asas de borboleta · cada poema um casulo rompido, uma borboleta que se projeta no ar, voando em...

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ASAS DE BORBOLETA Alessa B.

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ASAS DE BORBOLETA

Alessa B.

2

B. Alessa

Rio de Janeiro/Rio de Janeiro: Edição Independente, 2011. 49 p.

Rio de Janeiro 2011. Todos os direitos reservados

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons

Capa: Axills Produção Editorial:

Samuel Achilles

2011

Trovart Publications

3

Sumário

Prefácio ....................................................................................................................................... 5 Existencial .................................................................................................................................. 7 Poema do amor em gozo ............................................................................................................ 8 Despedida ................................................................................................................................... 9 Com louvor e com ternura ........................................................................................................ 10

A Dor ........................................................................................................................................ 11 Soneto d’anunciação ................................................................................................................. 12 Adormecido .............................................................................................................................. 13

Versos perturbados ................................................................................................................... 14 Minuano .................................................................................................................................... 15 Existencial II ............................................................................................................................. 16 Velha infância ........................................................................................................................... 17 Menstrual .................................................................................................................................. 18

Outono n’alma .......................................................................................................................... 19 Abraço do adeus ....................................................................................................................... 20 Epifania ..................................................................................................................................... 21 Inquietude ................................................................................................................................. 22

Espectral ................................................................................................................................... 23 Olhos de ébano ......................................................................................................................... 24

Vivere ....................................................................................................................................... 25 Temporal ................................................................................................................................... 26

Sangra teu verso ....................................................................................................................... 27 Sonata ....................................................................................................................................... 28 Speculum .................................................................................................................................. 29

Aqueles olhos ........................................................................................................................... 30 Pela janela ................................................................................................................................. 31

Epílogo ..................................................................................................................................... 32 Menino de asas ......................................................................................................................... 33 Ressurreição.............................................................................................................................. 34 Tuo petto ................................................................................................................................... 35

Filosofal .................................................................................................................................... 36

Castanhos .................................................................................................................................. 37

Partida ....................................................................................................................................... 38 Pluvial ....................................................................................................................................... 39 La passion ................................................................................................................................. 40 Nevasca ..................................................................................................................................... 41 Saudade ..................................................................................................................................... 42

Tuas mãos ................................................................................................................................. 43 Imortal ...................................................................................................................................... 44 Amor em peito flébil enlouquece... .......................................................................................... 45 Posfácio .................................................................................................................................... 46

Minibiografia ........................................................................................................................ 48

Contatos com a autora .............................................................................................................. 49

4

Cada poema um casulo rompido,

Uma borboleta que se projeta no ar,

Voando em busca do desconhecido,

Voando, voando, pra não mais voltar.

Alessa B.

5

PREFÁCIO

De repente, não mais que de repente, no singelo bater de asas de uma

borboleta em um canto qualquer do Universo, toda uma mudança é gerada e uma cadeia de acontecimentos quase que instantânea vem perturbar

diretamente nosso equilíbrio vital. É o Destino que se nos impõe.

Ele não pergunta se estamos preparados ou não para recebê-lo. Apenas age. E espera uma resposta. Expulsa-nos do conforto e da segurança da

crisálida com que nos protegemos do mundo. Intima-nos a libertar nossas borboletas interiores para que elas batam suas asas e interfiram de alguma

forma nessa dinâmica existencial também.

Meus versos são as asas dessas borboletas que a vida constantemente me instiga e me obriga a libertar. São essas inúmeras borboletas, que após

passarem pelos estágios de ovo, larva e pupa dentro da minha alma, ganham existência própria e voam ao sabor dos ventos, se desprendendo do ventre de

seu criador.

São versos nômades que transitam pelas reentrâncias do tempo e do espaço, e no afã da transcendência percorrem diversas veredas temáticas numa

inquietude também constante.

Em poucas e definitivas palavras pode-se dizer que meu verso é borboleta

que voa na imensidão, efêmero; porém, bem perto do chão.

Curitiba, PR, 2010

Alessa B.

6

Passa a nuvem

Por cima de mim

Depressa e sem fim.

Alessa B.

7

EXISTENCIAL

A existência precede

e governa a essência.

Jean-Paul Sartre

Se num sopro de pó surjo no mundo,

Folha virgem expelida na estrada, Que eu redija em mim um ente fecundo

Tracejando meu destino entre o Nada.

Que ao existir eu confira meu valor

E neste plano erga minha essência. Se não vim do ventre dum Criador,

Que em Terra abrace eu a transcendência!

E se ao morrer, findar em cois‟alguma,

Poeira consumida... caos do Universo, Orvalho amanhecido em fria escuma,

Desfeito nos vãos do tempo perverso, De todas as coisas, quero só uma:

Que eu dilua... mas que fique meu verso.

8

POEMA DO AMOR EM GOZO

Amo-te como um bicho, simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.

Vinicius de Moraes

Amo-te pela beleza com que me cativas, Pelos mistérios sutis dos teus encantos,

Pelas tuas artes, artimanhas e lascívias... Nas horas insensatas de gozos e de prantos.

Amo-te pela força com que tu me arrebatas, Quando meu olhar desaparece no teu vulto.

Pela doce gentileza com que tu maltratas, Cada expressão calorosa do meu culto...

Amo-te pelo simples apetite de amar-te E sentir vivo teu amor sob as entranhas.

Por entender que és de mim a contraparte,

Maldito que me arfas e me ganhas...

9

DESPEDIDA

E este amor que assim me vai fugindo

É igual a outro amor que vai surgindo,

Que há-de partir também... nem eu sei quando...

Florbela Espanca

Foste embora... Não hoje,

Nem ontem, Nem agora.

Aos poucos, Talvez,

A cada hora. Silenciosamente,

Sorrateiramente Fechaste a porta

Atrás de ti. E o vazio

Da tua presença Permaneceu

Em mim.

10

COM LOUVOR E COM TERNURA

Se te amei! Se minha vida só queria

Pela tua viver,

No silêncio do amor e da ventura

Nos teus lábios morrer!

Álvares de Azevedo

Amei-te com louvor e com ternura Em todo vão de tempo e cada hora,

Vertida nesse amor me fiz tão pura Aos teus pés como quem um Anjo adora.

Oh! Quanto frenesi, quanta ventura Sagrados braços pela noite afora!

Do instante a magia só perdura... Do anoitecer até a branda aurora.

Tão louca! Mil quimeras no meu peito Lancei à luz candente desse olhar!

Amei-te com amor mais insuspeito,

A gêmea alma que retrata o par.

Oh! Deste-me amor tão putrefeito,

Cadáver roto que se lança ao mar.

11

A DOR

Ao meu irmão (in memoriam)...

Ai, doido sonho! Uma estação passou-se

E tantas glórias, tão risonhos planos

Desfizeram-se em pó!

[...]

Tu dormes no infinito seio

Do Criador dos seres! [...]

Tu me contemplas lá do céu, quem sabe?

No vulto solitário de uma estrela.

Cântico do calvário – Fagundes Varela

Certeira vem a Dor, rasgando sonhos, Mil dardos de cilício tão vorazes,

São golpes lancinantes, que medonhos N‟alma vertem violentos e mordazes.

Espasmos de remorsos eu componho Em versos tão doídos e fugazes.

E todas as palavras que deponho São rasgos mais profundos, pertinazes.

Ai, quem dera deter as mãos do Fado, Retê-las gentilmente entre as minhas...

Irmão, tu não estarias „encantado‟,

Deixando-me na Terra tão sozinha!

Que fazer dum destino destroçado,

Se dessa vida nada se adivinha?

12

SONETO D’ANUNCIAÇÃO

Consola-me este horror, esta tristeza,

Porque a meus olhos se afigura a Morte

No silêncio total da Natureza.

Bocage

Quem és tu, quem és tu, súbita visão, Que te levantas no frio da alvorada?

Vens oculta em véus de densa cerração, Tens na meiga face a alva descorada...

Erras pelo céu esplêndida aparição, Bela e doce na aurora perfumada!

Tens os santos óleos da extrem‟unção... Vens derramar nest‟alma desgraçada!

Onde nos vimos dantes? És um anjo? És celeste, és graciosa... Tens porte!

És por quem em sonhos me desarranjo?

A quem invoco, buscando minha sorte?

Por quem às madrugadas me constranjo?

Não! És tu, és tu, ó gélida Morte!

13

ADORMECIDO

Para A. de Azevedo

Dorme, ó anjo de amor! No teu silêncio

O meu peito se afoga de ternura

E sinto que o porvir não vale um beijo

E o céu um teu suspiro de ventura!

Sereno, ao calor da Cheia ele dormia... Sobre alcova de rosas derramado.

Em sono respirava incenso e poesia... No véu da noite, negro e perfumado.

Era um anjo do céu na bruma sombria Pelo braço de Morpheu acalentado,

Que de sonhos s‟afogava e se nutria... Em nuvens d‟algodão, o meu amado!

Muito belo! O corpo descansando... Doce boca os lábios entreabrindo...

Formas másculas o leito revirando...

Não censures a mim, amante lindo!

Em ti – às escuras eu rio chorando,

Em ti – às claras eu choro sorrindo!

14

VERSOS PERTURBADOS

Passa em tropel febril a cavalgada

Das paixões e loucuras triunfantes!

Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!

Florbela Espanca

Qual vela acesa num altar sagrado Ardo na penumbra oca do teu sonho,

Sou o teu desejo casto e malogrado, Teu medo taciturno e mais medonho.

Comigo teu eu demente e perturbado, Perpassa cada verso que componho…

Sou teu chamado quente e desastrado, Na esfera do teu sono mais bisonho!

És o meu canto louco em pensamento, O soluço delirante em meu ouvido,

Um mosaico agastado e marulhento,

Vagando no limite dos sentidos.

Sou das ânsias tuas o sacramento,

És da doce angústia minha o aldeído.

15

MINUANO

Este ventinho vai cruzando a cainhada

Se misturando com o frio da madrugada,

É o Minuano do Rio Grande que se expande

Quando seu verde fica branco de geada...

Gaúcho Sulino

Em cismar sozinha em noites frias No silêncio sombrio das madrugadas,

Me reporto sempre àqueles dias De paisagens brancas e invernadas.

Pranteando a terra, alva e macia, Nas querências ermas, pelas estradas.

Das manhãs mudando a geografia, Penetrava até a alma da gauchada.

A geada forte que já se vinha, Com a força bruta de um tirano,

Com espora, rédea, arreio, bainha,

O gaudério rápido, soberano.

E deixando um tremor pela espinha

Açoitando os pagos o Minuano.

16

EXISTENCIAL II

E, ao transcorrer desse diamante bruto,

A Vida toda se consubstancia,

Tal um século, às vezes, num minuto!

Hermes Fontes

Que os anos se acumulam é o certo, P‟ra cada indivíduo sobre a Terra.

E que o medo e o fracasso andam perto... Daquele que em si mesmo mais se encerra!

E que percorre pela vida o seu deserto... Onde o sonho em esquivança mais enterra,

E no anseio d‟encontrar um vão aberto, Eis que calado em si, ao mundo berra!

“Que melhor não ter nascido”, pondera – Angustiado à angústia do não-ser...

Não ter descido a este plano, quem dera...

Um leão por dia pra matar e pra vencer!

O existir não possui sala de espera,

Quem não vive não sabe o que é viver!

17

VELHA INFÂNCIA

À criança perdida no meio da estrada...

Mas que busco afinal, que miragem acalma

tão inquieta procura em um mundo já findo?

Mario Quintana

Senil ocaso que no Céu se finda, Nas vagas ondulosas sobre o tempo,

Ah! Súbita em mim procuro ainda... Vestígios da criança lá no vento.

Nas páginas nefandas da memória A vejo como se tão feliz fosse!

Em trechos mal escritos, a história... Contada em nacos de algodão doce!

Brinquedos espalhados pelo quarto, Os galhos balançando no cipreste,

Pegando-lhe nas mãos, com ela parto

No vão descomunal do arco-celeste,

Com quem às noites, sozinha, reparto,

Infância sombria que de ocos se veste.

18

MENSTRUAL

Leitor, se me perguntares Donde me saem tantos versos,

Eu te respondo:

Não construo versos, eu os menstruo,

menstruo-os como o sangue da Virgem, vertido no coágulo duma ferida perene

que me consome a Alma,

Casulo de seda onde rebentam

Meus Eus,

Esta Borboleta que voa e revoa

Continuamente dentro de mim.

E assim eu menstruo versos,

Que me circulam nas trompas, Versos que vão e que vem

Que vem e que vão...

E nesse ciclo menstrual de versos

Hei de sangrar poesia até a última gota,

Até o derradeiro ruflar de asas.

19

OUTONO N’ALMA

Se tu viesses [...]

A essa hora dos mágicos cansaços

Quando a noite de manso se avizinha,

E me prendesses toda nos teus braços...

Florbela Espanca

Se tu viesses amar-me agora à noitinha, À hora em que Vênus no céu resplandece,

Quando a monotonia do outono adivinha, Este silêncio imemorial que o peito aborrece.

Oh, que tamanha felicidade esta minha! A esperar-te num leito de estrelas celestes,

Abraçar em ti o universo em água marinha, Desnudando mistérios e prazeres terrestres!

Se viesses amar-me, meu bem, à hora vadia, Quando no peito esta dor mais s‟enterra,

Revestida em nuances e tons de nostalgia

Como as sombras que caem sobre a Terra...

A hora em que a noite voraz abraça o dia E uma lágrima de saudade o olhar dilacera...

Ah, se viesses, meu bem...

20

ABRAÇO DO ADEUS

Lerás porém algum dia

Meus versos d’alma arrancados,

De amargo pranto banhados,

Com sangue escritos.

Ainda uma vez, adeus! – Gonçalves Dias

Aquela noite sob a bruma fria Em que até a Lua s‟entristecia,

Quando de mi, já tarde, te despedias Em minh‟alma uma sombra caía...

E no peito uma sensação tão vazia! Pois que naquele singelo abraço,

Dizias-me, tu, Amigo – Adeus –

E não sabias!

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EPIFANIA

Mas esse tempo de encantos,

Que nunca julguei ter fim,

Não é hoje para mim

Mais que morta e seca flor!...

Do gênio mau completou-se

A primeira profecia:

Era o que o Gênio dizia

No seu riso mofador.

Laurindo Rabelo

Ornei-te nos mil panos e tecidos Das belas e venustas fantasias,

Sopradas entre véus tão coloridos, Sofismas de meus impulsos e magia.

E nesses anos todos tão perdidos Saudando-te em mesuras todo dia,

Um sonho tão intenso, tão nutrido... E nada além de falsa alegoria!

O vento, meu amigo, soprou forte, Teus panos e retalhos descobria...

Nas mãos trazia ele minha sorte,

Tirou-me dessa longa anestesia:

– “Mata-o, dê-lhe a sonhada Morte,

Dispa-se de tão tola idolatria!”

22

INQUIETUDE

Por que é que no silêncio da noite

nos assusta falar em voz alta?

Aparição – Vergílio Ferreira

Escuta o gemido pela Terra, São vozes abafadas nos cansaços,

As ondas refluindo nas esferas, Suspensas na penumbra dos espaços.

A vida-solidão que nos espera Vertida nos espasmos mais escassos,

Que cada ser humano reverbera, Pisando na voragem dos seus passos.

Escuta estes ecos trespassando,

Cantigas nas cavernas, entredentes. São gritos de angústia tremulando,

Memórias recolhidas num ausente. Na célula pendendo e latejando

A dor oculta que tod‟alma sente.

23

ESPECTRAL

Mas eu que sempre te segui os passos

Sei que cruz infernal prendeu-te os braços

E o teu suspiro como foi profundo!

Cruz e Souza

Teus passos eu segui na noite fria, A náusea desgarrada dos teus ossos,

Escarro purulento, a hemorragia Sangrando pelos vãos dos teus destroços.

Dos males fui medo e agonia Soprando no interior dos teus remorsos,

Teu anjo torto e negro – anjo guia – Que afoga-te no fundo de mil poços!

Tão pálido descansas no jazigo, Os vermes te rasgando a débil carne,

A alma que habitou em ti, amigo,

De ti se retirou no desencarne.

Não temas, não receie o perigo,

Somente o de vir atormentar-me!

24

OLHOS DE ÉBANO

[...] olhos tão negros, tão belos, tão puros,

Assim é que são;

[...]

Às vezes, oh! Sim, derramam tão fraco,

Tão frouxo brilhar,

Que a mim parece que o ar lhes falece

E os olhos tão meigos, que o pranto umedece

Me fazem chorar.

Gonçalves Dias

Oh! Que tens nestes olhos que olham pra mim? Olhos tão belos, tão puros, tão negros,

Talhados no mais branco e denso marfim!

Oh! Que tens nestes olhos que olham assim?

Olhos tão meigos, tão doces, tão frouxos, Desertos de tantas tristezas sem fim!

Teus olhos que derramam os mistérios Das trevas em infaustos, ermos jardins,

Cismando em espera a aura, tão sérios Em pesares dormentes, mágoas afins.

Teus olhos que me banham nos etéreos Silêncios dessas noites, véus de cetim.

De ébano perscrutam brandos, aéreos

Em amores ocultos, céus de carmim.

25

VIVERE

[...] a Filosofia é o único bálsamo

que podemos aplicar aos ferimentos

que recebemos de todos os lados.

Voltaire

Sofrer e só sofrer é lei da Vida, Destino de quem vive neste plano.

Se toda a existência tem feridas, Viver é sempre um ato desumano!

Se tua alma pretendes protegida Dos logros e malogros tão mundanos,

Oh! Mera ilusão, cedo perdida Diante do mais leve desengano!

Ninguém tem a sua vida tão bonita Sem dores ou desgraças no caminho,

A viagem é morosa na desdita

Trançada na ferida dos espinhos.

Mas é a condição de quem habita

Um mundo em constante desalinho.

26

TEMPORAL

O tempo não passa por mim:

É de mim que ele parte,

Sou eu sendo, vibrando.

Vergílio Ferreira

Bem veja, a vida passa num segundo, Momentos tão fugazes, fugidios,

Espasmo prazeroso, tão profundo, Um grito agonizante nos vazios.

Os sonhos se renovam pela aurora, Qual flor campestre, sem demora turge,

Quem sonha não espera, é agora, Depressa a vida passa, o tempo urge!

Sob as asas de Chronos vão-se os anos, A sorte que se esvai pela roleta,

Levando tantos sonhos, tantos planos,

Perdidos na elipse de um cometa.

Os erros tolos todos tão humanos,

Vagando nas entranhas, mil facetas.

27

SANGRA TEU VERSO

Escreve com sangue e aprenderás que sangue é espírito.

Nietzsche

Teu verso sangra, deixa qu‟ele venha Da rocha mais volátil do teu ente.

Poeta, não estanques, não detenhas, Permite qu‟ele flua levemente...

Teu verso sangra e tira toda senha, Qu‟escorra pela pena tão somente.

Que à Musa ele obedeça e obtenhas Os versos mais bonitos que tu sentes.

Poeta tens os versos mais sonoros, Que poucas liras podem se atrever,

Poesia sei que tens em cada poro,

Um sonho de volúpia e de prazer,

Vai, tece esses versos qu‟eu adoro,

Oh, tu és Vate e bem sabes como ser!

28

SONATA

Selvagem e doce eras entre o prazer e o sono,

entre o fogo e a água.

Pablo Neruda

Astuto sempre chega de mansinho, Quieto, sorrateiro e com vagar,

Seduz-me lentamente, com carinho, No colo põe, subjuga e faz sonhar.

Me joga docemente no teu ninho, E logo no teu peito vou a voejar,

Vagando em mil espaços, mil caminhos, Contigo sigo ébria em céu e mar.

Em transe junto a ti, eu me reviro, Me entrego sem pudor em abandono,

Suspensa na vazão deste retiro,

Qual folha na paisagem de outono,

Deixando em pleno voo um meu suspiro,

Em teus braços me encanto, débil Sono!

29

SPECULUM

E esse amor tende a recompor

a antiga natureza, procurando

de dois fazer um só, e assim,

restaurar a antiga perfeição.

Platão

Eu quero amar-te suave, de mansinho, Senhor dos meus anseios, minh‟alma.

A ti oferecer o mundo, meu carinho, Doce amparo, abraço, tua calma.

Eu quero ser refúgio, o teu ninho, Proteção que te conforta e te acalma.

Ser pra ti a direção, um caminho, Espelho teu d‟água, a tua alma.

No céu ser o teu astro mais bonito, Estrela azul que te eleva, te espalma...

Amor, contigo absorver o infinito,

Em êxtase enlaçá-lo, nossas palmas.

No Tempo nosso afeto sendo escrito,

Amor maior, dois seres, um‟alma.

30

AQUELES OLHOS

Mas ai que mil estrelas pingam em meus olhos,

Molhando todos os meus sonhos infaustos e inglórios!

Alessa B.

Onde estão aqueles olhos, Doces olhos de outrora,

Olhos esgazeados de encanto Que expressavam tanto afeto?

Terá ele ido embora? Terão eles se perdido noutro canto?

Oh, e eu que os desejo tanto, tanto!...

31

PELA JANELA

E sobre mim, silenciosa e triste,

A via-láctea se desenrolava

Como um jorro de lágrimas ardentes.

Olavo Bilac

Passavas na calçada, Vi-te pela janela,

Olhei-te com ternura, Seguindo teus passos...

Paraste na esquina, Esperavas por alguém

Exatamente como um dia Esperaste a mim também!

Não fui tua namorada, Não estive no lugar dela,

Não te dei os beijos que devia, Agora me resta apenas

Olhar-te pela janela.

32

EPÍLOGO

Vinte anos do reino da Lua terão passado

Por sete mil anos outro terá sua Monarquia

Quando o Sol prender o passar de seus dias

Então estará completa e finda a minha profecia!

Nostradamus

A noite vai se erguendo contra a Lua As vozes definhando no infinito,

Espasmos da sujeira em Terra nua No caos horripilante e circunscrito.

A chaga bem aberta, toda crua, Derrame de desgraças sobre o Mito.

É do homem a soberba que recua Num uivo doloroso e tão bonito.

E tudo soterrado pela treva Nas cinzas abissais da solidão,

O vento, água, fogo... tudo leva

O ser humano à plena salvação.

Pó seco transcendente... que eleva

A vida macerada em convulsão.

33

MENINO DE ASAS

L’Amour est un oiseau rebelle,

Que nul ne peut apprivoiser.

Et c’est bien en vain qu’on l’appelle

C’est lui qu’on vient de nous refuser…

O amor é um pássaro rebelde – Maria Callas

Deixai aberta as folhas do destino, Ó, mortais, que Ele vem sem ser chamado,

Soprando os mais bonitos, doces hinos, Vem em voo, cego, lento e descuidado.

Amor é como chamo esse menino, Que com seu arco e setas bem trajado,

Na sanha de inocentes desatinos, Os vossos peitos sangra, o abusado!

E tendo a chaga presa em vosso ente, Queima-vos o seio noite afora,

E nessa febre louca e insistente,

Mil sonhos e desejos vossa alma doura.

Criança fútil, tola e inconsequente,

Que a vossa ilusão sustém, devora...

34

RESSURREIÇÃO

Avante! os mortos ficarão sepultos...

Mas os vivos que sigam, sacudindo

Como o pó da estrada os velhos cultos!

Antero de Quental

Meus ossos lancei-os à tumba fria No solo das esferas sepulcrais,

A carne putrefata tão macia, Festim pros intestinos verminais...

Da Morte eu retirei a fantasia Imersa pelas várzeas, lodaçais,

Despojo d‟alma fétida e sombria Que vaga nos espaços abissais.

É vulto transitando pelas eras Do tempo que transcorre pelos dedos,

Anseios das angústias, das esperas...

A busca contumaz por bom enredo.

A Fênix renascida das crateras,

Das vastas tempestades e do medo.

35

TUO PETTO

Em ti, dentro de ti, no teu regaço

Não há triste destino nem má sorte.

Florbela Espanca

Se pouso meu cansaço no teu peito Qual onda confluída nas areias,

Ah! Nele m‟entorpeço, faço leito, Alívio nas marés altas... mais cheias.

Remanso do meu sono mais perfeito Nos teus braços... colada às tuas veias,

Calor em que repouso e m‟estreito, Abrigo das esferas mais alheias.

E neste porto forte, tão seguro, Baía mansa, terna... cristalina,

A minh‟alma inteira eu esconjuro

Nas águas densas, quentes, tão albinas.

Amor tão pleno, ébrio, mais maduro,

E alma em alma, a carne se aglutina.

36

FILOSOFAL

E o homem, coitado, vai seguindo;

A estrada da Vida, às vezes rindo,

Ou chorando, conforme a emoção.

Victorino Carriço

Da Vida só a Morte é bem certa, A sombra à espreita no caminho,

Em cada passo uma trilha aberta, Viver é caminhar, andar sozinho.

Amor que vem matreiro, nos acerta, Remanso na jornada, belo ninho.

Oh! Tantos sonhos n‟alma nos enxerta Qual rosas tatuadas sobre o linho!

Preciso é tomar nossa estrada, Qual o pobre, miserável retirante,

Que da matéria não se leva nada,

Longínquo é o rumo, tão mutante!

Essência turva, bamba, transformada,

Num passo torto, falso, lancinante.

37

CASTANHOS

E é-me tão nítido esse tempo lindo...

Luas... auroras... Posso até retê-las

Nas mãos, o seu tamanho comprimindo!

[...]

E em teus cabelos debulhando estrelas!

Humberto Rodrigues Neto

Os teus cabelos fartos tão castanhos, Deitados na penumbra dos meus dedos,

Naquelas belas horas, doce antanho, Em que tudo, Amor eram folguedos.

Oh! Um amor tão vasto, tão tamanho, Que a ti, eu dediquei como o meu credo,

Agora com saudades eu me apanho, Queimando no infortúnio d‟um degredo!

Em sonhos ainda toco teus cabelos Num gesto de ternura tão aflito,

Buscando-te voraz, em atropelos,

Em transe sigo louca no meu grito.

Movendo mundos, corto mil apelos,

Nas sendas trepidantes do infinito.

38

PARTIDA

Os amantes se amam cruelmente

e com se amarem tanto não se vêem.

[...]

E eles quedam mordidos para sempre.

Deixaram de existir, mas o existido

continua a doer eternamente.

Carlos Drummond de Andrade

S‟eu tivesse tido tempo Para preparar-me à tua partida,

Para quem sabe dissuadir-te De tal idéia estapafúrdia,

Não estaria eu agora ness‟angústia, Amaldiçoando a minha vida...

S‟eu tivesse tido tempo Para preparar-me à tua ausência,

Para quem sabe convencer-te Do disparate de tal atitude,

Não estaria eu agora em incompletude

Abrindo as janelas da demência...

39

PLUVIAL

Oh! ninguém sabe como a dor é funda,

Quanto pranto s’engole e quanta angústia,

A alma nos desfaz!

Casimiro de Abreu

Cai a chuva fortemente neste peito, Um jorro de tristeza visceral,

Que chove mais intensa quando deito, Torrente lacrimosa, intra-venal.

Angústia flagelada sobre o leito, Soluço retumbante, um temporal.

A dor dum sonho fértil liquefeito, Num pranto amargurado e pluvial!

Cortando céu de chumbo, causticante, O peito castigado na neblina,

A chuva segue em fúria abundante,

Descendo em pedra oca, cristalina.

E cada chuva nunca é bastante,

Pra sempre tempestade na retina!

40

LA PASSION

Tudo aquilo que engana parece libertar um encanto. Platão

Et notre sang, épris de qui le va saisir,

Coule pour tout l’essaim éternel du désir.

Mallarmé

Paixão devassa vosso humano peito, É úlcera na pele que não sente.

O músculo sangrando com efeito, Ardendo pela artéria tão demente!

Um mal que não traduz, um desconceito, Um bem que se consome num repente,

Afã de sonhos loucos, tão perfeitos, Volúpias e delírios envolventes!

Machuca e rasga e fere ardilosa, A seta bem ornada na malícia,

Que bem certeira bate, vem, repousa

Na chaga dolorosa qual carícia.

Vivaz como a vermelha e bela rosa,

Que se desfaz em falhas de imperícia.

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NEVASCA

Neve que me embala como um berço divino,

Neve da minha dor, neve do meu destino!

Augusto dos Anjos

Aqui dentro de mim a branca neve, Levita vagamente, impermanência.

E pálida, plangente, tão de leve, Em flocos cai em pérfida cadência.

Castelos alvos vem e circunscreve, Em névoas na memória, confidência.

Instante doloroso, que tão breve, Desenha na paisagem tua ausência!

E num tremor voraz e liquefeito, Cristais de gelo vagam sob a casca...

Um grito oculto salta deste peito,

Sacado lá do fundo da nevasca!

E vendo escorrer na alma contrafeito,

Meu sonho reduzido vejo em lascas!

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SAUDADE

Um desejo de estar perto

De quem está longe de nós;

Um ai, que não sei ao certo

Se é um suspiro ou uma voz!

Bastos Tigre

Em círculo nodoso neste peito, Os rastros da saudade em toda parte,

Correndo pleno sobre infausto leito, Desejo teu na alma esparsa arde.

Mil pés em solo estéril imperfeito, Pisando vão no impulso de tocar-te,

Dispersos como pássaros afeitos Bem cegos rumo ao sol em fim de tarde.

Suspiros no caminho derramando, Os ecos do silêncio fugidio,

Teu nome coração vai-me soprando,

Vertendo em todo canto um desvario!

Em cada sombra vou-te procurando,

Mas só vejo o teu vulto no vazio!

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TUAS MÃOS

Mãos etéricas, diáfanas, de enleios,

de eflúvios e de graças perfumadas,

[...]

Mãos onde vagam todos os segredos,

onde dos ciúmes tenebrosos, tredos,

circula o sangue apaixonado e forte.

Cruz e Sousa

Tuas mãos que seguravam entre as minhas Finesses de ternura, um bem querer,

Naquelas quentes tardes que tu vinhas Amar-me com volúpia e com prazer.

Trançadas sobre o linho nossas linhas, Mil ondas sinuosas no entardecer.

As mãos que deleitosas eu retinha... Se foram para nunca mais me preencher!

Ah! Tanto que te amei, e não sabia, Amado, que loucura, insensatez!

Mas hoje minhas tardes tão vazias,

Fenecem em amarga estupidez!

A vida, de repente, algum dia,

Nos junte n‟algum sonho, outra vez...

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IMORTAL

Cento e sete anos de glória

Tens imortal tricolor

Os feitos da tua história

Canta o Rio Grande com amor!

Lupicínio Rodrigues

Azul celeste, ó meu Rio Grande Em glórias festejado com louvor,

Teu nome brilha lá no Céu distante, Estrela imortal do nosso amor!

Tornaste este povo mais gigante, Alçando desta raça o seu valor.

Vai, segue firme, sempre adiante Na marcha, incansável Tricolor!

Contigo juntos sempre seguiremos Com alma, pensamentos, coração,

Teu hino pelos pampas ergueremos,

Nos jogos empunhando teu brasão.

Teu manto para sempre vestiremos,

Honrando tua história e tradição.

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AMOR EM PEITO FLÉBIL ENLOUQUECE...

Ah, dura lei de Amor, que não consente

quietação numa alma que é cativa!

Camões

Amor em peito flébil enlouquece

Da mais sensata à forte criatura, Nas veias arde solto, vem e tece

Etéreo fogo numa ampla captura.

Ah! Na alma corre fundo, permanece, Trançando o coração bem nas alturas!

Razão que lentamente desvanece O véu cerzido em vasta tessitura.

Qual chama fulminante sobre o gelo,

Brutal agito em doce calmaria, Querer e não querer em atropelo,

Do amor sorrir num grito de agonia.

E sendo todo já não dá de sê-lo

Maior Amor que a própria fantasia.

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POSFÁCIO

Os caracteres que tivestes diante de teus olhos são a estréia de Alessa B.

no mundo das edições literárias na Rede, sua primeira compilação de poesias, escolhidas para mexerem com tua emoção, invadirem tua alma, entremearem-se

por teus pensamentos e habitarem tua memória por tempo indefinido. Com versos essencialmente femininos e envolventes, que lhe nascem das

entranhas e deságuam em mares de lirismo puro, à flor da pele, a poeta tem na Musa (a Poesia) a inspiração suprema, dedicando a ela todo o seu estro. Como

um bardo que dedilha sua lira em forma de vocábulos e percorre os caminhos misteriosos do idioma versado de forma encantadora, mergulha em termos e

imagens poéticas, submersa em idéias concomitantemente turvas e brilhantes. Sua marca é a sensibilidade, o etéreo fruto de anos de vida dedicados à arte da

escrita poética. A sensualidade que emana de seus poemas é trabalhada, metafórica, “menstrual”, enfatizando seu lirismo latente.

Eis uma de suas auto descrições em versos, o que diz muito sobre sua forma “uterina” de poetar:

“Não construo versos, eu os menstruo, menstruo-os como o sangue da Virgem, vertido no coágulo duma ferida perene

que me consome a Alma (...)”

Sendo integrante de uma jovem safra de poetas querendo compartilhar seu amor à arte, Alessa é prova cabal de que para dar à luz sua verve não é

necessário lançar mão de irreverências ou originalidades sem sentido, em nome de um modernismo muito em voga atualmente, de que, pelo contrário, para isso

bastam sua dedicação constante e laboriosa e seu talento nato. Lendo-a, podemos nos certificar de que a poesia possui uma finalidade

em si mesma, que não precisa significar nem se auto justificar, basta “ser” e exalar seus fluidos.

Parabéns, pois, caríssimo(a) leitor(a) privilegiado(a) que “pegou carona” nas asas da borboleta e viajou com ela pelo universo mágico da linguagem, da

sensibilidade e da imaginação...

Por Magmah

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Ai, palavras, ai, palavras,

Íeis pela estrada afora,

Erguendo asas muito incertas,

Entre verdade e galhofa,

Desejos do tempo inquieto,

Promessas que o mundo sopra...

Cecília Meireles

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MINIBIOGRAFIA

Nascida na capital do Rio Grande do Sul, reside atualmente em Curitiba,

Paraná. Formada em Letras e pós-graduada em Teoria Literária, atua como professora. Alessandra Bertazzo, cujo pseudônimo é Alessa B. tem uma

convivência de longa data com a Poesia, escrevendo seus versos desde os 14 anos quando conheceu a obra de Vinicius de Moraes e encantou-se.

É admiradora da poesia clássica e tem como alguns de seus ícones, Camões, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa,

Olavo Bilac, Bocage, Mario Quintana, entre outros, por que afinal, “o mundo é grande” e a Literatura universal também.

Participa regularmente de concursos literários, alcançando resultados bastante expressivos. Tem participação nas antologias do I Concurso de Poesias

Revista Literária Scortecci 2010 e do IV Festival de Sonetos Chave de Ouro 2010, bem como na antologia do Concurso Nacional de Poesias “O que o amor

inspirou”, da Editora Taba Cultural, de 2009.

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CONTATOS COM A AUTORA

Recanto das Letras

http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=63043

Alquimia, Arte & Poesia http://transversu.blogspot.com/

Livros, Cinema & Literatura

http://literanaveia.blogspot.com/

E-mail: [email protected]

Trovart Publications

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Com versos essencialmente femininos e envolventes, que lhe nascem das entranhas e deságuam em mares de lirismo puro, à flor da pele, a poeta tem na Musa (a Poesia) a inspiração suprema, dedicando a ela todo o seu estro. Como um bardo que dedilha sua lira em forma de vocábulos e percorre os caminhos misteriosos do idioma versado de forma encantadora, mergulha em termos e imagens poéticas, submersa em ideias concomitantemente turvas e brilhantes. Sua marca é a sensibilidade, o etéreo fruto de anos de vida dedicados à arte da escrita poética. A sensualidade que emana de seus poemas é trabalhada, metafórica, “menstrual”, enfatizando seu lirismo latente.

Magmah