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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS GLÁUCIA RENATA PEREIRA DO NASCIMENTO ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS POR UNIVERSITÁRIOS SURDOS Recife 2008

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

GLÁUCIA RENATA PEREIRA DO NASCIMENTO

ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS

POR UNIVERSITÁRIOS SURDOS

Recife

2008

2

GLÁUCIA RENATA PEREIRA DO NASCIMENTO

ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS

POR UNIVERSITÁRIOS SURDOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Letras, sob a orientação da Profª Drª Maria da Piedade Moreira de Sá.

Recife

2008

3

Nascimento, Gláucia Renata Pereira do Aspectos da organização de textos escritos por

universitários surdos / Gláucia Renata Pereira do Nascimento. – Recife: O Autor, 2008.

235 folhas. : il., fig., tab. Tese (doutorado) – Universidade Federal de

Pernambuco. CAC. Lingüística, 2008.

Inclui bibliografia e anexos.

1. Lingüística. 2. Surdez. 3. Surdos - Educação. 4. Surdos - Escrita. I.Título.

801 CDU (2.ed.)

UFPE 410 CDD (22.ed.) CAC2008-57

4

5

Para Renato e Anselmo, meus filhos, maior expressão da minha capacidade de ser e de amar, por quem tudo, absolutamente tudo, vale a pena e a quem estou certa de que tenho ensinado, diariamente, o valor da aquisição do conhecimento.

6

Para meus pais, Djair e Elisene, meus primeiros, definitivos e irremediáveis amores.

7

Para meu vô poeta Walfrido (in memoriam), minha vó Urânia (in memoriam), minha vó Ângela (in memoriam), tia Nédiva (in memoriam), tia Vânia (in memoriam), tia Elaine, tio Walfrido, tio Weimann, tia Kátia (in memoriam), tio Tawane, tio Colmann, tia Mônica, tio Manuel, tia Sátira, respectivos cônjuges e todos os meus primos e amigos do Rio de Janeiro, minhas referências de afeto mais legítimas.

8

Para Ana Maria Santos, com quem aprendi a ser professora, por todos os sonhos que sonhamos juntas há mais de uma década e por todas as realizações.

9

Para as pessoas surdas, em cuja luta política por uma digna inclusão social me engajei definitivamente, a quem empresto minha voz.

10

AGRADECIMENTOS

Por diferentes motivos, mas de igual importância, faço aqui meus agradecimentos

ao que considero uma legião de amigos, que me ajudaram a percorrer de modo mais

tranqüilo e seguro esse caminho de descobertas e de grande realização.

À professora Drª. Piedade agradeço — reconhecendo o oceano de conhecimento

que generosamente colocou ao meu dispor — a ousadia, a confiança, a dedicação e a

parceria, que alimentou minha coragem para mergulhar nesse universo até então

desconhecido, e a amizade de sempre.

À professora Drª. Irandé agradeço a inspiração, a sua obra de gigantesco valor, que

esclarece, ensina, encanta, emociona, apaixona e que me mostrou “o caminho do céu”, e a

amizade.

À professora Drª Cristina Botelho — exemplo de sabedoria, força e coragem —

agradeço o carinho, a amizade, o companheirismo e o incentivo legítimo de quem trilhou

caminho semelhante.

Ao professor e intérprete de LIBRAS Jurandir F. Dias Jr. agradeço a assessoria, a

amizade e a total disponibilidade e a vontade de ajudar sempre, não apenas a mim, mas

principalmente às pessoas surdas, que têm nele um forte aliado na luta pelos direitos que

são negados a esses indivíduos pela sociedade.

À professora de LIBRAS Darlene Seabra agradeço a assessoria, o apoio

incondicional e a amizade.

Por motivos inefáveis, agradeço aos amigos Ana Maria Santos, Cleber Ataíde,

Clederson Montenegro, Jaciara Lino, Izabel Pinheiro, Mamede Santos Jr., Marcela

Vasconcelos, Marcos Paulo de Assis e Mônica Pinheiro. Para expressar aspectos do

relacionamento que mantenho com cada um, ‘generosidade’ seria um termo genérico com

o qual eu poderia substituir qualquer um desses nomes.

À FACHO e à FAFIRE, instituições superiores de ensino em que trabalho, que me

deram o apoio necessário ao alcance desse objetivo, agradeço a confiança.

Aos meus pais, agradeço o amor incondicional, o carinho, o colo e todos os

esforços que fizeram em meu favor e em favor dos meus filhos, e o insistente apelo por

minha presença nos encontros de domingo.

Aos meus filhos — Nato e Minho — agradeço a sua existência. Sem os dois, a vida

não teria o mesmo colorido, nem o mesmo doce sabor.

11

Antes do nome

Não me importa a palavra, esta corriqueira.

Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,

os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,

o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível

muleta que me apóia.

Quem entender a linguagem entende Deus

cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.

A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,

foi inventada para ser calada.

Em momentos de graça, infreqüentíssimos,

se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.

Puro susto e terror.

Adélia Prado

12

“Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe

ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona, é

urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o

ângulo da luta política a que a compreensão científica do problema traz sua

colaboração.” Paulo Freire

13

RESUMO

Esta tese é o resultado da pesquisa que desenvolvemos durante o curso de

Doutorado em Letras, na área de concentração em Lingüística, para a obtenção do grau de

doutor. O objetivo geral da pesquisa é a descrição de aspectos da organização de textos

escritos por universitários surdos, a partir de um corpus constituído por 15 (quinze) textos

produzidos por surdos adultos, entre os anos de 2005 e 2006, regularmente matriculados

em instituições superiores de ensino localizadas nas cidades do Recife e de Olinda, sendo

13 (treze) textos escritos por surdos oralizados usuários de LIBRAS, 1(um) escrito por um

surdo não-oralizado usuário de LIBRAS e 1 (um) produzido por um surdo oralizado não-

usuário da língua de sinais. A base teórica fundamentou-se nos trabalhos de Halliday;

Hasan (1976), Beaugrande; Dressler (1981), Van Dijk (1989), Antunes (1996, 2005),

Neves (2000), Felipe (2001), Quadros; Karnopp (2004), entre outros. Os textos escritos em

português por indivíduos surdos apresentam organização atípica. Algumas das

peculiaridades observadas no corpus são decorrentes da influência da organização

sintático-espacial da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), no caso dos textos escritos por

surdos usuários dessa língua, e das especificidades interacionais instauradas pela surdez.

Nos textos escritos por surdos usuários de LIBRAS há 10 (dez) anos ou mais, ocorre o uso

de menor diversidade de recursos de coesão por reiteração, em relação aos textos escritos

pelo voluntário surdo não-usuário da língua de sinais e aos textos produzidos pelos surdos

que usam a LIBRAS há menos tempo. Percebemos, ainda, nos textos escritos por surdos

usuários de LIBRAS há mais tempo, dificuldades com o uso de verbos e de preposições,

que se revelam, em muitos casos, pela omissão dessas palavras.

Palavras-chave – surdez, educação de surdos, escrita de surdos.

14

RESUMEN

Esta tesis es el resultado de la pesquisa que hicimos durante el curso de doctorado

en Letras, en la area de concentracción en linguiística, para obtenencia del grado de doctor.

El objetivo general de la pesquisa es la descripción de aspectos de la organización de

textos escritos por universitarios sordos, a partir de un corpus constituido por 15 textos

producidos por sordos adultos, entre los años de 2005 y 2006, regularmente matriculados

en instituciones superiores de enseñanza ubicadas en las ciudades de Recife y Olinda, hay

13 (trece) textos escritos por sordos oralizados usuarios de LIBRAS,1 (uno) escrito por un

sordo no oralizado usuario de LIBRAS y 1 (uno) producido por un sordo oralizado no

usuario de la lengua de señales. La base teórica se ha fundamentado en los trabajos de

Halliday;Hasan (1976), Beaugrande; Dressler (1981),Van Dijk (1989), Antunes

(1996,2005), Neves (2000), Felipe (2001), Quadros;Karnopp(2004), entre otros. Los textos

escritos en portugués por personas sordas presentan una organización peculiar. Algunos de

los rasgos observados en lo corpus son derivados de la influencia de la organización

sintático espacial de la LIBRAS (Lengua Brasileña de Señas), en el caso de los textos

escritos por sordos usuarios de esa lengua, y de las especificidades interaccionales

instauradas por la sordera. En los textos escritos por sordos usuarios de LIBRAS desde

hace diez años o más, ocurre el uso de menor diversidad de recursos de cohesión por

reiteración en relación al texto producido por el voluntario sordo no usuario de la lengua de

señas y a los textos producidos por los sordos que tienen menos tiempo como usuarios de

la LIBRAS. Percibimos todavía en los textos escritos por sordos que ya tienen más tiempo

utilizando la LIBRAS, dificultades con el uso de verbos y de preposiciones, que se han

revelado, en muchos casos, por la omisión de esas palabras.

Palabras clave: sordera, educación de sordos, escrita de sordos

15

RÉSUMÉ

Cette thèse est le résultat d’une recherche que nous avons développé pendant notre

cours de Doctorat en Lettre, dans le domaine de concentration en Linguistique, en vue

d’être sanctionné du grade de Docteur. L’objectif général de la recherche est la description

d’aspects de l’organisation de textes écrits par des universitaires déficients auditifs, à partir

d’un corpus constitué de 15 (quinze) textes produits par des adultes sourds, entre 2005 et

2006, inscrits réguliers dans des institutions d’enseignement supérieur localisées dans les

villes de Recife et d’Olinda. Treize (13) textes écrits par des sourds oralisés utilisant le

LIBRAS, un (1) texte écrit par un sourd oralisés utilisant le LIBRAS et un (1) texte écrit

par un sourd qui n’utilise pas la langue des signes. La base théorique est fondée sur les

travaux de Halliday ; Hasan (1976), Beaugrande ; Dressler (1981), Van Dijk (1989),

Antunes (1996, 2005), Neves (2000), Felipe (2001), Quadros et Karnopp (2004) entre

autres. Les textes écrits en portugais par des individus sourds présentent une organisation

atypique. Certaines des particularités observées dans le corpus découlent de l’influence de

l’organisation syntaxo-spaciale du LIBRAS (Langage des Signes Brésilien), dans le cas

des textes écrits par des sourds utilisant ce langage, et des spécificités internationales

instaurées par la surdité. Dans le cas de textes écrits par des sourds utilisateurs du LIBRA

il y a 10 ans ou plus, on constate une utilisation plus rare des ressources de cohésion par

réitération, en comparaison avec les textes écrits par le volontaires sourd qui n’utilise pas

la langue des signes et aux textes produits par les sourds qui utilisent le LIBRAS depuis

une durée moindre. Nous constatons en outre, dans les textes écrits par les sourds

utilisateurs du LIBRA depuis longtemps, certaines difficultés dans l’utilisation de verbes et

de prépositions qui se révèlent, dans de nombreux cas, par l’omission de tels mots.

Mots-clés : surdité, éducation de sourds, écriture des sourds.

16

ABSTRACT

This thesis is the result of the research we developed during the Doctorate in

Linguistics, in order to earn the Doctor’s degree. Its main objective is the description of the

organizational aspects from texts written by deaf academics from a corpus constituted by

15 (fifteen) texts produced between the years of 2005 and 2006 by deaf adults regularly

enrolled in high educational institutions located in Recife and Olinda, being 13 (thirteen) of

these texts written by oralized deaf students user of LIBRAS (abbreviation for Brazilian

Sign Language, in Portuguese); 1 (one) text written by a non-oralized deaf student user of

LIBRAS; and 1 (one) produced by an oralized deaf student non-user of sign language. The

theoretical basis was reasoned in the works of Halliday; Hasan (1976), Beaugrande;

Dressler (1981), Van Dijk (1989), Antunes (1996, 2005), Neves (2000), Felipe (2001),

Quadros; Karnopp (2004), amongst others. The texts written in Portuguese by deaf

individuals present an unusual organization. Some of the peculiarities observed in a corpus

result from the influence of LIBRAS’s syntactic-spatial organization, in the case of texts

written by deaf users of the Brazilian sign language, and interactional specificities brought

by deafness. In texts written by deaf students users of LIBRAS for 10 (ten) or more years

occurs less variety on the use of cohesion resources by reiteration in relation to the text

written by the deaf voluntary non-user of the Brazilian sign language and those produced

by deaf users of LIBRAS for a shorter time. We also perceived in texts written by deaf

who use the Brazilian sign language (LIBRAS) for a longer time, difficulties in the use of

verbs and prepositions that, in several cases, reveal themselves by the omission of these

words.

Keywords – deafness, education of the deaf, writing of the deaf.

17

LISTA DE FIGURAS E TABELA

FIGURAS

FIGURA 1 - Espaço de realização dos sinais na LIBRAS...............................................................57 FIGURA 2 - As 46 configurações de mãos (CMs) da Língua de Sinais Brasileira.........................58 FIGURA 3 - Exemplo de um par mínimo na Língua Brasileira de Sinais: sinais que se opõem

quanto à locação.........................................................................................................59 FIGURA 4 - Alfabeto manual..........................................................................................................60 FIGURA 5 - Exemplo do processo de derivação na LIBRAS.........................................................61 FIGURA 6 - Exemplo do processo de composição na LIBRAS......................................................62 FIGURA 7 - Exemplo de verbo direcional na LIBRAS...................................................................63 FIGURA 8 - Exemplo de sinal com incorporação da negação na LIBRAS.....................................64 FIGURA 9 - Estabelecimento de formas pronominais..............................................................................65 FIGURA 10 - Estabelecimento de formas pronominais na LIBRAS...............................................61 FIGURA 11 - Exemplo de uma sentença na ordem SVO na LIBRAS............................................69 FIGURA 12 - Exemplo de uma sentença na ordem OSV na LIBRAS............................................69 FIGURA 13 - Exemplo de uma estrutura complexa na ordem SVO na LIBRAS...........................70 FIGURA 14 - Sentença em ordem indireta decorrente do fenômeno da topicalização na

LIBRAS...................................................................................................................71 FIGURA 15 - Exemplo de sentença com foco na LIBRAS.............................................................72 FIGURA 16 - Exemplo de sentença com foco na LIBRAS.............................................................73

TABELAS

TABELA 1 - Perfil dos autores quanto às especificidades das modalidades de Linguagem..................................................................................................................36

TABELA 2 - Especificidades dos pronomes pessoais, pronomes demonstrativos e advérbios de lugar em LIBRAS....................................................................................................62

TABELA 3 - A propriedade da coesão do texto: relações, procedimentos e recursos...................114 TABELA 4 - Usos de recursos de coesão não-estrutural................................................................160 TABELA 5 – Textos em que ocorreu omissão de verbos...............................................................173 TABELA 6 - Ordenação seqüencial de formas verbais nos textos do corpus..........................181TABELA 7 – Especificidades quanto ao uso de verbos................................................................ 192 TABELA 8 - Exemplos de usos das preposições a, até, com, contra.............................................194 TABELA 9 - Exemplos de usos das preposições de, em, entre, para.............................................195 TABELA 10 - Exemplos de usos das preposições por, sob, sobre.................................................196 TABELA 11 - Exemplos de usos das preposições ante, após, desde, perante, sem.......................197 TABELA 12 - Exemplos de usos de preposições consonantes com o sistema do

português................................................................................................................205 TABELA 13 - Omissão de preposições introdutoras de complementos de substantivos, adjetivos e

advérbio ..............................................................................................................208 TABELA 14 - Omissão de preposições introdutoras de complementos de verbos........................209 TABELA 15 - Usos semanticamente inadequados de preposições no sistema de transitividade

introdutoras de complementos de substantivos, adjetivos e advérbio...............................................................................................................210

TABELA 16 - Usos semanticamente inadequados de preposições no sistema de transitividade introdutoras de complementos de verbos............................................................210

TABELA 17 - Usos semanticamente inadequados de preposições no interior de sintagmas nominais e preposicional.....................................................................................210

TABELA 18 – Usos semanticamente inadequados de preposições ..............................................214 TABELA 19 - Especificidades quanto ao uso de preposições.......................................................215

18

SISTEMA DE TRANSCRIÇÃO DE SINAIS

(FELIPE, 2001)

1. Os sinais da LIBRAS, para efeito de simplificação, serão representados por itens lexicais da Língua Portuguesa (LP) em letras maiúsculas. Exemplos: CASA, ESTUDAR, CRIANÇA;

2. Um sinal, que é traduzido por duas ou mais palavras em língua portuguesa, será representado pelas palavras correspondentes separadas por hífen. Exemplos: CORTAR-COM-FACA, QUERER-NÃO "não querer", MEIO-DIA, AINDA-NÃO, etc;

3. Um sinal composto, formado por dois ou mais sinais, que será representado por duas ou mais palavras, mas com a idéia de uma única coisa, serão separados pelo símbolo ^ . Exemplos: CAVALO^LISTRA “zebra”;

4. A datilologia (alfabeto manual), que é usada para expressar nome de pessoas, de localidades e outras palavras que não possuem um sinal, está representada pela palavra separada, letra por letra por hífen. Exemplos:

J-O-Ã-O, A-N-E-S-T-E-S-I-A;

5. O sinal soletrado, ou seja, uma palavra da língua portuguesa que, por empréstimo, passou a pertencer à LIBRAS por ser expressa pelo alfabeto manual com uma incorporação de movimento próprio desta língua, está sendo representado pela datilologia do sinal em itálico. Exemplos: R-S “reais”, A-C-H-O, QUM “quem”, N-U-N-C-A, etc;

6. Na LIBRAS não há desinências para gêneros (masculino e feminino) e número (plural), o sinal, representado por palavra da língua portuguesa que possui estas marcas, está terminado com o símbolo @ para reforçar a idéia de ausência e não haver confusão. Exemplos: AMIG@ “amiga(s) e amigo(s)” , FRI@ “fria(s) e frio(s)”, MUIT@ “muita(s) e muito(s)”, TOD@, “toda(s) e todo(s)”, EL@ “ela(s), ele(s)”, ME@ “minha(s) e meu(s)”;

7. Os traços não-manuais: expressões facial e corporal, que são feitos simultaneamente com um sinal, estão representados acima do sinal ao qual está acrescentando alguma idéia, que pode ser em relação ao:

a) tipo de frase ou advérbio de modo: interrogativa ou... i ... negativa ou ... neg ...

Para simplificação, serão utilizados, para a representação de frases nas formas exclamativas e interrogativas, os sinais de pontuação utilizados na escrita das línguas orais-auditivas, ou seja: !, ? e ?!

b) advérbio de modo ou um intensificador: muito rapidamente exp.f "espantado" etc;

interrogativa exclamativo muito Exemplos: NOME ADMIRAR LONGE

8. Os verbos que possuem concordância de gênero (pessoa, coisa, animal), através de classificadores, estão representados tipo de classificador em subescrito. Exemplos: pessoaMOVER, veículoMOVER, coisa-

arredondadaCOLOCAR;

9. Os verbos que possuem concordância de lugar ou número-pessoal, através do movimento direcionado, estão representados pela palavra correspondente com uma letra em subscrito que indicará:

a) a variável para o lugar: i = ponto próximo à 1a pessoa, j = ponto próximo à 2a pessoa, K e k' = pontos próximos à 3a pessoas,

19

e = esquerda, d = direita;

b) as pessoas gramaticais: 1s, 2s, 3s = 1a, 2a e 3a pessoas do singular; 1d, 2d, 3d = 1a, 2a e 3a pessoas do dual; 1p, 2p, 3p = 1a, 2a e 3a pessoas do plural;

Exemplos: 1s DAR2S "eu dou para "você", 2sPERGUNTAR3P "você pergunta para eles/elas", kdANDARk,e "andar da direita (d) para à esquerda (e).

10. Na LIBRAS não há desinência que indique plural. Às vezes há uma marca de plural pela repetição do sinal. Esta marca será representada por uma cruz no lado direto acima do sinal que está sendo repetido:

MUIT@ “muito(s), muita(s)”

Exemplo: GAROTA+ “muitas garotas”

ÁRVORE+ “muitas árvores”

11. Quando um sinal, que geralmente é feito somente com uma das mãos, ou dois sinais estão sendo feitos pelas duas mãos simultaneamente, serão representados um abaixo do outro com indicação das mãos: direita (md) e esquerda (me).

Exemplos: IGUAL (md) pesso@-muit@ANDAR (me)

IGUAL (me) pessoaEM-PÉ (md)

Estas convenções vem sendo utilizadas para poder representar, linearmente, uma língua espaço-visual, que é tridimensional. Felipe (1988, 1991,1993,1994,1995,1996)

20

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................22

CAPÍTULO 1 ...................................................................................................................................................40

O UNIVERSO DA SURDEZ E A ESCRITA..................................................................................................40

1.1 A surdez e suas implicações na produção de textos escritos .................................................................40CAPÍTULO 2 ...................................................................................................................................................51

SOBRE A NATUREZA...................................................................................................................................51

DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS .......................................................................................................51

2.1 Preâmbulo...............................................................................................................................................512.2 A Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS................................................................................................522.3 A estrutura dual da Língua Brasileira de Sinais .....................................................................................562.4 Alguns aspectos da morfologia da LIBRAS...........................................................................................612.5 Alguns aspectos da sintaxe espacial da LIBRAS ...................................................................................67

CAPÍTULO 3 ...................................................................................................................................................74

PRINCÍPIOS GERAIS DA TEXTUALIDADE ..............................................................................................74

CAPÍTULO 4 ...................................................................................................................................................79

OUTROS ASPECTOS TEÓRICOS E ANÁLISE DO CORPUS ....................................................................79

4.1 Sobre a superestrutura dos textos ...........................................................................................................794.1.1 Aspectos da organização superestrutural dos textos do corpus ...........................................................84

4.1.1.1 Aspectos da organização formal externa ......................................................................................864.1.1.2 Aspectos da organização formal interna .......................................................................................89

4.2 A coesão textual ...................................................................................................................................1074.2.1.1 Sobre os recursos de reiteração...................................................................................................1154.2.1.1.1 Recursos de repetição ..............................................................................................................1154.2.1.1.2 A paráfrase...............................................................................................................................1164.2.1.1.3 O paralelismo...........................................................................................................................1164.2.1.1.4 A repetição propriamente dita .................................................................................................1174.2.1.2 Recursos de substituição.............................................................................................................1174.2.1.2.1 Recursos de substituição gramatical ........................................................................................1184.2.1.2.1.1 Retomada por pronomes .......................................................................................................1184.2.1.2.1.2 Retomada por advérbios .......................................................................................................1194.2.1.2.2 Recursos de substituição lexical ..............................................................................................1194.2.1.2.2.1 Retomada por sinônimos ......................................................................................................1194.2.1.2.2.2 Retomada por hiperônimos...................................................................................................1204.2.1.2.2.3 Retomada por nomes genéricos ............................................................................................1204.2.1.2.2.4 Retomada por caracterizadores situacionais .........................................................................1214.2.1.2.3 Retomada por elipse ................................................................................................................1214.2.1.3 Sobre os recursos de associação .................................................................................................1214.2.1.3.1 Seleção de palavras semanticamente próximas relacionadas por: ...........................................1224.2.1.4 Sobre os recursos de conexão .....................................................................................................1234.2.2 Aspectos da coesão não-estrutural dos textos do corpus ...............................................................1334.2.2 A coesão estrutural ........................................................................................................................1684.2.2.1 Aspectos da coesão estrutural dos textos do corpus ...................................................................1684.2.2.1 Verbos ........................................................................................................................................1704.2.2.1.1 Aspectos ligados à subclassificação semântica dos verbos ................................................1714.2.2.1.1.2 Usos e omissões de verbos quanto à subclassificação semântica nos textos do corpus .1724.2.2.1.2 Ordenação seqüencial de verbos em português .......................................................................1794.2.2.1.2.1 Ordenação seqüencial de formas verbais nos textos do corpus .......................................1814.2.2.1.3 Usos de tempos e modos e flexões verbais nos textos do corpus .......................................1824.2.2.2 Preposições .................................................................................................................................1934.2.2.1.1 Usos e omissões de preposições nos textos do corpus ........................................................199

21

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................................................223

REFERÊNCIAS.............................................................................................................................................230

ANEXO I - Ofício de aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da UFPE

ANEXO II - Termo de esclarecimento

ANEXO III - Termo de consentimento

ANEXO IV - Questionário para cadastramento dos voluntários da pesquisa

ANEXO V - Textos constituintes do corpus

22

INTRODUÇÃO

Eu sustento que a única finalidade da ciência está

em aliviar a miséria da existência humana.

Brecht

A partir da última década do século passado, tem crescido o interesse de diversos

setores ligados à educação formal, no Brasil, pela inclusão, no sistema educacional, dos

atualmente denominados grupos de pessoas com necessidades especiais, entre as quais, os

surdos. Segundo dados do IBGE, em 2000, existia o total de 5.735.099 indivíduos com

algum tipo de deficiência auditiva neste país. Desse grupo, com 5 ou mais anos de idade,

1.886.846 eram indivíduos analfabetos. Na faixa etária, de O a 14 anos, havia 406.588. De

acordo com o Ministério da Educação (Secretaria de Educação Especial), em 2000, o

número de matrículas de pessoas com algum tipo de deficiência auditiva em escolas

públicas do país era de 35.545, embora os dados do IBGE do mesmo ano atestem que

apenas 26.190 dessas crianças e adolescentes freqüentavam creche ou escola. Em 2003, os

dados do Ministério da Educação revelaram que houve evolução no número de matrículas,

56.824. Apesar do avanço, esses números denunciam que 86% dos indivíduos surdos na

faixa etária de O a 14 anos, no ano de 2003, estavam fora da escola, ou seja, mais de

340.000 surdos.

Apesar de a quantidade de pessoas parcial ou totalmente surdas ter aumentado nas

escolas, é alarmante o fato de que ainda há milhares delas fora do sistema educacional,

principalmente porque isso vai de encontro aos fundamentos da democracia, sistema

político adotado em nosso país, pois fere o princípio de que a Educação é um direito de

todo cidadão, estabelecido pela Constituição Federal do Brasil de 1988 e reafirmado pela

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9.394/96. O espaço

escolar, evidentemente, é o âmbito da sociedade em que se pode usufruir desse direito,

para que se desenvolvam habilidades e competências necessárias à sobrevivência digna e à

efetiva e consistente atuação no contexto sócio-histórico. Estar fora da escola, portanto,

significa não ter a possibilidade de se instrumentalizar para a participação ativa, consciente

e significativa nas questões que conduzem os destinos da sociedade de que se faz parte.

23

A maioria das escolas que recebem crianças e adolescentes surdos atualmente

atendem-nos em turmas que se constituem de uma maioria de alunos ouvintes, as

chamadas classes inclusivas. Não há um número oficial acerca dos indivíduos que

freqüentam escolas particulares, mas há poucas escolas da rede privada que dão

atendimento exclusivo a esses indivíduos e, em número ainda mais reduzido, existem

escolas particulares que recebem alunos surdos também em classes inclusivas. O aumento

do número de indivíduos surdos matriculados nas escolas públicas representa um avanço

no que diz respeito à atenção que as instâncias governamentais têm dispensado a pessoas

com necessidades especiais. Entretanto ainda há muito que fazer para viabilizar a inclusão

da maioria das pessoas constituintes desse grupo no sistema educacional brasileiro e,

principalmente, para dar a elas uma educação de boa qualidade. Resultados das pesquisas

de Góes (1996), Quadros (1997), Botelho (2002), Fernandes (2003) revelam que a maioria

daqueles que estão vinculados a alguma instituição de ensino neste país têm vivido

experiências pedagógicas pouco satisfatórias, o que, provavelmente, é um dos motivos que

desestimulam as famílias de grande parte das pessoas surdas a matriculá-las em séries do

ensino básico.

Não existem, até o presente momento, estatísticas oficiais sobre a presença de

surdos no ensino superior no Brasil. Tendo em vista esta pesquisa ter sido realizada no

estado de Pernambuco, contando especificamente com participantes voluntários

regularmente matriculados em instituições superiores de ensino (de agora em diante, IES)

situadas nas cidades do Recife e de Olinda, fizemos o levantamento dos números relativos

a alunos matriculados em IES nessas duas cidades. Em Pernambuco, no ano de 2000,

havia o total de 60.995 indivíduos no ensino superior. No ano de 2006, ano em que

finalizamos a coleta dos dados de nossa pesquisa, havia surdos vinculados a instituições

particulares de ensino superior nas cidades do Recife e de Olinda: 7 no ESUDA, 2 na

UNICAP, 3 na FAFlRE, 10 na FACHO e 2 na FIR. Não conseguimos obter os dados de

surdos matriculados nas universidades federais e estadual de Pernambuco. Os dados que

conseguimos coletar, entretanto, revelam que poucos surdos conseguem ingressar em

instituições de ensino superior.

O ingresso de um surdo no ensino superior no Brasil deve ser considerado uma

grande vitória. Para superar os obstáculos do processo de educação formal brasileiro, que

só atende minimamente às suas demandas e que, por isso, as mais das vezes, lhes impõe

sucessivas experiências de fracasso e abate-lhes a auto-estima, é necessário muito apoio da

24

família, coragem e persistência. Esses surdos constituem um grupo privilegiado, marcado

por uma luta só compreendida por eles, que precisaram sustentar embates diários para

sobreviver num sistema educacional teórica e metodologicamente subdesenvolvido e que

tem se esforçado pouco para descobrir meios de possibilitar a esses indivíduos

experiências pedagógicas de melhor qualidade. É sabido que toda vivência pedagógica se

constrói por meio de uma complexa rede de fatos e fatores, que envolvem desde as

experiências de desenvolvimento de uma série de habilidades cognitivas de diversas

naturezas, até questões de natureza interacional, que, mal trabalhadas, podem dar margem

a problemas de fundo emocional, o que pode dificultar a construção de certos

conhecimentos por parte de qualquer indivíduo, ouvinte ou surdo. Por esse motivo,

entendemos que é difícil apontar, com precisão, aquilo que propicia uma experiência

pedagógica insatisfatória. Consideramos, porém, que a falta de preparo de muitos

educadores — referimo-nos tanto a professores de ouvintes, quanto de surdos, de qualquer

âmbito de ensino — seja uma das razões que mais concorre para isso. Acreditamos,

portanto, que a falta de preparo de muitos educadores de surdos para lidar com as

dificuldades que essas pessoas têm com referência às práticas de leitura e de escrita em

português seja uma das razões dessas experiências pedagógicas pouco satisfatórias, pois

ler e escrever com competência são os pressupostos básicos para o êxito de um indivíduo

em seu percurso educacional.

Quando nos referimos a essa falta de preparo, não pretendemos atribuir a culpa do

fracasso escolar da maioria dos surdos aos educadores. Na verdade, a questão é bem mais

complexa e está ligada a problemas de ordem estrutural do sistema de Educação deste país,

que só recentemente tem acolhido os surdos e se esforçado por investir na formação

continuada dos educadores desta área. O fato é que a maioria dos professores que atuam

hoje na área de educação de surdos certamente não receberam orientação adequada durante

seu processo de formação básica, nos cursos de graduação.

As questões que envolvem o problema da surdez são por demais amplas e

complexas, tanto que são abarcadas por diferentes campos do conhecimento como a

fonoaudiologia, a psicologia, a pedagogia e a lingüística, e, para serem bem

compreendidas, demandam tempo de estudo. Entretanto, no universo das instituições

superiores de ensino, só recentemente têm sido criados cursos exclusivamente voltados

para a formação de educadores de surdos. No ano de 2004, o Instituto Nacional de

Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, abriu 30 vagas para a Universidade

25

bilíngüe: português e LIBRAS, inicialmente, para o curso de Pedagogia. Apesar de ser

voltada para a formação de pessoas com deficiência auditiva, essa universidade tinha como

objetivo inicial preencher 50% das vagas com alunos ouvintes, que tivessem noções de

LIBRAS, a fim de prepará-los para o ensino a pessoas surdas. A partir de 2006, a

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal de Santa Maria

(UFSM), a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federal da Bahia

(UFBA), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de São Paulo (USP), a

Universidade Federal do Ceará (UFC), o Centro Federal de Educação Tecnológica de

Goiás (CEFET/GO) e o Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro

(INES/RJ) passaram a oferecer o curso de licenciatura em Letras/LIBRAS. A criação

desses cursos, que são oferecidos para surdos e para ouvintes proficientes em LIBRAS, foi

possibilitada pelo Decreto Nº 5.626, de dezembro de 2005, que regulamenta a Lei Nº

10.436, de 24 de abril de 2002 e o artigo 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000,

que dispõe sobre a inclusão da LIBRAS como disciplina curricular obrigatória nos cursos

de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e

nos cursos de fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema

federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios. Essas iniciativas do poder legislativo federal são, a nosso ver, representativas

para o início da necessária mudança do panorama da Educação de Surdos neste país e,

esperamos, possibilitem a formação de educadores, que atuarão num futuro próximo em

nossas escolas, faculdades e universidades, teoricamente mais preparados para a prática

pedagógica voltada para os indivíduos surdos.

A maioria dos educadores que trabalham atualmente com a educação de surdos,

que, como já dissemos, não puderam desfrutar de uma formação básica consistente nessa

área, têm construído na prática, em suas experiências empíricas diárias, seus saberes acerca

do fenômeno da surdez e dos modos de aquisição da linguagem e de interação próprios dos

surdos. Essa não é uma construção simples, pois, como já afirmamos, o fenômeno da

surdez se revela complexo, porque há variáveis a serem conhecidas sobre a origem, os

tipos de surdez, os graus de perda auditiva e as formas de tratamento para o

desenvolvimento da linguagem.

Quanto à origem, a surdez pode ser congênita ou adquirida (em decorrência de

alguma doença ou trauma). Quanto ao tipo, pode ser condutiva, sensório-neural, mista e

central. Na escala de graus de perda auditiva, a surdez pode ser leve, moderada, severa e

26

profunda. E quanto à forma de tratamento para o desenvolvimento da linguagem de um

indivíduo surdo, a família pode optar pela oralização, por meio da qual o surdo aprende a

falar a língua da comunidade ouvinte da qual faz parte — no âmbito da família, ou através

de tratamento fonoaudiológico — ou pelo aprendizado da língua de sinais. Todas essas

variáveis, que se complexificam devido aos tipos de combinação possíveis no

delineamento do perfil dos indivíduos surdos, precisam ser conhecidas pelos educadores e

consideradas no processo-ensino aprendizagem para que este seja profícuo.

É apoiada nessas informações que afirmamos que a maioria dos professores que se

prepararam para a atuação nessa área, até o momento, não têm uma formação de base

satisfatória. Os que se prepararam para a educação de surdos são os formados em

pedagogia que optam pela habilitação em Educação Especial. Há dois pontos importantes a

serem considerados sobre esses profissionais. Em primeiro lugar, sabe-se que, nos cursos

de graduação em pedagogia em que é oferecida a habilitação em Educação Especial, os

graduandos estudam apenas alguns aspectos relacionados à questão da surdez, entre as

questões ligadas a outros tipos de deficiências, num ano no máximo. Em segundo lugar,

esses profissionais se preparam para atuar apenas em turmas que atendem a crianças do 1º

e 2º ciclos do ensino fundamental, ou até a 4a série. Após esse período, os surdos passam a

receber aulas de profissionais que podem até estar bem preparados para ensinar os

conteúdos de suas disciplinas específicas, mas que, pelo menos a depender de sua

formação superior básica, conhecem muito pouco do universo da surdez, o que dificulta a

elaboração de propostas metodológicas que possibilitem êxito no processo de ensino-

aprendizagem. Os educadores graduados em Letras, que são os responsáveis em ajudar os

alunos a desenvolverem suas habilidades de leitura e de escrita, não recebem, oficialmente,

no período da graduação, informações sobre as questões referentes à surdez e às

especificidades interacionais que a surdez naturalmente instaura. Aqueles educadores

formados em Letras que desejam se preparar para dar aulas a surdos necessitam investir em

cursos de especialização lato sensu, que pelo menos nesta cidade, até o presente momento,

são escassos, a fim de conhecerem as questões concernentes à educação desse grupo de

pessoas e às suas especificidades interacionais.

Além desse quadro preocupante, parece que a seleção de professores para atuarem

em turmas inclusivas nas redes oficiais de ensino do nosso estado não vem sendo feita com

base em critérios que conduzam à identificação de profissionais capacitados ao exercício

dessa função. A nossa hipótese se baseia numa experiência pessoalmente vivida como

27

professora de prática de ensino de língua portuguesa de duas instituições superiores de

ensino de Pernambuco, no ano de 2004, quando, na atividade de supervisora de estágio

supervisionado de alunos do curso de Letras, tivemos a oportunidade de observar duas

aulas de língua portuguesa ministradas em turmas inclusivas, numa escola da rede estadual

de ensino situada no Recife. Verificamos, nessa ocasião, a precariedade da assistência dada

aos alunos surdos. As duas professoras, graduadas em Letras e com cerca de dez anos de

experiência no ensino de português, revelaram-se notoriamente despreparadas para o

ensino em classes dessa natureza. A elas foi delegada a tarefa de lecionarem nessas turmas,

sem que se considerasse o fato de as professoras não terem formação para tanto. As duas

educadoras sequer tinham conhecimentos elementares sobre língua de sinais e, em

conversas informais, confessaram que não compreendiam as dificuldades de aprendizado

dos alunos surdos, já que contavam com um intérprete de LIBRAS em sala de aula. Nessa

conversa, as professoras revelaram a crença de que a presença do intérprete de LIBRAS é

o suficiente para que os surdos possam desenvolver as competências de leitura e escrita e

que isso as eximia da tarefa de criar estratégias didático-metodológicas que, de um lado,

despertassem o interesse dos surdos pelas aulas e, de outro, que contribuíssem para seu

aprendizado. Talvez, por isso, os alunos surdos mostraram-se alheios à dinâmica das aulas

a que assistimos, empenhando-se em conversas paralelas entre si.

Esse foi um caso isolado, que não pode, evidentemente, provar que a assistência

dada a todos aos surdos atualmente vinculados a instituições de ensino em nosso estado,

nem em nosso país, seja precária. Na verdade, o que desejamos é que, de fato, nos demais

contextos, a prática dos professores seja diferente. Entretanto, essa nossa experiência é um

indício de que essas práticas precisam ser orientadas e acompanhadas com mais rigor pelas

autoridades, já que colocar os surdos na escola não é o suficiente para que se dê a real

inclusão dessas pessoas no sistema educacional. Sem assistência adequada, muitos

passarão pela escola, sem construir os conhecimentos necessários ao desenvolvimento de

suas habilidades de leitura e escrita e, conseqüentemente, de muitas outras habilidades.

É necessário investir na formação de professores de surdos, especialmente, no que

respeita à compreensão por parte desses educadores acerca das especificidades

interacionais dos indivíduos total ou parcialmente desprovidos de audição e de seus

conseqüentes desdobramentos. É imprescindível que professores de surdos conheçam a

língua de sinais usada pela maioria dos que hoje vivem nas comunidades urbanas. Sendo a

língua um modo de tratar a realidade, considerando-se que, por um lado, existem traços

28

comuns a todas as línguas, que possibilitam formas de atuação interacionais semelhantes a

todas as pessoas, e que, por outro lado, existem traços que distinguem as línguas,

especialmente nas formas de uso, podemos supor que, em algum grau, por meio de

diferentes línguas, haja modos diferentes de tratamento da realidade, e tão mais diferentes

serão esses modos de tratamento, quanto forem as diferenças da forma de concretização

das línguas.

Não podemos afirmar categoricamente — nem é interesse nosso o aprofundamento

dessa discussão — mas há indícios de que a surdez, mais especificamente, o modo de

expressão natural dos surdos, propicia modos diferentes de tratamento da realidade. Felipe

(2001) afirma que o surdo tem “uma forma peculiar de apreender o mundo que o identifica

como tal”. Sendo usuários de uma língua de natureza diversa das línguas oral-auditivas, é

compreensível que os surdos apresentem um conjunto de atividades lingüísticas e sociais

diferentes das dos ouvintes. Essas particularidades constituiriam o que Perlin (1998),

Felipe (2001), Santos (2002), Salles; Faulstich; Carvalho; Ramos (2004) denominam de

cultura surda.

Perlin (1998, p. 56) afirma que ser surdo “é pertencer a um mundo de experiência

visual”. Os surdos, por exemplo, evitam se aproximar de pessoas que apresentam uma

fisionomia “fechada”, uma vez que, no modo de expressão deles, sendo as expressões

fisionômicas, em várias circunstâncias, signos, cenho franzido pode, por exemplo,

significar falta de disposição para conversa. Têm o hábito de tocar nas pessoas, no braço

ou no antebraço, para chamar-lhes a atenção quando querem interagir com elas. E vêem

com naturalidade o fato de serem tocados pelo mesmo motivo, fato que, entre ouvintes,

não é, em geral, naturalmente aceito, principalmente quando o possível interlocutor é um

estranho. Também ao contrário dos ouvintes, os surdos podem conversar em ambientes em

que há muito barulho, ou enquanto comem (neste caso, sem infringir certas regras de

polidez à mesa); já não podem conversar em ambientes escuros, ou com alguém que esteja

posicionado de costas para eles. Evitam ter as mãos ocupadas, para carregar bolsas, por

exemplo, já que usam as mãos para se comunicarem. É natural, portanto, que esbocem

alguns modos diferentes também na interação por escrito. Além disso, os surdos que vivem

na zona urbana têm usado de modo particular a tecnologia. Salles; Faulstich; Carvalho;

Ramos (2004, p. 44-45) informam que:

29

Há comportamentos e tecnologias incorporados na vida diária da Comunidade Surda, a maioria dos quais objetiva a comunicação, o contato dos surdos com o mundo dos sons, e entre eles mesmos a distância, por meio de uma ‘agenda surda’ bem definida, na qual se destacam: os torpedos, que, apesar de recentes, vêm se ampliando significativamente; a comunicação por meio de Telefones para Surdos (TS) para TS (instalados em residências, entidades privadas ou associados a telefones públicos), ou ainda, de TS para uma central de atendimento das empresas de telecomunicações, que se responsabilizam pela intermediação do contato entre uma pessoa que utiliza o TS e outra que não utiliza (o serviço contempla chamadas tanto de TS para o aparelho convencional, como do aparelho convencional para TS) cujo número, na maioria das capitais brasileiras, é 1402.

Esses modos diferentes de tratamento da realidade impelem os surdos ao uso de

algumas estratégias perceptivas diferentes das utilizadas pelos ouvintes para a

compreensão e a interpretação dos fatos. Esses modos também norteiam muitas de suas

ações e reações diante de tais fatos, constituindo-se em um conjunto de atividades e

atitudes peculiares desse grupo, o que Perlin (1998), Felipe (2001), Santos (2002) e Salles;

Faulstich; Carvalho; Ramos (2004) circunscrevem no âmbito da cultura surda. Não é

objetivo nosso aprofundar a discussão sobre o que denominam de cultura surda. Nessa

discussão, o que nos parece interessante observar é que, por meio desses modos de atuação

específicos, os surdos reconhecem sua identidade. Toda identidade é social, criada pelas

semelhanças e pelas diferenças existentes entre as pessoas e entre os seus modos de

compreender e de tratar a realidade. As identidades, segundo Woodward (2004, p. 8),

“adquirem sentidos por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são

representadas”. Essa afirmação nos ajuda a sustentar a idéia de que a escrita peculiar dos

surdos deve ser compreendida como um desdobramento do modo particular de expressão

dessas pessoas, que se dá por meio de uma língua de natureza gesto-visual.

Como o modo de expressão dos surdos é diferente do modo de expressão dos

ouvintes, não há como um professor viabilizar experiências pedagógicas de boa qualidade

sem considerar o universo sócio-cultural dos aprendizes, sem conhecer suas práticas

sociais — incluindo-se neste âmbito, evidentemente, as práticas sociais que se dão por

meio da linguagem — e sem compreender o modo em que elas se efetivam. Não nos

parece possível, portanto, que se consiga propiciar boas experiências pedagógicas quando

não se reconhecem, nem se acolhem as identidades do educando surdo, assim como são

30

acolhidas as de um educando ouvinte. O professor que se propõe ser um educador de

surdos precisa se dedicar a conhecer o universo da surdez, que, para Wrigley (1996 apud

SALLES et al, 2006, p. 39), “é um ‘país’ sem ‘um lugar próprio’; é uma cidadania sem

uma origem geográfica”. Quer dizer, os surdos esboçam alguns hábitos e costumes

próprios, especialmente ligados ao seu modo de expressão, que, provavelmente, são

comuns a surdos de qualquer origem geográfica, embora compartilhem de hábitos e

costumes com os ouvintes, peculiares ao macrogrupo social de que fazem parte.

Os surdos constituem, pois, uma minoria lingüística, que vive em contextos sociais,

em interação com uma maioria de indivíduos ouvintes, falantes do português, no caso do

Brasil. O português, para os surdos brasileiros, é segunda língua. Mesmo os surdos que não

são usuários de LIBRAS e que são oralizados, demonstram preferência pelo modo de

interação gesto-visual. Atualmente, uma significativa parcela desse grupo se constitui de

usuários de LIBRAS1 — Língua Brasileira de Sinais. Por esse motivo e por ser a LIBRAS

uma língua ágrafa, a fim de poderem garantir seus direitos básicos de cidadania,

necessitam aprender a ler e a escrever em português, e a escola, claro, é o local mais

adequado para que ocorra esse aprendizado.

Cremos que o êxito da inclusão dos surdos no sistema formal de educação depende

não apenas da força da lei, ou somente da implementação de uma proposta pedagógica de

perspectiva bilíngüe, mas da possibilidade de que essa proposta possa ser vivenciada

primeiramente em LIBRAS, por ser esta, segundo Campelo (2002, p. 12), “um direito do

cidadão surdo”, e em português escrito, como segunda língua. Cremos que os surdos —

especialmente aqueles que estão em turmas em que a maioria dos alunos são ouvintes —

necessitam contar, não só com intérpretes de língua de sinais, mas, principalmente, com

professores bem preparados para a vivência pedagógica da educação de surdos que sejam

conhecedores do modo como se dão as práticas de leitura e de escrita desses indivíduos.

No que respeita à escrita dos surdos — nossa área de interesse — muito ainda se

tem a conhecer. Sabe-se que os textos escritos em português por surdos são atípicos, pois

têm organização sintática peculiar, por vezes, lacunosa. Essa sintaxe lacunosa, diferente de

outras que ocorrem em telegramas e em contextos da comunicação digital (em chats da

internet, por exemplo), porque não segue os mesmos critérios, provoca estranhamento aos

1 LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS - LIBRAS - em 2003, foi reconhecida pelo Senado brasileiro como"

meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas do país".

31

leitores em geral. Apesar de essa atipificidade dificultar, em algum grau, o processamento

imediato dos textos escritos por surdos, é possível perceber que esses artefatos lingüísticos

— como muitos outros escritos por ouvintes — são resultantes de complexos processos de

textualização. É, inclusive, perceptível o esforço dos surdos para aproximar a estruturação

lingüística de suas produções textuais das produções de escritores ouvintes, sem, contudo,

conseguirem pleno êxito.

Segundo Svartthon (1999, p. 19), as sentenças de organização sintática diferenciada

e outras lacunosas que ocorrem em textos de surdos são semelhantes às de uma pessoa

ouvinte que estude uma segunda língua. Essa autora afirma que, em relação à escrita,

“erros que têm sido observados pelos profissionais como peculiares a pessoas surdas, na

verdade, evidenciam a condição da escrita em uma segunda língua”. Sabe-se que todo e

qualquer indivíduo encontra algumas dificuldades, quando se envolve numa situação de

aprendizado de uma segunda língua, para desenvolver as habilidades lingüístico-cognitivo-

interacionais, a partir de novos parâmetros léxico-gramaticais que se lhe apresentam nesse

processo de aprendizagem. Entretanto, a natureza gesto-visual das línguas de sinais,

associada ao fato de que muitos surdos brasileiros são encaminhados ao aprendizado do

português apenas em sua modalidade escrita, sem antes desenvolverem de modo

consistente sua capacidade de fala, dificulta o pleno desenvolvimento de suas habilidades

de escrita. De acordo com Cabral (2002, p. 20), de modo geral, “a literatura existente sobre

o ensino de uma língua, na modalidade escrita, como segunda língua para surdos, aborda

relações entre esta língua de modalidade escrita e a língua gestual visual”. Essa perspectiva

se baseia numa analogia com o processo de aquisição de escrita por indivíduos ouvintes, os

quais têm como parâmetro para o aprendizado da língua escrita a estrutura da língua por

eles falada, naturalmente adquirida nas interações sociais, desde a mais tenra idade. O fato

é que há muitas semelhanças entre a língua falada e a língua escrita. Como afirma

Marcuschi (2001, p. 37), “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum

tipológico de práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois

pólos opostos”. Por esse motivo, usar a fala como parâmetro para o desenvolvimento de

habilidades de escrita é algo bastante frutífero.

Em se tratando da aquisição da escrita do português por indivíduos surdos,

acreditamos que o ensino contrastivo com a LIBRAS, língua cuja estrutura ainda não foi

exaustivamente descrita, seja uma estratégia que pode conferir êxito ao processo de ensino-

aprendizagem, desde que o educador conheça bem as duas línguas e que coloque em

32

contraste, primeiramente, os aspectos que puderem ser contrastados, para, posteriormente,

apresentar aos alunos surdos aspectos do português que não têm equivalência em LIBRAS.

Essa nossa afirmação se sustenta no fato de que a Língua Brasileira de Sinais apresenta

diferenças importantes em relação à língua portuguesa. Muito provavelmente por isso,

segundo Cabral (2002, p. 21), é que as pesquisas mostram que esse processo de

aprendizagem contrastiva entre as duas línguas desenvolve bem a leitura, mas para o

desenvolvimento da capacidade de escrita deixa a desejar.

Góes (1996) também acredita que as dificuldades demonstradas pelos surdos na

construção de textos escritos não são exclusivas desses indivíduos, nem inerentes à sua

condição. Para a autora, essas dificuldades existem porque as práticas pedagógicas são

ineficientes, tanto para surdos, quanto para ouvintes, em especial, no que respeita à

alfabetização.

Concordamos com Góes acerca do fato de que práticas pedagógicas ineficientes

dificultam o adequado desenvolvimento de habilidades de escrita — ou de qualquer outra

habilidade — tanto de ouvintes, como de surdos. No entanto, cremos que a questão da

escrita dos surdos seja um pouco mais complexa, pois mesmo muitos daqueles (em

especial, os indivíduos acometidos de surdez profunda) que têm acesso a escolas que

oferecem um ensino de melhor qualidade, o que, em princípio, contribuiria para a sua

formação como escritores mais eficientes, apresentam dificuldades na escrita de textos.

A título de ilustração, apresentamos aqui exemplos de algumas dessas

especificidades de textos escritos por surdos, no excerto de um texto constituinte do nosso

corpus. Pode-se observar (a) sentenças em que aparecem seqüências de verbos, nas quais o

autor parece atribuir a alguns desses verbos o estatuto de nome (ficar melhorar = ficar

melhor / tem planejou = tem plano, planejamento, ou organização); (b) o uso de uma

preposição num co-texto em que essa palavra é desnecessária; (c) o não-uso da mesma

preposição num segmento em que essa palavra seria necessária; (d) a omissão de um verbo

num co-texto em que essa palavra é necessária.

EXEMPLO 1 (Excerto do texto 2)

Percebi a [NOME DA IES] ficar melhorar(a) e claro que nunca vai a(b) parar,

mas assim vai continuando #[a](c) # [ter](d) oportunidade, porque que já tem

planejou(a) com ouvintes e surdos são inclusão.

33

Em nossa experiência como professora de surdos universitários, chamou-nos a

atenção o fato de que todos os nossos alunos surdos, egressos tanto de escolas particulares

quanto de escolas públicas, oralizados, ou não, usuários de LIBRAS ou não, produzem

textos cuja organização se afigura, em algum grau, diferente de textos escritos por

ouvintes. Embora os textos dos surdos oralizados apresentem-se menos truncados e

lacunosos do que os escritos por surdos não-oralizados, nenhum apresenta configuração

idêntica à de textos de indivíduos ouvintes, fato que nos levou a levantar a hipótese de que,

na verdade, deve haver na configuração lingüística de textos escritos por surdos

especificidades ligadas ao fenômeno da surdez e, especialmente, a questões ligadas ao

modo de expressão natural dos surdos.

Há, em todo o país, estudiosos interessados nessa problemática, que têm produzido

trabalhos em relação a aspectos das práticas de letramento dos surdos. Contudo não

encontramos, até o presente, um estudo suficientemente aprofundado sobre a forma de

organização de textos escritos em português por surdos, em que os professores possam se

apoiar para desenvolverem a contento seu fazer pedagógico. Acreditamos que o fato de a

maioria dos professores de português encontrarem muitas dificuldades para auxiliar seus

alunos surdos a desenvolverem competências de escrita, deve-se, também, a essa carência

de bibliografia especializada.

Essa dificuldade encontrada pelos docentes contribui para que muitos surdos não

superem os obstáculos para escreverem textos com um mínimo de clareza, problema que

os acompanha vida afora. Em última instância, a dificuldade dos professores intensifica o

preconceito sofrido pelos surdos, em especial, no mercado de trabalho, pois, por redigirem

textos ininteligíveis para a maioria dos ouvintes, mesmo os surdos que chegam a fazer um

curso de nível superior têm dificuldades para conseguir um emprego formal. E muitos

daqueles que são aceitos por empresas são designados para exercerem apenas funções que

demandam pouca responsabilidade e que gozam de pouco prestígio social. São, portanto,

subestimados, apesar do diploma de graduação.

Pelos motivos expostos nos dois últimos parágrafos, decidimos empreender a

pesquisa que gerou esta tese, tendo como participantes voluntários surdos universitários.

Compreendendo o grau de complexidade dos aspectos que envolvem a escrita dos surdos,

não temos a pretensão de esgotar a questão. Nossa intenção é contribuir com os resultados

da análise do corpus que conseguimos coletar, para a elucidação de alguns aspectos da

organização de textos escritos por surdos e para a divulgação dos resultados, que,

34

desejamos, possam auxiliar educadores de surdos na orientação didático-metodológica de

seu trabalho.

O problema desta pesquisa pode ser explicitado nas seguintes questões:

• Como se organiza a superfície lingüística de textos produzidos por universitários

surdos oralizados e não-oralizados usuários de LIBRAS, e de surdos oralizados

não-usuários de LIBRAS?

• Quais são as peculiaridades dos textos produzidos por surdos não-oralizados,

usuários de LIBRAS e por surdos oralizados, usuários ou não-usuários de

LIBRAS?

Como hipóteses, consideramos as seguintes:

• A superficie lingüística de textos escritos por indivíduos privados da audição,

oralizados ou não-oralizados, usuários de LIBRAS e oralizados não-usuários de

LIBRAS, obedece a alguns critérios organizacionais diferentes daqueles em que se

baseiam os textos escritos por indivíduos ouvintes.

• Há peculiaridades decorrentes da surdez, especialmente, as especificidades ligadas

ao modo de expressão natural do indivíduo surdo, nos textos de indivíduos surdos

oralizados e não-oralizados, usuários de LIBRAS, assim como nos textos de surdos

oralizados não-usuários de LIBRAS.

• Os textos de surdos oralizados não-usuários de LIBRAS apresentam-se com

organização mais próxima dos textos de ouvintes, mas guardam características

semelhantes aos textos dos surdos oralizados ou não-oralizados usuários de

LIBRAS, características que seriam decorrentes do modo de expressão instaurado

pela surdez e, no caso dos textos escritos por usuários de LIBRAS, decorrentes,

também e principalmente, da influência da língua de sinais.

Nosso objetivo geral, portanto, é o de verificar aspectos da organização de textos

escritos por adultos surdos, a partir de um corpus constituído por 15 textos escritos por

surdos universitários, sendo um escrito por um surdo oralizado não-usuário de LIBRAS,

treze escritos por surdos oralizados usuários de LIBRAS e um escrito por um surdo não-

oralizado usuário de LIBRAS, todos, no período da coleta dos dados, regularmente

matriculados em instituições superiores de ensino do Recife e de Olinda.

35

Como objetivos específicos, elegemos:

1º descrever aspectos da organização dos textos constitutivos do corpus;

2º identificar especificidades dos recursos de coesão estrutural e não-estrutural

utilizados pelos voluntários.

3º verificar as peculiaridades dos textos escritos por 1 (um) surdo não-oralizado

usuário de LIBRAS, por 13 (treze) surdos oralizados, usuários de LIBRAS e por 1 (um)

surdo oralizado não-usuário de LIBRAS.

A metodologia adotada obedeceu à seguinte seqüência: procedemos à revisão

teórica dos trabalhos de Halliday; Hasan (1976, 1989), Beaugrande; Dressler (1997),

Bakhtin (2003, 2004),Van Dijk (1989), Antunes (1996, 2005), Koch (1997, 1999, 2002),

Neves (2000), Felipe (2001), Quadros (1997) e Quadros; Karnopp (2004). Consideramos

importante informar que essa diversidade de trabalhos usada para a fundamentação da tese

deve-se à complexidade do nosso objeto de análise. Não poderíamos nos restringir a um

enfoque teórico, pois a análise que empreendemos exigiu que lançássemos mão de mais de

uma orientação, já que os fenômenos observados no corpus ocorrem em diferentes níveis

de análise, a saber: aspectos da coesão estrutural e aspectos da coesão não-estrutural.

Mesmo que filiados a correntes teóricas diferentes, os autores cujos trabalhos subsidiaram

nossa análise se coadunam por considerarem a língua como forma de ação.

Essa revisão teórica subsidiou a análise dos 15 (quinze) textos identificados a

seguir, na tabela 1, pelos números referentes à ordem de coleta, relacionados aos perfis de

seus autores quanto às especificidades das modalidades de linguagem que utilizam. Nesse

quadro, informamos, ainda, o tempo de uso da LIBRAS, por parte dos voluntários usuários

dessa língua na época da coleta. Destacamos, na tabela 1, os textos de números 5 e 12,

cujos autores se diferenciam da maioria, já que o autor do texto 5 é oralizado e não-usuário

de LIBRAS, o autor do texto 12, não é oralizado e é usuário de LIBRAS.

36

TABELA 1 - PERFIL DOS AUTORES QUANTO ÀS ESPECIFICIDADES DAS MODALIDADES DE LINGUAGEM TEXTOS CARACTERÍSTICA DOS

AUTORES QUANTO À ORALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS DOS AUTORES QUANTO À

UTILIZAÇÃO DA LIBRAS

TEMPO DE USO DA

LIBRAS

1 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 5 ANOS

17 ANOS

2 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 5 ANOS

17 ANOS

3 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 16 ANOS

12 ANOS

4 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

10 ANOS

5 ORALIZADO NÃO-USUÁRIO DE LIBRAS ______

6 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 15 ANOS

10 ANOS

7 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 14 ANOS

8 ANOS

8 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

15 ANOS

9 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 5 ANOS

17 ANOS

10 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 23 ANOS

9 ANOS

11 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 14 ANOS

12 ANOS

12 NÃO-ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 12 ANOS

27 ANOS

13 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 24 ANOS

9 ANOS

14 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 29 ANOS

2 ANOS

15 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

16 ANOS

Optamos por participantes voluntários surdos adultos, alunos regularmente

matriculados em instituições superiores de ensino pelo fato de esse grupo ser

representativo de uma parcela privilegiada da comunidade surda, por ter conseguido

cumprir o percurso do ensino básico e transpor a barreira para ingresso no ensino superior,

o que poucos surdos conseguem. Em razão disso, supomos que o desempenho desses

indivíduos como escritores de textos em português seja superior ao da maioria, que não

consegue aprovação em concursos vestibulares. Apesar desse melhor desempenho,

sabemos que os textos por eles produzidos apresentam peculiaridades que podem ser

decorrentes da condição instaurada pela surdez, fato que contribui para validar a hipótese

por nós levantada. Como apresentamos na tabela 1, conseguimos a adesão de um surdo

não-oralizado usuário de LIBRAS, de um surdo oralizado não-usuário de LIBRAS e de

treze surdos oralizados e usuários de LIBRAS.

No ano de 2005, em que iniciamos a coleta dos textos constituintes do corpus desta

pesquisa, era vinte e oito o número de surdos matriculados em instituições superiores de

ensino nas cidades do Recife e de Olinda, mas nem todos concordaram em participar da

pesquisa. Com muita dificuldade, conseguimos a participação de quinze participantes

voluntários surdos, na faixa etária entre 22 e 39 anos. O ideal seria abarcar pelo menos

37

80% do universo identificado, mas consideramos que uma amostra correspondente a 60%

já é significativa.

Não nos foi possível a constituição do corpus por meio de textos escritos em

situações reais de interlocução pelos seguintes motivos. Primeiramente, optamos por

analisar diferentes exemplares de um mesmo gênero textual, que tivessem sido escritos em

condições semelhantes, a fim de reduzir ao máximo as variáveis a serem analisadas. Essa

opção foi uma tentativa de dar relativa unidade ao corpus e nos pareceu inviável reunir

textos reais com características semelhantes. Além disso, o comitê de ética da universidade

a cujo programa de pós-graduação estamos vinculada e que aprovou nosso projeto impôs

como exigência que o corpus só fosse constituído após os participantes voluntários terem

sido devidamente esclarecidos acerca de todos os detalhes da pesquisa e terem dado

permissão por escrito para a análise dos textos, o que foi feito.

Restava-nos a opção de simular uma situação a mais natural possível para a

produção dos exemplares a serem analisados, apoiando-nos em Bakhtin, segundo o qual,

em qualquer ato enunciativo, “há sempre um interlocutor, ao menos em potencial” (2004,

p. 16), idéia que inclusive legitima a didatização das práticas sociais, para efeito de ensino

de escrita. Decidimos escolher um gênero que fizesse parte das práticas de letramento dos

voluntários no contexto da faculdade. O gênero que escolhemos é próprio do domínio

discursivo de instituições superiores de ensino do setor particular de ensino e é

genericamente denominado por essas instituições de avaliação. São instrumentos de

levantamento de dados, que se organizam na forma de questionários ou numa forma que se

assemelha ao formato de uma carta, com o conteúdo de um depoimento.

No final de cada semestre, as coordenações pedagógicas dos cursos, orientadas pelo

corpo administrativo que dirige as instituições, aplicam esses instrumentos de avaliação

que objetivam levantar, junto ao corpo discente, os dados que, segundo os gestores,

servirão de parâmetros para a melhoria da qualidade da instituição, tanto no que diz

respeito a aspectos pedagógicos, como a aspectos de ordem infra-estrutural. Geralmente,

em ambos os formatos que conhecemos, há um texto introdutório em que o coordenador de

um curso esclarece os objetivos do pedido de avaliação. Esse texto introdutório guarda

semelhanças com o gênero carta.

Escolhemos a avaliação no formato similar ao de uma carta e decidimos nomeá-la

de depoimento avaliativo. Produzimos um instrumento semelhante ao que existe na

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instituição de ensino em que foi recolhido o corpus, mas adaptamos a solicitação, dando

ênfase aos interesses dos alunos surdos.

O instrumento aplicado foi assim configurado:

Olinda, outubro de 2005.

Prezado (a) aluno (a),

Com o objetivo de estar sempre melhorando o atendimento dado a você nesta instituição

superior de ensino, gostaríamos que você nos desse algumas informações sobre como tem sido assistido nesta

faculdade. É importante que você comente, com o máximo de sinceridade, se tem sido satisfatório o seu

relacionamento com os funcionários da recepção, da cantina, da secretaria e também com os funcionários

responsáveis pela manutenção de nossas instalações.

Também queremos saber como tem sido o tratamento dado a você por parte dos

professores, se as aulas têm dado a você a oportunidade de um aprendizado significativo e se o intérprete que

está na sua turma está fazendo um bom trabalho.

Por fim, comente o que acha da forma como a coordenação e a direção tratam você e se a

assistência dada pelos coordenadores e diretores é adequada. Gostaríamos de receber sugestões para dar a

você o melhor atendimento possível.

Agradecemos sua colaboração.

A COORDENAÇÃO DO CURSO

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Esta tese está organizada do seguinte modo: no primeiro capítulo, discorremos

acerca da surdez, dos modos de expressão dos surdos e sobre as implicações desses modos

de expressão na produção de textos escritos. O segundo capítulo é dedicado às

considerações teóricas sobre a Língua Brasileira de Sinais. O terceiro capítulo apresenta os

princípios gerais da textualidade. Decidimos apresentar outros aspectos teóricos,

especificamente aqueles que nortearam a análise do corpus, assim como a análise

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propriamente dita no capítulo 4, de modo a otimizar a leitura da tese. O capítulo 5

apresenta as considerações finais da pesquisa, em que apresentamos o quadro completo

com os resultados, que sintetiza as conclusões a que chegamos a partir das análises, que se

efetivaram numa perspectiva descritivo-analítico-comparativa. Procedemos, em primeira

instância, ao levantamento dos fenômenos, que foram distribuídos nas categorias: aspectos

superestruturais e aspectos coesivos, cotejando os resultados encontrados nos textos

escritos do autor surdo oralizado (texto 5) não-usuário de LIBRAS e dos textos dos autores

surdos oralizados e do surdo não-oralizado, usuários de LIBRAS, à medida que

desenvolvemos as análises.

Dividimos a análise do nosso corpus em três blocos, de acordo com as categorias

supracitadas. No primeiro (4.1), procedemos à análise dos aspectos superestruturais, ou

seja, procuramos identificar a adequação superestrutural de cada texto à proposta de

produção. Concomitantemente a essas análises, fizemos alusão ao uso e à omissão de

alguns recursos de coesão não-estrutural elencados por Antunes (2005). No segundo

bloco (4.2), empreendemos a análise dos aspectos coesivos dos textos, que subdividimos

em: usos de recursos de coesão não-estrutural e usos de recursos de coesão estrutural,

em que verificamos os modos de usos de alguns elementos lingüísticos que constatamos,

numa análise preliminar, que contribuem para a criação da superfície atípica dos textos, a

saber: usos de verbos e usos de preposições. Embora entendamos que aspectos

relacionados à flexão de gênero e de número de nomes e de pronomes constituam a esfera

da coesão estrutural, como optamos por não fazer um estudo específico dessas classes de

palavras no bloco referente aos recursos de coesão estrutural, fazemos alusão a esses

aspectos na seção de análise de recursos de coesão não-estrutural, em que são identificadas

relações atípicas observadas entre nomes, pronomes e artigos. Além disso, na seção de

análise dos recursos de coesão estrutural, sempre que necessário, aludimos a alguns

aspectos da coesão não-estrutural.

Acreditamos que o trabalho que desenvolvemos pode contribuir para a

compreensão do modo como se organizam os textos escritos por surdos, o que dará aos

interessados pelo assunto e aos educadores de surdos que tiverem acesso a este trabalho a

possibilidade de planejar estratégias didático-metodológicas mais eficientes para o

desenvolvimento das habilidades de escrita de surdos.

40

CAPÍTULO 1

O UNIVERSO DA SURDEZ E A ESCRITA

1.1 A surdez e suas implicações na produção de textos escritos

A surdez, que pode ser congênita ou adquirida, é um fenômeno caracterizado pela

ausência, perda ou diminuição considerável do sentido da audição. De acordo com padrões

estabelecidos pelo American National Standards Institute (ANSI, 1989), considera-se,

genericamente, deficiência auditiva a diferença existente entre a performance de um

indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora. Há quatro tipos de deficiência

auditiva: condutiva, sensório-neural, mista e central; há, também, uma escala de variação

quanto ao grau da deficiência: leve, moderada, severa e profunda. Indivíduos com níveis

de perda auditiva leve, moderada e severa são mais freqüentemente chamados de

deficientes auditivos, enquanto os indivíduos com perda auditiva profunda são os

chamados surdos.

A perda do sentido da audição fragiliza, em certa medida, o indivíduo no que diz

respeito à sua segurança física, já que, muitas vezes, não é possível ao surdo situar, através

de um som, um objeto no espaço, como também perceber as indicações de alerta sonoros

dos avisos de nosso ambiente físico (CORDEIRO, 2003, p. 1). Cremos, porém, que esse,

ao contrário do que afirma Cordeiro, não é o maior prejuízo que a surdez acarreta. Talvez

seja mesmo um dos menos significativos. O que dá consistência a essa hipótese, é o fato de

que, por ser a audição, segundo a mesma autora, “um dos principais canais de informação

do homem, considerando o meio no qual ele está inserido” (2003, p. 1), a falta de

percepção auditiva limita a atuação dos surdos no contexto social, já que dificulta a

maioria deles de desenvolver satisfatoriamente sua capacidade de fala. Por isso, a maioria

dos surdos desenvolve sua capacidade de linguagem por meio de estratégias gesto-visuais

e muitos, atualmente, especialmente nos centros urbanos, em contato com outros surdos,

aprendem e adotam a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como primeira língua.

O fato de constituírem uma minoria lingüística que vive em meio a uma sociedade

em que predominam os ouvintes leva-os a essa atuação social limitada. Entretanto,

postulamos que esse distanciamento dos surdos de muitos contextos sociais deve-se mais à

41

postura discriminatória da maioria constituída por ouvintes e menos a problemas ligados à

surdez. Como não se sentem acolhidos pela maioria, muitos surdos preferem circunscrever

suas vivências a ambientes em que há predominantemente outros surdos e ouvintes que

acolhem sua forma natural de expressão. Entre os ouvintes em geral, os surdos são vistos,

com freqüência, como pessoas que têm limitações cognitivas, o que se sabe hoje não ser

verdade.

Segundo Botelho (2002, p. 53), resultados de pesquisas publicados nas décadas de

60 e 70 do século passado sugerem que os surdos têm limitações de ordem cognitiva. A

maioria dessas pesquisas, da área da Psicologia, se basearam no modelo clínico da

educação de surdos, que entende a surdez como déficit ou doença. Por muito tempo, por

exemplo, defendeu-se que a natureza do pensamento dos surdos seria concreta. De acordo

com estudiosos dessa época, o pensamento dos surdos seria menos, ou nada abstrato, se

comparado ao dos ouvintes.

Resultados de pesquisas mais recentes, ancoradas em concepções sócio-histórico-

culturais, indicam, porém, que a surdez, em si não contribui para que o aparato cognitivo

dos indivíduos surdos seja deficiente, mas condiciona o desenvolvimento do aparato

cognitivo desses indivíduos a estratégias mentais diferentes daquelas utilizadas pelos

ouvintes. “As dificuldades de abstração, quando existem, relacionam-se com experiências

lingüísticas e escolares insatisfatórias” (BOTELHO, 2002, p. 53). Ou seja, o aparato

cognitivo de um indivíduo surdo pode ser menos desenvolvido que o de um ouvinte, por

ser menos estimulado, ou estimulado de modo tardio ou insuficiente. Daí podermos supor

que as dificuldades de abstração identificadas em alguns surdos são motivadas por fatores

exógenos.

Não deixamos de reconhecer, pois, que os surdos enfrentam problemas,

principalmente em relação à construção de conhecimentos ligados ao estrato da linguagem,

acarretados pelas especificidades das circunstâncias de interação que a surdez naturalmente

cria. Não consideramos possível, porém, afirmar categoricamente que esses problemas são

decorrentes de limitações cognitivas, uma vez que uma criança que nasce surda é dotada de

todo o aparato cognitivo constitutivo da faculdade da linguagem, assim como uma criança

que nasce ouvinte.

É sabido que a língua desempenha um papel fundamental para o adequado

desenvolvimento dos processos cognitivos, embora alguns mecanismos mentais se

organizem naturalmente, sem a aquisição de uma língua. O que prova isso é, por exemplo,

42

o fato de a memória olfativa ser capaz de remeter-nos a um momento da vida, além do fato

de imagens mentais poderem projetar-se sem o auxílio de mecanismos lingüísticos.

Conjeturamos, a partir dessas idéias, que a natureza da modalidade de explicitação da

língua adquirida — seja oral-auditiva, seja gesto-visual — contribui para o delineamento

de um perfil cognitivo com especificidades relacionadas à natureza dessa língua. Em outras

palavras, é possível que o aparato cognitivo de um indivíduo usuário de uma língua de

sinais constitua-se de certos traços diferentes de outros traços constitutivos do aparato

cognitivo de um indivíduo usuário de uma língua oral-auditiva. A rigor, isso significa que

um indivíduo com surdez congênita profunda usuário de uma língua de sinais não é menos

inteligente que um indivíduo ouvinte. O mesmo não se pode afirmar de um indivíduo surdo

com esse mesmo perfil a quem não se viabilizou a aquisição de uma língua, pois essa não-

aquisição provoca alterações significativas no desenvolvimento geral dos processos

cognitivos (FERNANDES, 2003). Pode-se afirmar, pois, que também os ouvintes privados

da aquisição de uma língua estão sujeitos a prejuízos importantes quanto ao

desenvolvimento de seu aparato cognitivo.

A dificuldade de desenvolver as habilidades articulatórias viabilizadoras da fala

leva os surdos, naturalmente, ao uso da linguagem gesto-visual, ou seja, de uma língua de

sinais. O português, língua falada pelos ouvintes brasileiros, é, para a maioria dos surdos,

uma segunda língua. Os surdos vivem, portanto, inseridos num contexto em que são, de

certo modo, lingüisticamente, “estrangeiros”. Campelo afirma que o surdo “pertence a uma

minoria lingüística — os falantes, Brasil, da LIBRAS — e é construtor de uma cultura

própria.” (2002, p. 25). Essa autora faz parte do grupo de estudiosos que postulam a

existência de uma “cultura surda”, em razão de serem os surdos usuários de uma língua de

natureza bastante diferente da usada pela maioria dos demais indivíduos e de preferirem

desenvolver suas atividades sociais em contextos em que há predominantemente pessoas

surdas.

Embora não objetivemos nos deter na discussão da cultura surda neste trabalho, não

podemos deixar de fazer referência a essa concepção, pois, tal como afirmou Bakhtin, não

é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário, é “a expressão que

organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação” (2004, p. 112).

Logo, o modo como a expressão é usada para tratar a realidade, que é influenciado pelo

contexto sócio-cultural, pelo modus vivendi do indivíduo, acarretará, em alguma medida,

um impacto sobre sua atividade mental.

43

O que complexifica essa discussão é o fato de ser inegável que um indivíduo surdo

adquire todo um sistema de representações simbólicas próprio da cultura do local em que

vive, mas a surdez, especialmente o modo de apreensão dos fatos pelos surdos, pode

propiciar a construção de representações particulares do mundo, o que possibilita,

provavelmente, o surgimento de algumas percepções particulares da realidade, próprias

daqueles que não podem vivenciar as inúmeras experiências auditivas a que têm acesso a

maioria das pessoas, que são ouvintes. A compreensão de alguns aspectos de uma obra

cinematográfica, por exemplo, uma forma de arte que soma a imagem a efeitos sonoros

(como música e o som de passos ou das batidas de um coração), que contribuem, as mais

das vezes, para mobilizar as emoções dos espectadores, não se dá, certamente, com um

indivíduo surdo da mesma forma como se dá com um ouvinte. Um surdo não terá acesso a

uma informação essencial à compreensão de determinada cena, caso esta esteja

necessariamente relacionada a um efeito musical ou sonoro.

Achamos, contudo, importante não enquadrar o indivíduo surdo num estereótipo de

pessoa totalmente diferente, a fim de não reforçar a idéia preconceituosa, largamente

difundida, de que os surdos são incapazes de compreender o mundo à sua volta e de

desenvolver as capacidades para atuar de modo eficiente nos diversos âmbitos da

sociedade. Assim como os ouvintes, os surdos podem fazer amigos, namorar, constituir

família, estudar, trabalhar, desempenhar papéis de liderança com eficiência, freqüentar

festas, igrejas, cinemas — embora, no Brasil, prefiram assistir a filmes estrangeiros, pelo

fato de os filmes nacionais não serem legendados2 — entre outras inúmeras atividades

comuns a todas as pessoas. Ou seja, os surdos precisam ser mais bem compreendidos

pelos ouvintes, a fim de terem melhor assistência educacional e poder desfrutar uma vida

social sem tantos entraves, pois têm potencial para desenvolver habilidades sócio-

cognitivas para interagir no mundo, tal como os ouvintes.

Devido a essa singularidade interacional, mesmo os surdos que têm a oportunidade

de freqüentar escolas de melhor qualidade encontram muitas dificuldades para lidar com a

língua de natureza oral-auditiva usada pela maioria dos membros das comunidades a que

eles pertencem. Além de lidarem com as dificuldades inerentes às diferentes modalidades

das duas línguas por meio das quais necessitam interagir, há outras especificidades de cada

uma dessas línguas que intensificam a problemática em questão. Por exemplo, em

2 Existe um movimento nacional que reivindica legendas para filmes nacionais, sob o título: “LEGENDA NACIONAL, PARA QUEM NÃO OUVE, MAS SE EMOCIONA”.

44

LIBRAS, não existem artigos, nem verbos estativos e há poucos conectores (preposições e

conjunções). E os conectores que existem não têm a plasticidade de alguns que lhes são

equivalentes em português. A plasticidade a que nos referimos diz respeito ao que

denominamos de multifuncionalidade semântico-pragmática, na nossa dissertação de

mestrado em lingüística, (NASCIMENTO, 2001, p. 122), caracterizada pelo fato de um

mesmo conector poder, em contextos diferentes, indicar relações de sentido distintas.

Além disso, todos os pronomes pessoais são representados em LIBRAS por meio de um

mesmo recurso: a apontação para o referente ou para um lugar convencionado para esse

referente. A depender do contexto situacional e do enunciado produzido, um mesmo sinal

pode significar ‘eu’ ou ‘mim’, por exemplo. Essas são apenas algumas das especificidades

de seu modo de expressão que contribui para que os surdos tenham dificuldades

interacionais.

A convivência com os surdos, em especial, com os usuários de uma língua de

sinais, possibilitou-nos observar que eles, de fato, percebem o contexto sócio-histórico de

uma forma um tanto diferente da maneira como os ouvintes usuários de uma língua da

modalidade oral-auditiva o percebem. O fato de os grupos de surdos e os de ouvintes serem

usuários de línguas bastante diferentes entre si é o que deve levar os indivíduos de cada um

desses grupos à construção de algumas representações mentais distintas entre si, uma vez

que a não-aquisição da língua oral-auditiva dificulta a construção de certos tipos de

conhecimentos por parte dos surdos. Cremos, ainda, que os surdos constroem, em função

de serem usuários de uma língua de sinais, certos conhecimentos que os ouvintes não

constroem.

Como já afirmamos, postulamos que muitos dos problemas que os surdos

enfrentam cotidianamente não se devem à surdez em si, mas às dificuldades de interação

com os ouvintes, decorrentes do fato de que, por não serem usuários proficientes da língua

dos ouvintes com os quais convivem, necessitarem operar, as mais das vezes, quase que

simultaneamente, com duas línguas de naturezas tão distintas. Esse fato é um importante

complicador para que os surdos se integrem de forma efetiva em todos os ambientes

sociais pelos quais necessitam circular, em especial, porque, na maior parte das vezes, os

surdos se esforçam por se fazerem entender pelos ouvintes, entretanto o contrário não

ocorre. Os surdos não se deparam, portanto, como parece a alguns estudiosos, apenas com

problemas semelhantes aos de indivíduos bilíngües, já que são, além de bilíngües,

bimodais — por necessitarem interagir por meio de uma língua oral-auditiva e por meio de

45

uma língua gesto-visual, ou vísuo-motora-espacial.

Acreditamos que o fato de a surdez impossibilitar a aquisição de um acervo lexical

mais amplo da língua usada pelos ouvintes das comunidades em que os surdos estão

inseridos seja outro vetor das dificuldades interacionais entre surdos e ouvintes aludidas

anteriormente. Afinal, os itens lexicais de uma língua funcionam como “cápsulas” de

muitas das representações mentais, ou dos conhecimentos estabilizados na memória dos

usuários, conhecimentos (enciclopédicos, episódicos e procedurais) que são construídos ao

longo da vida e que são constituintes do aparato cognitivo. Segundo Koch, as informações

chegam à memória por meio de “estímulos visuais, auditivos e outros” (grifo nosso)

(2002, p. 38). A ausência do sentido da audição deixa os surdos em certa desvantagem em

relação aos ouvintes, quanto à constituição de seu aparato cognitivo, já que, por não terem

condições fisiológicas para receberem estímulos auditivos, chega à memória dos surdos

uma quantidade menor de informações à que chega à memória dos ouvintes. Os surdos

usuários de LIBRAS têm acesso a um léxico que corresponde a pouco mais de 1% do

léxico do português, dado que se ancora na quantidade de verbetes presentes em

dicionários recentemente publicados no Brasil. Enquanto o Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa dispõe de 228.000 mil verbetes, o Dicionário de LIBRAS apresenta apenas

cerca de 3.500 entradas. É possível que, conhecendo menos itens lexicais da língua falada

pela maioria, os surdos tenham, em sua memória, menos conhecimentos semelhantes aos

dos indivíduos ouvintes, como já aludimos anteriormente, fato que torna problemática a

interação entre esses grupos. Essa idéia fundamenta-se na seguinte informação fornecida

por Koch (1996, p. 36):

Para que duas ou mais pessoas possam compreender-se mutuamente, é preciso que seus contextos cognitivos sejam, pelo menos, parcialmente semelhantes. Em outras palavras, seus conhecimentos enciclopédico, episódico, procedural, macro- e superestrutural ou esquemático devem ser, ao menos em parte, compartilhados.

Evidentemente, essa nossa hipótese deve ser relativizada, já que o desenvolvimento

da aparato cognitivo de uma pessoa depende de diversos fatores que envolvem o ambiente

social em que esteja incluída. Quanto mais se entra em contato com situações diferentes e

mais se avança na escolaridade, mais possibilidades de ampliação progressiva do acervo de

conhecimentos e, conseqüentemente, do acervo vocabular se tem. Logo, a depender do

46

contexto social em que um indivíduo esteja inserido, do estímulo da família e do

encaminhamento educacional, esse indivíduo poderá desenvolver mais ou menos seu

contexto cognitivo ao longo da vida. Sabemos, entretanto, que a surdez naturalmente

dificulta essa ampliação do contexto cognitivo de um indivíduo surdo em relação ao que

acontece com um ouvinte que seja da mesma faixa etária que um surdo e que viva

condições semelhantes. Isso é, a nosso ver, um dos gatilhos que deflagra não só o

distanciamento que há entre esses dois grupos, como também a disseminação de uma série

de idéias equivocadas e preconceituosas em relação à condição dos indivíduos surdos.

Entre os tipos de conhecimento cuja construção é dificultada pela surdez,

encontram-se os ligados às práticas de leitura e de escrita, que, nas sociedades letradas,

são, em potencial, viabilizadoras de melhor qualidade de vida, por garantirem vários

direitos de cidadania. Em se tratando das habilidades de escrita — área de nosso interesse

— são notórias as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos surdos, os quais aprendem, em

geral, a escrever tardiamente e produzem textos de estruturação lingüística atípica. A fim

de que possamos esclarecer o que se entende por organização atípica, transcrevemos a

seguir dois excertos de textos constituintes do corpus da pesquisa que gerou o presente

trabalho. A expressão ‘NOME DA IES’ substitui o nome da instituição de ensino à qual os

autores dos textos abaixo fizeram alusão. Optamos por essa estratégia, a fim de manter o

necessário sigilo exigido pelo Comitê de Ética da UFPE para a publicação dos textos do

corpus.

EXEMPLO 2 (Excerto do texto 1)

Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] fiquei feliz mesmo. Primeiro

dia de aula, começei que tinha medo a relação com professores, porque eu tenho

dificuldades a relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois

segundo dia que eu fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou

claramente e também tenho dificuldades a relação com ouvintes, pois eu tentei

atenção com lábios o que ouvintes estava falando. Depois um ano que minhas

colegas, professores, alguns as pessoas estudam na [NOME DA IES], sabem alguns

libras.

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EXEMPLO 3 (Excerto do texto 6)

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito

com os surdos.

funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem

vontade aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/

os surdos.

Essa atipificidade de organização dos textos escritos por surdos faz com que a

interação por escrito destes com os indivíduos ouvintes seja mais problemática, que as

interações face a face, pois, neste tipo de interação, a maioria dos surdos, aliando à sua

expressão lingüística estratégias de mímica, consegue, em geral, se fazer entender e,

contando com a cooperação dos interlocutores, que naturalmente lançam mão dos mesmos

recursos paralingüísticos, obtêm as respostas esperadas no ato enunciativo. Já por meio da

escrita, a interação nem sempre se efetiva de modo satisfatório. Não é raro ouvir relatos de

surdos que dão conta de que, em muitas das tentativas de interagir por escrito com

ouvintes, não obtêm êxito.

Apesar de essa apresentação atípica dificultar, em certa medida, o processamento

imediato dos textos escritos por surdos, é possível perceber que esses artefatos lingüísticos

como quaisquer outros textos escritos por ouvintes — são resultantes de complexos

processos de textualização. É inclusive perceptível o esforço de intencionalidade3 dos

informantes surdos para aproximar a estruturação lingüística de suas produções textuais

escritas das produções de escritores ouvintes, sem, contudo, conseguirem pleno êxito. Não

se pode negar, pois, que há textualidade nessas produções. Assim, é possível perceber

unidade de sentido nas produções escritas de surdos, um dos requisitos fundamentais,

segundo Halliday; Hasan (1976) para que se possa considerar uma determinada

configuração lingüística como sendo um texto.

A maioria dos surdos com os quais convivemos revelaram que preferem evitar a

interação por meio da escrita, já que os ouvintes, em geral, ao entrarem em contato com

um texto escrito por um surdo, tendem a rejeitar o texto, devido ao estranhamento

provocado pela organização incomum da superfície lingüística. Essa rejeição é que faz

3 Princípio da textualidade, segundo Beaugrande; Dressler (1981), que pode ser definido como a intenção que o produtor de um texto tem de produzir algo inteligível, capaz de cumprir adequadamente uma função interacional em determinada situação de uso da língua.

48

com que muitos ouvintes se recusem a ler textos dessa natureza, ou seja, recusem-se a

interagir com o indivíduo surdo, justificando que “aquele amontoado de palavras não é

texto”. Sendo a língua constitutiva do indivíduo, a rejeição assume, noutra dimensão, o

status de rejeição ao próprio indivíduo. Mais um fator que induz à exclusão de muitos

surdos de significativos contextos sociais, como a universidade e o mercado de trabalho.

O fato de muitos surdos escreverem cada vez menos, ao longo de suas vidas, a fim

de se preservarem das recorrentes experiências de rejeição, é outro fator que contribui para

que essas pessoas não desenvolvam muitas das habilidades de escrita de textos em

português. A falta do desejo de escrever representa mais uma forma de isolamento do

surdo. Esse não seria, contudo, um dos entraves para vivências pedagógicas de boa

qualidade. Na verdade, devemos considerar o contrário: o desinteresse de muitos surdos

em relação às práticas e às aulas de escrita é que deve ser provocado também pelas práticas

pedagógicas insatisfatórias — especialmente aquelas concernentes ao desenvolvimento de

habilidades de escrita — a que são submetidos, que contribuem muito pouco para que eles

possam redigir bem. Essas práticas, em geral, são desenvolvidas por professores que não

sabem como ajudar o aluno surdo a escrever de modo inteligível. Como já afirmamos, há

pouca bibliografia disponível para embasar o trabalho docente. Em função disso, poucos

são os indivíduos surdos que conseguem, após anos de escolaridade, escrever textos cujas

superfícies se assemelhem à de textos escritos por ouvintes.

A forma atípica em que se organizam os textos escritos por surdos é o que dificulta,

num primeiro momento, o reconhecimento, por parte dos leitores, de que esses artefatos

lingüísticos são textos. Evidentemente, apenas a estruturação atípica não deve ser critério

para não se considerar como texto um artefato lingüístico, principalmente, se este cumpre

sua função social, uma vez que foi construído com um objetivo definido para viabilizar a

interação entre dois ou mais indivíduos sócio-historicamente situados. Não é, portanto, a

configuração atípica que impossibilitará o estabelecimento da textualidade, que é resultado

de uma complexa rede de fenômenos que extrapolam o nível da simples estruturação

lingüística. Como afirma Beaugrande (1997, p. 15), o texto é “um evento comunicativo em

que convergem as ações lingüísticas, cognitivas e sociais”. Quer dizer, construir um texto

apenas dentro dos padrões que regem a escrita também não é condição suficiente para o

estabelecimento da textualidade. Entretanto, lingüisticamente, a boa formação lingüística

de um texto é um bom começo para que este seja acolhido por seu interlocutor.

É importante ressaltar que, afora as situações de ensino-aprendizagem da escrita, no

49

cotidiano, as pessoas só produzem textos quando têm alguma necessidade interacional a

suprir, ou seja, não há quem fale, escreva ou sinalize4 sem ter um objetivo definido, com a

intenção de obter certos resultados comunicativos, em determinadas situações. Logo, por

esse motivo, é necessário reconhecer como textos os escritos por surdos, pois, à

semelhança do que ocorre com os ouvintes, são demandas sociais que levam os surdos a

escrever; há, portanto, nas construções escritas por surdos, textualidade. E se, como afirma

Beaugrande (1997, p. 18), a textualidade é “não só a qualidade essencial a todos os textos,

mas é também uma realização humana sempre que um texto é ‘textualizado’, isto é, sempre

que um ‘artefato’ de marcas sonoras e escritas é produzido ou que recebe o nome de

texto”, concluímos que, inegavelmente, a organização atípica em si não destitui o texto de

sua textualidade; assim como a surdez não destitui um ser humano de humanidade, de sua

necessidade de interação e, conseqüentemente, da sua faculdade de linguagem.

Os estudiosos interessados nas práticas de escrita dos surdos ainda sabem muito

pouco acerca do modo como eles organizam seus textos e o pouco que sabem não é

suficientemente divulgado para os professores de surdos, menos ainda para a sociedade em

geral. Como já afirmamos, os professores de surdos desconhecem aspectos básicos da

língua de sinais usada pela maioria de seus alunos surdos; além disso, não contam com

material teórico suficiente que lhes permita encontrar saídas metodológicas para levar os

surdos a escreverem textos cujas superfícies se aproximem, o máximo possível, de textos

de ouvintes. O desconhecimento teórico da engrenagem léxico-gramatical dos textos

escritos por surdos e a conseqüente não aceitação (muitas vezes velada), por parte de

muitos dos professores de surdos da forma como o surdo se expressa por escrito —

principalmente de educadores que atuam em escolas onde há turmas de inclusão — levam

esses professores a assumirem atitudes que diminuem em muito as possibilidades de

contribuírem para que seus alunos desprovidos de audição desenvolvam satisfatoriamente

suas habilidades de escrita: a primeira é encarar o surdo como alguém incapaz de

desenvolver tais habilidades, o que desobriga o professor de pensar em estratégias

didático-metodológicas alternativas e, em contrapartida, reforça o desejo do surdo de não

se expressar por escrito; a segunda atitude é não estimular os alunos ouvintes a se

envolverem nas práticas de escrita dos alunos surdos e vice-versa, o que provoca, de um

lado, a manutenção da ignorância por parte dos alunos ouvintes em relação às

particularidades da forma de expressão escrita dos surdos, permitindo que aqueles

4 O termo ‘sinalizar’ aqui se refere à modalidade de explicitação da língua de sinais.

50

continuem vendo os textos dos surdos como objetos estranhos e, do outro lado, causa um

grande prejuízo aos surdos, que perdem a chance de entrar em contato, mais

freqüentemente, com os padrões que regem a escrita de textos produzidos por ouvintes

seus companheiros na construção de conhecimentos.

Defendemos que muitas das especificidades dos textos escritos por surdos estão

ligadas ao modo de expressão gesto-visual dessas pessoas, em particular, ao uso da Língua

Brasileira de Sinais, no caso dos surdos usuários de LIBRAS. Por isso, dedicaremos a

próxima seção deste capítulo à apresentação de alguns aspectos da LIBRAS, que

subsidiarão a análise do corpus.

Como acreditamos que entre todas as peculiaridades observadas na superfície

desses textos, algumas, pelo menos, serão decorrentes exclusivamente das especificidades

que dizem respeito à condição do indivíduo surdo e ao seu modo natural de expressão,

cremos, também, que, por melhor que seja a assistência pedagógica dada ao surdo no que

respeita ao desenvolvimento de habilidades de escrita, os textos por eles produzidos serão,

em maior ou menor grau, diferentes de textos escritos por ouvintes. Contudo, práticas

pedagógicas desenvolvidas sob consistentes bases teóricas, que possibilitem a criação de

estratégias de ensino a partir do conhecimento das especificidades lingüísticas desses

indivíduos, podem levá-los a escrever textos mais inteligíveis para os leitores em geral, isto

é, com superfícies mais ou menos parecidas com as de textos escritos por ouvintes.

Provavelmente, isso atenuaria o processo de exclusão do surdo da universidade e do

mercado de trabalho.

51

CAPÍTULO 2

SOBRE A NATUREZA

DA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

2.1 Preâmbulo

Quando se inicia um trabalho de ensino de produção de textos com surdos e não se

conhece o universo da surdez, especialmente, quando não se conhecem os reflexos desse

universo nas práticas de letramento de surdos, a pergunta que nos fazemos é: “por que os

surdos escrevem de modo atípico?” A pesquisa que gerou esta tese foi o que nos deu a

certeza de que apenas a compreensão desse universo, que envolve o conhecimento teórico

do modo de expressão lingüística das pessoas desprovidas de audição, é o que pode nos

ajudar a encontrar a resposta para essa pergunta. Como temos como hipótese que o perfil

atípico do nosso objeto de estudo emana, em boa medida, do modo de expressão

lingüística natural dos surdos, especialmente da influência da língua de sinais, no caso dos

textos produzidos por sujeitos utentes dessa língua, consideramos pertinente, neste

capítulo, a apresentação de algumas informações teóricas basilares acerca da LIBRAS,

assim como a apresentação de alguns aspectos do sistema dessa língua e do seu modo de

funcionamento cujos traços identificamos no corpus de análise.

Esclarecemos que este assunto não é o núcleo de nosso trabalho e que, por isso,

decidimos nos limitar à apresentação de alguns aspectos organizacionais e funcionais da

LIBRAS que subsidiaram nossa análise, mas nos eximimos de aprofundar discussões que

são do interesse daqueles que se preocupam em descrever a Língua Brasileira de Sinais.

Ou seja, pretendemos aqui, apenas, levar ao conhecimento dos nossos leitores alguns

aspectos da LIBRAS que podem influenciar a produção de textos escritos por parte dos

usuários dessa língua.

52

2.2 A Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS

O grande interesse do ser humano por aspectos da linguagem e das línguas,

revelado por estudos realizados desde a Grécia Antiga (II e III séculos AC), justifica-se

pela importância desses fenômenos para nossa sobrevivência. A capacidade de linguagem

é o que distingue o homem dos outros animais. É o que lhe permitiu transfigurar o espaço à

sua volta, dominar a natureza, criar culturas, fazer ciência. A faculdade da linguagem foi o

que possibilitou ao homem a construção de sistemas altamente complexos para a

comunicação com os seus semelhantes, para poderem cooperar e superar, ao longo do

tempo, muitos dos obstáculos que a natureza lhes impôs.

Linguagem e língua, portanto, não se confundem. A palavra ‘linguagem’ pode ser

tomada como um hiperônimo a que estão subordinadas categorias de linguagens de

diferentes naturezas, incluindo-se as línguas naturais. Lyons (1987, p. 16) explica que a

palavra ‘linguagem’ “aplica-se não apenas ao inglês, malaio, suaíli etc. — ou seja, ao que

todos concordariam em chamar adequadamente de línguas — mas a uma série de outros

sistemas de comunicação, notação ou cálculo, sobre o qual se possa discutir.” A palavra

linguagem é também freqüentemente usada, e não apenas em nosso idioma, para referir

outros sistemas de comunicação, de acordo com o mesmo autor, “tanto humanos como

não-humanos, que são sem dúvida naturais ao invés de artificiais, mas que não parecem

linguagens no sentido estrito do termo.” Assim, usa-se a palavra ‘linguagem’ em

expressões como “linguagem corporal” e “linguagem das baleias”. A palavra ‘língua’

designa todo sistema abstrato de signos arbitrários e convencionais, de que dispõem as

comunidades humanas para o modo de cooperação por meio da interação verbal.

A maioria das línguas humanas são de natureza oral-auditiva, pois se realizam por

meio do sistema articulatório-perceptual, que possibilita a interação através da fala,

captada pela audição. Secundariamente, muitos grupos humanos também usam a escrita

como modalidade de realização de suas línguas, embora ainda haja sociedades ágrafas.

Mas a escrita é apenas complementar à fala (MARCUSCHI, 2001). Não é um modo

natural de realização de uma língua. Evidentemente, tal como afirma Lyons (1987, p. 24),

“a língua falada é mais básica do que a língua escrita”, o que, segundo o mesmo autor, não

significa que a língua deva ser identificada com a fala, uma vez que esta é apenas um dos

meios através dos quais a língua se realiza.

Para Saussure (1995, p. 18), de certo modo, a escolha da fala já nos havia sido

53

imposta pela natureza, mas o autor diz que a natureza do signo convencional é indiferente.

Para ele, a “questão do aparelho vocal se revela, pois, secundária no problema da

linguagem.” Por outras palavras, apesar de supor que o modo natural de realização da

língua se dê por meio da fala, Saussure admitiu que o homem pode se valer de outro meio

para realizar a língua, os gestos. Esse ponto de vista de Saussure é bastante pertinente para

ser tomado por nós como ponto de partida para a explicação do fato de que a LIBRAS,

assim como as outras línguas de sinais, é uma língua.

A LIBRAS é a língua de sinais utilizada pelas comunidades surdas brasileiras. Em

2003, foi reconhecida pelo Senado brasileiro como meio legal de comunicação e expressão

das comunidades surdas do país. A LIBRAS é apenas uma das línguas de sinais atualmente

existentes. Cada país tem uma língua de sinais. Existem, portanto, a língua de sinais

americana, a língua de sinais francesa, a língua de sinais britânica, entre outras, que são

diferentes entre si. No Brasil, além da LIBRAS, existe a Língua de Sinais Urubus-Kaapor,

utilizada pelos índios da tribo homônima, que vivem na Floresta Amazônica, numa parte

situada ao sul do estado do Maranhão, com alto índice de surdez.

Os leigos acham que uma língua de sinais é apenas uma mistura de pantomima e de

gesticulação, que pode ser decifrada por observadores não familiarizados com essas

línguas e por meio da qual se pode interpretar, de modo precário, uma língua oral-auditiva.

O aspecto da LIBRAS que induz a essa concepção diz respeito ao modo de expressão da

língua de sinais, que é gesto-visual. No lugar das palavras, constituídas por sons

produzidos pelo aparato articulatório, existem os sinais produzidos por movimentos das

mãos e, às vezes, pela combinação de movimentos das mãos e expressões faciais e/ou

corporais, que são captados pela visão. O fato é que a LIBRAS, assim como o português, o

inglês e o francês, é um sistema abstrato de signos arbitrários e convencionais, de que

dispõem as comunidades surdas brasileiras para o modo de cooperação por meio da

interação verbal.

Para as pessoas em geral, o único modo natural de realização de uma língua é a

fala, mas há estudos que comprovam o contrário. Pesquisas sobre aquisição da linguagem

demonstram que é principalmente por meio da vocalização (choro e balbucio) que os

bebês interagem com os adultos à sua volta, desde os primeiros momentos de sua vida. Os

gestos e as expressões faciais e/ou corporais também funcionam como meio de interação

entre as crianças da mais tenra idade e as pessoas que lhes estão próximas. À medida que a

fala ganha contornos mais específicos, os gestos e as expressões faciais assumem estatuto

54

complementar ao meio de expressão vocal, por isso mesmo denominados recursos

paralingüísticos. Contudo, na impossibilidade do desenvolvimento da fala, tal como ocorre

com crianças surdas, paulatinamente, os movimentos corporais e as expressões faciais

passam a ser tomados por essas crianças como meio primordial de expressão lingüística.

Na pesquisa sobre aquisição da linguagem por bebês surdos e bebês ouvintes, realizada

por Petitto; Marantette (1991), as pesquisadoras observaram que dois modos de expressão

da capacidade de linguagem — vocal e gestual — são comuns a bebês surdos e a bebês

ouvintes. O resultado dessa pesquisa indica que a maturação da capacidade humana da

linguagem pode não estar ligada a um mecanismo específico de realização da língua. Por

outras palavras, essa seria uma capacidade amodal, ou seja, que pode ser realizada através

de outro meio de expressão, que não o oral-auditivo, mas o gesto-visual.

Petitto; Marantette coletaram, em 1991, os dados de cinco crianças com idades de

10 a 14 meses. Duas crianças eram surdas profundas, filhas de surdos e estavam em

processo de aquisição da Língua de Sinais Americana (ASL); as outras três crianças

ouvintes, filhas de ouvintes, em processo de aquisição da língua falada e sem nenhuma

exposição a uma língua de sinais. As pesquisadoras constataram que tanto o balbucio oral,

quanto o meio de expressão gestual, que as pesquisadoras nomearam — estabelecendo

uma analogia com a vocalização — de balbucio manual, são comuns a crianças surdas e a

crianças ouvintes até determinado estágio de aquisição da linguagem e que cada uma delas

desenvolve o balbucio da sua modalidade. É importante pôr em relevo que as autoras dessa

pesquisa ressaltam que o desenvolvimento do balbucio manual só se dá em bebês surdos

profundos em processo de aquisição de língua de sinais, pois, segundo as pesquisadoras, é

o tipo de input que favorece esse desenvolvimento. Nos bebês surdos, foram detectados

dois tipos de balbucio manual: o balbucio silábico, que apresenta combinações que fazem

parte do sistema das línguas de sinais, análogo ao sistema fonológico de uma língua oral

auditiva, e a gesticulação, que não apresenta organização interna.

Mas o que há de comum entre a LIBRAS e as línguas orais-auditivas?

Primeiramente, a LIBRAS, assim como as demais línguas de sinais, reflete a capacidade

psicobiológica humana para a linguagem. Quer dizer, na impossibilidade de desenvolver a

capacidade de fala, as pessoas desenvolvem outra forma de expressão, “devido à

necessidade específica e natural dos seres humanos de usarem um sistema lingüístico para

expressarem idéias, sentimentos e ações”. (QUADROS, 1997, p. 47). Além disso, as

55

conclusões de Petitto; Marantette apontam outro importante aspecto a ser aqui abordado: o

da organização interna das línguas de sinais.

As autoras supracitadas distinguiram combinações de sinais de gestos aleatórios. As

combinações de sinais apresentam organização interna, ou seja, funcionam de acordo com

regras de um sistema. Nas primeiras pesquisas sobre línguas de sinais, realizadas com a

ASL (American Sign Language), na década de 60, Stokoe observou que os sinais não eram

imagens, mas símbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior. O

aspecto da iconicidade, que supostamente estaria na base da formação de todos os sinais de

uma língua gesto-visual, não dá conta da constituição da totalidade dos signos de línguas

dessa natureza.

Na verdade, muitos dos sinais (os signos nas línguas gesto-visuais) da LIBRAS não

são icônicos, ou seja, não se parecem com os referentes que representam no discurso. Além

disso, os sinais passam por mudanças ao longo do tempo e alguns sinais que são icônicos

em determinada fase histórica de existência da língua podem sofrer modificações e perder

o aspecto inicial, que o fazia ser formalmente semelhante ao referente que representava.

Bellugi; Klima (1979) apresentaram um estudo sobre mudanças nos sinais da ASL (

American Sign Language) para verificar o papel da iconicidade nessa língua. Nesse estudo,

os autores verificaram que alguns sinais da ASL sofreram significativas modificações ao

longo do tempo, decorrentes, sobretudo, das distorções nas formas dos sinais, que

anularam ou mantiveram submersa sua iconicidade. Existe, pois, alto grau de

arbitrariedade na constituição dos signos das línguas de sinais. Os resultados dessa

pesquisa ajudam-nos a desmitificar um dos aspectos que levam as pessoas em geral a não

considerarem a LIBRAS uma língua.

Outro importante aspecto que deve ser considerado para que se dê status de língua

à LIBRAS é o fato de que por meio de uma língua de sinais é possível expressar idéias,

sentimentos, emoções, raciocínios abstratos, agir socialmente por meio de conversação

espontânea, apresentação de palestras, debates, entre outros gêneros textuais. Além disso,

há o fato de que a LIBRAS apresenta variantes dialetais, assim como as línguas oral-

auditivas. Em diferentes locais do país, existem sinais distintos para representar um mesmo

referente, assim como existem gírias.

Poder-se-ia argumentar que por meio da mímica também é possível expressar

idéias, sentimentos, emoções etc. Mas, ao contrário da mímica, a língua de sinais é um

56

sistema definido por padrões organizacionais mais ou menos estáveis, em que funcionam

signos convencionais e arbitrários e que é usado por algumas comunidades lingüísticas

para agirem socialmente. O fato de esse sistema ser compartilhado por uma comunidade e

de possibilitar aos indivíduos dessas comunidades um meio de implementação de ações

sociais efetivas são, a nosso ver, os aspectos mais relevantes desta exposição. A língua de

sinais possibilita àqueles que enfrentariam muitas dificuldades de agirem e interagirem nos

contextos sociais em que estão inseridos uma forma de acesso importante, que pode fazer

muita diferença na vida dessas pessoas desprovidas de audição.

2.3 A estrutura dual da Língua Brasileira de Sinais

A dupla articulação é uma das propriedades comuns a todas as línguas, que

apresentam unidades mínimas distintivas sem significado — no caso das línguas oral-

auditivas, os fonemas — e unidades mínimas com significado (os morfemas). A LIBRAS é

uma língua de natureza gesto-visual (ou visuoespacial), pois a realização desta língua não

se dá por meio dos canais oral-auditivos, mas por meio de sinais corporais manipulados no

espaço de enunciação (na frente do corpo, em uma área limitada pelo topo da cabeça e que

se estende até os quadris), que são captados pela visão. Os sinais, que são produzidos por

movimentos das mãos e, às vezes, pela combinação de movimentos das mãos e expressões

faciais e/ou corporais, são equivalentes às palavras das línguas oral-auditivas, constituídas

por sons produzidos pelo aparato articulatório. Segundo Felipe (2001, p. 20), os sinais “são

formados a partir da combinação do movimento das mãos com um determinado formato

em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou um espaço em

frente ao corpo.” Alguns sinais apresentam também traços distintivos constituídos por

expressões faciais e corporais.

57

_________________________________________________________________________________________________

FIGURA 1 – Espaço de realização dos sinais na LIBRAS. (Adaptado de Langevin e Ferreira Brito, 1988, p. 01. In: Quadros, 1997, p.49).

A formação dos sinais obedece ao que os estudiosos das línguas de sinais

denominam de parâmetros, que são equivalentes aos fonemas e, em alguns casos, aos

morfemas5 de uma língua oral-auditiva. Stokoe (1960), lingüista norte-americano que

descreveu a estrutura e o funcionamento da ASL, sugeriu que esses parâmetros, que são as

unidades mínimas formadoras dos sinais, fossem denominados de ‘quiremas’, termo que

consideramos mais apropriado, uma vez que o radical quiro- (do grego mão) alude a um

fenômeno que pode ser realizado por meio dos parâmetros das línguas de sinais, ao

contrário de fono- (do latim som).

Quadros; Karnopp (2004) informam que a adoção do termo ‘fonema’ se justifica

pela necessidade de se estabelecerem paralelos entre as línguas de sinais e as línguas oral-

auditivas, pois, apesar da diferença existente no que concerne à modalidade de produção e

de recepção, as línguas de sinais compartilham princípios subjacentes de construção com

as línguas orais. Conhecendo a luta dos surdos e dos pesquisadores interessados na

educação desses indivíduos em fortalecer a idéia de que a LIBRAS é uma língua, assim

como em obter a aceitação da comunidade científica, acreditamos que essa aproximação

terminológica com aspectos das línguas orais pode até ajudá-los a legitimar a causa

defendida. Embora compreendamos os motivos de Quadros; Karnopp e concordemos com

a necessidade de estudos contrastivos, consideramos que a proposta terminológica de

Stokoe, que marca a diferença entre os dois tipos de sistemas lingüísticos, longe de ser

danosa — porque mais apropriada inclusive a comparações — é mais pertinente a uma

análise científica. 5 O plural de uma palavra, por exemplo, pode ser indicado pela repetição do sinal equivalente a essa palavra.

58

Os parâmetros da LIBRAS descritos abaixo, de acordo com Felipe (2001, p. 20-21),

são:

• Configuração das mãos - são formas das mãos que podem ser da datilologia (alfabeto

manual) ou outras formas feitas pela mão predominante (mão direita para os destros), ou

pelas duas mãos do emissor ou sinalizador.

_________________________________________________________________________ FIGURA 2 – As 46 configurações de mãos (CMs) da Língua de Sinais Brasileira. In: Ferreira-Brito e Langevin (1995) apud Quadros; Karnopp (2004, p. 53).

• Ponto de articulação - é o lugar onde incide a mão predominante configurada, podendo esta tocar alguma parte do corpo ou estar em um espaço neutro vertical (do meio do corpo até a cabeça) e horizontal (à frente do emissor).

• Movimento - os sinais podem ter movimento ou não. • Orientação/direcionalidade - os sinais têm uma direção com

relação aos parâmetros acima. Assim os verbos IR e VIR se opõem em relação à direcionalidade.

• Expressão facial e/ou corporal - muitos sinais têm como traço diferenciador também a expressão facial e/ou corporal, como os sinais ALEGRE e TRISTE. Há sinais feitos apenas com a bochecha, como LADRÃO.

Esses parâmetros são os responsáveis pelos traços mínimos distintivos da LIBRAS. Em

59

alguns casos, com uma mesma configuração de mão e com um mesmo movimento, mas

cuja realização se dê num ponto de articulação diferente, temos sinais diferentes. Essa

propriedade dos sinais é semelhante à propriedade dos fonemas nas línguas oral-auditivas.

Como no caso em que a mudança de timbre, por exemplo, da vogal da última sílaba das

palavras colher (ato de fazer colheita) [ko‘λeR] e colher (utensílio de mesa) [ko‘λ∈R] é o

que indica o referente, os sinais APRENDER e SÁBADO distinguem-se quanto à locação:

o primeiro é realizado à frente da testa; o segundo, à frente da boca.

_________________________________________________________________________FIGURA 3 – Exemplo de um par mínimo na Língua Brasileira de Sinais: sinais que se opõem quanto à locação. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 52).

Os parâmetros e os sinais constituem a dupla articulação da LIBRAS, uma das

propriedades comuns a todas as línguas, que apresentam unidades mínimas sem significado

e unidades mínimas com significado. Segundo Quadros; Karnopp (2004, p. 53), o fato de

as línguas de sinais apresentarem estrutura dual, apesar de o conjunto de articuladores ser

completamente diferente daquele das línguas orais, atesta a abstração e a universalidade

das línguas humanas. Outra consideração das autoras para sustentar o status de língua à

LIBRAS e às demais línguas de sinais existentes em todo o mundo é a seguinte:

As língua de sinais, conforme um considerável número de pesquisas, contêm os mesmos princípios subjacentes de construção que as línguas orais, no sentido de que têm um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática, isto é, um sistema de regras que regem os usos desses símbolos. Existe também a hipótese de que a forma das línguas de sinais é determinada pela gramática universal inata e pela interação entre a percepção visual e a produção gestual. (2004, p. 48)

Para a produção de palavras que não têm sinais equivalentes em LIBRAS, ou para a

apresentação de nomes próprios, existe o alfabeto manual, cuja utilização se dá por meio

60

da datilologia.

_________________________________________________________________________FIGURA 4 – Alfabeto manual. In: Felipe (2001, p. 24).

Assim como nas línguas oral-auditivas, a LIBRAS pode ser descrita nos níveis

morfológico e sintático, que apresentam particularidades devido à sua natureza gesto-

visual. Discorreremos sobre alguns aspectos da morfologia e da sintaxe da Língua

Brasileira de Sinais nas duas próximas seções deste capítulo.

61

2.4 Alguns aspectos da morfologia da LIBRAS

Os sinais pertencem às categorias lexicais ou às classes de palavras: substantivos,

adjetivos, verbos, advérbios, pronomes, numerais, preposições e conjunções. Em LIBRAS,

não há artigos. Quadros; Karnopp (2004, p. 87) informam que a LIBRAS tem um sistema

de criação de novos sinais em que as unidades mínimas com significados, os morfemas,

são combinadas.

Entretanto, as línguas de sinais diferem das línguas orais no tipo de processos combinatórios que freqüentemente cria palavras morfologicamente complexas. Para as línguas orais, palavras complexas são muitas vezes formadas pela adição de um prefixo ou sufixo à raiz. Nas línguas de sinais, essas formas resultam freqüentemente de processos não-concatenativos em que uma raiz é enriquecida com vários movimentos e contornos no espaço de sinalização.

Existem, na LIBRAS, os processos de derivação e de composição para a formação

de sinais. O processo de derivação de nomes a partir de verbos — pouco notável no uso da

língua — se dá por meio da mudança do tipo de movimento. O movimento dos nomes

repete e encurta o movimento dos verbos. Abaixo, a figura em que apresentamos o

exemplo desse tipo de processo, com os sinais de TELEFONAR e TELEFONE, com a

indicação do movimento encurtado.

_________________________________________________________________________FIGURA 5 – Exemplo do processo de derivação em LIBRAS. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 97).

Consideramos importante ressaltar que a derivação não se mostra tão clara no uso

cotidiano da LIBRAS. A maioria dos surdos que conhecemos se vale de apenas um sinal

62

para diferentes palavras cognatas, pertencentes a diferentes classes de palavras. Um mesmo

sinal pode significar, por exemplo, brincar, brincadeira ou brincalhão. Apenas recorrendo

ao contexto é possível identificar a palavra em português a que o sinal seria equivalente em

determinado momento de enunciação.

Já o processo de composição na LIBRAS, que, tal como nas línguas orais, é

autônomo e se dá pela junção de duas ou mais bases preexistentes na língua para a criação

de um novo vocábulo, é muito usual nas interações cotidianas. Assim como no português,

Quadros; Karnopp (2004, p. 106) informam que “o distanciamento do todo e o significado

das partes é normal nas formas compostas”. A figura a seguir exibe o sinal BOA-NOITE,

composto a partir dos sinais BO@ e do sinal NOITE.

_________________________________________________________________________FIGURA 6 – Exemplo do processo de composição em LIBRAS. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 97).

Quanto aos mecanismos de flexão na LIBRAS, usam-se os sinais de HOMEM e

MULHER antes ou após o sinal equivalente à palavra em português, para indicar,

respectivamente, o gênero masculino e o gênero feminino. Para a flexão de número dos

nomes, existe um sinal (que significa “muitos”) para a flexão do plural. Existe, ainda, a

possibilidade de indicação de plural por meio da repetição do sinal.

Em relação às classes de palavras, em LIBRAS existem sinais equivalentes a

muitos substantivos, adjetivos e advérbios do português. Como já afirmamos, não

existem artigos na Língua Brasileira de Sinais. Já para os verbos, em LIBRAS, existem

sinais específicos equivalentes a vários verbos dinâmicos, mas não há sinais para os verbos

não-dinâmicos, ou estativos. Os verbos, em LIBRAS, sempre aparecem em formas

simples. Não há locuções verbais.

63

Os verbos são classificados em LIBRAS em direcionais e não-direcionais. Apenas

os verbos direcionais, como ‘ajudar’, ‘dizer’, ‘dar’ e ‘entregar’, dispõem do mecanismo de

flexão, equivalente às desinências número-pessoais em português, que se dá por meio do

recurso à direção do movimento, em que se marca, no ponto inicial do movimento o sujeito

e, no ponto final, o objeto direto, o objeto indireto ou o adjunto adverbial de lugar. Para

indicar a concordância número-pessoal nos verbos não-direcionais, é preciso se valer da

apontação ou da datilologia.

___________________________________________________________________ FIGURA 7 – Exemplo do processo de composição em LIBRAS. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 97).

___________________________________________________________________ FIGURA 8 - Exemplo 2 de verbo direcional. Nota-se que o corpo acompanha a direção do olhar. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 158).

Os sinais manuais que equivalem aos verbos em português são freqüentemente

acompanhados por expressões faciais que podem ser consideradas gramaticais, como a

marcação da concordância gramatical através da direção dos olhos, marcação de negativas

64

e interrogativas por meio do movimento de sobrancelhas.

É importante salientar que não há flexão modo-temporal, e os sinais equivalem

sempre à forma do infinitivo em português. Pode-se marcar a noção de tempo, por meio do

uso dos sinais equivalentes às palavras ‘ontem’, ‘hoje’ e ‘amanhã’. Também é possível

indicar o aspecto verbal, de continuidade, por exemplo, por meio do recurso de repetição

ou de intensificação do movimento do sinal. Ainda existe um dado importante a ser

informado aqui: alguns verbos em LIBRAS dispõem de dois sinais, sendo um para

sentenças afirmativas e outro para sentenças negativas. Assim, verbos, como ‘gostar’,

‘saber’ e ‘conhecer’, dispõem de sinais que incorporam a partícula negativa.

______________________________________________________________________ FIGURA 8 - Exemplo de sinal com incorporação da negação. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 110).

Em LIBRAS, a apontação ostensiva para um referente específico ou para um ponto

no espaço em que se estabelece convencionalmente o posicionamento de um referente

ausente no momento da interlocução é o recurso existente para alusão às pessoas do

discurso, que, em português, podem ser representadas lingüisticamente por substantivos ou

por pronomes. A apontação funciona para representar os pronomes pessoais de 1ª, 2ª e 3ª

pessoas sem distinção entre as categorias de pronomes retos e oblíquos. No singular, o

sinal para todas as pessoas é o mesmo, o que difere um do outro é a orientação direcional

da mão. Segundo Felipe (2001, p. 32),

o sinal para “eu” é um apontar para o peito do emissor [...], o sinal para “você” é um apontar para o receptor [...] e o sinal para “ele/ela” é um apontar para uma pessoa que não está na conversa ou um lugar convencionado para uma terceira pessoa que está sendo mencionada.

65

Esses sinais são compreendidos pelos usuários da LIBRAS como equivalentes aos

pronomes ‘eu’, ‘tu’ ou ‘você’, ‘ele’, ‘ela’. Diferentemente do português, os pronomes

pessoais de terceira pessoa não possuem marca de gênero. Em se tratando do plural, há um

sinal específico que representa a 1ª pessoa (nós), que também pode ser representada,

quando se deseja indicar a quantidade de pessoas a que o pronome se refere, por meio da

apontação com a mão no formato dos numerais dois, três ou quatro. Essa estratégia

também pode ser usada para fazer-se referência às 2ª e 3ª pessoas do plural. Pode-se, ainda,

indicar o plural de qualquer uma das três pessoas do discurso, por meio da apontação às

pessoas mencionadas mais o sinal GRUPO. Em LIBRAS, não existem sinais específicos

para pronomes de tratamento. É usada, também, a apontação em direção à segunda pessoa

ou a um local estabelecido no espaço que represente a segunda pessoa quando ausente.

______________________________________________________________________FIGURA 9 – Estabelecimento de formas pronominais. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 131).

De acordo com Felipe (2001, p. 33), os pronomes demonstrativos e os advérbios

de lugar6, que estão relacionados às pessoas do discurso e representam, na perspectiva do

6 Outros tipos de advérbio têm sinais próprios.

66

emissor, aquilo, quem ou o lugar que está perto do emissor, próximo ao receptor, ou

distante de ambos, têm a mesma configuração de mãos dos pronomes pessoais. O contexto

já os diferencia dos pronomes pessoais, mas os pontos de articulação e a direção do olhar

são diferentes.

TABELA 2 - ESPECIFICIDADES DOS PRONOMES PESSOAIS, PRONOMES DEMONSTRATIVOS E ADVÉRBIOS DE LUGAR EM LIBRAS

PRONOMES PESSOAIS PRONOMES DEMONSTRATIVOS OU ADVÉRBIOS DE LUGAR

EU (olhando para o receptor) EST@ / AQUI (olhando para a coisa/lugar apontado, perto da 1ª

pessoa)

VOCÊ (olhando para o receptor) ESS@ / AÍ (olhando para a coisa/lugar apontado, perto da 2ª

pessoa)

EL@ (olhando para o receptor) AQUEL@ / LÁ (olhando para a coisa/lugar distante apontado)

_________________________________________________________________________Adaptado de Felipe (2001, p. 33).

Os pronomes possessivos, como os pessoais e os demonstrativos, também não

possuem marca para gênero e estão relacionados às pessoas do discurso e não à coisa

possuída, como acontece em português. Segundo Felipe (2001, p. 35), para a 1ª pessoa

(ME@), há duas configurações de mão: “uma é a mão aberta com os dedos juntos, que

bate levemente no peito do emissor; a outra é a configuração da mão em ‘P’ com o dedo

médio batendo no peito – ME@-PRÓPRIO”. Para a 2ª e 3ª pessoas, a mão também tem a

configuração em ‘P’, mas o movimento se dá em direção à pessoa com quem se fala, ou à

pessoa que estiver sendo mencionada. De acordo com Felipe, “não há sinais específicos

para os pronomes possessivos no dual, trial, quadrial e plural (grupo). Nestas situações são

usados os pronomes pessoais, correspondentes. Exemplo: NÓS FILH@ ‘nosso(a)

filho(a)’”.

Quanto aos pronomes interrogativos em LIBRAS, Quadro; Karnopp (2004)

informam que os sinais manuais estão sempre associados a marcas não-manuais de franzir

da testa e arqueamento de sobrancelhas. Os pronomes interrogativos ‘onde’ e ‘quando’ têm

sinais específicos na LIBRAS e aparecem, geralmente no início das sentenças

interrogativas. O pronome ‘onde’ também pode aparecer no final de uma sentença

interrogativa, assim como o pronome ‘quem’, quando usado no sentido de “quem-é” ou

“de quem é”. Já os pronomes ‘que’ e ‘quem’ dispõem de um mesmo sinal, que consiste na

apontação feita por meio da mão semi-aberta, com os dedos indicador e polegar juntos

67

dirigindo-se à coisa ou pessoa referida, ou a um local no espaço convencionado para o

referente ausente no ato de interlocução.

Quanto aos numerais, existem sinais tanto para os cardinais, quanto para os ordinais

de 0 a 9, podendo ser combinados para a expressão de numerais maiores que 9. Há sinais

diferentes para a referência à idade, à quantidade, aos dias da semana, aos meses do ano e a

horas.

Em relação às palavras de ligação, embora não tenham sido citadas por Quadros;

Karnopp, uma participante voluntária desta pesquisa, pedagoga surda usuária de LIBRAS

com certificação do Prolibras (Exame de Proficiência em Língua Brasileira de Sinais), que

prestou assessoria para esta pesquisa, informou que existem em LIBRAS sinais

equivalentes às conjunções ‘mas’, ‘ou’, ‘porque’, ‘por isso’, ‘se’ e ‘como’; e sinais

equivalentes às preposições ‘até’, ‘após’, ‘com’, ‘contra’, ‘sem’ e ‘sobre’. Embora existam

em LIBRAS, esses sinais são pouco usados nas situações de interação, o que cria um

sistema bastante peculiar na estrutura dessa língua quanto aos fenômenos de coordenação e

subordinação de termos e de orações.

2.5 Alguns aspectos da sintaxe espacial da LIBRAS

A sintaxe é o âmbito da lingüística que estuda os modos de organização dos termos

constituintes das sentenças de uma língua. No que concerne à sintaxe da LIBRAS, este é

um âmbito da língua de sinais cuja análise contrastiva com as línguas orais se afigura mais

complexo, pois, como informa Quadros (1997, p. 47), “a diferença de modalidade

determina o uso de mecanismos sintáticos especialmente diferentes dos utilizados nas

línguas orais”. A LIBRAS dispõe de um tipo de sintaxe espacial, pois o estabelecimento

das relações entre os termos constituintes de um enunciado se dá no espaço de enunciação,

ou de sinalização, de diferentes formas.

O uso de nomes e o uso do sistema pronominal são fundamentais para as relações

sintáticas. “Qualquer referência usada no discurso requer o estabelecimento de um local no

espaço de sinalização [...], observando várias restrições” (Quadros; Karnopp, 2004, p.

127). Esse local pode ser referido através dos seguintes mecanismos:

68

a) fazer o sinal em um local particular (se a forma do sinal permitir; por

exemplo, o sinal CASA pode acompanhar o local estabelecido para o

referente);

b) direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a uma

localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou

com a apontação para o substantivo7;

c) usar apontação ostensiva antes do sinal de um referente específico (por

exemplo, apontar para o ponto ‘a’ associando esta apontação com o sinal

CASA: assim o ponto ‘a’ passa a referir CASA);

d) usar um pronome (a apontação ostensiva) numa localização particular

quando a referência for óbvia;

e) usar um classificador (que representa aquele referente) em uma

localização particular;

f) usar um verbo direcional (com concordância) incorporando os referentes

previamente produzidos no espaço. (Quadros; Karnopp. 2004, p. 27-29).

No que diz respeito à ordem dos termos nas sentenças, a LIBRAS apresenta certa

flexibilidade segundo Felipe (1989). Há, assim como no português, várias possibilidades

de ordenação dos termos, embora pareça haver, segundo Quadros; Karnopp (2004), uma

ordenação mais freqüente que as demais, a ordem Sujeito-Verbo-Objeto (SVO),

especialmente no caso das orações simples, nos períodos compostos contendo orações

subordinadas, em períodos em que há advérbios, verbos modais e auxiliares. As

construções SVO em LIBRAS são sempre consideradas gramaticais, o que não ocorre

sempre com os outros tipos de ordenação. No exemplo que apresentamos a seguir, o verbo

‘gostar’ prescinde de marcas de concordância. Por isso, os sinais não-manuais, como

direção do olhar voltado para o referente e o movimento de corpo, não são obrigatórios.

7 Consideramos o termo ‘referente’ mais adequado para a idéia que as autoras pretendem expressar.

69

_________________________________________________________________________FIGURA 11 - Exemplo de uma sentença na ordem SVO na LIBRAS. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 139).

Segundo Quadros; Karnopp (2004, p. 140), as ordens OSV e SOV acontecem

segundo algumas restrições. Essas ordens “ocorrem somente quando há alguma coisa a

mais na sentença, como as concordâncias e as marcas não-manuais”. Os marcadores não-

manuais de concordância (direção do olhar, movimento do corpo) co-ocorrem com a

sentença quando a concordância é sinalizada manualmente e é opcional nas construções em

que não há marcação manual de concordância. Segundo Quadros (1999), a concordância

associada à marcação não-manual é importante para determinar mudanças na ordem básica

das sentenças em LIBRAS. Segundo essa autora, parece que a marca não-manual torna a

frase mais carregada, e isso força mudanças na ordem, o que gera as estruturas diferentes

(OSV; SOV).

Tv el@ assiste _________________________________________________________________________ FIGURA 12 - Exemplo de uma sentença na ordem OSV na LIBRAS. Nota-se a inclusão da direção do olhar e do movimento do corpo, já que o verbo ‘assistir’ é um verbo direcional ou de concordância. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 139).

70

Apesar de ocorrerem construções do tipo SOV e OSV associadas a marcas não-

manuais, Quadros; Karnopp (2004) afirmam que, se houver uma estrutura complexa, uma

oração subordinada, na posição de objeto, não será possível mudar o objeto de ordem. Essa

é mais uma restrição para a existência da ordem indireta, o que, segundo as autoras, pode

indicar que a ordem direta (SVO) é a ordem mais regular na LIBRAS.

_________________________________________________________________________FIGURA 13 - Exemplo de uma estrutura complexa na ordem SVO na LIBRAS. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 142).

Quadros; Karnopp (2004, p. 143) informam, ainda, que “os advérbios temporais

e de freqüência não podem interromper uma relação entre o verbo e o objeto”. Isso seria,

segundo as autoras, mais um argumento para conceber a ordem SVO como básica na

LIBRAS.

Embora Quadros; Karnopp (2004) sustentem a hipótese de que a ordem SVO

provavelmente é a mais comum na LIBRAS, no uso cotidiano, percebemos alta freqüência

de sentenças nas ordens indiretas. O fato é que, no dia-a-dia, os usuários da LIBRAS

71

produzem sentenças em que não só há inversão na ordem dos sintagmas como um todo,

mas, freqüentemente, inversões de termos no interior de certos sintagmas. Uma sentença

como: “Eu gosto da relação do professor com os surdos”, pode ser sinalizada em LIBRAS,

entre outras formas, da seguinte maneira: GOSTAR SURD@S RELAÇÃO

PROFESSOR@. Quando existe a necessidade de intensificação de um adjetivo, ou de um

advérbio, também é freqüente a inversão de termos, com a repetição da palavra a ser

intensificada, repetição que substitui o uso do advérbio de intensidade, numa sentença

como: “Bebi um refrigerante muito gelado”, que pode ser sinalizado na seguinte ordem:

GELAD@ GELAD@ REFRIGERANTE BEBER.

Segundo Quadros; Karnopp (2004), uma explicação para a aparente flexibilidade

da ordem da frase na LIBRAS está relacionada, ao mecanismo gramatical da topicalização.

O tópico é o tema do enunciado, que é posicionado no início da sentença a fim de ser

enfatizado. Na LIBRAS, o tópico está associado a marcas não-manuais.

_________________________________________________________________________FIGURA 14 – Sentença em ordem indireta decorrente do fenômeno da topicalização. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 148).

Um outro fenômeno que pode provocar alteração da ordem direta de uma

sentença em LIBRAS é o que se denomina foco. As construções com foco apresentam

constituintes duplicados dentro da mesma oração. O foco é gerado quando há uma

72

informação em que há mais ênfase no movimento, o que equivale ao aumento da

entonação da voz nas línguas oral-auditivas.

_________________________________________________________________________FIGURA 15 – Exemplo de sentença com foco. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 152).

Segundo Quadros; Karnopp (2004), esse fenômeno possibilita a criação de

estruturas derivadas em que a primeira ocorrência de uma palavra em foco — no caso do

exemplo dado, o verbo ‘perder’ — pode ser apagada. A ordem da oração SOV, nesse caso,

seria derivada da ordem original S(V)OV. Ou seja, a ordem SOV em LIBRAS pode ser

uma conseqüência de estruturas de foco.

73

___________________________________________________________________ FIGURA 16 – Exemplo de sentença com foco. In: Quadros; Karnopp (2004, p. 153).

Existem muitos outros aspectos relacionados ao sistema da LIBRAS e ao seu

modo de funcionamento já publicados que devem ser conhecidos pelos interessados nessa

língua e na educação de surdos. Entretanto, Quadros; Karnopp (2004) informam que ainda

há muito o que compreender sobre a organização sistêmica e o funcionamento da LIBRAS,

especialmente porque, sendo uma língua, não é estática e está em constante processo de

modificação. Como já informamos, neste capítulo, expusemos apenas os aspectos

pertinentes à nossa análise, uma vez que não é objetivo deste trabalho o estudo

aprofundado da língua de sinais.

74

CAPÍTULO 3

PRINCÍPIOS GERAIS DA TEXTUALIDADE

Inúmeros estudos feitos pelos pesquisadores da área da Lingüística em diversas

partes do mundo, ao longo do século XX, possibilitaram a ampliação do conceito de

linguagem e mais particularmente de língua, compreendida como forma de ação, por meio

da qual um indivíduo pode interferir na realidade social, através da interação com os

demais indivíduos. Para a compreensão das formas de realização da linguagem, entretanto,

não se pode desconsiderar o fato de que cada grupo humano dispõe de uma língua que

pode ser definida — lato sensu — como um sistema abstrato, constituído por signos

arbitrários e convencionais — as palavras, nas línguas oral-auditivas, e os sinais, nas

línguas gesto-visuais — que são combinados pelos indivíduos, obedecendo a padrões

específicos de organização. Mas esse sistema abstrato só funciona na relação de um eu

para um tu, no processo da enunciação, que dá à língua a propriedade de ser, como afirmou

Bakhtin (2004), eminentemente dialógica, o que corrobora a supracitada concepção de

língua como forma de ação.

Para esse autor, a “enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social,

é a unidade base da língua, já que cada locutor tem um ‘horizonte social’. Há sempre um

interlocutor, ao menos em potencial” (2004, p. 16). Ao participarem de um evento

enunciativo, as pessoas organizam os elementos constituintes da língua de acordo com

padrões lingüístico-formais relativamente estáveis, socialmente consolidados — os

gêneros textuais.

A vontade discursiva do falante se realiza antes de tudo na escolha de um certo gênero de discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta de comunicação discursiva, pela composição pessoal dos seus participantes, etc. [...] Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo. (Grifos do autor) (BAKHTIN, 2003, p. 282)

Essas palavras de Bakhtin levam-nos a entender que todas as ações da vida diária

75

que envolvem o uso da linguagem — os atos de enunciação — se concretizam no que

denominamos gêneros textuais, que, segundo Marcuschi (2002, p. 23), “são realizações

lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas”, que organizam

nossa vida diária. Assim, por outras palavras, para interferir nos fenômenos constitutivos

da vida social, produzimos atos de linguagem, que se explicitam por meio das modalidades

oral-auditiva, gráfico-visual ou gesto-visual de uma língua. Cada ato enunciativo envolve,

pois, um texto, que pode ser definido, ainda, como uma macroestrutura semântica,

produzida para estabelecer a interação entre os indivíduos, em determinadas situações. O

texto é uma atividade sociointeracional, cujo sentido é construído através da relação entre

seu produtor, o próprio texto e seu leitor/observador/ouvinte8, indivíduos sócio-

historicamente situados, que estão, no momento da produção textual, envolvidos numa

atividade cognitiva centrada.

Halliday; Hasan (1976) consideram texto qualquer unidade da língua em uso, de

qualquer extensão (daí podermos considerar textos inclusive os enunciados

monolexemáticos, constituídos por apenas uma palavra), falada, escrita ou sinalizada,

produzida com um objetivo interacional definido em determinado contexto sócio-histórico.

A constituição de um texto envolve uma série de processos de textualização, que consiste

em passar da globalidade do sentido à linearidade da seqüência discursiva. Entretanto, para

que um texto seja reconhecido como tal, é necessário que, sob a linearidade, a globalidade

persista. Como são processos que possibilitam a existência da textualidade, esta resulta de

relações dinâmicas, estabelecidas em função de uma complexa rede de elementos

constitutivos de determinado ato de enunciação, da qual fazem parte os interactantes e

todas as demais condições de produção do texto. A fim de imprimir à determinada

configuração lingüística a textualidade, ou seja, para produzir uma macroestrutura

semântica reconhecível como tal e que cumpra adequadamente o objetivo interacional

pretendido, um produtor organiza os elementos que integrarão a superfície lingüística do

texto, os quais constituirão um conjunto de instruções textuais explícitas que guiarão o

leitor/observador/ouvinte à construção de seu sentido global. A constituição desse

conjunto de instruções é feita pelo produtor levando-se em consideração não apenas o

interlocutor, mas também todos os elementos integrantes do contexto situacional em que o 8 Incluímos o termo ‘observador’ e, assim, configuramos a tríade ‘leitor/observador/ouvinte’, a fim de aludir, mais adequadamente, aos interlocutores surdos usuários de uma língua de sinais. Pelo mesmo motivo, aparecerá, ao longo desta tese, termo ‘sinalizado’, para fazer referência à modalidade de explicitação das línguas usadas por surdos.

76

texto é produzido, que determinarão o registro mais ou menos formal, a quantidade de

informações, a seleção vocabular, a natureza mais ou menos complexa das estruturas

sintáticas constitutivas da trama textual, entre outros aspectos. Segundo Antunes (1996, p.

32), a organização superficial de um texto “deve orientar-se de modo a instaurar e

assinalar seu caráter de continuidade”, mas também, garantir a progressão.

Ou seja, se na continuidade da seqüência do texto, num jogo de reocorrências e retomadas, algo mantém-se, prevalece, sustenta-se, como na integridade de um fio, algo, também, deve ir, como num programa de afluências, somando-se, acrescentando-se, ampliando-se, progredindo. (Grifos da autora).

Os falantes de uma comunidade lingüística conhecem e reconhecem os esquemas

de organização dos textos. Como afirma Bakhtin, todo falante sempre escolhe “uma forma

padrão relativamente estável” para dar corpo aos seus enunciados. Esses esquemas de

organização dos textos são denominados por Van Dijk (1989, p. 142) de superestruturas

ou hiperestruturas. As superestruturas são espécies de esquemas abstratos que estabelecem

a organização global dos textos e que se compõem de uma série de categorias, cujas

possibilidades de combinação se baseiam em regras convencionais. Segundo Van Dijk

(1989, p. 154), a superestrutura de um texto narrativo, por exemplo, se caracteriza pela

apresentação de ações de personagens, de maneira que as descrições das circunstâncias,

objetos e acontecimentos estejam claramente subordinadas. Essa característica gera

estruturas lingüísticas recorrentes, reconhecíveis pelos falantes de uma língua. Num conto

infantil, por exemplo, são comuns estruturas iniciais como “Era uma vez...”, ou “Certo

dia...”; para marcar a continuidade dos fatos apresentados no corpo do texto, aparecem

expressões que indicam a passagem do tempo no mundo textual como “Enquanto isso...”,

“Depois...”; e para encerrar a seqüência de fatos que constituem a narração, pode aparecer

a expressão “E foram felizes para sempre.”

Além de determinar a natureza formal e a ordem de aparecimento das informações

na superfície de um texto, as superestruturas impõem certas limitações ao seu conteúdo

semântico, ou seja, circunscrevem o que seriam informações adequadas na composição de

uma macroestrutura semântica, que, segundo o autor, é o sentido global de um texto. Van

Dijk (1989, p. 152) explica que a macroestrutura é equivalente ao tópico de um texto. Para

77

Charolles (2002, p. 48), a macroestrutura é equivalente a uma proposição ou a uma

seqüência de proposições de superfície obtida(s) depois de realizado um certo número de

“regras de redução” sobre o conjunto de frases que compõem um texto. Dependendo da

extensão do texto, o tópico se constrói por meio de um conjunto de segmentos textuais —

os subtópicos — que abarcam diferentes aspectos semânticos desse tópico, cuja

articulação permite ao leitor, ao ouvinte ou ao observador o acesso ao sentido global do

texto. Em outro nível de análise, há que se considerar alguns princípios da constituição

dos textos, isto é, de fatores que propiciam a existência da textualidade.

No estudo pioneiro, em que discorreram sobre os princípios da textualidade,

Beaugrande; Dressler (1997) apresentaram sete fatores: os dois primeiros, segundo eles,

“centrados no texto”, a saber, coesão (princípio relativo a todas as formas lingüísticas de

interligação entre as diferentes partes de um texto) e coerência (princípio relativo aos

aspectos conceituais, que viabilizam o caráter da interpretabilidade do texto), e os outros

cinco fatores, quais sejam, intencionalidade (princípio vinculado à intenção que o

produtor do texto tem de construir um texto inteligível, interpretável), aceitabilidade

(princípio ligado à disposição do ouvinte/observador/leitor de aceitar um texto como

interpretável), situacionalidade (princípio vinculado ao grau de adequação de um texto

aos contextos situacionais em que deve circular), intertextualidade (princípio que traz à

tona o fato de que todo texto abarca, em certo grau, outros textos) e a informatividade

(esse princípio indica o grau de novidade, ou de imprevisibilidade que determinado texto

apresenta em relação ao seu conteúdo informacional).

Koch (2004, p. 43) apresenta algumas restrições à lista de fatores formulada por

Beaugrande; Dressler, esclarecendo, primeiramente, que:

dentro de uma perspectiva pragmático-cognitiva, não faz sentido a divisão entre fatores “centrados no texto” e “centrados no usuário”, já que todos eles estão centrados simultaneamente no texto e em seus usuários. Mesmo o uso (ou não) dos recursos coesivos e a sua seleção são determinados, essencialmente, por fatores de ordem pragmático-cognitiva.

A mesma autora afirma ainda que a lista de fatores não é, de forma alguma,

exaustiva. Além disso, segundo Koch, a coerência não é apenas um critério da

78

textualidade, nem está centrada no texto, uma vez que “constitui o resultado da confluência

de todos os demais fatores, aliados a mecanismos e processos de ordem cognitiva”. Para a

autora, a coerência resulta de uma construção dos usuários do texto, numa dada situação

comunicativa, para a qual contribuem não só os demais fatores formulados por

Beaugrande; Dressler, 1997), como também os fatores de contextualização, consistência

e relevância, focalização e conhecimento partilhado.

Reconhecemos a relevância dos papéis desempenhados por todos os fatores acima

mencionados para o estabelecimento da textualidade e, em especial, para o reconhecimento

por parte dos usuários da língua de uma determinada configuração lingüística como sendo

um texto. Entretanto, sabendo que todo texto é um sistema cuja estabilidade depende dos

elementos lingüísticos que o constituem e que obedecem a determinados padrões

organizacionais (BEAUGRADE; DRESSLER, 1997, p. 89), entendemos que, entre os

princípios da textualidade, a coesão ganha relevo em estudos como o presente, cujo foco é

a organização da superfície textual de textos escritos por surdos, uma vez que os

mecanismos coesivos são responsáveis pela articulação dos elementos lingüísticos que se

assentam na superfície dos textos que se organizam por mais de um lexema e pela

linearização da seqüência discursiva, a qual possibilita a percepção da coerência. Como

informa Charolles (2002, p. 49),

os constituintes frásticos, seqüenciais e textuais figuram sob forma de uma cadeia de representações semânticas ordenadas de tal maneira que sejam manifestadas suas relações conectivas. As regras de coerência agem sobre a constituição dessa cadeia, sendo que as restrições que elas estipulam incidem, portanto, sobre traços (lógico) semânticos, isto é, afinal de contas, lingüísticos.

Por esse motivo, são principalmente os traços lingüísticos dos textos de nosso

corpus que serão o objeto de nossa análise. Especificamente os modos em que estes se

organizam na superfície dos textos escritos por surdos, que apresentam um sistema coesivo

peculiar.

79

CAPÍTULO 4

OUTROS ASPECTOS TEÓRICOS E ANÁLISE DO CORPUS

4.1 Sobre a superestrutura dos textos

Entendemos que é imprescindível que se vá além dos aspectos estritamente

lingüísticos, se queremos entender o modo de organização de textos escritos por surdos,

porque, parafraseando Antunes (1996), esses aspectos são, apenas, a porta de entrada para

o universo conceitual do texto. A nosso ver, aspectos de ordem enunciativa podem nos

ajudar a elucidar alguns enigmas que guardam as superfícies de textos escritos por surdos,

já que o produtor do texto sempre terá como base para a escrita as condições em que se dá

o ato enunciativo.

Os aspectos enunciativos envolvem todos os elementos integrantes da atividade de

linguagem, que constituem, em primeira instância, as condições necessárias à existência de

um texto, e, em segunda instância, alguns elementos da configuração lingüística criada

para a interação verbal. Assim, aquilo que se tem a dizer, as motivações que impelem os

indivíduos a dizerem aquilo que têm a dizer, os próprios indivíduos — os

interlocutores — envolvidos no ato enunciativo, os contextos de produção e de

circulação do texto, as estratégias adotadas para a edificação de determinada

configuração lingüística constituem o conjunto das condições para a existência do

material lingüístico que, elemento vivo, se consolida como atividade sociointeracional.

Todos esses elementos, que exercem duplo papel na dinâmica textual, são, as mais das

vezes, lingüisticamente perceptíveis.

Assumindo, pois, como base principal para o estudo que ora empreendemos a

concepção sociointeracionista da língua, consideramos o texto, tal como postulam Koch;

Elias (2006, p. 10-11), “o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores”,

que são sujeitos ativos que se constroem e são construídos dialogicamente (BAKHTIN,

2003) no texto, entendemos que o texto é uma forma de atividade cooperativa, em que dois

ou mais sujeitos agem conjuntamente para a produção de um sentido.

Em nenhum tipo de análise, se devem desconsiderar os aspectos enunciativos e,

especialmente na análise que ora empreendemos, esses aspectos são importantes, porque

80

são em grande medida determinados por especificidades dos contextos situacionais em que

ocorrem os atos de linguagem. Como os surdos têm um modo particular de expressão, da

mesma maneira que a fala influencia a escrita de textos por parte de ouvintes e

considerando que muitos surdos optam por conviverem com outros surdos em ambientes

que propiciam um modo peculiar de interação face a face, entendemos ser natural que haja

também influência de seu modo de expressão em suas produções escritas.

Muitos surdos, principalmente a partir da adolescência, preferem freqüentar locais

em que possam conviver principalmente com outros surdos (escolas para surdos, clubes,

associações, igrejas, por exemplo), por sentirem necessidade de conviverem com pessoas

com quem possam interagir por meio de sua forma natural de expressão. Esses ambientes

possibilitam o surgimento de visões de mundo muito especiais, assim como o

delineamento de certas formas de interação pelas quais eles reconhecem sua identidade.

Perlin (1998), Felipe (2001), Santos (2002), Salles; Faulstich; Carvalho; Ramos (2004)

denominam de cultura surda esse conjunto de visões de mundo e de formas de interação

socialmente consolidadas nos contextos situacionais em que os surdos interagem entre si.

Como afirma Souza:

Em contato uns com os outros, sedimentando experiências de vida comum, refletindo e elaborando os fatos com sua linguagem, [os surdos] teriam constituído referências, o que levou à germinação de uma cultura singular, ainda que afetada pela cultura majoritária de diferentes modos. (1998, p. 106)

Não é nosso objetivo discutir a adequação do termo ‘cultura’ para fazer referência a

esses fenômenos a que aludem os autores acima citados, embora consideremos que seria

mais adequado falar em ‘identidade surda’, ao invés de ‘cultura surda’, visto que os surdos

estão inseridos na cultura dos locais em que nasceram e em que vivem, compartilhando

muitos hábitos e crenças com a maioria de ouvintes. Mas não podemos ignorar certos

hábitos desses indivíduos, nem os traços específicos de seu modo de interação, que são

facilmente observáveis e compreensíveis, já que a condição instaurada pela surdez,

proveniente do modo como experienciam e tratam a realidade, norteados sobretudo por

vivências visuais, aguça certos modos de percepção da realidade em detrimento de outros.

Como já dissemos, muitos procuram preferencialmente a companhia de outros

surdos e tendem a viver em ambientes próprios, que lhes dão mais segurança e que

81

reforçam sua identidade. Nesses ambientes, fluem não só a forma de linguagem diferente

daquela usada pelos ouvintes, mas, também, modos específicos de interação, que é a forma

de expressão que a surdez deflagra. Como afirma Beaugrande (1997, p. 16), as pessoas

usam e compartilham da linguagem tão bem porque ela é um “sistema que interage

continuamente com o conhecimento compartilhado das pessoas sobre o seu mundo e sua

sociedade”. Por isso, alguns modos interacionais dos surdos, próprios do universo

instaurado pela surdez, que os ouvintes desconhecem, são, as mais das vezes, vetores do

distanciamento entre surdos e ouvintes, que experienciam muito da realidade existencial de

modo distinto. Como afirma Perlin (1998, p. 56), “ser Surdo é pertencer a um mundo de

experiência visual e não auditiva”. Essas considerações de Beaugrande e Perlin nos levam

a entender os motivos que fazem um surdo sentir-se mais à vontade na companhia de outro

surdo, até mesmo quando este é usuário de uma língua diferente da dele.

Como já informamos na introdução desta tese, existem algumas visões de mundo

particulares deflagradas pela condição do indivíduo surdo, que são compreensíveis. Por

exemplo, é muito comum encontrarmos pessoas surdas que gostam de falar sobre sua

condição de não-ouvinte. Ao contrário do que se pode pensar, em função da necessidade de

se colocarem socialmente como cidadãos que lutam por seus direitos, principalmente os

surdos adultos sentem-se à vontade em tratar de questões relativas ao seu modo de

expressão e às formas como os ouvintes podem interagir adequadamente com eles. Afora

isso, muitos surdos verbalizaram, em conversas informais, que têm dificuldade de confiar

nas pessoas em geral, pois temem que algumas não sejam sinceras em suas intenções, já

que, num grupo em que haja ouvintes e surdos conversando, os ouvintes podem omitir

facilmente uma informação daqueles que são desprovidos de audição; evitam se aproximar

de pessoas que apresentam uma fisionomia “fechada”, uma vez que, na língua deles, como

as expressões fisionômicas são signos, cenho franzido pode significar falta de disposição

para conversa. Além disso, expressam que preferem solidificar suas relações sociais com

outros surdos e com ouvintes que acolham seu modo natural de expressão.

Em nossas vivências com surdos, observamos, também, aspectos interacionais

comuns a várias pessoas desprovidas de audição. Por exemplo, têm o hábito de tocar nas

pessoas, no braço ou no ante-braço, para chamar-lhes a atenção quando querem interagir

com elas. E vêem com mais naturalidade que os ouvintes o fato de serem tocados pelo

mesmo motivo. Também, ao contrário dos ouvintes, os surdos podem conversar em

ambientes em que há muito barulho, ou enquanto comem. Em função disso, por vezes,

82

sentem-se à vontade em entabular uma conversa em ambientes com muitos ruídos e em

momentos de refeição, o que pode parecer pouco confortável a um ouvinte; já não podem

conversar em ambientes escuros. Tendem a ser mais objetivos que os ouvintes, quando

querem expor suas opiniões, fato que pode ser interpretado por algumas pessoas ouvintes

como falta de polidez. Além disso, é notório que os surdos tendem a ser mais ágeis que os

ouvintes em trabalhos que exigem concentração9, já que a maioria dos ruídos dos

ambientes não lhes chamam a atenção. Parece-nos natural, por isso, que, por escrito,

evidenciem igualmente modos peculiares de interação.

Entre os aspectos enunciativos, optamos por analisar aqueles ligados à organização

superestrutural dos textos, isto é, as estratégias usadas pelos autores para a edificação dos

textos, pois essas estratégias são motivadas por todas as demais condições para a produção

de um texto.

A partir da definição de Van Dijk (1989), entendemos que a superestrutura de um

gênero textual abarca os aspectos de sua organização formal externa, ou seja, “as

características que formam parte do aspecto exterior do texto, a imagem com que aparece

no que se poderia chamar de portador do texto” (VAN DIJK, 1989, p. 168) — a presença

(ou não) de um título, a divisão do texto em parágrafos ou em estrofes, a explicitação do

nome do local e da data em que o texto foi escrito, assinatura do autor etc, a depender da

natureza do gênero. Mas também as superestruturas envolvem tanto o modo de

organização formal interno dos textos, que diz respeito às seqüências tipológicas

predominantes em sua superfície, quanto o esquema de ordenação e seqüenciação do

conteúdo semântico. Esses elementos são selecionados pelo autor de um texto, com base

no contexto situacional de produção e circulação, em que são considerados os papéis

sociais dos interlocutores, o que, por um lado, determina a forma de registro (mais ou

menos formal), o vocabulário a ser usado e, por outro lado, restringe as informações a

serem apresentadas.

As seqüências tipológicas estão ligadas à natureza lingüística da composição de um

texto e também são denominadas tipos textuais. Marcuschi (2002, p. 22) explica que um

tipo textual é “uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua

composição. São seis os tipos textuais em que se podem planificar as superfícies textuais: 9Algumas empresas brasileiras, movidas pela lei nº 7.853, de 1989, segundo a qual, empresas com mais de mil funcionários devem apresentar obrigatoriamente em seu organograma entre 2% e 5% de deficientes físicos ou mentais, têm priorizado a contratação de surdos para a execução de tarefas, tais como a digitação de documentos, ou para trabalhar em linhas de produção. Em Pernambuco, na cidade de Igarassu, uma filial da UNILEVER emprega surdos na produção de sabão em pó e em barra.

83

expositivo, descritivo, narrativo, dissertativo, argumentativo, ou injuntivo, sobre os quais

apresentaremos algumas especificidades básicas.

O tipo expositivo caracteriza-se pela apresentação de fatos, fenômenos, dados ou

acontecimentos que não estão necessariamente subordinados uns aos outros, ou seja, um

não dá, em geral, origem ao outro. O objetivo de uma exposição é, pois, meramente

informativo. As seqüências expositivas apresentam-se, em geral, por meio de enunciados

assertivos, com verbos (estativos ou dinâmicos) flexionados geralmente no presente do

indicativo. Quanto ao tipo descritivo, tem como principal objetivo a criação de imagens

por meio da ação verbal. Por esse motivo, verbos estativos, em geral, flexionados no

presente, e adjetivos predominam nesse tipo textual. O objetivo de uma descrição é colocar

em relevo atributos do referente, ou circunstâncias em que este esteja envolvido, a fim de

que o interlocutor do texto visualize uma imagem. Já a seqüência tipológica narrativa

apresenta fatos ou acontecimentos implicados, ou seja, necessariamente subordinados uns

aos outros, que se sucedem em determinado intervalo de tempo e em determinado lugar.

Os verbos dinâmicos predominam nas seqüências narrativas, assim como os conectores

marcadores de tempo, que organizam a seqüenciação dos fatos.

Quanto aos tipos textuais argumentativo e dissertativo, o objetivo é a expressão da

opinião do autor sobre um determinado fato, fenômeno ou acontecimento. Na

argumentação, o autor lança mão de estratégias de persuasão, que visam convencer o

interlocutor de que a opinião apresentada é válida. Já no tipo textual dissertativo, o autor

limita-se a expressar seu parecer acerca do tema apresentado. Não há a preocupação em

provar que sua opinião é válida. Quanto à seqüência tipológica injuntiva, o objetivo

principal é a apresentação de comandos. Por meio da injunção, o autor visa orientar

práticas de ações por parte do interlocutor. É freqüente, nesse tipo textual, o predomínio de

verbos dinâmicos, flexionados no modo imperativo ou no infinitivo impessoal.

É importante salientar que um mesmo texto pode apresentar diferentes seqüências

tipológicas, ou seja, as mais das vezes, num mesmo gênero textual, combina-se mais de um

tipo textual. A predominância de uma seqüência tipológica está vinculada aos objetivos

interacionais a que se presta o texto. Por isso, no artigo de opinião, por exemplo, o autor

pode-se valer de seqüências narrativas, ou expositivas que servem de argumentos para

validar a opinião apresentada.

Dividimos esta parte da análise em duas seções. Na primeira, daremos ênfase a

dados relacionados à organização superestrutural externa dos textos, ressaltando apenas os

84

exemplares que têm especificidades quanto aos elementos constituintes dos blocos em que

se dividem os textos, a saber, textos 8, 11 e 15. Na segunda seção, descreveremos aspectos

da organização superestrutural interna de todos os exemplares do corpus, que dizem

respeito às seqüências tipológicas predominantes na estruturação da superfície textual.

Essa divisão tem o objetivo apenas de apresentar de modo mais definido as especificidades

dos aspectos superestruturais abordados, pois, nos dois blocos de análise, faremos alusão

às especificidades ligadas ao conteúdo semântico dos textos, à seqüenciação e

hierarquização dos subtópicos, que, evidentemente, estão imbricadas na forma de

apresentação da superfície textual e em algumas estratégias de coesão não-estrutural para a

manutenção da continuidade temática.

4.1.1 Aspectos da organização superestrutural dos textos do corpus

Nesta seção da análise, preocupamo-nos em verificar se os voluntários da pesquisa

organizaram os textos de modo a proceder à avaliação solicitada no texto de

motivação. Ou seja, interessa-nos verificar, aqui, aspectos ligados ao conhecimento

superestrutural dos voluntários da pesquisa, que, de acordo com Koch (2002 p. 49), é o

conhecimento sobre os gêneros textuais que:

permite reconhecer textos como exemplares adequados aos diversos eventos da vida social; envolve, também, conhecimentos sobre macrocategorias ou unidades globais que distinguem os vários tipos de textos, sobre sua ordenação ou seqüenciação, bem como sobre a conexão entre objetivos e estruturas textuais globais.

Van Dijk (1989) define superestrutura como um esquema abstrato que estabelece a

organização global de um texto e que se compõe de uma série de categorias, cujas

possibilidades de combinação se baseiam em regras convencionais. O conhecimento de

uma superestrutura possibilita a produção de um texto reconhecível pelos usuários de uma

língua como adequado a determinado contexto de interlocução, pois propicia o

estabelecimento de critérios definidos socialmente, as mais das vezes, de modo tácito,

tanto para a seleção das informações, quanto para o modo como essas informações devem

ser explicitadas na superfície textual. Esses critérios dizem respeito aos blocos formais

85

constituintes de um texto (título, local e data, estrofes ou parágrafos etc), às seqüências

tipológicas predominantes (expositiva, descritiva, narrativa, dissertativa/argumentativa ou

injuntiva) e ao vocabulário mais ou menos formal, a fim de que o texto seja

funcionalmente adequado à situação comunicativa. Ou seja, as superestruturas impõem

certas limitações ao modo de organização formal de um gênero textual, assim como ao

conteúdo semântico (tópico global e subtópicos) apresentado e à forma de registro.

A fim de manter o sigilo quanto à autoria dos textos constituintes do corpus, assim

como das instituições superiores de ensino (de agora em diante, IES) em que os voluntários

da pesquisa estudavam na época da coleta dos dados, digitamos os textos escritos pelos

voluntários (cf. originais na seção anexos) e substituímos os nomes dos autores e das IES

pela indicação do referente entre chaves.

O gênero solicitado para a produção é o depoimento avaliativo, com organização

superestrutural semelhante à de uma carta-resposta, que tem um único interlocutor-alvo.

Esse gênero é comumente produzido por alunos no contexto acadêmico e dirigido a um

coordenador de curso, com o objetivo de avaliar a instituição. A motivação para a

produção desses textos foi um pedido de avaliação feito por escrito por um suposto

coordenador de um curso de graduação para os alunos surdos, para que estes expressassem

seu grau de satisfação acerca da assistência recebida por eles por parte da instituição

superior de ensino em que estudavam na época.

Nossa expectativa era que cada voluntário produzisse um texto que tivesse a

organização superestrutural global de um gênero que serve de resposta a um anterior,

sendo dirigido ao autor do texto de motivação, com marcas lingüísticas do tipo de

interlocução direta, por meio do uso de vocativos, comuns a textos epistolares.

Esperávamos que, quanto à organização semântico-tipológica, fossem predominantemente

expositivo-dissertativos, tendo como tópico global as impressões dos autores acerca do

modo como são assistidos na faculdade, assim como a opinião deles sobre a IES e

possíveis reivindicações para a melhoria da qualidade do atendimento dado ao aluno. Além

disso, esperávamos que os textos fossem segmentados em parágrafos, em número mais ou

menos equivalente à quantidade de subtópicos abordados e que apresentassem uma forma

de registro mais formal, perceptível, principalmente, pela seleção vocabular e pelas formas

de tratamento utilizadas para fazer referência ao interlocutor. Esperávamos, ainda,

especialmente tendo em vista o fato de serem adultos universitários, que os subtópicos

fossem encadeados seguindo algum critério de hierarquização. Outro ponto relevante desta

86

seção de análise diz respeito à nossa expectativa de que os autores dos textos atendessem à

proposta do texto de motivação, que objetivou levar os voluntários da pesquisa à avaliação

da IES em foco.

4.1.1.1 Aspectos da organização formal externa

Todos os participantes da pesquisa procederam à avaliação da IES, solicitada no texto

de motivação. A maioria deles demonstra satisfação com a faculdade em que estudavam e

alguns reivindicam melhorias nas condições de atendimento aos surdos. Como pode ser

visto nos exemplares do corpus, a maioria dos participantes da pesquisa redigiram seus

textos segmentando-os em parágrafos, marcando o início de cada parágrafo por alínea e

construindo, na maioria dos casos, cada bloco paragráfico para um subtópico, ou para mais

de um subtópico inter-relacionados. Apenas os autores dos textos 13 e 15 organizaram seus

textos em um único bloco, como pode ser observado nos textos transcritos mais adiante. As

dificuldades de hierarquização de informações verificadas nos textos 2, 3, 12, 14 e 15,

assim como a pouca progressão observada nos textos 4 e 6 revelam pouca vivência com a

prática de produção de textos escritos, o que também ocorre em textos de autores ouvintes.

Um dado que nos chamou a atenção foi a opção dos autores dos textos 8 e 15 em

intitular seus textos. Provavelmente, esta ação foi influenciada pela experiência de

aprendizado de escrita que vivenciaram ao longo do Ensino Básico, em que, em geral,

prioritariamente se toma como objeto de ensino a redação escolar. Tal como ocorre com

ouvintes, a prática de ensino de escrita no Ensino Básico, a qual, em muitos contextos,

ainda se restringe ao ensino de gêneros escolarizados (também denominados endógenos ou

autofágicos) que, segundo Koch (2002, p. 59), foram criados para a escrita e para o ensino

da escrita no contexto escolar, não amplia as perspectivas de aprendizagem dos alunos, por

meio de ensino da leitura, análise e produção de diferentes gêneros que circulam na

sociedade. Por isso, essa prática pode levar os indivíduos a reproduzirem os aspectos

superestruturais das redações escolares em gêneros de outros domínios discursivos, que

não a escola. Isso, evidentemente, também não pode ser considerada uma dificuldade

exclusiva dos surdos — já que a prática pedagógica que privilegia o ensino da escrita de

gêneros escolarizados se estende, ainda, a quase todos os estudantes brasileiros — mas

revela certa dificuldade dos autores desses textos quanto à distinção de superestruturas

87

recorrentes, um conhecimento que especialmente em função da sua faixa etária já deveria

estar consolidado.

Quanto ao texto 8, (escrito por um surdo oralizado usuário de LIBRAS há 15

(quinze) anos, na época da coleta) achamos importante comentar ainda a combinação

incomum da atribuição do título, próprio das redações escolares, a um aspecto dos gêneros

epistolares, presente no texto de motivação: a assinatura. Embora o uso da assinatura possa

revelar a intenção de dar resposta direta ao pedido de avaliação feito por meio do texto da

suposta coordenadora, o modo de apresentação do conteúdo semântico é semelhante às

redações escolares com trama predominantemente expositiva. Em nenhum ponto do texto,

há referência direta ao suposto interlocutor, o que destoa do uso da assinatura.

Salientamos a adequação da avaliação da IES feita pelos autores dos textos 8 e 15,

cujos textos alcançaram o objetivo pretendido.

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de

Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz

o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a

tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao

trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe libra

falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na sala

disciplina aprende dificuldade a professor(a) necessaria interprete explicar entende claro.

Outro texto do corpus que nos chamou à atenção quanto ao modo de organização

formal externo foi o texto 11, transcrito a seguir. O autor (surdo oralizado e usuário de

88

LIBRAS há 16 anos, na época da coleta dos dados) optou pelo uso de outros mecanismos,

além do estritamente lingüístico, para a explicitação das informações em seu texto, ou seja,

recorreu, em certo grau, ao recurso da multimodalidade, que, de acordo com Marcuschi

(2005, p. 3), é “a confluência de diferentes modos de letramento num único texto”. Além

da organização do texto por meio de parágrafos enumerativos, próprios de textos

esquemáticos, o autor utilizou uma seta, outro recurso gráfico próprio de esquemas, para

indicar os subtópicos que constituem o desdobramento do tópico global (uma reivindicação

feita à faculdade: “Curso de Formação para Intérprete”). Essa opção de organização textual

pode indicar uma vivência mais significativa de práticas de letramento por parte do autor

do texto. Apesar disso, o fato de o autor ter construído estruturalmente três subtópicos

“Atualização”; “continuada”; “Interpretação na área de educação”, que revelam, por seu

conteúdo informacional ser, na verdade, apenas dois: “Atualização continuada” e

“Interpretação na área de educação”, denota certa dificuldade com a estruturação sintática

das sentenças.

Essa dificuldade, porém, não impede que se possa atribuir sentido ao que é dito

pelo autor. Está clara a intenção principal de reivindicar a melhoria da qualidade da

assistência dada pela IES aos alunos surdos, que, de acordo com o autor, poderá ocorrer

por meio de um curso de formação para intérprete e de mais investimento no funcionários

que são intérpretes de LIBRAS. Além disso, o autor expressa sua satisfação em relação ao

atendimento, à coordenação do curso e à direção da faculdade.

TEXTO 11

Nos demais textos constituintes do corpus, não há especificidades formais externas

a serem comentadas. Os aspectos verificados nos textos 8 e 15 destacados nessa seção de

análise não podem ser considerados especificidades de textos escritos por surdos, como já

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interprete de

LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo estou satisfeito bem colaboração do nosso

estudo.

89

afirmamos, mas revelam que, provavelmente, os professores desses indivíduos durante o

ensino básico não conseguiram viabilizar a eles o conhecimento de uma representatividade

significativa da diversidade de gêneros textuais que circulam na sociedade. Em

contrapartida, a habilidade demonstrada pelo autor do texto 11 para o uso de outra forma

de apresentação textual, que indica que esse indivíduo pode ter tido a oportunidade de

vivenciar experiências pedagógicas mais significativas, mostra o quanto é importante o

investimento em atividades de ensino de língua que visem ampliar o conhecimento dos

alunos (surdos e ouvintes) acerca das diferentes práticas de letramento, em que se inclui o

conhecimento superestrutural dos gêneros que circulam na sociedade. Esse tipo de

conhecimento, construído de modo sistematizado no ambiente escolar, pode propiciar a

todos mais competência nos eventos comunicativos por meio dos quais podem atuar

socialmente.

4.1.1.2 Aspectos da organização formal interna

Quanto à organização interna, os textos constituintes do corpus podem ser divididos

em duas categorias: a) predominantemente narrativos (textos 1, 5 e 13) e b)

predominantemente expositivo-dissertativos (textos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15).

Os textos pertencentes à categoria ‘a’ se organizam principalmente em forma de relatos,

em que são apresentados, cronologicamente, alguns fatos claramente subordinados uns aos

outros (cf. Van Dijk, 1989, p. 154), que constituíram, na maioria deles, as vivências dos

voluntários na IES. É possível perceber nesses relatos o posicionamento dos autores dos

textos em relação a alguns aspectos das IES, ou seja, uma forma de avaliação indireta. Na

maioria das seqüências de natureza expositivo-argumentativa, destacadas em negrito nas

cópias dos exemplares apresentadas a seguir, os autores não procederam à avaliação da IES

de modo objetivo, mas expuseram fatos de que se podem depreender suas impressões

acerca das instituições de ensino a que estavam vinculados.

Dos três textos pertencentes a essa categoria, os textos 1 e 13 se assemelham quanto ao

modo de organização interna. Os dois textos apresentam relatos nos blocos iniciais e

seqüências expositivo-dissertativas nos blocos finais. O texto 1 se diferencia do texto 13 no

enunciado introdutório: “Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você”, em que o

autor (surdo oralizado usuário de LIBRAS há dezessete anos, na época da coleta)

90

manifesta explicitamente a intenção de dar resposta ao texto de motivação, por meio da

referência direta ao interlocutor. Nos dois parágrafos subseqüentes, inicia o relato acerca

de suas vivências iniciais na IES, em que os fatos apresentados estão cronologicamente

marcados pelo uso das seguintes expressões lingüísticas de indicação temporal: “Quando”,

“Primeiro dia”, “Depois segundo dia”, “Depois um ano”, que, nesse caso, são recursos de

coesão por conexão, que expressam “a ordem temporal que o enunciador percebeu para os

acontecimentos”. (cf. Antunes, 2005, p. 148).

Embora o enfoque desse bloco narrativo do texto 1 esteja ligado aos eventos

relacionados às suas primeiras experiências na faculdade e aos sentimentos do autor em

relação a tais eventos — já que discorre sobre a satisfação de ter ingressado na IES, sobre o

medo da relação com os professores e a dificuldade no relacionamento com os ouvintes —

o relato revela, de modo indireto, uma crítica à IES pelo fato de principalmente os

professores, à época do ingresso do autor na faculdade, não saberem se comunicar com os

surdos. Essa crítica é reforçada no trecho em que declara explicitamente sua satisfação pelo

fato de a coordenadora do curso saber LIBRAS, na linha 10: “Fiquei feliz que

coordenadora [NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe Libras, eu tinha alívio pois não

tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA]”.

Como pode ser observado na cópia do texto em análise dada abaixo, nos três

últimos parágrafos — predominantemente expositivo-dissertativos — o autor procede a

uma avaliação mais objetiva, demonstrando sua satisfação com o fato de algumas pessoas

que atuam na IES terem aprendido a língua de sinais e com o fato de os professores

aceitarem seu modo peculiar de escrita.

TEXTO 1

Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] fiquei feliz mesmo. Primeiro dia de

aula, começei que tinha medo a relação com professores, porque eu tenho dificuldades a

relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois segundo dia que eu

fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou claramente e também

tenho dificuldades a relação com ouvintes, pois eu tentei atenção com lábios o que ouvintes

estava falando. Depois um ano que minhas colegas, professores, alguns as pessoas

estudam na [NOME DA IES], sabem alguns libras.

Fiquei feliz que coordenadora [NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe Libras, eu tinha

alívio pois não tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Agradeço à Deus, alguns professores da [NOME DA IES] aceitaram que surdos

escreveram próprio de escrita a LIBRAS.

1

5

10

15

91

Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] e tenho conviver com colegas da [NOME

DA IES].

Salientamos a dificuldade do autor do texto 1, quanto ao modo de interpelação ao

interlocutor, nos trechos marcados em azul. Embora tenha se dirigido diretamente à

coordenadora, usando o pronome ‘você’ na primeira linha do texto, o autor retoma esse

referente, nas linhas 9 e 10, na terceira pessoa. Essa dificuldade está relacionada ao modo

particular da LIBRAS de trazer o interlocutor para o texto, que inclui os processos de

referenciação, que se dá, nas interações face a face, por meio de um mesmo sinal (a

apontação), equivalente, em alguns contextos, tanto aos referentes propriamente ditos,

como aos pronomes pessoais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, que poderiam substituir esses

referentes, sem distinção entre as categorias de pronomes retos e oblíquos.

A forma de tratamento ‘você’, usada para interpelar a interlocutora, que igualmente

aparece no texto 12, também revela influência da LIBRAS. Evidentemente, a depender do

grau de proximidade entre os interlocutores, esse é um uso possível, mesmo em contextos

formais. Entretanto, a expectativa em contextos de interlocução mais formal é do uso dos

pronomes ‘senhor’ e ‘senhora’, como é o caso da produção de um depoimento avaliativo

dirigida à coordenadora de um curso de graduação.

O fato de na LIBRAS não haver pronomes de tratamento para contextos mais formais

(senhor, senhora, Vossa Senhoria, Vossa Excelência...)10, pode ter influenciado os autores

dos textos 1 (usuário de LIBRAS há 17 anos, na época da coleta) e 12 (usuário de LIBRAS

há 27 anos, na época da coleta), ao uso do pronome ‘você’, o que contribui para a

construção de uma forma de registro menos formal. Esse modo de expressão, que pode ser

interpretado por alguns ouvintes como desrespeitoso, é, na verdade, um traço constitutivo

da língua dos surdos. A noção enunciativa do reconhecimento dos papéis sociais que, nos

contextos formais, como aquele em que foram escritos os textos do nosso corpus — uma

instituição superior de ensino — numa interlocução que envolve sujeitos alunos da

instituição e a coordenadora do curso a que esses alunos estão vinculados, obedece a uma

hierarquia institucionalmente atribuída e é, em geral, concretizada em textos escritos por

ouvintes por meio do uso dos pronomes formais de tratamento. O modo como o autor do

texto 1 demonstra essa noção enunciativa, entretanto, apareceu marcado no texto por meio

da referência ao cargo de coordenadora exercido pela interlocutora.

10 Esclarecemos que existem, na LIBRAS, os vocábulos ‘senhor’ e ‘senhora’, usados como substantivos.

92

O texto 13 também foi organizado predominantemente em forma de relato. Marcas

temporais características do relato aparecem desde o primeiro enunciado (“Em 2003 ”) e

permeiam boa parte da superfície do texto (“no mês de janeiro passado”, “O ano passado”,

“pela primeira vez”), funcionando como organizadores da seqüência temporal em que se

sucederam os fatos narrados. O autor (surdo oralizado usuário de LIBRAS há nove anos,

na época da coleta) optou por historiar o percurso que o levou até a faculdade e, apenas a

partir da metade do texto (linha 9), inicia a exposição de sua vivência inicial na IES: “Pela

primeira vez começar a minha aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um

interprete de [NOME DA PESSOA REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem

mas ele saiu cedo, porque ele está estudando no curso de Pedagogia 5ª [...]”. Nessa parte

do relato, nota-se a preocupação do autor com o fato de não ter havido um intérprete de

LIBRAS disponível para acompanhá-lo durante as aulas. Somente a partir da linha 14, por

meio de seqüências expositivo-dissertativas, o autor imprime um tom de avaliação objetiva

ao seu texto, quando expressa sua satisfação quanto à vivência na faculdade. “Gosto muito

aprendo muito bem todas as matérias, também gosta de professores aqui na [NOME DA

IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de Pedagogia. Agora gosto muito

de PORTUGUÊS Quero aprender bem.”. Observamos a dificuldade do autor na

manutenção da centração temática, uma vez que ele não se atém à análise da IES e discorre

sobre fatos anteriores ao seu ingresso na faculdade, em especial, no trecho que marcamos

em azul, cuja transcrição damos a seguir. Essa dificuldade de se ater ao tema central pode

indicar uma vivência pouco significativa com a atividade de produção de textos escritos,

em que a centração temática, uma exigência para o alcance do objetivo pretendido, é um

assunto recorrente no discurso de muitos professores de português do ensino básico.

Outra dificuldade identificada diz respeito ao uso de tempos verbais e a algumas

flexões inadequadas. Embora haja marcas temporais que indicam fatos ocorridos no

passado, predominam verbos flexionados no tempo presente. Além disso, a maior parte das

ações são narradas em terceira pessoa, mas, no trecho que marcamos em azul, o autor usou

os verbos ‘fazer’ e ‘ter’ flexionados na primeira pessoa do singular, criando uma seqüência

que parece uma forma de discurso indireto livre.

93

TEXTO 13

Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na

[NOME DA IES]. O Diretor da [NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI, eles

(surdos) que ficou muito felizes. Só alguns os surdos passam um aprovado no vestibular.

Meu amigo tentou comigo, mandar que eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME

DA IES], mas não posso vou fazer, por que tenho dois empregos do trabalho pela manhã na

Prefeitura e outro pela tarde e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA], não deu tempo. O

ano passado sai o emprego na Prefeitura. Vou pensar que vontade fazer a prova do

vestibular já aceitei um inscrição no mês de janeiro passado passei um aprovado. Pela

primeira vez começar a minha aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um

interprete de [NOME DA PESSOA REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem mas ele

saiu cedo, porque ele está estudando no curso de Pedagogia 5ª, ele [(NOME DA PESSOA

REFERIDA)] estava escondido que acha e tímido. Eu fica surpresa ele [(NOME DA PESSOA

REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim, fique muito feliz. Gosto muito

aprendo muito bem todas as matérias, também gosta de professores aqui na

[NOME DA IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de Pedagogia.

Agora gosto muito de PORTUGUÊS Quero aprender bem.

No texto 5, escrito por um surdo oralizado não-usuário de LIBRAS, o relato,

predominante ao longo da superfície textual, serve como moldura para a avaliação objetiva

a que o autor procede acerca da IES, pois as seqüências narrativas são intercaladas por

segmentos expositivo-dissertativos, em que o autor expressa seu ponto de vista em relação

a alguns aspectos da faculdade a que estava vinculado como aluno. Marcas de

seqüenciação temporal, características dos relatos, aparecem em pontos bem específicos do

texto 5, marcando blocos temporais em que ocorreram fatos que são imediatamente

comentados pelo autor: “No início do curso” (momento em que sentiu dificuldade de

compreender os professores); “Quando” (momentos em que, ao não compreender os

interlocutores, solicitava ajuda), “A cada ano” (período de permanência na IES, ao longo

do qual, conseguiu se adaptar bem à instituição).

Embora tenha optado pelo relato, o autor do texto 5 (surdo oralizado não-usuário de

LIBRAS) conseguiu produzir uma avaliação mais objetiva, expondo sua satisfação em

relação à instituição em que estudava, perceptível nos seguintes segmentos expositivo-

dissertativos: “O resultado foi positivo [...]”; “A comunicação com os funcionários foram o

suficiente para mim.”; “Os professores e coordenadores foram sempre atenciosos.”; “Foi

importante essa instituição superior porque era o ambiente estimulante e comunicativa.”

Chamamos à atenção para a perfeita construção sintática do comentário feito pelo autor

1

5

10

15

94

acerca do fato de que é comum, na sociedade, a solicitação para que alguém repita algo que

disse, nas situações de interação verbal em que um dos interlocutores não entende o que o

outro diz. O trecho está destacado em azul.

TEXTO 5

No início do curso de arquitetura, estava perdido, tinha dificuldade das falas dos

professores. Eu pedia a eles falarem pouco mais devagar e mais articulado, mesmo usando a

peça FM (Frequencia Modulada). O resultado foi positivo, só faltou o professor

chamado [NOME DA PESSOA REFERIDA] que é professor de Matematica, com ele, não

conseguia compreender a fala dele pois era bem complicada. A comunicação com

os funcionarios foram o suficiente para mim. Quando eu não entendia, pedia para

eles falarem novamente. Isso é comum à experiência do convívio social. Os

professores e os coordenadores foram sempre atenciosos.

Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. Foi feito para

estimular mais a minha audição, pois sempre usava o aparelho. A cada ano passava

na faculdade [NOME DA IES], facilitava a comunicação pois conhecia as pessoas e acostumei a

conviver com eles tanto quanto eles aprendiam a me conviver. Eles conseguiam me

compreender nas apresentações dos trabalhos.

Foi importante essa instituição superior porque era o ambiente estimulante e

comunicativa.

Concluída a análise dos textos da categoria ‘a’, especificamente no que se refere à

organização dos textos em forma de relato (texto 1, 5 e 13), consideramos importante

comentar que, em nossa experiência como professora de surdos universitários, tem sido

bastante freqüente depararmo-nos com relatos de ordem pessoal, que tratam

principalmente da condição do indivíduo surdo e de suas necessidades, como resposta às

propostas de produção de textos feitas em sala de aula, independentemente do gênero

proposto e do tema sugerido, em especial àquelas que propomos nos primeiros encontros

do semestre letivo. Embora tenhamos sempre o cuidado de propor a produção de gêneros

textuais relevantes para o contexto de ensino universitário (artigos de opinião, por

exemplo) e de cuidarmos de apresentar as condições enunciativas para a produção desses

gêneros, as mais das vezes, na primeira produção, muitos dos alunos surdos escrevem

relatos semelhantes sobre suas experiências de vida particular, de sua vida escolar, e

informam suas dificuldades na produção de textos escritos.

A motivação para essa atitude, provavelmente, está calcada em dois fatos: primeiro,

o início da vivência no terceiro grau, que se apresenta como uma incógnita a ser

1

5

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15

95

descoberta. Os surdos temem, principalmente, não serem bem aceitos, em especial no que

diz respeito a sua forma de expressão escrita. Parece que têm necessidade de dizer como se

sentem e de explicar aos professores ouvintes aspectos da condição instaurada pela surdez.

O outro fato está ligado à pouca diversidade de gêneros que aprenderam a escrever na

escola.

Os textos pertencentes à categoria ‘b’, textos 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14 e 15,

se organizam predominantemente em seqüências expositivo-dissertativas. Os autores de

todos os textos dessa categoria procederam a avaliações das IES, discorrendo acerca de sua

satisfação ou insatisfação em relação ao modo como são assistidos nas faculdades em que

estudavam na época da coleta dos dados e, em alguns casos, fazendo reivindicações de

melhorias.

Observamos a dificuldade dos autores dos textos 2, 3, 12, 14 e 15 na hierarquização

dos subtópicos. O texto 2 apresentou uma avaliação bastante completa da IES. Em seu

texto, o autor (surdo oralizado usuário de LIBRAS a partir dos doze anos) alude aos pontos

solicitados pela coordenação do curso no texto de motivação, demonstrando satisfação

quanto ao atendimento recebido. Refere-se, ainda, a setores que não foram explicitamente

citados pela coordenadora (biblioteca, laboratório e xérox). Apesar de não fazer sugestões

para a melhoria da qualidade da instituição, no primeiro parágrafo do texto, o autor indica

que há aspectos na faculdade que podem ser melhorados no seguinte trecho em negrito

“Percebi a (nome da faculdade) ficar melhorar e claro que nunca vai a parar”.

O autor do texto 2 demonstra habilidade na organização global do texto, que —

devidamente dividido em parágrafos — está estruturado em três blocos bem definidos: a

introdução (primeiro parágrafo, em que procede a uma avaliação geral da instituição), o

desenvolvimento (segundo, terceiro, quarto e quinto parágrafos, em que avalia de modo

mais detalhado alguns aspectos da instituição) e conclusão (sexto e sétimo parágrafos, em

que agradece ao diretor a aceitação de surdos na faculdade). Quanto à hierarquização dos

subtópicos, é perceptível certa dificuldade, uma vez que a informação dada no 4º parágrafo

poderia ser incluída no 2º, que aborda questões relativas à sala de aula.

96

TEXTO 2

Percebi a [NOME DA IES] ficar melhorar e claro que nunca vai a parar, mas assim vai

continuando tem oportunidade, porque que já tem planejou com ouvintes e surdos são

inclusão.

Então, nas salas dar todos certos, pois é, os professores não eram experiências como

próprios surdos, depois eles abrim experiências como surdos fazem escrivem próprios de

português, mas tem outros disciplinas e professores estão preocupadas como ajuda-los.

Coordenação também tem interesse com a gente, percebi dela que elas estão

preocupadas, dar duas professas para reforço com os surdos para entender bem.

Claro que tem cada uma sala e tem um intreperter esclarado e entende melhor.

A biblioteca, informaça, lanche, laboratorio, xerox e mais são comunidade com os

surdos foi ótimo.

Agradito o Direito porque que ele aceitou os surdos estudam por aque a [NOME DA

IES].

Gostaria de recebo a [NOME DA IES].

O autor do texto 3 procede à avaliação da IES, demonstrando satisfação com a

instituição já no primeiro parágrafo, em que expressa que considera a IES “muito

importante”. Alude ao bom desempenho do intérprete e critica a atuação da coordenação

do curso. Conclui o texto reivindicando uma sala de computadores exclusiva para os

alunos surdos, justificando que a única sala existente está constantemente lotada por

ouvintes.

O autor do texto 3 demonstra dificuldade de hierarquização dos subtópicos ao

apresentar, no 2º parágrafo, informações sobre a importância do intérprete para os surdos

estudantes da IES e sobre a necessidade de melhoria da assistência dada pela coordenação

aos alunos, antes de mencionar a presença de surdos na IES, o que é feito no 3º parágrafo.

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97

TEXTO 3

[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse [NOME DA IES] e ótimo, mas

eu gosto muito da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para surdos tambem preocupado não perdeu prova,

Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos, porque Surdos gosto muito do coordenação,

Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele dá oque significado também

alunos gosto muito [NOME DA PESSOA REFERIDA] , Se outro interprete pouco ajudo para

Surdos, Alguma surdos não gosto fraco interprete, todo surdos so quermos Interprete muito

bom, é [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, quero mais surdo entra fazer

vestibular no [NOME DA IES]

Todos Surdo quermos um sala so Surdo também dentro tens 2 computadores, mesa

grande, estuda e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no sala e computado, quase

lotado, falta surdos

Já o autor do texto 12 avalia mais pontos da IES, comentando a boa relação

existente entre os surdos, os outros alunos, os professores e os funcionários, aludindo à

satisfação quanto à assistência dada a eles pela secretária da faculdade e à boa atuação do

intérprete. Expressa, ainda, a percepção de que os professores se interessam por aprender

LIBRAS.

A dificuldade de hierarquização dos subtópicos é revelada pela explicitação de

informações mais gerais sobre a IES no 4º parágrafo, que poderia ser tomado, por isso,

como o parágrafo introdutório do texto. Chamamos a atenção para o uso do pronome

‘você’, na última linha, usado como forma de tratamento para dirigir-se à suposta

interlocutora, dado já comentado anteriormente.

TEXTO 12

Aqui, estam bom, alunos estam relação na sala, também os professores e outras.

Acho melhor na sala à aula, as professora vão LIBRAS melhor, elas ajudam cada surdos

desenvolvem e relação também funcionários e outros

Secretária tem responsável organização só surdos, cada papel o nome, eu gosta

secratária gosta surdos relação elas.

[NOME DA IES] assume ajudar os surdos, eu esta feliz, mas surdos culturais diferente

cada à vida. Surdos tem interesse e curiosa à aula, professora fala muito, aprende melhor.

Interprete tem relação os surdos também ouvir, Eu ajuda ensinar LIBRAS diferente o

interprete aprende melhor e desenvolver.

Eu fiquei feliz, muito Obrigada [NOME DA IES] e também você.

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98

O autor do texto 14 (surdo oralizado usuário de LIBRAS há 2 (dois) anos, na época

da coleta) também procede à avaliação da IES, comentando a satisfação com o fato de a

faculdade promover a inclusão dos surdos, avaliando o fato de a instituição arcar com as

despesas relativas ao intérprete para os surdos como algo positivo, que a diferencia das

demais, no 4º parágrafo: “Outra faculdade tem inclusão, mas paga interpretes por fora, fica

mais caro. Aqui não, porque já tem tudo pronto, por isso eu tenho esperança que o diretor

resolve para colocar mais cursos.

O autor alude à dificuldade inicial que teve para compreender os intérpretes, pois

não dominava plenamente a LIBRAS, mas informa que a vivência na IES propiciou o

aprendizado da língua de sinais. Sugere que a faculdade abra outros cursos, como o de

computação e elogia a atuação dos funcionários especialmente no que diz respeito à

assistência prestada aos surdos.

Percebemos a dificuldade do autor na hierarquização dos subtópicos, pois este

apresenta informações mais gerais sobre a IES no 3º parágrafo, que poderiam aparecer no

início do texto, e expõe, no 4ª parágrafo, informações sobre aspectos relacionados à

iniciativa da IES quanto à promoção da inclusão de surdos, que poderiam figurar após o 1º

parágrafo, em que se refere pela primeira vez no texto a essa iniciativa.

TEXTO 14

Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão, isso fica

mais fácil para eles.

Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no

auditório, eu ficava confuso, porque eu sabia muito pouco libras, só gestos. As foi otimo

que eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes.

Bom, aqui na faculdade que tem poucos cursos: Letras, Pedagogia, Psicologia e

Turismo. Eu acho que deve colocar mais cursos como Computação, Administração,

arquitetura... porque eu queria participar outro curso aqui o que eu gosto é computação.

Outra faculdade tem inclusão, mas paga interpretes por fora, fica mais caro. Aqui

não, porque já tem tudo pronto, por isso eu tenho esperança que o diretor resolve para

colocar mais cursos.

Os funcionários atendem bem aos surdos e entendem-los pouquinho como gestos,

mas eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos.

Eu agradeço os funcionarios, professores e interpretes que ajudaram-os muito.

O autor do texto 15 (surdo oralizado usuário de LIBRAS há 16 (dezesseis) anos, na

época da coleta) procedeu à avaliação da IES, informando que sente dificuldade com as

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99

disciplinas e com o fato de ter que escrever as respostas às perguntas das provas e os

trabalhos solicitados pelos professores no padrão do português: “Mas dificuldades

disciplina à prova ao trabalha escreve língua português”. Informa que depende do

intérprete para compreender as aulas e demonstra satisfação pelo fato de os professores e

os funcionários da secretaria saberem LIBRAS. Ainda reivindica que as pessoas que atuam

nos demais segmentos da IES (cantina, tesouraria e biblioteca) aprendam a língua de

sinais.

Percebemos, também nesse texto, a dificuldade do autor na seqüenciação das

informações, já que discorre no segundo e no quarto períodos sobre subtópicos afins

(dificuldades em sala de aula; necessidade de ajuda do intérprete), que estão separados por

um período que apresenta outro subtópico (satisfação pelo fato de algumas pessoas

saberem libras e reivindicação de que todos aprendam a língua de sinais), tal como pode

ser observado no texto transcrito a seguir.

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao

trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe

libra falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na

sala disciplina aprende dificuldade a professor(a) necessaria interprete explicar entende

claro.

Verificamos nos textos 4 e 6 dificuldade dos autores de fazer a progressão tópica.

O autor do texto 4 procede à avaliação da IES, demonstrando satisfação quanto à

assistência dada aos surdos pela instituição e expressa sua dificuldade na vivência como

aluno universitário. A dificuldade do autor em fazer a progressão tópica ao texto é

perceptível, uma vez que o autor aborda nos dois parágrafos iniciais os mesmos

subtópicos: satisfação com a IES, dificuldades para aprender. No texto 6, o mesmo ocorre

nos três últimos parágrafos, em que o autor reivindica que os professores aprendam a dar

aulas para pessoas surdas.

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TEXTO 4

Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser

o luto bom mas a matéria é muito difícil mesmo já acostumada a sala de aula e bom os

professores ajudam os alunos, os alunos responda a questão cada matéria os alunos

perguntam os professores como essa História é muito importante saber disso sobre a

faculdade tem interprete os alunos entende os professores falando interprete ajudam os

alunos.

Os professores e bom cada matéria é difícil mas não é muito difícil bem profundo

mesmo não isso é normal porque os professores respeitam os alunos também mais ou

menos respeitam mas agora já acostumado a sala de aula os alunos ajudam os surdos

precisa saber toda matéria já tem pronto Eu queria ajudam entender bem clara com os

professores na sala.

Mas à faculdade é bom precisa ter o intérprete para os alunos na sala, Minha vida não

tinha preocupado essa faculdade não é isso normal já tinha acostumado essa faculdade

tem muita paciência mesmo eu não tinha medo na faculdade precisa melhorar cada os

alunos queriam ter interprete pra sempre.

TEXTO 6

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com

os surdos.

funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem vontade

aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/ os

surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ os surdos. também as professores

precisam aprender c/ conviver os surdos.

Sobre o texto 4, consideramos importante ressaltar um segmento incoerente em

função do uso inadequado do conector ‘mas’. A relação de sentido existente entre as

orações transcritas a seguir ligadas pelo conector ‘mas’ na primeira linha do texto é de

explicação, o que seria adequadamente indicado pelo conector ‘pois’: “Mas gostei essa

faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser o luto bom”. Há

ainda a ocorrência de contradição ocasionada por uma informação dada no último

parágrafo que nega outra dada no primeiro sobre a presença de intérprete na IES: no 1º

parágrafo - “[...] a faculdade tem interprete os alunos entende os professores falando”. /

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101

No último parágrafo – “Mas a faculdade é bom precisa ter interprete para os alunos na sala

[...]”.

O autor do texto 9 avalia a IES de modo objetivo, monstrando-se satisfeito com o

fato de haver a inclusão de surdos na instituição, com o fato de os professores serem

experientes no âmbito da educação de surdos e com a responsabilidade demonstrada pela

coordenadora em relação aos surdos. A satisfação é expressa por meio das seqüências: “Na

faculdade, muito ajuda para surdos [...]” (linha 1) / “Coordenadora foi muito bom

[...]”(linha 5) / “Tudo [NOME DA IES] foi bom [...]”(linha 8).

No texto 9, ocorre um problema semelhante ao do texto 4. A leitura da introdução

do texto leva o leitor a entender que o autor gosta das turmas de inclusão, pois, como

afirma, “Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte”, ou seja,

a faculdade ajuda muito os surdos, porque adota o sistema de inclusão. O uso do conector

‘porque’ indica, nesse trecho, que a adoção do sistema de inclusão é a causa da boa

qualidade de assistência dada aos alunos surdos. No 3º parágrafo, porém, o informante

revela que não se sente à vontade na companhia de colegas ouvintes, ao declarar: “[...] não

gosto inclusão, porque senti diferença contato não tem inclusão e alguém diferença ensino

surdo X ouvinte.”, ou seja, acha melhor quando o ensino é exclusivamente dirigido a

surdos. Provavelmente, o informante pretendeu dizer que aprova o acolhimento dos surdos

pela IES, mas que preferiria que a instituição formasse turmas apenas para surdos. Essa

preferência se confirma no último parágrafo do texto, em que o autor reivindica uma sala

só para surdos.

A dificuldade de imprimir clareza aos textos escritos deve-se, em grande parte, ao

restrito vocabulário de que a maioria dos surdos dispõem. Alguns de nossos voluntários,

em conversas informais, afirmaram que, muitas vezes “falta palavra”. De fato, o léxico da

Língua Brasileira de Sinais é numericamente bastante menor que o do português. Enquanto

o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2008) dispõe de 228.000 verbetes, o

dicionário mais completo de LIBRAS (CAPOVILLA; RAPHAEL, 2001) apresenta

apenas cerca de 3500 entradas, fato que revela a desvantagem dos usuários desta língua

quanto ao acervo lexical disponível.

102

TEXTO 9

Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte,

também cada professoras já conheceu surdo já experiente a sala também ajudam. Sala

inclusão com junto alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para prova, ...). Ter

alguem a relação.

Coordenadora foi muito bom, ela é responsável na sala, coordenadora anuncia a coisa e

também pesquisa avaliação na [NOME DA IES]. Porque quera desenvolver melhor na [NOME

DA IES] e também os surdos.

Tudo [NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque eu cometo não

gosto inclusão, porque senti diferença contato não tem inclusão e alguém

diferença ensino surdo X ouvinte.

Então só sala surdo e sem inclusão a melhor professora (cada materiais e

interpreta ou pode também as professoras ouvinte e com interpreta, ambos). à

relação com o surdo aprende mais e futuro vida se melhor...

O autor do texto 7, usuário de LIBRAS há 8 anos, na época da coleta dos dados,

apresenta uma avaliação da IES sob um ponto de vista bem pessoal, colocando em

relevo sua experiência na faculdade, em que teve participação direta para a contratação

de intérpretes de LIBRAS. O autor revela habilidade para a organização global do

texto, ao qual conseguiu imprimir progressão, em que predominam seqüências

expositivo-dissertativas.

Quanto à avaliação da IES, o participante da pesquisa demonstra insatisfação

frente ao o relacionamento com os colegas ouvintes e com o fato de os professores não

aceitarem a intervenção do intérprete na revisão da prova.

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103

TEXTO 7

Eu me interesso de estudar na faculdade, desde o início não tinha interprete e me lutei

conversando com o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos e não sabia

quando eles precisam, por isso atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade.

O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil, porque falta os

sinais que tem muitas palavras novas da arquitetura. Os interpretes e os surdos precisam

se reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. Tenho dificuldade de escrever

o memorial justificativo e preciso uma pessoa me ajudar corrigir. Sou a unica surda da sala

e não tenho satisfeita a relação com os ouvintes, porque eles sabem que os surdos tem

menos vocabulário e acham que dar muito trabalho. Um ponto inpaciente que os

professores não aceitam quando o interprete corrigir a prova e fico preocupada quando os

professores não entender a minha língua escrita (libras). Já discutir com os professores e

não adianta mudar a cabeça, porque eles acham que os surdos são preguiçoso de escrever

o texto igual aos ouvintes.

Isto é o meu maior problema e preciso melhorar mais quando os professores abrem o

conhecimento da escrita dos surdos universitários.

O texto 8 apresenta segmentos predominantemente expositivos. Apenas nos

seguintes trechos do segundo, quarto e quinto parágrafos respectivamente, percebe-se a

intenção do autor de avaliar a IES, em que faz uma crítica à falta de atividades práticas no

curso de pedagogia: 1“Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver

do conhecimento do Pedagoco.”. Nos excertos 2 e 3, percebe-se uma avaliação indireta: 2“[...] estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa estou pedindo uma

ajudar como começar a fazer a pesquisa [...] / 3“Biblioteca temos livro, revista e

computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca.”. No excerto 2 do quarto parágrafo,

percebe-se que o autor não considera satisfatória a assistência dada pela IES para que os

surdos possam empreender atividades de pesquisa, por meio do pedido de ajuda para

iniciar esse tipo trabalho. Também pode ser observado na cópia do texto abaixo, no excerto

3 do quinto parágrafo, em que o autor demonstra sua satisfação quanto ao acervo da

biblioteca da IES.

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104

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de

Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz

o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver

do conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a

tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é

metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da

biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

O autor do texto 10, usuário de LIBRAS há 9 anos, na época da coleta dos dados,

procede à avaliação da IES sob o ponto de vista de suas experiências. Predominam

seqüências expositivo-dissertativas, numa superfície em que há progressão tópica. O

autor avalia positivamente a IES, mas faz uma ressalva em relação ao fato de alguns

alunos ouvintes não saberem como ajudar os surdos na apresentação de trabalhos em

sala de aula.

TEXTO 10

Eu, [NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade meu

relacionamento com os funcionario, professores e Diretores são otimo, só um problema, os

alunos (alguns) não sabe como ajuda o surdo, no trabalho de apresentação da sala de aula.

Não quer dizer que seja chato, mas sim a preoculpação como se comunica, Os surdos

prefere sempre apresenta trabalho na sala junto dos outros surdos, os surdos sempre

prefere fazer trabalho de disciplina junto dos outros surdos. Alguns quando não entendi na

sala o que os professores explicou e não sabe como fazer, nos fazemos reforço foram

particula. A intérprete são ótima e tem paciência com nós. Eu digo que tenho nenhum

problema aqui. Tudo para mim é otimo.

E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME

DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do texto.

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O autor do texto 11, usuário de LIBRAS há 12 anos, na época da coleta dos dados,

produziu um texto em que faz prioritariamente reivindicações. Demonstra, no último

enunciado, satisfação com a IES.

TEXTO 11

Terminada a descrição das superestruturas dos textos constituintes do corpus,

concluímos que apenas um aspecto pode ser considerado como uma especificidade da

escrita de surdos, que diz respeito à dificuldade com o modo de interpelação ao

interlocutor, vista nos textos 1 e 12, ambos escritos por usuários de LIBRAS há mais de

10 (dez) anos, na época da coleta. Como já informamos, nossa expectativa era que cada

voluntário produzisse um texto que tivesse a organização superestrutural global de um

gênero que serve de resposta a um anterior, sendo dirigido ao autor do texto de motivação,

com marcas lingüísticas do tipo de interlocução direta.

A maioria dos autores procedeu à avaliação da IES, mas não fez referência direta ao

suposto interlocutor. Essa atitude enunciativa não pode ser considerada um modo de

interlocução exclusivo de surdos, mas o resultado de vivências pedagógicas que não

propiciaram o desenvolvimento dessa habilidade. Entretanto, nos textos 1 e 12, em que os

autores, usuários de LIBRAS, ora referiram a suposta interlocutora por meio de expressões

da 3ª pessoa, ora interpelaram-na diretamente, por meio do uso do pronome ‘você’,

evidencia-se a dificuldade desses indivíduos em operar com o sistema pronominal do

português, que é bastante diferente do sistema da língua de sinais. Os demais aspectos

verificados, dificuldade na hierarquização dos subtópicos, assim como com a progressão

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interprete

de LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo estou satisfeito bem colaboração do

nosso estudo.

1

5

8

106

tópica, também podem se observar em textos escritos por ouvintes, não constituindo, pois,

uma especificidade da escrita de surdos.

107

4.2 A coesão textual

A coesão textual é o fenômeno que se evidencia em todos os tipos de interligação

existentes entre os elementos constituintes da superfície de um texto. É, segundo Antunes

(1996, p. 29), “um fenômeno da organização superficial do texto, orientado para o

estabelecimento da continuidade seqüencial, que, por sua vez, viabiliza e assinala um outro

tipo de continuidade que a constituição semântica do texto impõe”. É por meio dos nexos

existentes entre as diversas porções de um texto que é possível perceber a continuidade

semântica, responsável pela unidade de sentido de determinada configuração lingüística

produzida com propósitos interacionais. Como já afirmamos no capítulo 3, a coesão é

apenas um dos fenômenos responsáveis pela textualidade.

Sendo a textualidade o resultado de relações dinâmicas, estabelecidas em função

de uma complexa rede de elementos constitutivos de determinado ato de enunciação, da

qual fazem parte os interactantes e todas as demais condições de produção do texto, não

parece que a coesão seja mesmo suficiente para o estabelecimento da textualidade. Até

porque percebemos a textualidade inclusive em enunciados monolexemáticos, em que, por

isso, não existe a possibilidade de haver coesão, como, por exemplo, uma placa de trânsito,

como a que se constitui apenas da palavra ‘Pare’. Entretanto, nos textos que se estendem

para além de um vocábulo, um tipo de coesão se faz presente e contribui para o adequado

funcionamento desses textos nos contextos situacionais em que são produzidos.

Entre os princípios da textualidade, a coesão, talvez, tenha sido um dos que mais

mereceram a atenção dos lingüistas, desde os primórdios da Lingüística de Texto.

Entretanto, os aspectos mais divulgados dessa matéria são aqueles relacionados aos

mecanismos que Halliday; Hasan (1976) denominam de coesão não-estrutural, que

compreendem os recursos de repetição, de substituição e de conexão. Sem deixar de

observar esses recursos em nosso corpus de análise, gostaríamos de também dar

visibilidade, neste trabalho, a algumas relações coesivas existentes entre as microestruturas

textuais, que possibilitam a existência do que os já citados autores nomeiam de coesão

estrutural, também citada por Antunes (1996, p. 40), “decorrente das ‘relações

estruturais’, ou seja, das relações que se instauram ‘por força da estrutura’ que liga as

partes de um período, de uma oração, de um grupo de palavras”. A intenção de dar

visibilidade esse tipo de coesão advém da necessidade de uma base teórica que dê conta

108

dos fenômenos que criam as superfícies atípicas dos textos escritos por surdos, nosso

objeto de análise.

Considerando, pois, a existência de duas grandes categorias de recursos coesivos,

reiteramos que entendemos que apenas em textos constituídos de um só vocábulo não há

coesão. Assim, mesmo nos constituídos de apenas uma sentença curta (um aviso, como

‘Não fume’, ou certos provérbios como “A esperança é a última que morre”, denominados

por Halliday; Hasan (1976, p. 7) de textos mínimos, existe um tipo de coesão, a coesão

estrutural.

Os mecanismos de coesão são responsáveis pela criação, pelo estabelecimento e

pela sinalização dos laços existentes entre as diversas partes constituintes da rede textual.

Além disso, esses mecanismos são responsáveis pela manutenção da estabilidade do

sistema textual e contribuem para a economia de esforço de processamento por parte do

leitor/observador/ouvinte, já que provêem e assinalam a continuidade das ocorrências

lingüísticas, pois cada ocorrência funciona como elemento de acesso a, pelo menos,

alguma outra.

Alguns autores já afirmaram haver textos que se estendem para além de uma frase

desprovidos de coesão, posicionamento do qual discordamos. Koch faz parte desse grupo.

Apesar de no capítulo em que trata da coesão em “Introdução à lingüística textual”,

trabalho publicado em 2004, a autora não fazer essa afirmação, no trabalho de 1999 (p.

19), ela afirma parecer “fora de dúvida que pode haver textos destituídos de elementos de

coesão, mas cuja textualidade se dá no nível da coerência”. A fim de exemplificar sua

afirmação, apresenta o seguinte texto:

Olhar fito no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de

vida humana. Tentativa desesperada de recordar alguma coisa.

Nada.

No texto apresentado por Koch, a nosso ver, é possível perceber tanto a coesão num

sentido mais amplo, que abarca todas as relações entre os elementos constituintes de uma

superficie textual, assim como a ocorrência da coesão estrutural, aludida por Halliday;

Hasan. Como afirmam esses autores, as “partes de uma frase ou de um período obviamente

109

‘aderem’ umas às outras, em virtude da estrutura” (1976, p. 6). As relações de

concordância nominal existentes entre o substantivo ‘olhar’ e o adjetivo ‘fito’; entre o

substantivo ‘mar’, o artigo ‘o’ e o adjetivo ‘imenso’; entre o substantivo ‘vida’ e o adjetivo

‘humana’; entre o substantivo ‘tentativa’ e o adjetivo ‘desesperada’ já são suficientes para

comprovar a existência desse tipo de coesão. Existem, além disso, os laços de

subordinação estrita, denominados de regência pela gramática tradicional, entre os termos

‘fito’ e ‘no horizonte’; ‘sinal’ e ‘de vida’; ‘tentativa’ e ‘de recordar’; ‘recordar’ e ‘alguma

coisa’.

Ainda há que se considerar as relações semânticas existentes entre as expressões

que pertencem a um mesmo campo lexical: ‘olhar’ e ‘vida humana’; ‘horizonte’ e ‘mar

imenso’; ‘alguma coisa’ e ‘nada’. Essas relações instituem o que Halliday; Hasan (1976)

denominaram de coesão lexical, que, redefinida por Antunes (1996, p. 60), “distingue-se

pela particularidade de envolver relações entre duas ou mais unidades lexicais constitutivas

do texto”. Esse tipo de coesão se evidencia, primeiramente, por meio da seleção do

vocabulário constituinte de um texto, cuja seleção é de ordem sócio-cognitiva, que está

vinculada — denotativa ou conotativamente — à temática nele desenvolvida, e, em

segundo lugar, por meio das relações semânticas que se podem estabelecer entre algumas

unidades lexicais de um texto, como a sinonímia e a hiperonímia/hiponímia, que podem

aparecer como recursos de substituição, e a antonímia, a co-hiponímia e a partonímia,

que podem aparecer como recursos de associação (ANTUNES, 2005, p. 133),

denominados por Halliday; Hasan de colocação. Esse tipo de padrão coesivo é, segundo

Halliday; Hasan, o mais problemático entre os constitutivos da coesão lexical, pelo fato de

se estabelecerem entre unidades lexicais que não guardam entre si identidade referencial.

Mas, como os próprios autores afirmam, a identidade referencial não é condição necessária

para que duas unidades lexicais sejam coesivas. Os laços de coesão se estabelecem entre

itens lexicais que regularmente co-ocorrem, o que contribui para a textura da configuração

lingüística. (p. 284-285). Podemos perceber, no texto-exemplo oferecido por Koch, a

relação de antonímia entre as expressões ‘alguma coisa’ e ‘nada’.

Nas superfícies de textos escritos por surdos, em que algumas partes parecem

desconectadas de outras, as relações associativas são os fatores que, as mais das vezes, dão

ao leitor a condição de perceber as marcas de continuidade semântica dessas configurações

lingüísticas, pois possibilitam a manutenção do tópico em desenvolvimento. O excerto do

texto 3 do nosso corpus ilustra o que dissemos.

110

EXEMPL0 4 (Texto 3)

[NOME DA IES] é muito importante, algum pessoas disse [NOME DA IES] e

Ótimo, mas eu gosto muito da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para Surdos também preocupado não perdeu

prova, coordenação precisa ajudar melhor para Surdos, porque surdos gosto

muito do coordenação [...]

É inquestionável que existem, nesse excerto, outras relações coesivas, além das

relações associativas, dada a continuidade de sentido instaurada especialmente pelo recurso

da repetição do nome da instituição superior de ensino sobre a qual discorre o autor do

texto, assim como a repetição da palavra ‘coordenação’. Entretanto, a seleção vocabular

feita pelo autor do texto evidencia a unidade de sentido e propicia a identificação do tópico

abordado: a satisfação do autor com a instituição de ensino em que estuda. Além disso,

embora não haja nenhuma expressão de transição entre os parágrafos e não exista, no

segundo parágrafo, um vocábulo que retome diretamente uma expressão presente no

primeiro, ou seja, que guarde identidade referencial com outra presente na seqüência

textual anterior, as palavras ‘prova’ e ‘coordenação’ (2º parágrafo) funcionam como

elementos de acesso à entidade ‘faculdade’ (1º parágrafo), por pertencerem ao mesmo

universo semântico.

Apoiando-nos em Halliday; Hasan (1989), reiteramos que apenas os textos

monolexemáticos são desprovidos de coesão, uma vez que, mesmo em textos constituídos

de apenas duas palavras, como num aviso escrito ‘Não entre’, se evidencia a força da

estrutura sintática de uso mais comum nos textos escritos, que impede que o autor de um

aviso desse tipo subverta a ordem das palavras e escreva ‘Entre não’, apesar de, em

algumas regiões do Brasil, na fala espontânea, ser essa uma construção possível. Na

maioria dos textos, ocorre o que Halliday; Hasan (1989) denominam de coesão não-

estrutural, já que, em geral, os textos se estendem para além dos limites de uma frase. Os

mecanismos de coesão são os responsáveis pela construção das cadeias dos elementos que

devem ser retomados nas superfícies textuais, a fim de garantir a unidade de sentido, que é

um dos fenômenos característicos de um texto. Charolles (2002, p. 49) informa que essas

retomadas, ou repetições, são fundamentais para que um texto seja micro e

macroestruturalmente coerente.

Os mecanismos de coesão contribuem para a economia de esforço cognitivo.

Beaugrande; Dressler (1997) explicam que essa economia de esforço cognitivo se dá,

111

porque a mente humana tem capacidade restrita para armazenar materiais lingüísticos

superficiais extensos em tempo suficiente para poder operar eficazmente sobre eles. É

imprescindível, por isso, que os elementos constitutivos da superfície textual sejam

retomados em diferentes partes do texto. Segundo esses autores, o processamento textual

ocorre, primeiramente, por meio do armazenamento das estruturas lingüísticas superficiais

na memória de curto termo (MCT), os quais passam, em seguida, por um processo de

armazenamento ativo num tipo de memória operativa de onde os elementos que se

processam se distribuem entre os recursos cognitivos disponíveis, de acordo com a

importância que se tenha dado a cada um deles. Sobre a base das impressões efêmeras que

se tem do material lingüístico percebido visual ou acusticamente, constrói-se, com muita

rapidez, uma organização mnemotécnica provisória. Assim, o material organizado pode

reter-se sem excessivo esforço durante períodos de tempo mais prolongados, apesar de isso

ocorrer dentro de limites bastante modestos. O conteúdo encapsulado nos elementos

lingüísticos é o que se armazena na memória de longo termo (MLT). Para que esse

conteúdo se assente e seja arquivado na MLT, os elementos lingüísticos da superfície

textual precisam ser reativados ao longo do texto, a fim de permitir o processamento total

das informações. Essa reativação dos elementos se dá por meio dos mecanismos coesivos.

São, assim, os recursos de coesão textual elementos lingüísticos perceptíveis na superfície

do texto, a porta de entrada para o universo conceitual ativado.

Os recursos de coesão integram o sistema textual (macrossistema) que é organizado

por um microssistema, o sistema sintático, que restringe a organização formal das opções e

os padrões que se utilizam no macrossistema. Como, nas línguas naturais, esse

microssistema apresenta classes de elementos e de estruturas muito limitadas em

comparação com as classes e estruturas de que a mente humana dispõe habitualmente para

organizar os conceitos e as relações (apesar de em alguns idiomas os elementos sintáticos

serem mais ou menos numerosos que em outros), é necessário que se construam, numa

rede textual, relações bem definidas entre os termos que a compõem, a fim de se garantir a

estabilidade do macrossistema.

Além disso, devido ao fato de as relações de dependência se estabelecerem não só

entre elementos que se encontram próximos, mas, freqüentemente, entre elementos que se

encontram afastados na rede textual, a sintaxe proporciona padrões homogêneos de vários

tipos e de diferentes graus de complexidade nos quais se podem acomodar os fenômenos

lingüísticos que ocorrem em tempo real. Beaugrande; Dressler (1997) explicam que as

112

unidades sintáticas principais — o sintagma (composto por um núcleo modificado ao

menos por um elemento dependente), a oração (uma unidade composta ao menos por um

núcleo nominal e núcleo verbal que concorda com um sintagma nominal ou por um

sintagma verbal) e o período (uma unidade composta ao menos por uma cláusula

dependente) — seguem padrões bem marcados. Do ponto de vista cognitivo, esses três

tipos de unidades sintáticas têm em comum o fato de poderem processar-se num breve

intervalo de tempo. Entre os segmentos textuais mais extensos, segundo a categorização

formulada por Beaugrande; Dressler, consegue-se coesão por meio dos mecanismos da

substituição, da elipse e da conexão. Isso significa que um estudo de superfícies textuais

deve se dar, principalmente, por meio da análise das formas em que os elementos

lingüísticos se combinam nessas superfícies, em outras palavras, seria um estudo dos

padrões sintáticos, que regulam a organização das superfícies textuais.

Objetivamos, em linhas gerais, identificar e explicar alguns padrões sintáticos que

imprimem as peculiaridades dos textos escritos por surdos, de modo a possibilitar àqueles

que tiverem acesso a este trabalho uma melhor compreensão do movimento enunciativo de

textos escritos por essas pessoas e oferecer um conjunto de elementos que possam dar

consistência ao fazer pedagógico de educadores de surdos.

Na esteira dos que abraçam a concepção de língua como forma de ação

interindividual, nossa abordagem teórica se inscreve no âmbito do Funcionalismo

Lingüístico, em que ganham relevo os aspectos da língua em uso, concretizada nos textos.

Segundo Cunha; Souza (2007, p. 15), o rótulo de ‘lingüística funcional’ “abriga diferentes

modelos teóricos que compatilham entre si a concepção de língua como instrumento de

comunicação que, como tal, deve ser analisada com base em situações reais de uso.” No

caso específico da nossa abordagem, ganham relevo aspectos relacionados a questões

estruturais, mas que pretendemos observar em funcionamento.

Como afirma Neves (2000, p. 15):

Admitir que as unidades da língua têm de ser avaliadas com relação ao texto em que ocorrem não significa desconsiderar as diversas unidades hierarquicamente organizadas dentro de um enunciado. É evidente que as unidades da língua têm uma definição estrutural, tanto no nível da oração como nos sintagmas menores que ela.

113

Cada língua tem uma estrutura, mas a mobilização dessa estrutura por si só não é

suficiente para que os usuários possam interagir lingüisticamente de modo eficaz. Os

elementos constituintes da instância enunciativa em que a língua é posta em uso são as

mais das vezes os responsáveis pela construção dos sentidos pretendidos nos atos de

interação por meio da linguagem. Por esse motivo, decidimos nos valer de suportes

teóricos diferentes, mas que se coadunam quanto à concepção de língua como forma de

ação. Apoiamo-nos em Van Dijk (1989), para a análise da organização superestrutural dos

textos do nosso corpus, e em Neves (2000) e Antunes (2005), para a análise das

peculiaridades coesivas desses textos.

Já apresentamos a análise dos aspectos superestruturais dos textos do corpus, que

dizem respeito tanto à forma de organização externa, quanto interna, relacionadas às

seqüências tipológicas em que predominatemente se organizam os textos, entre outros

aspectos já mencionados. Na próxima seção, procederemos à análise dos recursos de

coesão não-estrutural. Em seguida, examinaremos os mecanismos de coesão estrutural,

relacionados aos usos de verbos e de preposições. Nessa análise, aludiremos, em alguns

casos, aos recursos de coesão não-estrutural. Entendemos a necessidade de abarcar esses

dois âmbitos de análise de coesão, especialmente em função da natureza do corpus sobre o

qual nos debruçamos, que apresenta peculiaridades em sua organização microestrutural,

que, em alguns casos, têm reflexos na organização global dos textos.

Para a análise da coesão estrutural, adotamos como base teórica o trabalho de

Neves (2000), que aborda aspectos morfossintáticos do sistema do português em uso

atualmente. Para a análise da coesão não-estrutural, adotamos a categorização feita por

Antunes (2005), que prevê três níveis taxionômicos inter-relacionados, aos quais a autora

denomina de campos (campo 1, das relações textuais; campo 2, dos procedimentos de

coesão; campo 3, dos recursos coesivos). A estratégia taxionômica adotada por Antunes

garantiu maior precisão à análise do corpus da pesquisa que empreendemos, e não

eliminou a possibilidade de alusão a outras categorizações.

114

4.2.1 A coesão não-estrutural

Assumimos como coesão não-estrutural todo tipo de laço coesivo que relaciona as

partes de uma superfície textual para além das relações microestruturais, isto é, o tipo de

coesão que se estabelece num domínio mais amplo do texto, relacionando as partes que

não estão em relação de subordinação estrita, que, as mais das vezes, extrapolam as

estruturas constituintes das orações. Antunes identifica 15 recursos de coesão, aqui

denominada de não-estrutural, ligados a três tipos de relações textuais: a reiteração, a

associação e a conexão. A tabela abaixo apresenta a categorização taxionômica adaptada

feita no trabalho de Antunes (2005, p. 51), sobre a qual discorremos a seguir.

Procedemos à adaptação do quadro taxionâmico proposto por Antunes (2005, p.

51), acrescentando a subcategoria ‘nomes genéricos’, subordinada aos recursos de coesão

por substituição lexical. A autora justifica a supressão dos nomes genéricos numa nota, nas

páginas 60-61, por ter decidido considerá-los como equivalentes aos ‘hiperônimos’. Em

nosso trabalho, consideramos importante distinguir os dois fenômenos, entendendo que

ambos se equivalem no aspecto de serem indicadores de atributos genéricos das entidades

a que se referem, mas que se distinguem pelo fato de os hiperônimos (plantas, animais,

TABELA 3 – A PROPRIEDADE DA COESÃO DO TEXTO: RELAÇÕES, PROCEDIMENTOS E RECURSOSRelações textuais(Campo 1)

Procedimentos(Campo 2)

Recursos(Campo 3) 1.1.1 Paráfrase 1.1.2 Paralelismo

1.1 Repetição

1.1.3 Repetição propriamente dita

de unidades do léxico de unidades da gramática

1.2 Substituição 1.2.1. Substituição gramatical Retomada por: • pronomes • advérbios

Retomada por: • sinônimos • hiperônimos • nomes genéricos • caracterizadores situacionais

1. REITERAÇÃO

1.2.2. Substituição lexical

1.2.3. Elipse Retomada por elipse

2. ASSOCIAÇÃO 2.1 Seleção lexical Seleção de palavras semanticamente próximas

Por antonímia ou por diferentes modos de relações parte/todo

3. CONEXÃO 3.1 Estabelecimento de relações sintático-semânticas entre termos, orações, períodos, parágrafos e blocos supraparagráficos.

Uso de diferentes conectores: preposições, conjunções, advérbios e respectivas locuções.

A

C O E S Ã O

D O

T E X T O

115

frutas etc) disporem de extensões semânticas limitadas a certos universos, enquanto os

termos genéricos (item, dispositivo, recurso, coisa, fenômemo etc) têm extensões sintáticas

mais abrangentes.

4.2.1.1 Sobre os recursos de reiteração

O primeiro conjunto de recursos coesivos, que são as operações concretas por meio

das quais os procedimentos se efetivam, apresentados por Antunes estão ligados às

relações textuais de reiteração.

A reiteração é a relação pela qual os elementos do texto vão de algum modo sendo retomados, criando-se um movimento constante de volta aos segmentos prévios - o que assegura ao texto a necessária continuidade de seu fluxo, de seu percurso -, como se um fio o perpassasse do início ao fim. É por isso que todo texto se desenvolve também num movimento para trás, de volta, de dependência do que foi dito antes, de modo que cada palavra se vai ligando às outras anteriores e nada fica solto. Esse movimento, visto de outro lado, indica ainda que tudo que vai sendo posto é virtualmente objeto de futuras retomadas. Cada elemento vai dando acesso a outros. Na verdade, cada segmento do texto está sempre ligado a outro, para trás e para frente. [Grifos da autora] (2005, p. 52)

4.2.1.1.1 Recursos de repetição

Antunes apresenta como um procedimento de reiteração a repetição, que se efetiva

por meio da recorrência à estratégia de fazer voltar a um segmento anterior do texto,

mantendo-se algum elemento da forma, ou seja, esses recursos consistem em operações por

meio das quais se faz reaparecer na superfície do texto uma seqüência já mencionada.

Como recursos de repetição, Antunes apresenta a paráfrase, o paralelismo e a repetição

propriamente dita.

116

4.2.1.1.2 A paráfrase

De acordo com Antunes (2005, p.62), a paráfrase se dá sempre que se recorre ao

procedimento de se voltar a dizer o que foi dito antes, mas com outras palavras. É uma

operação de reformulação da forma textual, em que se preserva o conteúdo, com o

objetivo de tornar a informação mais clara. “Normalmente, os fragmentos parafrásicos são

introduzidos por expressões do tipo em outras palavras, em outros termos, isto é, ou seja,

quer dizer, em resumo, em suma, em síntese [...]”.

EXEMPLO 5

A segunda relação indicada por conjunções apresentada por Antunes é a de

condicionalidade. Essa relação se estabelece, segundo a autora, quando um

segmento expressa a condição para o conteúdo de outro. Isto é, uma condição que,

cumprida, permitirá que um determinado fato ocorra.

Nascimento, 2008, p.130 (Esta tese)

4.2.1.1.3 O paralelismo

Sendo ligado à coordenação de segmentos que apresentam valores sintáticos

idênticos, Antunes informa que o paralelismo é um recurso que nos leva a prever que os

elementos coordenados entre si apresentem a mesma estrutura gramatical. “Ou seja, a

unidades semânticas similares deve corresponder uma estrutura gramatical similar. É o

que se chama, comumente, de paralelismo ou simetria de construção” (2005, p. 64). A

autora esclarece que o paralelismo não constitui propriamente uma regra gramatical rígida,

mas, na verdade, uma diretriz de ordem estilística, que dá ao enunciado uma certa

harmonia, sendo um recurso de coesão, em função da simetria sintática que instaura, a

qual é por si só articuladora, como é possível observar no exemplo criado ad hoc

apresentado a seguir.

EXEMPLO 6

É importante arrumar a sala e organizar o material.

117

4.2.1.1.4 A repetição propriamente dita

A repetição se dá sempre que se faz reaparecer na superfície do texto alguma

palavra ou seqüência de palavras que já ocorreram anteriormente. É, por isso, um dos

recursos que mais contribuem para a manutenção da continuidade semântica exigida pela

coerência. Além da manutenção da continuidade tópica, Antunes apresenta, como

funções da repetição propriamente dita, as seguintes:

a) marcação da ênfase

EXEMPLO 7

Seria justo, seria razoável, seria oportuno que se deixasse de construir uma Base. (Diario de Pernambuco, 1952)

In: Antunes 2005, p.72

b) marcação de contraste

EXEMPLO 8

Há estudantes e estudantes ... In: Antunes 2005, p.73

c) quantificação

EXEMPLO 9

Há três soluções para o drama da infância perdida na rua: escola, escola, escola. (VEJA, 30/10/1996).

In: Antunes 2005, p.74

4.2.1.2 Recursos de substituição

A substituição é o procedimento por meio do qual também se retoma um

segmento anterior, variando-se, porém, as expressões lingüísticas. Como recursos de

substituição, a autora apresenta a substituição gramatical por meio da retomada por

pronomes e advérbios, e a substituição lexical, por meio da retomada por sinônimos,

hiperônimos e caracterizadores situacionais. Acrescentamos, também, a retomada por

nomes genéricos; por último, Antunes alude à retomada por elipse.

118

4.2.1.2.1 Recursos de substituição gramatical

Os recursos de substituição gramatical se efetivam por meio do uso de elementos

da gramática, a saber, pronomes e advérbios, que retomam outros segmentos presentes nas

superfícies dos textos, mantendo com estes, nos contextos em que aparecem, identidade

referencial.

4.2.1.2.1.1 Retomada por pronomes

A língua dispõe de diferentes mecanismos de referenciação, que podem funcionar nos

textos como recursos coesivos de reiteração. Entre esses mecanismos, estão os pronomes,

que, segundo Neves (2000, p. 389), são elementos lingüísticos “que têm a função

particular de fazer referenciação, sem, entretanto, nomear, ou denominar como os

substantivos”. Antunes (2005, p. 87) informa que os pronomes exercem o grande papel

textual “de funcionar como elementos de substituição, como elementos que asseguram a

cadeia referencial do texto. Funcionam, assim, como nós de ligação entre seus diferentes

segmentos, possibilitando a reiteração, a continuidade que o texto exige para ser coerente”.

Os pronomes são palavras fóricas, pois remetem a algum outro elemento.

De acordo com Neves (2000, p. 449), os pronomes pessoais têm como traço

categorial a capacidade de fazer referência pessoal, “a uma pessoa ou coisa que foi

(função anafórica) ou vai ser (função catafórica) referida no texto; é o caso

especificamente dos pronomes de terceira pessoa”. (Grifos da autora). Essas operações

ocorrem em relação a referentes presentes nas superfícies dos textos. São, portanto,

endofóricas. Os pronomes têm ainda a capacidade de remeter a algum referente que esteja

fora da superfície textual. Esse tipo de remissão é denominada exofórica.

EXEMPLO 10

A casa era por aqui ... Onde? Procuro-a e não acho. (Manuel Bandeira)

In: Antunes, 2005, p. 87

119

EXEMPLO 10

Muita e muita gente já a desejou. Alguns a tiveram. Ao longo da década de 80, ela deslumbrou o Brasil desfilando nas passarelas do Rio de Janeiro. Os anônimos que a desejaram, é natural, já a esqueceram. Ela se chama Josette Armênia de Campos Rodrigues. No auge de seu estrelato, chamava-se Josi Campos. Era uma mulher introspectiva, mas batalhadora e guerreira. (ISTOÉ, 29/09/2004).

In: Antunes, 2005, p. 87-88

Todos os demais pronomes (possessivos, demonstrativos, indefinidos e relativos)

também funcionam como substituidores, obedecendo, evidentemente, a especificidades de

uso inerentes a natureza de cada categoria pronominal.

4.2.1.2.1.2 Retomada por advérbios

Os advérbios que funcionam como substituidores são os que indicam circunstâncias

de lugar e de tempo. Estes são categorias dêiticas que, de acordo com Neves (2000, p.

256), “fazem orientação por referência ao falante e ao aqui-agora, que constituem o

complexo modo-temporal que fixa o ponto de referência do evento de fala.”

EXEMPLO 11

Passei dois dias em Roma. Lá, encontrei amigos.

4.2.1.2.2 Recursos de substituição lexical

Segundo Antunes (2005, p. 96), o recurso de substituição lexical implica o uso de

uma palavra no lugar de outra que lhe seja textualmente equivalente. Em relação à

repetição, a substituição oferece uma vantagem, que é aquela de se poder acrescentar

informações ou dados acerca de uma referência já introduzida anteriormente.”

4.2.1.2.2.1 Retomada por sinônimos

Antunes informa que a retomada por sinônimos se dá quando se faz a substituição

de uma palavra por outra que tenha o mesmo sentido, ou pelo menos, um sentido

aproximado.

120

EXEMPLO 13

O combate à inflação, a luta pelo equilíbrio orçamentário, (...) a batalha da moralização da coisa pública (...) estão sendo levados a sério (Diario de Pernambuco, 1969)

In: Antunes, 2005, p. 101

4.2.1.2.2.2 Retomada por hiperônimos

Os hiperônimos são palavras de sentido geral, que designam classes de seres, por

isso, conforme Antunes (2005, p. 98), são denominadas palavras superordenadas.

‘Animal’, por exemplo, pode substituir a palavra ‘gato’ em determinado texto, pelo fato de

esta palavra denominar um ser que pertence à classe referida pela palavra superordenada.

‘Gato’, nessa relação, é um hipônimo de ‘animal’. No exemplo abaixo, temos a palavra

‘anfíbios’, o hiperônimo, substituindo na seqüência do texto, a palavra ‘sapos’, o

hipônimo.

EXEMPLO 14

Existem evidências de que os sapos habitam a terra desde o período jurássico. Mas, ao contrário dos dinossauros, a mais imponente estirpe de 200 milhões de anos atrás, os anfíbios sempre foram considerados párias do reino animal. (Época, 2004)

In: Antunes, 2005, p. 104

4.2.1.2.2.3 Retomada por nomes genéricos

Um nome genérico, assim como um hiperônimo, também tem sentido geral.

Mas o sentido de um nome genérico é mais amplo do que de um hiperônimo; pois não está

restrito a determinado campo semântico e, por isso, pode ser usado para fazer referência a

coisas de diferentes universos. A palavra ‘item’, por exemplo, pode substituir, em

determinado contexto, uma palavra que designe tanto uma peça de vestuário, como um

produto alimentício, quanto um equipamento de automóvel, como o ‘air bag’, tal como

pode ser visto no próximo exemplo.

EXEMPLO 15

Graças a Deus eu não experimentei a força e eficiência do air bag, pois nunca fui vítima de um acidente. Mas sou totalmente a favor do equipamento. Jamais soube de casos em que pessoas que dirigiam um carro com esse dispositivo tiveram um ferimento mais grave. (...) Na compra de um automóvel, o brasileiro deve levar em conta os diversos parâmetros de segurança, e não somente a disponibilidade do air bag. Este último item, sozinho, não pode ser considerado o “salvador da pátria”. (ISTOÉ, 1996)

In: Antunes, 2005, p. 105

121

4.2.1.2.2.4 Retomada por caracterizadores situacionais

Como informa Antunes (2005, p. 109), um caracterizador situacional é uma

expressão que funciona como uma descrição de um referente, conforme o que é relevante

focalizar na situação concreta da enunciação. “O termo caracterização situacional tem,

exatamente, a pretensão de pôr em evidência seu aspecto de caracterizar o objeto em

questão, porém, conforme as particularidades de cada situação”.

EXEMPLO 16

É com indignação que vejo o sucesso dos Mamonas Assassinas. Tal fato demonstra o baixíssimo nível cultural do povo brasileiro, que, além de engolir sem digerir a futilidade de sertanejos, pagodes, raps e outras idiotices, incorpora a seu cardápio terceiro-mundista a mediocridade desses estelionatários da arte. (Veja, 1995).

4.2.1.2.3 Retomada por elipse

A elipse, segundo Antunes (2005, p. 119), “corresponde à estratégia de se omitir um

termo, uma expressão ou até mesmo uma seqüência maior (uma frase inteira, por exemplo)

já introduzida anteriormente em outro segmento do texto, mas recuperável por marcas do

próprio contexto verbal em que ocorre”.

EXEMPLO 13

O prefeito e o governador se reuniram e Ø [o prefeito e o governador] assinaram um

contrato de cooperação.

A elipse assinala a reiteração de um determinado referente na continuidade do texto.

4.2.1.3 Sobre os recursos de associação

Os recursos de associação são os mais presentes em todos os gêneros textuais, pois

envolvem as relações semânticas que se estabelecem entre as unidades do léxico

(substantivos, adjetivos, verbos e alguns advérbios) que se assentam sobre determinada

superfície textual. O tema que é desenvolvido num texto leva o autor a selecionar palavras

122

que pertencem a determinado universo semântico, o que contribui para a manutenção da

unidade semântica de dada configuração lingüística. Antunes explica que:

A associação é o tipo de relação que se cria no texto graças à ligação de sentido entre as diversas palavras presentes. Palavras de um mesmo campo semântico ou de campos semânticos afins criam e sinalizam esse tipo de relação. Por ela é que, mais amplamente, nenhuma palavra fica solta. Existe sempre, por mais tênue que seja, alguma ligação semântica entre as palavras de um texto. Não podia ser diferente, uma vez que todo texto é necessariamente marcado por uma unidade temática, isto é, pela concentração em um único tema, embora desenvolvido, às vezes, em subtemas diversos. Tal unidade condiciona a proximidade, a contigüidade semântica entre as palavras do texto. (2005, p. 54)

4.2.1.3.1 Seleção de palavras semanticamente próximas relacionadas por:

a) antonímia: que se dá por meio do uso de palavras que têm sentidos opostos.

EXEMPLO 14

No futuro, o supermercado vai incentivar o esporte. Como o Pão de Açúcar faz hoje.

b) co-hiponímia: que é a relação existente entre palavras que denominam referentes que

são hipônimos de um mesmo hiperônimo. No exemplo 15, ‘mesa’, ‘cadeiras’ e ‘estante’

estão em relação de co-hiponímia, porque são hipônimos do hiperônimo ‘móveis’.

EXEMPLO 15

É preciso tirar da sala todos os móveis: sofá, mesa, cadeiras e estante.

c) partonímia: que é a relação existente entre palavras, em que uma, (ou mais de uma),

representa (ou representam) a parte (ou as partes) de um todo.

EXEMPLO 16

Renove sua casa. Móveis para sala, quarto e cozinha você encontra na

INSINUANTE.

123

4.2.1.4 Sobre os recursos de conexão

Para Antunes (2005), a conexão corresponde ao tipo de relação semântica que

acontece especificamente entre as orações e, por vezes, entre períodos, parágrafos ou

blocos supraparagráficos. “Realiza-se por meio de unidades da língua, que preenchem essa

função – mais especificamente, as conjunções – ou por meio de expressões de valor

circunstancial, inseridas na seqüência do texto. Umas e outras constituem o que

tradicionalmente se tem chamado de conectores”. (2005, P. 54-55)

Os conectores, ou juntores, segundo a terminologia adotada por Neves (2000), são

algumas palavras e expressões da língua, que têm a função de inter-relacionar partes

(palavras, orações, períodos, parágrafos e blocos de parágrafos) de um texto, estabelecendo

entre essas partes relações de sentido. Segundo Neves (2000, p. 601), essas palavras que

“pertencem à esfera semântica das relações e processos atuam especificamente na junção

dos elementos do discurso, isto é, ocorrem num determinado ponto do texto indicando o

modo pelo qual se conectam as porções que se sucedem.” Ainda de acordo com Neves,

esses elementos “podem ter seu estatuto determinado dentro da estrutura da oração ou

dentro de subestruturas delas (caso das preposições, das conjunções subordinadoras e das

conjunções coordenadoras), além de poder determinar-se fora da estrutura oracional, ou

seja, no âmbito textual (caso das conjunções coordenadoras)” e, acrescentamos, de certos

advérbios e locuções adverbiais. Noutras palavras, os conectores são elementos lingüísticos

que ligam diferentes partes de um texto, estabelecendo entre essas partes relações de

sentido, podendo atuar, inclusive, como organizadores globais de uma superfície textual.

Os conectores são, portanto, recursos de coesão textual, que estabelecem as relações

coesivas denominadas por Antunes (2005) de conexão, cuja função é promover a

seqüencialização de diferentes porções do texto. Mais do que ligar partes de um texto,

esses elementos podem explicitar as relações de sentido entre as porções textuais que

conectam e podem, inclusive, assinalar a orientação discursivo-argumentativa de um texto,

indicando, por exemplo, que determinado bloco textual se opõe semanticamente a outro

que lhe é anterior; ou que determinado bloco textual apresenta as causas do conteúdo

informacional exposto noutro bloco do mesmo texto, de modo a embasar a conclusão

pretendida.

Segundo Antunes, a conexão se efetua por meio de preposições, locuções

prepositivas, conjunções, locuções conjuntivas e alguns advérbios e locuções

124

adverbiais. Embora outros estudiosos do fenômeno da coesão do texto (HALLIDAY;

HASAN, 1976) e (BEAUGRANDE; DRESSLER, 1997), não tenham incluído em suas

taxionomias advérbios e locuções adverbiais como elementos de conexão, é bastante

recorrente o uso desses elementos lingüísticos nos textos em geral, com o estatuto de

conectores, isto é, funcionando como elementos de ligação entre partes de um texto e

estabelecendo entre essas partes relações de sentido.

No excerto de um texto que transcrevemos abaixo — um artigo de opinião — pode-

se observar o advérbio ‘agora’ exercendo essa função. Essa palavra enlaça dois períodos do

primeiro parágrafo, estabelecendo entre essas duas partes do texto uma relação temporal,

marcando a divisão do parágrafo, quanto à seqüência de acontecimentos de fatos: um

ocorrido num momento anterior ao que o texto foi escrito — marcado pela locução ‘antes

de’ — e outro no momento presente à época da escrita do artigo.

EXEMPLO 17

Democracia Analfabeta

Um dos aspectos em que o país mais progrediu no que diz respeito à democracia é o crescimento relativo do eleitorado em relação à população total do país. Antes do início do regime militar os eleitores eram cerca de 20% da população. Agora, em 1998, são cerca de 66%. Tal progresso se deveu em parte à extensão do direito de voto aos analfabetos.

(Folha de S. Paulo, 04 /08/ 1998)

Entre os conectores, estão as conjunções, que são responsáveis pelo encadeamento

sucessivo de enunciados, períodos, parágrafos e até de blocos supraparagráficos, e pela

explicitação das relações de sentido que há entre eles. Os conectores assinalam as

interdependências semânticas — que também podem ser marcadas por meio de pausa —

que existem entre as várias partes do texto. Por outras palavras: esses elementos

desempenham a importante função de alinhavar os diversos segmentos (micro e

macroestruturais) textuais, orientando-os em determinada direção discursivo-

argumentativa, contribuindo para o estabelecimento de sua unidade. Koch (1987, p. 55)

denomina de frástica essa espécie de seqüenciação, obtida através do encadeamento por

conexão, segundo a autora. O acima referido acerca dos conectores encontra apoio em

Ducrot (1981, p. 178), que afirma:

muitos atos de enunciação têm uma função argumentativa, [...], objetivam levar o destinatário a uma certa conclusão, ou dela desviá-lo. [...] Essa

125

função tem marcas na estrutura do próprio enunciado: o valor argumentativo de uma frase não é somente uma conseqüência das informações por ela trazidas, mas a frase pode comportar diversos morfemas, expressões ou termos que, além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao enunciado, a conduzir o destinatário em tal e qual direção.

Por serem alguns dos conectores interfrásticos elementos que, de acordo com Ducrot,

marcam a orientação discursivo-argumentativa de um enunciado, eles são responsáveis por

grande parte da força argumentativa do texto. Esclarecendo essa idéia, Ducrot (1981, p.

182 e 183) discorre sobre as noções de classe argumentativa e de escala argumentativa. A

classe argumentativa consiste num argumento, ou numa seqüência de argumentos de igual

valor, presentes num texto, direcionados para determinada conclusão (p é argumento para a

conclusão r). Uma escala argumentativa seria uma série de vários argumentos, indo dos

mais fracos aos mais fortes, apontando para a mesma conclusão (p, p’ são argumentos para

a conclusão r).

A título de exemplo, imaginemos que, devido aos problemas nos aeroportos do

Brasil, que se convencionou chamar de “caos aéreo”, um jornalista tenha publicado uma

notícia sobre algumas das conseqüências desse problema vivido pela população, em que

aparecesse o seguinte trecho:

EXEMPLO 18

Em 17, teríamos um exemplo de classe argumentativa em que:

Apesar de nesse exemplo a palavra ainda não estar desempenhando a função de

conector, é relevante que se façam alguns comentários acerca de sua força argumentativa.

Ainda aparece funcionando como operador temporal, marcador de excesso, na

terminologia adotada por Koch (1987, p. 106), dando uma orientação argumentativa ao

A população brasileira ainda sofre as conseqüências do caos aéreo que

atormenta todos há meses. Muitos vôos são cancelados diariamente em todo o

país.

p = Muitos vôos são cancelados diariamente em todo o país.

r = A população brasileira ainda sofre as conseqüências do caos aéreo que

atormenta todos há meses.

126

enunciado, do qual se depreende que, neste momento, a população brasileira já não deveria

estar sofrendo as conseqüências do caos aéreo iniciado há meses.

Se o jornalista ampliasse o comentário desta forma:

EXEMPLO 19

teríamos um exemplo de escala argumentativa, em que a alusão à falta de

manutenção dos equipamentos de controle de vôo põe em risco a vida dos passageiros que

conseguem embarcar apresenta-se como um argumento mais forte do que “muitos vôos são

cancelados diariamente”, introduzido pelo conector além disso, denotador de acréscimo de

informação. Esse conector pertence ao grupo que acrescenta um argumento decisivo.

Os exemplos 17 e 18 mostram que o estudo dos conectores implica muito mais que a

simples identificação das unidades lingüísticas que servem de elo entre as diversas partes

do texto; implica, na verdade, o reconhecimento das especificidades semântico-

pragmáticas de seu uso, já que se prestam, em alguns casos, a acrescentar à dada

informação força argumentativa. Declarar que a população brasileira sofre as

conseqüências do caos aéreo que atormenta todos há meses seria restringir a comunicação

ao seu conteúdo informacional, ao passo que dizer que a população brasileira ainda sofre

as conseqüências do caos aéreo que atormenta todos há meses dá uma orientação

argumentativa ao que é dito, já que ao uso do conector ainda subjaz uma crítica à

morosidade das autoridades que, meses depois do início do caos aéreo, não tomaram as

providências cabíveis para se evitarem novos problemas.

Outra importante característica dos conectores diz respeito à multifuncionalidade de

alguns desses elementos. Nas línguas naturais, os conectores não funcionam do mesmo

jeito que na lógica, uma vez que, na lógica, elimina-se o contexto, de modo que, nessa

perspectiva, um e será sempre um conector aditivo. Já nas línguas naturais, um e poderá

indicar, além de soma, adversidade, causa/efeito, tempo, ordenação.

Os autores afirmam que, com exceção da relação de disjunção, nos outros tipos de

relações, o uso de conectores não seria, na maior parte dos casos, obrigatório, pois as

A população brasileira ainda sofre as conseqüências do caos aéreo que

atormenta todos há meses. Muitos vôos são cancelados diariamente em todo o

país. Além disso a falta de manutenção dos equipamentos de controle de vôo põe

em risco a vida dos passageiros que conseguem embarcar.

127

relações entre enunciados são, por vezes, bastante evidentes. A necessidade de uso desses

elementos se apresenta quando a relação semântica entre os enunciados não é clara, ou

quando, acrescentamos nós, o produtor deseja explicitar determinada orientação

discursivo-argumentativa ao texto. Tomando-se os dois seguintes enunciados: 1. Pedro

chegou à casa dos meus pais. 2. Saí, temos, pelo menos duas possibilidades informacionais

de natureza semântico-pragmática distinta a serem explicitadas. O elemento que poderá dar

à primeira informação caráter de (a.) causa da segunda, ou indicar que aquela foi (b.) uma

ocorrência anterior à segunda é um conector. Assim:

EXEMPLO 20

Dependendo do contexto discursivo, um ou outro conector seria não só adequado

para enlaçar esses dois enunciados, mas necessário para precisar o objetivo informacional

do produtor do texto. Como afirmam Beaugrande; Dressler (1997, p. 126), com o uso de

conectores, o produtor do texto pode controlar as relações textuais, organizando a

apresentação do mundo textual de maneira mais eficaz e facilitar o processamento do texto

por parte do leitor. Os autores consideram ainda que “é provável que os conectores sejam

simplesmente um detalhe de cortesia do produtor com respeito ao receptor.” É possível

que, em alguns casos, por exemplo, naqueles em que as relações de sentido são evidentes,

o uso de conectores seja de fato um detalhe de cortesia. Cremos, no entanto, que, como

evidenciam as construções do exemplo 21, determinadas injunções discursivas

recomendam o uso de conectores, a fim de que se evitem a imprecisão ou a distorção de

intenções comunicativas.

Segundo Halliday; Hasan (1976, p. 226), os conectores são de natureza bastante

diferente da dos demais mecanismos coesivos por eles descritos, a saber, referência,

substituição, elipse e coesão lexical. Isso se deve ao fato de a coesão promovida por esses

últimos mecanismos se efetivar, em geral, por meio de relações sintático-semânticas,

estabelecidas, na maioria das vezes, por nexos anafóricos. Já os elementos conjuntivos,

segundo esses autores, não são recursos para remeter ao segmento textual precedente, não

sendo, portanto, anafóricos. Para os autores, considerar a conjunção um recurso coesivo é

atentar para um aspecto particular das relações semânticas, ou seja, a função de relacionar

a) Saí, porque Pedro chegou à casa de meus pais.

b) Saí, quando Pedro chegou à casa de meus pais.

128

entre si os elementos lingüísticos que ocorrem em sucessão, mas que não estão

relacionados por outros meios estruturais. Os autores advertem que as formas gramaticais

que tais recursos conjuntivos irão assumir são algo secundário, importando,

essencialmente, as relações de sentido por eles estabelecidas.

Na categorização de Antunes (2005), que adotamos para a análise do corpus, a

autora dispensa o esquema tradicional que separa as conjunções em coordenativas e

subordinativas. Sobressai no trabalho da autora “o entendimento da função textual e dos

tipos de relações semânticas e pragmáticas que as conjunções e outros operadores de

conexão assumem no texto”. (Antunes, 2005, p. 160). A autora apresenta as conjunções

organizadas de acordo com as relações de sentido que estabelecem entre as porções

textuais que ligam.

A primeira relação de sentido apresentada por Antunes é a de causalidade,

“estabelecida sempre que, em um segmento (oração, período) se expressa a causa da

conseqüência indicada em outro”. (p. 146). A autora esclarece que o uso das expressões

porque, uma vez que, visto que, já que, dado que e como por vezes, dá mais saliência

sintática à expressão da conseqüência do que da causa propriamente dita. Segundo

Halliday; Hasan (1976), entre as conjunções que unem sentenças entre as quais existe

uma relação de causa e conseqüência, estão os conectores que, em português, indicam o

motivo de determinado fato, como os que introduzem sentenças que expressam o resultado

de certa ação. Apresentamos enunciados, alguns criados ad hoc, para a exemplificação das

relações de sentido aqui mencionadas.

EXEMPLO 21

A segunda relação indicada por conjunções apresentada por Antunes é a de

condicionalidade. Essa relação se estabelece, segundo a autora, quando um segmento

expressa a condição para o conteúdo de outro. Isto é, uma condição que, cumprida,

permitirá que um determinado fato ocorra. A condicionalidade pode ser representada

lingüisticamente pelas seguintes expressões: se, caso, desde que, contanto que, a menos

que, sem que, salvo se, exceto se.

EXEMPLO 22

Houve enchentes em Recife, porque choveu demais.

Se, no Brasil, houvesse trabalho para todos, haveria menos violência.

129

Antunes (2005, p. 147) apresenta, em seguida, a relação de temporalidade que

expressa “o tempo, a partir do qual são localizados as ações ou os eventos.” Os conectores

temporais listados por Antunes são: quando, enquanto, apenas, mal, antes que, depois que,

logo que, assim que, sempre que, até que, desde que, todas as vezes que, cada vez que.

Essa relação pode indicar: (a) eventos sucessivos no tempo e (b) simultaneidade de ações;

ou a organização da estrutura interna do texto, (c) seqüência de eventos lingüísticos; (d)

enumeração de pontos de um argumento, ou (e) indicação da organização de partes do

texto.

EXEMPLO 23

Em seguida, a autora apresenta a relação de finalidade, que se manifesta “quando

um dos segmentos explicita o propósito, ou o objetivo pretendido e expresso pelo outro”

(p. 150). As expressões conectivas indicadoras dessa relação semântica são para que e a

fim de que.

EXEMPLO 24

A matança criminosa de focas é conhecida no mundo inteiro. Atualmente, já existem

certas medidas de proteção à fauna, para que tais caçadas não se repitam.

(Conhecer nosso tempo, 1074)

In: Antunes, 2005, p. 150

Antunes apresenta, na seqüência, a relação de alternância que pode ocorrer de duas

maneiras: “em primeiro lugar, sendo sinalizada pelo ou exclusivo” (p. 150), que implica

que os elementos em alternância se excluem mutuamente. E, em segundo lugar, quando o

conector sinaliza uma relação em que os elementos envolvidos não se excluem, ou seja, é o

a) Carlos saiu, depois que leu o jornal.

b) Enquanto Carlos lia o jornal, escutava música.

c) Primeiro estou cansada, depois quero ficar sozinha.

d) Em primeiro lugar, é dever da polícia proteger os cidadãos; em segundo

lugar, o salário dos policiais vem dos impostos que pagamos.

e) Primeiramente, explicarei as bases teóricas da pesquisa; em seguida,

apresentarei os resultados.

130

tipo de alternância inclusiva. Beaugrande; Dressler (1997) denominam esse tipo de relação

semântica de disjunção, que pode ser (a) exclusiva, em que apenas uma das informações

unidas pelo conector é verdadeira, e (b) inclusiva, em que as duas informações unidas

podem ser verdadeiras no mundo textual. O autores esclarecem que, no interior da oração,

o conector ou se presta a unir alternativas; entre orações, esse conector poderá, além de

conectar alternativas, (c) introduzir uma informação adicional.

O conector que habitualmente marca esse tipo de relação é ou, de cujo uso não se pode

prescindir, segundo os autores.

EXEMPLO 25

Antunes também apresenta a relação de conformidade “que se estabelece quando

um segmento expressa que algo foi realizado de acordo com o que foi pontuado em um

outro” (p. 152). Os conectores apresentados por Antunes como indicadores dessa relação

de sentido são conforme, consoante, segundo e como.

EXEMPLO 26

Os alunos apresentaram bem seus trabalhos, conforme o professor previra.

A próxima relação de sentido apresentada por Antunes é a de complementação.

Essa relação, indicada lingüisticamente por conectores como que, se, como, “ocorre

sempre que um segmento funciona como complementar de outro” (p. 152) e introduzem

todas as chamadas orações subordinadas substantivas. No exemplo abaixo, a oração

introduzida pela conjunção ‘que’ funciona como objeto direto da oração anterior.

EXEMPLO 27

Sabemos que os surdos escrevem de modo atípico.

a) Amanhã, escreverei outro artigo, ou lerei os textos indicados por meu

orientador.

b) Posso ler a revista ou o jornal.

c) Meu orientador não telefonou para mim. Não deve ter lido meu artigo. Ou,

talvez prefira comentá-lo pessoalmente.

131

Antunes informa que há orações que delimitam ou restringem o conteúdo de outra.

Essas orações, introduzidas por pronomes relativos, indicam a relação de delimitação ou

restrição. Chamamos a atenção aqui para o fato de esse conector ter um estatuto diferente

das conjunções. Como já foi dito, são pronomes, isto é, palavras fóricas. Alguns deles

remetem a referentes anteriormente mencionados, substituindo esses referentes nas orações

que introduzem, orações que exercem a função de adjuntos adnominais.

Como funcionam também como conectores, mencionamos essas palavras também

nesta seção.

EXEMPLO 28

Aproveite a liberdade que a maturidade te dá.

(Concurso Banco Real Talentos da Maturidade. Veja, 13/04/05, p.123)

In: Antunes, 2005, p. 153

A adição também é mencionada por Antunes, que explica que essa a relação “se

estabelece quando um item é introduzido num conjunto ou, do ponto de vista

argumentativo, quando mais um argumento é acrescentado em favor de uma conclusão.”

(p. 154). Segundo a autora, a adição se expressa lingüisticamente por meio das expressões:

e, ainda, também, não só...mas também, além de e nem. Esta última expressa uma forma de

adição negativa.

EXEMPLO 29

Quanto à relação de oposição, Antunes informa que esta “implica um conteúdo que

se opõe a algo explicitado ou implicitado em um enunciado anterior.” (p. 155). As

expressões que indicam esse tipo de relação são as que a gramática tradicional classifica

como conjunções adversativas e concessivas, como, por exemplo: mas, porém, contudo,

entretanto, embora, se bem que, ainda que, apesar de.

EXEMPLO 30

a) Maria ensina português e João ensina LIBRAS.

b) Maria não ensina inglês, nem João ensina LIBRAS.

a) Eu estudo alemão, mas não gosto. b) Embora esteja cansada, vou trabalhar.

132

Antunes (2005, p. 157) apresenta, em seguida, a relação de justificação ou

explicação, que “ocorre quando um segmento tem a finalidade de justificar, explicar, ou

esclarecer um segmento anterior”, podendo ser explicitada por conectores como: pois, que

e porque, além das expressões isto é, quer dizer, ou seja. No caso do uso dessas

expressões, o segmento explicativo, as mais das vezes, constitui-se de uma paráfrase.

EXEMPLO 31

A penúltima relação de sentido apresentada por Antunes é a de conclusão. Segundo

a autora, essa relação acontece sempre que, em um segmento, se expressa uma conclusão

que se obteve a partir de fatos ou conceitos expressos no segmento anterior. Pode ser

sinalizada pelos conectores logo, portanto, pois, por conseguinte, então e assim.

EXEMPLO 32

NOSSA GRANDE VANTAGEM: Todos já sabemos português! Não precisamos,

portanto, partir do zero.

(Carlos Alberto Faraco, 2003, p. 3)

In: Antunes, 2005, p. 158

Por último, Antunes (2005, p. 159) apresenta a relação de comparação, que se dá

quando, em segmentos distintos, pomos em confronto dois ou mais elementos com a

finalidade de identificar semelhanças ou diferenças entre eles. Essa relação pode se

explicitar pelo conector como e pelas expressões correlatas mais (...) do que, menos (...) do

que, tanto (...) quanto, entre outras, informa a autora.

a) Não venha à escola, pois não haverá aula. b) Copiar material bibliográfico sem a indicação da autoria é ilegal, ou seja, é um crime.

133

4.2.2 Aspectos da coesão não-estrutural dos textos do corpus

Como já explicitamos na seção 4.2.1, entendemos a coesão não-estrutural como

todo tipo de laço coesivo que relaciona as partes de uma superfície textual para além das

relações microestruturais, isto é, o tipo de coesão que se estabelece num domínio mais

amplo do texto, relacionando as partes que não estão em relação de subordinação estrita,

que, as mais das vezes, extrapolam as estruturas constituintes das orações, sendo que

algumas dessas relações podem permear toda a superfície do texto. Adotamos para a

análise do corpus nesta seção a categorização feita por Antunes (2005).

Procedemos, primeiramente, à análise dos recursos de associação e de reiteração.

Aludiremos, nessa parte da análise, a questões ligadas a flexões de gênero e número de

nomes e de alguns pronomes. Em seguida, a fim de obter mais clareza quanto à

identificação dos elementos analisados, apresentamos os recursos de conexão.

A fim de dar visibilidade aos fenômenos encontrados, sublinhamos as expressões

repetidas e negritamos os pronomes e advérbios substituidores. As retomadas por elipse

estão marcadas nas cópias dos textos analisados pelo símbolo ‘Ø’, seguido do referente

elidido. Numeramos esses recursos de acordo com a ordem de aparecimento dos referentes

na superfície dos textos. Esclarecemos que não numeramos todas as cadeias coesivas

presentes nos textos, mas apenas as cadeias referenciais que se prolongam por toda a

superfície dos exemplares do corpus.11 Embora não tenhamos numerado os verbos

repetidos e outras palavras que retomam alguns desses verbos por meio do processo

denominado por Koch (1999, p. 46) de nominalização12, optamos por também sublinhá-

los.

Marcamos em azul todas as palavras e expressões presentes nos textos relacionadas ao

universo semântico ‘ensino-aprendizagem’, que constituem os recursos de coesão por

associação lexical. Esses recursos, que se efetivam principalmente pela seleção do

vocabulário ligado à temática desenvolvida nas configurações lingüísticas, estão presentes

11 Embora tenhamos consciência de que muitas das expressões referenciais presentes no corpus se constituam de sintagmas em que há um núcleo nominal acompanhado por determinantes e modificadores, decidimos numerar especificamente as palavras que integram algumas cadeias referenciais de acordo com as relações de co-referencialidade. O motivo para essa decisão diz respeito à necessidade de enfatizar o recurso de repetição, que é recorrente na superfície da maioria dos textos do corpus.12 Koch (1999, p. 45-46) apresenta a relação estabelecida entre formas nominais deverbais que retomam verbos e argumentos de uma porção anterior do texto. A autora inclui esse fenômeno entre as formas remissivas referenciais, que “são aquelas que, além de trazerem instruções de conexão, fornecem indicações ao nível da referência”.

134

em todos os textos analisados. A relação semântica de associação por partonímia existente

entre as expressões que se referem a ‘faculdade’, que representa o todo, e expressões,

como, ‘funcionário’, ‘professores’, ‘diretores’, ‘disciplina’, ‘prova’, ‘ensino’, entre outras,

que representam as partes do todo, aparece em todos os textos. Os mecanismos de

associação lexical são os que, nesses textos, indicam de modo mais efetivo a continuidade

semântica. Algumas das palavras e expressões indicadoras dessas relações semântica, além

de marcadas em azul, também foram sublinhadas por estarem repetidas, e algumas estão,

ainda, numeradas, a fim de indicar as cadeias coesivas referenciais a que pertencem.

Optamos por apresentar os textos em análise, partindo dos exemplares que apresentam

maior diversidade de recursos de coesão não-estrutural, para aqueles que apresentam

menos recursos. Apresentamos, em primeiro lugar, o conjunto de textos constituído pelo

exemplar escrito pelo surdo não-usuário de LIBRAS (texto 5) e pelos os exemplares

produzidos pelos surdos usuários de LIBRAS há menos de dez anos (textos 7, 10, 13 e 14).

O autor, surdo oralizado não-usuário de LIBRAS, escreveu um texto com superfície

íntegra, demonstrando habilidade na formulação das sentenças. Além disso, esse autor

demonstra habilidade na marcação da continuidade tópica por meio do uso de diferentes

recursos de coesão textual de reiteração. Identificamos, no texto 5, repetições, retomadas

por elipses, substituições pronominais por meio de pronomes pessoais retos ‘eu’, ‘ele’,

‘eles’ e a contração ‘dele’, além dos oblíquos ‘me’ e ‘mim’. Chamamos a atenção para o

único uso inadequado do pronome oblíquo ‘me’, na linha 13, em que o sistema do

português orienta o uso do pronome ‘comigo’. Há, ainda, a substituição por pronome

possessivo. Esse autor demonstra mais habilidade que os demais no uso de elipses e de

pronomes substituidores para a edificação das cadeias referenciais. Conjeturamos que isso

tenha motivado a menor quantidade de repetições. Das cadeias referenciais numeradas no

texto, só ocorrem repetições nas que têm como referentes ‘professores’ (cadeia 2) e

‘professor’ (cadeia 4).

O texto 5 é o único do corpus que apresenta o recurso de substituição por nomes

genéricos (em vermelho na cópia do texto analisado abaixo), por meio do uso da palavra

‘aparelho’, em substituição a ‘a peça FM (Freqüência Modulada)’, e das expressões ‘essa

instituição superior’ e ‘o ambiente’, substituidores do referente ‘faculdade’. Além desse

diferencial, aparece a oração ‘O resultado foi positivo’ (marcada em verde), presente no

início do terceiro período, que retoma por associação a seqüência do período anterior: “Eu

pedia a eles falarem mais devagar e mais articulado”. Quer dizer, o ‘resultado’ do

135

‘pedido’ feito anteriormente foi satisfatório.13 Estratégia de retomada semelhante, mas feita

por meio do uso de um pronome, pode ser verificada na linha 7, em que o pronome

demonstrativo ‘isso’ encapsula todo o período anterior: “Quando não entendia, pedia

para eles falarem novamente.” Há, ainda, nesse texto, o uso adequado do pronome

relativo ‘que’ (linha 4), retomando a expressão “o professor [NOME DA PESSOA

REFERIDA]”, que conecta a oração adjetiva à oração anterior, introduzindo a oração que

expressa a relação de explicação. Ainda observamos o uso do pronome possessivo

‘minha’.

Nas linhas 13 e 14, verificamos a dificuldade do autor com a flexão de gênero do

pronome ‘eles’, em três ocorrências, usado para substituir ‘pessoas’. Não deixamos de

reconhecer que esse tipo de problema de concordância nominal pode aparecer em textos

escritos por ouvintes, principalmente em situações em que o pronome se encontra num

ponto do texto afastado do referente. Entretanto, no texto 5, há três ocorrências do

pronomes ‘eles’, que se encontram muito próximas ao nome que substituem, o que reduz a

possibilidade de equívoco quanto à forma adequada de flexão de gênero e de número. Por

isso, entendemos que essa é uma dificuldade relacionada às especificidades interacionais

instauradas pela surdez, uma vez que a falta do sentido da audição impede a percepção de

todas as formas de uso da língua oral-auditiva.

13 O fenômeno identificado por meio da retomada da seqüência: “O resultado foi positivo” é denominado por Koch (2003, p. 107) de anáfora indireta, já que se constitui do emprego de uma expressão anafórica sem referente explícito no texto, mas inferível a partir de elementos nele explícitos.

136

TEXTO 5

No início do curso de arquitetura, Ø 1[eu] estava perdido, Ø 1[eu] tinha dificuldade das

2falas dos 3professores. 1Eu pedia a 3eles falarem pouco mais devagar e mais articulado,

mesmo usando 4a peça FM (Frequencia Modulada). O resultado foi positivo, só faltou o 3aprofessor chamado [NOME DA PESSOA REFERIDA] 3aque é 3aprofessor de Matematica, com

3aele, Ø 1[eu] não conseguia compreender Ø 1[eu] a 2afala 3adele pois Ø 2[a fala] era bem

complicada. A comunicação com os 5funcionarios foram o suficiente para 1mim. Quando

1eu não entendia, Ø 1[eu] pedia para 5eles falarem novamente. Isso é comum à

experiência do convívio social. Os 3professores e os coordenadores foram sempre

atenciosos.

Com 4o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. Ø 4[FM] Foi feito para

estimular mais a 1minha audição, pois sempre Ø 1[eu] usava 4o aparelho. A cada ano Ø

1[eu] passava na 6faculdade [NOME DA IES], facilitava a comunicação pois Ø 1[eu] conhecia

7as pessoas e Ø 1[eu] acostumei a conviver com 7eles tanto quanto 7eles aprendiam a 1me

conviver. 7Eles conseguiam 1me compreender nas apresentações dos trabalhos.

Foi importante 6essa instituição superior porque era 6o ambiente estimulante e

comunicativa.

O texto 7, cujo autor é surdo oralizado, usuário de LIBRAS há 8 (oito) anos, na

época da coleta, também apresenta uma surpefície bastante íntegra no que diz respeito à

estruturação sintática. Quanto aos recursos de reiteração, predomina a repetição, mas

ocorre significativamente a substituição pronominal por meio dos pronomes pessoais do

caso reto ‘eu’ e ‘eles’. Além disso, todos os usos de pronomes oblíquos ‘me’ e ‘se’ estão

em consonância com o padrão do português. Há, ainda, duas ocorrências do pronome

possessivo ‘meu’ e uma do possessivo ‘minha’. Além disso, o autor desse texto usou

anaforicamente o pronome demonstrativo ‘isto’, na linha 16, iniciando o último

parágrafo, a fim de retomar as informações dadas no parágrafo anterior. Há, também,

retomadas por elipse. No texto 7, aparece, ainda, uma paráfrase, outro recurso de

reiteração, evidenciada na seqüência “uma pessoa adorável [...]”, que retoma a expressão

‘o coordenador’, na linha 2.

1

5

10

15

137

TEXTO 7

1Eu 1me interesso de estudar na faculdade, desde o início não tinha 2ainterprete e 1me

lutei conversando com o 3coordenador 3uma pessoa adorável de atender os 4asurdos e

não 3Ø [coordenador] sabia quando 4eles precisam, por isso 3Ø [coordenador] atrasou o

conhecimento de 2ainterpretes dentro à faculdade.

O 1meu entendimento durante das aulas com 2binterprete não foi fácil, porque falta os 5sinais que tem muitas palavras novas da arquitetura. Os 2ainterpretes e os 4asurdos

precisam 4se reunir e Ø 3 [intérpretes e surdos] discutir para criar umas novas palavras de

5sinais. Ø 1[eu] Tenho dificuldade de escrever o memorial justificativo e Ø 1[eu] preciso uma

pessoa 1me ajudar corrigir. Ø 1[eu] Sou a unica 4bsurda da sala e Ø 1[eu] não tenho satisfeita

a relação com os 7ouvintes, porque 7eles sabem que os 4asurdos tem menos vocabulário e

Ø 7[eles] acham que dar muito trabalho. Um ponto inpaciente que os 8professores não

aceitam quando o 2binterprete corrigir a prova e Ø 1[eu] fico preocupada quando os

8professores não entender a 1minha língua escrita (libras). Ø 1[eu] Já discutir com os

8professores e não adianta mudar a cabeça, porque 7eles acham que os 4asurdos são

preguiçoso de escrever o texto igual aos 7ouvintes.

Isto é o 1meu maior problema e Ø 1[eu] preciso melhorar mais quando os 8professores

abrem o conhecimento da escrita dos 4surdos universitários.

No texto 10, além das repetições, das elipses e do uso dos pronomes pessoais

‘eu’ e ‘nós’, que aparece sem o acento gráfico, e do oblíquo ‘mim’, identificamos o uso do

pronome possessivo ‘meu’ e do pronome indefinido ‘algum’. Verificamos três

ocorrências do advérbio ‘aqui’, nas linhas 1, 9 e 12, substituindo ‘faculdade’.

1

5

10

15

138

TEXTO 10

1Eu, 1[NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, 2aqui na 2faculdade 1meu

relacionamento com os funcionario, 3professores e Diretores são otimo, só um problema,

os 4alunos 4(alguns) não sabe como ajuda o 5surdo, no 6trabalho de apresentação da 7sala de aula. Não quer dizer que seja chato, mas sim a preoculpação como se comunica,

Os 5surdos prefere sempre apresenta 6trabalho na sala junto dos outros 5surdos, os

5surdos sempre Ø 5[surdos] prefere fazer 6trabalho de disciplina junto dos outros 5surdos.

5Alguns quando não Ø 5[surdos] entendi na 7sala o que os 3professores explicou e Ø 4[os

surdos] não sabe como fazer, nos fazemos reforço foram particula. A 8intérprete são ótima

e Ø 8[intérprete] tem paciência com nós. 1Eu digo que Ø 1[eu] tenho nenhum problema 2aqui.

Tudo para 1mim é otimo.

E também Ø 1 e 5[o autor e os outros surdos] fazemos reforço com [NOME DA PESSOA

REFERIDA] com ajuda 4aqui na 2[NOME DA IES] para explica o que não Ø 1 e 5[o autor e os

outros surdos] entendemos na leitura do texto.

No texto 13, verificamos a ocorrência de repetições, elipses e substituições

pronominais por meio de pronomes pessoais retos ‘eu’, ‘ele’, ‘eles’, além do oblíquo

‘mim’. Aparece, ainda, o pronome relativo ‘que’ (linha 3) e os pronomes possessivos

‘meu’ e ‘minha’. Há três ocorrências do advérbio ‘aqui’, substituindo ‘faculdade’. Quanto

aos pronomes, ressaltamos o uso do pronome ‘ela’, na linha 11, que aparece sem referente

endofórico. Verificamos a dificuldade do autor com a relação de concordância nominal na

seqüência: “[...] aceitei um inscrição [...]”. O uso do artigo flexionado no masculino revela

o provável desconhecimento do gênero a que pertence a palavra ‘inscrição’. Outra

ocorrência que revela a dificuldade de reconhecimento das possibilidades de flexão de

gênero de algumas palavras é a flexão do adjetivo ‘surpresa’, que indica um estado do

interlocutor, que é do sexo masculino.

1

5

10

13

139

TEXTO 13

Em 2003 todos 1os surdos tentam queriam fazem a 2prova do 3Vestibular 4aqui na 4[NOME DA IES]. O Diretor da 4[NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI,

eles 1(surdos) 1que ficou muito felizes. Só 1alguns os surdos passam um aprovado no 3vestibular. 5Meu amigo tentou 5comigo, mandar que 5eu vou fazer a 2prova do

3vestibular 4aqui na 4[NOME DA IES], mas não 5Ø [eu] posso vou fazer, por que 5Ø [eu]

tenho dois 6aempregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e 6boutro pela tarde e noite

na [NOME DA EMPRESA REFERIDA], não deu tempo. O ano passado sai o 6cemprego na

Prefeitura. 5Ø [eu] Vou pensar que vontade fazer a 2prova do 3vestibular já 5Ø [eu] aceitei

um inscrição no mês de janeiro passado 5Ø [eu] passei um aprovado. Pela primeira vez

começar a 5minha aula mas não tem 6aintérprete, depois ela chamou que um 6binterprete

de 6b[NOME DA PESSOA REFERIDA], 5Ø [eu] fiquei feliz, porque 5Ø [eu] entendi muito bem mas

6bele saiu cedo, porque 6bele está estudando no curso de Pedagogia 5ª, 6bele 6b[(NOME DA

PESSOA REFERIDA)] estava escondido que 6b Ø [ele] acha e tímido. 5Eu fica surpresa 6bele

6b [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim, 5Ø [eu] fique

muito feliz. 5Ø [eu] Gosto muito 5Ø [eu] aprendo muito bem todas as matérias, também 5Ø

[eu] gosta de professores 4aqui na 4 [NOME DA IES]. 5Ø [eu] Adoro fazer um trabalho com os

grupos no curso de Pedagogia. Agora 5Ø [eu] gosto muito de PORTUGUÊS 5Ø [eu] Quero

aprender bem.

No texto 14, além das repetições, da elipse e do uso de pronomes pessoais

substituidores retos ‘eu’ e ‘eles’ e dos oblíquos ‘mim’, ‘o’ e ‘os’, identificamos duas

ocorrências do pronome relativo ‘que’ (linhas 1 e 14). Identificamos, ainda, o uso

anafórico do pronome demonstrativo ‘isso’, na linha 2, que retoma a idéia expressa na

oração anterior: “Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de

inclusão [...]”. Na primeira ocorrência desse pronome, observamos a dificuldade do autor

com a formulação do período. Ainda ocorre o uso anafórico do pronome demonstrativo

‘isso’, na linha 1, que retoma a idéia expressa na oração anterior: “Na faculdade que eu

acho muito boa para os surdos por causa de inclusão [...]”. Há, também, duas ocorrências

do advérbio ‘aqui’, nas linhas 6 e 11, substituindo ‘faculdade’. Também aparece o conector

integrante ‘que’, nas linhas 7, 11 e 13. Chamamos a atenção para usos inadequados dos

pronomes oblíquos ‘o’ e ‘os’, nas linhas 12 e 14.

1

5

10

15

19

140

TEXTO 14

Na 1faculdade 1que 2eu acho muito boa para 3os surdos por causa de inclusão,

isso fica mais fácil para 3eles.

Pra 2mim, no começo 2eu achei muito dificuldade entender 4intepretes na aula e no

auditório, 2eu ficava confuso, porque 2eu sabia muito pouco libras, só gestos. Mas foi

otimo que 2eu aprendi muita coisa com 3surdos e 4interpretes.

Bom, 1aqui na 1faculdade que tem poucos 5cursos: Letras, Pedagogia, Psicologia e

Turismo. 2Eu acho que deve colocar mais 5cursos como Computação, Administração,

arquitetura... porque 2eu queria participar outro 5curso 1aqui o que 2eu gosto é

computação.

6Outra faculdade tem inclusão, mas Ø 1[outra faculdade] paga 3interpretes por fora,

fica mais caro. 1Aqui não, porque já tem tudo pronto, por isso 2eu tenho esperança que o

diretor resolve para colocar mais cursos.

Os 6funcionários atendem bem aos surdos e entendem-3los pouquinho como

gestos, mas 2eu espero que 6eles melhorem mais a comunicar com os 3surdos. 2Eu agradeço os 6funcionarios, professores e 4interpretes 4que ajudaram-3os

muito.

Nos textos integrantes do segundo conjunto (textos 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9, 11, 12 e 15),

escritos por surdos usuários de LIBRAS há dez anos ou mais, encontramos os recursos de

repetição, elipse, substituição pronominal, principalmente por meio de pronomes

pessoais retos. Como já informamos anteriormente, os textos 3, 4, 6, 8, 9, 11, 12 e 15 não

apresentam usos de pronomes pessoais oblíquos. Aparece, nos textos 1, 2, 3 e 12, o

advérbio ‘aqui’, substituindo ‘faculdade’. Não verificamos a ocorrência do conector

integrante ‘que’ na maioria dos textos desse conjunto. Apenas o texto 2 apresenta o uso

desse conector.

No texto 1, escrito por um surdo usuário de LIBRAS há 17 anos, na época da coleta,

identificamos a ocorrência dos recursos de reiteração por repetição, retomadas por elipse e

substituição pronominal, por meio do pronome pessoal reto ‘eu’ e do pronome oblíquo

‘me’. Há uma ocorrência do pronome ‘você’, em referência exofórica ao interlocutor.

Aparece, também, o pronome possessivo ‘minhas’ e o pronome indefinido ‘alguma’.

1

5

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13

141

TEXTO 1

Ø 1[eu] Gostaria de saber, Ø 1[eu] posso escrever uma carta para você.

Quando 1eu passei no vestibular na 2[NOME DA IES] Ø 1[eu] fiquei feliz mesmo. Primeiro

dia de aula, Ø 1[eu] começei que tinha medo a relação com 3professores, porque 1eu tenho

dificuldades a relação com 3professores, por isso 1eu não entendia com lábios. Depois

segundo dia que 1eu fiquei abrindo a relação com 4interprete, porque tem Ø 1[intérprete]

1me explicou claramente e também Ø 1[eu] tenho dificuldades a relação com 5ouvintes, pois

1eu tentei atenção com lábios o que 5ouvintes estava falando. Depois um ano que 1minhas

6colegas, 3professores, alguns as pessoas estudam na 2[NOME DA IES], sabem alguns 7libras.

Ø 1[eu] Fiquei feliz que coordenadora 3[NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe 7Libras, 1eu

tinha alívio pois não Ø 1 [eu] tenho dificuldade a relação com 3[NOME DA PESSOA REFERIDA].

Ø 1[eu] Agradeço à Deus, 3alguns professores da 2[NOME DA IES] aceitaram que surdos

escreveram próprio de escrita a 7LIBRAS.

Ø 1[eu] Adorei de estudar 2aqui na 2[NOME DA IES] e Ø 1[eu] tenho conviver com 6colegas

da 2[NOME DA IES].

No texto 2, produzido por um surdo usuário de LIBRAS há 17 anos na época da

coleta, predomina o recurso de reiteração por repetição, mas também há retomadas por

elipse e substituição pronominal, por meio dos pronomes pessoais retos ‘eu’, ‘ele’, ‘eles’,

‘elas’ e da contração ‘dela’, e o sintagma nominal ‘a gente’, substituindo o referente

‘surdos’ (linha 7). Aparece, ainda, o pronome oblíquo ‘os’, na forma ‘los’ (linha 6).

Ocorre, também, o uso do advérbio ‘aqui’, grafada inadequadamente na linha 14 (aque),

em substituição da palavra ‘faculdade’.

1

5

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142

TEXTO 2

Ø 1[eu] Percebi a 2[NOME DA IES] ficar melhorar e claro que nunca Ø 2[IES] vai a parar,

mas assim vai continuando tem oportunidade, porque que já Ø 2[IES] tem planejou com

ouvintes e 3surdos são inclusão.

Então, nas 3asalas dar todos certos, pois é, os 4aprofessores não eram experiências

como próprios 3surdos, depois 4aeles abrim experiências como 3surdos fazem escrivem

próprios de português, mas tem outros disciplinas e 4bprofessores estão preocupadas como

ajuda-3los.

5Coordenação também tem interesse com 3a gente, Ø [eu] percebi 4dela que 4elas

estão preocupadas, dar duas 4cprofessas para reforço com 3os surdos para Ø [os surdos]

entender bem.

Claro que tem cada uma 3bsala e tem um intreperter esclarado e Ø 3[os surdos] entende

melhor.

A biblioteca, informaça, lanche, laboratorio, xerox e mais são comunidade com os 3surdos foi ótimo.

Ø 1[eu] Agradito o Direito porque que ele aceitou 3os surdos estudam por 2aque a

2[NOME DA IES].

Ø 1[eu] Gostaria de recebo a 2[NOME DA IES].

Nos demais textos desse conjunto, também há o predomínio dos recursos de

reiteração por repetição e retomadas por elipse. Aparece a substituição pronominal, por

meio dos pronomes pessoais retos (‘eu’, ‘ele’, no texto 3), (‘eu’, no texto 4), (‘ela’, no

texto 9), (‘eu’ e ‘elas’) no texto 12. Nesse texto, também aparece o pronome de tratamento

‘você’, fazendo referência exofórica ao interlocutor. Outro elemento substituidor presente

no texto 12 é o advérbio ‘aqui’ na primeira linha, num movimento catafórico, referindo-se

à ‘faculdade’, que aparece citada na última linha. Nos textos 6 e 11, não há usos de

pronomes pessoais. No texto 9, identificamos, ainda, o uso do pronome indefinido

‘alguém’. No texto 11, identificamos apenas o uso do pronome possessivo ‘nosso’. Já nos

textos 8 e 15, não há uso de pronome algum. No texto 3, identificamos, também, o uso do

pronome indefinido ‘outro’ e do advérbio ‘aqui’. No texto 4, ocorre o uso da contração

entre a preposição ‘de’ e o pronome demonstrativo ‘isso’ (linha 6) e o pronome possessivo

‘minha’ (linha 13). No texto 6, aparecem os pronomes possessivos ‘meu’ e ‘ minha’.

Nos textos 6 e 15, percebemos dificuldades dos autores com as flexões de gênero dos

nomes. Nesses textos, chamou-nos a atenção o fato de os autores terem se utilizado de um

mesmo recurso que revela a dificuldade com a flexão de gênero (no texto 6, linhas 5 e 8;

1

5

10

15

143

no texto 15, linhas 2 e 4). Embora tenham usado artigos definidos do gênero feminino na

maioria das ocorrências, optaram por escrever os substantivos nucleares dos sintagmas no

masculino, seguidos da desinência ‘a’ entre parênteses. No texto 6, vemos, ainda, o uso do

pronome ‘meu’, flexionado de modo inadequado quanto ao gênero, já que se refere à

palavra ‘opinião’. No texto 3, transcrito mais adiante, identificamos a palavra ‘lotado’

referindo-se à palavra ‘sala’. No texto 12, observa-se a dificuldade do autor com a flexão

de número do pronome ‘elas’, que aparece no plural, substituindo a palavra ‘secretária’.

TEXTO 6

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas 1diretora (feira) falta respeito

com os 2surdos.

funcionário as 3pessoas tem interesse aprender 4libras, mas 3as pessoas tem

vontade aprender de 4libras, porém a 1direito falta aceitar abri o curso de 4libras.

4A professor(a) não saber fazer preparar p/ 2os surdos, Ø 4[a professora] não saber

conversar c/ 2os surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os 2surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ 2os surdos. também 4as professores

precisam aprender c/ conviver os 2surdos.

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na 1sala. Mas Ø 2[eu] dificuldades 3disciplina à

prova ao trabalha escreve língua português, Ø 2[eu] usar libras igual escreve. 4Professor(a)

e secretaria sabe 3libra falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber 3libra como

comunicar. Sempre na 1sala 3disciplina Ø [eu] aprende dificuldade a 4professor(a)

necessaria interprete explicar entende claro.

1

5

9

1

5

144

TEXTO 12

1Aqui, estam bom, 2alunos estam relação na 3sala, também os 5aprofessores e outras.

Ø 6[eu] Acho melhor na 3sala à 4aula, as 5bprofessora vão 7LIBRAS melhor, 5elas ajudam

cada 8surdos desenvolvem e 9relação também funcionários e outros

10Secretária tem responsável organização só 8surdos, cada papel o nome, 5eu gosta

10secratária Ø 6[eu] gosta 8surdos 9relação 10elas.

1[NOME DA IES] assume ajudar os 8surdos, 6eu esta feliz, mas 8surdos culturais diferente

cada à vida. 8Surdos tem interesse e curiosa à 4aula, 5cprofessora fala muito, Ø 6[eu]

aprende melhor.

11Interprete tem 9relação os 8surdos também ouvir, 6Eu ajuda ensinar 7LIBRAS

diferente o 11interprete aprende melhor e Ø 11[o intérprete] desenvolver.

6Eu fiquei feliz, muito Obrigada 1[NOME DA IES] e também você.

TEXTO 3 1[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse 1[NOME DA IES] e ótimo,

mas eu gosto muito da 1[NOME DA IES].

2Intérprete muito ajuda para 3surdos tambem Ø 2[intérprete] preocupado Ø 3[surdos]

não perdeu prova, 4Coordenação precisa ajuda melhor para 3Surdos, porque 3Surdos gosto

muito do 4coordenação, 2Interprete do 5 [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele

dá oque significado também alunos gosto muito 5 [NOME DA PESSOA REFERIDA], Se outro 2interprete pouco ajudo para 3Surdos, Alguma 3surdos não gosto fraco 2interprete, todo 3surdos so quermos Interprete muito bom, é 5 [NOME DA PESSOA REFERIDA].

1Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, Ø [eu] quero mais 3surdo entra fazer

vestibular no 1[NOME DA IES]

Todos 3Surdo quermos um 6sala so 3Surdo também dentro tens 2 7computadores,

mesa grande, estuda e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no 6sala e 7computado,

Ø 6 [sala] quase lotado, falta 3surdos

1

5

10

12

1

5

10

145

TEXTO 4

Mas Ø 1[eu] gostei essa 2faculdade é muito bom mesmo mas à 2faculdade tem ser

capacidade ser o luto bom mas a 3matéria é muito difícil mesmo Ø 1[eu] já acostumada a

4sala de aula e bom os 5professores ajudam os 6alunos, os 6alunos responda a questão

cada 3matéria os 6alunos perguntam os 5professores como essa História é muito

importante saber disso sobre a 2faculdade tem 7interprete os 6alunos entende os 5professores falando 7interprete ajudam os 6alunos.

5Os professores e bom 2cada matéria é difícil mas não é muito difícil bem profundo

mesmo não isso é normal porque 5os professores respeitam os 6alunos também mais ou

menos respeitam mas agora Ø 1[eu] já acostumado a 3sala de aula os 6alunos ajudam os

surdos precisa saber 3toda matéria já tem pronto 1Eu queria ajudam entender bem clara

com os 5professores na 4sala.

Mas à 2faculdade é bom precisa ter o 6intérprete para os 5alunos na 3sala, 1Minha vida

não tinha preocupado essa 2faculdade não é isso normal Ø 1[eu] já tinha acostumado essa

1faculdade tem muita paciência mesmo 1eu não tinha medo na 2faculdade precisa melhorar

cada os 6alunos queriam ter 7interprete pra sempre.

TEXTO 9

Na 1faculdade, muito ajuda para 2surdo porque tem 3inclusão com 4ouvinte, também

cada 5professoras já conheceu 2surdo Ø 5[cada professora] já experiente a 4sala também

ajudam. 4Sala 3inclusão com junto alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para

prova, ...). Ter alguem a relação.

6Coordenadora foi muito bom, 6ela é responsável na 4sala, 6coordenadora anuncia a

coisa e Ø 6[coordenadora] também pesquisa avaliação na 1[NOME DA IES]. Porque Ø6[coordenadora] quera desenvolver melhor na 1[NOME DA IES] e também os 2surdos.

Tudo 1[NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque 7eu cometo não

7gosto inclusão, porque Ø 7[eu] senti diferença contato não tem 3inclusão e alguém

diferença ensino 2surdo X 4ouvinte.

Então só 4sala 2surdo e sem 3inclusão a melhor 5professora (cada materiais e interpreta

ou pode também as 5professoras 4ouvinte e com interpreta, ambos). à relação com o 2surdo aprende mais e futuro vida se melhor...

1

5

10

15

1

5

10

13

146

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 1cursos, 2Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o 1curso de

Enfermagem.

O 1curso de 2Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como

faz o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente Ø [eu] fico preocupada como faz 3“Metodologia”, ainda não temos uma idéia

“criar a tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é 3metodologia”.

4Biblioteca temos livro, revista e computador. Ø [eu] Acho uma coisa dentro da

4biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

TEXTO 11

1

5

10

Curso de Formação para 1Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (1interprete

de LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo Ø [eu] estou satisfeito bem colaboração

do nosso estudo.

1

5

8

147

Quanto aos recursos de conexão, especialmente no que se refere ao uso de

conjunções, verificamos a ocorrência das seguintes expressões conectoras: e, também, e

também, mas, porque, que (explicativo), por isso, pois, que (integrante), como (integrante),

quando, mesmo, tanto quanto, depois, depois que e se (condicional). Todos os voluntários

da pesquisa usam esse tipo de conector principalmente entre orações, mas também ocorre o

uso do ‘e’ entre termos das orações. A maioria desses usos (marcados em negrito nas

cópias dos textos apresentadas a seguir) são consonantes com o sistema do português, já

que explicitam adequadamente as relações de sentido existentes entre os segmentos

textuais que ligam. Nos textos 2, 9 e 10, há, também, conjunções que ligam parágrafos, que

indicam adequadamente as relações de sentido entre esses blocos dos textos. Ressaltaremos

os usos inadequados de conjunções. Marcamos em vermelho as conjunções que expressam

relações de sentido semanticamente inadequadas entre os segmentos textuais que unem e,

em azul, as conjunções inseridas em contextos em que estas são dispensáveis.

Dois textos do corpus apresentam apenas uma ocorrência, cada um, de uso de

conjunção, a saber, textos 11 e 15. Ambos os usos são consonantes com o sistema do

português. A superestrutura esquemática do texto 11, com predominância de frases

nominais, não dá margem ao uso de um maior número de conjunções.

TEXTO 11

Entretanto, o que se observa no texto 15, escrito por um usuário de LIBRAS há

quinze anos, na época da coleta, são construções sintáticas atípicas, principalmente no que

diz respeito à ordem das palavras nas sentenças, que não propiciam o uso de conjunções. O

autor não demonstra consistência no que se refere ao sistema do português, já que

transcreve a estrutura da seqüência de sinais que usaria para se expressar em LIBRAS,

perceptível pelas seqüências de nomes em alguns trechos do texto.

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interprete de

LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo estou satisfeito bem colaboração do nosso

estudo.

148

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao

trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe libra

falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na sala

disciplina aprende dificuldade a professor(a) necessaria interprete explicar entende claro.

No texto 10, escrito por um usuário de LIBRAS há nove anos, na época da coleta

dos dados, também não há nenhuma ocorrência de uso inadequado. Marcamos em violeta

as conjunções ‘e também’, que aparecem em seqüência. Esse uso é comum em

interlocuções orais entre ouvintes. Ressaltamos os usos do conector ‘que’, ‘como’,

indicadoras da relação semântica de complementação, que introduz orações subordinadas

substantivas.

TEXTO 10

Eu, [NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade meu

relacionamento com os funcionario, professores e Diretores são otimo, só um problema, os

alunos (alguns) não sabe como ajuda o surdo, no trabalho de apresentação da sala de aula.

Não quer dizer que seja chato, mas sim a preoculpação como se comunica, Os surdos prefere

sempre apresenta trabalho na sala junto dos outros surdos, os surdos sempre prefere fazer

trabalho de disciplina junto dos outros surdos. Alguns quando não entendi na sala o que os

professores explicou e não sabe como fazer, nos fazemos reforço foram particula. A intérprete

são ótima e tem paciência com nós. Eu digo que tenho nenhum problema aqui. Tudo para mim

é otimo.

E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME

DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do texto.

No texto 14, escrito por um usuário de LIBRAS há dois anos, na época da coleta

dos dados, também não há nenhuma ocorrência de uso inadequado. Ressaltamos os usos do

conector ‘que’, conjunção indicadora da relação semântica de complementação, que

introduz orações subordinadas substantivas.

149

TEXTO 14

Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão, isso fica mais

fácil para eles.

Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no

auditório, eu ficava confuso, porque eu sabia muito pouco libras, só gestos. Mas foi otimo que

eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes.

Bom, aqui na faculdade que tem poucos cursos: Letras, Pedagogia, Psicologia e

Turismo. Eu acho que deve colocar mais cursos como Computação, Administração,

arquitetura... porque eu queria participar outro curso aqui o que eu gosto é computação.

Outra faculdade tem inclusão, mas paga interpretes por fora, fica mais caro. Aqui não,

porque já tem tudo pronto, por isso eu tenho esperança que o diretor resolve para colocar

mais cursos.

Os funcionários atendem bem aos surdos e entendem-los pouquinho como gestos, mas

eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos.

Eu agradeço os funcionarios, professores e interpretes que ajudaram-os muito.

No texto 5, escrito pelo surdo não-usuário de LIBRAS, houve um aparente uso

inadequado da conjunção ‘pois’, que se deve ao fato de haver uma oração intercalada entre

a que é introduzida pelo citado conector e a outra com a qual esta mantém a relação

semântica de explicação: “Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa.

Foi feito para estimular mais a minha audição, pois sempre usava o aparelho.” O autor

desse texto foi o único a usar as conjunções ‘mesmo’ e ‘tanto quanto’.

TEXTO 5

No início do curso de arquitetura, estava perdido, tinha dificuldade das falas dos

professores. Eu pedia a eles falarem pouco mais devagar e mais articulado, mesmo usando a

peça FM (Frequencia Modulada). O resultado foi positivo, só faltou o professor chamado [NOME

DA PESSOA REFERIDA] que é professor de Matematica, com ele, não conseguia compreender a

fala dele pois era bem complicada. A comunicação com os funcionarios foram o suficiente para

mim. Quando eu não entendia, pedia para eles falarem novamente. Isso é comum à

experiência do convívio social. Os professores e os coordenadores foram sempre atenciosos.

Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. Foi feito para estimular

mais a minha audição, pois sempre usava o aparelho. A cada ano passava na faculdade [NOME

DA IES], facilitava a comunicação pois conhecia as pessoas e acostumei a conviver com eles

tanto quanto eles aprendiam a me conviver. Eles conseguiam me compreender nas

apresentações dos trabalhos.

Foi importante essa instituição superior porque era o ambiente estimulante e

comunicativa.

150

No texto 9, escrito por um usuário de LIBRAS há 17 anos, na época da coleta dos

dados, também só há um uso inadequado, no caso, da conjunção ‘porque’, num contexto

em que caberia o uso de um pronome relativo, considerando que a oração “porque eu

cometo”, em que a palavra ‘cometo’ equivale a ‘comento’, funciona como adjunto

adnominal do termo ‘o problema’, que aparece na oração anterior. Marcamos em violeta as

conjunções ‘e também’, que aparecem em seqüência, um uso semelhante ao verificado no

texto 10, comum em interlocuções orais entre ouvintes. Verificamos, ainda, o uso

adequado da conjunção ‘então’, enlaçando o quarto ao terceiro parágrafo.

TEXTO 9

Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte, também cada

professoras já conheceu surdo já experiente a sala também ajudam. Sala inclusão com junto

alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para prova, ...). Ter alguem a relação.

Coordenadora foi muito bom, ela é responsável na sala, coordenadora anuncia a coisa e

também pesquisa avaliação na [NOME DA IES]. Porque quera desenvolver melhor na [NOME

DA IES] e também os surdos.

Tudo [NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque eu cometo não gosto

inclusão, porque senti diferença contato não tem inclusão e alguém diferença ensino surdo X

ouvinte.

Então só sala surdo e sem inclusão a melhor professora (cada materiais e interpreta ou

pode também as professoras ouvinte e com interpreta, ambos). à relação com o surdo aprende

mais e futuro vida se melhor...

No texto 7, verificamos usos inadequados da conjunção ‘quando’, num segmento

em que caberia a expressão ‘quanto’, provavelmente um equívoco no modo de grafia da

palavra. Identificamos o uso da conjunção ‘que’ enlaçando segmentos em que seria

adequado o uso do conector ‘pois’.

151

TEXTO 7

Eu me interesso de estudar na faculdade, desde o início não tinha interprete e me lutei

conversando com o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos e não sabia quando

eles precisam, por isso atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade.

O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil, porque falta os

sinais que tem muitas palavras novas da arquitetura. Os interpretes e os surdos precisam se

reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. Tenho dificuldade de escrever o

memorial justificativo e preciso uma pessoa me ajudar corrigir. Sou a unica surda da sala e não

tenho satisfeita a relação com os ouvintes, porque eles sabem que os surdos tem menos

vocabulário e acham que dar muito trabalho. Um ponto inpaciente que os professores não

aceitam quando o interprete corrigir a prova e fico preocupada quando os professores não

entender a minha língua escrita (libras). Já discutir com os professores e não adianta mudar a

cabeça, porque eles acham que os surdos são preguiçoso de escrever o texto igual aos

ouvintes.

Isto é o meu maior problema e preciso melhorar mais quando os professores abrem o

conhecimento da escrita dos surdos universitários.

No texto 8, escrito por um usuário de LIBRAS há quinze anos, na época da coleta,

identificamos três ocorrências da conjunção ‘como’. A primeira ocorrência aparece num

segmento com estruturação atípica, já que apresenta um complemento oracional para o

verbo ‘desenvolver’, que, nesse contexto, só admite complementos que não sejam orações.

Nas duas outras ocorrências, vêem-se usos mais próximos do que adota o sistema do

português na introdução de orações que estabelecem a relação semântica de

complementação.

152

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de

Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz

o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a

tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

No texto 13, verificamos usos desnecessários da conjunção ‘que’ na linha 2 e na

linha 9. Destacamos em vermelho a expressão ‘por que’, num segmento em que há a

relação semântica de causalidade. Nesse caso, percebe-se um equívoco na grafia da

palavra, que não é algo exclusivo da escrita de surdos.

TEXTO 13

Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na [NOME

DA IES]. O Diretor da [NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI, eles (surdos)

que ficou muito felizes. Só alguns os surdos passam um aprovado no vestibular. Meu amigo

tentou comigo, mandar que eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME DA IES], mas não

posso vou fazer, por que tenho dois empregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e outro

pela tarde e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA], não deu tempo. O ano passado sai o

emprego na Prefeitura. Vou pensar que vontade fazer a prova do vestibular já aceitei um

inscrição no mês de janeiro passado passei um aprovado. Pela primeira vez começar a minha

aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um interprete de [NOME DA PESSOA

REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem mas ele saiu cedo, porque ele está

estudando no curso de Pedagogia 5ª, ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] estava escondido que

acha e tímido. Eu fica surpresa ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas

das mãos p/ mim, fique muito feliz. Gosto muito aprendo muito bem todas as matérias,

também gosta de professores aqui na [NOME DA IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos

no curso de Pedagogia. Agora gosto muito de PORTUGUÊS Quero aprender bem.

A conjunção que parece oferecer mais dificuldade de uso para os participantes

desta pesquisa é o conector ‘mas’, que foi usado inadequadamente em 5 (cinco) textos do

153

corpus, a saber, textos 2, 3, 4, 6 e 12; todos escritos por usuários de LIBRAS há dez anos

ou mais na época da coleta dos dados. Na maioria desses casos, observamos usos

inadequados, em segmentos em que não há a relação semântica de oposição. No texto 2,

esse problema se evidencia na linha 6 do texto transcrito a seguir. Na primeira ocorrência

de uso do conector ‘mas’, entretanto, essa conjunção é dispensável, já que foi colocada

imediatamente antes da conjunção ‘assim’, que explicita a relação semântica existente

entre as duas orações que une.

No texto 2, ocorrem, também, dois usos da conjunção ‘como’, ocupando o lugar da

preposição ‘com’, que funciona no sistema de transitividade como introdutora dos

complementos da palavra ‘experiência’. É importante observar que, muito freqüentemente,

os surdos confundem essas duas palavras, em função de serem graficamente parecidas.

Identificamos, também, duas inserções da conjunção ‘que’ após o conector ‘porque’. Nesse

texto, ainda ocorre o uso da conjunção integrante ‘que’, adequadamente colocada em dois

segmentos.

TEXTO 2

Percebi a Facho ficar melhorar e claro que nunca vai a parar, mas assim vai

continuando tem oportunidade, porque que já tem planejou com ouvintes e surdos são

inclusão.

Então, nas salas dar todos certos, pois é, os professores não eram experiências como

próprios surdos, depois eles abrim experiências como surdos fazem escrivem próprios de

português, mas tem outros disciplinas e professores estão preocupadas como ajuda-las.

Coordenação também tem interesse com a gente, percebi dela que elas estão

preocupadas, dar duas professas para reforço com os surdos para entender bem.

Claro que tem cada uma sala e tem um intreperter esclarado e entende melhor.

A biblioteca, informaça, lanche, laboratório, xerox e mais são comunidade com os

surdos foi ótimo.

Agradito o Direito porque que ele aceitou os surdos estudam por aque a [NOME DA IES].

Gostaria de recebo a [NOME DA IES].

No texto 3, a única conjunção inadequadamente usada é ‘mas’, que indica oposição

entre segmentos em que ocorre a relação semântica de conclusão. Ressaltamos a omissão

da conjunção integrante ‘que’ na primeira linha do texto, no trecho: “[...] alguma pessoas

disse # [que] [NOME DA IES] e ótimo [...]”. Essa omissão revela influência da LIBRAS,

154

pois, nessa língua, os períodos em que há orações desse tipo se constroem sem a

conjunção.

TEXTO 3

[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse # [que] [NOME DA IES] e ótimo,

mas eu gosto muito da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para surdos tambem preocupado não perdeu prova,

Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos, porque Surdos gosto muito do coordenação,

Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele dá oque significado também

alunos gosto muito [NOME DA PESSOA REFERIDA], Se outro interprete pouco ajudo para Surdos,

Alguma surdos não gosto fraco interprete, todo surdos so quermos Interprete muito bom, é

[NOME DA PESSOA REFERIDA] .

Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, quero mais surdo entra fazer

vestibular no [NOME DA IES]

Todos Surdo quermos um sala so Surdo também dentro tens 2 computadores, mesa

grande, estuda e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no sala e computado, quase

lotado, falta surdos

No texto 4, há um segmento incoerente em função do uso inadequado do conector

‘mas’. A relação de sentido existente entre os segmentos presentes nas linhas 1 e 2 é de

explicação, o que seria adequadamente indicado pelo conector ‘pois’: “Mas gostei essa

faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser o luto bom”. Há,

ainda, uma contradição causada por uma informação dada no último parágrafo que nega

outra expressa no primeiro, sobre a presença de intérprete na IES: no primeiro parágrafo -

“[...] a faculdade tem interprete os alunos entende os professores falando”. / No último

parágrafo – “Mas a faculdade é bom precisa ter interprete para os alunos na sala [...]”,

ressaltamos a ocorrência marcada em azul, em que a palavra ‘mas’ exerce função de

marcador conversacional.

155

TEXTO 4

Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser

o luto bom mas a matéria é muito difícil mesmo já acostumada a sala de aula e bom os

professores ajudam os alunos, os alunos responda a questão cada matéria os alunos perguntam

os professores como essa História é muito importante saber disso sobre a faculdade tem

interprete os alunos entende os professores falando interprete ajudam os alunos.

Os professores e bom cada matéria é difícil mas não é muito difícil bem profundo

mesmo não isso é normal porque os professores respeitam os alunos também mais ou menos

respeitam mas agora já acostumado a sala de aula os alunos ajudam os surdos precisa saber

toda matéria já tem pronto Eu queria ajudam entender bem clara com os professores na sala.

Mas à faculdade é bom precisa ter o intérprete para os alunos na sala, Minha vida não

tinha preocupado essa faculdade não é isso normal já tinha acostumado essa faculdade tem

muita paciência mesmo eu não tinha medo na faculdade precisa melhorar cada os alunos

queriam ter interprete pra sempre.

No texto 6, também ocorre um uso inadequado da conjunção ‘mas’, que aparece

unindo segmentos em que não há a relação semântica de oposição. Verificamos dois usos

da conjunção ‘como’, indicando a relação semântica de complementação.

TEXTO 6

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com os

surdos.

funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem vontade

aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/ os surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ os surdos. também as professores

precisam aprender c/ conviver os surdos.

No texto 12, escrito por um usuário de LIBRAS há 27 anos, na época da coleta,

verificamos a recorrência das conjunções ‘e’ e ‘também’ e um uso inadequado da

conjunção ‘mas’, que une segmentos em que não há relação de oposição.

156

TEXTO 12

Aqui, estam bom, alunos estam relação na sala, também os professores e outras.

Acho melhor na sala à aula, as professora vão LIBRAS melhor, elas ajudam cada surdos

desenvolvem e relação também funcionários e outros

Secretária tem responsável organização só surdos, cada papel o nome, eu gosta

secratária gosta surdos relação elas.

Facho assume ajudar os surdos, eu esta feliz, mas surdos culturais diferente cada à

vida. Surdos tem interesse e curiosa à aula, professora fala muito, aprende melhor.

Interprete tem relação os surdos também ouvir, Eu ajuda ensinar LIBRAS diferente o

interprete aprende melhor e desenvolver.

Eu fiquei feliz, muito Obrigada [NOME DA IES] e também você.

No texto 1, observamos a omissão da conjunção integrante ‘se’, que deveria

introduzir a oração subordinada substantiva presente no seguinte segmento: “Gostaria de

saber, # [se] posso escrever uma carta para você.”. Como já referimos por ocasião da

análise do texto 3, essa construção evidencia influência da LIBRAS. Verificamos o uso da

conjunção ‘que’, em lugar da preposição ‘a’, numa perífrase verbal e o conector ‘por isso’,

unindo dois segmentos entre os quais existe a relação semântica de explicação.

Verificamos, ainda, nesse texto, o uso de duas conjunções seqüenciadas indicadoras de

adição, ‘e também’.

TEXTO 1

Gostaria de saber, # [se] posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES], fiquei feliz mesmo. Primeiro dia de

aula, começei que tinha medo a relação com professores, porque eu tenho dificuldades a

relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois segundo dia que eu

fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou claramente e também tenho

dificuldades a relação com ouvintes, pois eu tentei atenção com lábios o que ouvintes estava

falando. Depois um ano que minhas colegas, professores, alguns as pessoas estudam na

[NOME DA IES] sabem alguns libras.

Fiquei feliz que coordenadora [NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe Libras, eu tinha alívio

pois não tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA] .

Agradeço à Deus, alguns professores da [NOME DA IES] aceitaram que surdos

escreveram próprio de escrita a LIBRAS.

Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] e tenho # [que] conviver com colegas da [NOME

DA IES].

157

Terminado o levantamento dos recursos de coesão não-estrutural presentes nos

textos do corpus, apresentamos conclusões que nos permitem elencar alguns aspectos

desse âmbito de análise como característicos de textos escritos por surdos. Entre todas as

peculiaridades observadas, ressaltamos, primeiramente, aquelas que se mostram como

influência do uso da Língua Brasileira de Sinais. A análise revelou que os surdos

participantes da pesquisa usuários de LIBRAS há 10 anos ou mais usam menos

recursos de reiteração que o surdo usuário do português e os demais surdos

oralizados usuários de LIBRAS há menos de dez anos. Os recursos de reiteração,

segundo Antunes (2005, p. 52), são ações por meio das quais se promovem as relações

entre “os elementos do texto que vão de algum modo sendo retomados, criando-se um

movimento constante de volta aos segmentos prévios”.

Especialmente nos textos escritos por usuários de LIBRAS há dez anos ou mais,

existe a alta recorrência de uso dos recursos de reiteração por repetição e de retomada

por elipse, mas a ausência de substituição por sinônimos, hiperônimos e nomes

genéricos. O uso de termos genéricos foi observado apenas no texto 5, cujo autor não é

usuário da língua de sinais. Identificamos o uso de uma paráfrase no texto de um surdo

usuário de LIBRAS há 8 (oito) anos na época da coleta. Atribuímos a ausência de usos de

recursos de substituição lexical ao fato de a LIBRAS dispor de um léxico numericamente

bastante inferior que o do português, o que pode ser comprovado pelo acervo lexical

oferecido pelo dicionário mais completo de LIBRAS, de Capovilla; Raphael (2001), que

apresenta cerca de 3.500 verbetes, o que representa apenas 1,53% do acervo apresentado

pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, que dispõe de 228.000 entradas.

Conhecendo menos palavras que os ouvintes, é natural que apresentem um vocabulário

menos diversificado e que não conheçam palavras que mantêm relações de identidade

semântica com outras mais usuais.

Outro dado significativo acerca da influência da LIBRAS diz respeito às

peculiaridades observadas quanto ao recurso de substituição pronominal, principalmente,

no que se refere aos usos de pronomes, em especial, aos usos de pronomes pessoais, nos

textos do corpus. Como já informamos, não aparecem pronomes de nenhum tipo nos

textos 8 e 15, não há pronomes pessoais nos textos 6 e 11 e não ocorrem usos de

pronomes oblíquos nos textos 2, 4 e 12. Os autores desses textos, que já eram usuários

de LIBRAS há 10 (dez) anos ou mais, na época da coleta dos dados, omitiram ou usaram

158

poucos pronomes pessoais num gênero textual que propicia principalmente o uso desses

elementos lingüísticos, já que se trata de um depoimento de caráter subjetivo.

Como já informamos, não há sinais específicos nessa língua para esse tipo de

pronome. A indicação das pessoas do discurso nas interlocuções feitas por meio da

LIBRAS se dá através da apontação ostensiva para um referente específico ou para um

ponto no espaço em que se estabelece convencionalmente o posicionamento de um

referente ausente no momento da interlocução é o recurso existente para alusão às pessoas

do discurso, que, em português, podem ser representadas lingüisticamente por substantivos

ou por pronomes. A apontação funciona para representar os pronomes pessoais de 1ª, 2ª e

3ª pessoas sem distinção entre as categorias de pronomes retos e oblíquos. No singular, o

sinal para todas as pessoas é o mesmo, o que difere um do outro é a orientação direcional

da mão. Dependendo da situação, a apontação é dispensada pelos interlocutores,

principalmente aquela que indica o sujeito do verbo na 1ª pessoa do singular. Numa

sentença em que alguém diga, por exemplo, “Eu viajo muito”, em LIBRAS, é comum

sinalizar apenas “VIAJAR MUITO”.

Quanto aos recursos de conexão, verificamos pouca diversidade de conjunções,

sendo recorrentes ‘e’ e ‘também’. Como já afirmamos, a LIBRAS dispõe de um léxico

numericamente bastante inferior ao do português e, quanto às conjunções, só há sinais

equivalentes aos conectores ‘mas’, ‘também’, ‘ou’, ‘porque’, ‘por isso’, ‘como’, ‘se’.

Apenas o autor do texto 5, não-usuário de LIBRAS, fez uso de conectores diferentes dos

demais autores, a saber, ‘mesmo’ e ‘tanto quanto’.

Percebemos a dificuldade dos autores dos textos 2, 3, 4, 6 e 12, todos escritos por

usuários de LIBRAS há dez anos ou mais na época da coleta dos dados, com o uso da

conjunção ‘mas’. A maioria dos usos se dá entre segmentos em que não há a relação

semântica de oposição. Ressaltamos o fato de o conector ‘que’, indicador da relação de

complementação, só aparecer no texto 2, entre os textos escritos por usuários de

LIBRAS há mais de dez anos e aparecer nos textos 7, 10, 13 e 14, escritos por usuários

de LIBRAS há menos de dez anos. A conexão no período complexo em que há orações

substantivas em LIBRAS não é marcada pelo uso do conector integrante. Um enunciado

como “Eu acho que ele tem tempo”, é sinalizado “EU ACHAR EL@ TER TEMPO”. Esse

é o aspecto da língua de sinais que influenciou a omissão das conjunções integrantes ‘se’ e

‘que’ nos textos 1 e 3, respectivamente, pois os autores desses textos já eram usuários de

LIBRAS há mais de dez anos, na época da coleta dos dados. Identificamos, nos textos 6, 8

159

e 10, o uso do conector ‘como’, estabelecendo a relação de complementação. Esse

conector é bastante usado pelos surdos em interações por meio da LIBRAS.

Há, ainda, a dificuldade de flexão de nomes e de pronomes, especialmente no que

diz respeito à flexão de gênero. Verificamos essa dificuldade tanto no texto do não-usuário

de LIBRAS, quanto em textos de usuários da língua de sinais. Isso nos leva a considerar

que esse aspecto tem origem no modo de interação instaurado pela surdez.

A tabela 4 resume os achados desse bloco de análise. Estão destacadas em amarelo

as seções da tabela referentes aos resultados da análise dos textos do participante não-

usuário de LIBRAS e dos participantes que usam LIBRAS há menos de 10 (dez anos).

160

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163

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14

OR

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167

TA

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4 -

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15

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168

4.2.2 A coesão estrutural

A coesão estrutural decorre das relações existentes entre as palavras constituintes

de uma superfície textual que naturalmente aderem umas às outras em razão da força da

estrutura, que implica desde a ordenação dos elementos constituintes frásticos, as relações

de concordância nominal e verbal, até as relações de subordinação estrita, isto é, as que

ocorrem entre os termos da oração.

Não pretendemos dar conta, neste trabalho, de todos os mecanismos de coesão

estrutural. Selecionamos aspectos desse tipo de coesão que estão diretamente ligados às

especificidades da superfície lingüística dos textos constituintes de nosso corpus de

análise, que distinguem os textos escritos por surdos daqueles escritos por ouvintes.

Decidimos estudar aspectos relativos ao funcionamento de duas classes de palavras com as

quais os voluntários da pesquisa demonstraram dificuldades em operar na escrita de seus

textos, a saber, verbos e preposições. Por esse motivo, nesta seção, apresentaremos apenas

alguns aspectos teóricos referentes aos usos de verbos e de preposições que estão ligados

às peculiaridades observadas nos textos do corpus imediatamente antes dos blocos de

análises correspondentes a cada aspecto teórico apresentado.

4.2.2.1 Aspectos da coesão estrutural dos textos do corpus

Os textos constituintes do nosso corpus de análise se organizam, em alguns

aspectos, em modos que não se enquadram nos padrões das manifestações de linguagem da

maioria dos indivíduos ouvintes. Acreditamos que a explicação para a origem desse perfil

atípico é que alguns dos aspectos organizacionais são decorrentes da atuação simultânea,

no processo de textualização, de dois padrões sintáticos de naturezas bem diferentes — do

modo de expressão gesto-visual e da língua oral-auditiva, no caso, da LIBRAS, e do

português.

Em todos os textos do corpus, existem aspectos que os distinguem de textos escritos

por ouvintes. Entendemos que as peculiaridades observadas têm origem nas

especificidades interacionais instauradas pela surdez, fenômeno dificultador da aquisição

de certos traços das línguas oral-auditivas. Na verdade, a nosso ver, a surdez instaura uma

espécie de “bilingüismo natural”.

Svartthon (1999, p. 19) afirma que “erros [de escrita] que têm sido observados pelos

169

profissionais como peculiares a pessoas surdas, na verdade, evidenciam a condição da

escrita em uma segunda língua”. A nosso ver, a questão é um tanto mais complexa, pois

mesmo os textos escritos por surdos que não são usuários de LIBRAS, ou que aprenderam

a língua de sinais tardiamente e passaram por longo processo de oralização apresentam

peculiaridades, ainda que em menor grau se comparados aos textos de surdos não-

oralizados e usuários de LIBRAS há mais tempo. Talvez, as peculiaridades de textos dos

surdos apresentem semelhanças com textos escritos por usuários ouvintes de uma língua

oriental, em processo de aprendizagem do português, devido às substanciais diferenças de

um sistema alfabético para um sistema ideográfico, como é o do idioma japonês.

Há, de fato, nos textos escritos por surdos, evidências de que operam dois sistemas

lingüísticos bem distintos, pois o bilingüismo dos surdos é bastante diverso de outros tipos

de bilingüismo, já que mesmo um surdo não-usuário de uma língua de sinais necessita

operar simultaneamente com mais de um sistema de linguagem em muitas situações

cotidianas, pois prefere se expressar por meio da linguagem gesto-visual, ainda que por

meio de um sistema criado no contexto intrafamiliar. Quanto aos oralizados, há muitas

situações de interação face a face que exigem desses indivíduos o recurso a gestos ou à

mímica, a fim de que possam se comunicar. As peculiaridades que observamos em nosso

corpus indicam dificuldades de um tipo de bilingüismo bastante diferente daquele em que

um indivíduo se apropria de duas línguas oral-auditivas, uma vez que, no caso dos surdos,

as duas línguas são de naturezas bem distintas: uma oral-auditiva e outra gesto-visual. A

primeira se apresenta com um sistema sintático linear em suas modalidades falada e

escrita. A segunda, que só dispõe da modalidade gesto-visual, pois é ágrafa, apresenta um

tipo de sintaxe espacial.

Outro aspecto merece destaque nessa discussão é o fato de que o aprendizado

formal da segunda língua por parte dos surdos se dá, na maioria dos casos, com ênfase na

língua escrita, ou seja, a maioria dos surdos aprendem a segunda língua, no caso dos

brasileiros, o português, na modalidade escrita, sem desenvolver adequadamente o

aprendizado da modalidade oral, quando o comum é que o percurso metodológico se dê de

modo semelhante à aquisição dessa língua por parte dos falantes nativos: primeiramente, a

modalidade oral; depois, a escrita. Como a fala é a matriz para a aquisição da linguagem,

aprender uma segunda língua “saltando-se” a etapa de aprendizagem da modalidade oral é

uma estratégia que dificulta a construção de conhecimentos consistentes sobre muitas

formas de uso dessa língua.

170

Esta parte da análise objetiva trazer à tona algumas especificidades desse

hibridismo estrutural ocasionado pelos traços organizacionais tanto da LIBRAS usada por

surdos, ou das especificidades interacionais instauradas pela surdez, quanto da língua

portuguesa usada pelos ouvintes com os quais convivem, que criam nas superfícies de

textos escritos por surdos um sistema coesivo peculiar, o que causa estranhamento e leva

muitos a acharem que essas produções não podem ser consideradas textos. Entretanto,

como todo sistema coesivo, este também funciona como porta de entrada para o universo

conceitual do texto, e conhecer as peculiaridades desse sistema, certamente, nos ajuda a

atribuir sentido aos textos de surdos e a compreender as idéias que expressam por meio da

escrita.

4.2.2.1 Verbos

Os verbos constituem, em geral, os predicados das orações. Segundo Neves (2000,

p. 25), os predicados “designam as propriedades ou relações que estão na base das

predicações que se formam quando eles se constroem com seus argumentos (os

participantes da relação predicativa) e com os demais elementos do enunciado.” (Grifos

da autora). De acordo com a mesma autora, só não constituem predicados os verbos que

modalizam, os que indicam aspecto e os que auxiliam a indicação de tempo e de voz. Os

verbos aparecem na forma simples, ou na forma de perífrases (ou locuções), em que há um

verbo auxiliar, que aparece flexionado em modo e tempo, um verbo principal, que aparece

no infinitivo, no gerúndio ou no particípio.

Não pretendemos abarcar a totalidade de aspectos ligados aos usos de verbos na

análise dos textos do corpus, mas apenas analisar questões ligadas aos usos e às omissões

de verbos que revelam influência do modo de interação instaurado pela surdez e a

influência da LIBRAS. Verificamos, primeiramente, os tipos de verbos, quanto à

classificação semântica, que aparecem ou são omitidos em alguns textos. Em seguida,

identificamos as seqüências atípicas de verbos que aparecem em alguns textos do corpus

que não obedecem a critérios de construção de perífrases e de verbos que têm

complementos oracionais em português. Finalizando esta parte da análise, identificamos as

formas verbais que se apresentam com flexão peculiar em alguns textos do corpus.

171

4.2.2.1.1 Aspectos ligados à subclassificação semântica dos verbos

Neves (2000, p. 25-49) apresenta duas subclassificações dos verbos que constituem

predicados: a subclassificação semântica, em que se enquadram as categorias (dinâmicos e

não-dinâmicos), e a classificação segundo a transitividade. Dessas duas classificações, só

nos interessa a primeira. Na explanação da teoria de Neves, transcreveremos alguns

exemplos usados pela autora.

A subclassificação semântica se baseia nas unidades semânticas presentes nos verbos:

1. verbos dinâmicos, indicadores de ação ou atividades. Esses verbos são

acompanhados por um participante agente ou causativo, podendo haver, ou não,

outro participante (afetado ou não), isto é, podendo haver, ou não, um processo

envolvido (batucar, cumprimentar, bater ... ).

EXEMPLOS:

O sambista BATUCAVA uma caixa de fósforos marcando o ritmo; um engraxate

BATUCAVA na caixa. (MPB)

SAPATEOU, CANTOU, ABRIU os braços e DEU um longo agudo que quase QUEBROU

as taças de cristal. (BL)

(Neves, 2000, p. 26)

2. verbos dinâmicos, indicadores de processos que envolvem uma relação entre

um nome e um estado, sendo o nome paciente do verbo (afetado) (brotar,

florescer, adoecer ... ).

EXEMPLOS:

A miraculosa planta somente FLORESCE na solidão do inferno. (CP) O Alferes não

MORREU, nem mesmo ADOECEU. (ALF) (Neves, 2000, p. 26)

3. verbos não-dinâmicos, indicadores de estados, são acompanhados por um

sintagma nominal (sujeito) que é suporte do estado (permanecer, existir ... ).

EXEMPLOS:

Gumercindo PERMANECEU parado. (VD)

Não EXISTE mais o edifício “Ar! Noveau”. (LM)

172

Existem ainda, segundo Neves, verbos que ocorrem em orações que não têm a

presença de um sintagma nominal. Essas orações implicam apenas um predicado, não

havendo agente ou paciente. Fica implicado um processo ou um estado em um ambiente,

sem que haja referência a nada particular dentro desse ambiente.

EXEMPLOS:

É já tarde: seu marido deve estar esperando. (A) ESTÁ calor. (AF)

4.2.2.1.1.2 Usos e omissões de verbos quanto à subclassificação semântica nos textos do corpus

A maioria dos estudos que aludem à escrita de surdos dão conta de que os textos

são lacunosos. Observamos, em nosso estudo, essas lacunas. Na maioria dos textos do

corpus, ocorre omissão de conectores e de verbos. Verificamos, contudo, que a omissão de

verbos é a que ocorre em menor freqüência. Marcamos, nos exemplares dos textos do

corpus, os segmentos em que foram omitidos os verbos com o sinal #. Em seguida, entre

chaves, indicamos o provável verbo omitido em negrito.

Como pode ser observado na tabela 5, a omissão de verbos ocorre em 9 (nove) dos

textos do corpus. Essas omissões, na maioria dos casos de verbos não-dinâmicos,

ocorrem em 13 (treze) sentenças, todas em textos de surdos usuários de LIBRAS há 9

(nove) anos ou mais. Foi omitido apenas um verbo dinâmico, no seguinte segmento textual

do texto 12, escrito por um surdo não-oralizado usuário de LIBRAS há 27 anos, na época

da coleta: “[...] as professora vão # [aprender/saber] LIBRAS melhor”. No texto produzido

por um surdo oralizado não-usuário de LIBRAS, não há omissões de verbos.

Essas omissões revelam a influência da LIBRAS, língua em que não existem os

verbos não-dinâmicos indicadores de estado. Uma sentença como: “A criança é

inteligente”, seria sinalizada na língua de sinais: “CRIANÇA INTELIGENTE”. Corrobora,

esse nosso ponto de vista o fato de a omissão desse tipo de verbo só ter ocorrido em textos

dos participantes que são usuários de LIBRAS há mais tempo. O fato de os demais

voluntários terem mais tempo de vivência com a língua oral auditiva explica o uso dos

verbos indicadores de estado em seus textos.

173

TABELA 5 – TEXTOS EM QUE OCORREU OMISSÃO DE VERBOS TEXTOS CARACTERÍSTICA DOS

AUTORES QUANTO À ORALIZAÇÃO

CARACTERÍSTICAS DOS AUTORES QUANTO À

UTILIZAÇÃO DA LIBRAS

TEMPO DE USO DA

LIBRAS

3 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 16 ANOS

12 ANOS

4 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

10 ANOS

6 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 15 ANOS

10 ANOS

8 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

15 ANOS

9 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 5 ANOS

17 ANOS

10 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 23 ANOS

9 ANOS

12 NÃO-ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 12 ANOS

27 ANOS

13 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 24 ANOS

9 ANOS

15 ORALIZADO USUÁRIO DE LIBRAS A PARTIR DOS 13 ANOS

16 ANOS

A seguir, transcrevemos os exemplares do corpus em que ocorreram omissões de

verbos e negritamos todos os verbos dinâmicos que contribuem, juntamente com os

substantivos e adjetivos, também negritados nos textos, para a construção da rede lexical

do universo ‘ensino-aprendizagem’. Essa rede é a responsável pela manutenção da unidade

temática, pois assinala a continuidade tópica dos textos. Optamos por sublinhar todos os

demais verbos presentes nos textos.

No texto 3, os lugares das sentenças em que ocorreram as omissões poderiam ser

preenchidos pelos verbos não-dinâmicos ‘estar’ e ‘haver’, respectivamente: (1)

“(intérprete) [...] também # [está] preocupado não perdeu prova [...]”; (2) “Se #

[houvesse] outro interprete pouco ajudo para Surdos [...]”.

TEXTO 3

[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse [NOME DA IES] e ótimo, mas eu gosto muito

da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para surdos tambem # [está] preocupado não perdeu prova, Coordenação

precisa ajuda melhor para Surdos, porque Surdos gosto muito do coordenação, Interprete do [NOME DA

PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele dá oque significado também alunos gosto muito [NOME DA PESSOA

REFERIDA], Se # [houvesse] outro interprete pouco ajudo para Surdos, Alguma surdos não gosto fraco

interprete, todo surdos so quermos Interprete muito bom, é [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, quero mais surdo entra fazer vestibular no

[NOME DA IES]

Todos Surdo quermos um sala so Surdo também dentro tens 2 computadores, mesa grande, estuda

e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no sala e computado, quase lotado, falta surdos.

174

Observamos, porém, no texto 3, o uso da forma verbal não-dinâmica ‘é’ em quatro

sentenças, sendo que a segunda ocorrência (linha 1) aparece sem o acento gráfico.

Já no texto 10, só identificamos a omissão de um verbo não-dinâmico, num lugar

que poderia ser ocupado pelo verbo ‘haver’, ou pelo verbo ‘existir’: “[...] só # [há/existe]

um problema [...]”. Aparecem, contudo, as formas verbais não-dinâmicas ‘são’, ‘seja’ e ‘é’.

TEXTO 10

Eu, [NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade meu relacionamento com

os funcionario, professores e Diretores são otimo, só # [há/existe] um problema, os alunos (alguns) não

sabe como ajuda o surdo, no trabalho de apresentação da sala de aula. Não quer dizer que seja chato,

mas sim a preoculpação como se comunica, Os surdos prefere sempre apresenta trabalho na sala junto

dos outros surdos, os surdos sempre prefere fazer trabalho de disciplina junto dos outros surdos. Alguns

quando não entendi na sala o que os professores explicou e não sabe como fazer, nos fazemos reforço

foram particula. A intérprete são ótima e tem paciência com nós. Eu digo que tenho nenhum problema

aqui. Tudo para mim é otimo.

E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME DA IES]

para explica o que não entendemos na leitura do texto.

No texto 13, há duas omissões de verbos não-dinâmicos: (1) “[...] um # [foi]

aprovado no vestibular.”; (2) “[...] ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] # [teve]

coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim [...]”. Nesse texto, também ocorre o uso de

outros verbos não-dinâmicos, incluindo o verbo ‘ter’ e a forma verbal ‘é’, que aparece na

linha 10 sem o acento gráfico.

TEXTO 13 Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na [NOME DA IES]. O

Diretor da [NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI, eles (surdos) que ficou muito felizes.

Só alguns os surdos passam um # [foi] aprovado no vestibular. Meu amigo tentou comigo, mandar que

eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME DA IES], mas não posso vou fazer, por que tenho dois

empregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e outro pela tarde e noite na [NOME DA EMPRESA

REFERIDA], não deu tempo. O ano passado sai o emprego na Prefeitura. Vou pensar que vontade fazer a

prova do vestibular já aceitei um inscrição no mês de janeiro passado passei um aprovado. Pela

primeira vez começar a minha aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um interprete de

[NOME DA PESSOA REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem mas ele saiu cedo, porque ele está

estudando no curso de Pedagogia 5ª, ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] estava escondido que acha e

tímido. Eu fica surpresa ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] # [teve] coragem ensinar as línguas das mãos p/

mim, fique muito feliz. Gosto muito aprendo muito bem todas as matérias, também gosta de

professores aqui na [NOME DA IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de Pedagogia.

Agora gosto muito de PORTUGUÊS Quero aprender bem.

175

O fato de nos textos acima não haver omissão da forma verbal ‘é’ provavelmente se

deve ao fato de essa palavra ser a que ocorre com o mais alto índice de freqüência nos usos

do português (NASCIMENTO, 1987).

Já no texto 12, escrito pelo surdo não-oralizado usuário de LIBRAS há 27 anos, na

época da coleta, verificamos a omissão de um verbo dinâmico na linha 2, na sentença: “as

professora vão # [aprender/saber] LIBRAS melhor.” O outro verbo omitido é o verbo ‘ter’,

na sentença: “[...] surdos # [têm] culturais diferente cada à vida. Aparecem, contudo, duas

ocorrências do verbo ‘estar’, na primeira linha, com uma forma de flexão atípica, e, na

sexta linha, flexionado na forma de 3ª pessoa do singular, sem o acento gráfico, referindo-

se ao sujeito de 1ª pessoa do singular. Ainda aparece o verbo ‘ter’, em: “Secretária tem

responsável organização [...]”; “Surdos tem interesse e curiosa à aula [...]” e “Interprete

tem relação os surdos [...]”.

TEXTO 12 Aqui, estam bom, alunos estam relação na sala, também os professores e outras.

Acho melhor na sala à aula, as professora vão # [aprender/saber] LIBRAS melhor, elas ajudam

cada surdos desenvolvem e relação também funcionários e outros

Secretária tem responsável organização só surdos, cada papel o nome, eu gosta secratária gosta

surdos relação elas.

[NOME DA IES] assume ajudar os surdos, eu esta feliz, mas surdos # [têm] culturais diferente

cada à vida. Surdos tem interesse e curiosa à aula, professora fala muito, aprende melhor.

Interprete tem relação os surdos também ouvir, Eu ajuda ensinar LIBRAS diferente o interprete

aprende melhor e desenvolver.

Eu fiquei feliz, muito Obrigada [NOME DA IES] e também você.

No texto 4, é perceptível a omissão do verbo ‘estar’ em duas sentenças com a mesma

estruturação sintática: (1) “[...] já # [estou] acostumada a sala de aula [...]; (2) “agora já #

[estão] acostumado a sala de aula”. Constatamos a omissão da forma verbal ‘é’ nas linhas

4 e 6, mas essa forma verbal aparece em nove ocorrências na superfície do texto, sendo

que, em duas, sem o acento gráfico. Nesse texto, aparece, ainda, o verbo ‘ser’, na forma do

infinitivo, e ocorrências do verbo ‘ter’ como não-dinâmico, como na sentença: “[...] essa

faculdade tem muita paciência mesmo [...]”.

176

TEXTO 4 Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser o luto

bom mas a matéria é muito difícil mesmo já # [estou] acostumada a sala de aula e bom os professores

ajudam os alunos, os alunos responda a questão cada matéria os alunos perguntam os professores

como # [é] essa História é muito importante saber disso sobre a faculdade tem interprete os alunos

entende os professores falando interprete ajudam os alunos.

Os professores e bom cada matéria é difícil mas não é muito difícil # [é] bem profundo mesmo

não isso é normal porque os professores respeitam os alunos também mais ou menos respeitam mas

agora já # [estão] acostumado a sala de aula os alunos ajudam os surdos precisa saber toda matéria já

tem pronto Eu queria ajudam entender bem clara com os professores na sala.

Mas à faculdade é bom precisa ter o intérprete para os alunos na sala, Minha vida não tinha

preocupado essa faculdade não é isso normal já tinha acostumado essa faculdade tem muita paciência

mesmo eu não tinha medo na faculdade precisa melhorar cada os alunos queriam ter interprete pra

sempre.

No texto 6, verificamos apenas a omissão da forma verbal ‘é’, na primeira linha.

Aparece o verbo ‘ter’, como não-dinâmico, na sentença: “funcionário as pessoas tem

interesse aprender libras [...]”.

TEXTO 6 Minha faculdade [NOME DA IES], # [é] muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com os

surdos.

funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem vontade aprender de

libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/ os surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ os surdos. também as professores precisam

aprender c/ conviver os surdos.

No texto 9, verificamos a omissão da forma verbal ‘é’ na segunda linha, mas o uso

dessa mesma forma verbal na linha 4, assim como o uso da forma verbal ‘foi’.

Identificamos, ainda, o uso de formas não-dinâmicas do verbo ‘ter’.

177

TEXTO 9

Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte, também cada

professoras já conheceu surdo já # [é] experiente a sala também ajudam. Sala inclusão com junto

alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para prova, ...). Ter alguem a relação.

Coordenadora foi muito bom, ela é responsável na sala, coordenadora anuncia a coisa e

também pesquisa avaliação na [NOME DA IES]. Porque quera desenvolver melhor na [NOME DA IES] e

também os surdos.

Tudo [NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque eu cometo não gosto inclusão,

porque senti diferença contato não tem inclusão e alguém diferença ensino surdo X ouvinte.

Então só sala surdo e sem inclusão a melhor professora (cada materiais e interpreta ou pode

também as professoras ouvinte e com interpreta, ambos). à relação com o surdo aprende mais e futuro

vida # [vai] se melhor...

No texto 15, ocorrem duas omissões da forma verbal ‘é’, a omissão do verbo ‘ter’ e

nenhuma ocorrência de uso de outros verbos não-dinâmicos. Esclarecemos que a nossa

hipótese da omissão do verbo ‘ter’ se baseia nas informações dadas nas orações

subseqüentes à palavra ‘dificuldade’. O autor deixou elípticos os sujeitos das formas

verbais ‘escreve’ e ‘usar’, que teriam o mesmo referente (o autor do texto), nas orações em

que apresenta os motivos que o levaram a “ter” dificuldades.

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante # [é] de estuda na sala. Mas # [tenho] dificuldades disciplina à

prova ao trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe

libra falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na sala disciplina

aprende dificuldade a professor(a) # [é] necessaria interprete explicar entende claro.

No texto 8, há uma sentença incompleta, destacada em azul, pois a estruturação

dessa sentença não prescinde de um predicador, tanto que não é possível saber o que o

autor do texto pretendia dizer sobre ‘palestra’ e ‘projeto’ que ocupam o lugar do sujeito da

oração. Por faltarem mais elementos, não nos foi possível sequer levantar a hipótese da

unidade lexical omitida.

178

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de

Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz o

pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do conhecimento do

Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto # [?]. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a tema”,

estou pedindo uma ajuda como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

Todas essas sentenças em que há omissão de verbos seriam sinalizadas na LIBRAS

sem esses elementos, fato que revela a influência dessa língua na escrita dos autores dos

textos acima transcritos. A presença de outros verbos não-dinâmicos revela o

conhecimento desses indivíduos acerca dessas palavras, mas inconsistência de

conhecimento acerca dos contextos de uso. Essa inconsistência é o que contribui para a

instauração do que denominamos hibridismo estrutural, pois estão imbricadas nas

superfícies desses textos as estruturas do português e da LIBRAS.

Interessante observar, porém, que a omissão dos verbos nos textos do corpus não

perturba a coerência global desses textos. A manutenção da coerência se dá porque a

maioria dos verbos omitidos pertencem à subcategoria semântica, formulada por Neves

(2000), dos verbos não-dinâmicos indicadores de estado, que, na categorização de Mira

Mateus, são denominados verbos estativos. Essa categoria de verbos tem força semântica

mais fraca que a dos verbos dinâmicos indicadores de ações e processos. Entre os verbos

que se enquadram nessa categoria, estão os verbos ‘ser’, ‘estar’, ‘haver’, ‘existir’ e ‘ter’.

Segundo Neves (2000), os verbos não-dinâmicos indicadores de estado são os que

exprimem um estado em conjunto com unidades de base nominal. Quer dizer, para a

expressão da idéia pretendida nesse tipo de sentença, esses verbos não só não se bastam,

como também perdem em força semântica para as expressões nominais que os

acompanham. No exemplo (b), “Minha faculdade [nome da IES] # [é] muito bom”, assim

como nos demais exemplos aludidos anteriormente, a omissão dos verbos não impede que

se compreendam as idéias veiculadas pelos autores.

Consideramos que a omissão de verbos não-dinâmicos deve-se à influência da

179

LIBRAS, uma vez que não há nessa língua sinais para verbos dessa natureza. Constatamos

o uso de verbos dinâmicos ligados à temática desenvolvida nos textos, que constituem

parte da rede de coesão não-estrutural, classificada por Antunes (2005) de coesão lexical.

Esse procedimento coesivo se dá pela seleção de palavras pertencentes ao mesmo campo

lexical. Do campo lexical do universo ‘ensino-aprendizagem’, no qual se inscreve a

temática desenvolvida nos textos constituintes do nosso corpus de análise, verificamos, nos

textos em que há omissões de verbos, a ocorrência dos seguintes verbos dinâmicos:

‘aprender’ (8 ocorrências), ‘compreender’ (1 ocorrência), ‘corrigir’ (2 ocorrências),

‘ensinar’ (5 ocorrências), ‘entender’ (6 ocorrências), ‘estudar’ (3 ocorrências), ‘escrever’

(3 ocorrências), ‘explicar’ (3 ocorrências), ‘passar’ [= ser aprovado] (2 ocorrências),

‘pesquisar’ (1 ocorrência) e ‘saber’ (4 ocorrências).

4.2.2.1.2 Ordenação seqüencial de verbos em português

Os verbos, em português, podem aparecer em seqüência, quando (a) há intenção de

modalizar um enunciado; (b) na construção de perífrases (ou locuções verbais) dentro de

uma oração; ou (c) em períodos compostos, em que uma oração subordinada de valor

substantivo, não introduzida por conjunção e com verbo no infinitivo, gerúndio ou

particípio, funciona como sujeito, aposto e como complemento de um verbo ou de um

nome presente na oração principal. Neves (2000, p. 62) informa que os verbos das

categorias ‘a’ e ‘b’ não são predicados, mas operadores gramaticais e indicam modalidade,

aspecto, tempo e voz.

Os verbos modalizadores “se constroem com outros para modalizar os enunciados,

especialmente para indicar modalidade epistêmica (ligada ao conhecimento) e deôntica

(ligada ao dever)”. (grifos da autora).

EXEMPLOS:

a) Entendo que uma escola moderna DEVE ser eminentemente educativa, onde a

fraternidade DEVE ser o fim. (ORM)

b) Quando reina a ignorância, qualquer pequeno fato PODE se transformar em uma

catástrofe. (FSP)

180

c) PRECISAMOS ser gratos a Deus pelo que recebemos. (MAR)

Os verbos que entram na constituição de perífrases podem:

a) indicar aspectos verbais (inceptivo, cursivo, habitual, progressivo, terminativo,

resultativo, freqüentativo) (Neves, 2000, p. 63-64).

EXEMPLOS:

a) Ricardo ESTAVA FALANDO com João Camilo. (ED) (aspecto cursivo)

b) E a violência VAI CRESCENDO à medida que é silenciada. (FSP) (aspecto

progressivo)

(b) funcionar como auxiliares de tempo, no caso, os verbos ter e haver, construídos com

particípio, indicando o tempo no passado e, construídos com infinitivo, indicando tempo

futuro (Neves, 2000, p. 64-65).

EXEMPLOS:

a) Vamos dizer que a gente TIVESSE ASSALTADO, por engano, uma academia de

caratê. (FSP)

b) VAMOS ARRANJAR uma tábua para sentar. (CH)

c) funcionar como auxiliares de voz passiva:

EXEMPLOS:

a) FOI MORTO com um tiro na nuca. (AGO)

b) O Pacaembu ESTÁ INTERDITADO. (FSP)

Os verbos pertencentes à categoria ‘c’ integram as orações subordinadas que não

são introduzidas por conjunções e funcionam como sujeito e como complemento de um

verbo presente na oração principal. (Neves, p. 31- 52)

EXEMPLOS:

a) Urge CONCLUIR o trabalho. (FSP) (Sujeito)

b) Os consumidores conseguiram ABSORVER a alta dos preços. (OD) (Objeto direto)

c) Heloísa me impedira de AMAR . (SE) (Objeto indireto)

181

4.2.2.1.2.1 Ordenação seqüencial de formas verbais nos textos do corpus

Encontramos seqüências de verbos em nosso corpus de análise que não obedecem a

nenhum dos critérios descritos por Neves (2000). Identificamos conjuntos de verbos em

que uma dessas palavras ocupa um lugar na sentença que poderia ser preenchido por um

nome (substantivo ou adjetivo) em textos escritos por usuários de LIBRAS há 9 (nove)

anos ou mais, na época da coleta. Marcamos em azul os excertos em que ocorre essa

peculiaridade, na tabela 6. Há, também, seqüências de verbos que de fato têm estatuto de

verbos, mas que também não obedecem a nenhum dos critérios acima apresentados.

TABELA 6 - ORDENAÇÃO SEQÜENCIAL DE FORMAS VERBAIS NOS TEXTOS DO CORPUS

TEXTOS TEMPO DE USO DA

LIBRAS

EXCERTOS DOS TEXTOS

1 17 ANOS (a) [...] eu fiquei abrindo a relação com interprete [...] (b) Primeiro dia de aula, começei que tinha medo a relação com professores [...]

2 17 ANOS (a) Percebi a [faculdade] ficar melhorar [melhor] e claro que nunca vai a parar. (b) [...] já tem planejou [planejamento] com ouvintes e surdos são inclusão. (d) [...] eles abrim experiências com surdos fazem escrivem [escrita] próprios de português. (e) [...] assim vai continuando tem oportunidade

3 12 ANOS (a) [...] quero mais surdo entra fazer vestibular no [NOME DA IES]

4 10 ANOS (a) [...] à faculdade tem ser capacidade [...](b) Eu queria ajudam [ajuda] entender bem clara com os professores na sala.

6 10 ANOS (a) A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos [...] (b) Falta fazer organizar [organização] como

ensinar para surdos.

13 9 ANOS (a) Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazema prova do Vestibular [...] (b) Meu amigo tentou comigo, mandar que eu vou fazer a prova do vestibular [...] (c) [...] não posso vou fazer [...]

Há dois aspectos na LIBRAS que podem ser considerados como origem dessas

seqüências de verbos nos textos analisados. O primeiro diz respeito ao fato de, na língua de

sinais, não haver formas compostas, ou locuções verbais. Os verbos sempre aparecem nas

formas simples, seguidos, as mais das vezes, de marcas não-manuais que indicam a

182

concordância. Ao produzirem seqüências de verbos, os autores demonstram conhecer a

possibilidade de uso de locuções verbais em português, mas parecem não conhecer

suficientemente os modos de construção dessas formas. A presença dessas seqüências

verbais atípicas nos textos do corpus representa a tentativa dos autores de construírem

sentenças no padrão da língua oral-auditiva.

O segundo aspecto da LIBRAS que deve ser considerado aqui é o fato de a língua

de sinais dispor de apenas um sinal equivalente a palavras de classes gramaticais

diferentes. Um mesmo sinal pode ser compreendido no ato interlocutivo como escrita,

escrito, escrever ou escrevem. Esse aspecto é o que acarreta o uso de verbos que ocupam

nas sentenças lugares em que o sistema do português adota o uso de nomes.

4.2.2.1.3 Usos de tempos e modos e flexões verbais nos textos do corpus

Em 14 dos textos constituintes do corpus, há problemas ligados à flexão de tempo,

modo, número e pessoa dos verbos. Verificamos que os problemas de flexão, na maioria

dos casos, não ocorrem quando o sujeito é a primeira pessoa do singular, tal como pode ser

verificado nos seguintes excertos dos textos: “Quando eu passei no vestibular [na nome da

faculdade]”, “[...] fiquei feliz mesmo” (texto 1), Percebi a [nome da faculdade] ficar

melhorar [...] (texto 2), eu gosto muito da [NOME DA IES](texto 3), “[...] gostei essa

faculdade [...]” (texto 4), “Eu me interesso de estudar na faculdade [...] (texto 7), Eu,

[nome do autor] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade [...] (texto 10).

Entretanto, principalmente nos textos usuários de LIBRAS há mais tempo, ocorrem

problemas tanto no que diz respeito ao uso de tempos e modos, quanto ao uso das flexões

verbais. Marcamos, em vermelho, nas cópias apresentadas a seguir, os verbos que

apresentam inadequação de flexão número-pessoal. Em azul, estão os verbos que estão

inadequados quanto às flexões de modo e tempo. Em verde, marcamos os verbos que

apresentam grafia peculiar. Na cor violeta, aparecem as seqüências de verbos, referidas na

seção de análise anterior.

O texto 11 foi o único que não apresentou problemas de usos e flexões verbais. O texto

escrito por um surdo oralizado usuário de LIBRAS há 12 anos, na época da coleta,

organizado em forma de esquema, em que há o predomínio de frases nominais, não oferece

183

elementos suficientes que nos garantam que o autor domina plenamente o sistema de

flexão de verbos em português.

TEXTO 11

Chamamos a atenção para os textos 5 e 14, pois em cada um desses textos

identificamos apenas um problema no uso de verbos. No texto 5, do autor surdo não-

usuário de LIBRAS, só há uma flexão verbal número-pessoal inadequada, na linha 6, em

que o verbo ‘ser’, que se refere ao sujeito “A comunicação com os funcionários”, aparece

flexionado na 3ª pessoa do plural. Essa flexão foi provavelmente motivada pela palavra

‘funcionários’, que está mais próxima do verbo na sentença, um equívoco bastante comum

em textos escritos por ouvintes.

No texto 14, do autor usuário de LIBRAS há apenas 2 anos, verificamos, na linha 9,

um verbo flexionado no presente do indicativo, num contexto em que o sistema do

português orienta o uso do presente do subjuntivo. “[...] eu tenho esperança que o diretor

resolve para colocar mais cursos.”

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interprete

de LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção tudo estou satisfeito bem colaboração do

nosso estudo.

1

5

8

184

TEXTO 5

No início do curso de arquitetura, estava perdido, tinha dificuldade das falas dos

professores. Eu pedia a eles falarem pouco mais devagar e mais articulado, mesmo usando

a peça FM (Frequencia Modulada). O resultado foi positivo, só faltou o professor chamado

[NOME DA PESSOA REFERIDA] que é professor de Matematica, com ele, não conseguia

compreender a fala dele pois era bem complicada. A comunicação com os funcionarios

foram o suficiente para mim. Quando eu não entendia, pedia para eles falarem

novamente. Isso é comum à experiência do convívio social. Os professores e os

coordenadores foram sempre atenciosos.

Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. Foi feito para estimular

mais a minha audição, pois sempre usava o aparelho. A cada ano Ø 1[eu] passava na

faculdade [NOME DA IES], facilitava a comunicação pois conhecia as pessoas e acostumei a

conviver com eles tanto quanto eles aprendiam a me conviver. Eles conseguiam me

compreender nas apresentações dos trabalhos.

Foi importante essa instituição superior porque era o ambiente estimulante e

comunicativa.

TEXTO 14

Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão, isso fica

mais fácil para eles.

Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no

auditório, eu ficava confuso, porque eu sabia muito pouco libras, só gestos. Mas foi otimo

que eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes.

Bom, aqui na faculdade que tem poucos cursos: Letras, Pedagogia, Psicologia e

Turismo. Eu acho que deve colocar mais cursos como Computação, Administração,

arquitetura... porque eu queria participar outro curso aqui o que eu gosto é computação.

Outra faculdade tem inclusão, mas paga interpretes por fora, fica mais caro. Aqui

não, porque já tem tudo pronto, por isso eu tenho esperança que o diretor resolve para

colocar mais cursos.

Os funcionários atendem bem aos surdos e entendem-los pouquinho como gestos,

mas eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos.

Eu agradeço os funcionarios, professores e interpretes que ajudaram-os muito.

Outro texto que ressalta entre os demais é o texto 7, de um surdo oralizado usuário

de LIBRAS há 8 anos na época da coleta. O autor demonstra habilidade com os usos de

tempos e modos verbais e pouca dificuldade com as flexões dessa classe de palavras. A

maioria dos tipos de inadequação de flexão verbal verificadas nesse texto (falta de

concordância do verbo com sujeito posposto, ‘falta’ em lugar de ‘faltam’ (linha 5); uso do

1

5

10

15

1

5

10

13

185

infinitivo, ao invés da forma flexionada, terminada por vogal tônica, ‘dar’, em vez de ‘dá’

(linha 12), ‘discutir’ em lugar de ‘discuti’ (linha e 14), são comuns em textos escritos por

ouvintes. Apenas a flexão do verbo ‘entender’ (linha 11), no infinitivo, em lugar da forma

‘entendem’, aspecto que também foi constatado nos textos 2, 8, 13 e 15, revela a

influência da LIBRAS.

TEXTO 7

Eu me interesso de estudar na faculdade, desde o início não tinha interprete e me lutei

conversando com o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos e não sabia

quando eles precisam, por isso atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade.

O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil, porque falta os

sinais que tem muitas palavras novas da arquitetura. Os interpretes e os surdos precisam

se reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. Tenho dificuldade de escrever

o memorial justificativo e preciso uma pessoa me ajudar corrigir. Sou a unica surda da sala

e não tenho satisfeita a relação com os ouvintes, porque eles sabem que os surdos tem

menos vocabulário e acham que dar muito trabalho. Um ponto inpaciente que os

professores não aceitam quando o interprete corrigir a prova e fico preocupada quando os

professores não entender a minha língua escrita (libras). Já discutir com os professores e

não adianta mudar a cabeça, porque eles acham que os surdos são preguiçoso de escrever

o texto igual aos ouvintes.

Isto é o meu maior problema e preciso melhorar mais quando os professores abrem o

conhecimento da escrita dos surdos universitários.

No texto 2, escrito por um usuário de LIBRAS há 17 anos, na época da coleta, além

do uso do infinitivo do verbo ‘dar’, na linha 4, e da forma ‘recebo’, na última linha,

flexionada num tempo inadequado ao contexto, aparecem formas dos verbos ‘abrir’,

‘escrever’ e ‘agradecer’ com grafias bastante peculiares. Os tipos de desvios ortográficos

não são semelhantes a desvios observados em textos escritos por ouvintes.

1

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15

186

TEXTO 2

Percebi a [NOME DA IES] ficar melhorar e claro que nunca vai a parar, mas assim vai

continuando tem oportunidade, porque que tem planejou com ouvintes e surdos são

inclusão.

Então, nas salas dar todos certos, pois é, os professores não eram experiências como

próprios 3surdos, depois eles abrim experiências como surdos fazem escrivem próprios de

português, mas tem outros disciplinas e professores estão preocupadas como ajuda-los.

Coordenação também tem interesse com a gente, percebi dela que elas estão

preocupadas, dar duas professas para reforço com os surdos para entender bem.

Claro que tem cada uma sala e tem um intreperter esclarado e entende melhor.

A biblioteca, informaça, lanche, laboratorio, xerox e mais são comunidade com os 3surdos foi ótimo.

Agradito o Direito porque que ele aceitou 3os surdos estudam por aque a [NOME DA

IES].

Gostaria de recebo a [NOME DA IES].

No texto 8, além do uso do verbo ‘faltar’ no infinitivo num contexto em que o

sistema do português orienta o uso do verbo flexionado no presente do indicativo, há o

verbo ‘ter’, conjugado na primeira pessoa do plural, numa oração que apresenta

comentários referentes ao mesmo sujeito da oração anterior, em que o verbo ‘ficar’ aparece

flexionado na primeira pessoa do singular. Em ambas as orações, o sujeito não está

expresso.

TEXTO 8

[NOME DA IES]

[NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso de

Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz

o pedagógico. Realmente fico dúvida a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a

tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca.

[ASSINATURA DO AUTOR]

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1

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187

No texto 13, as formas ‘mandar’, ‘vou pensar’ e ‘começar’, revelam a

influência da LIBRAS. Além disso, o autor do texto 13, usuário de LIBRAS há 9 anos, na

época da coleta dos dados, demonstra dificuldades com o uso de tempos e modos e com as

flexões verbais de número e pessoa.

TEXTO 13

Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na

[NOME DA IES]. O Diretor da [NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI, eles

(surdos) que ficou muito felizes. Só alguns os surdos passam um aprovado no vestibular.

Meu amigo tentou comigo, mandar que eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME

DA IES], mas não posso vou fazer, por que tenho dois empregos do trabalho pela manhã

na Prefeitura e outro pela tarde e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA], não deu tempo.

O ano passado sai o emprego na Prefeitura. Vou pensar que vontade fazer a prova do

vestibular já aceitei um inscrição no mês de janeiro passado passei um aprovado. Pela

primeira vez começar a minha aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um

interprete de [NOME DA PESSOA REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem mas ele

saiu cedo, porque ele está estudando no curso de Pedagogia 5ª, ele [(NOME DA PESSOA

REFERIDA)] estava escondido que acha e tímido. Eu fica surpresa ele [(NOME DA PESSOA

REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim, fiquei muito feliz. Gosto muito

aprendo muito bem todas as matérias, também gosta de professores aqui na [NOME DA

IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de Pedagogia. Agora gosto muito de

PORTUGUÊS Quero aprender bem.

No texto 15, além dos verbos ‘usar’ e ‘saber’, que aparecem no infinitivo, aparece o

verbo ‘saber’ no singular referindo-se a um sujeito composto. Aparecem, ainda, as

formas verbais ‘estuda’, ‘aprende’ e ‘entende’, em sentenças em que não é possível

determinar o sujeito a que se referem.

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao

trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria

sabe libra falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre

na sala disciplina aprende dificuldade a professor(a) necessaria interprete explicar

entende claro.

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188

Nos textos 3 (autor usuário de LIBRAS há 12 anos, na época da coleta) e 12 (autor

usuário de LIBRAS há 27 anos, na época da coleta), além da dificuldade dos autores

com os usos de tempos e modos verbais, verificamos grafias atípicas de verbos. No

texto 3, o verbo ‘querer’, aparece em duas ocorrências com a grafia ‘quermos’. No

texto 12, há duas ocorrências do verbo ‘estar’ inadequadamente grafado.

TEXTO 3

[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse [NOME DA IES] e ótimo,

mas eu gosto muito da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para surdos tambem preocupado não perdeu prova,

Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos, porque Surdos gosto muito do

coordenação, Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele dá oque

significado também alunos gosto muito [NOME DA PESSOA REFERIDA], Se outro interprete

pouco ajudo para Surdos, Alguma surdos não gosto fraco interprete, todo surdos so

quermos Interprete muito bom, é [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, quero mais surdo entra fazer

vestibular no [NOME DA IES]

Todos Surdo quermos um sala so Surdo também dentro tens 2 computadores,

mesa grande, estuda e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no sala e computado,

quase lotado, falta surdos

TEXTO 12

Aqui, estam bom, alunos estam relação na sala, também os professores e outras.

Acho melhor na sala à aula, as professora vão LIBRAS melhor, elas ajudam cada surdos

desenvolvem e relação também funcionários e outros

Secretária tem responsável organização só surdos, cada papel o nome, eu gosta

secratária gosta surdos relação elas.

[NOME DA IES] assume ajudar os surdos, eu esta feliz, mas surdos culturais diferente

cada à vida. Surdos tem interesse e curiosa à aula, professora fala muito, aprende

melhor.

Interprete tem relação os surdos também ouvir, Eu ajuda ensinar LIBRAS diferente o

interprete aprende melhor e desenvolver.

Eu fiquei feliz, muito Obrigada [NOME DA IES] e também você.

1

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1

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189

Nos textos 1, 4, 6, 9 e 10, percebemos a dificuldade dos autores tanto com o uso de

tempos e modos verbais, quanto com a flexão de número e pessoa, como pode ser

visto nos textos apresentados a seguir.

TEXTO 1

[eu] Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] fiquei feliz mesmo. Primeiro dia de

aula, começei que tinha medo a relação com professores, porque eu tenho dificuldades a

relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois segundo dia que eu

fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou claramente e também

tenho dificuldades a relação com ouvintes, pois eu tentei atenção com lábios o que ouvintes

estava falando. Depois um ano que minhas colegas, professores, alguns as pessoas

estudam na [NOME DA IES], sabem alguns libras.

Fiquei feliz que coordenadora [NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe Libras, eu tinha alívio

pois não tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Agradeço à Deus, alguns professores da [NOME DA IES] aceitaram que surdos

escreveram próprio de escrita a LIBRAS.

Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] e tenho conviver com colegas da [NOME DA

IES].

TEXTO 4

Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade

ser o luto bom mas a matéria é muito difícil mesmo já acostumada a sala de aula e bom os

professores ajudam os alunos, os alunos responda a questão cada matéria os alunos

perguntam os professores como essa História é muito importante saber disso sobre a

faculdade tem interprete os alunos entende os professores falando interprete ajudam os

alunos.

Os professores e bom cada matéria é difícil mas não é muito difícil bem profundo

mesmo não isso é normal porque os professores respeitam os alunos também mais ou

menos respeitam mas agora já acostumado a sala de aula os alunos ajudam os surdos

precisa saber toda matéria já tem pronto Eu queria ajudam entender bem clara com os

professores na sala.

Mas à faculdade é bom precisa ter o intérprete para os alunos na sala, Minha vida não

tinha preocupado essa faculdade não é isso normal já tinha acostumado essa faculdade

tem muita paciência mesmo eu não tinha medo na faculdade precisa melhorar cada os

alunos queriam ter interprete pra sempre.

1

5

10

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190

TEXTO 6

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com

os surdos.

Funcionário as pessoas tem interesse aprender libras, mas as pessoas tem

vontade aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos, não saber conversar c/ os

surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ os surdos. também as professores

precisam aprender c/ conviver os surdos.

TEXTO 9

Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte, também cada

professoras já conheceu surdo já experiente a sala também ajudam. Sala inclusão com

junto alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para prova, ...). Ter alguem a

relação.

Coordenadora foi muito bom, ela é responsável na sala, coordenadora anuncia a coisa e

também pesquisa avaliação na [NOME DA IES]. Porque quera desenvolver melhor na

[NOME DA IES] e também os surdos.

Tudo [NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque eu cometo não gosto

inclusão, porque senti diferença contato não tem inclusão e alguém diferença ensino surdo

X ouvinte.

Então só sala surdo e sem inclusão a melhor professora (cada materiais e interpreta ou

pode também as professoras ouvinte e com interpreta, ambos). à relação com o surdo

aprende mais e futuro vida se melhor...

1

5

9

1

5

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13

191

TEXTO 10

Eu, [NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade meu

relacionamento com os funcionario, professores e Diretores são otimo, só um problema, os

alunos (alguns) não sabe como ajuda o surdo, no trabalho de apresentação da sala de

aula. Não quer dizer que seja chato, mas sim a preoculpação como se comunica, Os surdos

prefere sempre apresenta trabalho na sala junto dos outros surdos, os surdos sempre

prefere fazer trabalho de disciplina junto dos outros surdos. Alguns quando não entendi

na sala o que os professores explicou e não sabe como fazer, nos fazemos reforço foram

particula. A intérprete são ótima e tem paciência com nós. Eu digo que tenho nenhum

problema aqui. Tudo para mim é otimo.

E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME

DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do texto.

No que respeita aos usos e às flexões verbais, a influência da LIBRAS também

aparece. Na língua de sinais, só existe flexão para os verbos direcionais, que se dá por

meio do recurso à direção do movimento, marcando, no ponto inicial do movimento, o

sujeito e, no ponto final, o objeto direto, o objeto indireto ou a localização. O verbo

‘ajudar’, por exemplo, é do tipo direcional, mas a direcionalidade na LIBRAS não dá conta

da plasticidade que os morfemas flexionais em português possibilitam à indicação do

tempo, do modo, do número e da pessoa gramaticais. A estruturação de um verbo em

português, em função do argumento sujeito, em sentenças como: “Eu ajudo você”, ou

“Nós ajudamos você”, retextualizadas para LIBRAS, sofre alteração apenas nos pronomes

que se referem às pessoas do discurso. O verbo aparece na forma do infinitivo. “EU-

AJUDAR-VOCÊ”, ou “NÓS-AJUDAR- VOCÊ”.

Já a grafia atípica de algumas formas verbais irregulares deve-se ao

desconhecimento do sistema fonológico do português, que é a base para o aprendizado da

escrita. Essa é uma especificidade referente às condições interacionais instauradas pela

surdez, e não à influência da língua de sinais.

Concluída a análise nesta seção, percebemos que os aspectos que criam o que

denominamos hibridismo estrutural dos textos do corpus, estão presentes principalmente

em textos escritos por surdos que usam LIBRAS há mais tempo, o que revela a influência

da LIBRAS na escrita desses indivíduos, a saber: omissão de verbos não-dinâmicos,

identificados em textos escritos por usuários de LIBRAS há 9 (nove) anos ou mais,

ordenação seqüencial de verbos que fogem aos padrões sintáticos do português,

também identificados em textos escritos por usuários de LIBRAS há 9 (nove) anos ou

1

5

10

192

mais, usos de verbos com estatuto de nomes, que também apareceram em textos de

usuários de LIBRAS há mais tempo. Incluímos, ainda, grafia atípica de verbos,

dificuldades com o uso de tempos e de modos verbais, assim como com a flexão de

número e pessoa dessa classe de palavras. Desses aspectos, consideramos que a grafia

atípica não se deve à influência da LIBRAS, mas às especificidades interacionais

instauradas pela surdez, que impede esses indivíduos de conhecerem os aspectos

fonológicos do português, que são base para o conhecimento do sistema ortográfico dessa

língua. A tabela apresentada a seguir resume os achados desse bloco de análise.

TABELA 7- ESPECIFICIDADES QUANTO AO USO DE VERBOS

Omissão de verbos não-dinâmicos.

Seqüências de verbos que fogem aos padrões sintáticos do português.

Verbos com estatuto de nomes.

Verbos com grafia atípica.

Verbos com flexões inadequadas aos contextos de tempo, modo, número e pessoa.

193

4.2.2.2 Preposições

Segundo Neves (2000, p. 601), as preposições são elementos de ligação que atuam

dentro da estrutura da oração e das subestruturas dela, sendo indicadoras do processo da

subordinação estrita. As preposições integram o grupo das “unidades gramaticais”, em

oposição a “unidades lexicais”. As unidades gramaticais são “palavras de função”,

carregam um significado que é mais fortemente ligado às relações internas criadas pelo

contexto. Remetem, pois, em princípio, ao mundo interno da gramática.

Noutra perspectiva de análise, essas palavras de ligação são mecanismos de coesão

estrutural, por serem responsáveis pelo encadeamento de microestruturas textuais e

indicarem relações de interdependência sintático-semântica existentes entre alguns termos

e orações que conectam. Neves (2000, p. 603-731) apresenta um estudo bastante

detalhado dos usos das preposições em português, dividindo-as em dois grupos: as

introdutoras de argumentos (a, até, com, contra, de, em, entre, para, por, sob e sobre) e as

não introdutoras de argumentos (ante, após, desde, perante e sem). Quanto às preposições

introdutoras de argumentos, Neves informa que estas funcionam no sistema de

transitividade, introduzindo complementos de verbos, de adjetivos, de substantivos e de

advérbios. Fora do sistema de transitividade, algumas atuam no estabelecimento de

relações semânticas. As preposições a, de, para e por, segundo a autora, também entram

na construção de perífrases verbais.

A fim de facilitar a verificação da análise do corpus, organizamos tabelas em que

apresentamos as preposições e suas respectivas funções apresentadas por Neves (2000),

assim como alguns exemplos de usos transcritos do citado trabalho da autora. Entre os

inúmeros exemplos catalogados por Neves, selecionamos os que consideramos mais

representativos das subcategorias formuladas pela autora, já que há muitos desdobramentos

taxionômicos, todos bastante relevantes para os objetivos propostos por ela, mas que

podem ser dispensados para a análise que ora empreendemos.

194

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. 634

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.642

)

195

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(p

. 645

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(p

. 65

3)

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(p. 6

55)

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p. 6

57)

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” (p

. 660

)

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p. 6

57)

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(p. 6

67)

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(p. 6

72)

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(p

. 683

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p. 6

85)

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p. 6

97)

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(p. 6

98)

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(p. 7

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(p.

727

)

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” (p

. 730

)

Neves alude, ainda, a um conjunto de palavras, denominadas pela Nomenclatura

Gramatical Brasileira de preposições acidentais, explicando que esses elementos estão em

processo de gramaticalização como preposições, isto é, são palavras que originalmente

pertencem a outras classes gramaticais, mas que têm sido usadas com estatuto de

preposições. Neves apresenta a seguinte lista de preposições acidentais (2000, p. 732):

a) durante, mediante, consoante, não obstante, tirante (formas de verbos em particípio

presente [-nte]);

b) visto, salvo, exceto, feito (formas de verbos em particípio passado);

c) inclusive, exclusive, fora, afora, menos (formas de advérbios);

d) incluso e excluso (formas de adjetivos ligadas a particípios passados);

e) conforme (forma de adjetivo);

f) como (forma de conjunção);

g) senão (conjunção condicional se com o advérbio não);

h) segundo (forma de numeral ordinal).

199

4.2.2.1.1 Usos e omissões de preposições nos textos do corpus

A dificuldade com o uso de conectores salta aos olhos, mesmo numa análise

superficial de textos escritos por surdos. É, de fato, este um dos aspectos mais facilmente

perceptíveis e, possivelmente, por isso, o mais recorrente na fala dos educadores de surdos,

quando se referem ao perfil atípico dos textos de seus alunos. Principalmente a omissão de

preposições dá aos textos escritos por surdos a aparência de uma superfície fragmentada e

dificulta, em alguns casos, a compreensão da idéia que o autor do texto pretendeu veicular,

por serem essas expressões de ligação importantes para a explicitação das relações de

sentido entre as porções textuais que enlaçam.

Já constatados por Góes (1996) e Fernandes (1999), que apresentam resultados de

análises em que verificaram usos semanticamente inadequados de preposições e a

omissão de algumas dessas palavras nos textos de surdos, esses fenômenos também foram

identificados em nosso corpus de análise. As autoras supracitadas verificaram a ocorrência

desses fenômenos e aludiram a eles em seus respectivos trabalhos de modo genérico, sem

detalhamento das análises de modo a apresentar os tipos de segmentos textuais em que se

evidenciam as omissões dos conectores e os tipos de inadequação semântica. Nenhuma

delas apresentou as ocorrências de usos adequados de conectores, fato compreensível, visto

que se propuseram a identificar apenas as dificuldades demonstradas pelos surdos na

escrita de textos.

Como nosso trabalho se propõe a descrever aspectos da organização dos textos do

nosso corpus, no que diz respeito ao hibridismo estrutural provocado pelo imbricamento

das estruturas da LIBRAS e do português, empreendemos a identificação das ocorrências

tanto de usos consonantes com o sistema do português, quanto dos que fogem ao padrão de

uso dessa língua que denotam a influência da LIBRAS e das especificidades interacionais

instauradas pelas surdez. Além disso, preocupamo-nos em descrever o estatuto sintático

dos segmentos textuais em que ocorrem os usos identificados. Por isso decidimos proceder

a uma categorização dos contextos em que ocorrem usos consonantes com o sistema do

português e em que os usos fogem ao padrão organizacional dessa língua.

Para a análise dos usos de preposições, procedemos a um mapeamento dos textos

constituintes do corpus (cf. na seção de anexos), valendo-nos dos seguintes recursos

visuais de identificação dos fenômenos observados, apresentados em quatro categorias:

marcamos em negrito as preposições cujos (1) usos são consonantes com o sistema do

200

português; (2) omissão de preposições, que marcamos nas cópias dos textos constituintes

do corpus com o sinal #, seguido da nossa hipótese, entre colchetes, quanto à palavra que

deveria aparecer no co-texto em análise; em relação aos (3) usos semanticamente

inadequados, marcados em vermelho (3.1), as preposições que não correspondem às

relações de sentido existentes entre os segmentos textuais que ligam e, em azul, (3.2) as

preposições que foram inseridas em segmentos textuais em que são dispensáveis.

Observamos usos das seguintes preposições e contrações de artigos e pronomes: (a

[à, aos], com [c/], de [do, dos, da, dele, disso], em [no, na, nas], para [pra, p/], por [pela],

sobre) e uma ocorrência de uma preposição acidental (durante). No caso das preposições (a

[à, aos], com [c/], de [do, dos, da, dele, disso], em [no, na, nas], para [pra, p/], por [pela],

sobre), verificamos que a maioria dos usos estão de acordo com as regras de

funcionamento do português, tanto em suas formas simples, como nas formas em que

aparecem contraídas com artigos, no caso, das preposições ‘de’, ‘em’ e ‘por’ (cf. quadro

11), além de uma ocorrência da contração da preposição ‘de’ com o pronome ‘isso’ (Texto

4). Observamos, ainda, o uso da forma abreviada ‘c/’, da preposição ‘com’ (texto 6), e da

forma abreviada ‘p/’, da preposição ‘para’ (textos 6 e 13), e a forma reduzida ‘pra’, dessa

mesma preposição (texto 8). Ainda verificamos o uso consonante com as regras do

português da preposição acidental ‘durante’ (texto 7).

Como é possível verificar nas sentenças abaixo transcritas dos textos analisados, há

usos de preposições consonantes com o sistema do português em segmentos textuais em

que essas palavras de ligação são requisitadas.

1 No interior de sintagmas nominais (adjuntos adnominais): nome

avalente+DE+sintagma nominal (Neves, 2000, p. 660), fora do sistema de

transitividade:

1. Primeiro dia de aula [...] (Texto 1)

2.[...] alguns professores da [NOME DA IES ] (Texto 1)

3. [...] tenho conviver com colegas da [NOME DA IES]. (Texto 1)

4. No início do curso de arquitetura [...] (Texto 5)

5. [...] tinha dificuldade das falas dos professores. (Texto 5)

6. [...] não conseguia compreender a fala dele (Texto 5)

7. [...] a direito falta aceitar abri o curso de libras. (Texto 6)

201

8. [...] tem muitas palavras novas da arquitetura. (Texto 7)

9. Sou a unica surda da sala [...] (Texto 7)

10. [...] os professores abrem o conhecimento da escrita dos surdos universitários. (Texto

7)

11. Abriu novo o curso de Enfermagem. (Texto 8)

12. O curso de Pedagogia interessente [...] (Texto 8)

13. [...] no trabalho de apresentação da sala de aula. (Texto 10)

14. [...] os surdos sempre prefere fazer trabalho de disciplina [...] (Texto 10)

15. [...] ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/

mim [...] (Texto 13)

16. Curso de Formação para Intérprete [...] (Texto 11)

17. Interpretação na área de educação [...] (Texto 11)

18. (interpretes de LIBRAS). (Texto 11)

19. [...] os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular [...] (Texto 13)

20. O Diretor da [NOME DA IES] aceitou [...] (Texto 13)

21. [...] eu vou fazer a prova do vestibular [...]

2 Fora do sistema de transitividade, introdutoras de sintagmas, para o

estabelecimento de relações semânticas:

2.1 de tempo:

1. [...] os alunos queriam ter interprete pra sempre. (Texto 3)

2. No início do curso de arquitetura [...] (Texto 5)

3. A cada ano passava na faculdade [NOME DA IES] [...] (Texto 5)

4. O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil [...] (Texto

7)

5. Porque quera desenvolver melhor na [NOME DA IES] e também os surdos.

(Texto 9)

6. Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na

[NOME DA IES] [...] (Texto 13)

7. [...] no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes [...] (Texto 7)

202

8. [...] tenho dois empregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e outro pela tarde

e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA] (Texto 13)

2.2 de lugar:

1. Então, nas salas dar todos certos [...] (Texto 2)

2. [...] ele aceitou os surdos estudam por aque a [NOME DA IES]. (Texto 2)

3. [...] quero mais surdo entra fazer vestibular no [NOME DA IES] [...] (Texto 3)

4. Eu queria ajudam entender bem clara com os professores na sala. (Texto 4)

5. [...] precisa ter o intérprete para os alunos na sala [...] (Texto 4)

6. A cada ano passava na faculdade [NOME DA IES] (Texto 5)

7. [...] ela é responsável na sala [...] (Texto 9)

8. Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na

[NOME DA IES] [...] (Texto 13)

9. [...] eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no auditório [...]

(Texto 14)

10. Na faculdade mais importante de estuda na sala. (Texto 15)

2.3. de causa:

1. Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão[...] (Texto 14)

2.4 de assunto:

1. [...] é muito importante saber disso sobre a faculdade (Texto 4)

3 Pelo sistema de transitividade, como introdutoras de complementos de:

3.1 substantivos:

1. [...] tinha medo a relação com professores (Texto 1)

2. [...] eu tenho dificuldades a relação com professores (Texto 1)

3. [...] eu fiquei abrindo a relação com interprete [...] (Texto 1)

203

4. [...] não tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA].

(Texto 1)

5. A comunicação com os funcionarios foram o suficiente [...] (Texto 5)

6. [...] à relação com o surdo aprende mais e futuro vida se melhor... [...] (Texto 9)

7. [...] aqui na faculdade meu relacionamento com os funcionário [...] (Texto 10)

8. E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] [...] (Texto

10)

9. Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. (Texto 5)

10. Eles conseguiam me compreender nas apresentações dos trabalhos. (Texto 5)

11. A comunicação com os funcionarios foram o suficiente para mim. (Texto 5)

12. [...] atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade. (Texto 7)

13. [...] o que não entendemos na leitura do texto. (Texto 10)

14. Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão [...]

(Texto 14)

3.2 adjetivos:

1. Isso é comum à experiência do convívio social. (Texto 5)

2. Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos [...] (Texto 14)

3.3 verbos:

1. Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] (Texto 1)

2. [...] tenho conviver com colegas da [NOME DA IES]. (Texto 1)

3. [...] acostumei a conviver com eles tanto quanto eles aprendiam a me conviver.

(Texto 5)

4. Os funcionários atendem bem aos surdos [...] (Texto 14)

5. [...] não saber conversar c/ os surdos. (Texto 6)

6. [...] me lutei conversando com o coordenador [...] (Texto 7)

7. Já discutir com os professores (Texto 7)

8. Mas foi otimo que eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes.

9. [...] eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos. (Texto 14)

10. [...] eu gosto muito da [NOME DA IES]. (Texto 3)

204

11. Surdos gosto muito do coordenação [...] (Texto 3)

12. [...] é muito importante saber disso sobre a faculdade [...] (Texto 4)

13. [...] também gosta de professores [...] (Texto 13)

14. Agora gosto muito de PORTUGUÊS [...] (Texto 13)

15. Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] [...] (Texto 1)

16. [...] ouvintes mais entro no sala [...] (Texto 3)

17. Eu me interesso de estudar na faculdade [...] (Texto 7)

18. [...] ele está estudando no curso de Pedagogia [...] (Texto 13)

19. [...] posso escrever uma carta para você. (Texto 1)

20. [...] ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das

mãos p/ mim [...] (Texto 13)

21. Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e

no auditório [...] (Texto 14)

22. [...] é muito importante saber disso sobre a faculdade (Texto 4)

3.4 advérbios:

1. Acho uma coisa dentro da biblioteca. (Texto 8)

2. [...] aqui na faculdade que tem poucos cursos [...] (Texto 14)

3. Sempre na sala disciplina aprende dificuldade [...] (Texto 15)

5 Pela estrutura de algumas perífrases verbais:

1. [...] acostumei a conviver com eles [...] (Texto 5)

2. [...] estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa [...] (Texto 8)

6 Pela estruturação de períodos compostos:

1. Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você. (Texto 1)

2. [...] dar duas professoras para reforço para entender bem. (Texto 2)

3. Gostaria de recebo a [NOME DA IES]. (Texto 2)

4. Foi feito para estimular mais a minha audição [...] (Texto 5)

5. [...] faltar a prática pra desenvolver do conhecimento do Pedagoco. (Texto 8)

205

6. Os interpretes e os surdos precisam se reunir e discutir para criar umas novas palavras

de sinais.

7. [...] ajuda aqui na [NOME DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do

texto. (texto 10)

O quadro sinóptico 12 apresenta todos os segmentos textuais do corpus em que

identificamos os 109 (cento e nove) usos de preposições consonantes com o sistema do

português.

TABELA 12 - USOS DE PREPOSIÇÕES CONSONANTES COM O SISTEMA DO PORTUGUÊS PREPOSIÇÕES Excertos dos textos do corpus a (à, aos) (1) A cada ano passava na faculdade [NOME DA IES] [...] (Texto 5)

(2) Isso é comum à experiência do convívio social. (Texto 5) (3) [...] acostumei a conviver com eles [...] (Texto 5) (4) [...] estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa [...] (Texto 8) (5) Os funcionários atendem bem aos surdos [...] (Texto 14)

com (c/) (1) [...] tinha medo a relação com professores (Texto 1) (2) [...] eu tenho dificuldades a relação com professores (Texto 1) (3) [...] eu fiquei abrindo a relação com interprete [...] (Texto 1) (4) [...] não tenho dificuldade a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA]. (Texto 1) (5) [...] tenho conviver com colegas da [NOME DA IES]. (Texto 1) (6) [...] porque que já tem planejou com ouvintes e surdos são inclusão. (Texto 2) (7) A biblioteca, informaça, lanche, laboratório, xerox e mais são comunidade com os surdos foi ótimo. (Texto 2) (8) A comunicação com os funcionarios foram o suficiente [...] (Texto 5)(9) acostumei a conviver com eles tanto quanto eles aprendiam a me conviver. (Texto 5) (10) [...] não saber conversar c/ os surdos. (Texto 6) (11) [...] me lutei conversando com o coordenador [...] (Texto 7) (12) O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil. (Texto 7) (13) Já discutir com os professores (Texto 7) (14) [...] pode também as professoras ouvinte e com interpreta [...] (Texto 9) (15) [...] à relação com o surdo aprende mais e futuro vida se melhor... [...] (Texto 9) (16) aqui na faculdade meu relacionamento com os funcionario, professores e Diretores são ótimo [...] (Texto 10) (17) E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] [...] (Texto 10) (18) Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de Pedagogia. (Texto 13) (19) Mas foi otimo que eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes. (20) eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos. (Texto 14)

de (do, dos, da, dele, disso)

(1) Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você. (Texto 1) (2) Primeiro dia de aula [...] (Texto 1) (3) [...] alguns professores da [NOME DA IES ] [...] (Texto 1) (4) [...] tenho conviver com colegas da [NOME DA IES]. (Texto 1) (5) [...] surdos fazem escrivem próprios de português [...] (Texto 2) (6) Gostaria de recebo a [NOME DA IES]. (Texto 2) (7) [...] eu gosto muito da [NOME DA IES]. (Texto 3) (8) [...] surdos gosto muito do coordenação [...] (Texto 3)

206

TABELA 12 (continuação)de (do, dos, da, dele, disso)

(9) Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período [...] (Texto 3) (10) [...] é muito importante saber disso sobre a faculdade [...] (Texto 4) (11) No início do curso de arquitetura [...] (Texto 5) (12) [...] tinha dificuldade das falas dos professores. (Texto 5) (13) [...] não conseguia compreender a fala dele (Texto 5) (14) Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. (Texto 5) (15) Eles conseguiam me compreender nas apresentações dos trabalhos. (Texto 5) (16) [...] a direito falta aceitar abri o curso de libras. (Texto 6) (17) [...] atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade. (Texto 7) (18) [...] tem muitas palavras novas da arquitetura. (Texto 7) (19) Tenho dificuldade de escrever o memorial justificativo [...] (Texto 7) (20) Sou a unica surda da sala [...] (Texto 7) (21) [...] os professores abrem o conhecimento da escrita dos surdos universitários. (Texto 7) (22) Abriu novo o curso de Enfermagem. (Texto 8) (23) O curso de Pedagogia interessente [...] (Texto 8) (24) [...] desenvolver do conhecimento do Pedagoco. (Texto 8) (25) Acho uma coisa dentro da biblioteca. (Texto 8) (26) [...] no trabalho de apresentação da sala de aula. (Texto 10) (27) [...] os surdos sempre prefere fazer trabalho de disciplina junto dos outros surdos. (Texto 10) (28) [...] o que não entendemos na leitura do texto. (Texto 10) (29) Curso de Formação para Intérprete [...] (Texto 11) (30) Interpretação na área de educação [...] (Texto 11) (31) [...] (interpretes de LIBRAS). (Texto 11) (32) [...] os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular [...] (Texto 13) (33) O Diretor da [NOME DA IES] aceitou [...] (Texto 13) (34) [...] eu vou fazer a prova do vestibular [...] (Texto 13) (35) [...] ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim [...] (Texto 13) (36) também gosta de professores [...] (Texto 13) (37) Agora gosto muito de PORTUGUÊS [...] (Texto 13) (38) Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão [...] (Texto 14)

em (no, na, nas) (1) Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES] [...] (Texto 1) (2) Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] (Texto 1) (3) Então, nas salas dar todos certos [...] (Texto 2) (4) [...] quero mais surdo entra fazer vestibular no [NOME DA IES] [...] (Texto 3) (5) [...] ouvintes mais entro no sala [...] (Texto 3) (6) Eu queria ajudam entender bem clara com os professores na sala. (Texto 4) (7) [...] precisa ter o intérprete para os alunos na sala [...] (Texto 4) (8) No início do curso de arquitetura [...] (Texto 5) (9) A cada ano passava na faculdade [NOME DA IES] (Texto 5) (10) Eles conseguiam me compreender nas apresentações dos trabalhos. (Texto 5) (11) Eu me interesso de estudar na faculdade [...] (Texto 7) (12) [...] ela é responsável na sala [...] (Texto 9) (13) Porque quera desenvolver melhor na [NOME DA IES] e também os surdos. (Texto 9) (14) Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na [NOME DA IES] [...] (Texto 13) (16) [...] um aprovado no vestibular. (Texto 13) (17) [...] eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME DA IES] [...] (Texto 13) (18) [...] trabalho pela manhã na Prefeitura [...] (Texto 13) (19) [...] já aceitei um inscrição no mês de janeiro passado [...] (Texto 13)

207

TABELA 12 (continuação)em (no, na, nas) (20) [...] ele está estudando no curso de Pedagogia [...] (Texto 13)

(21) [...] no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e noauditório [...] (Texto 14) (22) [...] aqui na faculdade que tem poucos cursos [...] (Texto 14) (23) Na faculdade mais importante de estuda na sala. (Texto 15) (24) Sempre na sala disciplina aprende dificuldade [...] (Texto 15)

para (pra, p/) (1) [...] posso escrever uma carta para você. (Texto 1) (2) [...] dar duas professoras para reforço para entender bem. (Texto 2) (3) [...] precisa ter o intérprete para os alunos na sala [...] (Texto 3) (4) [...] os alunos queriam ter interprete pra sempre. (Texto 3) (5) A comunicação com os funcionarios foram o suficiente para mim. (Texto 5) (6) Foi feito para estimular mais a minha audição [...] (Texto 5) (7) A professor(a) não saber fazer preparar p/ os surdos [...] (Texto 6) (8) [...] ensinar p/ os surdos. (Texto 6) (9) Os interpretes e os surdos precisam se reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. (11) [...] faltar a prática pra desenvolver do conhecimento do Pedagoco. (Texto 8) (12) [...] grupo faze trabalho, dupla para prova [...] (Texto 9) (13) Tudo para mim é otimo. (Texto 10) (14) [...] ajuda aqui na [NOME DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do texto. (texto 10) (15) Curso de Formação para Intérprete (Texto 11) (16) [...] ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos p/ mim [...] (Texto 13) (17) Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos [...] (Texto 14) (18) Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no auditório [...] (Texto 14)

por (pela) (1) [...] ele aceitou os surdos estudam por aque a [NOME DA IES]. (Texto 2) (2) [...] tenho dois empregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e outro pelatarde e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA] (Texto 13) (3) Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão[...] (Texto 14)

Sobre (1) [...] é muito importante saber disso sobre a faculdade (Texto 4)

Embora haja um maior número de preposições (em suas formas originais e

contraídas com artigos e pronomes) que se enquadram nos padrões de uso da língua

portuguesa, fato que atribuímos ao nível de escolaridade em que os autores dos textos se

encontravam na época da coleta, evidenciam-se dificuldades de usos desse tipo de

conectores em todos os textos do corpus. Em 12 (doze) textos, ocorreram omissões de

preposições; mas, em todos os textos, ocorreram usos semanticamente inadequados.

Identificamos ao todo 27 (vinte e sete) segmentos em que ocorre a omissão de

preposições, sendo que 15 (quinze) delas se dão no sistema de transitividade como

introdutoras de complementos dos substantivos dificuldade, dúvida, medo, interesse,

relação e vontade e; dos adjetivos acostumada, preocupado e satisfeito; e do advérbio

dentro. Ocorreram 8 (oito) omissões no sistema de transitividade em que deveriam

208

aparecer como introdutoras dos complementos dos verbos gostar, precisar e participar,

como pode ser conferido no quadro apresentado a seguir. Chamou-nos a atenção a natureza

dos contextos em que houve essas omissões, pois todos os termos regentes dos

complementos, que deveriam aparecer preposicionados, são vocábulos bastante usuais no

cotidiano. Essas omissões não se vêem em textos escritos por ouvinte.

TABELA 13 – OMISSÃO DE PREPOSIÇÕES INTRODUTORAS DE COMPLEMENTOS DE SUBSTANTIVOS, ADJETIVOS E *ADVÉRBIOTEXTO 1 (a) começei que [a] tinha medo # [de] a relação com professores

(b) eu tenho dificuldades # [com] a relação com professores (c) também tenho dificuldades # [com] a relação com ouvintes (d) não tenho dificuldade # [com] a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA].

TEXTO 3 (a) Intérprete muito ajuda para surdos tambem preocupado # [em] não perdeu prova

TEXTO 4 (a) a matéria é muito difícil mesmo já acostumada # [com] a sala de aula (b)Minha vida não tinha preocupado # [com] essa faculdade

TEXTO 6 (a) funcionário as pessoas tem interesse # [em] aprender libras (b) as pessoas tem vontade # [de] aprender de libras

TEXTO 7 (a) Atrasou o conhecimento de intérpretes *dentro # [de] à faculdade (b) não tenho satisfeita # [com] a relação com os ouvintes

TEXTO 8 (a) Realmente fico dúvida # [com] a disciplina TEXTO 11 (a) Atendimento, coordenação e direção # [com] tudo estou satisfeitoTEXTO 12 (a) secratária gosta surdos relação # [com] elas. TEXTO 15 (a) e (b) Sempre na sala disciplina aprende # [com] dificuldade # [com] a

professor(a)

TABELA 14 – OMISSÃO DE PREPOSIÇÕES INTRODUTORAS DE COMPLEMENTOS DE VERBOS

TEXTO 3 (a) ele dá oque significado também alunos gosto muito # [de] [NOME DA PESSOA REFERIDA] (b) Alguma surdos não gosto # [de] fraco interprete

TEXTO 4 (a) Mas gostei # [de] essa faculdade TEXTO 7 (a) preciso # [de] uma pessoa TEXTO 9 (a) não gosto # [de] inclusão TEXTO 12 (a) eu gosta # [da] secratária

(b) secratária gosta # [dos] surdos TEXTO 14 (a) eu queria participar # [de] outro curso

Identificamos, ainda, a omissão de uma preposição numa perífrase verbal, no

seguinte segmento do texto 2: “[...] assim vai continuando # [a] tem oportunidade [...]” e a

omissão da preposição ‘com’, no excerto: “Sempre na sala disciplina aprende # [com]

dificuldade [...]”, do texto 15, fora do sistema de transitividade, introdutoras do sintagma

que indica a relação semântica de modo. Houve, ainda, omissão da preposição ‘de’, no

excerto: “eu tenho esperança # [de] que o diretor resolve para colocar mais cursos.”, do

209

texto 14, requisitada pela estruturação do período composto. Caso semelhante ocorre no

seguinte excerto do texto 15, “[...] necessária interprete explicar # [para] entende claro.”

em que houve a omissão da preposição ‘para’.

Os usos semanticamente inadequados ocorreram em maior número que as

omissões. Há preposições que indicam relações semânticas inadequadas aos contextos

(marcadas em vermelho) e inserção de preposições em contextos que prescindem do uso

dessas palavras de ligação (marcadas em azul). Identificamos, ao todo, 40 (quarenta)

ocorrências de usos inadequados de preposições. Foram identificados 9 (nove) usos de

preposições no sistema de transitividade, introduzindo complementos: dos substantivos

atenção, colaboração, curiosa [curiosidade], dificuldade e interesse; dos adjetivos

adorável, importante e preguiçosos; do advérbio dentro; e 10 (dez) introduzindo os

complementos dos verbos adorar, ajudar, aprender, entender e investir. Todas essas

palavras que, nas sentenças em que aparecem, funcionam como termos regentes, são

bastante usuais. Quanto aos verbos, além de serem também muito usuais no cotidiano, não

se enquadram no grupo de palavras para as quais a gramática normativa prescreve usos de

preposições que destoam das formas correntes de uso real da língua, como é o caso, por

exemplo, dos verbos ‘assistir’ e ‘preferir’, o que pode provocar inadequação, no que diz

respeito aos usos exigidos pela norma padrão em textos escritos por ouvintes.

TABELA 15 – USOS SEMANTICAMENTE INADEQUADOS DE PREPOSIÇÕES NO SISTEMA DE TRANSITIVIDADE INTRODUTORAS DE COMPLEMENTOS DE SUBSTANTIVOS,

ADJETIVOS E *ADVÉRBIO TEXTOS TEMPO DE USO DA

LIBRAS EXCERTOS DOS TEXTOS

1 17 ANOS (1) [...] eu tentei atenção com lábios o que ouvintes estava falando.

2 17 ANOS (1) Coordenação também tem interesse com a gente [...]

5 NÃO-USUÁRIO DE LIBRAS

(1) [...] tinha dificuldade das falas dos professores.

7 8 ANOS (1) [...] o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos (2) [...] atrasou o conhecimento de interpretes *dentro à faculdade. (3) [...] eles acham que os surdos são preguiçosos deescrever o texto igual aos ouvintes.

11 12 ANOS (2) tudo estou satisfeito bem colaboração do nosso estudo.

12 27 ANOS (1) Surdos tem interesse e curiosa à aula [...] 15 16 ANOS (1) Na faculdade mais importante de estuda na sala.

210

TABELA 16 – USOS SEMANTICAMENTE INADEQUADOS DE PREPOSIÇÕES NO SISTEMA DE TRANSITIVIDADE INTRODUTORAS DE COMPLEMENTOS DE VERBOS

TEXTOS TEMPO DE USO DA LIBRAS

EXCERTOS DOS TEXTOS

1 17 ANOS (1) [...] eu não entendia com lábios. (2) Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] [...]

3 12 ANOS (1) Intérprete muito ajuda para surdos também [...] (2) Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos [...] (3) Se outro interprete pouco ajudo para Surdos [...]

4 10 ANOS (1) Eu queria ajudam entender clara comprofessores na sala.

6 10 ANOS (1) as pessoas tem vontade aprender de libras. 8 15 ANOS (1) [...] falta a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco. 9 17 ANOS (1) [...] muito ajuda para surdos porque tem

inclusão com ouvinte [..] 11 12 ANOS (1) [NOME DA IES] precisa investir um pouco

melhor para funcionários (interpretes de LIBRAS).

Identificamos, ainda, 10 (dez) ocorrências de usos inadequados de preposições no

interior de sintagmas nominais e a inserção da preposição ‘de’ num sintagma em que já

figura a preposição ‘durante’ (texto 7).

TABELA 17 – USOS SEMANTICAMENTE INADEQUADOS DE PREPOSIÇÕES NO INTERIOR DE SINTAGMAS NOMINAIS E *PREPOSICIONAL

TEXTOS TEMPO DE USO DA LIBRAS

EXCERTOS DOS TEXTOS

3 12 ANOS (1) Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é ótimo [...]

7 8 ANOS (1) Os interpretes e os surdos precisam se reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. (2) *O meu entendimento durante das aulas

9 17 ANOS (1) Sala inclusão com junto alguém [...] 12 27 ANOS (1) Acho melhor na sala à aula

(2) [...] surdos culturais diferente cada à vida. 13 9 ANOS (1) [...] tenho dois empregos do trabalho pela manhã

[...] (2) O ano passado sai o emprego na prefeitura. (3) [...] ela chamou que um interprete de [NOME DA PESSOA REFERIDA] [...]

15 16 ANOS (1) (2) Mas dificuldades disciplina à prova ao trabalha escreve língua português [...]

Observamos dificuldades dos autores dos textos 5, 6, 7 e 14, quanto ao uso de

preposições na construção de períodos compostos. No texto 6, observamos a preposição

‘com’, na forma ‘c/’, num lugar que o sistema da língua adota o uso da preposição ‘a’,

como integrante da estrutura do período composto: “[...] também as professores precisam

aprender c/ conviver os surdos.” No texto 5, em que o autor usou a preposição ‘a’, em

211

lugar da preposição ‘para’, na construção de um período composto: “Eu pedia a eles

falarem pouco mais devagar [...]”, e no texto 7, em que o autor usou a preposição ‘de’, em

lugar da preposição ‘em’: “Eu me interesso de estudar na faculdade.” Verificamos, ainda,

no texto 14, o uso da preposição ‘para’ num lugar em que essa palavra é dispensável: “[...]

o diretor resolve para colocar mais cursos.”.

No texto 10, verificamos o uso desnecessário da preposição ‘com’ no interior de

um sintagma nominal: “E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA]

com ajuda aqui na [NOME DA IES]”, além da mesma preposição na expressão ‘com nós’,

num lugar que o sistema do português orienta o uso do pronome ‘conosco’: “A intérprete

são ótima e tem paciência com nós.”

Ocorreram, ainda, 3 (três) usos de preposições que contribuíram para construções

sintáticas irregulares, fato que também ocorre em textos escritos por ouvintes: No texto 9:

“Na faculdade, muito ajuda para surdos porque tem inclusão com ouvinte [..]”; e no texto

14: “Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão [...]”.

Identificamos, ainda, a inserção de uma preposição numa perífrase verbal que prescinde do

uso dessa palavra de ligação, no seguinte trecho do texto 2: “[...] claro que nunca vai a

parar”. Além dessas construções, ocorreu, no texto 3, o emprego do sinal grave, indicador

de crase entre a preposição ‘a’ e o artigo ‘a’, num contexto em que não deveria haver o uso

de preposição: “Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser

capacidade ser o luto bom.”

Os resultados dessa análise indicam que as preposições são as palavras que mais

oferecem dificuldades na escrita de textos para os autores dos textos constituintes do

corpus, o que pode ser um indício de que essa dificuldade atinge os surdos em geral.

Mesmo no texto do surdo oralizado não-usuário de LIBRAS — embora não tenha havido a

omissão de nenhuma preposição — a dificuldade de uso desse tipo de conector se

evidencia, embora em menor grau que em textos produzidos pelos surdos usuários de

LIBRAS. O fato de haver usos que fogem ao padrão do português em todos os textos do

corpus indica que as dificuldades de uso de preposições não se devem apenas à influência

da LIBRAS, mas às especificidades interacionais instauradas pela surdez, que impossibilita

a percepção da articulação de muitas palavras da língua oral-auditiva. Por serem as

preposições “palavras de função”, carregando significados que são mais fortemente ligado

às relações internas criadas pelo contexto, em oposição as unidades lexicais da língua,

cujos significados remetem para o mundo da experiência, entendemos que são palavras que

212

oferecem maior dificuldade a indivíduos que têm o português como segunda língua, no que

diz respeito aos diferentes contextos de usos. Afinal, essas palavras remetem, em princípio,

ao mundo interno da gramática.

Além disso, a maioria das preposições são monossilábicas. Para os surdos em geral,

a percepção dos usos de palavras monossilábicas, em especial das palavras átonas, no

processo de leitura orofacial — ou leitura labial — é dificultada pelo fenômeno da juntura,

que consiste na pronúncia de dois diferentes segmentos textuais (palavras ou frases) numa

única emissão de voz. Quadros (1997, p. 23) informa que, apesar do investimento de anos

da vida de uma criança surda na sua oralização, ela será capaz de captar apenas

aproximadamente 20% das palavras articuladas por seus interlocutores. Segundo

informações do INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), 2007, é provável que

mesmo o melhor leitor labial adulto só consiga entender cerca de 50% das palavras

articuladas (talvez menos), pois a juntura, na leitura orofacial, provoca o

“desaparecimento” de certos fonemas e de alguns vocábulos monossilábicos na fala dos

interlocutores dos surdos, pois esses vocábulos parecem fazer parte da palavra anterior, ou

da subseqüente presente nas sentenças. Isso impossibilita a aquisição do conhecimento

natural de todas as formas de uso corrente dessas palavras, o que acarreta dificuldades

também de compreensão de leitura e se reflete na escrita de textos por parte dos surdos.

Essa dificuldade de percepção de todas as formas de uso de preposições pode levar

os surdos à construção de conhecimentos inconsistentes. Verificamos dificuldades dos

autores dos textos em operar com a maioria das preposições identificadas no corpus, em

segmentos textuais de semelhante organização sintática a outras seqüências textuais em

que fizeram usos adequados. Ou seja, não percebemos consistência nos conhecimentos. O

autor do texto 3, por exemplo, ora usa uma preposição adequadamente, ora omite, ora usa

essa mesma palavra de modo semanticamente inadequado ao contexto. No caso específico

do autor do texto 3, não se observa consistência no uso da preposição ‘de’ como

introdutora de complementos do verbo ‘gostar’. No seguinte excerto do texto 3: “Surdos

gosto muito do coordenação, Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo,

porque ele dá oque significado também alunos gosto muito # [de] [NOME DA PESSOA

REFERIDA]”.

Dessa forma, o conhecimento mais consistente dessas palavras de ligação e de

outros monossílabos constituintes do léxico do português é em alto grau dependente da

qualidade das experiências de leitura vividas pelo surdo, especialmente pelos usuários de

213

língua de sinais, já que, nessa língua, não há oficialmente preposições. A partir disso,

entendemos que, especificamente no que se refere às preposições, o uso da LIBRAS

também corrobora substancialmente para a existência de dificuldades na escrita dos surdos.

Embora os sinais equivalentes a preposições não sejam aludidos por Felipe (2001) e

Quadros; Karnopp (2004), em entrevista particular, uma pedagoga surda usuária da língua

de sinais, professora-instrutora de LIBRAS com a certificação do Prolibras (Exame de

Proficiência em Língua Brasileira de Sinais), revelou-nos que existem sim, no uso

corrente, alguns sinais para algumas dessas palavras de ligação. As preposições que têm

sinais em LIBRAS são: até, após, com, contra, sem e sobre. Embora esses sinais existam,

no uso corrente da LIBRAS, segundo a entrevistada, esses sinais são pouco utilizados. Há,

ainda, o fato, segundo a pedagoga, de muitos surdos adultos que não conhecem esses

sinais.

Ressaltamos o fato de não ter havido omissões dessas palavras de ligação nos

textos escritos pelos autores dos textos 10 e 13, que é algo significativo. Ambos

aprenderam LIBRAS mais tardiamente que os demais participantes da pesquisa. O autor do

texto 10 foi ouvinte até os seis anos de idade e aprendeu LIBRAS aos 23 anos. Já o autor

do texto 13, embora seja surdo de nascença, foi oralizado e aprendeu LIBRAS aos 24 anos.

Não obstante o fato de o surdo autor do texto 14 (que também aprendeu a língua de sinais

tardiamente, aos 29 anos) ter construído uma sentença em que ocorreu a omissão da

preposição ‘de’, os indivíduos que têm mais tempo de contato com o português do que com

a língua de sinais têm mais possibilidades de consolidar o conhecimento em relação aos

contextos que exigem usos de preposições.

A tabela 18 apresenta o levantamento completo dos usos semanticamente

inadequados de preposições nos textos do corpus, e a tabela 19 resume os achados desse

bloco de análise.

214

TABELA 18 – USOS SEMANTICAMENTE INADEQUADOS DE PREPOSIÇÕES TEXTOS TEMPO DE USO DA

LIBRAS EXCERTOS DOS TEXTOS

1 17 ANOS (1) [...] eu tentei atenção com lábios o que ouvintes estava falando. (2) [...] eu não entendia com lábios. (3) Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] [...]

2 17 ANOS (1) [...] claro que nunca vai a parar. (2) Coordenação também tem interesse com a gente [...]

3 12 ANOS (1) Intérprete muito ajuda para surdos também [...] (2) Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos [...] (3) Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é ótimo [...] (4) Se outro interprete pouco ajudo para Surdos [...]

4 10 ANOS (1) Mas gostei essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser capacidade ser o luto bom. (2) Eu queria ajudam entender clara com professores na sala.

5 NÃO-USUÁRIO DE LIBRAS

(1) [...] tinha dificuldade das falas dos professores. (3) Eu pedia a eles falarem pouco mais devagar.

6 10 ANOS (1) as pessoas tem vontade aprender de libras. (2) [...] também as professores precisam aprender c/ conviver os surdos.

7 8 ANOS (1) Eu me interesso de estudar na faculdade (2) [...] o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos (3) [...] atrasou o conhecimento de interpretes dentro à faculdade. (4) O meu entendimento durante das aulas (5) Os interpretes e os surdos precisam se reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. (6) [...] eles acham que os surdos são preguiçosos deescrever o texto igual aos ouvintes.

8 15 ANOS (1) [...] falta a prática pra desenvolver do conhecimento do Pedagoco.

9 17 ANOS (1) (2) Na faculdade, muito ajuda para surdos porque tem inclusão com ouvinte [..] (3) Sala inclusão com junto alguém [...] (4) à relação com o surdo aprende mais [...]

10 9 ANOS (1) A intérprete são ótima e tem paciência com nós. (2) E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME DA IES]

11 12 ANOS (1) [NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para funcionários (interpretes de LIBRAS). (2) tudo estou satisfeito bem colaboração do nosso estudo.

12 27 ANOS (1) Acho melhor na sala à aula (2) [...] surdos culturais diferente cada à vida. (3) Surdos tem interesse e curiosa à aula [...]

13 9 ANOS (1) [...] tenho dois empregos do trabalho pela manhã [...] (2) O ano passado sai o emprego na prefeitura. (3) [...] ela chamou que um interprete de [NOME DA PESSOA REFERIDA] [...]

14 2 ANOS (1) Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão [...] (2) [...] necessária interprete explicar # [para] entende claro. (3) [...] o diretor resolve para colocar mais cursos.

15 16 ANOS (1) Na faculdade mais importante de estuda na sala. (2) (3) Mas dificuldades disciplina à prova ao trabalha escreve língua português [...]

215

TABELA 19- ESPECIFICIDADES QUANTO AO USO DE PREPOSIÇÕES Omissão de preposições no sistema de transitividade introdutoras de substantivos, adjetivos e verbos.

Usos semanticamente inadequados de preposições no sistema de transitividade introdutoras de substantivos,

adjetivos e verbos.

Usos semanticamente inadequados de preposições no interior de sintagmas nominais.

Mapeamento completo dos usos e omissões de preposições

TEXTO 1

Gostaria de saber, posso escrever uma carta para você.

Quando eu passei no vestibular na [NOME DA IES], fiquei feliz mesmo. Primeiro dia de

aula, começei que [a] tinha medo # [de] a relação com professores, porque eu tenho dificuldades

# [com] a relação com professores, por isso eu não entendia com lábios. Depois segundo dia #

[em] que eu fiquei abrindo a relação com interprete, porque tem me explicou claramente e

também tenho dificuldades # [com] a relação com ouvintes, pois eu tentei atenção com lábios o

que ouvintes estava falando. Depois # [de] um ano que minhas colegas, professores, alguns as

pessoas estudam na [NOME DA IES] sabem alguns libras.

Fiquei feliz que coordenadora [NOME DA PESSOA REFERIDA] sabe Libras, eu tinha alívio

pois não tenho dificuldade # [com] a relação com [NOME DA PESSOA REFERIDA].

Agradeço à Deus, alguns professores da [NOME DA IES] aceitaram que surdos

escreveram próprio de escrita # [de] a LIBRAS.

Adorei de estudar aqui na [NOME DA IES] e tenho # [que] conviver com colegas da

[NOME DA IES].

TEXTO 2

Percebi a [NOME DA IES] ficar melhorar e claro que nunca vai a parar, mas assim vai

continuando # [a] tem oportunidade, porque que já tem planejou com ouvintes e surdos são

inclusão.

Então, nas salas dar todos certos, pois é, os professores não eram experiências como

próprios surdos, depois eles abrim experiências como surdos fazem escrivem próprios de

português, mas tem outros disciplinas e professores estão preocupadas como ajuda-las.

Coordenação também tem interesse com a gente, percebi dela que elas estão

preocupadas, dar duas professas para reforço com os surdos para entender bem.

Claro que tem cada uma sala e tem um intreperter esclarado e entende melhor.

A biblioteca, informaça, lanche, laboratório, xerox e mais são comunidade com os

surdos foi ótimo.

Agradito o Direito porque que ele aceitou os surdos estudam por aque # [em] a [NOME

DA IES].

Gostaria de recebo a [NOME DA IES].

216

TEXTO 3

[NOME DA IES] é muito importante, alguma pessoas disse [NOME DA IES] e ótimo, mas eu

gosto muito da [NOME DA IES].

Intérprete muito ajuda para surdos tambem preocupado # [em] não perdeu prova,

Coordenação precisa ajuda melhor para Surdos, porque Surdos gosto muito do coordenação,

Interprete do [NOME DA PESSOA REFERIDA] é otimo, porque ele dá oque significado também

alunos gosto muito # [de] [NOME DA PESSOA REFERIDA], Se outro interprete pouco ajudo para

Surdos, Alguma surdos não gosto # [de] fraco interprete, todo surdos so quermos Interprete

muito bom, é [NOME DA PESSOA REFERIDA] .

Aqui tem 9 surdos curso do Pedagogia 4º período, quero mais surdo entra fazer

vestibular no [NOME DA IES]

Todos Surdo quermos um sala so Surdo também dentro tens 2 computadores, mesa

grande, estuda e fazer trabalha, porque ouvintes mais entro no sala e computado, quase

lotado, falta surdos

TEXTO 4

Mas gostei # [de] essa faculdade é muito bom mesmo mas à faculdade tem ser

capacidade ser o luto bom mas a matéria é muito difícil mesmo já acostumada # [com] a sala de

aula e bom os professores ajudam os alunos, os alunos responda a questão cada matéria os

alunos perguntam os professores como essa História é muito importante saber disso sobre a

faculdade tem interprete os alunos entende os professores falando interprete ajudam os alunos.

Os professores e bom cada matéria é difícil mas não é muito difícil bem profundo

mesmo não isso é normal porque os professores respeitam os alunos também mais ou menos

respeitam mas agora já acostumado a sala de aula os alunos ajudam os surdos precisa saber

toda matéria já tem pronto Eu queria ajudam# [para] entender bem clara com os professores

na sala.

Mas à faculdade é bom precisa ter o intérprete para os alunos na sala, Minha vida não

tinha preocupado # [com] essa faculdade não é isso normal já tinha acostumado essa faculdade

tem muita paciência mesmo eu não tinha medo na faculdade precisa melhorar cada os alunos

queriam ter interprete pra sempre.

217

TEXTO 5

No início do curso de arquitetura, estava perdido, tinha dificuldade das falas dos

professores. Eu pedia a eles falarem pouco mais devagar e mais articulado, mesmo usando a

peça FM (Frequencia Modulada). O resultado foi positivo, só faltou o professor chamado [NOME

DA PESSOA REFERIDA] que é professor de Matematica, com ele, não conseguia compreender a

fala dele pois era bem complicada. A comunicação com os funcionarios foram o suficiente para

mim. Quando eu não entendia, pedia para eles falarem novamente. Isso é comum à

experiência do convívio social. Os professores e os coordenadores foram sempre atenciosos.

Com o FM, ajudou muito o aprendizado da Lingua Portuguesa. Foi feito para estimular

mais a minha audição, pois sempre usava o aparelho. A cada ano passava na faculdade [NOME

DA IES], facilitava a comunicação pois conhecia as pessoas e acostumei a conviver com eles

tanto quanto eles aprendiam a me conviver. Eles conseguiam me compreender nas

apresentações dos trabalhos.

Foi importante essa instituição superior porque era o ambiente estimulante e

comunicativa.

TEXTO 6

Minha faculdade [NOME DA IES], muito bom, mas diretora (feira) falta respeito com os

surdos.

funcionário as pessoas tem interesse # [em] aprender libras, mas as pessoas tem

vontade # [de] aprender de libras, porém a direito falta aceitar abri o curso de libras.

A professor(a) não saber fazer preparar aula p/ os surdos, não saber conversar c/ os

surdos.

Falta fazer organizar como ensinar p/ os surdos.

Meu opinião, só falta preparar como ensinar p/ os surdos. também as professores

precisam aprender c/ conviver os surdos.

218

TEXTO 7

Eu me interesso de [em] estudar na faculdade, desde o início não tinha interprete e me

lutei conversando com o coordenador uma pessoa adorável de atender os surdos e não sabia

quando eles precisam, por isso atrasou o conhecimento de interpretes dentro # [de] à faculdade.

O meu entendimento durante das aulas com interprete não foi fácil, porque falta os

sinais que tem muitas palavras novas da arquitetura. Os interpretes e os surdos precisam se

reunir e discutir para criar umas novas palavras de sinais. Tenho dificuldade de escrever o

memorial justificativo e preciso # [de] uma pessoa # [para] me ajudar corrigir. Sou a unica surda

da sala e não tenho satisfeita # [com] a relação com os ouvintes, porque eles sabem que os

surdos tem menos vocabulário e acham que dar muito trabalho. Um ponto impaciente que os

professores não aceitam quando o interprete corrigir a prova e fico preocupada quando os

professores não entender a minha língua escrita (libras). Já discutir com os professores e não

adianta mudar a cabeça, porque eles acham que os surdos são preguiçoso de escrever o texto

igual aos ouvintes.

Isto é o meu maior problema e preciso melhorar mais quando os professores abrem o

conhecimento da escrita dos surdos universitários.

TEXTO 8

[NOME DA IES]

# [na] [NOME DA IES] temos 4 cursos, Pedag, Psicol., Letras e Turismo. Abriu novo o curso

de Enfermagem.

O curso de Pedagogia interessente ensinar da Educação Especial. Desenvolver como faz

o pedagógico. Realmente fico dúvida # [com] a disciplina e faltar a prática pra desenvolver do

conhecimento do Pedagoco.

A palestra qualquer o projeto. Ex: Aids, Deficiência, Pedagoco, teatro e etc.

Somente fico preocupada como faz “Metodologia”, ainda não temos uma idéia “criar a

tema”, estou pedindo uma ajudar como começar a fazer a pesquisa, “o que é metodologia”.

# [na] Biblioteca temos livro, revista e computador. Acho uma coisa dentro da biblioteca. [ASSINATURA DO AUTOR]

219

TEXTO 9

Na faculdade, muito ajuda para surdo porque tem inclusão com ouvinte, também cada

professoras já conheceu surdo já experiente a sala também ajudam. Sala inclusão com junto

alguém com ajuda (Ex: grupo faze trabalho, dupla para prova, ...). Ter alguem # [?] a relação.

Coordenadora foi muito bom, ela é responsável na sala, coordenadora anuncia a coisa e

também pesquisa avaliação na [NOME DA IES]. Porque quera desenvolver melhor na [NOME DA

IES] e também os surdos.

Tudo [NOME DA IES] foi bom, mas, uma coisa a problema porque eu cometo não gosto #

[de] inclusão, porque senti diferença contato # [em que] não tem inclusão e alguém diferença

ensino surdo X ouvinte.

Então só sala surdo e sem inclusão a melhor professora (cada materiais e interpreta ou

pode também as professoras ouvinte e com interpreta, ambos). à relação com o surdo

aprende mais e futuro vida se melhor...

TEXTO 10

Eu, [NOME DO AUTOR] nunca tive nenhum, problema, aqui na faculdade meu

relacionamento com os funcionario, professores e Diretores são otimo, só um problema, os

alunos (alguns) não sabe como ajuda o surdo, no trabalho de apresentação da sala de aula.

Não quer dizer que seja chato, mas sim a preoculpação como se comunica, Os surdos prefere

sempre apresenta trabalho na sala junto dos outros surdos, os surdos sempre prefere fazer

trabalho de disciplina junto dos outros surdos. Alguns quando não entendi na sala o que os

professores explicou e não sabe como fazer, nos fazemos reforço foram particula. A intérprete

são ótima e tem paciência com nós. Eu digo que tenho nenhum problema aqui. Tudo para mim

é otimo.

E também fazemos reforço com [NOME DA PESSOA REFERIDA] com ajuda aqui na [NOME

DA IES] para explica o que não entendemos na leitura do texto.

220

TEXTO 11

TEXTO 12

Aqui, estam bom, alunos estam # [em] relação na sala, também # [com] os professores e

outras.

Acho melhor na sala à aula, as professora vão LIBRAS melhor, elas ajudam cada surdos

desenvolvem e relação também funcionários e outros

Secretária tem responsável organização só surdos, cada papel # [com] o nome, eu gosta

# [da] secratária gosta # [dos] surdos relação # [com] elas.

[NOME DA IES] assume ajudar os surdos, eu esta feliz, mas surdos culturais diferente

cada à vida. Surdos tem interesse e curiosa à aula, professora fala muito, aprende melhor.

Interprete tem relação os surdos também ouvir, Eu ajuda ensinar LIBRAS diferente o

interprete aprende melhor e desenvolver.

Eu fiquei feliz, muito Obrigada [NOME DA IES] e também você.

Curso de Formação para Intérprete

• Atualização

• Continuada

• Interpretação na área de educação

[NOME DA IES] precisa investir um pouco melhor para os funcionarios (interpretes de

LIBRAS).

Atendimento, coordenação e direção # [com] tudo estou satisfeito bem colaboração do

nosso estudo.

221

TEXTO 13

Em 2003 todos os surdos tentam queriam fazem a prova do Vestibular aqui na [NOME

DA IES]. O Diretor da [NOME DA IES] aceitou que assinou um contrato como LEI, eles (surdos)

que ficou muito felizes. Só alguns os surdos passam um aprovado no vestibular. Meu amigo

tentou comigo, mandar que eu vou fazer a prova do vestibular aqui na [NOME DA IES], mas não

posso vou fazer, por que tenho dois empregos do trabalho pela manhã na Prefeitura e outro

pela tarde e noite na [NOME DA EMPRESA REFERIDA], não deu tempo. O ano passado sai o

emprego na Prefeitura. Vou pensar que vontade fazer a prova do vestibular já aceitei um

inscrição no mês de janeiro passado passei um aprovado. Pela primeira vez começar a minha

aula mas não tem intérprete, depois ela chamou que um interprete de [NOME DA PESSOA

REFERIDA], fiquei feliz, porque entendi muito bem mas ele saiu cedo, porque ele está estudando

no curso de Pedagogia 5ª, ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] estava escondido que acha e

tímido. Eu fica surpresa ele [(NOME DA PESSOA REFERIDA)] coragem ensinar as línguas das mãos

p/ mim, fique muito feliz. Gosto muito aprendo muito bem todas as matérias, também gosta

de professores aqui na [NOME DA IES]. Adoro fazer um trabalho com os grupos no curso de

Pedagogia. Agora gosto muito de PORTUGUÊS Quero aprender bem.

TEXTO 14

Na faculdade que eu acho muito boa para os surdos por causa de inclusão, isso fica

mais fácil para eles.

Pra mim, no começo eu achei muito dificuldade entender intepretes na aula e no

auditório, eu ficava confuso, porque eu sabia muito pouco libras, só gestos. Mas foi otimo que

eu aprendi muita coisa com surdos e interpretes.

Bom, aqui na faculdade que tem poucos cursos: Letras, Pedagogia, Psicologia e

Turismo. Eu acho que deve colocar mais cursos como Computação, Administração,

arquitetura... porque eu queria participar # [de] outro curso aqui o que eu gosto é computação.

Outra faculdade tem inclusão, mas paga interpretes por fora, fica mais caro. Aqui não,

porque já tem tudo pronto, por isso eu tenho esperança # [de] que o diretor resolve para colocar

mais cursos.

Os funcionários atendem bem aos surdos e entendem-los pouquinho como gestos, mas

eu espero que eles melhorem mais a comunicar com os surdos.

Eu agradeço os funcionarios, professores e interpretes que ajudaram-os muito.

222

TEXTO 15

[NOME DA IES]

Na faculdade mais importante de estuda na sala. Mas dificuldades disciplina à prova ao

trabalha escreve língua português, usar libras igual escreve. Professor(a) e secretaria sabe libra

falta cartina, tesouro, Biblioteca outro não saber libra como comunicar. Sempre na sala

disciplina aprende # [com] dificuldade # [com] a professor(a) necessaria interprete explicar #

[para] entende claro.

223

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O esplêndido caos de onde emerge a sintaxe

Adélia Prado

Caos é uma palavra corrente, usada para fazer alusão a confusão, a desarrumação, a

qualquer coisa que careça de um princípio organizador perceptível. Em geral, emprega-se

essa palavra quando se pretende fazer uma referência pejorativa a alguma coisa em que não

se percebe uma ordem conhecida. Na física e na matemática, entretanto, o termo caos

denomina um fenômeno que é a origem da ordem, do equilíbrio, da harmonia. É, na

verdade, o comportamento de um sistema complexo e dinâmico que evolui com o tempo e

se transforma em algo reconhecível como organizado. Ou seja, muitas coisas que são

consideradas caóticas — no sentido de desordenadas — são, na verdade, objetos

complexos, de organização instável, mas com propensão ao alcance de uma plácida

estabilidade.

Apenas o conhecimento científico oferece a possibilidade de enxergarmos a ordem

subjacente a certos objetos que a percepção de senso comum nos leva a qualificar de

caóticos, porque não obedecem a critérios de um tipo de organização que nos seja familiar.

É o conhecimento científico que amplia nossas possibilidades de compreensão e impede de

nos limitarmos à constatação do aparentemente óbvio e de nos eximirmos de encontrar os

aspectos do caos que o irão transfigurar em equilíbrio.

Caos também é palavra freqüentemente usada para se fazer referência a textos

escritos por surdos. O estranho modo de organização desses textos assusta e provoca, por

vezes, a rejeição, o descaso. Diante de um texto escrito por um surdo, muitos educadores

recuam. É mais fácil atribuir a dificuldade de construção de um artefato lingüístico

semelhante a textos escritos por ouvintes a supostas limitações cognitivas dos surdos, do

que mergulhar no universo enigmático desses textos, a fim de encontrar as respostas para a

criação de estratégias metodológicas que propiciem o alcance da harmonia. Por outro lado,

aqueles educadores que abraçam o desafio de contribuir para o desenvolvimento das

competências dos surdos, que permitiriam a esses indivíduos escrever textos mais

parecidos aos de ouvintes, contam com pouco material teórico disponível. Como dissemos

224

na introdução deste trabalho, essa carência de material teórico foi um dos motivos que nos

moveu ao empreendimento da pesquisa que desenvolvemos ao longo dos últimos quatro

anos. Contudo, a vontade de compreender os aspectos que forjam a aparência peculiar dos

textos escritos por surdos não foi mais forte do que o inconformismo com a nossa condição

de professora que, há cerca de seis anos, sentiu-se incapaz de contribuir para o

desenvolvimento de habilidades de escrita de alguns alunos, por desconhecer a origem e a

engrenagem da superfície atípica dos textos que eles escreveram num primeiro dia de aula,

numa instituição de ensino superior. A constatação de que dez anos de estudos sobre

linguagem — incluindo graduação e dois cursos de pós-graduação — e mais de dez anos

de experiência de ensino de português em quase nada podiam nos ajudar naquele momento

nos levou à reflexão de que muito ainda havia a aprender, para poder ensinar. Apenas a

compreensão daquele estranho universo poderia apoiar nosso fazer pedagógico. Tendo o

interesse e a possibilidade de prosseguir na vida acadêmica, elegemos os textos de surdos

como objeto de pesquisa e fomos em busca da origem das peculiaridades desses textos.

Sabíamos de nossas limitações como pesquisadora, especialmente em função da

natureza complexa do objeto de investigação e da carência de bibliografia disponível sobre

a escrita de surdos. Por isso, não tínhamos a intenção de elucidar todos os mistérios que

guardam as superfícies lingüísticas desses textos. Nosso objetivo era compreender pelo

menos os aspectos mais salientes que imprimem a atipicifidade ao nosso objeto de estudo.

Os resultados a que chegamos com a realização deste trabalho revelam que os

aspectos da organização atípica de textos escritos por surdos são decorrentes do modo de

interação instaurado pela surdez, sendo que alguns decorrem da influência da LIBRAS, no

caso dos textos escritos pelos usuários dessa língua. Percebemos que os usuários de

LIBRAS fazem a transposição de alguns elementos da estrutura da língua de sinais para os

textos escritos em português, ação que cria o que denominamos de hibridismo estrutural.

Confirmando nossa primeira hipótese, a superfície lingüística de textos escritos

por surdos participantes da pesquisa, oralizados e do não-oralizado, usuários de

LIBRAS e do surdo oralizado não-usuário de LIBRAS, obedece a alguns critérios

organizacionais diferentes daqueles em que se baseiam os textos escritos por

indivíduos ouvintes.

Identificamos, entre todos os textos do corpus aspectos que os distinguem de textos

escritos por ouvintes, no âmbito da coesão estrutural, os seguintes itens:

225

1. dificuldade com a flexão de gênero de nomes e de pronomes, verificada no

texto 5 (escrito pelo surdo não-usuário de LIBRAS), e nos textos 2, 6 e 12 de surdos

usuários de LIBRAS. Quanto aos pronomes, em textos escritos por ouvintes, pode haver

equívocos quanto à flexão de gênero e de número, quando essas palavras são colocadas nas

superfícies dos textos em pontos distantes dos referentes que substituem. Entretanto, a

dificuldade dos voluntários da nossa pesquisa se evidencia em contextos em que os

pronomes estão próximos aos referentes nas superfícies dos textos em que aparecem, o que

reduziria significativamente a possibilidade de uso de pronomes inadequadamente

flexionados.

Já os nomes inadequadamente flexionados quanto ao gênero, a saber: comunicativa

(referente à palavra ‘ambiente’); surpresa (referente ao autor do sexo masculino); lotado

(referente à palavra ‘sala’), como são palavras usuais no português, dificilmente

provocariam dúvidas nos ouvintes quanto à flexão de gênero. Contudo, a surdez impede os

indivíduos de perceberem certas formas de usos e flexões de palavras do português em

todas as situações de interação em que se envolvem. Isso dificulta o domínio de certos

usos e pode provocar equívocos como esses na escrita.

2. uso de preposições inadequadas às relações semânticas dos contextos em que

aparecem. Como não estão expostos aos estímulos auditivos, que poderiam contribuir para

a consolidação de certas informações em sua memória — como já afirmamos no parágrafo

anterior — e têm dificuldades de perceber todos os vocábulos no processo de leitura

orofacial, especialmente os monossílabos átonos, entendemos que é difícil para um surdo

selecionar as preposições adequadas a cada contexto de uso. Além disso, As preposições

integram o grupo das “unidades gramaticais”, em oposição a “unidades lexicais”. Estas têm

significados que remetem para o universo da experiência. Já as unidades gramaticais são

“palavras de função”, carregam significados que são mais fortemente ligados às relações

internas criadas pelo contexto. Remetem, pois, em princípio, ao mundo interno da

gramática. Um indivíduo que tenha o português como segunda língua, provavelmente, terá

mais dificuldade em consolidar os conhecimentos relacionados aos usos das unidades da

gramática, do que aqueles relacionados aos usos das unidades lexicais.

Essas constatações confirmam, ainda, nossa segunda hipótese, de que há

peculiaridades decorrentes da surdez, especialmente, as especificidades ligadas ao

226

modo de expressão natural do indivíduo surdo, nos textos de indivíduos surdos

oralizados e não-oralizados, usuários de LIBRAS, assim como nos textos de surdos

oralizados não-usuários de LIBRAS. Como observamos os aspectos anteriormente

mencionados tanto em textos de usuários de LIBRAS, quanto no texto escrito pelo surdo

que não usa LIBRAS, atribuímos essas peculiaridades às especificidades interacionais

instauradas pela surdez, que impede a apreensão de todos os modos de uso da língua

oral-auditiva.

Quanto às especificidades decorrentes do uso da LIBRAS, os resultados da

análise dos textos do corpus apontam que estas estão relacionadas também ao tempo de

uso da língua de sinais. Nos aspectos concernentes ao âmbito da coesão não-estrutural,

por meio dos recursos de reiteração, verificamos:

1. menor diversidade de usos de recursos de reiteração, especialmente por parte

dos surdos que são utentes da língua de sinais há 10 anos ou mais. O fato de a LIBRAS

dispor de um léxico numericamente inferior ao do português, o que provoca o

desconhecimento por parte das pessoas desprovidas de audição usuárias da língua de sinais

a conhecerem menos itens lexicais existentes no português, leva esses surdos a usarem

mais os recurso da repetição propriamente dita e na retomada por elipse. Apenas no texto

5, aparecem usos de termos genéricos. Entre os textos escritos pelos usuários de LIBRAS,

identificamos o uso de outro recurso de reiteração, a paráfrase, apenas no texto 7, cujo

autor era usuário da língua de sinais há 8 (oito) anos, na época da coleta dos dados. O

investimento na oralização, certamente, contribui para a ampliação do acervo lexical dos

surdos. Um indício disso é a maior diversidade vocabular observada no texto 5.

2. ausência de usos de pronomes em geral, observada nos textos 8 e 15, a

ausência de pronomes pessoais, observadas nos textos 6 e 11, e a ausência de pronomes

oblíquos nos textos 2, 4 e 12. Essas dificuldades são decorrentes das especificidades do

sistema pronominal da LIBRAS, em que a apontação funciona para representar a maioria

dos pronomes, sem distinção entre as categorias de pronomes retos e oblíquos. No caso

dos pronomes pessoais, no singular, o sinal para todas as pessoas é o mesmo; o que difere

um pronome do outro é a orientação direcional da mão. Dependendo da situação, a

apontação é dispensada pelos interlocutores, principalmente aquela que indica o sujeito do

verbo na 1ª pessoa do singular. Isso se reflete na escrita dos autores dos textos do corpus

227

que analisamos. Essa peculiaridade da LIBRAS contribui para a instauração de outra

dificuldade, observada no texto 1, no bloco de análise da constituição das superestruturas

dos textos, relacionada ao modo de interpelação ao interlocutor. O autor do texto 1

usou, no início do texto, o pronome de 2ª pessoa ‘você’ para interpelar a intelocutora; e, na

seqüência do texto, fez referência a ela por meio de expressões de 3ª pessoa.

Em relação aos recursos de conexão, constatamos:

1. dificuldades principalmente com o uso de conjunções, em especial, com a

conjunção ‘mas’ e com as conjunções que indicam a relação de complementação. A

conexão no período complexo em que há orações substantivas em LIBRAS não é marcada

pelo uso do conector integrante, fato que influencia a omissão desse conector em períodos

desse tipo em textos escritos.

No âmbito da coesão estrutural, verificamos:

1. omissão de verbos não-dinâmicos indicadores de estado; a seqüenciação de

verbos que não obedecem a critérios de construção de tempos compostos, perífrases

verbais e da constituição de períodos complexos; uso de verbos em contextos em que

o português adota o uso de substantivos e de adjetivos; dificuldade com a flexão de

tempo, modo, número e pessoa dos verbos. Os verbos não-dinâmicos indicadores de

estado não existem na LIBRAS. Percebemos que alguns participantes da pesquisa usuários

da língua de sinais transpõem elementos da estrutura dessa língua na organização de seus

textos escritos em português. As peculiaridades relativas às seqüências de formas verbais e

ao uso de verbos com estatuto de nomes, essas peculiaridades devem-se ao fato de, na

língua dos surdos, um mesmo sinal equivaler a palavras de diferentes classes, o que

provoca equívocos na produção de textos escritos. A dificuldade de flexão dos verbos é

causada pelo fato de na LIBRAS só haver flexão (e com características diferentes do

português) para os verbos direcionais.

2. omissão de preposições e a inserção desse tipo de palavras em contextos em

que estas são dispensáveis. Um dado que nos parece significativo e que apóia a inclusão

dessa peculiaridade entre as que consideramos influência da LIBRAS é o fato de, no texto

do surdo não-usuário de LIBRAS, não aparecerem preposições inseridas em contextos em

228

que estas são dispensáveis. Parece que a vivência como usuário do português propicia o

conhecimento de mais contextos de usos dessas palavras, embora não impeça alguns

equívocos sobre o tipo de preposição que cabe em cada contexto específico.

A nossa terceira hipótese, que textos de surdos oralizados não-usuários de

LIBRAS apresentam-se com organização mais próxima dos textos de ouvintes, mas

guardam características semelhantes aos textos dos surdos oralizados ou não-

oralizados usuários de LIBRAS, características que seriam decorrentes do modo de

expressão instaurado pela surdez e, no caso dos textos escritos por usuários de

LIBRAS, decorrentes, também e principalmente, da influência da língua de sinais, foi

parcialmente confirmada. De fato, o texto escrito pelo surdo não-usuário de LIBRAS

apresenta superfície mais semelhante a de textos escritos por ouvintes. Entretanto, há

poucas especificidades nesse texto que também foram observadas nos textos dos usuários

oralizados e do surdo não-oralizado usuários de LIBRAS. A oralização, sem dúvida,

contribui significativamente para o desenvolvimento das habilidades de escrita, mas parece

que o uso prolongado da LIBRAS pode neutralizar alguns efeitos da oralização.

Terminada a tarefa de que nos incubimos desde fevereiro de 2004, consideramos

alcançado nosso objetivo principal. Durante a realização da pesquisa, percebemos que

ainda há muito a aprender sobre a escrita de surdos, e esperamos que os resultados dos

nossos esforços possam motivar outros pesquisadores que chegarem a essas páginas a se

debruçarem sobre esses artefatos lingüísticos, a fim de que os educadores de pessoas

desprovidas de audição possam ter um acervo mais significativo de trabalhos teóricos a

que possam recorrer para o aprimoramento de suas práticas pedagógicas.

Sentimo-nos particularmente satisfeita em termos conseguido concluir este

trabalho, que representa a nossa pequena contribuição para a melhoria das práticas

pedagógicas direcionadas à comunidade surda, sem deixar de reconhecer a incompletude

do material teórico que entregamos à comunidade. Esperamos que as lacunas existentes

aqui possibilitem frutíferas interlocuções com pesquisadores interessados pelo tema e com

educadores preocupados com o aprimoramento de suas práticas em sala de aula.

Talvez, possam nos questionar sobre o motivo da nossa preocupação com práticas

pedagógicas, já que este trabalho tem perfil eminentemente teórico e, por isso, não nos

caberia, neste momento, a preocupação com os possíveis ecos que este possa produzir nas

229

salas de aula de escolas e instituições superiores de ensino. O fato é que, simplesmente,

não sabemos “não tratar sobre prática pedagógica”.

Nossa condição de professora que gosta de ser professora e que se sente

profundamente frustrada, quando o trabalho em sala de aula não exerce um impacto

significativo sobre as ações interacionais dos alunos, nos tem impelido a ações como esta,

que nos rouba o tempo livre para a família, para os amigos, para as outras coisas da vida

que consideramos igualmente preciosas.

Além disso, sempre sentimos a necessidade de devolver à sociedade a oportunidade

que nos deu de prosseguir na jornada da construção de conhecimentos científicos numa

universidade pública, o que, em nosso país, não está ao alcance da maioria. Por esse

motivo, pensar nas possibilidades de aplicação dos conhecimentos que construímos com

este trabalho nos parece a melhor forma de partilhar nosso êxito com os demais cidadãos

deste país.

Esse nosso interesse, em contribuir de alguma forma para a melhoria das práticas

pedagógicas dirigidas aos surdos, também está relacionado à constatação das injustiças que

esses indivíduos sofrem, por viverem numa realidade que limita sua atuação social, embora

sejam pessoas capazes de intervir de modo eficiente nos diversos contextos da sociedade.

O fato é que os surdos são subestimados pela maioria de ouvintes com os quais convivem,

porque não conseguem se fazer compreender. O conhecimento dessa realidade em que

vivem os surdos, ainda, trouxe-nos à lembrança as palavras de Paulo Freire, que, certa vez,

afirmou:

Em sociedade que exclui dois terços de sua população e que impõe ainda profundas injustiças à grande parte do terço para o qual funciona, é urgente que a questão da leitura e da escrita seja vista enfaticamente sob o ângulo da luta política a que a compreensão científica do problema traz sua colaboração. (1994, p. 9).

Dedicamos este trabalho especialmente à ciência, que nos permite, inclusive,

enxergar o princípio organizador subjacente ao caos.

230

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SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim (et all.). Gêneros orais e escritos na escola.(Tradução e organização: Roxane Rojo e Glais Sales Cordeiro). Campinas, São Paulo: Mercado de Letras. 2004.

SILVA, Marília da Piedade M. A construção de sentidos na escrita do sujeito surdo.Dissertação de Mestrado. UNICAMP/ Faculdade de Educação: Campinas, 1999.

SOUZA, Regina Maria. Que palavra te falta? Lingüística, educação e surdez. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

SVARTTHON, Cristina. Bilingüismo dos surdos. In: SCLIAR, Carlos. Atualidade da educação bilíngüe. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1999. V1.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:SILVA, Tomaz Tadeu (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 3 ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. p. 7-72.

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ANEXO I

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ANEXO II

TERMO DE ESCLARECIMENTO

Você é um(a) aluno(a) adulto(a) surdo(a) regularmente matriculado(a) numa Instituição de Ensino Superior e, por isso, está sendo convidado(a) a participar do estudo científico A organização de textos escritos por universitários surdos. Este estudo está sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco, no curso de Doutorado em Lingüística. Os avanços na área de Educação de Surdos ocorrem por meio de estudos como este, por isso a sua participação é importante.

Com este estudo pretendemos verificar o modo em que se organizam textos escritos por adultos surdos, a partir de cartas escritas por surdos adultos universitários, regularmente matriculados em instituições superiores de ensino localizadas nas cidades do Recife e de Olinda, como você. Pretendemos identificar os aspectos comuns a textos de surdos que tornam esses textos diferentes dos textos de ouvintes. Objetivamos, ainda, conhecer os aspectos que tornam diferentes os textos dos surdos oralizados que não usam LIBRAS dos textos dos surdos não oralizados que usam LIBRAS, uma vez que, em geral, os textos dos surdos oralizados são mais parecidos com os textos de ouvintes.

Se você aceitar ser um (uma) dos(as) participantes da pesquisa, deverá comparecer à Faculdade de Ciências Humanas de Olinda – FACHO, duas vezes, em datas que combinaremos em breve, para fazer parte de um grupo de 30 pessoas e: 1.preencher um questionário cujo objetivo é conhecer um pouco de sua vida, em especial, sua vida escolar; 2. dar uma entrevista para que possamos ampliar as informações fornecidas por você no questionário; 3. escrever um texto em português em folha de papel do tipo ofício; 4. ler ( em LIBRAS, se não for oralizado) o texto produzido por você, para que possamos filmar essa leitura em fita de vídeo VHS. A filmagem é necessária, pois precisamos transcrever sua leitura para o português, principalmente os textos dos surdos que usam LIBRAS, porque a estrutura da língua de sinais é diferente da estrutura do português e, às vezes, é difícil entender as coisas que o surdo quer dizer em seu texto escrito. Quando o surdo interpreta o seu texto, a pessoa que vai analisar pode tirar suas dúvidas, pois, desta forma, nós não precisaremos convidar você para outro encontro e as informações para a pesquisa vão ficar precisas.

Não existe até o momento, na literatura, nenhum relato de riscos ou desconfortos em pesquisas desta natureza. A não ser a possibilidade de que você sinta alguma timidez no início da pesquisa, por estar sendo observado(a) ou filmado(a), ou por saber que o texto escrito por você será publicado e lido por outras pessoas. Pode sentir algum tipo de desconforto ou mal-estar, por causa do aparelho de ar-condicionado, que mantém a sala na temperatura de 22 graus centígrados, ou porque a porta da sala ficará fechada. Você, ainda, pode sentir-se incomodado(a) pela iluminação necessária para a realização da filmagem. Garantimos que se você demonstrar algum incômodo físico ou emocional inesperado no decorrer das atividades previstas, estas serão imediatamente interrompidas e, conforme a necessidade, você será encaminhado(a) a um atendimento médico. Fazemos questão de deixar claro que você tem o direito de não dar o consentimento ou de retirá-lo a qualquer momento. Você também tem o direito de não responder a todas as perguntas que serão feitas no questionário e na entrevista. Você recebe, neste momento, uma cópia de uma versão resumida do projeto de pesquisa e poderá ter as informações adicionais que quiser sobre os procedimentos e outros assuntos relacionados a esta pesquisa. Reafirmamos que você poderá não participar da pesquisa ou retirar seu consentimento. Pela sua participação no estudo, você não receberá

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qualquer valor em dinheiro, mas terá a garantia de que todas as despesas necessárias para a realização da pesquisa não serão de sua responsabilidade.

Sua participação no estudo trará benefícios para os surdos que freqüentam escolas e faculdades, querem aprender, mas não conseguem, porque muitos professores não sabem como ajudá-los, pois esses professores não conhecem bem a escrita dos surdos. Os resultados desta pesquisa oferecerão grandes possibilidades para que se possa compreender a forma como indivíduos surdos escrevem em português, o que dará condições, em especial, aos professores de português que trabalham com surdos, de conhecer quais habilidades de escrita necessitam ajudar seus alunos a desenvolver. Além disso, os resultados ajudarão a professores de surdos das várias disciplinas a prepararem suas aulas e, assim, contribuir para que os surdos recebam informações e ensinamentos adequados que lhes possibilitarão uma vida melhor.

Se você tiver interesse, poderá receber a cópia de uma versão resumida do relatório de pesquisa, contendo os resultados deste estudo.

É garantida a você a total preservação de sua identidade e seu nome não aparecerá em qualquer momento do estudo. Para efeitos de análise, seu texto será identificado por um pseudônimo.

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ANEXO III

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE (APÓS ESCLARECIMENTO)

Eu, _______________________________________________, li e assisti à interpretação em LIBRAS do termo de esclarecimento acima e compreendi para que serve o estudo e de quais procedimentos participarei. A explicação que recebi esclarece os riscos e benefícios do estudo. Eu entendi que sou livre para interromper minha participação a qualquer momento, sem justificar minha decisão. Sei que meu nome não será divulgado, que não terei despesas e não receberei dinheiro por participar do estudo. Eu concordo em participar deste estudo, bem como autorizo, para fins exclusivamente de pesquisa, a utilização dos dados coletados durante as atividades de produção textual (produção de texto individual e videogravação da leitura do texto escrito por mim). Esses protocolos ficarão à disposição da Universidade Federal de Pernambuco para outros estudos, sempre respeitando o caráter confidencial das informações registradas e o sigilo de identificação do participante. Decorrido o prazo de (01) um ano após a defesa da tese, esses dados serão destruídos.

Eu concordo em participar do estudo. Recife, ______/_____/ _______ .

Participante voluntário ______________________________ Pesquisadora responsável ______________________________ Pesquisadora orientadora ______________________________ 1ª. Testemunha ______________________________ 2ª. Testemunha ______________________________

Endereço da pesquisadora: Rua São Mateus, nº 1060 – Bloco D – Apartamento 202, Iputinga – Recife – PE. CEP.: 50.680-000 Telefones de contato: (81) 3274-4594 / (81) 8727-5461.

Em caso de dúvida em relação a esse documento, você pode entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, pelo telefone: (81) 2126.85.88

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ANEXO IV

QUESTIONÁRIO PARA CADASTRAMENTO DOS VOLUNTÁRIOS DA PESQUISA ORGANIZAÇÃO DE TEXTOS ESCRITOS POR UNIVERSITÁRIOS SURDOS

PESQUISADORA – GLÁUCIA RENATA PEREIRA DO NASCIMENTOORIENTADORA – PROFESSORA DRA. MARIA DA PIEDADE MOREIRA DE SÁ

RECIFE – UFPE – 2005

PREENCHER EM LETRA DE FORMA

NÚMERO DE CADASTRO - ____________ 1. NOME COMPLETO - __________________________________________________ ______________________________________________________________________

2. ENDEREÇO - ________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________________________________________________

3. SEXO – FEMININO ( ) MASCULINO ( )

4. TELEFONE - ___________________________ CELULAR - __________________

5. DATA DE NASCIMENTO - ____/____/_______

6. LOCAL DE NASCIMENTO - ___________________________________________

7. NOME DA MÃE - ____________________________________________________

8. NOME DO PAI - _____________________________________________________

9. MOTIVO DA PERDA DA AUDIÇÃO - ___________________________________

10. IDADE DA PERDA DE AUDIÇÃO - ________ ANOS

11. USUÁRIO DE LIBRAS – SIM ( ) NÃO ( )

12. SE FOR USUÁRIO DA LÍNGUA DE SINAIS, INFORME A IDADE EM QUE APRENDEU LIBRAS ________ ANOS.

13. TIPO DE SURDEZ – LEVE ( ) MODERADA ( ) SEVERA ( ) PROFUNDA ( )

14. GRAU DE PERDA DA AUDIÇÃO - _______ %

15. IDADE EM QUE ENTROU NA FACULDADE - ________ ANOS

16. TIPO DE FACULDADE QUE FREQÜENTA

a. PÚBLICA EM TURMA EXCLUSIVA PARA SURDOS ( ) b. PÚBLICA EM TURMAS PARA SURDOS E OUVINTES ( ) c. PARTICULAR EM TURMA EXCLUSIVA PARA SURDOS ( )d. PARTICULAR EM TURMAS PARA SURDOS E OUVINTES ( )

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ANEXO V

TEXTOS CONSTITUINTES DO CORPUS

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