do prazo prescricional, o que apenas se verifica pela sua incidência em concreto.

23 O princípio da constitucionalidade, informador da supremacia da Constituição Federal, frente às demais normas do ordenamento e da presunção da necessária existência de meios para a sua defesa, é fator determinante da possibilidade da impugnação judicial da coisa julgada inconstitucional, tendo em conta ainda que a previsão constitucional da proteção à coisa julgada somente a resguarda da lei nova, que não pode alcançá-la.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 150 19/11/2015 10:44:36

Page 143: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

151CONCLUSÕES

24 É viável e recomendável o uso da ação popular como meio de ataque à coisa julgada decorrente de inconstitucionalidade ou até mesmo apenas de simples ilegalidade, quando esses vícios forem determinantes de lesão ao Erário, sendo relevante considerar que a coisa julgada, a teor do artigo 472 do Código de Processo Civil, não alcança o autor popular, que, tendo legitimação ordinária para a lide popular, é terceiro quanto à res judicata.

25 São imprescritíveis as ações de ressarcimento de danos ao Erário, causados por qualquer agente público, servidores ou não, incluindo-se entre essas ações a ação popular, que aninha entre seus objetos imediatos o provimento condenatório ao ressarcimento de danos ao Erário.

26 A desapropriação de imóveis urbanos que descumpram sua função social a ser efetuada em títulos da dívida pública, deve atender ao pressuposto da justa indenização, que é o significado do valor real da indenização, preconizado pelo artigo 182, inciso III, da Constituição Federal.

27 O termo indenização, por si, compreende a contrapartida integral, e o cotejo com a previsão da justa indenização preconizada na Constituição Federal para os imóveis rurais que igualmente descum-pram sua função social produz elementos suficientes a indicar que a inteligência do valor real da indenização aludido pela Constituição Federal, quanto aos imóveis urbanos, quer significar o valor da justa indenização.

28 A fixação do valor da indenização do imóvel rural, desa-propriado para a finalidade da reforma agrária nos termos da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, segundo o preço atual de mercado, conforme o artigo 12 do diploma em questão, não oferece praticidade, eis que nesse mercado certamente inexiste oferta de imóveis rurais para pagamento em quinze, dezoito ou vinte anos, o que na prática inviabiliza o cotejo. Além disso, sujeitar-se o valor da indenização às oscilações de um mercado sempre dependente de fatores vários, como a instabilidade política, ou a situações ocasionais, como, v.g., a super-produção agrícola, pode ser determinante da indenização não justa, e, portanto, inconstitucional.

29 A regra da impenhorabilidade dos bens públicos não é abso luta nos dias atuais, vez que o §3º do artigo 100 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, excepciona da execução contra a Fazenda Pública o dis posto no caput do artigo, no que tange à expedição de precatórios para o pagamento de obrigações definidas pela lei como de pequeno valor.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 151 19/11/2015 10:44:36

Page 144: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

152 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

30 Ao assim dispor, afastou esse dispositivo a modalidade da execução pela via dos precatórios para esse tipo de débito público, aplicando-se ipso facto a regra geral da execução preconizada pelo Código de Processo Civil, para as hipóteses não reguladas pela lei, parecendo perfeitamente possível a penhora de bens públicos dominicais, ainda mais em se considerando que, em nível federal, a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, prevê a possibilidade de sequestro de dinheiros públicos, com o caráter satisfativo de pagamentos ordenados pelo juiz da execução e não cumpridos no prazo de sessenta dias.

31 É meramente declaratória a natureza jurídica da sentença prolatada na ação expropriatória, quanto ao aspecto que fixa a indenização, não conferindo título condenatório ao réu — o expropriado —, não podendo por isso constituir-se em título judicial executivo em favor do réu, nos termos do artigo 584, inciso I, do Código de Processo Civil, não assistindo ao expropriado o direito à promoção da execução.

32 A indenização devida na desapropriação não se enquadra no conceito de “pagamento devido pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária”, não se podendo sujeitá-la ao artigo 100 da Constituição Federal.

33 Após ser fixada judicialmente a indenização, em caráter definitivo, cabe ao expropriado requerer ao juiz da desapropriação a intimação da Fazenda, para que dê prosseguimento ao processo expropriatório, praticando os atos necessários à concretização da desapropriação, entre eles o pagamento da indenização, pena de extinção do processo e da própria desapropriação.

34 Em hipótese de ser irreversível de fato, a situação do bem, pela antecipada imissão de posse, caracterizar-se-á a desapropriação indireta um ilícito sujeito a graves consequências, determinante, inclusive, de responsabilização pessoal do agente público e seu enquadramento em improbidade administrativa, como visto em conclusão supra.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 152 19/11/2015 10:44:36

Page 145: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

REFERÊNCIAS

ALESSI, Renato. La Responsabilità della Pubblica Amministrazione. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1941. v. I.

ANTUNES ROCHA, Cármen Lúcia. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BARROS MONTEIRO, Washington de. Curso de Direito Civil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

BENJAMIN, Antônio Herman V. In: Anais do Congresso Internacional de Direito Ambiental, 1997.

BEZNOS, Clovis et al. Direito Administrativo na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

BIELSA, Rafael. Derecho Administrativo. 6. ed. Buenos Aires: La Ley, 1965. v. IV.

BLASI Paulo Henrique, Da reaquisição do bem expropriado. São Paulo: Resenha Universitária, , 1975.

BRITO, Carlos Ayres. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 74, abr./jun. 1985.

CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 6.

CAMPOS PEREIRA, Carlos Alberto de. A disputa da posse. São Paulo: LTr, 1999.

CANASI, José. Derecho Administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1972. v. 1, Parte Geral.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1997.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998. Tradução de: Instituzioni di Diritto Processuale Civile.

CIRNE LIMA, Ruy. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 5, jul./set. 1968.

COSTA, Flávio Dino de Castro e. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 18.

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 12.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 153 19/11/2015 10:44:36

Page 146: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

154 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

DALLARI, Adilson Abreu. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 59/60, jun./dez. 1981.

DANELUZZI, Marcelo Duarte. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 5.

DANTAS, Ivo. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, Fórum, ano 2, n. 15, maio 2002.

DELGADO, José Augusto, Tópico do voto do Ministro José Delgado, ao julgamento da Ação Rescisória nº 769 - CE (1998/0035391-7), no Colendo Superior Tribunal de Justiça.

DELGADO, José Augusto. Palestra proferida no II Seminário de Direito Ambiental Imobiliário, contida em Publicação do Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, Série Eventos, n. 7, Imprensa Oficial do Estado, ano 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

DIAS, Francisco Barros. Breve análise sobre a coisa julgada inconstitucional. Disponível em: <www.jfrn.gov.br\doutrina.htm>. Acesso em: 3 out. 2000.

DIEZ, Manuel Maria. Derecho Administrativo. Buenos Aires: Bibliográfica Omeba, 1969. t. IV.

DUGUIT, Léon. Las transformaciones generales del derecho privado, desde el Código de Napoléon. 2. ed. Tradução de Carlos G. Posada. Librería Española y Extranjera, 1920.

ESCOLA, Hector Jorge. Compendio de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1990. v. II.

FARIA, Juliana Cordeiro de. Revista da Advocacia Geral da União, ano II, n. 9, abr. 2001.

FERRAZ, Sergio. A justa indenização e o Anteprojeto da Lei de Desapropriação. In: SEMINÁRIO ENCONTRO JURÍDICO SOBRE DESAPROPRIAÇÕES. [S.l]: Furnas Centrais Elétricas S.A., 1984.

FERRAZ, Sergio. A justa indenização na desapropriação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

FREITAS, Vlamir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

GARCIA, Maria. Desapropriação para urbanização e reurbanização. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

GARRIDO FALA, Fernando. Tratado de Derecho Administrativo. 10. ed. Madri: Tecnos, 1992. v. II.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2000.

GORDILLO, Agustín. Introducción al Derecho de La Planificación. Caracas: Jurídica Venezolana, 1981.

GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

GRECO FILHO, Vicente. Da execução contra a Fazenda Pública. São Paulo: Saraiva, 1986.

HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 1997.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 154 19/11/2015 10:44:36

Page 147: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

155REFERÊNCIAS

LASO, Enrique Sayagués. Tratado de Derecho Administrativo. 3. ed. Montevidéo: Dr. Daniel H. Martins, 1974.

LEUZINGER, Márcia Diegues. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, Esplanada/Instituto Brasileiro da Advocacia Pública, v. 5.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença. 3. ed. Tradução de Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Tradução dos textos posteriores a 1945 de Ada Pelegrini Grinover. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. VII.

LIRA, Ricardo Pereira. Revista de Direito Ambiental, n. 148, II Conferência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, de 10 a 13 de março de 1982.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

MARIENHOFF, Miguel S. Tratado de Derecho Administrativo. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1973. t. IV.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

MEIRELLES, Hely Lopes. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 12, abr./jun. 1970.

MENDES, Gilmar Ferreira. Retrocessão: prazo de prescrição. Revista de Direito Público, n. 86, p. 96 a 104.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MONTE ALEGRE, José Sérgio. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 74, abr./jun. 1985.

MOREIRA ALVES, José Carlos de. Posse. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. II, t. 1.

PACCAGNELLA, Luis Henrique. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 8.

QUEIROZ DE ANDRADE, Letícia Desapropriação de bens públicos. São Paulo: Malheiros, 2006.

REVISTA Consultor Jurídico. Site <www.conjur.com.br>. Edição de 17 de agosto de 2002.

RUSSOMANO, Rosah. Função Social da Propriedade. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 75.

SABINO JUNIOR, Vicente. Da desapropriação. São Paulo: Ed. da USP, 1972.

SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

SALLES, José Carlos de Moraes. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 12, abr./jun. 1970.

SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. IV.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 155 19/11/2015 10:44:36

Page 148: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

156 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 16. ed. (póstuma) rev., atual. e ampl. por Aricê Moacyr Amaral dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 3.

SÉ, José Nunes Sento. Revista de Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 15, jan./mar. 1971.

SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.

SILVA, José Afonso da. Interesse Público, Sapucaia do Sul, Edição Nota Dez Informação Ltda., n. 10, 2001.

SODRÉ, Eurico. A desapropriação. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1955.

SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Desapropriação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.

SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. Função Social da Propriedade. In: Temas de Direito Urbanístico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

TADEU ROMANO Rogério Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/42463/alguns-comentarios-sobre-a-retrocessao-nas- desapropriacoes#ixzz3qFhjU5IG>. Acesso em: 31 out. 2015.

THEODORO JR., Humberto. Revista da Advocacia Geral da União, ano II, n. 9, abr. 2001.

VELLOSO Carlos Mário da Silva. O Direito na Década de 80: Estudos Jurídicos Em Home-nagem a Hely Lopes Meirelles. In: WALD, Arnold (Org.). Da retrocessão na Desapropriação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 257 a 281.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 156 19/11/2015 10:44:36

Page 149: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

ANEXO

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 157 19/11/2015 10:44:36

Page 150: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LEI Nº 4.132, DE 10 DE SETEMBRO DE 1962(DOU 07.11.1962)

Define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou con-dicionar o seu uso ao bem estar social, na forma do art. 147 da Constituição Federal.Art. 2º Considera-se de interesse social:I – o aproveitamento de todo bem impro-dutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, traba-lho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO;III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;V – a construção de casa populares;VI – as terras e águas suscetíveis de valo-rização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrifica-ção armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.

VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apro-priados ao desenvolvimento de atividades turísticas. (Inciso acrescentado pela Lei 6.513, DOU 20.12.1977)§ 1º O disposto no item I deste artigo só se aplicará nos casos de bens retirados de produção ou tratando-se de imóveis rurais cuja produção, por ineficientemen-te explorados, seja inferior à média da região, atendidas as condições naturais do seu solo e sua situação em relação aos mercados.§ 2º As necessidades de habitação, traba-lho e consumo serão apuradas anualmente segundo a conjuntura e condições econô-micas locais, cabendo o seu estudo e ve-rificação às autoridades encarregadas de velar pelo bem estar e pelo abastecimento das respectivas populações.Art. 3º O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado.Parágrafo único – VETADO.Art. 4º Os bens desapropriados serão ob-jeto de venda ou locação, a quem estiver em condições de dar-lhes a destinação social prevista.Art. 5º No que esta lei for omissa aplicam-se as normas legais que regulam a desa-propriação por unidade pública, inclusive no tocante ao processo e à justa indeni-zação devida ao proprietário.Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário.Brasília, 10 de setembro de 1962; 141º da Independência e 74º da República.JOÃO GOULART

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 159 19/11/2015 10:44:36

Page 151: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

Institui o novo Código Florestal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. §1º As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso noci-vo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 275, inciso lI, do Código de Processo Civil. (Parágrafo único renumerado e com redação dada pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001)

Redação original / Lei 4.771/65 – “Pa-rágrafo único – As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas são consideradas uso nocivo da pro-priedade (art. 302, XI b, do Código de Processo Civil).”

§2º Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Parágrafo, incisos e alíneas acrescentados pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) I – pequena propriedade rural ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do proprietário ou posseiro e de sua família, admitida a ajuda eventual de terceiro e cuja renda bruta seja proveniente, no mínimo, em oitenta por cento, de atividade agroflorestal ou do extrativismo, cuja área não supere: a) cento e cinqüenta hectares se localizada nos Estados do Acre, Pará, Amazonas, Ro-

raima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e nas regiões situadas ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão ou no Pantanal mato-grossense ou sul-mato-grossense; b) cinqüenta hectares, se localizada no polígono das secas ou a leste do Meridiano de 44º W, do Estado do Maranhão; e c) trinta hectares, se localizada em qual-quer outra região do País; II – área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabili-dade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; III – Reserva Legal: área localizada no in-terior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas; IV – utilidade pública: a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de trans-porte, saneamento e energia; e c) demais obras, planos, atividades ou pro-jetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA; V – interesse social: a) as atividades imprescindíveis à prote-ção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 161 19/11/2015 10:44:37

Page 152: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

162 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena pro-priedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA; VI – Amazônia Legal: os Estados do Acre, Pará, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e as regiões situa-das ao norte do paralelo 13º S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meri-diano de 44º W, do Estado do Maranhão.Art. 2° Consideram-se de preservação per ma nente, pelo só efeito desta Lei, as flo restas e demais formas de vegetação na tural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) 1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) 2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cin-quenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) 3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) 4 – de 200 (duzentos) metros para os cur-sos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Nú­mero acrescentado pela Lei nº 7.511, DOU 08.07. 1986 e alterado pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) 5 – de 500 (quinhentos) metros para os cur-sos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Número acres­centado pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservató-rios d’água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989)

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) i) (Alínea acrescentada pela Lei nº 6.535, DOU 16.06.1978 e implicitamente suprimida quando da redação dada pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989) Parágrafo único – No caso de áreas urba-nas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o territó-rio abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Parágrafo acres­centado pela Lei nº 7.803 DOU 20.07.1989)

Redação anterior / Lei 6.535, DOU 16.06.78 – “Art. 2º -....... 5 – ............................................................i) nas áreas metropolitanas definidas em lei..............................” Redação anterior / Lei 7.511, DOU 08.07.86 – “Art. 2º -...... a) .............................................................. 1 – de 30 (trinta) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura; 2 – de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura; 3 – de 100 (cem) metros para os cursos d’água que meçam entre 50 (cinqüenta) e 100 (cem) metros de largura; 4 – de 150 (cento e cinqüenta) metros para os cursos d’água que possuam entre 100 (cem) e 200 (duzentos) metros de largura;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 162 19/11/2015 10:44:37

Page 153: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

163LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

igual à distância entre as margens para os cursos d’água com largura superior a 200 (duzentos) metros; ..................................................................” Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 2° – Consideram-se de preserva-ção permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e de- mais formas de vegetação natural situadas:a) ao longo dos rios ou de outro qual-quer curso d’água, em faixa marginal cuja largura mínima será: 1 – de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura: 2 – igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as margens; 3 – de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros. b) ao redor das lagoas, lagos ou reser-vatórios d’água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, mesmo nos chamados “olhos d’água”, seja qual for a sua situação topográfica; d) no topo de morros, montes, monta-nhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos taboleiros ou cha-padas; h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos natu-rais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres.”

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preser-vação permanentes, quando assim de-claradas por ato do Poder Público, as flo restas e demais formas de vegetação na tural destinadas: a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público. §1° A supressão total ou parcial de flores-tas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou inte-resse social. §2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei. Art. 3º -A A exploração dos recursos flo restais em terras indígenas somente po derá ser realizada pelas comunidades in dígenas em regime de manejo florestal sustentável, para atender a sua subsis-tência, respeitados os arts. 2º e 3º deste Código. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente po-derá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamen-te caracterizados e motivados em proce-dimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §1º A supressão de que trata o caput des-te artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio am-biente, ressalvado o disposto no §2º deste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e pla-no diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fun-damentada em parecer técnico. (Parágrafo

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 163 19/11/2015 10:44:37

Page 154: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

164 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §4º O órgão ambiental competente indica-rá, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas miti-gadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas “c” e “f” do art. 2º deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §6º Na implantação de reservatório arti-ficial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §7º É permitido o acesso de pessoas e ani-mais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a re-generação e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001)

Redação original / Lei 4.771/65 _ “Art. 4° – Consideram-se de interesse público:a) a limitação e o controle do pastoreio em determinadas áreas, visando à adequada conservação e propagação da vegetação florestal; b) as medidas com o fim de prevenir ou erradicar pragas e doenças que afetem a vegetação florestal;

c) a difusão e a adoção de métodos tecnológicos que visem a aumentar economicamente a vida útil da ma-deira e o seu maior aproveitamento em todas as fases de manipulação e transformação.”

Art. 5° (Revogado pela Lei nº 9.985, DOU 19.07.2000)

Redação anterior / Lei 7.875, DOU 14.11.89 _ “Art. 5º – .......... Parágrafo único – Ressalvada a cobran-ça de ingresso a visitantes, cuja receita será destinada em pelo menos 50% (cinquenta por cento) ao custeio da manutenção e fiscalização, bem como de obras de melhoramento em cada unidade, é proibida qualquer forma de exploração dos recursos naturais nos parques e reservas biológicas criados pelo poder público na forma deste artigo.” Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 5º – O Poder Público criará:a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para objetivos educacionais, recreati-vos e científicos; b) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, téc-nicos ou sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destina-das a atingir aquele fim. Parágrafo único – Fica proibida qual-quer forma de exploração dos recur-sos naturais nos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais.”

Art. 6º – (Revogado pela Lei nº 9.985, DOU 19.07.2000)

Redação original / Lei 4.771/65 – “O pro prietário da floresta não preser-vada, nos termos desta Lei, poderá gravá-la com perpetuidade, desde que verificada a existência de interesse público pela autoridade florestal. O vínculo constará de termo assinado

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 164 19/11/2015 10:44:37

Page 155: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

165LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

perante a autoridade florestal e será averbado à margem da inscrição no Registro Público.”

Art. 7° Qualquer árvore poderá ser de-clarada imune de corte, mediante ato do Poder Público, por motivo de sua loca-lização, raridade, beleza ou condição de porta-sementes. Art. 8° Na distribuição de lotes destinados à agricultura, em planos de colonização e de reforma agrária, não devem ser inclu-ídas as áreas florestadas de preservação permanente de que trata esta Lei, nem as florestas necessárias ao abastecimento local ou nacional de madeiras e outros produtos florestais. Art. 9º As florestas de propriedade par-ticular, enquanto indivisas com outras, sujeitas a regime especial, ficam subor-dinadas às disposições que vigorarem para estas. Art. 10 Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes. Art. 11 O emprego de produtos florestais ou hulha como combustível obriga o uso de dispositivo, que impeça difusão de fa-gulhas suscetíveis de provocar incêndios, nas florestas e demais formas de vegetação marginal. Art. 12 Nas florestas plantadas, não con-sideradas de preservação permanente, é livre a extração de lenha e demais produ-tos florestais ou a fabricação de carvão. Nas demais florestas dependerá de norma estabelecida em ato do Poder Federal ou Estadual, em obediência a prescrições ditadas pela técnica e às peculiaridades locais. Art. 13 O comércio de plantas vivas, oriun-das de florestas, dependerá de licença da autoridade competente. Art. 14 Além dos preceitos gerais a que está sujeita a utilização das florestas, o Poder Público Federal ou Estadual poderá: a) prescrever outras normas que atendam às peculiaridades locais; b) proibir ou limitar o corte das espécies vegetais raras, endêmicas, em perigo ou ameaçadas de extinção, bem como as

espécies necessárias à subsistência das populações extrativistas, delimitando as áreas compreendidas no ato, fazendo depender de licença prévia, nessas áreas, o corte de outras espécies;

Redação original / Lei 4.771/65 _ “b) proibir ou limitar o corte das espé-cies vegetais consideradas em via de extinção, delimitando as áreas com-preendidas no ato, fazendo depender, nessas áreas, de licença prévia o corte de outras espécies;”

c) ampliar o registro de pessoas físicas ou jurídicas que se dediquem à extração, indústria e comércio de produtos ou sub-produtos florestais. Art. 15 Fica proibida a exploração sob forma empírica das florestas primitivas da bacia amazônica que só poderão ser utili-zadas em observância a planos técnicos de condução e manejo a serem estabelecidos por ato do Poder Público, a ser baixado dentro do prazo de um ano. Art. 16 As florestas e outras formas de ve-getação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; II – trinta e cinco por cento, na proprie-dade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compen-sação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do §7º deste artigo; III – vinte por cento, na propriedade ru-ral situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 165 19/11/2015 10:44:37

Page 156: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

166 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

§1º O percentual de reserva legal na pro-priedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separa-damente os índices contidos nos inci sos I e II deste artigo. (Redação dada pela Me dida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabe-lecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações espe-cíficas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §3º Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plan-tios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema inter-calar ou em consórcio com espécies na-tivas. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §4º A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra ins-tituição devidamente habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprova-ção, a função social da propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver: (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) I – o plano de bacia hidrográfica; lI – o plano diretor municipal; III – o zoneamento ecológico-econômico; IV – outras categorias de zoneamento ambiental; e V – a proximidade com outra Reserva Legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área le galmente protegida. §5º O Poder Executivo, se for indicado pelo Zoneamento Ecológico Econômico – ZEE e pelo Zoneamento Agrícola, ou-vidos o CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura e do Abastecimento, poderá: (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001)

I – reduzir, para fins de recomposição, a reserva legal, na Amazônia Legal, para até cinqüenta por cento da propriedade, excluídas, em qualquer caso, as Áreas de Preservação Permanente, os ecótonos, os sítios e ecossistemas especialmente protegidos, os locais de expressiva bio-diversidade e os corredores ecológicos; e lI – ampliar as áreas de reserva legal, em até cinqüenta por cento dos índices pre-vistos neste Código, em todo o território nacional. §6º Será admitido, pelo órgão ambiental competente, o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal, desde que não implique em conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo, e quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder a: I – oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal; II – cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País; e III – vinte e cinco por cento da pequena propriedade definida pelas alíneas “b” e “c” do inciso I do § 2º do art. 1º. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §7º O regime de uso da área de preserva-ção permanente não se altera na hipótese prevista no § 6º. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §8º A área de reserva legal deve ser aver-bada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis com-petente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §9º A averbação da reserva legal da peque-na propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando neces-sário. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001)

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 166 19/11/2015 10:44:37

Page 157: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

167LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

§10 Na posse, a reserva legal é assegurada por Termo de Ajustamento de Conduta, firmado pelo possuidor com o órgão am-biental estadual ou federal competente, com força de título executivo e contendo, no mínimo, a localização da reserva legal, as suas características ecológicas básicas e a proibição de supressão de sua vegetação, aplicando-se, no que couber, as mesmas disposições previstas neste Código para a propriedade rural. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §11 Poderá ser instituída reserva legal em regime de condomínio entre mais de uma propriedade, respeitado o percentual legal em relação a cada imóvel, mediante a aprovação do órgão ambiental estadual competente e as devidas averbações re-ferentes a todos os imóveis envolvidos. (Parágrafo acrescentado pela Medida Pro­visória nº 2166­67, DOU 25.08.2001)

Redação anterior / Lei 7.803, DOU 18.07.89 – “Art. 16 – ........ §1º – Nas propriedades rurais, compre-endidas na alínea a deste artigo, com área entre vinte (20) a cinqüenta (50) hectares computar-se-ão, para efeito de fixação do limite percentual, além da cobertura florestal de qualquer nature-za, os maciços de porte arbóreo, sejam frutícolas, ornamentais ou industriais. §2º – A reserva legal, assim entendida a área de , no mínimo, 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada, a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área. §3º – Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% (vinte por cento) para todos os efeitos legais.”Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 16 – As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização li-mitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2° e 3° desta lei, são suscetíveis de explora-ção, obedecidas as seguintes restrições:

a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as der-rubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cober-tura arbórea localizada, a critério da autoridade competente; b) nas regiões citadas na letra anterior, nas áreas já desbravadas e previamente delimitadas pela autoridade compe-tente, ficam proibidas as derrubadas de florestas primitivas, quando feitas para ocupação do solo com cultura e pastagens, permitindo-se, nesses ca-sos, apenas a extração de árvores para produção de madeira. Nas áreas ainda incultas, sujeitas a formas de desbra-vamento, as derrubadas de florestas primitivas, nos trabalhos de instalação de novas propriedades agrícolas, só serão toleradas até o máximo de 30% da área da propriedade; c) na região Sul as áreas atualmente revestidas de formações florestais em que ocorre o pinheiro brasileiro, “Arau-caria angustifolia” (Bert – O. Ktze), não poderão ser desflorestadas de forma a provocar a eliminação permanente das florestas, tolerando-se, somente a exploração racional destas, observadas as prescrições ditadas pela técnica, com a garantia de permanência dos maciços em boas condições de desenvolvimen-to e produção; d) nas regiões Nordeste e Leste Se-ten trional, inclusive nos Estados do Maranhão e Piauí, o corte de árvores e a exploração de florestas só será permitida com observância de normas técnicas a serem estabelecidas por ato do Poder Público, na forma do art. 15. §1º – Nas propriedades rurais, compre-endidas na alínea a deste artigo, com área entre vinte (20) a cinqüenta (50) hectares computar-se-ão, para efeito de fixação do limite percentual, além da cobertura florestal de qualquer nature-za, os maciços de porte arbóreo, sejam frutícolas, ornamentais ou industriais.”

Art. 17 Nos loteamentos de propriedades rurais, a área destinada a completar o

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 167 19/11/2015 10:44:37

Page 158: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

168 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

limite percentual fixado na letra a do artigo antecedente, poderá ser agrupada numa só porção em condomínio entre os adquirentes. Art. 18 Nas terras de propriedade privada, onde seja necessário o florestamento ou o reflorestamento de preservação perma-nente, o Poder Público Federal poderá faze-lo sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário. §1° Se tais áreas estiverem sendo utiliza-das com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário. §2º As áreas assim utilizadas pelo Poder Público Federal ficam isentas de tribu-tação. Art. 19 A exploração de florestas e forma-ções sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de prévia aprovação pelo órgão estadual competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, bem como da ado-ção de técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cober-tura arbórea forme. (Redação dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)§ 1º Compete ao Ibama a aprovação de que trata o caput deste artigo: (Parágrafo acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)I – nas florestas públicas de domínio da União; (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)II – nas unidades de conservação criadas pela União; (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)III – nos empreendimentos potencialmen-te causadores de impacto ambiental nacio-nal ou regional, definidos em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)§ 2º Compete ao órgão ambiental munici-pal a aprovação de que trata o caput deste artigo: (Parágrafo acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)I – nas florestas públicas de domínio do Município; (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)II – nas unidades de conservação criadas pelo Município; (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)

III – nos casos que lhe forem delegados por convênio ou outro instrumento admis-sível, ouvidos, quando couber, os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal. (Inciso acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)§ 3º No caso de reposição florestal, deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas. (Parágrafo acrescentado dada pela Lei nº 11.284, DOU 03.03.2006)

Redação anterior / Lei 7.803, DOU 20.07.89 – “Art. 19 – A exploração de florestas e de formações sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de apro-vação prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, bem como da adoção de técnicas de con-dução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme. Parágrafo único – No caso de reposi-ção florestal, deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies nativas. Redação anterior / Lei 7.511, DOU 08.07.86 – “Art. 19 – Visando a rendi-mentos permanentes e à preservação de espécies nativas , os proprietários de florestas explorarão a madeira so-mente através de manejo sustentado, efetuando a reposição florestal, su-cessivamente, com espécies típicas da região. §1º – É permitida ao proprietário a reposição com espécies exóticas nas florestas já implantadas com estas espécies. §2º – Na reposição com espécies re-gionais, o proprietário fica obrigado a comprovar o plantio das árvores, assim como os tratos culturais necessários a sua sobrevivência e desenvolvimento.” Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 19 – Visando a maior rendimento eco-nômico é permitido aos proprietários de florestas heterogêneas transformá-las em homogêneas, executando tra-balho de derrubada a um só tempo ou

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 168 19/11/2015 10:44:37

Page 159: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

169LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

sucessivamente, de toda a vegetação a substituir desde que assinem, antes do início dos trabalhos, perante a autori-dade competente, termo de obrigação de reposição e tratos culturais.”

Art. 20 As empresas industriais que, por sua natureza, consumirem grande quan-tidades de matéria prima florestal serão obrigadas a manter, dentro de um raio em que a exploração e o transporte sejam julgados econômicos, um serviço orga-nizado, que assegure o plantio de novas áreas, em terras próprias ou pertencentes a terceiros, cuja produção sob exploração racional, seja equivalente ao consumido para o seu abastecimento. Parágrafo único – O não cumprimento do disposto neste artigo, além das pena-lidades previstas neste Código, obriga os infratores ao pagamento de uma multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor comercial da matéria-prima florestal nativa consumida além da produção da qual participe. Art. 21 As empresas siderúrgicas, de trans-porte e outras, à base de carvão vegetal, lenha ou outra matéria prima florestal, são obrigadas a manter florestas próprias para exploração racional ou a formar, di-retamente ou por intermédio de empreen-dimentos dos quais participem, florestas destinadas ao seu suprimento. Parágrafo único – A autoridade competen-te fixará para cada empresa o prazo que lhe é facultado para atender ao disposto neste artigo, dentro dos limites de 5 a 10 anos. Art. 22 A União, diretamente, através do órgão executivo específico, ou em convênio com os Estados e Municípios, fiscalizará a aplicação das normas deste Código, podendo, para tanto, criar os serviços indispensáveis. (Redação dada pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Parágrafo único – Nas áreas urbanas, a que se refere o parágrafo único do art. 2º desta Lei, a fiscalização é da competência dos municípios, atuando a União suple-tivamente. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989)

Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 22 – A União fiscalizará diretamente,

pelo órgão executivo específico do Ministério da Agricultura, ou em con-vênio com os Estados e Municípios, a aplicação das normas deste Código, podendo, para tanto, criar os serviços indispensáveis.”

Art. 23 A fiscalização e a guarda das flo-restas pelos serviços especializados não excluem a ação da autoridade policial por iniciativa própria. Art. 24 Os funcionários florestais, no exer-cício de suas funções, são equiparados aos agentes de segurança pública, sendo-lhes assegurado o porte de armas. Art. 25 Em caso de incêndio rural, que não se possa extinguir com os recursos ordinários, compete não só ao funcionário florestal, como a qualquer outra autorida-de pública, requisitar os meios materiais e convocar os homens em condições de prestar auxílio. Art. 26 Constituem contravenções penais, puníveis com três meses a um ano de pri são simples ou multa de uma a cem vezes o salário-mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cu mulativamente: a) destruir ou danificar a floresta consi-derada de preservação permanente, mes-mo que em formação ou utilizá-la com infringência das normas estabelecidas ou previstas nesta Lei; b) cortar árvores em florestas de preser-vação permanente, sem permissão da autoridade competente; c) penetrar em floresta de preservação permanente conduzindo armas, substân-cias ou instrumentos próprios para caça proibida ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem estar mu-nido de licença da autoridade competente; d) causar danos aos Parques Nacionais, Estaduais ou Municipais, bem como às Reservas Biológicas; e) fazer fogo, por qualquer modo, em flo-restas e demais formas de vegetação, sem tomar as precauções adequadas; f) fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação; g) impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 169 19/11/2015 10:44:37

Page 160: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

170 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

h) receber madeira, lenha, carvão e outros produtos procedentes de florestas, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente e sem munir-se da via que deverá acompa-nhar o produto, até final beneficiamento; i) transportar ou guardar madeiras, lenha, carvão e outros produtos procedentes de florestas, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela autoridade competente; j) deixar de restituir à autoridade, licenças extintas pelo decurso do prazo ou pela entrega ao consumidor dos produtos procedentes de florestas; l) empregar, como combustível, produtos florestais ou hulha, sem uso de dispositivo que impeça a difusão de fagulhas, susce-tíveis de provocar incêndios nas florestas; m) soltar animais ou não tomar precau-ções necessárias para que o animal de sua propriedade não penetre em florestas sujeitas a regime especial; n) matar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em proprie-dade privada alheia ou árvore imune de corte; o) extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação perma-nente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer outra espécie de minerais; p) (Vetado). q) transformar madeiras de lei em carvão, inclusive para qualquer efeito industrial, sem licença da autoridade competente. (Alínea acrescentada pela Lei nº 5.870, DOU 28.03.1973) Art. 27 É proibido o uso de fogo nas flores-tas e demais formas de vegetação. Parágrafo único – Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou flores-tais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áre-as e estabelecendo normas de precaução. Art. 28 Além das contravenções estabele-cidas no artigo precedente, subsistem os dispositivos sobre contravenções e crimes previstos no Código Penal e nas demais leis, com as penalidades neles cominadas. Art. 29 As penalidades incidirão sobre os autores, sejam eles:

a) diretos; b) arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, pro-mitentes compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticadas por prepostos ou subordinados e no inte-resse dos preponentes ou dos superiores hierárquicos; c) autoridades que se omitirem ou faci-litarem, por consentimento legal, na prática do ato. Art. 30 Aplicam-se às contravenções pre-vistas neste Código as regras gerais do Código Penal e da Lei de Contravenções Penais, sempre que a presente Lei não disponha de modo diverso. Art. 31 São circunstâncias que agravam a pena, além das previstas no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais: a) cometer a infração no período de queda das sementes ou de formação das vege-tações prejudicadas, durante a noite, em domingos ou dias feriados, em épocas de seca ou inundações; b) cometer a infração contra a floresta de preservação permanente ou material dela provindo. Art. 32 A ação penal independe de quei-xa, mesmo em se tratando de lesão em propriedade privada, quando os bens atingidos são florestas e demais formas de vegetação, instrumentos de trabalho, documentos e atos relacionados com a proteção florestal disciplinada nesta Lei. Art. 33 São autoridades competentes para instaurar, presidir e proceder a inquéritos policiais, lavrar autos de prisão em fla-grante e intentar a ação penal, nos casos de crimes ou contravenções, previstos nesta Lei, ou em outras leis e que tenham por objeto florestas e demais formas de vegetação, instrumentos de trabalho, documentos e produtos procedentes das mesmas: a) as indicadas no Código de Processo Penal; b) os funcionários da repartição florestal e de autarquias, com atribuições corre-latas, designados para a atividade de fiscalização. Parágrafo único – Em caso de ações penais simultâneas, pelo mesmo fato, iniciadas por várias autoridades, o Juiz reunirá os

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 170 19/11/2015 10:44:38

Page 161: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

171LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

processos na jurisdição em que se firmou a competência. Art. 34 As autoridades referidas no item b do artigo anterior, ratificada a denúncia pelo Ministério Público, terão ainda com-petência igual à deste, na qualidade de assistente, perante a Justiça comum, nos feitos de que trata esta Lei. Art. 35 A autoridade apreenderá os pro-dutos e os instrumentos utilizados na infração e, se não puderem acompanhar o inquérito, por seu volume e natureza, serão entregues ao depositário público local, se houver e, na sua falta, ao que for nomeado pelo Juiz, para ulterior devo-lução ao prejudicado. Se pertencerem ao agente ativo da infração, serão vendidos em hasta pública. Art. 36 O processo das contravenções obedecerá ao rito sumário da Lei n. 1.508 de l9 de dezembro de 1951, no que couber. Art. 37 Não serão transcritos ou averba-dos no Registro Geral de Imóveis os atos de transmissão “inter-vivos” ou “causa mortis”, bem como a constituição de ônus reais, sobre imóveis da zona rural, sem a apresentação de certidão negativa de dívidas referentes a multas previstas nesta Lei ou nas leis estaduais supletivas, por decisão transitada em julgado. Art. 37-A Não é permitida a conversão de florestas ou outra forma de vegetação nativa para uso alternativo do solo na pro-priedade rural que possui área desmatada, quando for verificado que a referida área encontra-se abandonada, subutilizada ou utilizada de forma inadequada, segundo a vocação e capacidade de suporte do solo. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §1º Entende-se por área abandonada, subutilizada ou utilizada de forma ina-dequada, aquela não efetivamente utili-zada, nos termos do § 3º, do art. 6º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, ou que não atenda aos índices previstos no art. 6º da referida Lei, ressalvadas as áreas de pousio na pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tra-dicional. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §2º As normas e mecanismos para a com-provação da necessidade de conversão

serão estabelecidos em regulamento, considerando, dentre outros dados rele-vantes, o desempenho da propriedade nos últimos três anos, apurado nas declarações anuais do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §3º A regulamentação de que trata o § 2º estabelecerá procedimentos simplifica-dos: (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) I – para a pequena propriedade rural; e II – para as demais propriedades que venham atingindo os parâmetros de pro-dutividade da região e que não tenham restrições perante os órgãos ambientais. §4º Nas áreas passíveis de uso alternativo do solo, a supressão da vegetação que abrigue espécie ameaçada de extinção, dependerá da adoção de medidas com-pensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação da espécie. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §5º Se as medidas necessárias para a conservação da espécie impossibilitarem a adequada exploração econômica da propriedade, observar-se-á o disposto na alínea “b” do art. 14. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) §6º É proibida, em área com cobertura flo-restal primária ou secundária em estágio avançado de regeneração, a implantação de projetos de assentamento humano ou de colonização para fim de reforma agrária, ressalvados os projetos de assen-tamento agro-extrativista, respeitadas as legislações específicas. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2166­67, DOU 25.08.2001) Art. 38 (Revogado pela Lei nº 5.106, DOU 05.09.1966) Art. 39 (Revogado pela Lei nº 5.868, DOU 14.12.1972)

Redação original / Lei 4.771 – “Art. 39 – Ficam isentas do imposto territorial rural as áreas com florestas sob regime de preservação permanente e as áreas com florestas plantadas para fins de exploração madeireira.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 171 19/11/2015 10:44:38

Page 162: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

172 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Parágrafo único – Se a floresta for nativa, a isenção não ultrapassará de 50% (cinqüenta por cento) do valor do imposto, que incidir sobre a área tributável.”

Art. 40 (Vetado). Art. 41 Os estabelecimentos oficiais de crédito concederão prioridades aos pro-jetos de florestamento, reflorestamento ou aquisição de equipamentos mecânicos necessários aos serviços, obedecidas as escalas anteriormente fixadas em lei. Parágrafo único – Ao Conselho Monetário Nacional, dentro de suas atribuições le-gais, como órgão disciplinador do crédito e das operações creditícias em todas suas modalidades e formas, cabe estabelecer as normas para os financiamentos florestais, com juros e prazos compatíveis, relacio-nados com os planos de florestamento e reflorestamento aprovados pelo Conselho Florestal Federal. Art. 42 Dois anos depois da promulgação desta Lei, nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura que não contenham textos de edu-cação florestal, previamente aprovados pelo Conselho Federal de Educação, ou-vido o órgão florestal competente. §1° As estações de rádio e televisão in clui-rão, obrigatoriamente, em suas pro gra-mações, textos e dispositivos de inte resse florestal, aprovados pelo órgão com pe tente no limite mínimo de cinco (5) mi nu tos semanais, distribuídos ou não em dife-rentes dias. §2° Nos mapas e cartas oficiais serão obri-gatoriamente assinalados os Parques e Flo restas Públicas. §3º A União e os Estados promoverão a criação e o desenvolvimento de escolas para o ensino florestal, em seus diferentes níveis. Art. 43 Fica instituída a Semana Florestal, em datas fixadas para as diversas regiões do País, do Decreto Federal. Será a mes-ma comemorada, obrigatoriamente, nas escolas e estabelecimentos públicos ou subvencionados, através de programas obje tivos em que se ressalte o valor das florestas, face aos seus produtos e utili-dades, bem como sobre a forma correta de conduzi-las e perpetuá-las.

Parágrafo único – Para a Semana Florestal serão programadas reuniões, conferências, jornadas de reflorestamento e outras so-lenidades e festividades com o objetivo de identificar as florestas como recurso natural renovável, de elevado valor social e econômico. Art. 44 O proprietário ou possuidor de imóvel rural com área de floresta nativa, natural, primitiva ou regenerada ou outra forma de vegetação nativa em extensão inferior ao estabelecido nos incisos I, II, III e IV do art. 16, ressalvado o disposto nos seus §§ 5º e 6º, deve adotar as seguintes alternativas, isoladas ou conjuntamen-te: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) I – recompor a reserva legal de sua pro-priedade mediante o plantio, a cada três anos, de no mínimo 1/10 da área total necessária à sua complementação, com espécies nativas, de acordo com critérios estabelecidos pelo órgão ambiental esta-dual competente; II – conduzir a regeneração natural da reserva legal; e III – compensar a reserva legal por outra área equivalente em importância ecológica e extensão, desde que pertença ao mesmo ecossistema e esteja localizada na mesma microbacia, conforme critérios estabeleci-dos em regulamento. §1º Na recomposição de que trata o in-ci so I, o órgão ambiental estadual com pe-ten te deve apoiar tecnicamente a pe que na pro priedade ou posse rural fami liar. (Pa­rá gra fo acrescentado pela Medida Provi sória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §2º A recomposição de que trata o in-ciso I pode ser realizada mediante o plantio temporário de espécies exóticas como pio neiras, visando a restauração do ecos sistema original, de acordo com cri térios técnicos gerais estabelecidos pelo CONAMA. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §3º A regeneração de que trata o inciso II será autorizada, pelo órgão ambiental es-tadual competente, quando sua viabilida de for comprovada por laudo técnico, po-den do ser exigido o isolamento da área. (Pa rágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001)

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 172 19/11/2015 10:44:38

Page 163: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

173LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965(DOU 19.06.1965, RET. DOU 20.09.1965)

§4º Na impossibilidade de compensação da reserva legal dentro da mesma micro-bacia hidrográfica, deve o órgão ambiental estadual competente aplicar o critério de maior proximidade possível entre a pro-priedade desprovida de reserva legal e a área escolhida para compensação, desde que na mesma bacia hidrográfica e no mesmo Estado, atendido, quando houver, o respectivo Plano de Bacia Hidrográfica, e respeitadas as demais condicionantes estabelecidas no inciso III. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §5º A compensação de que trata o inciso III deste artigo, deverá ser submetida à aprovação pelo órgão ambiental estadual competente, e pode ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de servidão florestal ou reserva legal, ou aquisição de cotas de que trata o art. 44-B. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §6º O proprietário rural poderá ser de-sonerado, pelo período de trinta anos, das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação, ao órgão ambiental competente, de área localizada no interior de Parque Nacional ou Estadual, Floresta Nacional, Reserva Extrativista, Reserva Biológica ou Estação Ecológica pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III deste artigo. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001)

Redação anterior / Lei 7.803, DOU 20.07.89 – “Art. 44 – ......... Parágrafo único – A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento), de cada pro-priedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área. Redação original / Lei 4.771/65 – “Art. 44 – Na região Norte e na parte Norte da região Centro-Oeste enquanto não for estabelecido o decreto de que trata o artigo 15, a exploração a corte razo só é

permissível desde que permaneça com cobertura arbórea, pelo menos 50% da área de cada propriedade.”

Art. 44-A O proprietário rural poderá instituir servidão florestal, mediante a qual voluntariamente renuncia, em caráter permanente ou temporário, a direitos de supressão ou exploração da vegetação nativa, localizada fora da reserva legal e da área com vegetação de preservação per-manente. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §1º A limitação ao uso da vegetação da área sob regime de servidão florestal deve ser, no mínimo, a mesma estabelecida para a Reserva legal. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) §2º A servidão florestal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competen-te, após anuência do órgão ambiental esta-dual competente, sendo vedada, durante o prazo de sua vigência, a alteração da des-tinação da área, nos casos de transmissão a qualquer título, de desmembramento ou de retificação dos limites da proprie-dade. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) Art. 44-B Fica instituída a Cota de Reserva Florestal – CRF, título representativo de vegetação nativa sob regime de servi-dão florestal, de Reserva Particular do Patrimônio Natural ou reserva legal ins-tituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais estabelecidos no art. 16 deste Código. (Artigo acrescenta­do pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) Parágrafo único – A regulamentação deste Código disporá sobre as características, natureza e prazo de validade do título de que trata este artigo, assim como os meca-nismos que assegurem ao seu adquirente a existência e a conservação da vegetação objeto do título. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) Art. 44-C O proprietário ou possuidor que, a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.736-31, de 14 de dezembro de 1998,

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 173 19/11/2015 10:44:38

Page 164: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

174 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

suprimiu, total ou parcialmente florestas ou demais formas de vegetação nativa, situadas no interior de sua propriedade ou posse, sem as devidas autorizações exigidas por Lei, não pode fazer uso dos benefícios previstos no inciso III do art. 44. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.166­67, DOU 25.08.2001) Art. 45 Ficam obrigados ao registo no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA os estabelecimentos comerciais responsáveis pela comercialização de moto-serras, bem como aqueles que ad-quirirem este equipamento. (Artigo acres­centado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) §1º A licença para o porte e uso de moto-serras será renovada a cada 2 (dois) anos perante o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. (Parágrafo acres­centado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) §2º Os fabricantes de moto-serras ficam obrigados, a partir de 180 (cento e oitenta) dias da publicação desta Lei, a imprimir, em local visível deste equipamento, nu-meração cuja seqüência será encaminhada ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e constará das correspondentes notas fiscais. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) §3º A comercialização ou utilização de moto-serras sem a licença a que se refere este artigo constitui crime contra o meio ambiente, sujeito à pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) meses e multa de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos de referência e a apreensão da moto-serra, sem prejuízo da responsabilidade pela reparação dos danos causados. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989)

Art. 46 No caso de florestas plantadas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA zelará para que seja preservada, em cada município, área destinada à pro dução de alimentos básicos e pasta-gens, visando ao abastecimento local. (Ar ti go acrescentado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Art. 47 O Poder Executivo promoverá, no prazo de 180 dias, a revisão de todos os contratos, convênios, acordos e concessões relacionados com a exploração florestal em geral, a fim de ajustá-las às normas adotadas por esta Lei. (Art. 45 renumerado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Art. 48 Fica mantido o Conselho Florestal Federal, com sede em Brasília, como órgão consultivo e normativo da política flores-tal brasileira. (Art. 46 renumerado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Parágrafo único – A composição e atri-buições do Conselho Florestal Federal, in tegrado, no máximo, por 12 (doze) mem bros, serão estabelecidas por decreto do Poder Executivo. Art. 49 O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no que for julgado neces-sário à sua execução. (Art. 47 renumerado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Art. 50 Esta Lei entrará em vigor 120 (cento e vinte) dias após a data de sua publicação, revogados o Decreto nº 23.793, de 23 de ja-neiro de 1934 (Código Florestal) e demais disposições em contrário. (Art. 48 renu­merado pela Lei nº 7.803, DOU 20.07.1989) Brasília, 15 de setembro de 1965; 144º da Independência e 77º da República. H. CASTELLO BRANCO Hugo Leme Octavio Gouveia de Bulhões Flávio Lacerda

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 174 19/11/2015 10:44:38

Page 165: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993(DOU 26.02.1993)

Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Esta lei regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, previstas no Capítulo III, Título VII, da Cons tituição Federal.Art. 2º A propriedade rural que não cum-prir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos cons-titucionais.§ 1º Compete à União desapropriar por in-teresse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.§ 2º Para os fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de pro-priedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, pre-posto ou seu representante. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 2º – .......................§ 2º – Para fins deste artigo, fica a União, através do órgão federal competente, auto-rizada a ingressar no imóvel de proprieda-de particular, para levantamento de dados e informações, com prévia notificação.”

§ 3º Na ausência do proprietário, do pre-posto ou do representante, a comunicação será feita mediante edital, a ser publicado, por três vezes consecutivas, em jornal de grande circulação na capital do Estado de localização do imóvel. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

§ 4º Não será considerada, para os fins desta Lei, qualquer modificação, quanto ao domínio, à dimensão e às condições de uso do imóvel, introduzida ou ocorrida até seis meses após a data da comunicação para levantamento de dados e informa-ções de que tratam os §§ 2º e 3º. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 5º No caso de fiscalização decorrente do exercício de poder de polícia, será dispen-sada a comunicação de que tratam os §§ 2º e 3º. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 6º O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reinci-dência; e deverá ser apurada a responsa-bilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 7º Será excluído do Programa de Re-forma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efeti-vamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administra-tivo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 175 19/11/2015 10:44:38

Page 166: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

176 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efe-tivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, seqüestro ou manutenção de ser-vidores públicos e outros cidadãos em cár-cere privado, ou de quaisquer ou tros atos de vio lência real ou pessoal pra ticados em tais situações. (Parágrafo acres cen­tado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 8º A entidade, a organização, a pessoa ju-rídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indire-tamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 9º Se, na hipótese do § 8º, a transfe-rência ou repasse dos recursos públicos já tiverem sido autorizados, assistirá ao Poder Público o direito de retenção, bem assim o de rescisão do contrato, convênio ou instrumento similar. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)Art. 2º-A Na hipótese de fraude ou simu-lação de esbulho ou invasão, por parte do proprietário ou legítimo possuidor do imóvel, para os fins dos §§ 6º e 7º do art. 2º, o órgão executor do Programa Nacional de Reforma Agrária aplicará pena administrativa de R$ 55.000,00 (cin-qüenta e cinco mil reais) a R$ 535.000,00 (quinhentos e trinta e cinco mil reais) e o cancelamento do cadastro do imóvel no Sistema Nacional de Cadastro Rural, sem prejuízo das demais sanções penais e civis cabíveis. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)Parágrafo único Os valores a que se refere este artigo serão atualizados, a par tir de maio de 2000, no dia 1º de janeiro de cada ano, com base na va-riação acumulada do Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna – IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas, no

respectivo período. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)Art. 3º (Vetado)§ 1º (Vetado)§ 2º (Vetado)Art. 4º Para os efeitos desta lei, concei-tuam-se:I – Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua locali-zação, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial;II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;b) (Vetado)c) (Vetado)III – Média Propriedade – o imóvel rural:a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quin ze) módulos fiscais;b) (Vetado)Parágrafo único – São insuscetíveis de de-sapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural.Art. 5º A desapropriação por interesse social, aplicável ao imóvel rural que não cumpra sua função social, importa prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária.§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor ação de desapropriação.§ 3º Os títulos da dívida agrária, que conte-rão cláusula assecuratória de preservação de seu valor real, serão resgatáveis a partir do segundo ano de sua emissão, em per-centual proporcional ao prazo, observados os seguintes critérios: I do segundo ao décimo quinto ano, quan-do emitidos para indenização de imóvel com área de até setenta módulos fiscais; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)II – do segundo ao décimo oitavo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área acima de setenta e até cento e cinqüenta módulos fiscais;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 176 19/11/2015 10:44:38

Page 167: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

177LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993(DOU 26.02.1993)

e (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)III – do segundo ao vigésimo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área superior a cento e cinqüenta módulos fiscais. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 4º No caso de aquisição por compra e venda de imóveis rurais destinados à implantação de projetos integrantes do Programa Nacional de Reforma Agrária, nos termos desta Lei e da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, e os decor-rentes de acordo judicial, em audiência de conciliação, com o objetivo de fixar a prévia e justa indenização, a ser celebrado com a União, bem como com os entes federados, o pagamento será efetuado de forma escalonada em Títulos da Dívida Agrária – TDA, resgatáveis em parcelas anuais, iguais e sucessivas, a partir do segundo ano de sua emissão, observadas as seguintes condições: (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)I – imóveis com área de até três mil hecta-res, no prazo de cinco anos; (Inciso acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)II – imóveis com área superior a três mil hectares: (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)a) o valor relativo aos primeiros três mil hectares, no prazo de cinco anos; (Alínea acrescentada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)b) o valor relativo à área superior a três mil e até dez mil hectares, em dez anos; (Alínea acrescentada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)c) o valor relativo à área superior a dez mil hectares até quinze mil hectares, em quin-ze anos; e (Alínea acrescentada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)d) o valor da área que exceder quinze mil hectares, em vinte anos. (Alínea acrescenta­da pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 5º Os prazos previstos no § 4º, quando iguais ou superiores a dez anos, poderão ser reduzidos em cinco anos, desde que o proprietário concorde em receber o pagamento do valor das benfeitorias

úteis e necessárias integralmente em TDA. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 6º Aceito pelo proprietário o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias em TDA, os prazos de resgates dos respec-tivos títulos serão fixados mantendo-se a mesma proporcionalidade estabelecida para aqueles relativos ao valor da terra e suas acessões naturais. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 5º – ....................§ 3º – ........................................................I – do segundo ao quinto ano, quando emitidos para indenização de imóveis com área inferior a 40 (quarenta) mó-dulos fiscais;II – do segundo ao décimo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área acima de 40 (quarenta) até 70 (setenta) módulos fiscais;III – do segundo ao décimo quinto ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área acima de 70 (setenta) até 150 (cento e cinqüenta) módulos fiscais;IV – do segundo ao vigésimo ano, quando emitidos para indenização de imóvel com área superior a 150 (cento e cinqüenta) módulos fiscais.”

Art. 6º Considera-se propriedade produ-tiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:I – para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 177 19/11/2015 10:44:38

Page 168: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

178 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;II – para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;III – a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, di-vidida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas:I – as áreas plantadas com produtos ve-getais;II – as áreas de pastagens nativas e plan-tadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;III – as áreas de exploração extrativa ve-getal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;IV – as áreas de exploração de florestas na-tivas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;V – as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica.

Redação original – “Art. 6º – ..............§ 3º – ........................................................V – as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes.........................”

§ 4º No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.§ 5º No caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo es-paço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado.

§ 6º Para os produtos que não tenham ín-dices de rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º deste artigo.§ 7º Não perderá a qualificação de pro-priedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente con-duzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.§ 8º São garantidos os incentivos fiscais referentes ao Imposto Territorial Rural relacionados com os graus de utilização e de eficiência na exploração, conforme o disposto no art. 49 da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.Art. 7º Não será passível de desapropria-ção, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de im-plantação de projeto técnico que atenda aos seguintes requisitos:I – seja elaborado por profissional legal-mente habilitado e identificado;II – esteja cumprindo o cronograma físico-financeiro originalmente previsto, não admitidas prorrogações dos prazos;III – preveja que, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel seja efetivamente utilizada em, no máximo, 3 (três) anos para as culturas anuais e 5 (cinco) anos para as culturas permanentes;IV – haja sido aprovado pelo órgão federal competente, na forma estabelecida em re-gulamento, no mínimo seis meses antes da comunicação de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 2º. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 7º – ...................IV – haja sido registrado no órgão competente no mínimo 6 (seis) meses antes do decreto declaratório de inte-resse social.”

Parágrafo único – Os prazos previstos no inciso III deste artigo poderão ser prorro-gados em até 50% (cinqüenta por cento), desde que o projeto receba, anualmente, a aprovação do órgão competente para

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 178 19/11/2015 10:44:38

Page 169: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

179LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993(DOU 26.02.1993)

fiscalização e tenha sua implantação ini-ciada no prazo de 6 (seis) meses, contado de sua aprovação.Art. 8º Ter-se-á como racional e adequado o aproveitamento de imóvel rural, quando esteja oficialmente destinado à execução de atividades de pesquisa e experimenta-ção que objetivem o avanço tecnológico da agricultura.Parágrafo único – Para os fins deste artigo só serão consideradas as propriedades que tenham destinados às atividades de pes-quisa, no mínimo, 80% (oitenta por cento) da área total aproveitável do imóvel, sendo consubstanciadas tais atividades em projeto:I – adotado pelo Poder Público, se perten-cente a entidade de administração direta ou indireta, ou a empresa sob seu controle;II – aprovado pelo Poder Público, se par-ticular o imóvel.Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultanea-mente, segundo graus e critérios estabe-lecidos nesta lei, os seguintes requisitos:I – aproveitamento racional e adequado;II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei.§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o po-tencial produtivo da propriedade.§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida ade-quada à manutenção do equilíbrio ecológi-co da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos

contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.§ 6º (Vetado.)Art. 10 Para efeito do que dispõe esta lei, consideram-se não aproveitáveis:I – as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes;II – as áreas comprovadamente impres-táveis para qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal;III – as áreas sob efetiva exploração mi-neral;IV – as áreas de efetiva preservação per-manente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.Art. 11 Os parâmetros, índices e indicado-res que informam o conceito de produtivi-dade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso cientí-fico e tecnológico da agricultura e o desen-volvimento regional, pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 11 – Os pa-râmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.”

Art. 12 Considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 179 19/11/2015 10:44:38

Page 170: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

180 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observa-dos os seguintes aspectos: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)I – localização do imóvel;II – aptidão agrícola;III – dimensão do imóvel;IV – área ocupada e ancianidade das posses;V – funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.§ 1º Verificado o preço atual de mercado da totalidade do imóvel, proceder-se-á à dedução do valor das benfeitorias in-de nizáveis a serem pagas em dinheiro, obtendo-se o preço da terra a ser in de-nizado em TDA. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 2º Integram o preço da terra as florestas naturais, matas nativas e qualquer outro tipo de vegetação natural, não podendo o preço apurado superar, em qualquer hipótese, o preço de mercado do imó-vel. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 3º O Laudo de Avaliação será subscrito por Engenheiro Agrônomo com registro de Anotação de Responsabilidade Téc-nica – ART, respondendo o subscri tor, civil, penal e administrati va mente, pela su peravaliação com pro vada ou fraude na identificação das in for mações. (Parágrafo acres cen tado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art . 12 – Considera-se justa a indenização que permita ao desapropriado a reposição, em seu patrimônio, do valor do bem que perdeu por interesse social.§1º – A identificação do valor do bem a ser indenizado será feita, preferen-cialmente, com base nos seguintes referenciais técnicos e mercadológicos, entre outros usualmente empregados: I – valor das benfeitorias úteis e ne-cessárias, descontada a depreciação conforme o estado de conservação; II – valor da terra nua, observados os seguintes aspectos: a) localização do imóvel;

b) capacidade potencial da terra; c) dimensão do imóvel. § 2º – Os dados referentes ao preço das benfeitorias e do hectare da terra nua a serem indenizados serão levan-tados junto às Prefeituras Municipais, órgãos estaduais encarregados de avaliação imobiliária, quando houver, Tabelionatos e Cartórios de Registro de Imóveis, e através de pesquisa de mercado.”

Art. 13 As terras rurais de domínio da União, dos Estados e dos Municípios ficam destinadas, preferencialmente, à execução de planos de reforma agrária.Parágrafo único – Excetuando-se as re-servas indígenas e os parques, somente se admitirá a existência de imóveis rurais de propriedade pública, com objetivos diversos dos previstos neste artigo, se o poder público os explorar direta ou indi-retamente para pesquisa, experimentação, demonstração e fomento de atividades re-lativas ao desenvolvimento da agricultura, pecuária, preservação ecológica, áreas de segurança, treinamento militar, educação de todo tipo, readequação social e defesa nacional.Art. 14 (Vetado.)Art. 15 (Vetado.)Art. 16 Efetuada a desapropriação, o órgão expropriante, dentro do prazo de 3 (três) anos, contados da data de registro do títu-lo translativo de domínio, destinará a res-pectiva área aos beneficiários da reforma agrária, admitindo-se, para tanto, formas de exploração individual, condominial, cooperativa, associativa ou mista.Art. 17 O assentamento de trabalhadores rurais deverá ser realizado em terras economicamente úteis, de preferência na região por eles habitada, observado o se-guinte: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)I – a obtenção de terras rurais destinadas à implantação de projetos de assentamento integrantes do programa de reforma agrária será precedida de estudo sobre a viabilidade econômica e a potencialidade de uso dos recursos naturais; (Inciso acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 180 19/11/2015 10:44:39

Page 171: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

181LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993(DOU 26.02.1993)

II – os beneficiários dos projetos de que tra-ta o inciso I manifestarão sua concordância com as condições de obtenção das terras destinadas à implantação dos projetos de assentamento, inclusive quanto ao preço a ser pago pelo órgão federal exe cutor do programa de reforma agrária e com relação aos recursos naturais; (Inciso acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)III – nos projetos criados será elaborado Plano de Desenvolvimento de Assen-tamento – PDA, que orientará a fixação de normas técnicas para a sua implantação e os respectivos investimentos; (Inciso acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)IV – integrarão a clientela de trabalhadores rurais para fins de assentamento em pro-jetos de reforma agrária somente aqueles que satisfizerem os requisitos fixados para seleção e classificação, bem como as exigências contidas nos arts. 19, incisos I a V e seu parágrafo único, e 20 desta Lei; (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)V – a consolidação dos projetos de assen-tamento integrantes dos programas de reforma agrária dar-se-á com a concessão de créditos de instalação e a conclusão dos investimentos, bem como com a outorga do instrumento definitivo de titulação. (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 17 – O as-sentamento de trabalhadores rurais deverá ser efetuado em terras economi-camente úteis, de preferência na região por eles habitada.Parágrafo único. (Vetado.)”

Art. 18 A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á através de títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos. § 1º O título de domínio de que trata este artigo conterá cláusulas resolutivas e será outorgado ao beneficiário do programa de reforma agrária, de forma individual ou coletiva, após a realização dos serviços de medição e demarcação topográfica do imóvel a ser alienado. (Parágrafo acrescen­

tado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 2º Na implantação do projeto de assenta-mento, será celebrado com o beneficiário do programa de reforma agrária contrato de concessão de uso, de forma individual ou coletiva, que conterá cláusulas reso-lutivas, estipulando-se os direitos e as obrigações da entidade concedente e dos concessionários, assegurando-se a estes o direito de adquirir, em definitivo, o título de domínio, nas condições previstas no § 1º, computado o período da concessão para fins da inegociabilidade de que trata este artigo. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 3º O valor da alienação do imóvel será definido por deliberação do Con-selho Diretor do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, cujo ato fixará os critérios para a apu-ração do valor da parcela a ser cobrada do beneficiário do programa de reforma agrária. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 4º O valor do imóvel fixado na forma do § 3º será pago em prestações anuais pelo beneficiário do programa de reforma agrária, amortizadas em até vinte anos, com carência de três anos e corrigidas monetariamente pela variação do IGP-DI. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 5º Será concedida ao beneficiário do programa de reforma agrária a redução de cinqüenta por cento da correção monetária incidente sobre a prestação anual, quando efetuado o pagamento até a data do venci-mento da respectiva prestação. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 6º Os valores relativos às obras de infra-estrutura de interesse coletivo, aos custos despendidos com o plano de de senvolvimento do assentamento e aos serviços de medição e demarcação topográficos são considerados não reem-bolsáveis, sendo que os créditos con-cedidos aos beneficiários do programa de reforma agrária serão excluídos do valor das prestações e amortizados na

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 181 19/11/2015 10:44:39

Page 172: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

182 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

forma a ser definida pelo órgão federal executor do programa. (Parágrafo acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)§ 7º O órgão federal executor do programa de reforma agrária manterá atualizado o cadastro de áreas desapropriadas e de beneficiários da reforma agrária. (Antigo parágrafo único alterado e renumerado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Redação original – “Art. 18 – ...................Parágrafo único. O órgão federal com-petente manterá atualizado cadastro de áreas desapropriadas e de benefi-ciários da reforma agrária.”

Art. 19 O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente de estado civil, observada a seguinte or-dem preferencial:I – ao desapropriado, ficando-lhe assegu-rada a preferência para a parcela na qual se situe a sede do imóvel;II – aos que trabalham no imóvel desa-propriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários;III – aos ex-proprietários de terra cuja propriedade de área total compreendida entre um e quatro módulos fiscais tenha sido alienada para pagamento de débitos originados de operações de crédito rural ou perdida na condição de garantia de débitos da mesma origem; (Inciso acres­centado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)IV – aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, em outros imóveis; (Inciso renumerado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)V – aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar; (Inciso renumerado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)VI – aos agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente, insuficientes para o sustento próprio e o de sua família. (Inciso renumerado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)

Parágrafo único – Na ordem de preferên-cia de que trata este artigo, terão priori-dade os chefes de família numerosa, cujos membros se proponham a exercer a ati-vidade agrícola na área a ser distribuída.Art. 20 Não poderá ser beneficiário da distribuição de terras, a que se refere esta lei, o proprietário rural, salvo nos casos dos incisos I, IV e V do artigo anterior, nem o que exercer função pública, autár-quica ou em órgão paraestatal, ou o que se ache investido de atribuição parafiscal, ou quem já tenha sido contemplado ante-riormente com parcelas em programa de reforma agrária.Art. 21 Nos instrumentos que conferem o título de domínio ou concessão de uso, os beneficiários da reforma agrária assumi-rão, obrigatoriamente, o compromisso de cultivar o imóvel direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, e o de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de 10 (dez) anos.Art. 22 Constará, obrigatoriamente, dos instrumentos translativos de domínio ou de concessão de uso cláusula resolutória que preveja a rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao órgão alienante ou concedente, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas pelo adquirente ou concessionário.Art. 23 O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil só poderão arrendar imóvel rural na forma da Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971.§ 1º Aplicam-se ao arrendamento todos os limites, restrições e condições aplicáveis à aquisição de imóveis rurais por estran-geiro, constantes da lei referida no caput deste artigo.§ 2º Compete ao Congresso Nacional auto-rizar tanto a aquisição ou o arrendamento além dos limites de área e percentual fixados na Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 (cem) módulos de explo-ração indefinida.Art. 24 As ações de reforma agrária devem ser compatíveis com as ações de política agrícola, e constantes no Plano Plurianual.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 182 19/11/2015 10:44:39

Page 173: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

183LEI Nº 8.629, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1993(DOU 26.02.1993)

Art. 25 O orçamento da União fixará, anualmente, o volume de títulos da dívi-da agrária e dos recursos destinados, no exercício, ao atendimento do Programa de Reforma Agrária.§ 1º Os recursos destinados à execução do Plano Nacional de Reforma Agrária deve-rão constar do orçamento do ministério responsável por sua implementação e do órgão executor da política de colonização e reforma agrária, salvo aqueles que, por sua natureza, exijam instituições especia-lizadas para a sua aplicação.§ 2º Objetivando a compatibilização dos programas de trabalho e propostas orça-mentárias, o órgão executor da reforma agrária encaminhará, anualmente e em tempo hábil, aos órgãos da administração pública responsáveis por ações comple-mentares, o programa a ser implantado no ano subseqüente.

Art. 26 São isentas de impostos federais, estaduais e municipais, inclusive do Distrito Federal, as operações de trans-ferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, bem como a transferência ao beneficiário do programa.Art. 26-A Não serão cobradas custas ou emolumentos para registro de títulos translativos de domínio de imóveis ru-rais desapropriados para fins de reforma agrária. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2183­56, DOU 27.08.2001)Art. 27 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Art. 28 Revogam-se as disposições em contrário.Brasília, 25 de fevereiro de 1993, 172º da Independência e 105º da República.ITAMAR FRANCO Lázaro Ferreira Barbosa

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 183 19/11/2015 10:44:39

Page 174: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Capítulo IDiretrizes gerais

Art. 1o - Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Cons-tituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.Parágrafo único - Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da pro-priedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.Art. 2o - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:I – garantia do direito a cidades susten-táveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento am-biental, à infra-estrutura urbana, ao trans-porte e aos serviços públicos, ao tra ba lho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;II – gestão democrática por meio da par-ticipação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social;IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do

Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;V – oferta de equipamentos urbanos e co-munitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais;VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana;d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente;e) a retenção especulativa de imóvel ur-bano, que resulte na sua subutilização ou não utilização;f) a deterioração das áreas urbanizadas;g) a poluição e a degradação ambiental;VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconô-mico do Município e do território sob sua área de influência;VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expan-são urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urba-nização;X – adequação dos instrumentos de po-lítica econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 185 19/11/2015 10:44:39

Page 175: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

186 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos;XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;XIII – audiência do Poder Público munici-pal e da população interessada nos proces-sos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população;XIV – regularização fundiária e urbaniza-ção de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consi-deradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;XV – simplificação da legislação de par-celamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;XVI – isonomia de condições para os agen-tes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.Art. 3o - Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;II – legislar sobre normas para a coopera-ção entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à po-lítica urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;IV – instituir diretrizes para o desen-volvimento urbano, inclusive habitação,

saneamento básico e transportes urbanos;V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

Capítulo IIDos instrumentos da política urbana

Seção IDos instrumentos em geral

Art. 4o - Para os fins desta Lei, serão utili-zados, entre outros instrumentos:I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvol-vimento econômico e social;II – planejamento das regiões metropo-litanas, aglomerações urbanas e micror-regiões;III – planejamento municipal, em especial:a) plano diretor;b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;c) zoneamento ambiental;d) plano plurianual;e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;f) gestão orçamentária participativa;g) planos, programas e projetos setoriais;h) planos de desenvolvimento econômico e social;IV – institutos tributários e financeiros:a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;b) contribuição de melhoria;c) incentivos e benefícios fiscais e finan-ceiros;V – institutos jurídicos e políticos:a) desapropriação;b) servidão administrativa;c) limitações administrativas;d) tombamento de imóveis ou de mobi-liário urbano;e) instituição de unidades de conservação;f) instituição de zonas especiais de inte-resse social;g) concessão de direito real de uso;h) concessão de uso especial para fins de moradia;i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 186 19/11/2015 10:44:39

Page 176: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

187LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

j) usucapião especial de imóvel urbano;l) direito de superfície;m) direito de preempção;n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;o) transferência do direito de construir;p) operações urbanas consorciadas;q) regularização fundiária;r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;s) referendo popular e plebiscito;VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizi-nhança (EIV).§ 1o - Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei.§ 2o - Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvol-vidos por órgãos ou entidades da Admi-nistração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser con-tratada coletivamente.§ 3o - Os instrumentos previstos neste arti-go que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garan-tida a participação de comunidades, mo-vimentos e entidades da sociedade civil.

Seção IIDo parcelamento, edificação ou

utilização compulsórios

Art. 5o - Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo ur-bano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.§ 1o - Considera-se subutilizado o imóvel:I – cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente;II – (VETADO)§ 2o - O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumpri-mento da obrigação, devendo a notificação

ser averbada no cartório de registro de imóveis.§ 3o - A notificação far-se-á:I – por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, ao proprie-tário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;II – por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notificação na forma prevista pelo inciso I.§ 4o - Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:I - um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto no órgão municipal competente;II - dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do empre-endimento.§ 5o - Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei mu-nicipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o empreendimento como um todo.Art. 6o - A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei, sem interrup-ção de quaisquer prazos.

Seção IIIDo IPTU progressivo no tempo

Art. 7o - Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.§ 1o - O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5o desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 187 19/11/2015 10:44:39

Page 177: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

188 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

§ 2o - Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerro-gativa prevista no art. 8o.§ 3o - É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progres-siva de que trata este artigo.

Seção IVDa desapropriação com pagamento em

títulos

Art. 8o - Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprie-tário tenha cumprido a obrigação de par celamento, edificação ou utilização, o Mu nicípio poderá proceder à desapropria-ção do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.§ 1o - Os títulos da dívida pública terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano.§ 2o - O valor real da indenização:I – refletirá o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorpo-rado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área onde o mesmo se localiza após a notificação de que trata o § 2o do art. 5o desta Lei;II – não computará expectativas de ga-nhos, lucros cessantes e juros compen-satórios.§ 3o - Os títulos de que trata este artigo não terão poder liberatório para pagamento de tributos.§ 4o - O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo má-ximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público.§ 5o - O aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou con-cessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.§ 6o - Ficam mantidas para o adquirente de imóvel nos termos do § 5o as mesmas obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5o desta Lei.

Seção VDa usucapião especial de imóvel

urbano

Art. 9o - Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.§ 1o - O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, inde-pendentemente do estado civil.§ 2o - O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.§ 3o - Para os efeitos deste artigo, o her-deiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.Art. 10 - As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininter-ruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de se-rem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.§ 1o - O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.§ 2o - A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de tí-tulo para registro no cartório de registro de imóveis.§ 3o - Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do ter-reno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, es-tabelecendo frações ideais diferenciadas.§ 4o - O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extin-ção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condômi-nos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 188 19/11/2015 10:44:39

Page 178: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

189LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

§ 5o - As deliberações relativas à adminis-tração do condomínio especial serão toma-das por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.Art. 11 - Na pendência da ação de usuca-pião especial urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo.Art. 12 - São partes legítimas para a pro-positura da ação de usucapião especial urbana:I – o possuidor, isoladamente ou em li-tisconsórcio originário ou superveniente;II – os possuidores, em estado de com-posse;III – como substituto processual, a as-sociação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com persona-lidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.§ 1o - Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.§ 2o - O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.Art. 13 - A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como maté-ria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.Art. 14 - Na ação judicial de usucapião es-pecial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário.

Seção VIDa concessão de uso especial para fins

de moradia

Art. 15 - (VETADO)Art. 16 - (VETADO)Art. 17 - (VETADO)Art. 18 - (VETADO)Art. 19 - (VETADO)Art. 20 - (VETADO)

Seção VIIDo direito de superfície

Art. 21 - O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado

ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.§ 1o - O direito de superfície abrange o di reito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, aten-dida a legislação urbanística.§ 2o - A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.§ 3o - O superficiário responderá inte-gralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superfici-ária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.§ 4o - O direito de superfície pode ser trans-ferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato respectivo.§ 5o - Por morte do superficiário, os seus direitos transmitem-se a seus herdeiros.Art. 22 - Em caso de alienação do terreno, ou do direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros.Art. 23 - Extingue-se o direito de super-fície:I – pelo advento do termo;II – pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário.Art. 24 - Extinto o direito de superfície, o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e ben-feitorias introduzidas no imóvel, indepen-dentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário no respectivo contrato.§ 1o - Antes do termo final do contrato, extinguir-se-á o direito de superfície se o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual for concedida.§ 2o - A extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis.

Seção VIIIDo direito de preempção

Art. 25 - O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 189 19/11/2015 10:44:39

Page 179: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

190 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.§ 1o - Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, reno-vável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.§ 2o - O direito de preempção fica assegu-rado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.Art. 26 - O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:I – regularização fundiária;II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;III – constituição de reserva fundiária;IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;VIII – proteção de áreas de interesse his-tórico, cultural ou paisagístico;IX – (VETADO)Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deverá enqua-drar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalida-des enumeradas por este artigo.Art. 27 - O proprietário deverá notificar sua intenção de alienar o imóvel, para que o Município, no prazo máximo de trinta dias, manifeste por escrito seu interesse em comprá-lo.§ 1o - À notificação mencionada no caput será anexada proposta de compra assina-da por terceiro interessado na aquisição do imóvel, da qual constarão preço, con-dições de pagamento e prazo de validade.§ 2o - O Município fará publicar, em órgão oficial e em pelo menos um jornal local ou regional de grande circulação, edital de aviso da notificação recebida nos ter-mos do caput e da intenção de aquisição

do imóvel nas condições da proposta apresentada.§ 3o - Transcorrido o prazo mencionado no caput sem manifestação, fica o pro-prietário autorizado a realizar a alienação para terceiros, nas condições da proposta apresentada.§ 4o - Concretizada a venda a terceiro, o proprietário fica obrigado a apresentar ao Município, no prazo de trinta dias, cópia do instrumento público de alienação do imóvel.§ 5o - A alienação processada em condições diversas da proposta apresentada é nula de pleno direito.§ 6o - Ocorrida a hipótese prevista no § 5o o Município poderá adquirir o imóvel pelo valor da base de cálculo do IPTU ou pelo valor indicado na proposta apresentada, se este for inferior àquele.

Seção IXDa outorga onerosa do direito de

construir

Art. 28 - O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aprovei-tamento básico adotado, mediante contra-partida a ser prestada pelo beneficiário.§ 1o - Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.§ 2o - O plano diretor poderá fixar coe-ficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.§ 3o - O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coefi-cientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estru-tura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.Art. 29 - O plano diretor poderá fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.Art. 30 - Lei municipal específica estabele-cerá as condições a serem observadas para a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, determinando:

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 190 19/11/2015 10:44:39

Page 180: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

191LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

I – a fórmula de cálculo para a cobrança;II – os casos passíveis de isenção do paga-mento da outorga;III – a contrapartida do beneficiário.Art. 31 - Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incisos I a IX do art. 26 desta Lei.

Seção XDas operações urbanas consorciadas

Art. 32 - Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas.§ 1o - Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários per-manentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transfor-mações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.§ 2o - Poderão ser previstas nas opera-ções urbanas consorciadas, entre outras medidas:I – a modificação de índices e caracterís-ticas de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;II – a regularização de construções, re-for mas ou ampliações executadas em de sacordo com a legislação vigente.Art. 33 - Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:I – definição da área a ser atingida;II – programa básico de ocupação da área;III – programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação;IV – finalidades da operação;V – estudo prévio de impacto de vizi-nhança;VI – contrapartida a ser exigida dos pro-prietários, usuários permanentes e inves-tidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I e II do § 2o do art. 32 desta Lei;

VII – forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil.§ 1o - Os recursos obtidos pelo Poder Pú-blico municipal na forma do inciso VI des-te artigo serão aplicados exclusivamente na própria operação urbana consorciada.§ 2o - A partir da aprovação da lei específica de que trata o caput, são nulas as licenças e autorizações a cargo do Poder Público municipal expedidas em desacordo com o plano de operação urbana consorciada.Art. 34 - A lei específica que aprovar a ope-ração urbana consorciada poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que serão aliena-dos em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.§ 1o - Os certificados de potencial adi-cional de construção serão livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação.§ 2o - Apresentado pedido de licença para construir, o certificado de potencial adicional será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocu-pação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada.

Seção XIDa transferência do direito de construir

Art. 35 - Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;II – preservação, quando o imóvel for con-siderado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 191 19/11/2015 10:44:40

Page 181: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

192 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

por população de baixa renda e habitação de interesse social.§ 1o - A mesma faculdade poderá ser con-cedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput.§ 2o - A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir.

Seção XIIDo estudo de impacto de vizinhança

Art. 36 - Lei municipal definirá os em-preendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, amplia-ção ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.Art. 37 - O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e nega-tivos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das se-guintes questões:I – adensamento populacional;II – equipamentos urbanos e comunitários;III – uso e ocupação do solo;IV – valorização imobiliária;V – geração de tráfego e demanda por transporte público;VI – ventilação e iluminação;VII – paisagem urbana e patrimônio na-tural e cultural.Parágrafo único - Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que fica-rão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.Art. 38 - A elaboração do EIV não substi-tui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), reque-ridas nos termos da legislação ambiental.

Capítulo IIIDo Plano Diretor

Art. 39 - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exi-gências fundamentais de ordenação da

cidade expressas no plano diretor, asse-gurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.Art. 40 - O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.§ 1o - O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretri-zes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.§ 2o - O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.§ 3o - A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.§ 4o - No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implemen-tação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.§ 5o - (VETADO) Art. 41 - O plano diretor é obrigatório para cidades:I – com mais de vinte mil habitantes;II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;III – onde o Poder Público municipal pre-tenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal;IV – integrantes de áreas de especial inte-resse turístico;V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.§ 1o - No caso da realização de empreen-dimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput, os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de compensação adotadas.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 192 19/11/2015 10:44:40

Page 182: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

193LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

§ 2o - No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.Art. 42 - O plano diretor deverá conter no mínimo:I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edi-ficação ou utilização compulsórios, consi-derando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5o desta Lei;II – disposições requeridas pelos arts. 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei;III – sistema de acompanhamento e controle.

Capítulo IVDa gestão democrática da cidade

Art. 43 - Para garantir a gestão democráti-ca da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;II – debates, audiências e consultas pú-blicas;III – conferências sobre assuntos de inte-resse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desen-volvimento urbano;V – (VETADO)Art. 44 - No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4o desta Lei in-cluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes or-çamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.Art. 45 - Os organismos gestores das re giões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e signifi-cativa participação da população e de asso ciações representativas dos vários seg mentos da comunidade, de modo a ga-rantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

Capítulo VDisposições Gerais

Art. 46 - O Poder Público municipal pode-rá facultar ao proprietário de área atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5o desta Lei, a requerimento deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.§ 1o - Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de ur-banização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente ur-banizadas ou edificadas.§ 2o - O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será cor-respondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei.Art. 47 - Os tributos sobre imóveis urba-nos, assim como as tarifas relativas a servi-ços públicos urbanos, serão diferenciados em função do interesse social.Art. 48 - Nos casos de programas e pro-jetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação espe-cífica nessa área, os contratos de concessão de direito real de uso de imóveis públicos:I – terão, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se apli-cando o disposto no inciso II do art. 134 do Código Civil;II – constituirão título de aceitação obriga-tória em garantia de contratos de financia-mentos habitacionais.Art. 49 - Os Estados e Municípios terão o prazo de noventa dias, a partir da entrada em vigor desta Lei, para fixar prazos, por lei, para a expedição de diretrizes de em-preendimentos urbanísticos, aprovação de projetos de parcelamento e de edificação, realização de vistorias e expedição de termo de verificação e conclusão de obras.Parágrafo único - Não sendo cumprida a determinação do caput, fica estabelecido o prazo de sessenta dias para a realização de cada um dos referidos atos adminis-trativos, que valerá até que os Estados e

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 193 19/11/2015 10:44:40

Page 183: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

194 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Municípios disponham em lei de forma diversa.Art. 50 - Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do art. 41 desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei, deverão aprová-lo no prazo de cinco anos.Art. 51 - Para os efeitos desta Lei, aplicam-se ao Distrito Federal e ao Governador do Distrito Federal as disposições relativas, respectivamente, a Município e a Prefeito.Art. 52 - Sem prejuízo da punição de outros agentes públicos envolvidos e da aplicação de outras sanções cabíveis, o Prefeito incorre em improbidade admi-nistrativa, nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, quando:I – (VETADO)II – deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio público, conforme o disposto no § 4o do art. 8o desta Lei;III – utilizar áreas obtidas por meio do direito de preempção em desacordo com o disposto no art. 26 desta Lei;IV – aplicar os recursos auferidos com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso em desacordo com o previsto no art. 31 desta Lei;V – aplicar os recursos auferidos com operações consorciadas em desacordo com o previsto no § 1o do art. 33 desta Lei;VI – impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III do § 4o do art. 40 desta Lei;VII – deixar de tomar as providências necessárias para garantir a observância do disposto no § 3o do art. 40 e no art. 50 desta Lei;VIII – adquirir imóvel objeto de direito de preempção, nos termos dos arts. 25 a 27 desta Lei, pelo valor da proposta apre-sentada, se este for, comprovadamente, superior ao de mercado.Art. 53 – (Revogado pela Medida Provisória nº 2.180­35, de 24.8.2001)

Redação original: “O art. 1o da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar acrescido de novo inciso III, renumerando o atual inciso III e os subseqüentes:

“Art. 1o ..........................................................................................................................III – à ordem urbanística;..........................................................”

Art. 54 - O art. 4o da Lei no 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 4o Poderá ser ajuizada ação caute-lar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio am-biente, ao consumidor, à ordem urba-nística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO).”

Art. 55 - O art. 167, inciso I, item 28, da Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, alterado pela Lei no 6.216, de 30 de junho de 1975, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 167. ...................................................I - ................................................................................................................................28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regulari-dade do parcelamento do solo ou da edificação;.........................................................”

Art. 56 - O art. 167, inciso I, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 37, 38 e 39:

“Art. 167. ...................................................I – ..............................................................37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia, independente da regularidade do par-celamento do solo ou da edificação;38) (VETADO)39) da constituição do direito de super-fície de imóvel urbano;”

Art. 57 - O art. 167, inciso II, da Lei no 6.015, de 1973, passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 18, 19 e 20:

“Art. 167. ...................................................II – ..............................................................

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 194 19/11/2015 10:44:40

Page 184: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

195LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001(DOU 11.07.2001)

18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano;19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano.”

Art. 58 - Esta Lei entra em vigor após de-corridos noventa dias de sua publicação.Brasília, 10 de julho de 2001; 180o da Independência e 113o da República.FERNANDO HENRIQUE CARDOSOPaulo de Tarso Ramos RibeiroGeraldo Magela da Cruz QuintãoPedro MalanBenjamin Benzaquen SicsúMartus TavaresJosé Sarney FilhoAlberto Mendes Cardoso

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 195 19/11/2015 10:44:40

Page 185: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

LEI COMPLEMENTAR Nº 76, DE 6 DE JULHO DE 1993

Dispõe sobre o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei complementar:Art. 1º O procedimento judicial da desa-propriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, obe-decerá ao contraditório especial, de rito sumário, previsto nesta lei Complementar.Art. 2º A desapropriação de que trata esta lei Complementar é de competência priva-tiva da União e será precedida de decreto declarando o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária.§ 1º A ação de desapropriação, proposta pelo órgão federal executor da reforma agrária, será processada e julgada pelo juiz federal competente, inclusive durante as férias forenses.§ 2º Declarado o interesse social, para fins de reforma agrária, fica o expropriante legitimado a promover a vistoria e a ava-liação do imóvel, inclusive com o auxílio de força policial, mediante prévia autori-zação do juiz, responsabilizando-se por eventuais perdas e danos que seus agentes vierem a causar, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.Art. 3º A ação de desapropriação deverá ser proposta dentro do prazo de dois anos, contado da publicação do decreto declaratório.Art. 4º Intentada a desapropriação parcial, o proprietário poderá requerer, na contes-tação, a desapropriação de todo o imóvel, quando a área remanescente ficar:I - reduzida a superfície inferior à da pe-quena propriedade rural; ouII - prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada.Art. 5º A petição inicial, além dos requisi-tos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruída com os seguintes documentos:

I - texto do decreto declaratório de inte-resse social para fins de reforma agrária, publicado no Diário Oficial da União;II - certidões atualizadas de domínio e de ônus real do imóvel;III - documento cadastral do imóvel;IV - laudo de vistoria e avaliação admi-nistrativa, que conterá, necessariamente:a) descrição do imóvel, por meio de suas plantas geral e de situação, e memorial descritivo da área objeto da ação;b) relação das benfeitorias úteis, necessá-rias e voluptuárias, das culturas e pastos naturais e artificiais, da cobertura florestal, seja natural ou decorrente de florestamen-to ou reflorestamento, e dos semoventes;c) discriminadamente, os valores de ava lia ção da terra nua e das benfeitorias in de nizáveis.V - comprovante de lançamento dos Títulos da Dívida Agrária correspondente ao valor ofertado para pagamento de terra nua; (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)VI - comprovante de depósito em banco oficial, ou outro estabelecimento no caso de inexistência de agência na localidade, à disposição do juízo, correspondente ao valor ofertado para pagamento das benfeitorias úteis e necessárias. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)Art. 6º O juiz, ao despachar a petição inicial, de plano ou no prazo máximo de quarenta e oito horas:I - mandará imitir o autor na posse do imóvel; (Redação dada pela LCP 88, de 23/12/96)II - determinará a citação do expropriando para contestar o pedido e indicar assisten-te técnico, se quiser; (Redação dada pela LCP 88, de 23/12/96)III - expedirá mandado ordenando a averbação do ajuizamento da ação no registro do imóvel expropriando, para conhecimento de terceiros.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 197 19/11/2015 10:44:40

Page 186: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

198 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

§ 1º Efetuado o depósito do valor cor-respondente ao preço oferecido, o juiz mandará, no prazo de quarenta e oito horas, imitir o autor na posse do imóvel expropriando. (Revogado pela LCP 88, de 23/12/96)§ 1º Inexistindo dúvida acerca do domínio, ou de algum direito real sobre o bem, ou sobre os direitos dos titulares do domí-nio útil, e do domínio direto, em caso de enfiteuse ou aforamento, ou, ainda, ine xistindo divisão, hipótese em que o valor da indenização ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interes-sados não resolverem seus conflitos em ações próprias, poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da indenização depositada, quitado os tributos e publicados os editais, para co nhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias. (Renumerado pela LCP 88, de 23/12/96)§ 2º O Juiz poderá, para a efetivação da imissão na posse, requisitar força policial. (Renumerado pela LCP 88, de 23/12/96)§ 3° No curso da ação poderá o Juiz desig-nar, com o objetivo de fixar a prévia e justa indenização, audiência de conciliação, que será realizada nos dez primeiros dias a contar da citação, e na qual deverão estar presentes o autor, o réu e o Ministério Público. As partes ou seus representantes legais serão intimadas via postal. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)§ 4º Aberta a audiência, o Juiz ouvirá as partes e o Ministério Público, proprondo a conciliação. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)§ 5° Se houver acordo, lavrar-se-á o res-pectivo termo, que será assinado pelas par tes e pelo Ministério Público ou seus re-presentantes legais. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)§ 6° Integralizado o valor acordado, nos dez dias úteis subseqüentes ao pactuado, o Juiz expedirá mandado ao registro imo-biliário, determinando a matrícula do bem expropriado em nome do expropriante. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)§ 7° A audiência de conciliação não sus-pende o curso da ação. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)

Art. 7º A citação do expropriando será feita na pessoa do proprietário do bem, ou de seu representante legal, obedeci-do o disposto no art. 12 do Código de Processo Civil.§ 1º Em se tratando de enfiteuse ou afo-ramento, serão citados os titulares do domínio útil e do domínio direto, exceto quando for contratante a União.§ 2º No caso de espólio, inexistindo inven-tariante, a citação será feita na pessoa do cônjuge sobrevivente ou na de qualquer herdeiro ou legatário que esteja na posse do imóvel.§ 3º Serão intimados da ação os titulares de direitos reais sobre o imóvel desapro-priando.§ 4º Serão ainda citados os confrontantes que, na fase administrativa do procedi-mento expropriatório, tenham, funda-mentadamente, contestado as divisas do imóvel expropriando.Art. 8º O autor, além de outras formas previstas na legislação processual civil, poderá requerer que a citação do expro-priando seja feita pelo correio, através de carta com aviso de recepção, firmado pelo destinatário ou por seu representante legal.Art. 9º A contestação deve ser oferecida no prazo de quinze dias se versar matéria de interesse da defesa, excluída a apreciação quanto ao interesse social declarado.§ 1º Recebida a contestação, o juiz, se for o caso, determinará a realização de prova pericial, adstrita a pontos impugnados do laudo de vistoria administrativa, a que se refere o art. 5º, inciso IV e, simul-taneamente:I - designará o perito do juízo;II - formulará os quesitos que julgar ne-cessários;III - intimará o perito e os assistentes para prestar compromisso, no prazo de cin co dias;IV - intimará as partes para apresentar quesitos, no prazo de dez dias.§ 2º A prova pericial será concluída no prazo fixado pelo juiz, não excedente a sessenta dias, contado da data do com-promisso do perito.Art. 10. Havendo acordo sobre o preço, este será homologado por sentença.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 198 19/11/2015 10:44:40

Page 187: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

199LEI COMPLEMENTAR Nº 76, DE 6 DE JULHO DE 1993

Parágrafo único. Não havendo acordo, o valor que vier a ser acrescido ao depósito inicial por força de laudo pericial acolhi-do pelo Juiz será depositado em espécie para as benfeitorias, juntado aos autos o comprovante de lançamento de Títulos da Dívida Agrária para terra nua, como inte-gralização dos valores ofertados. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)Art. 11. A audiência de instrução e julga-mento será realizada em prazo não supe-rior a quinze dias, a contar da conclusão da perícia.Art. 12. O juiz proferirá sentença na au-diência de instrução e julgamento ou nos trinta dias subseqüentes, indicando os fatos que motivaram o seu convencimento.§ 1º Ao fixar o valor da indenização, o juiz considerará, além dos laudos periciais, outros meios objetivos de convencimento, inclusive a pesquisa de mercado.§ 2º O valor da indenização corresponde-rá ao valor apurado na data da perícia, ou ao consignado pelo juiz, corrigido monetariamente até a data de seu efetivo pagamento.§ 3º Na sentença, o juiz individualizará o valor do imóvel, de suas benfeitorias e dos demais componentes do valor da indenização.§ 4º Tratando-se de enfiteuse ou aforamen-to, o valor da indenização será depositado em nome dos titulares do domínio útil e do domínio direto e disputado por via de ação própria.Art. 13. Da sentença que fixar o preço da indenização caberá apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo expropriado e, em ambos os efeitos, quando interposta pelo expro-priante.§ 1º A sentença que condenar o expro-priante, em quantia superior a cinqüenta por cento sobre o valor oferecido na inicial, fica sujeita a duplo grau de jurisdição.§ 2º No julgamento dos recursos decorren-tes da ação desapropriatória não haverá revisor.Art. 14. O valor da indenização, estabele-cido por sentença, deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e ne-cessárias, inclusive culturas e pastagens

artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua.Art. 15. Em caso de reforma de sentença, com o aumento do valor da indenização, o expropriante será intimado a depositar a diferença, no prazo de quinze dias.Art. 16. A pedido do expropriado, após o trânsito em julgado da sentença, será levantada a indenização ou o depósito judicial, deduzidos o valor de tributos e multas incidentes sobre o imóvel, exigí-veis até a data da imissão na posse pelo expropriante.Art. 17. Efetuado ou não o levantamento, ainda que parcial, da indenização ou do depósito judicial, será expedido em favor do expropriante, no prazo de quarenta e oito horas, mandado translativo do domí-nio para o Cartório do Registro de Imóveis competente, sob a forma e para os efeitos da Lei de Registros Públicos. (Redação dada pela LCP 88, de 23/12/96)Parágrafo único. O registro da proprieda-de nos cartórios competentes far-se-á no prazo improrrogável de três dias, contado da data da apresentação do mandado. (Incluído pela LCP 88, de 23/12/96)Art. 18. As ações concernentes à desa-propriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, têm caráter preferencial e prejudicial em rela-ção a outras ações referentes ao imóvel ex-propriando, e independem do pagamento de preparo ou de emolumentos.§ 1º Qualquer ação que tenha por objeto o bem expropriando será distribuída, por dependência, à Vara Federal onde tiver curso a ação de desapropriação, determi-nando-se a pronta intervenção da União.§ 2º O Ministério Público Federal intervirá, obrigatoriamente, após a manifestação das partes, antes de cada decisão manifestada no processo, em qualquer instância.Art. 19. As despesas judiciais e os honorá-rios do advogado e do perito constituem encargos do sucumbente, assim entendido o expropriado, se o valor da indenização for igual ou inferior ao preço oferecido, ou o expropriante, na hipótese de valor superior ao preço oferecido.§ 1º Os honorários do advogado do expro-priado serão fixados em até vinte por cento sobre a diferença entre o preço oferecido e o valor da indenização.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 199 19/11/2015 10:44:40

Page 188: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

200 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

§ 2º Os honorários periciais serão pagos em valor fixo, estabelecido pelo juiz, atendida à complexidade do trabalho desenvolvido.Art. 20. Em qualquer fase processual, mesmo após proferida a sentença, com-pete ao juiz, a requerimento de qualquer das partes, arbitrar valor para desmonte e transporte de móveis e semoventes, a ser suportado, ao final, pelo expropriante, e cominar prazo para que o promova o expropriado.Art. 21. Os imóveis rurais desapropriados, uma vez registrados em nome do expro-priante, não poderão ser objeto de ação reivindicatória.

Art. 22. Aplica-se subsidiariamente ao pro-cedimento de que trata esta Lei Com ple-mentar, no que for compatível, o Código de Processo Civil.Art. 23. As disposições desta lei comple-mentar aplicam-se aos processos em curso, convalidados os atos já realizados.Art. 24. Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário e, em especial, o Decreto-Lei nº 554, de 25 de abril de 1969.Brasília, 6 de julho de 1993, 172º da Inde-pendência e 105º da República.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 200 19/11/2015 10:44:40

Page 189: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941(DOU 18.07.1941)

Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.

O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta :

Disposições Preliminares

Art. 1º A desapropriação por utilidade pú blica regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser de-sapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.§1º A desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuizo patrimonial do proprietário do solo.§2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.§3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Mu nicípios de ações, cotas e direitos re-presentativos do capital de instituições e emprêsas cujo funcionamento dependa de autorização do Govêrno Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo me-diante prévia autorização, por decreto do Presidente da República. (Parágrafo acrescentado pelo Decreto­lei nº 856, DOU 12.09.1969)Art. 3º Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de carater público ou que exerçam funções delega-das de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.Art. 4º A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvi-mento da obra a que se destina, e as zonas

que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do ser-viço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensaveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda.Art. 5º Consideram-se casos de utilidade pública:a) a segurança nacional;b) a defesa do Estado;c) o socorro público em caso de calami-dade;d) a salubridade pública;e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, esta-ções de clima e fontes medicinais;h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execu-ção de planos de urbanização; o parcela-mento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou am-pliação de distritos industriais; (Redação dada pela Lei nº 9.785, DOU 01.02.1999)j) o funcionamento dos meios de trans-porte coletivo;k) a preservação e conservação dos mo-numentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particu-larmente dotados pela natureza;

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 201 19/11/2015 10:44:40

Page 190: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

202 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;p) os demais casos previstos por leis especiais.§1º A construção ou ampliação de distri-tos industriais, de que trata a alínea i do caput deste artigo, inclui o loteamento das áreas necessárias à instalação de indús-trias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.602, DOU 12.12.1978)§2º A efetivação da desapropriação para fins de criação ou ampliação de distritos industriais depende de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competen-te, do respectivo projeto de implantação. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.602, DOU 12.12.1978)§3º Ao imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, não se dará outra utilização nem haverá retrocessão. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.602, DOU 12.12.1978)

Redação anterior / Lei 6.602, DOU 12.12.1978 – “Art. 5º ................i) a abertura, conservação e melho-ramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de terreno, edificados ou não, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais. Redação original – “Art. 5º .................i) a abertura, conservação e melhora-mento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o loteamento de terrenos edificados ou não para sua melhor utilização econô-mica, higiênica ou estética;

Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.Art. 7º Declarada a utilidade pública, fi cam as autoridades administrativas au torizadas a penetrar nos prédios com preen didos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de for ça policial.Àquele que for molestado por excesso ou abuso de poder, cabe indenização por per-das e danos, sem prejuizo da ação penal.Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.Art. 9º Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.Art. 10 A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judi-cialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo de-creto e findos os quais este caducará. (Ver Decreto­lei nº 9.282, DOU 25.05.1946, que suspende por 2 anos este artigo) Parágrafo único Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público. (Parágrafo acre­centado pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001)Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração.

Do Processo Judicial

Art. 11 A ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domi-ciliado o réu, perante o juizo privativo, se houver; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens.Art. 12 Somente os juizes que tiverem garantia de vitaliciedade, inamovibili-dade e irredutibilidade de vencimentos poderão conhecer dos processos de de-sapropriação.Art. 13 A petição inicial, alem dos requisi-tos previstos no Código de Processo Civil, conterá a oferta do preço e será instruida

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 202 19/11/2015 10:44:41

Page 191: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

203DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941(DOU 18.07.1941)

com um exemplar do contrato, ou do jor-nal oficial que houver publicado o decreto de desapropriação, ou cópia autenticada dos mesmos, e a planta ou descrição dos bens e suas confrontações.Parágrafo único – Sendo o valor da causa igual ou inferior a dois contos de réis (2:000$0), dispensam-se os autos suple-mentares.Art. 14 Ao despachar a inicial, o juiz de-signará um perito de sua livre escolha, sempre que possivel, técnico, para proce-der à avaliação dos bens. Parágrafo único – O autor e o réu poderão indicar assistente técnico do perito.Art. 15 Se o expropriante alegar urgência e depositar quantia arbitrada de conformi-dade com o art. 685 do Código de Processo Civil, o juiz mandará imití-lo provisoria-mente na posse dos bens; §1º A imissão provisória poderá ser feita, independente da citação do réu, mediante o depósito: (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)a) do preço oferecido, se êste fôr superior a 20 (vinte) vezes o valor locativo, caso o imóvel esteja sujeito ao impôsto predial; (Alínea acrescentada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)b) da quantia correspondente a 20 (vinte) vezes o valor locativo, estando o imóvel sujeito ao impôsto predial e sendo menor o preço oferecido; (Alínea acrescentada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)c) do valor cadastral do imóvel, para fins de lançamento do imposto territorial, urbano ou rural, caso o referido valor tenha sido atualizado no ano fiscal ime-diatamente anterior; (Alínea acrescentada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)d) não tendo havido a atualização a que se refere o inciso c, o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel. (Alínea acrescentada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)§2º A alegação de urgência, que não pode-rá ser renovada, obrigará o expropriante a requerer a imissão provisória dentro do prazo improrrogável de 120 (cento e

vinte) dias. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)§3º Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)

Redação anterior / Decreto-lei 9.811, DOU 11.09.1946 – “Parágrafo único. Mediante depósito de quantia igual ao máximo da indenização prevista no parágrafo único do art. 27, se a propriedade estiver sujeita ao impôsto predial, ou de quantia correspondente ao valor lançado para a cobrança ao impôsto territorial, urbano ou rural, proporcional à área exproprianda, a imissão de posse poderá dar-se inde-pendente da citação do réu. Redação anterior / Decreto-lei nº 4.152/1942 – “Parágrafo único. Mediante o depósito de quantia igual ao máximo da indenização prevista no parágrafo único do art. 27, a imissão de posse poderá dar-se independente da citação do réu”.

Art. 15-A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofer-tado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da di-ferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)§1º Os juros compensatórios destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprie-tário. (Parágafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)§2º Não serão devidos juros compensa-tórios quando o imóvel possuir graus de utilização da terra e de eficiência na explo-ração iguais a zero. (Parágafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 203 19/11/2015 10:44:41

Page 192: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

204 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

§3º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento admi nis-trativo ou desapropriação indireta, bem as sim às ações que visem a indenização por res trições decorrentes de atos do Po der Público, em especial aqueles des ti na dos à proteção ambiental, inci-din do os juros sobre o valor fixado na sen ten ça. (Parágafo acres centado pe­la Me d ida Provisór ia nº 2 .183­56 , DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)§4º Nas ações referidas no §3º, não será o Poder Público onerado por juros com-pensatórios relativos a período anterior à aquisição da propriedade ou posse titula-da pelo autor da ação. (Parágafo acrescenta­do pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. (Artigo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183­56, DOU 27.08.2001) Art. 16 A citação far-se-á por mandado na pessoa do proprietário dos bens; a do marido dispensa a dá mulher; a de um sócio, ou administrador, a dos demais, quando o bem pertencer a sociedade; a do administrador da coisa no caso de condomínio, exceto o de edificio de apar-tamento constituindo cada um proprieda-de autonôma, a dos demais condôminos e a do inventariante, e, se não houver, a do cônjuge, herdeiro, ou legatário, detentor da herança, a dos demais interessados, quando o bem pertencer a espólio.Parágrafo único – Quando não encontrar o citando, mas ciente de que se encontra no território da jurisdição do juiz, o oficial portador do mandado marcará desde logo hora certa para a citação, ao fim de 48 horas, independentemente de nova diligência ou despacho.Art. 17 Quando a ação não for proposta no foro do domicilio ou da residência do

réu, a citação far-se-á por precatória, se ó mesmo estiver em lugar certo, fora do território da jurisdição do juiz. Art. 18 A citação far-se-á por edital se o citando não for conhecido, ou estiver em lugar ignorado, incerto ou inacessível, ou, ainda, no estrangeiro, o que dois oficiais do juizo certificarão.Art. 19 Feita a citação, a causa seguirá com o rito ordinário.Art. 20 A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impug-nação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.Art. 21 A instância não se interrompe. No caso de falecimento do réu, ou perda de sua capacidade civil, o juiz, logo que disso tenha conhecimento, nomeará curador à lide, ate que se lhe habilite o interessado.Parágrafo único – Os atos praticados da data do falecimento ou perda da capa-cidade à investidura do curador à lide poderão ser ratificados ou impugnados por ele, ou pelo representante do espólio, ou do incapaz.Art. 22 Havendo concordância sobre o preço, o juiz o homologará por sentença no despacho saneador.Art. 23 Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento.§1º O perito poderá requisitar das auto-ridades públicas os esclarecimentos ou documentos que se tornarem necessários à elaboração do laudo, e deverá indicar nele, entre outras circunstâncias atendiveis para a fixação da indenização, as enumeradas no art. 27.Ser-lhe-ão abonadas, como custas, as des-pesas com certidões e, a arbítrio do juiz, as de outros documentos que juntar ao laudo.§2º Antes de proferido o despacho sa-neador, poderá o perito solicitar prazo especial para apresentação do laudo.Art. 24 Na audiência de instrução e jul-gamento proceder-se-á na conformidade do Código de Processo Civil. Encerrado o debate, o juiz proferirá sentença fixando o preço da indenização.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 204 19/11/2015 10:44:41

Page 193: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

205DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941(DOU 18.07.1941)

Parágrafo único – Se não se julgar habili-tado a decidir, o juiz designará desde logo outra audiência que se realizará dentro de 10 dias afim de publicar a sentença.Art. 25 O principal e os acessórios serão computados em parcelas autônomas.Parágrafo único – O juiz poderá arbitrar quantia módica para desmonte e trans-porte de maquinismos instalados e em funcionamento.Art. 26 No valor da indenização, que se-rá contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. (Redação dada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)

Redação anterior / Lei 4.686, DOU 23.06.1965 – Art. 26 ...............§2º Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou o Tribunal, antes da decisão final, determinará a correção monetária do valor apurado.”Redação anterior / Lei 2.786, DOU 24.05.1956 – “Art. 26 ...........Parágrafo único – Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante.”Redação original – “Art. 26 No valor da indenização, que será contemporâneo da declaração de utilidade pública, não se incluirão direitos de terceiros contra o expropriado.Parágrafo único – Serão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as uteis, quando feitas com autorização do expropriante.”

§1º Serão atendidas as benfeitorias ne-cessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante. (Antigo parágrafo único renu­merado pela Lei nº 4.686, DOU 23.06.1965)§2º Decorrido prazo superior a um ano a partir da avaliação, o Juiz ou Tribunal, antes da decisão final, determinará a correção monetária do valor apurado, conforme índice que será fixado, trimes-tralmente, pela Secretaria de Planejamento da Presidência da República. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.686, com a redação dada pela Lei nº 6.306, DOU 16.12.1978)

Art. 27 O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estima-ção dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu. §1º A sentença que fixar o valor da inde-nização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no §4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultra-passar R$ 151.000,00 (cento e cinqüenta e um mil reais). (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.183, DOU 27.08.2001) (Ver ADIN nº 2.332­2)§2º A transmissão da propriedade, de-corrente de desapropriação amigável ou judicial, não ficará sujeita ao impôsto de lucro imobiliário. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)§3º O disposto no §1º deste artigo se aplica: (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183, DOU 27.08.2001)I ao procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desa-propriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária; (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183, DOU 27.08.2001)II às ações de indenização por apossa-mento administrativo ou desapropriação indireta. (Inciso acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183, DOU 27.08.2001)§4º O valor a que se refere o §1º será atua-lizado, a partir de maio de 2000, no dia 1º de janeiro de cada ano, com base na va-riação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA do respectivo período. (Parágrafo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.183, DOU 27.08.2001)

Redação anterior / Lei 2.786, DOU 24.05.1956 – “Art. 27 ...........§1º A sentença que fixar o valor da indenização quando êste fôr superior

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 205 19/11/2015 10:44:41

Page 194: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

206 CLOVIS BEZNOSASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

ao preço oferecido, condenará o desa-propriante a pagar honorários de advogado, sôbre o valor da diferença.”Redação original – “Art. 27 .....................Parágrafo único – Se a propriedade estiver sujeita ao imposto predial, o “quantum” da indenização não será inferior a 10, nem superior a 20 vezes o valor locativo, deduzida previamente a importância do imposto, e tendo por base esse mesmo imposto, lançado no ano anterior ao decreto de desapro-priação.

Art. 28 Da sentença que fixar o preço da indenização caberá apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando inter-posta pelo expropriado, e com ambos os efeitos, quando o for pelo expropriante.§1º A sentença que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida fica sujeita ao duplo grau de jurisdição. (Redação dada pela Lei nº 6.071, DOU 04.07.1974)§2º Nas causas de valor igual ou inferior a dois contos de réis (2:000$0), observar-se-á o disposto no art. 839 do Código de Processo Civil.

Redação original – “Art. 28 .....................§1º O juiz recorrerá ex­officio quando condenar a Fazenda Pública em quan-tia superior ao dobro da oferecida.”

Art. 29 Efetuado o pagamento ou a con-signação, expedir-se-á, em favor do ex-propriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título habil para a transcrição no registro de imoveis.Art. 30 As custas serão pagas pelo autor se o réu aceitar o preço oferecido; em caso contrário, pelo vencido, ou em proporção, na forma da lei.

Disposições Finais Art. 31 Ficam subrogados no preço quais-quer onus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.Art. 32 O pagamento do preço será pré-vio e em dinheiro. (Redação dada pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)

Redação original – “Art. 32 O paga-mento do preço será feito em moeda corrente. Mas, havendo autorização prévia do Poder Legislativo em cada caso, poderá efetuar-se em títulos da dívida pública federal, admitidos em bolsa, de acordo com a cotação do dia anterior ao do depósito.”

Art. 33 O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é considerado pagamento prévio da indenização.§1º O depósito far-se-á no Banco do Brasil ou, onde este não tiver agência, em estabe-lecimento bancário acreditado, a critério do juiz. (Antigo parágrafo único renumerado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)§2º O desapropriado, ainda que discorde do preço oferecido, do arbitrado ou do fi xado pela sentença, poderá levantar até 80% (oitenta por cento) do depósito feito para o fim previsto neste e no art. 15, obser-vado o processo estabelecido no art. 34. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 2.786, DOU 24.05.1956)Art. 34 O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.Parágrafo único – Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvada aos inte-ressados a ação própria para disputá-lo.Art. 35 Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não po-dem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de de-sa propriação. Qualquer ação, julgada pro-cedente, resolver-se-á em perdas e danos.Art. 36 É permitida a ocupação tempo-rária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua rea-lização.O expropriante prestará caução, quando exigida.Art. 37 Aquele cujo bem for prejudicado extraordinariamente em sua destinação econômica pela desapropriação de áreas

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 206 19/11/2015 10:44:41

Page 195: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

207DECRETO-LEI Nº 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941(DOU 18.07.1941)

contíguas terá direito a reclamar perdas e danos do expropriante.Art. 38 O réu responderá perante tercei-ros, e por ação própria, pela omissão ou sonegação de quaisquer informações que possam interessar à marcha do processo ou ao recebimento da indenização.Art. 39 A ação de desapropriação pode ser proposta durante as férias forenses, e não se interrompe pela superveniência destas.Art. 40 O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei.Art. 41 As disposições desta lei aplicam-se aos processos de desapropriação em

curso, não se permitindo depois de sua vigência outros termos e atos além dos por ela admitidos, nem o seu processa-men to por forma diversa da que por ela é regulada.Art. 42 No que esta lei for omissa aplica-se o Código de Processo Civil.Art. 43 Esta lei entrará em vigor 10 dias depois de publicada, no Distrito Federal, e 30 dias no Estados e Território do Acre, revogadas as disposições em contrário.Rio de Janeiro, em 21 junho de 1941, 120º da Independência e 53º da República.GETULIO VARGASFrancisco Campos.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 207 19/11/2015 10:44:41

Page 196: ASPECTOS JURÍDICOS DA INDENIZAÇÃO NA … · Marcia Carla Pereira Ribeiro Márcio Cammarosano Marcos Ehrhardt Jr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro Ney José de Freitas Oswaldo Othon

Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype, corpo 10 e impressa em papel Offset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa)

pela Gráfica e Editora O Lutador, em Belo Horizonte/MG.

ClovisBeznos_AspectosJurDesapropriacao_2ed_MIOLO.indd 208 19/11/2015 10:44:41