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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO
AS SÚMULAS VINCULANTES E O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
JULIANA RODRIGUES
São José, novembro de 2007.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ CURSO DE DIREITO
AS SÚMULAS VINCULANTES E O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE
JULIANA RODRIGUES
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Direito. Orientador: Professor Msc. Fabiano Pires Castagna
São José, novembro de 2007.
ii
AGRADECIMENTO
Todo o trabalho desenvolvido ao longo dos cinco anos
cursados no Campus de São José, da Universidade do
Vale do Itajaí, não teria qualquer sentido ou razão se
não fosse o imenso apoio e amor recebidos de meus
pais, Narcísio e Dirlei, familiares e amigos que sempre
se fizeram presentes nos momentos felizes e nos
momentos de apoio necessitado. Por fim, ao meu
orientador, Fabiano, que mesmo nos momentos de
estresse transmitiu a calma e confiança necessários à
conclusão desta monografia. Obrigada por tudo!
iii
DEDICATÓRIA
Pai e mãe que tanto amo!
Que sempre estarão na torcida para as conquistas que
estão por vir. Para eles, não só a monografia, mas toda
a gratidão que tenho por tê-los ao meu lado em todas as
caminhadas da minha vida.
iv
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
São José, novembro de 2007.
Juliana Rodrigues Graduando
v
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí
– UNIVALI, elaborada pela graduando Juliana Rodrigues, sob o título “As súmulas
vinculantes e o controle difuso de constitucionalidade”, foi submetida em novembro de
2007 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: MSc. Fabiano Pires
Castagna (orientador), Msc. Luiz Magno Pinto Bastos (1º membro), Bel. Fernando Luis
Coelho Antunes (2º membro), Msc. Flaviano Vetter Tauschek (suplente), e aprovada com a
nota [10] ([dez]).
São José, novembro 2007.
Professor Msc. Fabiano Pires Castagna Orientador e Presidente da Banca
Elisabete Wayne Nogueira Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica
vi
ROL DE ABREVIATURAS OU DE SIGLAS
§ Parágrafo
EC Emenda Constitucional
CPC Código de Processo Civil brasileiro de 1973
CRFB/88 Constituição de República Federativa do Brasil de 1988
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADC Ação Declaratória da Constitucionalidade
RE Recurso Extraordinário
SUMÁRIO
RESUMO ......................................................................................................... 1
INTRODUÇÃO............................................................................................... 2
CAPÍTULO 1.................................................................................................... 5 1. ASPECTOS TEÓRICOS GERAIS SOBRE O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE..............................................................................................5 1.1 Considerações gerais sobre hermenêutica jurídica e hermenêutica constitucional 5 1.2 Métodos de interpretação..............................................................................................7 1.3 A efetividade das normas constitucionais..................................................................12 1.4 Considerações acerca do controle de constitucionalidade .......................................17 1.5 Noções de controle difuso ............................................................................................23
CAPÍTULO 2.................................................................................................. 29 2. O CONTROLE INCIDENTAL DE NORMAS NO STF, A EFICÁCIA “ERGA OMNES” E AS SÚMULAS VINCULANTES ................................................................29 2.1 O controle incidental de normas pelo STF ................................................................29 2.2 As súmulas vinculantes................................................................................................37
CAPÍTULO 3.................................................................................................. 52 3. AS SÚMULAS VINCULANTES E O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE: NOVAS PERSPECTIVAS............ ................................52 3.1 Considerações necessárias...........................................................................................52 3.2 Os primeiros passos da vinculação: uniformização da jurisprudência (artigos 476 a 479 do CPC) e súmulas impeditivas de recurso (Lei n. 9.756/98)...............................55 3.3 Teoria da abstrativização das decisões em sede de controle incidental de normas58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 65
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................. 68
RESUMO
A presente Monografia tem como objeto a apresentação da súmula vinculante
como uma inovação, e, possivelmente, solução ao mitigado sistema de controle difuso de
constitucionalidade, que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, perdeu sua
força e, conseqüentemente, adquiriu caráter subsidiário e ineficiente de controle de
constitucionalidade.
O objetivo é demonstrar a possibilidade de concessão da eficácia erga omnes às
decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade de leis com o uso
das súmulas vinculantes, de forma a dispensar o requisito político de suspensão da eficácia
da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal concedida,
discricionariamente, pelo Senado Federal. Assim, tenta-se diminuir a distância criada pela
Constituição de 1988 entre a argüição incidental de inconstitucionalidade de normas – até
então a principal via de controle de constitucionalidade de leis – e o controle abstrato de
normas, no âmbito de julgamento do Supremo Tribunal Federal, confirmando à Corte o
status de intérprete máxima da Constituição.
Palavras chave: Controle difuso de constitucionalidade. Recurso Extraordinário.
Resolução Senado Federal. Súmula vinculante. Efeito vinculante.
2
INTRODUÇÃO
O Direito deve ser entendido como uma ciência flutuante, que apesar de possuir
bases teóricas bastante consolidadas, não se limita somente a elas. Acompanha as
mudanças da sociedade e expõe em seus textos normativos a generalidade necessária para
proteger os bens jurídicos que surgem com estas evoluções.
O efeito vinculante, e a conseqüente eficácia erga omnes, inerente a súmula da
jurisprudência dominante com efeito vinculante, inserida no Direito brasileiro pela Emenda
Constitucional n. 45/04, traz uma nova perspectiva para diversas nuances conflitantes do
Poder Judiciário. Dispensada a celeuma sobre a possibilidade de sua aplicação na atual
configuração do ordenamento jurídico brasileiro, a vinculação promovida por esta súmula
tem como objetivo principal, expresso na lei que a regulamenta (Lei n. 11.417/06), evitar
que haja a multiplicação de processos sobre idênticas questões de caráter eminentemente
constitucional.
O Supremo Tribunal Federal tem muito com o que se beneficiar com esta medida
constitucional, pois, atualmente, se encontra assoberbado por quantidade assustadora de
processos, que chegam demorar anos para alcançar o julgamento final. Necessita, portanto,
limitar a quantidade de ações que chegam para sua análise pela utilização de ferramentas
que não limitem, inconstitucionalmente, a sua competência.
Para isto, a súmula vinculante, pelo menos no âmbito do controle difuso de
constitucionalidade, vêm sugerir uma nova, e necessária, faceta às decisões ali proferidas,
concedendo a vinculação da declaração de inconstitucionalidade, sem a velha fórmula da
manifestação do Senado Federal para suspensão da eficácia da lei julgada, no âmbito inter
pars, inconstitucional.
Assim, a presente Monografia tem como principal objetivo examinar a
possibilidade de conceder as benesses dos efeitos vinculantes e da eficácia erga omnes às
decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade, por meio do uso das
súmulas vinculantes.
Para tanto, no Capítulo 1, a apresentação do tema tem início com a elucidação
dos aspectos gerais necessários à compreensão do controle de constitucionalidade. Este,
por sua vez, não se limita a simples declaração de sua existência ou não, pressupõe a
verificação de elementos como a hermenêutica constitucional, destinado a limitar o
3
comportamento do intérprete no âmbito do que propôs o legislador constituinte, pelo uso
de regras e princípios específicos. Por conseguinte, a interpretação das normas
constitucionais remete ao segundo elemento estudado, o da efetividade, que garante que as
normas constitucionais, caracteristicamente constituídas de caráter de generalidade,
alcancem os objetivos que propõem, em sua integralidade.
Por fim, esclareceu-se sobre as questões históricas que concederam ao controle de
constitucionalidade as características que atualmente possuem no ordenamento jurídico
nacional, bem como as generalidades de seu procedimento, especialmente pós a
promulgação de Constituição de 1988.
No Capítulo 2, tratou-se do procedimento da argüição incidental de
inconstitucionalidade especificamente no âmbito do STF, pois as características que as
decisões podem adquirir ali, muito se aproximam dos efeitos propostos pela súmula
vinculante, como, por exemplo, pela Resolução emitida pelo Senado Federal, bem como a
necessária demonstração da repercussão geral, em sede de Recurso Extraordinário, também
comentado ali.
Assim, conclui-se o capítulo com descrição dos efeitos, características e
atualidades das súmulas vinculantes, da mesma forma que explicitados alguns pontos
controvertidos, encontrados pela doutrina, para sua aplicação no Direito brasileiro.
Finalmente, o Capítulo 3 traz a convergência dos argumentos que fundamentam o
objeto de análise desta Monografia, como os efeitos pseudo-vinculativos das súmulas já
existentes no ordenamento jurídico, as críticas a atuação da função do Senado Federal e a
Teoria da abstrativização das decisões em sede de controle incidental de
constitucionalidade, a fim de demonstrar a possibilidade, já colocada em prática pelo STF,
de declarar a inconstitucionalidade de leis pelo uso de precedentes jurisprudenciais,
preconizado pela nova categoria sumular em voga.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas
quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à
continuidade dos estudos e das reflexões sobre a declaração de inconstitucionalidade do
controle difuso, com a concessão dos efeitos vinculantes às suas decisões.
Para a presente monografia foi levantada a hipótese da ampliação do sistema de
controle de constitucionalidade para efeitos de agregação das súmulas vinculantes as
possibilidades que declaração de inconstitucionalidade, por meio da utilização dos
precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal.
4
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, foi utilizado o método
dedutivo, vez que parte de assertiva hipotética em face de novo instituto inserido no
ordenamento jurídico, objetivando avaliar suas conseqüências. Haja vista ser um tema que
possui origem de cunho hipotético, surgido de norma constitucional, a técnica utilizada
será a documentação indireta, por meio de pesquisa bibliográfica e documental.
CAPÍTULO 1
1. ASPECTOS TEÓRICOS GERAIS SOBRE O CONTROLE DIFUSO DE
CONSTITUCIONALIDADE
1.1 Considerações gerais sobre hermenêutica jurídica e hermenêutica
constitucional
As primeiras considerações sobre este tópico pautam-se sobre a perspectiva da
hermenêutica geral do Direito. Esta muito pouco difere da constitucional, visto que
estabelece regras gerais, especialmente quanto ao comportamento que o intérprete deve ter
quando em contato com um texto jurídico à luz do caso concreto. André Ramos Tavares
traça um conceito para esta categoria de interpretação:
A interpretação do Direito é a operação intelectiva por meio da qual a partir da linguagem vertida em disposições (enunciados) com força normativa o operador do Direito chega a determinado e específico conteúdo.1
A partir desta prerrogativa, o autor faz questão de salientar que o intérprete não
sujeita o texto jurídico à sua própria consciência, preconceitos ou indagações, mas a
determinados métodos que o auxiliam na resolução de situações concretas. Com a mesma
preocupação, Konrad Hesse traduz como uma “tarefa” da interpretação constitucional a
finalidade de:
[...] encontrar o resultado constitucionalmente ‘exato’ em um procedimento racional e controlável, fundamentar esse resultado racional e controlavelmente e, deste modo, criar certeza jurídica e previsibilidade – não, por exemplo – somente decidir por causa da decisão.2
Desta afirmação, Hesse conclui que apesar deste exercício não aparentar
facilidade, o uso atual daquilo que chama de “recurso acrítico a valores”, em detrimento do
positivismo, remete a constante insegurança jurídica devendo-se, portanto, retornar o foco
para as regras de interpretação tradicionais, mas com razoável cautela, visto que uma vez
instalada a instabilidade e estabelecidos os vícios, a desvinculação destes não se
materializa de forma imediata.
Outro argumento importante trazido por André Ramos Tavares sobre o uso da
hermenêutica encontra-se no sentido de que o Direito é uma ciência convencional,
1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77. 2 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução: Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. p. 55.
6
diferente da ciência exata, visto que não há verdadeiro ou falso, certo ou errado “e, assim,
admite a mutação de sua própria interpretação, sem que a anterior pudesse ser considerada
verdadeira e, doravante, passasse a ser falsa”3.
Desta forma, delimitados estes principais pontos, Tavares especifica quais seriam
estas orientações que regulam o exercício da interpretação, em primeiro lugar, a
consideração à lingüística, que no caso brasileiro, é o português, que constitui a língua na
qual opera-se a norma.
Em seguida, o respeito à sistemática do ordenamento jurídico, que tem como base
a Constituição, constituindo um ordenamento hierárquico de cima para baixo, ou seja, as
normas infraconstitucionais devem sempre se submeter aos ditames da Constituição. Aqui,
surge uma terceira regra, a da “interpretação conforme a Constituição”, assim, a
interpretação jamais deve fugir à margem daquilo que estabelece a lei, sendo “que o
Direito não tolera contradições, devendo ser considerado como um conjunto coeso e
coerente” utilizando-se, sempre, da analogia como recurso necessário à prática da
hermenêutica, bem como o respeito à supremacia constitucional, que é a pedra
fundamental da unidade do Direito4.
No que tange à hermenêutica constitucional propriamente dita, sua existência
justifica-se especialmente pela especificidade de seu conteúdo, característica esta que se
observa já na interpretação jurídica aplicada ao Direito quando desta se extrai como regra à
“interpretação conforme a Constituição” que neste caso determina-se pelo grau superior
último que ela ocupa no ordenamento nacional, exercendo influência constante frente aos
demais ramos infraconstitucionais. Além disso, e ainda mais específico, pauta-se na
problemática da amplitude de conceitos existentes na Carta, que no entender de Konrad
Hesse, esta interpretação:
[...] tem importância decisiva porque, em vista da abertura e amplitude da Constituição, problemas de interpretação nascem mais freqüentemente do que em âmbitos jurídicos, cujas normalizações entram mais no detalhe5.
Conseqüentemente, surge outra razão para sua aplicação “pela presença da
denominada jurisdição constitucional, determinada a aplicar, a fazer valer a Constituição
3 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p. 78. 4 Cf. TAVARES, André Ramos. op.cit., p. 79. 5 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. p. 54.
7
como norma suprema.”6, ou seja, ao julgador caberá transmitir em suas decisões aquilo que
se encontra na Carta, e não na sua consciência como se percebe no exemplo a seguir:
Se o Tribunal Constitucional interpreta aqui a Constituição com efeito vinculativo não só para os cidadãos mas também para os órgãos do Estado restantes [...], então a idéia, fundamentadora e legitimadora dessa vinculação, da vinculação de todo poder estatal à Constituição, somente então pode converter-se em realidade quando as decisões do tribunal expressam o conteúdo da Constituição – embora na interpretação do tribunal7.
Acrescenta-se, por fim, que a determinação da hermenêutica constitucional nada
se diferencia da hermenêutica do Direito; ao contrário, utiliza-se igualmente daqueles
parâmetros para sua própria determinação.
1.2 Métodos de interpretação
Antes de adentrar nas regras e princípios norteadores da ciência hermenêutica,
cabe ressaltar que há métodos procedimentais, bem explicitados pela doutrina, que
possuem como principal objetivo traçar o melhor caminho para a compreensão da
interpretação das normas constitucionais8.
Neste sentido, o doutrinador J.J. Gomes Canotilho delimita os métodos em seis
pontos básicos – dos quais dá-se destaque aos três mais relevantes para este trabalho
científico, com início no método jurídico, que o autor chama, também, de método
hermenêutico clássico – que trata da consideração precípua de que a Constituição é uma
lei, que devido a sua importância textual tem salvaguarda no princípio da legalidade, de
onde o intérprete deve relevar o:
[...] (1) ponto de partida para a tarefa de mediação ou captação de sentido por parte dos concretizadores das normas constitucionais; (2) limite da tarefa de interpretação, pois a função do intérprete será a de desvendar o sentido do texto sem ir para além, e muito menos contra, o teor literal do preceito9.
Em seguida, o método tópico, ou tópico problemático, que constituição na
submissão da Constituição à solução do problema, possui pressupostos específicos à forma
de interpretação, identificados por Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes
Junior da seguinte forma:
(i) pensar a partir do problema a cuja solução se persegue; (ii) transformar todos os elementos envoltos na aplicação da norma (o sistema, a norma, os métodos etc) em pontos de partida (ou “topoi”); (iii) caráter aberto da Constituição e da
6 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p. 79 7 Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. p. 54 8 Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal: Almedina, 2003. p.p. 1210-1214. 9 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. p. 1211.
8
interpretação; (iiii) utilização de todos os métodos interpretativos, indiscriminadamente, na busca do consenso acerca da melhor forma de equacionamento do problema prático vertido10.
Os autores salientam a ressalva feita tanto por Paulo Bonavides, quanto por
Canotilho, que revela neste último fervorosa crítica contra esta livre apreciação pelo
intérprete que, deliberadamente, aplica a norma constitucional ao problema em questão,
sugerida pelo método:
A concretização do texto constitucional a partir dos topói merece sérias reticências. Além de poder conduzir a um casuísmo sem limites, a interpretação não deve partir do problema para a norma, mas desta para os problemas. A interpretação é uma actividade normativamente vinculada, constituindo a constitutio scripta um limite ineliminável (Hesse) que não admite o sacrifício da primazia da norma em prol da prioridade do problema F. Muller)11.
O último – e não menos importante – método é o hermenêutico-concretizador.
Referido método encontra-se no vértice oposto do método tópico “porque enquanto o
último pressupõe ou admite o primado do problema perante a norma, o primeiro assenta no
pressuposto do primado do texto constitucional em face do problema”12.
A sua dinâmica, portanto, remete a uma idéia básica, que consiste na mediação
entre o conteúdo contido na norma constitucional e os fatos da realidade que comporão o
domínio normativo da mesma, ao mesmo tempo em que o significado extraído desta
relação determinará o seu significado, completando um ciclo intermitente de
interpretação13.
1.2.1 Princípios e regras norteadores da hermenêutica constitucional
Expostos os métodos constitucionais hermenêuticos de maior relevância para este
trabalho, adotando-se como parâmetro a classificação adotada por J.J. Gomes Canotilho,
faz-se necessário demonstrar as regras e princípios norteadores da hermenêutica
constitucional.
Por vezes, e por razões de organização, as regras serão demonstradas aqui lado a
lado com os princípios, pois em razão da vasta discussão teórica a respeito das distinções
entre estes elementos – que não constitui objeto de estudo deste trabalho –, ressalvadas as
diferenças entre regra jurídica e regra meramente norteadora, muito bem sintetizado por
10 Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 81. 11 Cf. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal: Almedina, 2003. p. 1212. 12 Idem, p. 1212. 13 Cf. ARAUJO, Luiz Alberto David e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 82.
9
Virgílio Afonso da Silva, vale lembrar que no plano prático trata-se de dois tipos de
normas, que possuem grande diferença quanto ao grau de abstração, sendo os princípios
mais abstratos que as regras. Em razão disto na aplicação do primeiro é freqüente o uso do
que o autor chama de “sopesamento”, uma vez que no caso concreto “a regra jurídica já é
subsumível, enquanto que os princípios ainda poderão entrar em colisão com outros
princípios, exigindo-se, nesse caso, que se proceda a um sopesamento para harmonizá-
los.”14
Dentre as regras específicas mencionadas, o autor André Ramos Tavares sugere
um sucinto rol, mas bastante esclarecedor, para ser observado pelo intérprete, resumindo-se
em cinco principais: a linguagem constitucional em face da interpretação; a unidade da
Constituição e conseqüências na atividade interpretativa; a maximização das normas
constitucionais; a interpretação conforme a Constituição e a interpretação evolutiva.15
Quanto à linguagem constitucional, o autor aponta etapas interpretativas a partir
deste ponto, ou seja, da leitura do texto constitucional pelo intérprete. Primeiro, ainda que a
gramática ou a literalidade da redação promova imediata extração de significados das
palavras ali contidas, esta deve ser considerada uma operação preliminar da qual não se
deve apegar ao longo do processo interpretativo. Justaposto encontra-se a prerrogativa de
que a Constituição é um texto aberto ao povo, devendo-se interpretar à luz da linguagem
comum, utilizando-se da técnica quando o próprio texto indicar.16
Outrossim, em razão do teor abstrato das normas contidas no texto constitucional
o intérprete possui função quase necessária de promover o aclaramento destas normas,
sempre cauteloso para não exceder a função precípua do legislador, visto a necessidade,
muitas vezes, da complementação da norma em seu conteúdo. Desta forma,
“evidentemente que jamais o intérprete poderá laborar contra a norma escrita da
Constituição, mas encontra, certamente, uma margem de atuação própria, que decorre pura
e simplesmente da incompletude lingüística da Constituição.”17
O intérprete possui, portanto, a função de obedecer ao espírito da lei, ou seja, da
intenção e do momento histórico que o legislador criou a norma a fim de que seus
objetivos não sejam exauridos com o tempo, especialmente porque a “interpretação
14 SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras – mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. p.p. 607-630. vol. 1, 2003. 15 Cf. op. cit. p.p. 80-86 16 Idem Tavares, p.p. 81-82. 17 Idem Tavares, p. 83
10
constitucional é concretização. Exatamente aquilo que, como conteúdo da Constituição,
ainda não é unívoco deve ser determinado sob inclusão da ‘realidade’ a ser ordenada.”18
Neste contexto, extrai-se outra regra, a da interpretação conforme a Constituição,
ou seja, quando a norma apresentar-se com uma multiplicidade de sentidos, deve o
intérprete adotar o significado que mais se aproximar da Constituição, desenvolvendo a
hermenêutica tanto sobre as leis infraconstitucionais frente à Constituição, quanto no que
se resolve do próprio texto normativo constitucional. Assim sendo, esta regra:
[...] coloca não somente a questão sobre o conteúdo da lei a ser examinada, mas também a questão sobre o conteúdo da Constituição, à qual a lei deve ser aferida. Ela requer, por conseguinte, tanto interpretação da lei como interpretação da Constituição. [...] irá interpretar a norma constitucional a ser interpretada, no possível, naquele sentido no qual o legislador a concretizou.19
Neste ponto é importante ressaltar duas prerrogativas: primeiramente, que a
interpretação da norma constitucional frente à lei no caso concreto não deve se afastar das
intenções quistas pelo legislador constituinte na elaboração da Carta, ou seja:
[...] a interpretação das leis em conformidade com a constituição deve afastar-se quando, em lugar do resultado querido pelo legislador, se obtém uma regulação nova e distinta, em contradição com o sentido literal ou sentido objectivo claramente recogniscível da lei ou em manifesta dessintonia com os objectivos pretendidos pelo legislador.20
Ademais, em vista da análise apresentada por estas regras de interpretação
constitucional, deve-se ter em conta que a concretização mencionada no pensamento de
Konrad Hesse determina-se pela existência necessária de um caso concreto que exija da
Carta o pré-aclaramento para sua resolução, ou seja:
[...] O intérprete deve relacionar a norma, que ele quer entender, a esse problema [...] Essa determinação e a ‘aplicação’ da norma ao caso concreto são um procedimento uniforme, não aplicação posterior de algo dado, geral, que em primeiro lugar é entendido em si, a um fato. Não existe interpretação constitucional independente de problemas concretos21.
Desta forma, apresenta-se outra regra mencionada por André Tavares, qual seja, a
unidade da Constituição e as conseqüências na atividade interpretativa, que remete ao que
já se conhece do ordenamento jurídico, que se constitui de um sistema coeso e de caráter
hierárquico, assim, da mesma forma como acontece com as leis infraconstitucionais, ocorre
com o texto constitucional.
18 Idem Hesse, p. 61 19 Idem Hesse, p. 75 20 Cf. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal: Almedina, 2003. p. 1227. 21 Idem Hesse, p. 62
11
Dito de outra forma, nenhuma norma resume-se em si, devendo, sempre que
interpretadas, observar a sua harmonização com as demais presentes na composição da
Constituição sob análise. Em suma, J.J. Gomes Canotilho descreve com clareza que:
[...] o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (...) Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados nem sistema interno unitário de normas e princípios.22
A duas últimas regras apresentadas na separação feita por André Ramos Tavares
caminham lado a lado, pois a da maximização das normas constitucionais determina que
estas merecem que sua interpretação lhes maximize seus significados, ou melhor, não lhes
avilte, de forma que “deve, na resolução de problemas jurídico-constitucionais, ser dada a
preferência àqueles pontos de vista que, sob os respectivos pressupostos, proporcionem às
normas da Constituição força de efeito ótima.”23
Já a da interpretação evolutiva, por sua vez, opera de forma a adaptar o Direito ali
contido às crescentes necessidades da mutação da sociedade regida por determinada
Constituição, impedindo que haja um processo de engessamento da sua aplicabilidade24.
Por fim, conclui-se, com o uso das palavras de Konrad Hesse, ainda que existam
estas regras interpretativas, que devido a sua importância devem ser utilizadas com
bastante destreza, a principal regra norteadora que precisa ser observada pelo intérprete ao
utilizar a hermenêutica constitucional é a limitação imposta pelas próprias normas da
Carta, pois se deve evitar que ele promova uma mutação dos seus significados, e assim:
[...] exclui um rompimento constitucional – o desvio do texto em cada caso particular – e uma modificação constitucional por interpretação. Onde o intérprete passa por cima da Constituição, ele não mais interpreta, senão ele modifica ou rompe a Constituição.”25
Estas regras e princípios de hermenêutica constitucional trazem uma perspectiva
importante no que tange os estudos do controle difuso de constitucionalidade a seguir
elaborado – bem como das súmulas vinculantes, das quais se tratará no segundo capítulo –
uma vez que ao tratar da preservação do texto constitucional com uso da declaração de
inconstitucionalidade, de forma incidental, das leis que a Carta devem obediência, esta
prática remete exatamente ao que os autores acima citados tanto enfatizam, um
22 Cf. ed. 7. Portugal: Almedina, 2003. p. 1223-1224. 23 Cf. Hesse, p. 68. 24 Cf. Tavares, p. 86. 25 Idem Hesse, p. 69-70
12
ordenamento jurídico organizado a partir das determinações explícitas na Constituição, na
qual a hermenêutica é forma excepcional para seu entendimento.
O Poder Judiciário, portanto, tem em suas mãos uma útil via de expandir a rigidez
constitucional, pois em razão da mutação, ou evolução, normativa delimitada por Kelsen,
em conjunto com a construção jurisprudencial fornecida pela declaração incidental da
inconstitucionalidade das normas, verifica-se a crescente utilização da hermenêutica
constitucional, já que é com o uso de seus princípios que se torna possível estabelecer “a
caracterização da inconstitucionalidade superveniente decorrência da mudança de
significado do parâmetro normativo constitucional, ou do próprio ato legislativo submetido
à censura judicial”.26
O intérprete, no caso dos membros componentes do Poder Judiciário, nas causas
de inconstitucionalidade que acolher, antes de modificar a lei em análise no caso concreto,
devem considerar as limitações propostas pela própria Constituição, através das regras
hermenêuticas para preservar a segurança jurídica, ainda que entre partes.
1.3 A efetividade das normas constitucionais
As considerações a respeito deste ponto, carente de esclarecimento pela doutrina
que prefere descrever sobre a eficácia das normas em detrimento da função social, ou seja,
da real aplicação da norma proposta pelo estudo da efetividade, passa inicialmente por
duas considerações preliminares a respeito das normas jurídicas constitucionais e a sua
eficácia, como sugere Luis Roberto Barroso.27
No intuito de simplificar a idéia do que significa normas jurídicas, o autor
eximiu-se de ater-se às diversas discussões doutrinárias sobre o tema, e embasou-se na
idéia do conceito material, e também político, de lei:
[...] independentemente de hierarquia, consistindo no ato jurídico emanado pelo Estado, com caráter de regra geral, abstrata e obrigatória, tendo como finalidade o ordenamento da vida coletiva. Trata-se, pois, de uma forma de conduta imposta aos homens por um poder soberano e cuja observância é por esta garantida e tutelada.28
Este conceito expõe o que se pode considerar a principal característica atribuída
às normas jurídicas, qual seja, a sua imperatividade. Isto significa que possuem natureza
26 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. p.p. 93-95. 27 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: Limites e possibilidade da Constituição brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.p. 73-81. 28 Idem, p. 74.
13
eminentemente mandatória, ou seja, ainda que seus textos não determinem uma ordem
específica, como por exemplo, as que propõem uma faculdade aos seus destinatários ou
deixem a cargo do legislador a sua regulamentação mediante lei específica – lei
complementar, lei ordinária, entre outras – a sua positivação sempre imporá ao seu leitor
“um mandamento, uma prescrição, uma ordem, com força jurídica e não apenas moral”29,
já que até mesmo as faculdades constitucionais não representam uma opção de
“possibilidade” de obediência, mas o dever de submeter-se a norma dentro das
possibilidades que ela mesma oferece, nada além, nem menos, do que isso.30
Relacionado a imperatividade, atribui-se as normas constitucionais um caráter
hierárquico superior, que é o seu elemento definidor, visto que a imperatividade pode ser
atribuída a qualquer norma jurídica, mas só as positivadas no texto constitucional –
instrumento normativo superior do ordenamento jurídico brasileiro31 – possuem soberania
sobre todas as demais.
Quanto à eficácia dos atos normativos, este trabalho propõe apenas o exame
específico deste tema para o esclarecimento da efetividade, portanto as nuances da
discussão acerca dele, como por exemplo, as peculiaridades sobre as diversas formas de
classificação, serão limitadas ao objetivo proposto por este ponto em discussão, ou seja, a
função social da norma (a efetividade).
Assim, parte-se do pressuposto que são pacíficos os quesitos de existência e
validade dos atos normativos, sintetizados por Luis Roberto Barroso da seguinte forma:
[...] presentes os elementos agente, forma e objeto, suficientes à incidência da lei, o ato será existente. [..] presentes os requisitos competência, forma adequada e licitude – possibilidade, o ato, que já existe, será também válido.32
Diferente da efetividade, a eficácia jurídica corresponde somente à qualidade da
norma de produzir o efeito que propõe, da mesma forma, a finalidade para o qual foi
gerada e assim:
[...] designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamento de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui efetividade. Esta é, portanto, a medida
29 Idem, p. 76. 30 BESTER, Gisela Maria. Direito Constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. 1. v. p.p. 117-118. 31 “É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estrutura deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 26. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 45. 32 Cf. op. cit., p. 80.
14
da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se com o produto final.33
Quanto à qualidade da eficácia das normas constitucionais, os autores
costumeiramente delimitam-na em alguns quesitos classificatórios que em virtude do
enfoque deste trabalho, serão destacadas entre duas das principais correntes nacionais, as
dos autores José Afonso da Silva e de Luis Roberto Barroso. Aparte das críticas feitas a
estes autores, são os mais referenciados pelos doutrinadores brasileiros justamente por
explicitarem detalhes nos quesitos, ou mesmo sub-quesitos, que apresentam um terreno
perigoso em razão da indefinição quanto a uma classificação predominante, que põe os
demais autores em condição de aplicar críticas as suas proposições.
Normas de eficácia plena, contida ou limitada (reduzida) é a classificação feita
por José Afonso da Silva34. Pela ordem, normas de eficácia plena são aquelas que se
aplicam imediatamente, ou seja, logo após a sua positivação no texto constitucional estão
aptas a produzir efeitos, sem necessidade da intervenção do legislador ordinário; já as de
eficácia contida representam o grupo de normas que mesmo com aplicação imediata a
exemplo do quesito anterior, podem sofrer diminuições do seu alcance pelo poder
legislador, abrindo a possibilidade para a redução da sua eficácia; por último as normas de
eficácia limitada, ou reduzida são aquelas que necessitam de regulamentação posterior,
pois mesmo em vigor na Constituição, não produzem os efeitos necessários à sua pronta
aplicação.
Desta última, o autor extrai duas sub-classificações: as normas declaratórias de
princípios institutivos ou organizativos, e declaratórias de princípios programáticos. Em
suma, as primeiras dependem de legislação superveniente para operacionalizar instituições,
pessoas ou órgãos previstos na Constituição e as últimas estabelecem programas,
diretrizes, geralmente de fins políticos, para que sejam realizadas pelo legislador.
Crisafulli, citado por Paulo Bonavides, bem explica a função das normas programáticas:
Nesta acepção, programáticas se dizem aquelas normas jurídicas com que o legislador, ao invés de regular imediatamente um certo objeto, preestabelece a si mesmo um programa de ação, co respeito ao próprio objeto, obrigando-se a dele não se afastar sem um justificado motivo. [...] Em suma, um programa político, encampado pelo ordenamento jurídico e traduzido em termos de normas constitucionais, ou seja, provido de eficácia prevalente com respeito àquelas normas legislativas ordinárias: subtraído, portanto, às mutáveis oscilações e à variedade de critérios e orientações de partido e de governo e assim
33 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 66 34 Idem. p.p. 81-86.
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obrigatoriamente prefixados pela Constituição como fundamento e limite destes.35
Vale dizer que as normas de eficácia limitada, por suas características, são o
principal objeto da hermenêutica constitucional alhures comentada, justamente porque sua
eficácia, e conseqüente interpretação, é deixada a cargo do legislador, que posteriormente a
vigência da Constituição executa o processo de observar as vontades do legislador
constituinte a fim de que a lei que dessa vontade se extrair esteja de acordo tanto com o
próprio corpo da Carta quanto do próprio ordenamento jurídico regido por ela. Por isso, a
compreensão conjugada dos temas neste trabalho expostos se torna tão essencial, a fim de
que se faça a compreensão do Direito como um sistema que comporta mudanças desde que
observado o seu próprio núcleo, para que se evite disparidades que comprometam a
integridade do ordenamento.
Na classificação feita por Luis Roberto Barroso as normas constitucionais são
divididas em: de organização, definidoras de direito e programáticas. As primeiras
referem-se ao dever de estruturação dos poderes estatais – Estado e sistema de governo –,
sua organização, criação de estruturas dos órgãos públicos – divisão em poderes,
Executivo, Legislativo e Judiciário –, distribuição de atribuições e competências; as
normas constitucionais definidoras de direito – leia-se direitos fundamentais - estabelecem
uma relação bilateral, no qual vigora um direito subjetivo público do particular exigir do
Estado que cumpra determinada conduta constitucional – direitos políticos, individuais,
sociais e difusos – caso não o faça voluntariamente, ou também pode exigir do Poder
Legislativo, caso tenha omitido sua regulamentação; quanto às normas programáticas, da
mesma forma como define José Afonso da Silva, são aquelas que estabelecem fins sociais,
bem como fixam programas ao Poder Público, para que os execute na medida das
possibilidades de seu desenvolvimento.36
Definidas estas classificações, denota-se que não basta classificar a extensão da
qualidade da eficácia que as normas constitucionais possuem, mas quais as suas reais
chances de aplicação de seus efeitos no plano concreto. Em razão disso que a efetividade
das normas constitucionais toma forma, pois “uma Constituição é eficaz se as normas
35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. ed. 5. São Paulo: Malheiros, 1994. p.p. 221-222. Apud CRISAFULLI, Vezio. La Constituizione e le sue Disposizioni di Principo. Milão, 1952. p. 104. 36 Cf. BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. ed. 8. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.p. 89-118.
16
postas de conformidade com ela são, globalmente e em regra, aplicadas e observadas.”37
Assim, pode-se definir efetividade das normas constitucionais nos seguintes termos:
A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, ente o dever-ser normativo e o ser da realidade social.38
Para que se obtenha este fim social, depende que a norma constitucional tenha
eficácia jurídica, ou seja, que o seu objeto seja realizável e passível de atuação. A falta de
eficácia da norma constitui-se ilógica para o sistema normativo, pois estaria o legislador
atuando de forma incompatível com as sua obrigações, lançando normas vigentes, mas sem
qualquer possibilidade de concretização, inútil à satisfação social de ver cumprida a norma
fundamental. Outro elemento fundamental para verificação da efetividade é o cumprimento
espontâneo que se refere à norma constitucional compatível com o sentimento social da
sociedade destinatária de sua hierarquia, caso contrário, ocasionaria o seu desuso ou a
constante movimentação da coação estatal para lhe dar aplicação.39
Esta coação não se determina somente pela falta de efetividade da norma, mas
também para impor a obediência da norma constitucional aos seus destinatários, não
necessariamente com sua aplicação imediata, mas primeiro pela atuação do poder público,
munido pela autoridade que lhe é concedido pelo Estado democrático de direito, que pela
imposição de poder implica a obediência da função determinada pelo texto normativo.40
Por fim, o Direito, inclusive o Constitucional, existe para ser realizado, portanto,
é inadmissível a falta de efetividade no seu texto pela inexistência de caminhos para
concretização da sua aplicação, neste sentido:
[...] as normas constitucionais, tal como as demais, articulam-se usualmente na dualidade típica preceito e sanção, quer esta resulte diretamente da regra, quer deflua do sistema em seu conjunto. É precisamente a presença da sanção que garante a eficácia de uma norma jurídica, ensejando sua aplicação coativa quando não é espontaneamente observada.41
Em razão disto que o sistema de controle de constitucionalidade das leis vem
proteger a vontade do legislador constituinte para que se construa os caminhos concretos a
fim de estabelecer a eficácia social das normas constitucionais, construindo, desta forma,
37 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. ed. 6. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 234. 38 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas: Limites e possibilidades da Constituição brasileira. ed. 8. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.p. 82-83. 39 Idem, p. 83. 40 Idem, p. 84. 41 Idem, p. 84-85.
17
um sistema de leis capazes de extrair ao máximo as determinações positivadas na
Constituição, beneficiando todos os seus destinatários.
1.4 Considerações acerca do controle de constitucionalidade
O controle de constitucionalidade de leis, de modo geral, necessita da
compreensão de alguns elementos que justificam a sua existência no ordenamento jurídico,
visto que constitui uma criação do Direito contemporâneo com intuito de “verificar a
adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição,
verificando seus requisitos formais e materiais.”42 É em razão desta primazia pela proteção
da Constituição, que dela se extrai os pontos determinantes para o surgimento do controle
de constitucionalidade.
De acordo com o que ocorre no caso brasileiro, as constituições rígidas
determinam o fator diferenciador entre a lei constitucional e as leis ordinárias. Isto ocorre
em vista da dificuldade que o poder constituinte impõe com a criação das normas
constitucionais quanto aos meios de modificação que “lhes confere estabilidade ou rigidez
bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam.”43 Portanto, necessita de um rito
específico para a alteração de seu conteúdo já que:
“Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais.”44
Determina-se, assim, uma conseqüência inevitável ao ordenamento jurídico, a
da hierarquia superior das normas constitucionais, pois protegido o seu conteúdo de forma
tão severa, inegável é a supremacia sobre o poder que constitui – qual seja,
especificamente, o Poder Legislativo – que deverá sempre observar a prerrogativa de que
“nenhuma lei ou ato normativo – na verdade, nenhum ato jurídico – poderá subsistir
validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.”45 Importa dizer aqui que
o Estado seria o principal afetado por uma Carta livre de qualquer fiscalização, pois estaria
condenado a eterna instabilidade da mudança das normas superiores, assim, o “[...]
42 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. ed. 14. São Paulo: Atlas, 2003. p. 579. 43 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. ed. 5. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 267. 44 BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. ed. 2. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 2. 45 Idem, p. 1.
18
controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de direito, onde ele se
alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.”
Outra questão importante recai sobre qual seria o órgão legitimado a reconhecer
as causas referentes ao controle de constitucionalidade. Podem ser divididos em: político
ou jurisdicional. O primeiro pode ser exercido por uma assembléia, conselho ou comitê
constitucional, excluindo totalmente os poderes Legislativo, Executivo e Judicial; já o
segundo, como a sua denominação explicita, limita o exercício desta competência a um
órgão jurisdicional, que pode ser exercido de duas formas: pelo controle por via de exceção
(sistema difuso), outorgado aos juízes e tribunais de instâncias iniciais e pela via de ação
direta (controle abstrato) exercida por um tribunal específico, comumente denominado de
Corte Constitucional.46
Por fim, conclui-se que o controle de constitucionalidade, por configurar um
conjunto de mecanismos para garantir a efetividade dos textos constitucionais, possui
relevante importância para a segurança jurídica dos seus destinatários de modo a fornecê-
los um instrumento eficaz de fiscalização dos atos dos órgãos componentes do Estado
democrático – Poderes Executivo e Legislativo – que possivelmente venham ferir as
garantias constitucionais determinadas pelo poder constituinte originário.
1.4.1 Breve histórico do controle de constitucionalidade
A brevidade aqui se justifica pelos objetivos deste trabalho, que não procura se
apegar aos fatos pretéritos já acalmados em virtude das discussões doutrinárias ao longo
dos anos, mas procura encontrar soluções para questões supervenientes exatamente a partir
destes sistemas concretamente estabelecidos, como se pode observar da questão
estabelecida aqui quanto à possibilidade de se executar controle difuso de
constitucionalidade via súmulas vinculantes.
Assim, o histórico do surgimento do controle de constitucionalidade na evolução
do Direito Constitucional, não só brasileiro, mas também no Direito americano – que deu
origem ao que hoje se conhece por judicial review, ou, o controle difuso de
constitucionalidade, objeto deste trabalho – se enquadrarão como nota introdutória com
propósito de auxiliar o leitor na compreensão geral do funcionamento desta ferramenta tão
utilizada no ordenamento jurídico atual.
46 Cf. BONAVIDES, Paulo. op.cit. p.p. 270-280.
19
Da mesma forma, cabe ressaltar que no decorrer das décadas, os dois principais
tipos de controle de constitucionalidade, o difuso e o concentrado, em diversos momentos
da evolução das Constituições brasileiras sofreram modificações em momentos históricos
idênticos, tornando necessária à menção destes dois sistemas ao longo deste ponto, ainda
que este trabalho esteja limitado ao campo do controle de constitucionalidade difuso.
1.4.2 Marbury v. Madison: o primeiro precedente de controle difuso de constitucionalidade
O contexto histórico que envolveu esta questão judicial deu-se nos anos de
1800/1801 quando ocorreram as eleições presidenciais nos Estados Unidos no qual os
Federalistas do então Presidente John Adams – que também tinham o domínio do
Congresso – foram derrotados pela oposição Republicana, sendo eleito Thomas Jefferson
como o novo Presidente. No entanto, antes da posse do novo Chefe do Poder Executivo,
John Adams nomeou seu Secretário de Estado, John Marshall, como Juiz-Presidente da
Suprema Corte dos Estados Unidos em 1801, da mesma forma que por meio de uma nova
lei (Judiciary Act of 1789) criada pela maioria, até então, Federalista no Congresso,
nomeou quarenta e dois juízes de paz às vésperas do mandato de Jefferson, o que
impossibilitou a John Marshall – que cumulou os dois cargos até o final do mandato
presidencial – entregar todos os atos de investidura (comissions).47
Após a posse de Jefferson, James Madison tornou-se o novo Secretário de Estado,
que em obediência ao seu Chefe, suspendeu a entrega dos comissions, e dentre os
remanescentes não entregues estava o de William Marbury que interpôs ação judicial (writ
of mandamus) na Suprema Corte, para ter reconhecido o cargo criado na administração
anterior.48
A decisão proferida por John Marshall, em virtude da vasta fundamentação que
apresenta, é tida como excelente, especialmente quando comparada às obras sobre Teoria
do Direito, ou até, da Teoria Constitucional. Isto se atribui à inovação que este Chief of
Justice trouxe à época dos fatos quando, nas razões da decisão do caso Marbury v.
Madison apresentou
[...] o ponto mais controvertido de sua decisão, ao afirmar que é o Poder Judiciário o intérprete final da Constituição: “Enfaticamente da competência do Poder Judiciário dizer o Direito, o sentido das leis. Se a lei estiver em
47 Cf. Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Marbury_v._Madison>. Acesso em setembro de 2007. 48 Cf. BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. op. cit. p. 4.
20
oposição à constituição a corte terá de determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese. E se a constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do legislativo, a constituição, e não o ato ordinário, deve reger o caso ao qual ambos se aplicam.”49
Isto ocorreu em razão de, segundo os argumentos de Marshall, o Judiciary Act of
1789, em seu §13, ter criado hipótese de competência originária para a Suprema Corte
aparte daquelas elencadas no artigo 3º da Constituição, que seria inconstitucional visto que
uma lei ordinária não seria o instrumento correto para alteração do texto constitucional.50
Portanto, a extensão do controle da constitucionalidade das leis não mais caberia
ao Legislativo, mas agora passaria também pelo crivo da Suprema Corte daquele Estado,
bem como os tribunais dos demais Estados, estabelecendo-se, assim, o sistema do judicial
review (revisão judicial). Marshall fundamentou esta competência na problemática da
existência de um sistema jurídico que, em razão de estar positivado constitucionalmente,
limita os poderes do governo e protege as minorias, e, por isso, precisa primar pela total
eficácia de suas normas de forma a criar um sistema independente que o faça, conforme
conclusão de Paulo Bonavides:
Estabeleceu-se desde aí um sistema americano de controle que consagrava a via de exceção, de modo que todo tribunal federal ou estadual, não importa a sua natureza ou grau hierárquico, poderá exercitar esse controle, sentenciando numa demanda a inconstitucionalidade da lei.51
1.4.3 Evolução do controle de constitucionalidade no Brasil
As considerações se iniciam ainda na Constituição Imperial de 1824, o que,
apesar de não demonstrar em seu texto qualquer similitude com o controle constitucional
atual, continha grande influência dos sistemas francês e inglês, que preferiam pela
supremacia do parlamentarismo, “impediu que fosse outorgado ao Poder Judiciário o
controle da constitucionalidade das leis”52 de forma que o Poder Legislativo tinha completa
atribuição sobre a criação, interpretação, suspensão e revogação das leis, conforme
descrevia o artigo 15, n. 8º e 9º53.
A inovação surge com a criação da Constituição republicana de 1891, que com
personalidades importantes à época, como Rui Barbosa, influenciados pela inovação
49 Idem, p. 8. 50 Idem, p. 8. 51 Cf. op.cit., p. 281. 52 PALU, Luiz Oswaldo. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 109. 53 MENDES, Gilmar Ferreira. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. p. 33-34.
21
trazida pelo direito norte-americano, ampliou esta fiscalização do texto constitucional para
um sistema difuso, por via de exceção, no qual, em linhas gerais, os tribunais só se
manifestariam quanto à inconstitucionalidade das leis quando provocados pelos litigantes.
Sua função resumia-se a mera hermenêutica e não substituição da figura do Legislador. Em
conseqüência, reconheceu ao Supremo Tribunal Federal a competência para rever as
sentenças proferidas pelas Justiças dos Estados, quando se tratassem tratados e leis
federais54.
Na Constituição de 1934, ocorreram algumas das mais relevantes mudanças no
controle de constitucionalidade que, por exemplo, deveria ser confirmada pelo voto da
maioria da totalidade da composição do respectivo tribunal.55
Nesta mesma Carta, igualmente importante foi o fato da instituição da nova
competência do Senado Federal que suspendia “a execução de lei considerada
inconstitucional pela Suprema Corte.”56 Além disso, a criação da representação
interventiva, confiada ao Procurador-Geral da República, quando houvesse ofensa a:
[...] princípios consagrados no artigo 7º, inciso I, a a h da Constituição. Cuidava-se de fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, §3º), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (art. 12, §2º)”57. (sem grifo no original).
Já a Constituição de 1937 nada acrescentou na evolução do modelo de controle de
constitucionalidade que se desenvolvia até então; no entanto, apresentou um pequeno
retrocesso, no qual outorgava ao Chefe do Poder Executivo, no caso de declaração de
inconstitucionalidade de lei, a possibilidade de entrega para reexame da mesma ao
Parlamento, que poderia confirmá-la no ordenamento, tornando inócua a decisão proferida
pelo Tribunal.
A representação interventiva, primariamente criada em 1934 como uma forma de
ação direta de inconstitucionalidade, tomou forma na Constituição de 1946, na qual o
Procurador-Geral da República não submetia mais à Corte Suprema a lei federal que
decretasse a intervenção nos Estados, mas o ato em si inconstitucional58.
Outra mudança ocorrida na vigência desta Carta ocorreu quanto à aplicação da
argüição de inconstitucionalidade no processo do Mandado de Segurança (Lei nº 2.271 de 54 Idem, p. p. 35-37. 55 Idem, p.p. 38-41. 56 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Nota Introdutória à edição brasileira: Sérgio Cunha Martins. p. XVI. 57 Idem Mendes, p. 39. 58 Idem Palu, p. 120.
22
1954), no qual o Procurador-Geral continuou a ter o monopólio da ação, mas que em
alteração legislativa de 1964 perdeu este posto, dando espaço para a execução
procedimental ao tribunal julgador do mandado59.
Ainda neste período, a Emenda Constitucional nº 16, de 1965, trouxe ao
ordenamento os primeiros passos para um Controle Constitucional abstrato, sob forma de
representação, proposta pelo Procurador-Geral da República, que objetivava,
principalmente, preservar a ordem jurídica nacional de leis contrárias e ele, através,
inclusive, do reconhecimento do efeito erga omnes as decisões proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, acrescendo, assim, mais uma ferramenta aos mecanismos até então
existentes.60
No âmbito dos Estados, porém, criou-se a possibilidade da “declaração de
inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em conflito com a Constituição do
Estado”61 pelos Tribunais de Justiça, reforçando a perspectiva da importância do controle
difuso.
Assim como ocorreu na Constituição de 1937, a de 1967/69 incorporou os termos
das Constituições anteriores, sem apresentar significante modificação no sistema de
controle de constitucionalidade difuso que até então subsistia.
Foi a partir do início da vigência da Constituição de 1988 que houve a ampliação
da legitimação para proposição das ações diretas de inconstitucionalidade, que antes tinha
apenas como titular o Procurador-Geral da República, e que agora, além dele, incluiu-se no
rol taxativo do artigo 103, o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa
da Câmara dos Deputados, a Mesa de uma Assembléia Legislativa, o Governador do
Estado, o Conselho Federal da Ordem do Advogados do Brasil, partidos políticos com
representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais ou entidades de classe de
âmbito nacional.
Assim, o controle de constitucionalidade difuso, que até então predominava o
cenário nacional, sofreu grande baixa na sua utilização, visto que as questões de grande
relevância jurídica poderiam ser suscitadas, perante o Supremo Tribunal Federal, mediante
o uso do processo de controle abstrato de normas, inclusive, por pequenos partidos
políticos que, ainda representantes de uma minoria, que passaram a ter tanta legitimidade
quanto, outrora, possuía o Procurador-Geral, diminuindo a necessidade dos cidadãos de 59 Idem Mendes, p.50. 60 Idem Mendes, p. 53 61 Idem Palu, p. 121.
23
oporem incidentalmente estas questões prejudiciais, sendo criado, por fim, um sistema
misto de controle de constitucionalidade.62
Com a edição da Emenda Constitucional n. 3, de 1993, foi criada a Ação
Declaratória de Constitucionalidade, em meio a uma reforma tributária de emergência, que
firmou a competência do STF para conhecer e julgar a constitucionalidade de lei ou ato
normativo federal, no qual a decisão deveria ter o efeito erga omnes, que estaria vinculado
a todos os demais órgãos do Executivo e Judiciário (efeito vinculante). Neste caso, a
legitimidade ativa foi conferida ao Presidente da República, à Mesa do Senado Federal, à
Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República.63
Alternativamente ao controle abstrato, o difuso permanecia latente, carência que
foi constatada à época com a idealização do processo de controle abstrato da omissão
normativa constitucional (artigo 103, § 2º) e a argüição de descumprimento de preceito
fundamental que objetivavam, juntamente com o Recurso Extraordinário, abranger as
questões que não cabiam ao exame do sistema abstrato64, assim, como conclui Sérgio
Cunha Martins:
Ninguém está impedido de obter, com o juiz do lugar, resguardo ao seu direito individual constitucionalmente protegido, mas pode valer-se dos benefícios associativos para que, sem necessidade desse pleito individual, seja desconstituída a norma inválida.65
1.5 Noções de controle difuso
O modelo difuso de constitucionalidade, surgido na primeira Constituição
republicana de 1891, teve larga influência do jurista Rui Barbosa que, por sua vez, retirou
inspiração para seu estudo no modelo estadunidense, consagrado pelo caso Marbury v.
Madison, que outorgou àquele judiciário a competência para efetuar o controle de
constitucionalidade de leis no caso concreto.
O controle difuso de constitucionalidade predominou no sistema jurídico
brasileiro até o advento da Constituição de 1988, quando a constituinte deu ênfase ao
controle abstrato de constitucionalidade, ampliando o rol de legitimados para propor ação
direta (art. 103), já consagrada ao Procurador-Geral da República nos anteriores textos
62 Idem Mendes, p.p. 76-78 63 Idem Mendes, p. 82. 64 Idem Mendes, p. 88-93 65 KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Nota Introdutória à edição brasileira: Sérgio Cunha Marins. p. XVII.
24
constitucionais, bem como inovando na criação das chamadas ações diretas, consagrando-
se o modelo misto de controle constitucional.66
Este modelo, mitigado pela constituinte de 1988, trata da apreciação pelos juízes
e tribunais, em questão preliminar, sobre o afastamento, no caso concreto, da aplicação de
norma constitucional conflitante, ou seja, a manifestação sobre a inconstitucionalidade
decorre da manifestação expressa de qualquer um dos litigantes, haja vista não se tratar de
uma defesa, mas de uma questão incidental processual67, de “dúvida quanto à
constitucionalidade de ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do
Poder Judiciário.”68
Quanto à iniciativa da declaração de inconstitucionalidade nestes casos, José
Afonso da Silva destaca que o controle jurisdicional é regido pelo princípio de que não há
juízo sem lei (nemo iudex sine actore), que confere também ao juiz, ex oficio, a iniciativa
da declaração de inconstitucionalidade de lei no âmbito do controle difuso.69 Todavia,
perante os Tribunais, a regra é clara (artigo 97, CRFB/88), “a declaração de
inconstitucionalidade somente poderá ser pronunciada ‘pelo voto da maioria absoluta de
seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial’”.70
Portanto, esta via de exceção constitui-se na forma mais acurada para proteção do
cidadão contra os atos exarados pelo Poder Público, uma vez que para a proteção
individual contra atos normativos e leis inconstucionais sempre haverá uma via recursal
aberta ao seu alcance.71
Pode-se dizer, conclusivamente, que o controle difuso, em comparação ao
controle abstrato de normas, constitui-se um controle aberto, ou seja, mais amplo,
completo e mais democrático em razão de três fatores, salientados por Gisela Maria Bester,
quais sejam: a possibilidade de todo e qualquer juiz ou tribunais de qualquer grau fazer a
guarda da Constituição; a legitimidade ativa pertencer a um extenso grupo de pessoas – os
cidadãos que opõem litígios e nele venham a questionar a constitucionalidade de
determinada lei à sua lide – e, principalmente, por abranger o controle sobre praticamente
qualquer tipo de norma, inclusive quanto ao direito anterior a atual Constituição – esta
última negada pelo controle concentrado – bem como quanto às normas de efeito concreto,
66 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. ed. 29. São Paulo: Malheiros, 2006. p.p. 545-546. 67 Cf. BESTER, Gisela Maria. op. cit., p. 422-423. 68 Idem, p. 552. 69 Cf. op. cit., p. 50. 70 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p.p. 555-556. 71 BONAVIDES, Paulo. op.cit., p. 294.
25
municipais, regimentos internos das casas legislativas, entre outros, e assim, as normas que
não podem ser apreciadas pelo controle concentrado, o serão pela via difusa.72
A decisão proferida em sede de controle difuso, regra geral, somente terá vigor
entre as partes, desta forma, declarada a inconstitucionalidade de ato normativo no caso
concreto, os efeitos se limitarão ao âmbito do processo onde for suscitada a questão
incidenter tantum73; assim, “os efeitos dessa decisão operam-se apenas entre as partes. Por
tal razão, é conhecida como via de exceção, porque excepciona o interessado (dentre toda a
comunidade) do cumprimento da regra”.74
Há, porém, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei pela via
difusa com eficácia erga omnes por meio, especialmente, da Resolução do Senado Federal
(artigo 52, inciso X, CRFB/88) e do Recurso Ordinário (artigo 102, inciso III, CRFB/88),
que, em razão da proximidade com os tópicos que serão abordados no segundo capítulo
deste trabalho, serão melhor explicados posteriormente.
Esclarecidos as questões subjetivas gerais relevantes ao entendimento do controle
difuso de constitucionalidade de leis, serão abordadas no seguinte tópico as questões
específicas objetivas referentes ao procedimento da principal via para o seu exercício.
1.5.1 Argüição Incidental de Inconstitucionalidade
No tópico anterior, esclareceram-se os pressupostos subjetivos que definem o
procedimento de argüição incidental de inconstitucionalidade. Já os pressupostos objetivos,
em razão da sua especificidade, serão abordados separadamente, para melhor
compreensão.
O controle incidental de normas, ainda que tenha origem histórica bastante antiga
no Direito constitucional brasileiro (Constituição de 1891), nunca foi devidamente
regulado pela legislação ordinária.
Observa-se que em 1890, com o Decreto n. 848 e a Lei de Organização da Justiça
Federal, bem como a partir da Constituição de 1934, havia a preocupação somente de
estabelecer normas gerais de conduta dos Tribunais frente às questões constitucionais
incidentais, que seriam observadas como meras recomendações às condutas dos juízes, tais
72 Idem BESTER, p. 424. 73 É a questão incidental que antecede o mérito da causa e que, sem sua apreciação, ou negada a sua existência, não há subsídio para que se aprecie a causa. Neste sentido comenta MORAES, Alexandre de. op. cit., p.p. 587 e 589. 74 ARAUJO, Luiz Alberto David e JUNIOR, Vidal Serrano Nunes. op. cit., p. 28.
26
como, na ordem mencionada, a manifestação pela Magistratura Federal sobre guarda e
aplicação da Constituição e leis federais somente com a manifestação das partes; aos juízes
e Tribunais para que não aplicassem ao caso concreto leis claramente inconstitucionais e a
necessidade da maioria absoluta dos votos dos membros do Tribunal para efetiva
declaração de inconstitucionalidade.75
Somente com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 é se pode
vislumbrar uma exígua regulamentação procedimental do controle incidenter tantum de
constitucionalidade. Os artigos 480 a 482 disciplinam a argüição de inconstitucionalidade
dividindo-a em duas fases: a primeira perante o órgão fracionário e a segunda pelo tribunal
pleno (ou órgão especial)76, ocorrendo da seguinte forma:
Argüida, a qualquer tempo, a questão, o relator deverá submetê-la à Turma ou à Câmara competente para julgar o processo, após a audiência do órgão do Ministério Público (art. 480). Rejeitada a questão, terá prosseguimento o feito; acolhida, há de ser lavrado o acórdão, a fim de ser submetida ao Tribunal Pleno.77
A rejeição da argüição de inconstitucionalidade, feita pelo órgão fracionário, por
inadmissão ou improcedência, ocorre em razão da questão envolver ato não oriundo do
Poder Público (sem natureza jurídica); da não relevância ao julgamento, ou seja, pelo fato
do julgamento da causa incidente não ser pertinente à resolução do recurso ou ação;
improcedência, em razão da maioria dos membros do órgão fracionário rejeitar o conflito
da lei com a norma constitucional.78 Desta forma, o processo ao qual vinculava-se esta
questão incidental prosseguirá com seus trâmites normais, sendo a norma discutida
aplicada normalmente ao caso, “cuja eficácia não terá sido afetada”.79
Do acolhimento da argüição pelo órgão fracionário, ao contrário da situação
anterior, será lavrado acórdão do posicionamento e este encaminhado para apreciação do
tribunal pleno, suspendendo o processo quanto à movimentação no órgão fracionário. Para
declaração da inconstitucionalidade pelo Tribunal, é necessário o preenchimento do
requisito da maioria absoluta de seus membros (artigo 97, CRFB/88), devendo o órgão
fracionário respeitar a decisão tomada, seja pela inconstitucionalidade ou não do ato
normativo, dando procedência ao feito neste sentido.80 Vale lembrar que tanto o
75 MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 556. 76 BARROSO, Luis Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. op. cit. p.p. 85-86. 77 Idem Meirelles, p. 557. 78 Idem Meirelles, p. 557-558. 79 Idem Barroso, p. 86. 80 Idem Barroso, p. 86.
27
pronunciamento pelo órgão fracionário pela rejeição ou acolhimento da argüição de
constitucionalidade quanto à decisão do Plenário são irrecorríveis.81
1.5.2 Reserva de Plenário
Trata-se de princípio derivado do artigo 97 da Constituição que determina que o
controle de constitucionalidade de leis seja declarado pela maioria absoluta dos votos dos
membros do tribunal ou de seu órgão especial. É, portanto, competência exclusiva do
tribunal, e não do órgão fracionário, declarar a inconstitucionalidade – somente neste caso
– de lei incidenter tantum, “a menos que essa inconstitucionalidade já tenha sido
anteriormente reconhecida pelo plenário ou órgão especial do próprio tribunal ou pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle incidental ou principal”82 conforme
determina o § único do artigo 481 do CPC.83
Desta forma, pretendeu-se proteger os princípios da economia processual e da
segurança jurídica, a fim de evitar a sobrecarga processual e recursal dos Tribunais,
reafirmando, inclusive, o Supremo Tribunal Federal como órgão último – e necessário –
para efetuar a interpretação conclusiva das normas frente à Constituição. Assim:
A fórmula adotada consagra in totum a jurisprudência do STF sobre a matéria, assentando a dispensabilidade da submissão da questão constitucional ao Tribunal Plena ou ao Órgão Especial na hipótese de o próprio Tribunal já ter adotado posição sobre o tema ou, ainda, no caso de o Plenário do STF já se ter pronunciado sobre a controvérsia.84
As modificações apresentadas pela Lei n. 9.868/99, acresceram ao artigo 482 do
CPC o amicus curiae (amigo da cúria ou amigo do tribunal), figura típica do controle
concentrado de constitucionalidade que visa, especialmente, facilitar a intervenção
81 Súmula 293 do STF “São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao plenário dos tribunais”; Súmula 513 do STF “A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário, não é a do plenário que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito”. 82 Idem Barroso, p. 85. 83 Neste sentido, BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário, 179170, Ceará. União Federal e M Dias Branco S/A Comércio e Indústria. Ministro Moreira Alves. 09 de junho de 1998. EMENTA: Controle difuso de constitucionalidade de norma jurídica. Art. 97 da Constituição Federal. - A declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica "incidenter tantum", e, portanto, por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para o Juiz, ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma tida como inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o faz o acórdão recorrido, que não há declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica "incidenter tantum" quando o acórdão não a declara inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro. No caso, não se observou esse dispositivo constitucional. Recurso extraordinário conhecido e provido. 84 Idem Meirelles, p. 563.
28
espontânea do “Ministério Público, das pessoas jurídicas responsáveis pela edição dos atos
e dos titulares de direito de propositura na ação direta de inconstitucionalidade”85 no
deslinde das questões de controle de constitucionalidade. Diferencia-se, portanto, de mero
auxiliar do juízo, visto que “municia o tribunal com elementos mais consistentes para que
mais bem possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia-lhe na tarefa hermenêutica”86
tornando-se, propriamente, um sujeito processual capaz de acrescer a decisão do juiz
conhecimento técnico-jurídico especializado que ele por ventura não tenha.87
Com estas observações, conclui-se o conteúdo do primeiro capítulo que objetivou
demonstrar os aspectos gerais referentes ao controle difuso de constitucionalidade. Iniciou-
se com as questões referentes às regras de desenvolvimento da hermenêutica
constitucional, que tem por objetivo principal limitar a atuação do intérprete para que não
exceda o conteúdo constitucional, tópico este que se coliga ao da efetividade das normas
constitucionais, que se diferencia da eficácia das normas pelo seu objetivo de verificar a
possibilidade de colocar em prática o conteúdo normativo da eficácia.
Quanto ao controle de constitucionalidade propriamente, abordou-se as questões
históricas, fundamentais para a compreensão do sistema atual, para, finalmente, adentrar
nas questões específicas de procedimento do controle difuso de constitucionalidade por
meio da argüição incidental. Esta, por sua vez, não foi demonstrada em sua completude por
razão da distribuição do trabalho, vez que o controle incidental de normas no Supremo
Tribunal Federal, que será abordado em seguida, remete à questão da eficácia erga omnes
que as decisões em sede de controle incidental de leis podem revestir, intimamente ligado à
eficácia das próprias súmulas vinculantes; por isso, então, serão estudados em conjunto no
capítulo a seguir.
85 Idem Meirelles, p. 567. 86 DIDIER JUNIOR, Fredie (org). Ações constitucionais. 2. ed. rev. atual. Salvador: Jus Podivm, 2007. p. 368-369. 87 Idem, p. 369.
29
CAPÍTULO 2
2. O CONTROLE INCIDENTAL DE NORMAS NO STF, A EFICÁCIA “ERGA
OMNES” E AS SÚMULAS VINCULANTES
2.1 O controle incidental de normas pelo STF
Ao Supremo Tribunal Federal cabe, além de figurar como Órgão de cúpula do
Poder Judiciário, nos termos do artigo 102 da CRFB/88, a guarda da Constituição, tendo-a
como paradigma nas decisões proferidas em sede do controle abstrato de
constitucionalidade (artigo 102, inciso I). Mas esta Corte não detém competência para, tão-
somente, julgar os processos de competência originária e recursos ordinários (artigo 102,
inciso II), mas também se presta, da mesma forma que os demais Tribunais e juízes, à
realização do controle incidental de normas.88
Esta, por sua vez, tem seu rito regulamentado pelo seu Regimento Interno (Parte I
– Da organização e competência, Título VI – Da declaração de Inconstitucionalidade e da
Interpretação da Lei, Capítulo I – Da Declaração de Inconstitucionalidade de Lei ou Ato
normativo – artigos 169 a 178) que determina, dentre outros procedimentos, que quando
for a Turma competente para julgamento de determinado processo, deverá ser feita
remessa para julgamento do Plenário caso haja relevante argüição de inconstitucionalidade.
O quorum mínimo exigido é de oito Ministros, dos quais depende do voto
uníssono de seis para que se seja declarada a inconstitucionalidade ou não do preceito ou
ato impugnado; em caso de divergência não será declarada a inconstitucionalidade.
Ausente um ou mais Ministros, em número que influa no julgamento, suspende-
se o processo para aguardar o comparecimento dos ausentes ou, em razão de urgência,
pode-se convocar Ministros do TRF (artigo 40).89
Determinando-se a inconstitucionalidade, os órgãos interessados serão
comunicados da decisão, bem como o Presidente do Senado Federal, para que proceda ao
que dispõe o artigo 52, inciso X, CRFB/88. Antes desta comunicação, assegura-se “a
qualquer Ministro o direito de propor, em novos feitos, a revisão do entendimento
assentado”.90
88 BARROSO, Luis Roberto. Controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. op. cit., p. 89. 89 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. op. cit., p.p. 569-570. 90 Idem, p. 570.
30
Em razão das suas características, a principal via para a resolução de
controvérsias quanto ao controle difuso de constitucionalidade de leis federais e tratados é
o Recurso Extraordinário, pois, da mesma forma como ocorre nas instâncias inferiores, “a
questão poderá chegar até o Supremo Tribunal Federal, que também, assim como o
Tribunal de segunda instância, realizará o controle difuso, de forma incidental (e não
principal), observadas as regras do art. 97 da CF/88”.91
Este índice pode ser facilmente constatado no sítio do Supremo Tribunal Federal,
que em suas estatísticas apresenta entre os anos de 2002 e 2007 (até setembro) o volume de
230.267 (duzentos e trinta mil e duzentos e sessenta e sete) Recursos Extraordinários
distribuídos neste Órgão, do que se pode extrair que aproximadamente, por ano, são
autuados pouco mais de 30.000 (trinta mil) destes processos, configurando, assim, sua
fundamental importância para este estudo. 92
2.1.1 Recurso Extraordinário
O Recurso Extraordinário caracteriza-se pela grande importância que possui
sobre o sistema misto de controle de constitucionalidade de leis implantado no Brasil, pois
não outorga somente a determinados funcionários à iniciativa do controle, mas também
torna possível “haver controle concreto-difuso da constitucionalidade, exercitável por
qualquer magistrado”93 e, assim, valoriza a participação de qualquer cidadão para provocar
manifestação, em determinados casos, da Corte Constitucional. Nos mesmo termos, há:
[...] uma humanização, considerando-se mesmo que o Direito está posto não para atender aos problemas abstratamente colocados. O Direito está a serviço do indivíduo, do Homem, e o controle concreto é aquele que mais bem representa essa idéia.94
No entanto, para que o Recurso Extraordinário (ou excepcional) seja admitido,
deve-se obedecer aos pressupostos constitucionais determinados pelo artigo 102, inciso III
da CRFB/88. Este inciso preconiza a existência da decisão em um processo – de qualquer
espécie (cautelar, principal, incidental) – proveniente de um órgão jurisdicional, e não
administrativo, em última ou única instância, ou seja, depois de eliminadas todas as 91 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 11. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 175. 92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estatísticas – RE e AI % Distribuição – Percentagem de AI e RE em relação aos processos distribuídos – 1990 a 2007. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=REAIProcessoDistribuido>. Acesso em outubro de 2007. 93 TAVARES, André Ramos (org) e ROTHENBURG, Claudius (org). Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil: Recuso extraordinário e Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p.p. 8-9. 94 Idem, p. 9.
31
possibilidades recursais previstas pelo Direito, sendo “preciso, pois, exercitar o direito aos
recursos ordinários para, posteriormente, utilizar a via recursal anômala”.95
Outra importante restrição imposta à interposição deste recurso dá-se em razão do
caráter eminentemente constitucional do Supremo Tribunal Federal, uma vez que este não
admite o reexame de matéria de fato. Com base nisto, observa-se as vedações impostas
pelas Súmulas n. 279 e 454 do STF, que dispõem sobre o não cabimento do recurso
ordinário tanto para o reexame de prova, quanto para interpretação de cláusulas
contratuais.
2.1.1.1 Hipóteses de cabimento
As hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário estão elencadas no artigo
102, inciso III, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da CRFB/88, que correspondem a: contrariar
dispositivo constitucional; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal96;
julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição e julgar válida
lei local contestada em face de lei federal – esta última, acrescida ao rol pela Emenda
Constitucional n. 45/2004, porque anteriormente a modificação competia o julgamento ao
Superior Tribunal de Justiça, via Recurso Especial.97
Quanto às três primeiras hipóteses, trata-se de questões intrinsecamente ligadas a
questões de controle de constitucionalidade de leis, ainda que de forma indireta, vez que
visam a proteção do texto constitucional em razão de atos judiciais exarados nas instâncias
inferiores.
Resumidamente, a primeira tem o objetivo de verificar a “interpretação
equivocada por parte do Tribunal sobre o conteúdo ou significado do preceituado na
legislação, colocando a decisão em rota de choque com comandos constitucionais”98;
quanto à segunda alínea, cabe salientar, mostra-se necessária a observância pelo STF tanto
na hipótese da lei ou tratado serem efetivamente inconstitucionais, quanto no fato do
tratado e da lei serem constitucionais, caso em que a decisão judicial é objeto de
inconstitucionalidade, devendo o STF registrar a correção cabível. A última alínea, como a
própria titulação determina, deve haver no cerne do processo inicial alegação de que a lei
95 Idem, p. 14. 96 São as de competência legislativa da União (artigos 22, 23 e 24, CRFB/88). 97 Idem Barroso, p.p. 89-90. 98 Idem Tavares, p. 17
32
ou ato local divergia de dispositivo constitucional federal, nunca contra a Constituição
Estadual.99
Observa-se, portanto, a necessidade de evidente afronta à norma constitucional
federal para que se provoque o uso do Recurso Extraordinário, a fim, inclusive, que se
limite a competência do Supremo Tribunal Federal para avaliar corretamente a efetividade
e a abrangência da Constituição, uniformizando, o máximo possível, as normas
infraconstitucionais ao seu Texto maior.
2.1.1.2 Repercussão Geral
Inserido pela Emenda constitucional n. 45/2004 no § 3º do artigo 102, CRFB/88,
a repercussão geral remete ao instituto da argüição de relevância da questão federal no
recurso extraordinário, regulada pela revogada Constituição de 1969. À época, eivada
pelos valores da ditadura militar predominante, tratava-se de prerrogativa legislativa
privativa conferida ao STF – impedindo, inclusive, o Congresso Nacional de legislar sobre
o tema – para dispor em seu regimento interno as questões referentes às restrições ao
cabimento do Recurso Extraordinário, a fim de evitar o excedente volume de trabalho no
que se referia ao artigo 119, inciso III, alíneas “a” e “d” (contrariar dispositivo da CF ou
negar a vigência de tratado ou lei federal; dar à lei interpretação divergente da que lhe haja
dado outro tribunal ou o próprio STF) “impondo à Corte Suprema que levasse em
consideração a natureza da causa, espécie, valor pecuniário e relevância da questão
federal”.100
Atualmente, a regulamentação deste instituto se dá pela inserção dos requisitos
apresentados pelos artigos 543-A (regras de definição) e 543-B (simplificação da
tramitação dos recursos de igual controvérsias) do Código de Processo Civil brasileiro,
alterados pela Lei n. 11.418/06.
Dessa forma, o § 3º in fine do artigo 102, da CRFB/88, exige a necessidade da
manifestação de dois terços dos membros do Tribunal para que haja recusa do recurso que
não demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso
concreto, a fim de evitar, principalmente, o volume desta espécie recursal que passou a
99 Idem Tavares, p.p. 20-21. 100 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos: recursos no processo civil. ed. 6. atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. v. 1. p.p.98-99.
33
ofuscar os objetivos principais da Corte, que se pode resumir aqui na apreciação de
questões de relevância pública unicamente constitucionais.
Longe de aterem-se às discussões doutrinárias quanto ao procedimento de
admissibilidade pelo STF, as justificativas que arrazoam a sua existência no atual cenário
jurídico do Brasil (pós Constituição de 1988) são inúmeras.
Para Pedro Lenza, a criação deste requisito “vai evitar que o STF julgue brigas
particulares de vizinhos, como algumas discussões sobre ‘assassinato’ de papagaio ou
‘furto de galinha’, já examinadas pela mais alta Corte”.101 Da mesma forma, “servirá de
importante subsídio na construção da teoria sobre os pressupostos de admissibilidade do
recurso, como, aliás, vem ocorrendo ao longo da história do STF, o que a prática
demonstra com as súmulas da Corte em matéria constitucional”.102 E, assim, “promover a
concentração de esforços nos temas fundamentais, evitando que a capacidade do Tribunal
seja consumida por uma infinidade de questões menores, muitas vezes repetidas à
exaustão”.103
Portanto, ao trazer para o ordenamento jurídico atual o instituto revelado
primeiramente na constituinte anterior, a repercussão geral tende a dar melhor foco aos
objetivos do recurso extraordinário, eminentemente para revisão de controvérsias do caso
concreto frente à Constituição Federal que ultrapassem os interesses subjetivos da causa
discutida, sendo que seus efeitos devam influenciar coletividades, ou qualquer fração de
sociedade, fortalecendo o papel de guardiã constitucional conferido ao Supremo Tribunal
Federal. Isto promove efeitos diretos no controle difuso que, a cada evolução legislativa,
como esta demonstrada, o equipara-o aos valores das decisões proferidas em sede de
controle abstrato, diminuindo as diferenças entre os dois sistemas e favorecendo a
sociedade jurídica com a fiscalização das leis por maior número de caminhos possíveis.
2.1.1.3 Efeitos da decisão
Como já se pode observar, as decisões proferidas em sede de ações, ou neste
caso, recurso, que objetivam o controle incidental de normas, têm, regra geral, efeito
somente entre partes, limitando a eficácia da lei questionada ao caso concreto.
101 Cf. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional n. 45/2004. Esquematização das principais novidades. Jus Navigandi, Teresina, n. 618, mar. 2005, ano 9. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6463>. Acesso em fevereiro de 2007. 102 LEONEL, Ricardo Barros. Reforma do Poder Judiciário: Primeiras Reflexões. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 4, p.p. 76-103, jan./fev. 2005. 103 BARROSO, Luis Roberto. Controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. p.p. 99-100.
34
Especialmente nestes casos, a declaração de inconstitucionalidade “produz efeitos
pretéritos, atingindo a lei desde a sua edição, tornando-a nula de pleno direito. Produz,
portanto, efeitos retroativos”104, ou ex tunc.
Para o julgamento do Recurso Extraordinário são necessários os votos da maioria
absoluta dos membros do STF (nos termos do artigo 97, CRFB/88); a apreciação bifásica
da admissibilidade do recurso, primeiro pelo tribunal a quo e, posteriormente, pela Corte; a
apreciação do mérito da questão para cumprimento do efeito devolutivo do recurso (artigos
512 e 542, § 3º, CPC).105 Além disso, dispõem os Ministros do poder geral de cautela
(artigo 798, CPC), admitindo-se, portanto, “a concessão de efeito suspensivo ao recurso,
no que se deve incluir o de caráter excepcional”.106
Mas há, também, o efeito contra terceiros, foco próximo ao objetivo deste
trabalho, sobre o qual serão feitas as devidas considerações no ponto 2.1.1.4, a seguir, e
também no capítulo terceiro.
2.1.2 Resolução Senado Federal
Declarado incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, por
meio da decisão exarada pela decisão do Pleno, por maioria absoluta, o Supremo Tribunal
Federal poderá comunicar ao Senado Federal para que dê procedência à suspensão, em
todo ou em parte, da execução da lei declarada inconstitucional, nos termos do artigo 52,
inciso X, CRFB/88. Esta medida tem como fundamento a atribuição da eficácia erga
omnes (geral, contra todos) à decisão definitiva proferida no caso concreto.107 Portanto, “a
lei continua eficaz e aplicável, até que o Senado suspenda a sua executoriedade; essa
manifestação do Senado, que não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira a
eficácia [...]”.108
Quanto à questão procedimental, o próprio Senado Federal regula, em seu
regimento interno, no artigo 386109, as formas pelas quais tomará conhecimento da
declaração proferida em decisão definitiva proferida pelo STF, da inconstitucionalidade
104 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 177. (grifo no original) 105 TAVARES, André Ramos. Aspectos atuais do controle de constitucionalidade no Brasil. p.p. 33-36. 106 Idem, p. 36. 107 BARROSO, Luis Roberto. Controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. p. 109-110. 108 SILVA, José Afonso. Curso de Direito constitucional positivo. p. 54. 109 BRASIL. Regimento Interno: Resolução n. 93, de 1970. Brasília: Senado Federal, 2007. Disponível em <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf> Acesso em outubro de 2007.
35
(total ou imparcial) de lei110. São elas: “comunicação do Presidente do Tribunal;
representação do Procurador-Geral da República; projeto de resolução de iniciativa da
comissão de constituição, justiça e cidadania”.111
Assim, pode-se concluir que a tarefa da declaração da inconstitucionalidade é
exclusiva do Supremo, mas quem suspende, e concede o efeito erga omnes a esta decisão é
o Senado. Portanto:
[...] sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional, porém a tarefa constitucional de ampliação desses efeitos é sua, no exercício de sua atividade legiferante.112
Desta forma, este ato do Órgão Político configura-se como a principal via de
encontro das decisões do controle incidental de normas com os efeitos das decisões em
sede de ação direta de inconstitucionalidade, sendo o principal deles o efeito erga omnes,
que confere ao Supremo, ainda que dependente do ato discricionário do Senado, um caráter
exclusivamente constitucional, urgente de atualizações e coerências com o título de Corte
Constitucional originado do sistema austríaco, idealizado por Hans Kelsen, que delimita a
este Órgão a última palavra em interpretação das normas constitucionais, tornando-se sua
única e principal guardiã. Como observa Gilmar Ferreira Mendes:
Integra-se, assim, o Senado numa tarefa comum com o Supremo Tribunal Federal, equivalente àquela da alta Corte Constitucional da Áustria, do Tribunal Constitucional alemão e da Corte Constitucional italiana. Ambos, Supremo e Senado, realizam, na Federação brasileira, a atribuição que é dada a essas cortes européias.113
Delimitadas estas questões, conclui-se que o controle difuso de
inconstitucionalidade, como observado, pode ser analisado incidentalmente em sede de
qualquer ação judicial, sempre argüido e julgado como questão incidental. No entanto, os
efeitos da decisão do controle concreto de leis em conflito com a Constituição Federal nas
ações coletivas, em especial nas ações civis públicas, os efeitos das decisões proferidas ali
podem causar confusões na observação dos mais incautos e, principalmente, discórdia
entre os doutrinadores.
2.1.3 Controle difuso em sede de ação civil pública
110 BRASIL. Regimento Interno: Resolução n. 93, de 1970. Brasília: Senado Federal, 2007. Disponível em <http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/regsf/RegSFVolI.pdf> Acesso em outubro de 2007. 111 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 591. 112 Idem, p. 592. 113 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004.
36
Esta ainda é questão controvertida nos meios doutrinários, e por isso merece
breve apontamento pela intrínseca relação com o controle difuso. Dá-se o exemplo da ação
civil pública, mas pode-se encaixar também o mandado de segurança coletivo e as ações
coletivas, por tratarem-se de ações típicas da proteção dos direitos – difusos ou coletivos –
de grande quantidade pessoas ao mesmo tempo.
Ainda que estas ações tenham um número indeterminado de beneficiados, as
características das decisões em controle difuso de constitucionalidade continuam as
mesmas, ou seja, eficácia entre partes e efeito ex tunc. No entanto, o artigo 16 da Lei n.
7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) dispõe que a sentença civil fará coisa julgada erga
omnes. Neste aspecto, quando se trata das ações fundadas numa questão de
inconstitucionalidade, Ada Pellegrini Grinover explica que, quando o Supremo Tribunal
Federal foi questionado, em sede de Reclamação constitucional, sobre a possibilidade de
haver usurpação114 da competência exclusiva desta Corte, exercida em controle abstrato de
normas, pelas ações civis públicas, o decidiu no seguinte sentido:
[...] nas ações coletivas que se fundamentam numa questão de inconstitucionalidade, o controle é evidentemente difuso, nada apresentando de especial em relação ao controle difuso exercido numa ação individual. A questão da constitucionalidade, tanto numa ação coletiva como na individual, é colocada como questão prejudicial, a ser enfrentada pelo juiz antes do julgamento da causa, e não faz coisa julgada, nem mesmo entre as partes. O que faz coisa julgada é exclusivamente o julgamento da questão principal, e nenhuma diferença faz que a sentença que passa em julgado tenha eficácia inter partes ou erga omnes.115
A autora complementa, ainda, que a usurpação de competência ocorreria somente
no caso de uma ação coletiva desligar-se de seu objeto principal transformando-o
exclusivamente num pedido de declaração de inconstitucionalidade.116 Esta, porém, não é a
posição de Gilmar Mendes que em razão de sua corrente de estudar estar ligada a
abstratividade das decisões em sede de controle difuso, justifica que uma vez que estes
processos têm eficácia erga omnes determinada em lei, configura-se possível que esta
decisão proferida pelo STF adquira caráter abstrato pois “convém recordar que, em alguns
casos, há uma quase confusão entre o objeto da ação civil pública e o pedido de declaração
114 Neste sentido posiciona-se o autor Alexandre de Moraes que não admite a substituição da ação direta de inconstitucionalidade pela ação civil pública para exercício do controle abstrato de normas. Cf. Direito constitucional. p.p. 593-595. 115 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 853. 116 Idem, p. 853 (final).
37
de inconstitucionalidade. Nessa hipótese, não há como cogitar de uma típica decisão com
eficácia inter partes”.117
2.2 As súmulas vinculantes
2.2.1 Primeiras considerações
Criada com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45 de 08 de dezembro
de 2004, que acresceu à Seção II, do Capítulo sobre o Poder Judiciário, o artigo 103-A, a
súmula vinculante propõe que depois de reiteradas decisões em matéria constitucional
todos os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, em todas
as esferas, estariam vinculados àquele conjunto sumulado de decisões, a fim de dirimir a
insegurança jurídica, bem como promover economia processual pela diminuição tanto de
processos, quanto de recursos sobre a mesma questão. Originam-se, portanto, para eliminar
as antinomias existente no sistema judiciário, por meio da padronização do entendimento
jurisprudencial dos tribunais.118
Neste contexto, promulgou-se a Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006, que
dispõe sobre a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo
Supremo Tribunal Federal, sem, contudo, interromper as discussões sobre o assunto.
Numerosos são os autores que escreveram sobre a polêmica e o desenvolvimento destas
súmulas, antes e depois da promulgação da EC/45. Este trabalho, no entanto, propõe uma
visão otimista do surgimento das súmulas vinculantes, apenas colocando os pontos
controversos no intuito de esclarecer o contexto em que esta inovação é colocada.
O autor José Afonso da Silva traça linha temporal, desde os tempos do Império
brasileiro, em 1843, em que José Thomaz Nabuco de Araújo considerava situação anômala
que os tribunais inferiores ao Supremo Tribunal de Justiça – mais alto grau de jurisdição
do império à época – pudessem proferir decisões diversas ante aquelas julgadas na última
instância.
Outrossim, em 1855, a Seção de Justiça do Conselho de Estado recebeu proposta
– rejeitada pelo próprio Órgão – por meio de parecer, que a este órgão fosse permitido, nos
termos da lei, dar interpretação às leis, possibilitando a legalidade dos “assentos
117 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004. 118 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p.p. 364-365.
38
jurisprudenciais”119 nos tribunais da época e a transformação daquele Supremo Tribunal
em verdadeiro legislador. Nova tentativa de introdução dos assentos ocorreu em 1841,
quando ambas as casas legislativas do Império apresentaram:
[...] projetos de lei autorizando o Supremo Tribunal de Justiça a ‘tomar assentos obrigatórios sobre a interpretação das leis. O pensamento era que os assentos fossem tomados com a mesma latitude e ao mesmo tempo as mesmas limitações que os da antiga Casa de Suplicação’, aos quais era atribuída forma de lei. Os assento eram, pois, as súmulas vinculantes de outrora, com a mesma força de lei, como uma forma de interpretação oficial, impositiva, tal como as interpretações autênticas e, nesse sentido, subversivas dos princípios de direito público, já que interpretação oficial obrigatória só é legítima quando feita pelo Poder Legislativo. Apesar disso, foram elas acolhidas no art. 103-A introduzido pela EC 45/2004.”120
Atualmente, na tentativa de esclarecer o problema das súmulas vinculantes,
Ronaldo Rebello de Britto Poletti registra que, desde a criação de República, por sua vez,
diretamente influenciada por Rui Barbosa, a Constituição, além de estar aquém da
realidade nacional à época, encontrava-se moldada sob o sistema do direito norte-
americano, que possuía prática constitucional díspar do adotado sistema romanista
brasileiro. Esse conflito entre o civil law brasileiro (codificado), e o common law norte-
americano (precedente judicial) gera conflitos – e ainda gera – na função jurisdicional
pátrio justamente porque um não surge do outro, ou seja, se o segundo for transplantado
aos pedaços ao primeiro, e vice-versa, verdadeiras anomalias seriam criadas, uma vez que
ambos sistemas jurisdicionais, por si só, são incompatíveis.121
Dessa forma, a diferenciação destes sistemas, de acordo com André Ramos
Tavares, aparenta radical oposição, o que ocasionaria a incompatibilidade dos sistemas,
problema este que é amenizado na compreensão das súmulas vinculantes, aproveitando-se
a idéia-matriz de um na compreensão do outro. Esclarece o referido autor que:
[...] enquanto o modelo codificado atende ao pensamento abstrato e dedutivo, que estabelece premissas e obtém conclusões por processos lógicos, tendendo a estabelecer normas gerais organizadoras, o modelo jurisprudencial obedece, ao contrário, a um raciocínio mais concreto, preocupado apenas em resolver o caso particular (pragmatismo exacerbado). O modelo do common law está fortemente centrado na primazia da decisão judicial (judge made law) É, pois, um sistema nitidamente judicialista. Já o Direito codificado, como se sabe, está baseado, essencialmente, na lei.122
119 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. p.p. 938-939. 120 Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo. p.p. 564/565. 121 POLETTI, Ronaldo Rebello de Britto. Súmula Vinculante. Disponível em <http://www.unb.br/fd/colunas_Prof/ronaldo_poletti/poletti_08.htm>. Acesso em março de 2007. 122 Cf. Curso de Direito Constitucional. p. 360.
39
Contraposto a isto, o autor ressalta a diminuição da distância entre estes sistemas
jurídicos em razão da valorização da jurisprudência no Direito codificado, enquanto o
Direito costumeiro os precedentes já não possuem a força que antigamente tinham.123
Celso de Albuquerque Silva conclui no mesmo sentido
Se é inegável que o mundo jurídico ocidental tem habitualmente sido escandido em dois grandes sistemas ou tradições jurídicas – a common law anglo-saxã e a civil law dos países da Europa continental, hoje também já não se pode negar que muito dessa divisão é, em verdade, mais aparente do que real, e pode, até certo ponto, ser considerada desatualizada.124
No entanto, a crítica que envolve a disparidade entre os sistemas e a criação das
súmulas vinculantes pauta-se na afirmação que o princípio do stare decisis et quieta
muovere125 do Direito Anglo-Saxão pressupõe a vinculação a razão da decisão, e não,
como nas novas súmulas, ao resumo de diversas decisões sobre o mesmo assunto.
Impossível omitir este detalhe, mas se ressalta que o direito costumeiro não se limita às
decisões judiciais, pois, assim como o direito romano-germânico, está estruturado sobre
base legislativa razoável e necessária à regulamentação da, por exemplo, relação entre
Estado e cidadão e serviços de utilidade pública.126
Porém, este trabalho não tratará desta inovação, tampouco, de discussões acerca
da mistura de sistemas jurisdicionais, até porque, da primeira Constituição Republicana de
1891, até a atual, vigente desde 1988, o ordenamento jurídico absorveu características de
ambos, especialmente no que tange ao controle de constitucionalidade. Observa-se a
adesão de pensamentos dos legisladores desde o Direito costumeiro, quando a declaração
de inconstitucionalidade de lei era determinada pelos juízes somente no caso concreto, até
a predominância austríaca, perpetrada por Hans Kelsen, que preconiza a centralização da
interpretação constitucional por um único tribunal denominado Corte Constitucional.
2.2.2 A problematização das súmulas vinculantes no ordenamento jurídico
brasileiro
Antes de promulgada a lei que regulamenta as súmulas vinculantes (Lei n.
11.417/06), ainda em sede do Projeto que deu origem à EC 45/04, era grande a lista de 123 Idem Tavares, p. 361. 124 SILVA, Celso Albuquerque. Do Efeito Vinculante: sua Legitimação e Aplicação. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 166. 125 Trata-se da vinculação de todas as instâncias judiciais ao precedente exarado pela Suprema Corte norte-americana. Cf. CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito comparado. Tradução: Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. p. 80 (traduziu-se) 126 Idem, p. 168.
40
críticas à criação deste instituto no Direito brasileiro. Esta celeuma doutrinária deu foco ao
efeito vinculante destas súmulas, que foram denominadas pela legislação como súmula da
jurisprudência dominante com efeito vinculante. São favoráveis à aplicação deste efeito os
autores André Ramos Tavares, Rodolfo de Camargo Mancuso e Celso de Albuquerque
Silva. Contra posicionam-se Lênio Luiz Streck e Sérgio Sérvulo da Cunha, que terão suas
interpretações inseridas neste trabalho.
No entanto, com a entrada em vigor da Lei, grande parte destas críticas foram
atenuadas devido à responsabilidade, e merecida cautela, demonstrada pelo Supremo
Tribunal Federal na edição das já vigentes súmulas vinculantes, em número de três, que
serão abordadas nos próximos pontos. Portanto, em razão do foco do trabalho e da atual
configuração da situação das súmulas vinculantes no ordenamento, que se dará foco
reduzido às discussões e melhor atenção aos pontos importantes para elucidação do tema.
2.2.2.1 O efeito vinculante e as críticas à sua aplicação através das súmulas
O efeito vinculante, para Celso Albuquerque Silva, tem ligação direta com o
direito norte-americano, pois o direito brasileiro tem forte influência deste em razão do
crescente movimento de valorização do Poder Judiciário, que, cada vez mais, concede alto
grau de poder aos juízes para que tenham autonomia para declaração de
inconstitucionalidade de lei no caso concreto, como bem acentuado naquele país
exportador. Da mesma forma, ambos os Estados – Brasil e Estados Unidos – delegam, nas
suas legislações, a função de principal fiscalizador constitucional ao Órgão de Cúpula do
Judiciário, ou seja, à Suprema Corte (STF).127
Assim, a razão de ser das súmulas vinculantes, pode-se dizer, resolve-se na
questão de os tribunais ordinários da jurisdição brasileira, não raro, levarem em
consideração para fundamento dos seus próprios julgamentos, as decisões dos tribunais de
hierarquia superior “seja para acolhê-las ou rejeitá-las, juntamente com a análise dos
fatores sociais, culturais e econômicos no qual estão inseridos, já que o Brasil é um país
continental com grande disparidade nesses aspectos”.128 É por isto que neste contexto as
súmulas vinculantes, uma vez editadas, tornam-se mera conseqüências de sistema
jurisdicional que já concedia às decisões da Corte constitucional, efeito vinculativo,
promovendo, assim, a função social do Poder Judiciário em realizar a uniformização da
127 Cf. SILVA, Celso Albuquerque. Do Efeito Vinculante: sua Legitimação e Aplicação. p.p. 170-171. 128 Idem, p. 174.
41
jurisprudência dos tribunais para efeitos de equidade de julgamento para todos os
jurisdicionados.
Neste contexto, argúi-se se não haveria ofensa à livre convicção do juiz, e, até
mesmo, à independência do judiciário, uma vez que a edição das súmulas vinculantes
poderia engessar a atividade judicante do ordenamento pátrio, impedindo a aplicação de
entendimento contrário no plano prático.
Rodolfo de Camargo Mancuso explica que o texto vinculativo, desde o momento
que passa a integrar o ordenamento jurídico, deve ser interpretado pelo presidente do
processo no caso concreto, a fim de verificar a correta adequação. Assim, o magistrado
continua sendo a figura aplicadora do Direito, pois “no iter intelectivo percorrido pelo juiz
para a formação de seu convencimento, cabe-lhe ter presente todas as formas de expressão
do Direito que lhe pareçam cabíveis na espécie, inclusive, pois, o Direito Sumular, quando
através dele se possa dirimir a controvérsia”.129
Percebe-se, portanto, que ao magistrado ainda é facultada a possibilidade de
aplicar ou não a súmula ao caso, da mesma forma que faz com a norma.
Em posicionamento contrário à instituição das novas súmulas, Lênio Luiz Streck,
quando comenta sobre a revisão constitucional proposta em 1993130, ressaltou que o efeito
vinculante seria prejudicial ao funcionamento da jurisdição brasileira. Não admitiu a
concessão do efeito vinculante às decisões em controle difuso de constitucionalidade,
negando a influência dos stare decisis no ordenamento pátrio, e alegou, inclusive,
utilizando-se do posicionamento de Cláudio Baldino Maciel – à época presidente em
exercício da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – que a vinculação das decisões
constituiria uma arbitrariedade do Supremo Tribunal Federal, engessando a magistratura
nacional.131
No entanto, atenta-se, aqui, para o comentário de André Ramos Tavares sobre a
humanização do judiciário. “Não se pode pretender sustentar posições extremas
129 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.368. 130 Neste contexto originou-se a EC 3/1993, que instituiu o efeito vinculante das decisões judiciais ao alterar o artigo 102 da CRFB/88 que criou a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo, dotada, inclusive, de eficácia erga omnes. Cf. FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. A aplicação restrita da súmula vinculante em prol da efetividade do Direito. Revista de Processo. v. 116. p.p. 181-206. 2004. 131 Cf. STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: Eficácia, Poder e Função. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p.p. 158-164.
42
unicamente em nome de uma possível ‘dignidade’ do Judiciário, enquanto a sociedade
sofre as conseqüências do inadequado funcionamento do aparelho judicial”132.
O esclarecimento lúcido de André Ramos Tavares demonstra que a manutenção
do Poder Judiciário só se dá pela constante manifestação da sociedade a quem este Órgão
deve atender; se a máquina judiciária não funciona, então a sociedade desmorona. Em
razão disto que a uniformização proposta pela súmula vinculante se encaixa: para extinguir
os conflitos dentro dos Tribunais e assim melhor satisfaçam as demandas dos
consumidores de Direito.
2.2.2.2 A súmula como fonte de direito e seu caráter normativo
Quando se trata de analisar a súmula vinculante como fonte do direito, bem como
seu caráter normativo, deve-se atentar para sua função principal no ordenamento jurídico,
especificamente no sistema brasileiro.
Não se deve tratar a súmula como conseqüência de um processo legislativo, mas
sim enquanto força conferida a um enunciado construído em conseqüência de
determinadas decisões proferidas pelo Órgão jurisdicional.
Neste sentido:
O ato normativo não seria, então, a decisão judicial no caso isolado, mas a súmula de jurisprudência com efeito vinculativo, ou seja, o princípio, o extrato, a essência do direito, que se retira de uma quantidade de casos e que passa a orientar as decisões futuras dos juízes e tribunais.133
Portanto, observando a proposta conferida à súmula vinculante, o Supremo
Tribunal Federal, Órgão de Cúpula do Poder Judiciário nacional, ao decidir em causas
esparsas com mesmo conteúdo de mérito constitucional, reiteradas vezes, pressupõe a
equidade das decisões judiciais ali proferidas, conseqüentemente, a uniformidade da
posição jurisprudencial deste Tribunal.
Assim, considerando o fato notório de que o número de ações que tramitam no
STF está longe de ser um volume irrisório, bem como a certeza da formação de posição
dominante do Pleno quanto àquelas questões de cunho constitucional, formam-se as
súmulas vinculantes.
Desta forma, reprisa-se, não se trata de criação legislativa, mas de interpretação
das normas frente à Constituição Federal (no caso, por parte do STF). É dizer que o Direito 132 Curso de Direito Constitucional. p. 367. 133 SIFUENTES, Mônica. Súmula Vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 279.
43
teoricamente produzido pela jurisprudência nada mais é que o resultado de uma produção
jurisdicional consentida nos limites da lei, já que o “magistrado está circunscrito a um
quadro limitado de opções válidas, e jungido, em sua função, à necessidade de as
fundamentar e justificar pormenorizadamente”.134 Conseqüentemente, a sua adstrição à lei
inibe, a priori, a produção de súmula contra a lei, ou além dos limites estabelecidos por
ela. Neste sentido:
[...] a sentença judicial acaba por se integrar, como um posterius, ao processo legiferante, aperfeiçoando a norma, nisso em que a vem atualizar, explicar, humanizar, e, enfim, dar-lhe a necessária concreção, trazendo-a do plano formar para o cotidiano das relações sociais.135
Sobre este aspecto, o autor Cândido Rangel Dinamarco trata as decisões judiciais
como nova fonte do direito em razão da evolução do funcionamento jurisdicional. Elucida
que por causa da influência do sistema romano-germânico, a ordem jurídica nacional
desenvolveu-se sobre a égide do abstrato apresentado pela lei e da concretização das
decisões judiciárias, ou seja, o legislador determinava a generalidade na lei e o juiz apenas
aplicava estas leis ao caso concreto, automatizando a sua atuação.136
Com a evolução da “transmigração do individual para o coletivo” – ampliação da
tutela das causas particulares para as coletivas, por exemplo, mandado de segurança, ações
populares, ação direta, ação civil pública –, os juízes ampliaram a abrangência das suas
decisões, implicando impacto em maiores parcelas de tutelados, e, assim, “o direito
positivo brasileiro veio a instituir uma nova fonte de direito, o que fez ao disciplinar as
sentenças condenatórias genéricas a serem proferidas para a tutela jurisdicional dos
titulares de direitos individuais homogêneos [...]”.137
De fato, o Direito não é uma ciência estática, pois a efetividade das normas que o
compõe reiteradamente necessita da função jurisdicional de interpretação, tornando-se
eficaz no seu sentido completo – o de realização da justiça – para que sua função social
não desapareça na imensidão de leis editadas pelos legisladores. Desta forma:
Em nome da efetividade do direito há de se revisitar inúmeros institutos jurídicos objetivando atualizá-los com a nossa realidade sócio-político-econômica. Para isso, nenhuma proposta de mudança deve ser de plano afastada; nesse sentido é que se deve procurar não só inovações como também melhor aplicar os dispositivos legais já existentes em nosso ordenamento
134 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p.p. 363-364. 135 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante. p. 366. 136 DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas Vinculantes. Revista Forense. vol. 347. ago. 1999. p.p. 51-65. 137 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit. p. 58.
44
processual para que o processo de transformação tão necessário ao Judiciário seja realmente efetivo.138
Conclui-se, assim, que a súmula vinculante não foi instituída com objetivo de
transgredir a competência do Poder Legislativo e, conseqüentemente, transformar o
Supremo Tribunal Federal em uma terceira Casa legislativa. Trata-se, aqui, da confirmação
do posicionamento da Corte extraída de reiteradas discussões judiciais expostas ao seu
conhecimento, já que tendo como função precípua a interpretação máxima das normas
constitucionais, nada mais justo que se outorgue à Corte a competência para vincular seu
entendimento, eqüitativamente, à todos os Órgãos dependentes destas manifestações.
2.2.3 O procedimento das súmulas vinculantes segundo a Lei n. 11.417/06
O disposto no artigo 103-A da Constituição Federal, acrescido pela Emenda
Constitucional 45/04, instituiu a súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. A
Lei n. 11.417/06 veio regulamentar a nova norma constitucional a fim de disciplinar a
edição, revisão e o cancelamento dos enunciados destas súmulas. “Outras providências
normativas também foram tomadas, sempre em torno do papel e da força jurídica
atribuídos à súmula vinculante”.139
O texto constitucional já explicitava a competência exclusiva do Supremo
Tribunal Federal para a edição das súmulas vinculantes. O artigo 2º da Lei chancelou esta
determinação, bem como a limitação do alcance dos efeitos vinculantes a todas as esferas
do Poder Judiciário e também da Administração Pública, nas esferas federais, estaduais e
municipais.
Humberto Theodor Júnior, em comentário à nova Lei, assinala os abusos –
notoriamente conhecidos – do Poder Público nos recursos às causas que figura como
demandado, nas quais, constantemente, desafiam a jurisprudência consolidada do Supremo
Tribunal Federal a fim de protelar o maior tempo possível as demandas.140
No que tange a estes efeitos, apesar da legislação não explicitar quanto a eficácia
erga omnes, esta parece bastante explícita nos termos que a nova súmula foi instituída. A
princípio, a vinculação, provocada por estas súmulas, abrange todos os órgãos do Poder
138 FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. A aplicação restrita da súmula vinculante em prol da efetividade do Direito. Revista de Processo. v. 116. p.p. 181-206. 2004. p. 203. 139 Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculantes do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista de Direito Civil e Processual Civil . V. 18. p.p. 5-32. mai/jun. 2007. p. 27. 140 THEODORO JUNIOR, Humberto. op.cit. p. 27.
45
Judiciário e a Administração. Assim, uma vez que haja, sobre determinado assunto,
enunciado dado por esta categoria sumular, os juízes, Tribunais e a Administração Pública
não poderão oferecer aos seus jurisdicionados decisão diferente da determinação editada
pelo STF.
Então, dá-se às súmulas vinculantes efeito erga omnes, além da eficácia
vinculativa uma vez que têm:
[...] suas raízes no instituto da coisa julgada, a eficácia reflexa da sentença, com evolução para a coisa julgada erga omnes e ultra partes, tendo por objetivo principal a preservação da estabilidade jurídica, calcada no princípio constitucional da isonomia. Isso porque decisões contrastantes para casos análogos dão margem a injustiças, o que abala o próprio sentimento de segurança jurídica por parte dos jurisdicionados.141
O parágrafo 1º do artigo 2º da Lei estabelece os objetos de apreciação pelas
súmulas, quais sejam, a validade, interpretação e eficácia de normas determinadas sobre as
quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração
pública que possa acarretar insegurança jurídica e a multiplicação relevante de processos
sobre idêntica questão.
Faz-se observação, novamente, ao poder normativo das súmulas, que estão longe
de provocar o Supremo ao exercício de um segundo Poder Legislativo, vez que a
“possibilidade de atuação de ofício pelo S.T.F. não descaracteriza a natureza jurisdicional
do processo em questão [...] pois demanda a provocação e o julgamento de diversos casos
anteriores”.142 Por conseguinte, a súmula vinculante é a conseqüência das sucessivas
movimentações jurisdicionais anteriores, cabendo aos tribunais subsumir o fato à norma e
determinar a efetividade da súmula.
Importante ressalvar, por outro lado, que a novidade implantada pelas súmulas
vinculantes não revogou do ordenamento as súmulas jurisprudenciais, também conhecidas
pelo termo persuasivas. Logo, por tratarem as vinculantes somente de matéria
constitucional (caput, artigo 2º, Lei 11.417/06), as demais questões de cunho
infraconstitucional, já que ao Supremo não cabe somente o julgamento de questões à luz da
Constituição, poderão ser objeto das súmulas jurisprudenciais por parte do STF e demais
Tribunais e, conseqüentemente, sem os efeitos vinculantes determinadas às novidades.143
141 Cf. FREITAS, Elizabeth Cristina Campos Martins de. op. cit. Idem, p.p. 182-183. 142 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p. 372. 143 Cf. THEODOR JUNIOR, Humberto. op.cit. p. 28.
46
Além da exigência da verificação de matéria constitucional, encontra-se no artigo
2º outros três pressupostos relevantes para a criação das súmulas vinculantes: a existência
de reiteradas discussões sobre a matéria no âmbito da competência do Supremo Tribunal
Federal; a ocorrência de grave insegurança jurídica e a relevante multiplicação de
processos sobre mesma matéria.
A primeira e a última, pode-se dizer, estão intrinsecamente ligadas, pois a
relevância constitucional ocorre quando o STF é instado a manifestar-se sobre o assunto,
supondo-se com isso que não existe somente um processo discutindo a matéria, mas
diversos com o mesmo objetivo. Desta forma, além de cessar as impugnações já
protocoladas, evita-se a propagação de outras milhares.
Por isso que é acentuada a necessidade de haver grave ofensa ao princípio da
segurança jurídica, vez que matérias de relevância constitucional são discutidas aos
milhares e, de outro lado, não se há como negar a influência negativa que as eternas
discussões judiciárias trazem aqueles que buscam no Poder Judiciário solução rápida e
acertada para seus litígios.
Quanto ao procedimento de edição, as súmulas vinculantes mais uma vez se
diferenciam do processo legislativo visto que exigem um quorum mínimo para decisão de
2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal, necessariamente em uma
sessão plenária (artigo 2º, § 3º) e permitem a manifestação de alguns personagens sobre a
edição, revisão ou cancelamentos das súmulas.
Estes participantes estão determinados pelo parágrafo 2º do artigo 2º (e incisos) e
parágrafo 1º (os Municípios, incidentalmente, no processo que seja parte) do artigo 3º,
sendo eles o Procurador-Geral da República; o Presidente da República; a Mesa do Senado
Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil; o Defensor Público-Geral da União; partido político com representação no
Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a
Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; o
Governador de Estado ou do Distrito Federal e, finalmente, os Tribunais Superiores, os
Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais
Federais, do Trabalho e Eleitorais e os Tribunais Militares.
Note-se a semelhança das súmulas vinculantes do Direito brasileiro com o
controle abstrato de constitucionalidade, especialmente no rol de legitimados ativos para a
propositura da ação direta de inconstitucionalidade, previsto no artigo 103 da CRFB/88.
47
Com a diferença de alguns acréscimos, trata-se de lista de legitimação ativa muito
semelhante à prevista para o controle abstrato, conferindo às súmulas vinculantes o caráter
peculiar, no que tange à legitimidade ativa, de controle de constitucionalidade de leis ou
atos normativos. Já o Procurador-Geral da República pode-se manifestar previamente à
edição, revisão ou cancelamento das súmulas das quais não tiver proposto formulação.
Outra herança do controle abstrato de normas está na presença do amicus curiae –
explicado no tópico sobre Recurso Extraordinário – inserto no parágrafo 2º do artigo 3º da
Lei n. 11.417. A manifestação de terceiros constitui-se de relevante importância, pois a
segurança jurídica preconizada para edição da súmula não se limita à simples criação, mas
ao procedimento que deve ser respeitado para garantir, de todas as formas legalmente
possíveis, a perfeita criação deste instituto uniformizador.
A parte final do procedimento, que concede imediatamente o efeito vinculante às
súmulas editadas, é a sua publicação em no máximo 10 (dez) dias após a sessão que
determinar a edição, revisão ou cancelamento, “em seção especial, duas vezes: uma no
Diário da Justiça, e outra no Diário Oficial da União (art.2º, § 4º).
É precisamente dessa publicação que decorrerá o seu efeito vinculante, e não da
sessão do STF que deliberou a seu respeito”.144 A exceção do imediatismo da súmula pode
ocorrer pela intervenção do Tribunal que, com decisão proferida por 2/3 de seus membros,
pode restringir os efeitos ou postergar sua vigência em razão de segurança jurídica ou
excepcional interesse público (artigo 4º).
Quanto à vinculação à Administração Pública, importante ressaltar que os
processos administrativos devem obedecer às determinações das súmulas vinculantes,
estando a autoridade prolatora das decisões obrigada a retratar ou justificar as razões de
inaplicabilidade das súmulas vinculantes, sob pena de responsabilização pessoas nas
esferas cível, administrativa e penal (artigos 8º e 9º).
2.2.4 A reclamação constitucional
Listados os pontos gerais da Lei 11.417/06, é necessário o breve explanação
sobre a principal, e a priori, única, forma de impugnação à súmula vinculante: a
reclamação constitucional. Anteriormente à promulgação da EC 45/04, este recurso tinha
apenas duas funções: a de preservar a competência do STF e STJ e garantir a autoridade de
seus julgados (artigo 13, Lei n. 8.038/90). Para atingir estes objetivos, “poderá o Supremo
144 Cf. THEODOR JUNIO, Humberto. op.cit. p. 29.
48
Tribunal avocar o processo onde se esteja verificando a usurpação da sua competência, ou
o desrespeito do seu julgado, compreendida na hipótese de usurpação a demora
injustificada da remessa de recursos por ele interpostos”.145
Fruto de criação jurisprudencial, apesar de já inserido no Regime Interno do STF,
ganhou status constitucional em 1988, com sua regulamentação pelo artigo 102, inciso I,
alínea “l”, CRFB/88.
A Reclamação pode ter competência originária ou recursal perante o STF, e, por
sua vez, divide-se em ordinária e extraordinária. São diversas as finalidades dadas a este
recurso, sendo a que interessa a esta monografia aquela utilizada para assegurar a
autoridade das decisões do STF.146
A utilização da reclamação constitucional para impugnar decisão judicial ou ato
administrativo que contrarie súmula vinculante (artigo 7º, Lei n. 11.417/06) constitui
importante inovação, especialmente no que tange aos atos da Administração – contra os
atos judiciais, no entanto, sua prática já é comum, assim como sua aplicação às decisões
com o efeito vinculante dos processos objetivos –, já que são os maiores colaboradores do
excessivo volume das demandas judiciais de caráter homogêneo, necessitando, para sua
melhor aplicação, “a promulgação de normas de organização e procedimento que permitam
assegurar a observância por parte desta dos ditames contidos na súmula sem que se
verifique uma nova e adicional sobrecarga de processos para o STF”.147
Para tanto, a legislação promulgada em 2006 já determinou as devidas precauções
para evitar as avalanches deste recurso, como, por exemplo, acresceu à Lei n. 9.784/99148
os artigos 64-A e 64-B, este último com a seguinte redação:
Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar às futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.
Desta forma, atribuiu-se mais força ao STF “para que esta Corte possa garantir a
sua autoridade e fazer valer uma súmula vinculante por quem ela tenha sido editada, e
torna a reclamação um instrumento bastante eficaz”.149
145 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p. 376. 146 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. p.p. 663-686. 147 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. p. 679. 148 Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. 149 MORATO, Leonardo L. Reclamação constitucional e sua atuação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 228.
49
Analisando conjuntamente o artigo 7º da Lei n. 11.417/06 e o artigo 103-A da
CRFB/88, como faz o autor Leonardo L. Morato, confere-se a legitimidade passiva da
reclamação à autoridade administrativa ou judicial “que tiver praticado a contrariedade ou
a aplicação indevida da súmula vinculante em questão”150, cujo processamento se dará
diretamente no Supremo Tribunal Federal, constituindo competência originária para
verificação das violações às súmulas vinculantes. Desta forma, sem a instituição da
reclamação, o efeito vinculante da súmula estaria fadado ao descumprimento, assim,
[...] por questão lógica, é instrumento essencial para assegurar o elemento ‘vinculante’ à súmula. Isto porque vem assegurar que o Executivo e o próprio Judiciário, que estão jungidos ao determinado na súmula, respeitem, efetivamente, o seu conteúdo. Sem mencionada reclamação, o termo ‘vinculante’ certamente resultaria de escasso sentido prático.151
Porém, quanto à efetiva aplicação deste meio recursal, o legislador
infraconstitucional estabeleceu dois limites, ou melhor, pressupostos.
Primeiro, a possibilidade da utilização de outros meios admissíveis no Direito
para propor a impugnação (artigo 7º, in fine), ou seja, a regulamentação da reclamação na
Lei 11.417 não impede que outras formas recursais sejam emprestadas ao ato de
impugnação sobre descumprimento de súmula vinculante.
Noutro caso, o parágrafo 1º do citado artigo estabelece que a reclamação
impugnativa referente aos atos administrativos só poderá ser admitida após o esgotamento
das vias administrativas possíveis; dessa forma, agiu sabiamente o legislador em valorizar
as vias não judiciais para solução do conflito quanto à verificação da aplicação das súmulas
vinculativas.
Então, pode-se concluir que o Supremo Tribunal Federal não tem uma
competência absoluta quanto à impugnação dos atos contra a efetivação das súmulas
vinculantes, uma vez que muito embora a este Tribunal tenha sido conferido o comando
supervisor, pois não pode:
[...] decidir uma dada questão sem que esta tenha percorrido todas a instâncias ordinárias. Não sendo matéria de competência originária, não pode a Corte Suprema arvorar-se nas questões sob apreciação das demais autoridades, a pretexto de ter sido violada uma súmula. Caso contrário, haveria a violação de vários princípios e, no mínimo, supressão de grau de jurisdição.152
150 MORATO, Leonardo L. op.cit. p. 225. 151 Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional. p. 380. 152 Cf. MORATO, Leonardo L. Reclamação constitucional e sua atuação para o respeito da súmula vinculante. P. 227.
50
Cumpridos estes pressupostos e confirmada a competência para julgamento pelo
STF, no parágrafo 2º do comentado artigo outorgou-se a este Órgão a possibilidade de,
sendo procedente a reclamação, anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial
impugnada, podendo determinar que outra decisão ou ato sejam executados, com ou sem
aplicação da súmula, de acordo com o que decidir. Portanto, julgada a reclamação:
[...] é possível alcançar uma tutela mandamental, podendo o STF determinar, ordenar, que a autoridade reclamada promova o cumprimento da decisão desacatada, ou o respeito da norma de competência desrespeitada, ou a aplicação (adequada) ou a inaplicação da súmula vinculante, dependendo do caso em questão. E o STF poderá se valer de todas as medidas necessárias para atingir esse fim.153
Afirmada a soberania do Supremo Tribunal Federal sobre as questões
procedimentais que envolvem a criação, revisão, cancelamento e, inclusive, impugnação às
súmulas vinculantes, esta prerrogativa se fez valer no dia 06 de junho de 2007, com a
obrigatória publicação no Diário da Justiça e no Diário Oficial da União, bem como nos
Diários da Justiças estaduais, das três primeiras súmulas vinculantes já editadas pelo Órgão
de Cúpula do Poder Judiciário. Seus enunciados apresentaram os seguintes textos:
Súmula Vinculante 1154 Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela lei complementar 110/2001. Precedentes: RE 418918 (Publicações: DJ de 1/7/2005 - RTJ 195/321); RE 427801 AgR-ED (Publicação: DJ de 2/12/2005) e RE 431363 AgR (Publicação: DJ de 16/12/2005) Súmula Vinculante 2155 É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias. Precedentes: ADI 2847 (Publicações: DJ de 26/11/2004 - RTJ 192/575); ADI 3147 (Publicação: DJ de 22/9/2006); ADI 2996 (Publicação: DJ de 29/9/2006); ADI 2690 (Publicação: DJ de 20/10/2006); ADI 3183 (Publicação: DJ de 20/10/2006) e ADI 3277 (Publicação: DJ de 25/5/2007) Súmula Vinculante 3156
153 Cf. MORATO, Leonardo L. op.cit. p. 227. 154 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=1.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em outubro de 2007. 155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=2.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em outubro de 2007.
51
Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão. Precedentes: MS 24268 (Publicações: DJ de 17/9/2004 - RTJ 191/922); MS 24728 (Publicação: DJ de 9/9/2005); MS 24754 (Publicação: DJ de 18/2/2005) e MS 24742 (Publicação: DJ de 11/3/2005).
Como se observa, não há, a princípio, razão mais imediata para tantas fervorosas
discussões doutrinárias, como aquelas que surgiram sobre as súmulas vinculantes no
processo legislativo relativo à EC 45/04. Com a regulamentação trazida pela Lei n.
11.417/06, a criação das súmulas vinculantes tornou-se um processo claro de atuação
jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, com um procedimento devidamente delimitado
que propicia a perfeita fiscalização de seus atos por uso das possibilidades de impugnações
e revisões existentes.
As súmulas já editadas refletem três questões notoriamente conhecidas e
amplamente divulgadas pelos noticiários especializados no Poder Judiciário e que, com
certeza, facilitarão a atividade jurisdicional dos magistrados nas instâncias inferiores do
Poder Judiciário, que não mais precisarão sentenciar indefinidamente sobre as matérias
elucidadas. Deste modo, poupa-se este julgadores de utilizarem os precedentes esparsos do
STF, que sem a garantia da vinculação e do efeito erga omnes, podem facilmente ter suas
decisões recorridas, e assim, ocupar desnecessariamente os escaninhos dos Tribunais, já
abarrotados.
156 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de Jurisprudência. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=3.NUME.%20E%20S.FLSV.&base=baseSumulasVinculantes>. Acesso em outubro de 2007.
52
CAPÍTULO 3
3. AS SÚMULAS VINCULANTES E O CONTROLE DIFUSO DE
CONSTITUCIONALIDADE: NOVAS PERSPECTIVAS
3.1 Considerações necessárias
O sistema de controle jurisdicional da constitucionalidade de leis, como visto no
Capítulo 1, surgiu no Brasil com a promulgação da primeira constituição republicana, em
1891. A sua principal característica, que é facilmente percebida nos dias atuais, é a
duplicidade de influência sofrida para sua concretização. Por um lado, o judicial review
fortemente observado pelos Estados Unidos, e o sistema austríaco, idealizado por Hans
Kelsen, que preconizava a centralização da fiscalização constitucional por um só tribunal
(Corte Constitucional). Cabe ressaltar, na anotação de Oswaldo Palu, que:
[...] enquanto nos Estados Unidos o controle da constitucionalidade das leis foi criado pela própria Suprema Corte, no Brasil foi outorgado ao Supremo Tribunal Federal pela Constituição de 1891. A propósito, a princípio, não obstante os claros preceitos referidos, houve por parte do Judiciário dúvida quanto ao exercício dessa relevante atribuição e timidez em sua utilização. Isso só se tornou pacífico após os trabalhos de Rui Barbosa, a mostrar, à concludência, o alcance de seus dispositivos, em reconhecendo essa prerrogativa do Judiciário.157
A relação entre os dois sistemas ganhou forma a partir da Constituição de 1934,
quando se criou a representação interventiva, que consistia na manifestação ofertada pelo
Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal para declarar a
inconstitucionalidade da lei federal que determinasse intervenção Estadual, e a suspensão
de execução de lei ou ato declarado inconstitucional por qualquer instância judicial.158
Iniciou-se, então, movimento para que houvesse a declaração da inconstitucionalidade de
leis, com o efeito erga omnes, a partir da concentração em um só órgão jurisdicional.
No âmbito da Constituição de 1946, o projeto de lei que originou a Emenda
Constitucional n. 16/65, propunha a mudança do artigo 64159 daquela Carta que, apesar de
rejeitada, já manifestava a vontade de devolver ao Supremo Tribunal Federal a
157 PALU, Oswaldo. Controle de constitucionalidade. p. 111. 158 Cf. PALU, Oswaldo. op.cit. p. 112-113. 159 “Art 64 - incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.” Cf. BRASIL. Planalto. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em outubro de 2007.
53
prerrogativa exclusiva de manifestar-se acerca das questões exclusivamente constitucionais
no controle concreto. Desta forma, “para tornar explícito, a partir da declaração de
ilegitimidade, o efeito erga omnes de decisões definitivas do Supremo Tribunal, poupando
ao Senado o dever correlato de suspensão de lei ou decreto”.160
À parte das disposições modificadoras das Constituições seguintes, o movimento
de unificação dos sistemas americano e austríaco de constitucionalidade já era observado
por Mauro Cappelletti em alguns países europeus como Áustria, Alemanha e Itália, nos
quais era predominante a influência de Kelsen, que começaram a estabelecer a
incorporação, parcialmente, do sistema norte-americano que foi “acentuada pelo fato de
que, como na nomeação dos juízes da Supreme Court americana, assim também na
nomeação dos juízes das Cortes Constitucionais européias há, [...] uma intervenção do
poder legislativo ou executivo; [...]”.161
Outra razão de convergência, talvez, resultou da similitude dos efeitos do stare
decisis, que vincula as instâncias judiciais às razões das decisões proferidas em sede de
controle constitucional pelo Supremo Corte, e a eficácia erga omnes, sendo que ambos
conferem efeitos impositivos.162
Esta união de sistemas, e a precariedade do common law foram recebidas pelo
ordenamento constitucional brasileiro de 1891 quanto ao processamento do controle de
constitucionalidade, à época exclusivamente difuso, é alvo das críticas de Celso
Albuquerque Silva, que ao tratar da vinculação das decisões emitidas pelo judiciário,
comenta sobre a excrescência da instituição do compartilhamento com o Senado Federal da
declaração de inconstitucionalidade de lei, responsabilizando-o pela determinação da
suspensão da lei incidentalmente declarada inconstitucional. Ao apontar esta falha,
apresenta a inserção do controle abstrato de constitucionalidade na constituinte de 1988,
que limitava a legitimação para o ajuizamento das ações diretas, e outorgava ao Supremo
Tribunal Federal a competência exclusiva para seu conhecimento, como solução às
discrepâncias do modelo difuso, adotando para as suas decisões a eficácia erga omnes, que
conferia melhor segurança jurídica aos jurisdicionados.163
160 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004. 161 CAPPELLETII, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução: Aroldo Plínio Gonçalves. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1992. p.p. 99-100. 162 Cf. LEAL, Roger Stiefelmann. A convergência dos sistemas de controle de constitucionalidade: aspectos processuais e institucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 57. p.p. 62-80. 163 Cf. Do Efeito Vinculante: sua Legitimação e Aplicação. p.p. 159-161.
54
Assim, foi estabelecido e reafirmado o controle misto de constitucionalidade na
Constituição de 1988, que, ao implementar o controle abstrato de constitucionalidade
diminuiu, sem extinguir, a abrangência do controle difuso.
Esta atitude do legislador constituinte de 1988 talvez tenha se justificado pelo
então recente impacto sofrido na política nacional, por ocasião do golpe militar de 1964,
“uma vez que os interesses que sustentam essa provocação irão depender das contingências
políticas que as impele a requerer o exame de constitucionalidade das leis e atos
normativos”.164
Desta forma, valorizou-se a participação popular individual no questionamento da
inconstitucionalidade das leis, como demonstra André Ramos Tavares:
“[...] não se pode pretender eliminar o denominado controle difuso de constitucionalidade (apesar do crescimento do controle abstrato). No caso específico do recurso extraordinário, sua eliminação, para preservar-se o Tribunal Constitucional apenas como controlador abstrato da constitucionalidade, representaria, de certo, como se depreende da lição de Vanossi, a eliminação de um modelo de participação dos particulares perante o Tribunal Constitucional (em sua provocação)”.165
Quase dezesseis anos depois da vigência da atual configuração do ordenamento
jurídico do controle de constitucionalidade, a Emenda Constitucional n. 45, de 2004, tentou
restabelecer a ordem jurídica nacional, devolvendo ao Supremo Tribunal Federal total
controle sobre as causas constitucionais merecedoras de avaliação. No entanto, tratou-se de
reforma tímida, ou no mínimo insuficiente, porque “boa parte das normas que a EC nº
45/04, contém, são de eficácia jurídica limitada, de cunho programático ou institutivo,
exigindo regulamentação por legislação infraconstitucional ulterior para que venham a
produzir efeitos práticos”.166
Insuficiência à parte, os dois principais instrumentos que se destacam para este
objetivo de conceder ao STF controle total sobre as causas de cunho constitucional foram a
repercussão geral em sede de recurso extraordinário e as súmulas vinculantes.
A primeira, referente à necessidade de reduzir o número de recursos desta
espécie, visa proteger a principal via de acesso do controle difuso de constitucionalidade
no Supremo que, como já demonstrado neste trabalho pelos números existentes nos
registros deste órgão, assoberba-o com repetitivos questionamentos desprovidos de 164 CUNHA E SILVA NETO, Francisco da. O controle difuso: uma forma de humanização do controle de constitucionalidade das leis. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 15. n. 59. p.p. 131-145. abr/jun 2007. p. 142. 165 Curso de Direito Constitucional. p.p. 52-53. 166 LEONEL, Ricardo Barros. Reforma do Poder Judiciário: Primeiras Reflexões. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 4, p.p. 76-103, jan./fev. 2005. p. 77.
55
relevância constitucional, transformando-o, assim, num instrumento recursal impróprio de
terceira instância.
Neste contexto, Humberto Theodoro Júnior afirma que o grande efeito deste
instituto constitui-se no represamento dos recursos iguais nas instâncias de origem, que
serão extintos ali em razão do paradigma de julgado efetuado pelo STF em sede de recurso
ordinário com a mesma natureza.167
Quanto às súmulas vinculantes, estas vêm reafirmar o poder normativo do STF
como guardiã da Constituição, de forma a prestigiar sua jurisprudência, favorecendo uma
uniformização168, “como reveladora da última palavra em termos de definição das questões
constitucionais, o que, em última análise, pode evitar a continuidade e repetição infinita de
causas iguais em todos os níveis do Poder Judiciário”.169
De outro vértice, as súmulas vinculantes quebram o círculo vicioso que há entre a
o STF e o Senado Federal, especificamente no tocante às Resoluções emitidas pelo Órgão
Político. Isto porque tais resoluções estão eivadas de discricionariedade política,
distorcendo os valores atuais da Corte que, em sede de ação direta, dispensa essa chancela
do Órgão Político, e concedem as suas decisões eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Com estas afirmações destacadas, serão colocados, a seguir, alguns pontos
necessários à compreensão de aspectos relevantes na evolução do controle difuso de
constitucionalidade após as modificações da Constituição de 1988, bem como das novas
perspectivas instituídas a partir da EC 45/04, que justificam este trabalho, que tem a
intenção de demonstrar a recente possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de
leis via súmulas vinculantes, ou seja, a concessão dos efeitos vinculantes e eficácia erga
omnes às decisões em sede de controle concreto.
3.2 Os primeiros passos da vinculação: uniformização da jurisprudência (artigos
476 a 479 do CPC) e súmulas impeditivas de recurso (Lei n. 9.756/98)
A súmula impeditiva de recursos também faz parte, assim como as súmulas
jurisprudenciais e vinculantes, do rol dos impedimentos recursais expostos pelo Supremo,
167 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418) e Súmula Vinculantes do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista de Direito Civil e Processual Civil . V. 18. p.p. 5-32. mai/jun. 2007. p. 23. 168 “[..] objetiva evitar que coexistam, no seio de um mesmo tribunal, posições divergentes acerca de mesma matéria.” Cf. STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: Eficácia, Poder e Função. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 103. 169 Idem Theodoro, p. 6.
56
bem como pela legislação infraconstitucional. Constitui-se, portanto, como precedente,
ainda que despida de caráter de controle de constitucionalidade, filtrando as questões que
realmente pertencem à competência do Órgão Supremo, ou seja, as questões relativas à
constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis ou atos normativos em conflito com a
Constituição Federal.
Outrossim, a Lei n. 8.038/90, que regulamenta os recursos especial e
extraordinário, em seu artigo 38, autoriza o Relator a negar seguimento aos recursos caso
“[...] contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo
Tribunal”.170
Dessa forma, o Código de Processo Civil (artigo 557, §1º-A) repete a fórmula da
Lei n. 8.038/90 e acrescenta a possibilidade da súmula impeditiva de recursos, no sentido
de prover os recursos caso a decisão recorrida esteja em confronto com súmula ou
jurisprudência do respectivo Tribunal (STJ ou STF)171. Destarte, o legislador “considerou a
atribuição de efeitos ampliados à decisão proferida pelo tribunal, até mesmo em sede de
controle de constitucionalidade incidental”.172
Deste modo, apesar de não possuir a mesma eficácia que as súmulas vinculantes,
as súmulas impeditivas de recurso constituem um instrumento valioso para retenção de
recursos, pois expõem o pensamento jurisprudencial do tribunal ao qual se recorre,
diminuindo a quantidade de processos, que já se encontram em níveis esgotáveis,
propiciando o julgamento apurado de questões complexas, assim como as mais recentes
que exigem análise apurada, solidificando, por fim, a segurança jurídica das decisões.
Há muito já se instituiu a uniformização jurisprudencial. O artigo 479, CPC,
preconiza que os julgamentos que se dão nos tribunais, votados pela maioria absoluta de
seus membros, podem se concretizar em matéria sumular e constituir precedente de
uniformização. Desta forma, “ainda assim era possível que eventual súmula do S.T.F
acabava por funcionar, na prática, como forte encaminhamento para as decisões
jurisprudenciais”.173
170 BRASIL. Lei n. 8.038 de 28 de maio de 1990. Institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8038.htm>. Acesso em outubro de 2007. 171 BRASIL. Lei n. 5.869 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Código Saraiva: São Paulo, 2006. 172 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004. 173 Cf. TAVARES, André Ramos. op.cit. p. 369.
57
Neste sentido, as súmulas jurisprudenciais configuram papel importante para a
uniformização do entendimento dos tribunais. O autor Sérgio Sérvulo da Cunha aponta que
as súmulas – tanto as do Supremo Tribunal Federal quanto às do Superior Tribunal de
Justiça – contribuem em muito, não só para os recorrentes, mas para os próprios tribunais
inferiores, pois na confiança que deposita no julgamento destas Cortes, “é muito difícil,
deve ser raríssimo o caso de rebeldia contra as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda
e primeira instâncias não apenas as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que
muito os ajuda em suas decisões”.174
Portanto, verifica-se no sistema jurídico brasileiro uma valorização pré-
promulgação da EC 45/04 dos precedentes judiciais predominantes exarados pelo Supremo
Tribunal Federal que já culminavam na resolução das súmulas jurisprudenciais. As
súmulas da jurisprudência dominante com efeitos vinculantes, por sua vez, fortaleceram
este entendimento e diminuíram a falta de atualização ignorada pela constituinte de 1988
do controle difuso de constitucionalidade, outrora predominante no sistema brasileiro.
Neste sentido, bem resume Celso de Albuquerque Silva:
Em síntese, portanto, pode-se concluir que de lege lata, são dotadas de efeito vinculante apenas as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal seja no controle concentrado de constitucionalidade exercido vias ações direta de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade e nas argüições de descumprimento de preceito fundamental, [...] em controle difuso, desde que a questão constitucional seja sumulada mediante decisão de dois terços dos membros do STF. Em outro dizer, no Brasil, as decisões proferidas pelo STF em controle concentrado ou difuso (desde que objeto de súmula vinculantes) de constitucionalidade são fontes formais do direito.175
Assim, como se pode observar nas súmulas vinculantes já editadas pelo Supremo
Tribunal Federal – especialmente a de número dois – que as mesmas ganharam caráter não
só de uniformização e contingente de recursos, mas também de resolução do contingente
de controle de constitucionalidade.
A súmula vinculante dois, apesar de ter como precedentes ações diretas de
inconstitucionalidade, demonstra a vontade da Corte em agilizar o processo de declaração
de inconstitucionalidade de leis, sem, com isto, implicar a transformação das ADIs em
Mandados de Segurança, mas consolidar o seu papel de intérprete máximo da
Constituição.176
174 CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 125. 175 Cf. Do Efeito Vinculante: sua Legitimação e Aplicação. p.p. 165-166. 176 Ou seja, redução do rito procedimental complexo das ADIs para um rito sumário especial, característico do Mandado de Segurança, no qual se analisa as causas sem que se produza provas ou defesa.
58
3.3 Teoria da abstrativização das decisões em sede de controle incidental de
normas
Consoante com a evolução do controle de constitucionalidade de leis, instituída
na constituinte de 1988, quando se concretizou no direito brasileiro o controle abstrato de
normas e os efeitos de vinculação e generalidade de suas decisões, a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal criou a teoria da abstrativização das decisões do controle difuso-
concreto de constitucionalidade – também denominada de teoria da transcendência dos
motivos determinantes da sentença no controle difuso –,ainda não pacificada, a fim de
ascender esta categoria de controle aos efeitos conquistados pelas decisões nas ações
diretas.
Com o estabelecimento de um sistema jurisdicional misto de controle de
constitucionalidade no Brasil, a doutrina mais conservadora, indica que em razão da
argüição de inconstitucionalidade no controle difuso ser feita de forma incidental, ou seja,
constituir-se de uma questão prejudicial ao processo, sendo necessário o julgamento de sua
existência, ou não, antes das questões materiais, esta somente faz coisa julgada “inter
partes (atinge apenas as partes do litígio em exame), ou seja, só vale para o caso
concreto”.177
No entanto, esta corrente, aos poucos, segue uma nova interpretação para abertura
dos efeitos da declaração incidental, ou melhor, dos motivos que determinam a decisão, do
controle normativo pelo STF. Uma das principais vozes doutrinárias a respeito é a de
Gilmar Ferreira Mendes, que afirma ser
[...] possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-se dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto.178
Nesta mesma linha, como afirma o autor Pedro Lenza, estão Teori Albino
Zavascki, que também sustenta uma transcendência dos efeitos da decisão em sede de
controle difuso para vinculação de todos, assim com Lúcio Bittencourt, autor bastante
referenciado nas doutrinas modernas, ainda que tenha produzido seus estudos em época
que inexistia o controle abstrato de normas, “chegou a afirmar, inspirado pela regra do
177 CHIMENTI, Ricardo Cunha. et al. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 400. 178 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004. p.p. 29-30.
59
stare decisis norte-americano que a declaração de inconstitucionalidade no caso concreto e
no controle difuso brasileiro [...], reconhecendo a ‘ineficácia da lei’, teria eficácia para
todos”.179
Apontam-se dois principais precedentes jurisprudenciais para surgimento desta
teoria, o caso “Mira Estrela” (redução do número de vereadores na cidade de mesmo nome
– RE 197.917) e a discussão sobre a constitucionalidade da progressão de regime para os
crimes hediondos. Este, por acaso, tornou-se manchete em fevereiro de 2007, quando o
STF, já promulgada a da Lei n. 11.417/06, anunciou a possível edição de oito súmulas
vinculantes, das quais, uma trataria sobre a observação da inconstitucionalidade do artigo
2º, Lei n. 8.072/90180. Com a promulgação da Lei n. 11.464/07, que alterou a redação do
artigo da lei discutida, a súmula perdeu seu objeto e não foi votada em sessão plenária do
STF.
As observações feitas pelo Ministro Gilmar Mendes no RE 197.917, que votou
pela concessão do efeito de transcendência aos motivos que determinaram o julgamento
deste recurso, foram amplamente observadas e confirmadas em sede da ADI n. 3.345-0/DF
pelo Relator Ministro Celso de Mello. No voto sobre o mérito181, podem-se observar os
quatro principais pontos justificadores para utilização desta teoria pelo Supremo Tribunal
Federal, quais sejam, a força normativa da Constituição; o princípio da supremacia da
Constituição; o STF como intérprete máximo da norma constitucional, ou seja, a sua
atribuição precípua de guarda do Diploma outorgado pelo artigo 102 e a dimensão política
de suas decisões.
Em linhas gerais, estes pontos podem ser explicados da seguinte forma: o
princípio da supremacia da Constituição pressupõe a noção de hierarquia que ela ocupa no
179 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. p. 184. 180 A súmula teria a seguinte redação: PROCESSO PENAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º da LEI nº 8.072, de 1990. PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO. CONCESSÃO. REQUISITOS. Enunciado: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.” Foram apresentados como precedentes a esta súmula os seguintes processos: HC 82.959-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006; HC (QO) 86.224, Rel. Min. Carlos Britto, DJ 17.3.2006; HC (QO) 85.677, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 31.3.2006; HC 88.231, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 5.5.2006; RHC 86.951, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24.3.2006. Cf. ERDELYI, Maria Fernanda et MATSUURA, Lílian. De alto para baixo – conheça enunciado das oito primeiras súmulas vinculantes. <http://conjur.estadao.com.br/static/text/52622,1>. Acesso em fevereiro de 2007. 181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade, n. 3.345-0, Distrito Federal. Relator Ministro Celso de Mello. Disponível em <http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/adi3345.pdf>. Acesso em outubro de 2007.
60
Direito brasileiro, “sendo ela a norma básica, a norma principal dentro da pirâmide de um
ordenamento jurídico, que confere o fundamento de validade a todas as demais normas que
dela derivam”.182 Deste conceito, portanto, extrai-se a sua conseqüência lógica, de que suas
normas constitucionais, além de hierarquicamente superiores, são dotadas de caráter
imperativo incontestável, vinculando todo o ordenamento jurídico que regula à sua
obediência.
Portanto, uma vez concedido ao STF à guarda precípua da Constituição, a ele,
como já definido no primeiro capítulo deste trabalho, cabe exercer a interpretação
definitiva da Carta, com o objetivo de conceder a máxima efetividade das normas e
princípios nela contida.
Pode-se concluir que, em razão do cenário do controle jurisdicional de
constitucionalidade passar, atualmente, por um momento de sensível mudança, a evolução
acrescida por esta teoria de abstrativização do controle difuso se justifica, especialmente,
pela concepção das funções do Supremo Tribunal Federal como Órgão de Cúpula do Poder
Judiciário, portanto, detentor máximo da guarda do Diploma constitucional, orientador do
ordenamento jurídico que rege.
Ativo nesta função de fiscalizador precípuo da Constituição passa o Supremo
Tribunal Federal a se desvincular do caráter de quarta instância recursal e, devagar,
retomar a sua faceta de Corte Constitucional propriamente dita, mas que ainda não
alcançou o seu ideal, pois, além de
[...] conciliar uma função típica de guarde dos valores constitucionais (pois, guardar a forma ou apenas tecnicamente é falsear a realidade constitucional) com sua função de julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância (base do critério difuso), quando ocorrer uma das questões constitucionais enumeradas nas alíneas do inc. III do art. 102, que o mantém como Tribunal de julgamento do caso concreto que sempre conduz à preferência pela decisão da lide, e não pelos valores da Constituição, como nossa história comprova.183
Assim, pode-se observar a razão pela qual o Recurso Extraordinário foi
mencionado no segundo capítulo. A respeito destes recursos no âmbito desta teoria, a sua
importância para exercício do controle difuso de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal é incontestável, pois as decisões proferidas ali estão adquirindo novas
perspectivas.
182 BESTER, Maria Gisela. op.cit. p. 59. 183 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. p. 559.
61
O autor Fedie Didier Junior, em comentário sobre a objetivização do Recurso
Extraordinário, como já se pôde perceber no posicionamento do Ministro Gilmar Mendes,
bem como da teoria em questão, o autor Fredie Didier Junior, que ao comentar sobre a
objetivização deste recurso, chama atenção a um movimento anterior, inclusive, às
alterações da EC 45/04, no qual o controle difuso já operava revestido dos efeitos da
abstração concedida às ações diretas. Assim, com fundamento no princípio da reserva de
plenário (artigo 97, CRFB/88), justifica que o incidente de argüição de
inconstitucionalidade perante os tribunais
“embora instrumento processual típico do controle difuso, a análise da constitucionalidade da lei, neste incidente, é feita em abstrato. Trata-se de incidente processual de natureza objetiva [...] É por isso que, também à semelhança do que já ocorre na ADIN e ADC, é possível a intervenção de amicus curiae neste incidente (§§ do art. 482). É em razão disso, ainda, que fica dispensada a instauração de um novo incidente para decidir questão que já fora resolvida anteriormente pelo mesmo tribunal ou pelo STF (art. 481, par. ún., CPC)”184
No mesmo trabalho, Didier elenca exemplos de diversas decisões que chancelam
a tendência apresentada pela teoria da abstratividade, bem como das duas já mencionadas,
inclusive fazendo menção aos próprios efeitos da súmula vinculante para o controle
concreto de constitucionalidade, no sentido que abre uma porta concreta a modernização
da visão da argüição incidental de normas no STF a fim de conceder às suas decisões
caráter vinculante definitivo, dispensando-se a necessidade da antiga fórmula de
manifestação sobre a suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Senado Federal.
3.4 Desempenho do papel do Senado no controle difuso de constitucionalidade
A teoria da abstrativização traz uma outra perspectiva ao papel do Senado Federal
nas decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso, pois pressupõe, em linhas
gerais, a exclusão da participação deste Órgão Político no processo conclusivo de
concessão de suspensão dos efeitos da norma.
De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, a única justificativa plausível para a
existência atual do dispositivo constitucional que confere ao Senado Federal a prerrogativa
de conceder à decisão definitiva proferida pelo Supremo em sede de argüição incidental de
inconstitucionalidade (artigo 52, inciso X, CRFB/88) é o resquício histórico que possui,
praticamente imutável, desde a Constituição de 1934, que foi a primeira a instituir este
requisito. Desta forma: 184 DIDIER JUNIOR, Fredie. Transformações do recurso ordinário. Disponível em <www.lfg.com.br/artigos/Transformacoes_do_recurso_extraordinario.pdf>. Acesso em outubro de 2007.
62
A amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativo, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se quebrantasse a crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção de separação de Poderes – hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada. Se o Supremo Tribunal pode, em ação direta de inconstitucionalidade, suspender, liminarmente, a eficácia de uma lei, até mesmo de uma emenda constitucional, porque haveria a declaração, proferida no controle incidental, valer tão-somente para as partes?185
Possui o mesmo posicionamento o autor Luis Roberto Barroso que delimita
severa crítica ao fato da absorção do Direto pátrio de dois sistemas de controle de
constitucionalidade que, em razão dos efeitos de suas decisões, tornam-se incompatíveis e,
assim:
Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção. Também não parece razoável e lógica, com a vênia devida aos ilustres autores que professam entendimento diverso, a negativa de efeitos retroativos à decisão plenária do Supremo Tribunal Federal que reconheça a inconstitucionalidade de uma lei. Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é!186
Com isto, a incompatibilidade entre o não reconhecimento do efeito geral e com
caráter vinculante às decisões proferidas pelo Órgão de cúpula ao sistema difuso, com o
sistema predominante do controle de constitucionalidade via ação direta é cada vez menos
distante.
Apesar do enfraquecimento do sistema de controle concreto com a legitimação
dada aos titulares das ações do controle abstrato pelos incisos do artigo 103 da CRFB/88 e
a conseqüente criação das ações competentes para fiscalização abstrata das leis, há tempos
os operadores do Direito (advogados, procuradores, promotores, entre outros), a fim de
afirmarem a primazia do posicionamento do Supremo quanto às decisões esparsas exaradas
em sede de controle difuso como espécie de precedente judicial – a exemplo do que
preconiza o stare decisis norte-americano –, ignoram a necessidade da manifestação do
Senado e passam a considerá-las como pressupostos válidos para fundamentação de seus
argumentos, inclusive, admitindo as súmulas – mesmo as não vinculantes – como
referências para suas atuações frente o Poder Judiciário.
185 MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Direito Público. Brasília, n. 4, p.p. 5-31, abr/jun, 2004. 186 BARROSO, Luis Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. p. 111.
63
Portanto, não só a teoria da abstrativização, que se encontra ainda como uma
grande celeuma doutrinária, pois ainda não há consenso sobre a possibilidade de concessão
de efeitos vinculantes e eficácia geral às argüições incidentais de inconstitucionalidade
feitas pelo Supremo Tribunal Federal, mas também, e especialmente as súmulas
vinculantes, propõem nova perspectiva no que se refere à relativização da participação do
Senado Federal na suspensão das decisões em sede de controle concreto-difuso.
O contexto histórico no qual foi inserida a participação do Senado Federal foi
bastante eficiente para efeito das primeiras constituições, no âmbito da quais o sistema
difuso predominava no ordenamento, sendo, então, necessária a fiscalização externa do
Poder Judiciário.
No entanto, com o passar das décadas, outorgou-se ao Supremo Tribunal Federal
o título de Corte Constitucional, atribuindo-lhe a última palavra na interpretação das
normas constitucionais, seja no seu caráter normativa ou nos valores que representa, para
que alcancem os objetivos descritos pelos legisladores constituintes e, portanto, a sua
completa efetividade.
Assim, com a instituição das súmulas vinculantes, sugere-se o desaparecimento
desta falsa parceria entre os Poderes Judiciário e Legislativo no controle jurisdicional
concreto de leis, pois, aparte das discussões que envolvem as controvérsias sobre o papel
desempenhado pelo Órgão Político, pode-se observar nas doutrinas mais atuais, que:
[...] parece mais adequado compreender a súmula vinculante como um processo objetivo típico (embora com certas particularidades), que promove a aproximação entre o controle difuso-concreto de constitucionalidade (reiteradas decisões) e o controle abstrato-concentrado (efeito vinculante).187
E de fato é. No final do capítulo 2, comentou-se sobre as recentes súmulas
vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal, e lá consta, com o número dois, a
súmula vinculante que declara a inconstitucionalidade das legislações ou atos normativos
estaduais ou distritais que disponham sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive
bingos e loterias.
Assim, antes mesmo de julgadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade de
leis, o STF, munido do papel de guardião da Constituição (artigo 102, CRFB/88), e dos
precedentes recursais que antecederam as ações diretas, suprimiu as discussões que se
estendiam sobre o tema em todas as instâncias judiciais e declarou, com efeitos
vinculativos, a inconstitucionalidade referida.
187 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 372.
64
Portanto, as súmulas vinculantes, no âmbito de controle difuso de
constitucionalidade vêm, pelo menos na perspectiva demonstrada por esta Monografia,
atualizar aquilo que se pode chamar de sistema ineficiente de extensão de efeitos
vinculantes às decisões proferidas pelo Supremo, deixando-o assumir, em sua completude,
a sua função máxima de intérprete constitucional e assim, constituir definitivamente uma
coerente uniformização jurisprudencial desta Corte.
Dito isto, necessário lembrar que o desafogamento do Judiciário, e,
principalmente, da agilidade de julgamentos exarados pelo STF, bem como as declarações
de inconstitucionalidade de leis, dependem de outros fatores, não necessariamente ligados
a súmula vinculante, repercussão geral no Recurso Extraordinário, ou mesmo de novas
teorias, como da transcendência dos motivos determinantes da sentença no controle difuso
(abstrativização).
Depende, fundamentalmente, do comportamento dos legisladores ao instituir as
leis esparsas regulamentadoras dos procedimentos, principalmente os recursais, para que se
limite o, como expresso popularmente, “jus esperniandi” daqueles que acessam o
judiciário. Impedindo, assim, que figuras como o Poder Público, responsável pelo maior
pedaço do contingente jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, que, a fim de protelar a
concretização da Justiça, utilizam-se de todos as lacunas e brechas legislativas existentes
para evitar as execuções as quais foi condenada, na maioria delas, com razão daquela que
acionou o Judiciário para tal.
Portanto, trata-se de problema complexo, de muita nuances e difícil resolução,
que exige uma mudança drástica de comportamento e utilização inteligente da máquina
judiciária para que o consumidor dos direitos venha alcançar, com brevidade e segurança
jurídica, a sua pretensão.
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A súmula vinculante, acrescida ao ordenamento jurídico nacional pela Emenda
Constitucional n. 45/04, foi regulamentada pela Lei 11.417/06 com o principal objetivo de
evitar a multiplicação de processos sobre idênticas questões constitucionais. Pretende,
assim, solucionar os conflitos das normas ordinárias frente à Constituição por meio de
precedentes jurisprudenciais do próprio Supremo Tribunal Federal.
O controle difuso de constitucionalidade, por sua vez, foi instituído no
ordenamento jurídico pátrio sob a vigência da Constituição Republicana de 1981, com
fortes influências do sistema de controle de constitucionalidade do judicial review norte-
americano, predominante à época em razão do precedente do caso Marbury v. Madison.
Mas em razão da sua precariedade, viria aperfeiçoar-se nas Constituições seguintes, como
aconteceu em 1934, quando se outorgou ao Senado Federal a prerrogativa de concessão da
suspensão da lei declarada inconstitucional em sede de controle difuso.
Décadas depois, a constituinte de 1988 aperfeiçoou o sistema de controle de
constitucionalidade de leis, e incorporou definitivamente o sistema austríaco de Kelsen que
determinava a uma Corte Constitucional a concentração do poderes de declaração de
inconstitucionalidade de leis. No entanto, talvez sob impacto do recente fim da ditadura
militar que consternou a política do País por mais de quarenta anos, o legislador
constituinte preferiu manter o sistema de controle difuso existente, ainda que mitigado,
formando, assim, um sistema misto de controle constitucional.
Esta abertura política trouxe, no entanto, incômodo aos Tribunais que se viam
assoberbados de ações em um recém instituído Estado Democrático de Direito. Muito
disso se deu pela facilidade de acesso ao controle de constitucionalidade de leis
proporcionado pelo controle difuso, que constitui uma das formas mais democráticas de
acesso às questões constitucionais no Direito.
Estabelecido o problema, iniciou-se a procura por soluções eficazes para
conceder melhores efeitos às decisões proferidas em sede deste sistema concreto de
controle de leis.
O controle abstrato de normas, com suas ações diretas que resultam em decisões
com caráter geral e efeito vinculante proferidas originariamente pelo Supremo Tribunal
Federal, encontrava-se diametralmente oposto ao que determinava as decisões em controle
66
difuso que, via de regra, só concedia eficácia erga omnes e efeito vinculante às suas
decisões quando houvesse manifestação do Senado Federal, por meio de Resolução, para
suspensão dos efeitos das normas declaradas inconstitucionais. Porém, esta configuração
encontra-se desatualizado em relação à importância adquirida pelo Supremo Tribunal
Federal na atualidade.
Guardião precípuo e intérprete máximo da Constituição, a Corte constitucional
brasileira não mais admite a dependência da manifestação do Senado Federal para
conceder às suas próprias decisões, mesmo em sede de controle difuso, o efeito vinculativo
a todos o tribunais e juízes submetidos à sua jurisdição.
Neste contexto, foi promulgada a EC 45/04 que instituiu não só as súmulas
vinculantes, mas a necessidade da demonstração de repercussão geral para apreciação do
Recurso Extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal. Com estes novos aspectos
constitucionais, o STF passou a exercer um poder normativo e completo controle sobre as
decisões proferidas no âmbito das discussões de questões constitucionais.
Assim, finalmente pode-se observar uma verdadeira manifestação de
uniformização jurisprudencial, já que as pessoas que figuram no cenário jurídico nacional
não mais necessitam se submeter à insegurança jurídica de ter decisões de alta importância
sendo decididas em sede de recursos ou controle difuso de constitucionalidade, pelo STF,
que não adquiriam qualquer efeito que impedisse outras questões constitucionais idênticas
alcançarem o julgamento da Corte que, com razão, concedia o mesmo resultado a todos os
pleitos subseqüentes, assoberbando-o, desnecessariamente.
Esta era principal causa de descaracterização das verdadeiras funções do
Supremo no ordenamento jurídico, sendo, aos poucos, transformado em uma imprópria
terceira instância recursal. Desta forma, a súmula vinculante vêm funcionar como uma
ventilação deste sistema petrificado e conceder novamente ares de Corte Constitucional ao
STF.
As doutrinas mais atuais vêm apontando as súmulas vinculantes como a forma
mais eficaz à modernização, e conseqüentemente, equiparação, do controle difuso de
constitucionalidade de leis perante o Supremo Tribunal Federal, ao controle abstrato de
normas. Isto, devido a possibilidade da Corte, uma vez perfilado os precedentes
jurisprudenciais coerentes em razão de determinada matéria constitucional, editar súmula
vinculante a fim de cessar as demandas esparsas e, sem a intervenção ultrapassada do
67
Senado Federal para suspensão da mesma lei ou ato normativo declarado inconstitucional,
nos mesmos termos.
E assim, o Supremo exerceu seu poder normativo com excelência com a edição
de três súmulas vinculantes no curso de presente ano, sendo que executou o primeiro ato de
controle de constitucionalidade de normas pela súmula de número dois que determinou a
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre
sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias. Com toda a razão, pois foi
questão largamente discutida e exaurida em todas as instâncias, necessitando o fim das
discussões por meio do posicionamento concreto da Corte, de forma que assim o fez.
Enrijece-se, com isso, cada vez mais a teoria da abstrativização das decisões
proferidas em sede de controle difuso que promove a vinculação das razões proferidas
nestas decisões de controle concreto às ações de idênticas causas, criando-se, por mais uma
via, a possibilidade de concessão da maior efetividade das normas constitucionais sem que
tenha que movimentar as ações diretas do controle abstrato, que muitas vezes são
motivadas pelos somente pelos interesses políticos, e não os de interesse direto da
sociedade.
Deste modo, o presente estudo tem o objetivo de colaborar com o fortalecimento
destas novas tendências no Direito Constitucional brasileiro para que seja fortalecido um
sistema de controle de constitucionalidade que promova todos os meios necessários à
concretização das normas constitucionais, a fim de restabelecer a segurança jurídica das
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da vinculação de seus
precedentes a todos os órgãos do Poder Judiciário, bem como da Administração Pública,
acalmando as discussões constitucionais com maior celeridade e menos morosidade.
68
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