as sete palavras de nosso senh

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  • 8/19/2019 As Sete Palavras de Nosso Senh

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    ESPÍRITO E VIDA

    (AS SETE PALAVRAS DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO) 

    PORPADRE J. CABRAL

    EMPRESA EDITORA ABC LIMITADA

    NIHIL OBSTATRio. 13-VIII-1937

    Pe. J. Batista de SiqueiraIMPRIMATUR

    Rio, 13-VIII-1937Mons. R. Costa Rego

    V.G.

    A Nossa Senhora da Conceição Aparecida Padroeira do BrasilO.D.C

    O Autor

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    SEDE BEM-VINDAS, Ó PÁGINAS CONSOLADORAS

    (A guisa de introdução)

    A recordação! Preciosíssimo recurso “em que o interesse do coração é bem maior do

    que o interesse da memória”.

    Ela é um tesouro inestimável, pondera em página delicada o Padre E.Roupain (V. olivro Sur les pas de Jesus. III serie – pag. 508) O coração fiel tem amor às suasrecordações; guarda-as com cuidado infatigável. As relíquias do coração têm também asua poeira. Ele gosta de viver das lembranças do passado, como se vive de um bem

     precioso legitimamente adquirido e carinhosamente conservado. Volta-se para elasquando o presente o sensibiliza; nelas encontra um refúgio em que de algum modo

     procura defender-se da melancolia da velhice. Nosso coração é um santuário em queconservamos o culto daqueles que outrora foram objetivo de nossos afetos à semelhançados que alimentam uma lâmpada diante do altar. Homenagem suprema pela qual, sobcerto aspecto, triunfam da própria morte. A morte? Que é que ela não paga e não

    destrói? Mas, se o quisermos, ela jamais amortecerá as nossas recordações. Poderáarrebatar a presença de nossos prediletos, mas não a sua memória. Eis porque oesquecimento é a última injúria e a separação definitiva, ele é pior do que a morte. Seresquecido é morrer duas vezes.

    E até onde chega o poder da recordação!

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    São Agostinho louvou a força misteriosa da memória humana: “ Magna ista vis estmemoriae, magna nimis; penetrale amplum et infinitum”.

    A memória afirma seu prestígio mesmo a respeito de personagens que nunca vimos,mas nos foram apresentadas pela ficção ou pela história, narrativas de antanho, relíquiasde ontem, tudo incentiva nosso afeto, tudo se valoriza a nossos olhos. Quantas cenas do

     passado assim revivem! Quantas figuras de outrora se reanimam!E tão frágeis são oslaços que nos prendem a estas imagens! Não importa! Relação insignificante é quanto basta. Conservamos piedosamente uma memória, porque sua missão, suas vidas, suasalmas simpatizam com os nossos sentimentos e fazem estremecer o nosso coração.

    ***

    Que diremos e que pensaremos de Jesus Crucificado? Ele está mil vezes mais perto doque as figuras de nossa história e de nossos contos; a Ele estamos unidos por afinidadesmais estreitas e por laços mais fortes do que os da aliança ou do sangue. Ele para nós étudo... omnia et in ommbus Christus  (Eph. 4,6; Col, 3,11).

     Não tivemos a alegria de vê-lO, de ouvi-lO, de segui-lO, passo a passo. Mas sabemosquem é Ele, de onde veio, aquilo que realizou, o que sofreu... patres nostri narraveruntnobis. Os séculos cristãos falaram-nos d'Ele - e em que termos! - Eram os herdeiros das

     primeiras testemunhas  sicut tradiderunt nobis qui ab initio ipsi viderunt . Que nosinformaram estes séculos pretéritos? Que jamais grandeza tamanha conheceu tão grandeinfortúnio; que jamais destino maior foi humanamente mais lamentável pela extensãodas penas e amarguras, pela injustiça do tratamento; que um amor mais desinteressado emagnânimo nunca se achou tão desprezado! Que mais será preciso a fim de noscomover? Felizes, em verdade, os homens que, desde cedo, se impregnaram destasevocações tão importantes! Que acentos acham os corações generosos quando asreavivam!

    É nosso dever conservar estas recordações da Paixão de Jesus Cristo com o maisreligioso cuidado.

     Recogitate eum qui talem sustinuit a peccatoribus contradictionem  (Heb. 12,5).Releiam a Paixão; sigamos hora por hora, palavra por palavra seus pormenoresimpressionantes. Refaçamos, passo a passo, a estrada ensangüentada cujas pedras Lheforam atiradas por mãos de algozes sem entranhas. Sigamos a via da amargura com o

     pequeno grupo fiel, com a Mãe Dolorosa, com as santas mulheres, com o discípuloamado. Demoremo-nos aos pés da Cruz, no alto do Calvário, e escutemos as palavras deJesus Cristo. Amemos aquelas chagas que, no dizer de Bossuet, formam a beleza doCristo. Elas são os sinais de Sua soberania. Pela efusão do sangue na Cruz Ele é, aomesmo tempo, o Rei Salvador e o Pontífice Salvador. Ele não é como os devastadoresde província; triunfa pela ventura que destina aos Seus filhos.

    "Nestas linhas apagadas, nestes olhos machucados, neste semblante que inspiradesolação, diz Bossuet, eu descubro os traços de incomparável beleza: Não! Não! estescruéis dilaceramentos não desfiguraram o semblante do Salvador; aformosearam-nO ameus olhos. São minhas delícias as chagas do Redentor. Eu as beijo e as orvalho delágrimas. Há no amor de meu Rei Salvador o singularíssimo esplendor de uma belezaque transporta as almas fiéis".

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     Escreveu com acerto Santo Agostinho: "Crux Christ non solum est lectulus morientis

     sed et cathedra docentis. (Orat; 119 in Joannem) - A Cruz não é somente o leito de dorem que Jesus expira, mas é a cadeira de onde Ele ensina."

    Pelas palavras e pelos exemplos que promanam desta cadeira, o Salvador edifica as

    almas através dos séculos.

     No Segundo sermão sobre a Paixão dá Bossuet ao Divino Crucificado o nome de livro"Abri vós mesmos este livro... as letras são de sangue... empregaram o ferro e aviolência para gravá-las profundamente no corpo de Jesus Crucificado".

    O livro preferido dos santos era o Crucificado; encontravam ali a fonte da ciência que oslevava para Deus.

    Repetia São Jerônimo aos discípulos: "Lede e relede o Cristo".

    São Vicente Ferrer não se separava jamais de seu crucifixo; declarava que este contém

    todas as luzes das Sagradas Escrituras, chamava-o sua grande Bíblia.

    Compararam São Thomaz de Villa Nova a São Paulo pela doutrina e a Elias pelo zelo.Onde hauriu o confessor da fé a sabedoria sobrenatural com que converteu e iluminoutantas almas? Respondeu ele um dia: "menos nos livros do que nos pés do Crucifixo!"

    O Crucificado é a escola das renúncias quotidianas. À vista da imagem do Redentor, naCruz, Santa Izabel da Hungria, Santa Catarina de Senna e Santa Marganda de Cortonarejeitaram a púrpura, os ornatos deste mundo e a fascinação das bagatelas.

    O Crucifixo é a escola da oração. Santa Teresa, Santa Madalena de Pazzi, São Bruno,São Bernardo, São Francisco de Assis, São Boaventura, todos os grandes

    contemplativos da idade Média onde terão encontrado as labaredas do amor de Deus?

    O Crucificado é para os fiéis manual de meditação quotidiana. Ele abençoa os trabalhos,santifica as conversações, tempera os prazeres e balsamiza os sofrimentos.

    Ao pé da Santa Imagem, repete o cristão as palavras de São Paulo: " Sicut abundant passiones Christi in nobis, ita et per Christum abundat consolatio nostra. - Assim comosão abundantes os sofrimentos de Cristo em nós, assim também pelo Cristo ésuperabundante nossa consolação."

    Sofremos todos nós através da vida. O Crucificado, relembra-nos que, unida à Paixão deCristo, a dor é expiatória e meritória; ensinar-nos-á que a dor é amável em seu exemplardivino.

    Perreyve escreve, numa página de emoção: "O pranto corre bem sobre Vossa imagem, óDivino Crucificado. As lágrimas do homem conhecem-nO. Há entre a Cruz e as doreshumanas eterna conformidade."

    "Não posso mais orar, murmurava Lacordaire, nos momentos derradeiros, mas eu Ocontemplo!" E não tirava os olhos do Crucificado.

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      No alto da fogueira, prestes a ser devorada pelas chamas, Santa Joana d'Arc cobria de beijos e lágrimas uma cruz de madeira feita, no momento, por um soldado.

    Suplicou que lhe trouxessem o Crucificado da Igreja próxima. Foi atendida. Aoreligioso, que a acompanhava, pediu que levantasse a Cruz e a conservasse bem alto,

    enquanto ela estivesse viva; queria contemplá-la até o suspiro extremo. As labaredasenvolveram-na. E a heroína francesa morreu com os olhos fixos na imagem de JesusCristo pregado à Cruz.

    São Francisco Xavier, o general Lamoricière e Pasteur, nos minutos finais, seguravam e beijavam o Crucifixo.

    Um poeta do século passado pergunta ao Crucificado, em estrofes sublimes, o que é queEle murmura aos ouvidos do moribundo:

    "Aos lábios dos moribundos colados na agonia - como derradeiro amigo, para iluminaro horror desta passagem estreita, - para soerguer até Deus seus olhares amortecidos, ó

    Divino Consolador, - cuja imagem osculamos, - responde: que lhe dizes Vós?"

    A história da Igreja responde: "Ao ouvido dos pecadores o Crucificado murmura uma palavra de perdão; aos que tremem, uma palavra de confiança; às almas puras, uma palavra de amor". (O livro de J. Hoppenot de que colhem esta formosa página intitula-se Le Crucifix dans l'Histoire, dans l'art, dans l'ame des Saints et dans notre Vie.)

    Uma alma de virtudes eminentes compôs estas estrofes admiráveis que tecem a maissentida e a mais fervorosa das preces:

    Meu Crucificado!Eu O levo a toda a parte;

    Eu O prefiro a tudo;

    Quando caio, Ele me levanta;Quando choro, Ele me consola;

    Quando sofro, Ele me cura;Quando tremo, Ele me tranqüiliza;Quando chamo, Ele me responde.

    Meu Crucificado!Ele é a luz, que me ilumina;

    O sol, que me aquece;O alimento, que me nutre;A fonte que me desaltera;A doçura, que me cura;

    O bálsamo, que me cura;A beleza, que me encanta!

    Meu Crucificado!Ele é a solidão, em que repouso;

    O reduto, a que me acolho;

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    A frágua, que me consome;O oceano, em que mergulho;O abismo, em que me perco!

    ***

    Feliz a inspiração do Revmo. Cônego J.Cabral, no tema escolhido para estas páginas deespiritualidade. É grande, é muito grande, no Brasil, o número de corações, queconsagram fervorosa à Sagrada Paixão de nosso Redentor. Com quanto enlevo, com queintenso júbilo, acolherão estas almas o livro precioso do ilustre publicista!

    Através destes capítulos enriquecidos, pela mais pura doutrina dos Santos Padres,aprenderemos as lições de Jesus Cristo agonizante. Quantos e quão preciososensinamentos, quantas consolações profundas, iremos encontrar nas palavras que oMestre Divino pronunciou na agonia do Calvário! Que soma incalculável de benefíciosespirituais vão estas páginas espalhar na seara imensa das almas!

    Sede bendito, ó Testamento emocionante do Redentor dos homens!

    Sede bem-vindas, ó páginas consoladoras!

    S. Paulo, dia do Preciosíssimo Sangue de N.S.Jesus Cristo, 1-VII-1936.

    Padre Heliodoro Pires

    O REDENTOR DO MUNDO

    “Muitas outras coisas, porém, há ainda, que fez Jesus, as quais, se se escrevessem

    uma a uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros,

    que se teriam de escrever”

    (Joan. XXI, 25)

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     Com estas palavras o Apóstolo São João encerra o IV Evangelho.

    Os comentadores dos textos sagrados buscam penetrar o sentido e explicar esta bela passagem do narrador dos acontecimentos culminantes da existência terrena do Filho deDeus.

    Segundo Martini, essa hipérbole de São João indica que é incalculável o número dascoisas admiráveis operadas por Jesus Cristo e que nem o discípulo predileto nem osoutros evangelistas narravam, embora estivesse fresca a memória de todos esses fatos eainda vivessem muitos dos que os presenciaram.

    São João Crisóstomo, explicando o sentido do supramencionado versículo do IVevangelho, diz que São João queria exprimir que não escrevera para engrandecer a JesusCristo nem exagerar os feitos do Divino Mestre, uma vez que ele (o autor) não escreverasenão uma parte mínima do que de maravilhoso operava o Verbo Encarnado. O mesmocomentador arbitra ainda uma outra explicação: o evangelista quis dar a entender queera mais difícil aos discípulos do Senhor enumerar e descrever os Seus prodígios, do

    que o fora Ele (Jesus) realizá-los e levar a cabo o que, para nos salvar, determinou oquis o Deus Onipotente e bendito, que o é por todos os séculos dos séculos.

    Certo é que, após tantos séculos, a inteligência humana não cessou de estudar e demeditar sobre a personalidade adorável de Jesus Cristo.

    Até hoje, em todos os tempos, no seio de todas as sociedades, dentro de todas ascondições de vida, o homem não terminou ainda o estudo do que Jesus veio ensinar aosfilhos de Adão.

    Toda razão tinha, pois, o Apóstolo, quando afirmava que o mundo inteiro não seriasuficiente para conter os livros que narrassem tudo quanto operou Cristo Jesus, o

    Redentor do mundo.

    ***

    Ao passo que a memória dos grandes homens sofre a ação do tempo e os maioresacontecimentos da história são relegados ao esquecimento, no longo decurso dosséculos, o nome de Jesus Cristo, dia a dia, se torna mais conhecido, a Sua doutrina émelhor estudada e as Suas ações tornam-se regras da moral. Isso tudo, é naturalmente,inexplicável e confere um caráter misterioso à figura do Rabi da Galiléia.

    Eis a razão pela qual, diante dessa figura de tão grande projeção, na história humana,mui naturalmente, a nós mesmos nos interrogamos: Quem é Jesus Cristo?

    Hettinger, o grande professor da Universidade de Wurtzburgo, na Alemanha, responde-nos, em erudita e formosa página, que transcrevemos:

    “Jesus Cristo é a vítima da reconciliação, única, verdadeira e eterna, donde deriva para ogênero humano a salvação e, por meio dEle, todos os sacrifícios antigos encontraram oseu cumprimento. Nele se manifestaram a justiça e a santidade do Pai; a essênciainvisível de Deus, a Sua sabedoria e majestade; a Sua misericórdia e amor se

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    apresentaram a nós visivelmente na Sua pessoa. Daqui resulta que Ele é a luz queilumina o mundo dos espíritos, a caridade que enche todos os corações, o manancialdonde todos haurem a vida, essa vida que ab aeterno e antes de todas as coisas jazia noseio do Pai, donde derivou para o Filho e eternamente aflui e reflui sobre as criaturas

     por intermédio de Jesus Cristo. Ele é a vida, cujos ramos, unidos a si, exalta para aunidade da vida.

    Pelo Seu sangue, adquiriu em nós uma propriedade completa, tendo descido aos limbos,onde jaziam os justos do Velho Testamento, arrebatou-os para o Seu reino, patenteandoagora por virtudes da Sua morte.

    Sentado à direita do Eterno Pai, governa e aperfeiçoa os que Lhe pertencem comoSenhor, Rei e Chefe real deste novo reino da graça e redenção, da sociedade dos santos,que compreende todos os tempos, todas as criaturas, os anjos e os homens, sobre osquais, de contínuo, derrama as Suas graças, defendendo-os e guardando-os contra osataques violentos e as insídias ocultas dos inimigos visíveis e invisíveis, alimentado-oscom o pão da vida e enchendo-os dos bens celestes, até que alvoreça o dia em que a SuaIgreja sobre a terra passe do estado de combate para o do triunfo e semelhante a Ele,

    deponha as vestes da humilhação, para com Ele e sob a Sua direção tomar parte daglória e na bem-aventurança eterna.

    E este reino, que é o Seu reino, não terá fim. Cristus vincit, Christus regnat, Christus populum suum ab omni malo defendit  – esta inscrição, que se acha gravada no obeliscoda praça de São Pedro, em Roma, é o breve compêndio de toda história do mundo”.(Apologia do Cristianismo – vol. IV, cap. XII)

    ***

    Jesus Cristo tem o Seu nome indissoluvelmente ligado ao grande acontecimento dahistória: a redenção do gênero humano, mistério central da nossa crença religiosa e obra

     prima da misericórdia e da justiça divina e infinita.

    O Redentor do mundo é o Filho de Deus feito homem, a fim de padecer tormentosindizíveis e morrer sobre o madeiro infamante da Cruz, no cimo do Calvário, pararedimir a humanidade, prevaricadora e resgatar todos os pecados dos filhos dos homens.

    Jesus Cristo era o Homem-Deus; como Homem, sofreu e morreu; como Deus,comunicou aos Seus sofrimentos e à Sua morte um valor infinito.

    A Paixão e a Morte do Filho de Deus constituem, por si só, uma reparaçãosuperabundante da ofensa feita a Deus pelo pecado. Desse modo, pelos merecimentosinfinitos de Cristo, fomos resgatados da morte eterna e libertados do poder infernal ereintegrados nos direitos à herança da glória eterna.

    Assim se cumpriu a promessa que Deus fez, no Éden, de conceder à humanidade prevaricadora, um salvador.

    Isaias, um dos maiores videntes de Israel, dissera do Messias prometido:

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    “O Senhor pôs sobre ele as iniqüidades de todos nós. Foi esmagado por causa de nossasiniqüidades; foi esmagado por causa dos nossos crimes e nós fomos salvos pela suasferidas”.

    O próprio Jesus quis revelar-nos um pouco do misterioso amor de Deus para com ahumanidade prevaricadora. Ele dignou-se explicar-nos:

    “Amou Deus de tal sorte o mundo, que lhe deu seu Filho único a fim de que todo aqueleque crer nele, não pereça, mas tenha a vida eterna... Deus enviou seu Filho ao mundo,

     para que o mundo seja salvo por ele”.

    O Apostolo São Paulo, doutrinando os fiéis acerca do mistério de nosso resgate, põe na boca de Jesus Cristo estas palavras dirigidas ao Pai Eterno:

    “Não quisestes hóstias, nem oferendas, mas adaptastes-me um corpo. Os holocaustos pelo pecado não vos têm agradado, então disse! Eis-me qui!”

    O Padre Moigno, em seu livro “Os esplendores da Fé”, assim fala do mistério da

    Redenção: “E porque no momento em que Jesus Cristo expirava no Calvário, nós todosestávamos nEle; porque o sangue que corria de Suas veias tinha sido tirado das nossas,não alterado, pois Maria, Sua Mãe, fora imaculada em Sua conceição, massupernaturalizado e edificado de alguma sorte, por Sua união com a divindade; porqueaquele que morria era o nosso chefe, a cabeça e o coração da humanidade; porque, nodogma cristão, as dores, a tristeza, a agonia da humanidade (*) vêm completar o quefalta à Paixão de Jesus Cristo fez de Sua morte e das nossas uma só imolação, um sóholocausto, imenso, no qual, vítima única, ao mesmo tempo divina e humana, inocentee criminosa, por uma só oblação, a santificação dos escolhidos está consumida para aEternidade. Consummatun est !” (obra cit. Vol. IV, Capítulo XXX)

    (*)  - Nota da transcrição: Aqui, penso, dever-se-ia dizer com mais propriedade: "de todo aquele

    que está em estado de graça" (seja estando no corpo ou na alma da Igreja).

    Estas palavras do sábio apologista da religião católica encerram, por assim dizer, asumula da doutrina da Igreja acerca dos grandes mistérios da obra da redenção, em quea justiça e a misericórdia divina trocaram o ósculo da paz, restabelecendo as relaçõesentre Deus ofendido e o homem prevaricador.

    Da rocha ensangüentada do Calvário, brotou para a nossa raça a verdadeira fonte davida sobrenatural, da graça santificante e da felicidade sempiterna.

    ***

    “E eu, disse Jesus, quando for levantado da terra atrairei tudo a mim”.

    Estas palavras do Senhor exprimem, claramente, que a morte ignominiosa, no patíbuloda Cruz, deveria ser o princípio da glória e da exaltação do divino suplicado; significamque, da Cruz, transformada em instrumento de bênção e de salvação, Jesus iria chamarao Seu reino de paz e reconciliação todos os povos da terra, atraindo-os pela doçura,

     pela caridade e pela eficácia do seu poder infinito.

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    E os séculos da história cristã não desmentiram, antes confirmaram cabalmente, esta profecia de Jesus de Nazaré.

    Passou a nacionalidade judaica; Jerusalém foi destruída e o Tempo foi arrasado.Passou Roma e os imperadores desceram à lousa fria dos sepulcros marmóreos...

    As tribos bárbaras receberam a “ Boa Nova” e foram incorporadas à grei de Cristo.Surgiram heresias e o espírito das trevas veio semear o joio da mentira no campo doSenhor. Também as heresias passaram e desapareceram os seus fautores.

    A arena dos circos embebeu o sangue dos mártires da fé cristã e o sangue desses heróistornou-se a semente de novos adoradores do Crucificado, que se multiplicaram pelosquatro pontos da terra.

    A Reforma arrebatou à Igreja formosa porção do rebanho do pastor supremo; odescobrimento do rebanho do pastor supremo; o descobrimento do Novo Mundo veiocompensar, amplamente, as perdas sofridas no Norte da Europa.

    Em nossos dias, é inegável, infelizmente, o progresso do materialismo, que, em novosurto, pretende suplantar a fé em Cristo; mas é incontestável, também, graças aos céus,que o catolicismo não se deixa vencer e realiza, constantemente, novas conquistas ealcança novas vitórias.

    Vários fatos demonstram que a Igreja não se acha agonizante; muito ao contrario, estáviva e mais forte do que nunca. Podemos citar, em abono de nossa afirmação,acontecimentos hodiernos: o prestígio crescente da santa Sé; as universidades e osinstitutos católicos de cultura superior; as obras de beneficência e de organização dasclasses proletárias; os congressos católicos e as assembléias eucarísticas internacionais.

    Uma religião que atua de modo multiforme, na alta política internacional, no meio das

    classes mais cultas, no seio das camadas populares, em demonstrações imponentíssimas,nas metrópoles mais ricas e civilizadas... uma religião assim não está morta, comofingem crer seus inimigos.

    Houve quem lhe negasse, primeiro, a divindade; mais tarde, negaram-lhe a humanidade; por último, pretensos críticos tentaram negar-lhe até mesmo a existência histórica.

    E por quê?

    Porque Jesus se insurgiu contra todas as obras do poder das trevas, contra todas asiniciativas do gênio o mal. Aos prazeres da carne, ao sensualismo brutal, em que sechafurdava a humanidade, Jesus veio opor as renuncias sublimes da castidade.

    A sede do ouro, à ambição da riqueza, que atiça a luta entre os homens, o Mestre deucomo remédio a pobreza voluntária, o desapego dos bens temporais.

    Ao orgulho humano, ao amor da própria excelência, que causa tantas desgraças eengendra tantos males, o senhor opôs a obediência e a humildade – a mais completarenuncia do próprio eu.

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    Aqui está o segredo de uma religião, sempre combatida, mas nunca vencida.

    ***

    Para fazer frente a infiltração do neo-paganismo contemporâneo e combater os errosmodernos, a Igreja emprega a Ação Católica, que ora se nos apresenta como uma

    verdadeira renascença cristã. Desse modo, o catolicismo emprega contra seus inimigosas mesmas armas de que estes se servem.

    E Jesus, do alto da glória eterna, continua a atrair tudo para Si...

    Cumpre-se a profecia.

    ***

     Nesta hora de desesperos e de intranqüilidades, devemos confiar em Deus, e manteracesa a virtude cristã da esperança.

    O temporal, que ruge, e a ventania, que sopra, não conseguirão submergir o rochedoindestrutível, a pedra angular sobre a qual Jesus fundou a Sua Igreja e as portas doinferno não prevalecerão contra ela.

    De quando em vez, surgem incidentes, que retardam um pouco a marcha da religiãocristã; os homens procuram entravar a marcha gloriosa das conquistas divinas eembaraçar os progressos contínuos do Evangelho. Mas os homens passam e a Igreja

     permanece. As perseguições depuram os elementos católicos e confirmam os eleitos nafé, do mesmo modo que o fogo purifica e depura o ouro, extinguindo-lhe as escórias.

    São esses os efeitos das perseguições religiosas; é esse o papel dos algozes doscatólicos.

    Só temem os homens de pouca fé.

    ***

    As palavras de Jesus são palavras de espírito e vida, Ele assim o afirmou. Assim é.

    Em nossas tribulações, em nossas angústias, abramos os Evangelhos, percorramos, comverdadeira fé, as páginas sagradas e inspiradas pelo Espírito Santo, lá encontraremos aluz, que iluminará a nossa débil inteligência, o amor, que abrasara o nosso tíbio coração,e a força, que moverá a nossa fraca vontade.

    Meditemos, com particular afeto e carinho, os passos da Sagrada Paixão e Morte doRedentor do Mundo e, com a máxima reverência, tentemos penetrar o sentido das SetePalavras, proferidas durante as três horas de Agonia, no desamparo tremendo doCalvário.

    ***

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    Aos católicos brasileiros oferecemos estas páginas de breves comentários sobre ossofrimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador do mundo e de Maria Santíssima,Co-Redentora da humanidade.

    1ª PALAVRA

     Pater, dimitte illis, non enim sciunt quid faciunt.

     Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem.(Luc. XXIII, 34)

    Faz dezenove séculos que, no cimo de um montículo da Judéia, expirava um condenadoà morte, e morte de cruz... Faz dezenove séculos que, no alto do Calvário, nasvizinhanças da cidade santa de Jerusalém, entre tormentos indizíveis, entregava suaalma a Deus Jesus de Nazaré, o Messias prometido ao povo de Israel.

    Suspenso do infamante madeiro da Cruz, supliciado entre dois reconhecidosmalfeitores, que a justiça mandara a morte, expirou Jesus Cristo, o Filho Unigênito deDeus. No decurso dos séculos posteriores a esses acontecimentos lutuosos e terríveis, ahumanidade tem experimentado toda espécie de transformações e o mundo tem sofridotoda sorte de abalos. Impérios sucederam a impérios; nações tomaram lugar de outrasnações; ergueram-se poderosos condutores de povos, que jogaram, nos campos de

     batalha, a sorte de milhões e milhões de homens.

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    A própria face de nosso planeta não escapou às transformações oriundas, parte da açãodo tempo, parte da obra do próprio homem. O quadro político do universo não oferecemenores alterações. Várias vezes as raças se confundiram e, no rolar incessante dosséculos, pereceram algumas nacionalidades, perdeu-se a memória de alguns povos.

    Dos super-homens, que a humanidade tem produzido mui poucos conseguiram escapar

    à ação destruidora do tempo, supremo nivelador das grandezas terrenas. Em meio dessequadro de renovação constante da nossa espécie, a figura de Jesus Cristo aparecerevestida de uma auréola imarcescível, que os tempos apenas tornam mais fulgurante emais bela. Quando se perde a memória dos grandes homens de todos os povos e apenasraros conseguem transmitir o próprio nome às gerações modernas, Jesus Cristo, apósdezenove séculos de Sua morte de Cruz, Se mostra em pleno fastígio de Seu poder erecebe as adorações mais fervorosas e mais sinceras de todos os povos...

     Não será preciso procurar maiores provas e mais poderosos argumentos em favor dadivindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    A piedade, que consagramos aos nossos semelhantes, nos faz guardar em nossa alma, as

    últimas palavras pelos entes queridos, que se partem desta vida terrena... Isso é tãonatural e tão espontâneo que, às vezes, até parece que o homem sente um pouco dealívio e de conforto, em transmitindo a outrem as palavras e narrando as circunstânciasda morte de alguém que era objeto de seu mais terno afeto. É a necessidade quesentimos de confiar aos nossos semelhantes os sentimentos que dominam em nossoíntimo, desabafando o que nos vai à alma.

    A essa lei geral da nossa vida e da nossa natureza não podia escapar o dramasanguinolento do Gólgota, em que Jesus Cristo deu a vida a troco do resgate espiritualda humanidade.

    O Evangelho, por nossa felicidade, guardou as principais circunstâncias dessa morte e

    registrou as derradeiras palavras do Divino Mestre. A cultura cristã, no decurso dostempos, tem estudado e meditado, profundamente, o sentido e os ensinamentos doquanto Jesus proferiu do alto da Cruz.

    As palavras de Nosso Senhor são espírito e vida e encerram preciosas lições morais edoutrinais (Joan. VI, 64) São verdades, que iluminam nossa inteligência; são normas deconduta, que nos orientam na vida prática. Conta-nos que Manlio, quando era levado ao

     patíbulo, o passar próximo do Capitólio, exclamou para os romanos:

    "Eis aqui o lugar de onde expulsei o exército gaulês, expondo-me ao perigo de perder avida para defender a minha pátria: eu, sozinho, defendi a todos e agora não há um sóque tome a minha defesa!"

    E essas palavras despertaram a gratidão dos romanos e Manlio foi restituído à liberdade.

    Assim falou um pagão.Mui diferente foi à linguagem de Cristo. Foi à palavra de um Deus.

    Insultado pela multidão; seviciado pelos soldados e executores da sentença; traído pelosSeus amigos e companheiros; renegado pelos Seus compatriotas, Jesus calava-Se e

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    envolvia em um olhar de compaixão aqueles mesmos que O vilipendiavam naderradeira hora...

    Temendo talvez que os céus não pudessem mais suportar a impunidade de um deicidio,o Redentor apressa-Se a implorar o perdão de Seus algozes e dos Seus inimigos.

    "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Foram essas as primeiras palavras,que Jesus proferiu na Cruz, suplicando misericórdia para aqueles que O tratavam comtamanha crueldade.

    Dirigiu-Se ao Pai, ao Seu Eterno Pai, cuja vontade viera cumprir, a risca, aqui na terra.Pediu perdão para os juízes, que O condenaram injustamente; para os esbirros, que Oimolavam; para os blasfemos, que escarneciam de Seus tormentos... E o pensamento deJesus ia muito mais longe...

    "É que nem todos os deicidas estavam no Calvário... a Paixão de Jesus Cristo nãoterminou com o Seu último suspiro. Vemo-la perpetuar-se a nossos olhos, com as suasdiferentes cenas de hipócritas traições, odiosas mentiras, revoltantes perfídias, ódios

    infernais, crueldades selvagens!..." (Weber - De Gethsemane ao Golgotha. pág. 165)

    Em breves palavras Jesus encerrou três atos e três lições:

    a) Perdoa aos Seus inimigos; b) Pede perdão para eles;c) Desculpa e escusa, de algum modo, o procedimento dos Seus algozes.

     Na derradeira hora de Sua existência mortal, Jesus não podia deixar de ser coerenteconsigo mesmo e de praticar aquilo que Ele próprio havia ensinado e imposto aos Seusdiscípulos. Entre as novidades contidas nos ensinos do Divino Mestre existia uma queera motivo de escândalo para os espíritos fracos daquela época: o perdão dos inimigos.

    Efetivamente, nada há mais contrário à natureza humana, nada há mais oposto aosnossos sentimentos do que suportar, sem protesto, uma injustiça manifesta, perdoar umaofensa gratuita. Por causa das injustiças, que se praticam em público e em particular,entre indivíduos e entre sociedades, no recesso das famílias ou nas sentenças dostribunais, é que se executam horríveis vinganças, se ateiam guerras exterminadoras e

     povos inteiros são entregues à ruína e á desolação.

    "Dente por dente; olho por olho". (Ex. CXXI. V.24)

    Foi essa a lei universal e a praxe usual da humanidade. Jesus Cristo foi quem primeiroSe insurgiu contra esses princípios e impôs aos Seus asseclas outro procedimento eoutra lei. Ensinava ele coisas muito diferentes:

    "Amai-vos uns aos outros"; "Fazei bem aos que vos fazem mal"; "Quando vos feriremnuma face oferecei a outra"; "Amai..."; "Fazei o bem"; "Orai pelos vossos

     perseguidores...", "para que sejais verdadeiros filhos do Vosso Pai Celeste". (Rom.C.XII, V.10; Math. C.V, V.44; Luc. C. VI, V.29; Math. C. VI. V.12 e Math. C.V.V.45)

    Quem tais ensinamentos havia dado, era natural, em tempo oportuno, soubesse perdoar

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    aos Seus inimigos e algozes. Mas Jesus foi muito além... depois de haver perdoado, pediu ao Pai que perdoasse também e, não satisfeito, ergueu a voz e tomou a palavra para defender e escusar a ingratidão humana.

    Observa Santo Agostinho que jamais houve um advogado tão engenhoso para livrar umréu da morte temporal, como Jesus, na prece ao Pai, para arrancar os pecadores á morte

    eterna. Em duas palavras, fez sobressair, simultaneamente, a dignidade do Supliciado -o Filho de Deus -; a bondade d'Aquele a quem Se dirigia a Sua prece - Um Deus que éPai -; o muito do Seu pedido - um pedido que Lhe sai dos lábios, ao mesmo tempo emque o sangue jorra de todas as Suas veias -; a desculpa daqueles que Ele defende - aignorância, a cegueira e a loucura.

    O mundo contemporâneo abisma-se em uma série interminável de competiçõestremendas, de ódios inextinguíveis, de rivalidades perenes...

    Os indivíduos se espreitam mutuamente, desconfiados; as famílias nutrem divergênciasconstantes; as classes sociais se entreolham como rivais; as nações buscam oaniquilamento uma das outras... Para tanta desordem, para tantos males, que ameaçam

    os povos, só existe o remédio de Jesus: o perdão das ofensas e a fraternidade entrehomens, segundo os preceitos evangélicos. E só. E para mais fácil reconciliação dagrande família humana, para que a paz reine entre os povos, comecem os católicos a pôrem prática o primeiro artigo do testamento de Jesus e, na hora extrema, experimentarãoos efeitos salvíficos da palavra do Redentor: "Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o quefazem!"

    2ª PALAVRA

     Hodie mecum eris in paradiso.

     Hoje estarás comigo no Paraíso

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    (Lucas, XXIII, 43)

    A súplica, que Jesus acabava de dirigir ao Pai Eterno, implorando o perdão de Seusinimigos, não podia deixar de ser atendida, Deus não havia de ficar surdo ao apelo deSeu Filho, que morria em cumprimento da vontade soberana.

    Dois ladrões foram crucificados com Jesus e um deles, tocado pela graça, implorou amisericórdia divina e sua prece foi acolhida favoravelmente.

    Escutemos a narrativa evangélica, segundo São Lucas:

    "E um daqueles ladrões, que estavam pendurados, blasfemava-o, dizendo: Se tu és oCristo, salva-te a ti e a nós também. Mas o outro, respondendo, o repreendia, dizendo:

     Não temes a Deus, nem tu, que estás sob o mesmo suplício? E nós na verdade o estamoscom justiça, porque recebemos o que mereceram as nossas obras; mas este nenhum malfez. E dizia a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares em Vosso Reino. EJesus lhe respondeu: Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no paraíso."(Lucas XXIII)

    Estas breves palavras, estas poucas frases bastaram à misericórdia divina paratransformar um pecador em um justo, um criminoso em um bem-aventurado.

    Diz o grande doutor da Igreja, São Bernardo, que nada há mais soberbo do que este passo do Evangelho. O Bom Ladrão implora o socorro de um crucificado prestes aexpirar e está seguro de obtê-lo.

    Para vergonha dos Apóstolos, que O abandonaram, dos Sacerdotes, que O condenaram,do povo, que O insulta, depois de ter sido testemunha de Seus milagres, enquanto todos

     blasfemam, ele só, o ladrão da direita, publica a inocência e a glória de Jesus; enquantoque todos O acusam e O desprezam, só o Bom Ladrão O defende e adora.

    Esse episódio, verdadeiramente estonteante, pela rapidez com que as coisas se passaram, é um dos mais consoladores e reconfortantes de quantos se desenrolaram noCalvário!...

    Procuremos sondar, um pouco ao menos, o que se passou na alma do Bom Ladrão.

    Esse homem, entregue pela sociedade à justiça e por esta mandado ao suplício da cruz,em poucos momentos consegue alcançar o perdão de suas culpas, satisfazer à justiçadivina e elevar-se às cumeadas da santidade.

    Três atos praticou o Bom Ladrão, pelos quais conseguiu a reconciliação divina.

    Em primeiro lugar, ele confessa as suas culpas, reconhece seus crimes passados, e nãose peja de reconhecer e proclamar os próprios pecados. E o faz com humildade profundae arrependimento sincero, pois declara que recebe o que mereceram suas obras e está

     pronto a dar a própria vida para expiar os seus erros.

     Não pode haver arrependimento mais sincero e humildade mais profunda do queencontramos nesse ladrão penitente.

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     Em segundo lugar, tem ele a coragem de defender a inocência de Jesus e proclamar-Lhea santidade, quando todas as vozes se erguem contra o profeta de Nazaré.

    Vai muito além...

    Torna-se apóstolo de Jesus e apresenta características de verdadeiro zelo pela glória deDeus. E que zelo... zelo caritativo, que tenta arrancar seu companheiro ao erro; - zelocorajoso, que não receia falar abertamente em defesa de Jesus, quando todos Oescarnecem e afrontam; - zelo esclarecido, que apresenta como fonte e origem de todosos pecados a falta de temor de Deus: "Também tu não temes a Deus? - zelo insistente,que argumenta contra o companheiro e retruca as blasfêmias... "nós sofremos

     justamente, mas este"...

    Com muita razão Santo Agostinho podia dizer que o Bom Ladrão apresentou o exemplode uma fé viva e tão profunda, que outra a ele semelhante não se tinha encontrado aindaem Israel. É certo que Abraão, Isaac, Jacó, Moisés, Isaías e todos os patriarcas e

     profetas tinham acreditado em Deus, mas é também certo que todos eles haviam visto e

    admirado as manifestações divinas...

    A todos, na fé, excedeu o Bom Ladrão, porque proclamou a realeza e a divindade deJesus, quando Ele estava despido, pregado em uma cruz, oprimido de toda sorte dedores, insultado pelos principais da sinagoga, blasfemado pela populaça, prestes a exalaro último suspiro, em circunstâncias bem pouco dignas da realeza e da divindade.

    "Oh! conversão estranha, diz São João Crisóstomo. Vê um crucificado... e confessa umRei de glória!"

    Eis o motivo pelo qual São Leão, referindo-se ao Ladrão, da direita dizia: Este homem,que morre na cruz, é o primeiro profeta, o primeiro evangelista, o primeiro mártir, o

     primeiro confessor de Jesus Cristo. E foi tão grande a sua fé, que mereceu estaadmirável promessa: Em verdade te digo que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso".

    A resposta de Jesus ao ladrão arrependido não podia ser mais pronta nem maisgenerosa. Foi à resposta da misericórdia infinita de Deus.

    "Oh! mistério das eleições divinas! Oh! profundeza das potências da nossa vontade! Osdois ouviram a santa e abençoada palavra. Um se cala, opresso, aturdido por aquelegolpe de misericórdia; o outro, entregue todo à sua dor, ao seu violento desejo de viver,à raiva de ter sido crucificado mais cedo por causa daqueles Jesus, e do outro, apanhadono ar todas as blasfêmias que vêem lá de debaixo, pega de uma e exclama: - Se ésverdadeiramente o Cristo, principia por te salvares a ti e a nós depois..." (Perroy -  La

     Montée du Calvaire - Pag. 286)

    Bem diversos eram os sentimentos que se aninhavam no peito do Bom Ladrão.Compenetrado da própria miséria, conhecedor das suas culpas, não se animava a pedirgrandes coisas... contentava-se em pensar que lhe seria suficiente Jesus lembrar-se dele,depois que chegasse ao Seu Reino. Uma lembrança, uma recordação de Cristo, era o

     prêmio único a que aspirava aquela alma já resgatada pelo sangue da vítima do Gólgota.

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    É verdadeiramente espantoso que dois homens, em igualdade de circunstâncias,testemunhas dos mesmos fatos, tenham tido tão diverso destino. Um, ao vomitar aúltima blasfêmia, entregou seu espírito ao inimigo, para se torturado eternamente...Outro, em derradeira prece, na extrema agonia, deu sua alma a Deus e entrou na posseda bem-aventurança. A obra de nossa salvação e a santificação de nossa alma devemo-laoperar, agindo em correspondência com a graça divina.

    Deus, que nos criou sem nós, não nos quer salvar sem nosso concurso. São altos eimpenetráveis os juízos de Deus. O Eterno confere a todos os homens um auxílio e umaassistência especial, em ordem aos negócios da salvação eterna. Esse auxílio e essaassistência são a graça santificante. É um dom gratuito e sobrenatural, que Deus nosconcede, em virtude dos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que

     possamos alcançar a salvação eterna de nossa alma.

    É dom gratuito, quer dizer, uma dádiva espontânea de Deus, sem que tenhamos a elenenhum direito. É sobrenatural e, nisso, se distingue dos dons e das mercês querecebemos de Deus, na ordem temporal. É ainda uma resultante e conseqüência dosmerecimentos infinitos de Jesus Cristo, que padeceu e morreu para nos alcançar o Céu.

    Por último, diz respeito à salvação da alma e não às coisas da vida terrena.

    Esses são os caracteres principais e as notas distintivas da graça divina, que nos éconcedida sempre, durante o tempo que passamos neste mundo, em marcha para aeternidade. O homem é livre em aceitar ou repelir os impulsos e as sugestões da graça.

     Nessa terrível liberdade está a nossa felicidade e a nossa desgraça... Se o homemcorresponde à graça divina, salva a própria alma e abre a si próprio as portas do Céu; seresiste, cava com suas próprias mãos o abismo insondável, em que se vai perdereternamente.

    Aqui está a explicação da diversidade do destino dos dois companheiros de Jesus, noCalvário. Um entregou-se, por completo, à ação da graça divina e deixou-se guiar pelas

    mãos da Providência; terminou santificando-se. É um justo do Novo Testamento. Ooutro, desgraçadamente, não quis seguir os influxos celestiais da graça; resistiu aosimpulsos da consciência e concentrou todas as suas esperanças nos poucos dias destavida miserável e limitada; perdeu-se para o mundo e, o que é pior, para a eternidade. Éum réprobo nos infernos.

    Duas, apenas, são as entradas do paraíso abertas aos mortais: inocência e penitência.

    O céu está sempre franqueado às almas puras e inocentes, que conservaram intacta aveste da graça batismal. Quem pecou, quem ofendeu a Deus, depois do batismo, só

     poderá conseguir o perdão e reconquistar a perdida amizade do Senhor por meio da penitência, por meio do sacrifício e da expiação...

    De penitência, sacrifício e expiação o Bom Ladrão, o da direita, é perdido modelo. Deobstinação e de impenitência a mau ladrão, o da esquerda, é tremendo exemplo que nosadverte quão terrível é resistir à graça. Não permitamos que o nosso coração fique surdoe endurecido, quando a voz de Deus se nos fizer ouvir.

     Nolite obdurare corda vestra (Psalm. 94)

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    "Oh! meu Deus! sempre é certo que o homem é senhor do seu próprio coração! Se o nãoquer abrir, quando de algum modo lhe bateis à porta, sejam quais forem as vossasinstâncias e por mais abundantes que sejam as lágrimas que sobre ele derramais, se onão quer abrir, é preciso - ah! - é preciso então retirar-Vos e abandoná-lo à sua funestasorte... Mas apenas, por meio da Fé e do arrependimento, nos é permitido à entradanesse coração, fazeis-lhe ouvir estas palavras de infinita doçura: 'Tu estarás comigo no

    Paraíso'". (Weber - De Gethesemane ao Golgotha - Págs 169 e 170).

    3ª PALAVRA

     Dixit Matri suae: Mulier, ecce filius tuus.

     Deinde dixit discipulo: Ecce Mater tua.

     Disse Jesus à Sua Mãe: Mulher, eis aí o Vosso filho.

     Depois disse ao Discípulo: Eis aí a vossa Mãe

    (Joan. XIX 27,27)

    Pouco a pouco, a vaga ululante e revolta dos inimigos de Jesus permitiu que Maria

    Santíssima e as piedosas mulheres, que A acompanhavam com João, o discípulo amado,se aproximassem da Cruz do Redentor, que ia morrer.

    O divino Crucificado fixa em Sua Mãe um olhar de infinita ternura e, designando com avista o discípulo predileto, profere estas palavras:

    "Mulher, eis aí o Vosso filho".

    Em seguida, volvendo os olhos para Maria, disse a João:

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     "Filho, eis aí a vossa Mãe".

    Sobre esse momento culminante do sacrifício do Homem-Deus, Bossuet escreveu estasreflexões, tão tocantes e tão cheias de ensinamentos profundos:

    "A Mãe das dores estava de pé junto à Cruz; via o sangue de Seu Filho transbordar deSuas veias rasgadas e de todas as partes de Seu corpo. Quem poderá descrever a emoçãodo sangue maternal? Certamente Ela nunca compreendeu tão bem que era mãe! Todosos sofrimentos de Seu Filho, dilacerando-A também, faziam-Lhe conhecer isso do modomais nítido. O Filho de Deus, que tinha resolvido dar-no-lA por mãe, a fim de ser nossoirmão sob todos os pontos de vista, escolheu este momento para Lhe dizer, do alto daCruz, e apontando para São João: - Mulher, eis aí o Vosso Filho".

     Nenhum heroísmo, nenhuma fortaleza de ânimo, nenhum rasgo de coragem se poderácomparar a atitude sublime de Maria ao pé da Cruz.

    A mãe de Moisés, forçada pelo império das circunstâncias, a abandonar seu filho à

    discreção das águas, não teve coragem para assistir até o fim e ver o triste destino dofruto de suas entranhas... Agár, no deserto, vendo seu filho torturado, pela sede ardentee não podendo dissedentá-lo, afastou-se, porque não tinha coragem para assistir-lhe amorte...

    Maria Santíssima, que conhecia claramente as profecias sobre a morte de Jesus, nãofoge a arena do sacrifício e vai ao encontro da Vítima celeste, sem temores nemvacilações de qualquer espécie.

    As palavras de Jesus Cristo são palavras de um Deus, são palavras augustas, queencerram a verdade eterna. Meditemos um pouco e tentemos penetrar o sentido e sondaros efeitos da terceira palavra do Senhor, durante a Sua agonia.

    Três efeitos principais podemos verificar nessa palavra.

     Naquele momento o discípulo amado representava a multidão dos filhos de Deus, dequantos, no correr dos tempos, haviam de abraçar a fé e a lei de Jesus Cristo. O DivinoMestre, antes de expirar, quis que Seus filhos, na ordem da graça, não ficassem órfãos,

     por isso fez de Maria Santíssima a mãe adotiva do gênero humano. E por esse modo,Jesus tornou-se nosso irmão, e, mais tarde, depois da Ressurreição, podia chamar deirmãos aos Seus discípulos (Math. XXVIII,10).

    Outro efeito produzido pelas palavras do Senhor foi Maria Santíssima receber umcoração de Mãe para conosco. É certo e é de fé que Deus, quando escolhe uma pessoa

     para exercer um cargo ou desempenhar um ofício, lhe concede graças e lhe dispensa osauxílios necessários e eficazes para cabal desempenho da missão. Assim é que Deusconcedeu a Moisés as qualidades necessárias para libertar os Israelitas, conduzi-los eguiá-los através do deserto. Mais tarde, os Apóstolos receberam poderes e graçasespeciais, a fim de mudarem a face do mundo pagão e converterem os homens ao reinode Deus.

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    Igualmente, Maria Santíssima, sendo escolhida para Mãe de todos os cristãos, deviareceber um coração materno para com os novos filhos adotivos.

    As obras divinas não são incompletas nem imperfeitas. Ao amor maternal de Maria paracom todos os homens, devia corresponder a piedade filial da humanidade para com essaMãe tão pura e tão boa.

    Da terceira palavra da agonia do Divino Mestre resultou a universalidade do culto daVirgem Maria, em todas as épocas e em todos os séculos da história da Igreja.

    Maria Santíssima é chamada, e com razão, Cor redentora da humanidade.

    Efetivamente. Encontramos clara e patente a participação da Virgem Maria na preparação, na realização e na aplicação da grande obra da Redenção do gênerohumano.

    Diz São Bernardo que a Mãe de Deus constitui a preocupação incessante dos séculos.

     Nos livros do Antigo Testamento encontramos tantas coisas, que simbolizam a VirgemMaria, e há tantas personalidades, que A prefiguram, que sentimos justificada asupramencionada afirmação de São Bernardo.

     Na realização do plano divino, insigne foi à cooperação dessa mulher bendita e privilegiada. Viveu estreitamente ligada às supremas humilhações, aos penosostrabalhos e aos cruéis sofrimentos do Salvador do mundo. Tomou parte da penúria e noabandono do estábulo de Belém; suportou o exílio e a pobreza do Egito; viveu nahumildade e no silêncio de Nazaré; palmilhou os caminhos poeirentos da Palestina,durante as viagens e excursões evangélicas; e, no Calvário, qual estátua viva de dor,assistiu a Paixão e Morte de Seu Divino Filho.

    E depois de tudo isso, ainda hoje, Maria Santíssima coopera na aplicação dos frutos daRedenção, intercedendo em nosso favor, junto ao trono de Deus.

    Ante as Dores de Maria, ante o sofrimento da Mãe inconsolável ocorre à nossa menteinterrogar a razão desse horrível martírio. Deus, tão bom e tão misericordioso, permitiuque sofresse Maria, imaculada e santa!

    Procuremos penetrar um pouco nos misteriosos intuitos da Providência e descobriremosrazões suficientes dos sofrimentos e das dores de Maria. Três motivos, três razões

     podemos encontrar como explicação dos sofrimentos da Virgem Santíssima: a glória deDeus; a glória de Maria; a felicidade dos pecadores.

    A Mãe de Deus, ao pé da Cruz, representava o mundo inteiro em adoração. Quando ahumanidade sacrificava o Filho de Deus, quando se perpetrava na terra o maior crime: odeicídio - era necessário que alguma criatura se interpusesse entre os crimes dos homense a misericórdia divina.

    Ao tempo em que Jesus oferecia ao Eterno Pai o Seu tremendo sacrifício, do coraçãotranspassado de Maria brotaram chamas de amor, de caridade e de deprecações, quesubiam até o trono do Altíssimo, repetindo a súplica de Jesus: "Pai, perdoai-lhe, porque

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    não sabem o que fazem". Foi esse modo que Maria Santíssima deu glória a Deus noCalvário, testemunhando a morte de Jesus.

    A Virgem Maria sofreu tantos tormentos para aumento de Sua própria glória.Participando dos padecimentos de Jesus e associando-se à Paixão e Morte de Seu Filho,Maria adquiriu méritos quase infinitos, a ponto de merecer, com justeza, ser chamada

    Rainha dos anjos, dos santos e dos homens, porque a todos juntos excedeu em méritos evirtudes.

    Por último, os padecimentos de Maria Santíssima eram necessários para o nosso bem.Aquele que devia ser chamada a missão de consoladora dos aflitos e refúgio dos

     pecadores, devia conhecer as angústias e experimentar, em Seu coração, as dores maiscruciantes do mundo. Ela conheceu e experimentou em Si mesma tudo quanto podedesolar e martirizar o coração humano; por isso mesmo é tão terna e tão sensível aosnossos rogos e as nossas deprecações.

     Naquela hora angustiosa e extrema, Jesus quis chamar Mulher à Maria Santíssima, nãoLhe concedendo o doce nome de Mãe. Essa circunstância merece especial reparo e aqui

    reproduzimos as diversas explicações, que os comentadores do Evangelho apresentam.

    Em primeiro lugar, observaremos que chamar a própria mãe de mulher, nada encerravade desprestígio; muito ao contrário, mulher, entre os povos do Oriente, é um títulosolene e respeitoso.

    Jesus mesmo já havia empregado esse tratamento, por ocasião do milagre operado nas bodas de Caná, na Galiléia. (Joan. II, 4)

    Jesus Cristo dizem piedosos autores, evitou dar a Maria o doce nome de mãe para nãoLhe dilacerar mais ainda o delicado coração, proferindo palavra tão suave e tão terna.

    Ainda outro motivo podemos descobrir no procedimento de Jesus Cristo para com a SuaMãe Santíssima, naquela hora suprema. Os judeus exprobraram a Jesus o ter tomado otítulo de Filho de Deus e por essa razão O condenaram à morte (Joan. XIX, sete). Nãoconvinha, pois, naquela hora, Jesus recordar Sua geração temporal, quer porque estemistério adorável não seria compreendido, quer para não expor Sua augusta Mãe aosinsultos da plebe ignara e dos soldados embrutecidos.

    Finalmente, Jesus deu a Virgem Santíssima o nome de Mulher para significar que eraEle a verdadeira, mulher forte, de que falam as Sagradas Escrituras e cujo elogio foiescrito sob a inspiração do Espírito Santo. (Prov. XXXI, 10)

    Por força do terceiro artigo do testamento do Filho de Deus, em virtude de terceira palavra pronunciada por Jesus, durante Sua agonia, todos aqueles que são tocados pelagraça da Redenção, compreendem que para pertencer inteira e verdadeiramente aoCrucificado devem também ser filhos da Mãe Dolorosa.

    Eis a razão pela qual os católicos, tão confiadamente, recitam esta prece:

    "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém".

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    IV PALAVRA

     Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquiste me?

     Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?

    (Math. X XII, 45)

    A narrativa da Paixão e Morte do Salvador conta que, no dia da tragédia do Gólgota,houve trevas da hora sexta (cerca do meio dia) até a hora nona (três da tarde), quandoJesus expirou.

    "Parece que a própria natureza quis esconder o horror daquela vista. O céu, que estiveralímpido durante toda a manhã, escureceu inopidamente. Uma caligem densa, como se

    viesse dos pântanos do inferno, ergueu-se por detrás das colinas, e, pouco a pouco, seespalhou pelos ângulos do horizonte. Um bando de nuvens negras achegou-se ao sol,aquele claro e doce sol de abril, que aquecerá as mãos dos homicidas, cercou-o,assediou-o, e, finalmente, o cobriu com uma fita espessa de treva. E, desde a hora nona,houve trevas em todo o país". (Giovani Papini - História de Cristo - págs. 519 e 520)

    Essas trevas, de que falam os Evangelhos e até mesmo os escritores profanos, sãoverdadeiramente maravilhosas e inexplicáveis. (Nota de rodapé: Phlegou e Talles, emseus escritos, fazem referência a esse acontecimento extraordinário)

     Não encontramos uma causa que explique, naturalmente, o aparecimento dessas trevas.Era o tempo da Páscoa dos Hebreus, 15 do Nizan (7 de abriu); a Páscoa dos Hebreuscoincidia com a lua cheia, período em que é, cientificamente, inexplicável em eclipsetotal, uma vez que a lua está em oposição ao sol. Não menos extraordinária foi auniversalidade dessas trevas, que cobriram toda a terra, de um a outro hemisfério, poisera o próprio sol que perdia sua luminosidade, parecendo uma lâmpada que, lentamente,se extingue e se apaga. Havia apenas uma claridade mortiça, que permitia somentedistinguir os objetos e as pessoas. Não menos extraordinárias e maravilhosas são essastrevas em sua duração. Com efeito, essa estranha obscuridade persistiu, exatamente, do

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    meio dia às três horas da tarde, durante o tempo em que Jesus agonizou na Cruz, justamente a parte do dia em que o sol ostenta maior luminosidade.

    Os judeus, cujo espírito se achava obscurecido pelo pecado e pelos pensamentosterrenos, não penetraram o sentido desse acontecimento maravilhoso e permaneceramendurecidos e obstinados. (Monteiro - Reflexões Evangélicas- pág. 555)

    Treva é símbolo do luto, da dor e da tristeza, na ordem temporal: na ordem moral,representa o erro e o pecado, que ensombram o espírito e perturbam a consciência... Emtrevas morais andava o mundo, antes que Jesus consumasse a obra da redenção. Haviamenos de uma semana que Jesus fora recebido em triunfo na cidade santa de Jerusalém;havia menos de 48 horas, em roda do Mestre, tudo eram glórias, homenagens eaclamações... Agora o cenário mudou, embora os atores sejam quase todos os mesmos...Oh! exemplo terrível da inconstância e das mutações humanas! Todos os amigos e

     beneficiados de Jesus O abandonaram; nem mesmo o anjo, que O confortou no jardimdas Oliveiras, aparece nessa hora tétrica, em que dominam os poderes das trevas...

    "De todas as horas dolorosas, a mais cruel é aquela em que o homem vê a solidão fazer-

    se em torno de si. Venha-nos ela repentinamente após uma desgraça, ou , antes nocerque em seguimento à velhice: poucos escapam a esse isolamento dos últimos dias, eas vidas mais felizes naufragam, finalmente, na indiferença dos homens e das coisas.Que contraste entre agitação, a solicitude, as lisonjas do começo e os abandonos dofim!" (Perroy - La Montée du Calvaire - Pág. 309)

    E Jesus experimentou essa espécie de tormento: o abandono. Abandono exterior einterior.

    "Exteriormente, tudo Lhe falta. Da terra não tem senão dores. Até de Seu coração temsenão dores. Até de Seu corpo a proteção divina se retirou. Está estendido em ummadeiro, no leito cruel da Cruz. Do alto da cabeça às plantas dos pés, é uma chaga viva;

    as espáduas e os ombros estão cheios de feridas. Está suspenso da Cruz por chagasvivas, os pregos atravessam Seus pés e Suas mãos e queimam como ferro em brasa;inumeráveis espinhos, como tantas pontas de fogo, atravessam Sua testa e Sua cabeça.Seu corpo não está em posição natural; Seus braços e pernas foram violentamentedistendidos; os membros paralisam-se pouco a pouco; a vida pára no peito oprimido; os

     pulmões, ingurgitados de sangue, respiram com dificuldade; o coração pulsa fracamentee vai extinguindo-se; é uma angústia mortal, sofrimentos supremos. O sangue, que não

     pode mais descer da cabeça pelas veias intumescidas, produz na testa e no pescoçodores lancinantes; a testa arde em febre, as numerosas chagas, expostas ao ar, inflamam-se e causam excessivo sofrimento. O Salvador não é senão dores e sofrimentos; falta-Lhe tudo: a terra e o céu". (Pedreira - A Paixão de Jesus Cristo - Pág. 215)

     Nessa hora de suprema angústia, Jesus volta-Se para o Pai Eterno, oferece-Lhe, em prolda humanidade, os tormentos sem fim, as dores sem conta, as angústias sem nome, osangue que extravasa de Suas chagas... Jesus recorre ao Pai e sente que também este Oabandona. A visão beatífica, que inundava de santo júbilo a alma de Jesus, já não se fazsentir; persevera, é verdade, mas os Seus consoladores efeitos desaparecem... E então

     profere as palavras: "Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?"

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     "Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?"

    Ao divino abandonado do Gólgota, é que devemos invocar nos supremosdesfalecimentos e nas supremas amarguras deste vale de lágrimas. O que Jesusexperimentou naqueles momentos terríveis, em que se viu abandonado do céu e da terra,

    de Deus, Seu Pai, e dos homens, pelos quais morria, inspira-nos uma confiançailimitada de que seremos sempre atendidos todas as vezes que implorarmos socorro.

    "Oh! meu Jesus! lanço-me, com amor e reconhecimento, nos horrores salutares doVosso abandono. Desde hoje compreendo o que é abandonar a Deus e ser de Deusabandonado. Ah! o meu coração está preso às criaturas, fez-se escravo delas e, paraagradar-lhes, abandonou a Deus: - ultraje infinito, que revolta a Sua Majestade e a SuaPaternidade! Mas Vós quisestes reparar divinamente este ultraje, ó meu Jesus, e por nóssofrestes o desprezo e o abandono do Vosso próprio Pai. Ah! eu me abraço à VossaCruz, para nela tornar a encontrar o meu Deus, e pelos abandonos cruéis a que Vosvotaram, peço-Vos Senhor, não permitais que eu torne a abandoná-lO, nem que Ele medesampare jamais a mim" (Weber - de Gethsemane ao Gólgota - Pág. 178)

    Assim seja.

    V- PALAVRA

     Sitio

    Tenho sede

    (Joan. XIX, 28)

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     Entre os tormentos, que afligiam os supliciados de cruz, era a sede um dos maisterríveis. As chagas, expostas ao contato do ar, inflamavam-se, rapidamente,

     provocando uma febre violenta que ocasionava sede intensíssima, intolerável. E Jesusexperimentava em toda a sua crueldade.

    "Esta sede justificava-a de sobejo o horrível trabalho do Seu corpo e do Seu espírito.Tudo devia acender-lha: o sangue derramado em borbotões, as lágrimas correntes, ossuores estranhos de Getsêmani, a noite de vigília, a incrível flagelação e,

     principalmente, aquele desamparo interior de Deus, cuja justiça implacável O abrasavamais ainda do que a febre, que a crucifixão Lhe inflamava nas veias". (Perroy - La

     Montée du Calvaire - Pág. 325)

    A sede, que Lhe queimava as entranhas, era tal que a língua havia aderido ao véu palatino, verificando-se o que profetizara o salmista: Adhaesit lingua mea faucibus meis (Psalm. XXI 15.). Estas palavras, parece, traduzem o máximo do horror da sede, que

     possa suportar uma criatura humana.

    ***

    É verdadeiramente digno de reparo que Jesus, que suportara sem uma palavra de queixae de lamento todos os martírios da Paixão, haja se queixado da sede... Esse particularnão escapou aos comentadores das Escrituras, que o explicam cabalmente. No próprioEvangelho de São João encontramos a razão primária desse lamento do Salvador: "Paraque se consumasse a Escritura, disse: - Tenho sede". Ut consummaretur Scriptura dixit:Sitio. (Joan. XIX, 28).

    Foi para cumprir o que os patriarcas e profetas, videntes da Antiga Aliança, haviam pronunciado, que Jesus, no cimo do Calvário, Se queixou da sede horrível, que Lheabrasava e consumia as entranhas. As palavras de São João, o discípulo amado do

    Mestre, no-lo fazem entender, de modo claro e insofismável.

    Outra razão ainda descobrem os comentadores da narrativa da Paixão e Morte de Jesus.Dizem alguns exegetas que o Divino Salvador assim procedeu para dar lugar a um novotormento, cumprindo-se à risca as palavras do real profeta: "Em minha sede deram-me a

     beber vinagre." (Psalm. XLVIII, 2) A caridade infinita do Redentor não Lhe permitiaescapar a um sequer dos tormentos, que Lhe estavam reservados. Por isso proferiuaquelas palavras, que dariam lugar a um novo sofrimento.

    ***

    "O eterno dessedentador, que tantas vezes matou a sede alheia e que deixa no mundouma fonte de vida que não secará jamais - onde os cansados encontram a força; oscorrompidos, a juventude; e os inquietos, a paz - sofreu sempre de uma insatisfeita sedede amor. Mesmo agora, no ardor dilacerante da febre, a Sua sede não é de água, mas deuma palavra de misericórdia, na medonha opressão de Seu desconsolado abandono".(Giovanni Papini - História de Christo - Pág. 524)

     Naquela hora tremenda, não era somente a sede material que torturava Jesus. Alémdessa, que não era pequena, havia outra, a sede espiritual, o desejo intenso e infinito de

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    salvar todas as almas de todos os homens. O grande doutor da Igreja santo Agostinhocomentando essa passagem do Evangelho, escreveu estas palavras:

    "Oh! meu Deus, que bebida desejava o Vosso sangue derramado e dessecado? Pediríeiságua fresca e límpida das fontes para extinguir o ardor da febre, que abrasava todos osVossos membros? Ah! sem estardes livre desta sede ardente, quão mais elevados eram

    os Vossos desejos! tínheis sede da nossa salvação, da nossa felicidade, do nosso amor;tínheis sede de ver consumada esta laboriosa Redenção, empreendida havia trinta e trêsanos e que tocava o seu termo..." Essa era a sede que mais atormentava o divinoagonizante do Calvário.

    ***

     Naqueles momentos, via Jesus em espírito, a multidão inumerável dos condenados, dosréprobos, daqueles para os quais a Redenção seria inútil. E podia perguntar-se a Simesmo qual seria o proveito de tanto sangue derramado, de tantos tormentossuportados... E bem poderia renovar a interrogação do Profeta-Rei: Quae utilitas in

     sanguine meo? (Psalm. XXIX, 10)

    Aos olhos de Jesus moribundo desfilavam, em sinistra procissão, todos os pecadores domundo, todos os inimigos de Sua Igreja; sofistas, heresiarcas, perseguidores esacrílegos. Espíritos enfatuados, cheios de falsa ciência, que, nos tempos antigos e nosdias contemporâneos, procuram lançar a confusão no mundo das idéias, a fim de quenão resplandeça o sol da verdade, Jesus os viu, do cimo do Calvário.

    Homens cheios de orgulho, aferrados às próprias opiniões, que preferem o erro por própria conta à submissão ao magistério infalível da Igreja. São os hereges, que,dilacerando a túnica do Mestre, promoveram a cisão e o desmembramento no seio dorebanho de Jesus Cristo... Dessas almas também tinha sede o supliciado do Gólgota.

    Césares poderosos e imperadores absolutos, que juraram apagar o nome cristão; todosos potentados da terra, de Augusto, de Roma, aos déspotas do México, da Espanha e daRússia, que fizeram e ainda fazem, em plena civilização do século XX, jorrar emtorrentes o sangue generosos dos confessores da fé - todos esses estiveram presentesdurante a agonia do Senhor... Os sacrilégios, que conspurcam os sacramentos, os

     profanadores, que violam lugares e pessoas sagradas, aumentavam a sede misteriosa deJesus...

    E Ele tinha ante os olhos todos os pecados e todos os desmandos dos indivíduos, em particular, das famílias e da sociedade em geral. O casamento civil, instituído emoposição ao sacramento da Nova Aliança; o divórcio, que vem separar o que Deusmesmo uniu; o amor livre, que é o supremo desbragamento das paixões humanas; osatentados cometidos contra a lei da propagação da nossa espécie; os desmandos e alicenciosidade dos teatros, dos cinemas, das praias de banho, das modas indecorosas,das danças lascivas e toda a orgia das metrópoles antigas e modernas, que tanto e tantoofendem a Deus - tudo isso confrangia o coração amoroso de Jesus, que experimentavador infinita por não poder evitar a perda eterna de tantas almas!... E podia perguntar-se aSi próprio: Qual o proveito de tantos sofrimentos, de tantas dores?

    ***

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     Jesus veio a terra trazer a luz da verdade para iluminar a vida das inteligências, e a

     justiça, para ordenar a vida da sociedade. E, após os dezenove séculos de existência docristianismo, nós nos encontramos ainda tão distanciados dos ideais de perfeiçãoevangélica. Quando olhamos, superficialmente embora, para a vida da humanidade,quando percorremos a história dos séculos passados, somos forçados a reconhecer que,

    infelizmente, estamos muito afastados da verdade, na vida intelectual, e da justiça, navida social!

    O mundo moderno procura a verdade. Parece que a intelectualidade contemporânearepete a célebre interrogação do Pôncio Pilatos, no Pretório: "Que é a verdade?" Quisest veritas? (Joan. XVIII, 38)

    O mundo procura a verdade e não a encontra, porque não a procura com as disposiçõesnecessárias. Procura-a, displicentemente, como a procurava o proconsul romano. Porisso não a encontra nem a merece encontrar. A sociedade contemporânea acha-seempenhada em luta tremendas e cheia de rivalidades profundas, que a ameaçam dedestruição e de morte. A questão social e as competições entre as classes tocam aos

    extremos e o anarquismo desfralda aos quatro ventos a sua bandeira negra, encharcadade sangue. Daí crimes que assombram o mundo, atentados que envergonham acivilização, como a tragédia, recentemente, desenrolada em Marselha. (Alusão aoatentado de que foi vítima o rei Alexandre, da Iugoslávia)

    Falta ao mundo contemporâneo o senso da justiça social, que deve presidir as relaçõesentre servos e senhores, patrões e operários, pobres e ricos - o capital e o trabalho. Deuma parte, vemos o proletarismo, nem sempre justo em suas reivindicações, nemsempre resignado às condições de sua sorte... De outra, as classes abastadas não secompenetram da função social da propriedade privada, para auferir sempre maioreslucros e acumular maiores fortunas, mesmo à custa da vida e do sangue dosdesprotegidos da sorte...

    Extorsões e injustiças concentram ódios, que explodem em revoluções, que semeiam ador, a morte e o luto.

     Nunca a humanidade ostentou maiores conquistas nas ciências, maiores progressos nasartes e nas letras, do que nos tempos presentes. Mas debaixo dessas aparênciasdeslumbradoras, há crises e misérias de toda a sorte. Há crise na filosofia, cujas teoriasse contradizem; há crise na política, onde se revezam ditaduras e revoluções,desacreditando os sistemas do governo; há crise na vida econômica, financeira, que sedemonstra na exigência da superprodução e da falta de trabalho. Tudo isso porque asociedade pretende viver sem Cristo e até mesmo contra Cristo - sem Deus e contraDeus.

    Toda a série infinda dos males sem conta de nossa sociedade torturava a alma de Jesuscrucificado, aumentando-Lhe a sede devoradora, que então experimentava.

    ***

    É mister que as almas cristãs compreendam que foram os seus próprios pecados, quetornaram mais intensa a sede de Jesus e mais dolorosa e mais cruéis os tormentos do

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    Redentor do mundo. É mister que os corações amantes do supremo regenerador dosfilhos do pecado se voltem para a Vítima da justiça divina, procurando saciar a sedeinfinita que Jesus sente de almas...

    ***

    Senhor Jesus, pelo tormento indizível da sede que experimentastes na hora da Vossamorte, dissedentai as nossas almas, dando-nos a beber a água da vida, a água dasalvação, para que não tenhamos mais sede por toda a eternidade. Qui biberit ex aqua,quam ego dabo ei, non sitiet in aeternum. (Joan. IV, 13)

    VI - PALAVRA

    Consummatum est

    Tudo está consumado

    (Joan. XIX, 30)

    Esgotado até as fezes o cálice das amarguras, cumprida à risca a vontade do Pai Eterno,

    realizada todas as profecias, verificados todos os pormenores preditos pelos videntes doAntigo testamento, expiados, superabundantemente, os pecados da humanidade, Jesus

     bem podia proferir as palavras: "Tudo está consumado".

    Consummatum est.

    Em primeiro lugar, estava cumprido tudo quanto os profetas haviam dito acerca da vida,Paixão e morte de Jesus. Esse fato, que constitui motivo de escândalo para os judeus eos ímpios, estava anunciado, em suas circunstâncias principais, nos livros do Antigo

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    testamento e, em particular, no capítulo LIII de Isaías, que pode ser considerado comouma narração das cenas principais do drama do Calvário.

    Assim é que encontramos mencionados nas antigas profecias, os principaisacontecimentos verificados na pessoa do Nosso Senhor Jesus Cristo, tais como sejam: atraição e a restituição do dinheiro; a morte funesta de Judas; a dispersão dos discípulos;

    a queda na torrente de Cedron; as falsas testemunhas, que se contradiziam, nos seusdepoimentos contra Jesus: os escárnios e tratos indignos infligidos à Vítima celeste; acruel flagelação; a repartição das vestes e a sorte lançada sobre a túnica; o fel e vinagreque Lhe deram a beber; a morte violenta; a lançada do lado; e, finalmente, a glória dosepulcro do Senhor.

    Tudo isso se havia cumprido e realizado.

    As figuras principais do Antigo Testamento também se realizaram.

    Abel morto pelo seu irmão; Isaac, carregando a lenha para o sacrifício; Davi, quederrubou o gigante Golias; o Cordeiro Pascal, das festas dos hebreus e outras muitas

    figuras do Antigo Testamento tornaram-se realidade na pessoa de Jesus Cristo.Estavam consumidos todos os tormentos do corpo e da alma, que a malícia do inferno,servida pela crueldade dos homens, podia descarregar sobre a Vítima, que se ia imolar

     pelos pecados do gênero humano. Finalmente, a obra da misericórdia divina chegara aotermo, pois a caridade infinita nada mais tinha que dar. Estava concluída a redenção dogênero humano e resgatada a nossa espécie, que jazia submissa ao império do demônio.

    Consummatum est.

    ***

    Lançando um olhar retrospectivo para os tempos primeiros da humanidade,

    encontramos os nossos protoparentes, felizes e descuidosos, no Éden, jardim de delícias, plantado pelo próprio Deus. O pecado de Adão e Eva destruiu essa felicidade e veiotranstornar o plano divino da criação. Mas Deus, infinitamente justo e infinitamentemisericordioso, não quis lançar à ruína e ao extermínio a obra prima de Suas mãos - ohomem. Daí a promessa de um salvador, de um restaurador, que deveria, um dia,resgatar a humanidade.

    A lembrança do pecado original e a promessa de um salvador ficaram de tal modoimpressa na mente da humanidade que encontramos seus vestígios na história dos povosantigos e até mesmo dos povos modernos, que não receberam a luz da verdadeevangélica.

    ***

    O mundo antigo esperava um salvador.

    Entre os romanos, os judeus, os persas, os gregos, os bárbaros e os selvagensencontramos a prática de cerimônias destinadas à purificação da infância, pois o homem

     julgava impuros e contaminados todos os recém-nascidos. Através de mitos e de lendas,aparecia a idéia da culpa original.

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     O povo de Israel, povo eleito de Deus, conservou, melhor que nenhum outro, arevelação feita, no Éden, aos nossos primeiros pais e transmitida de geração em geração,

     por intermédio dos patriarcas e profetas, que recebiam as comunicações celestes.

    Os principais povos da antiguidade guardavam as promessas feitas a Adão e Eva, por

    ocasião da queda e do pecado. Na Índia, na China, na Pérsia e no Egito, encontramosmuito clara a esperança do Messias, que fora prometido a Israel. Esperavam esses povoscivilizados e cultos a vinda de um salvador, que devia liberar a terra do poder do mal efundar o reino da justiça.

     Na Grécia e em Roma, através dos erros e das superstições populares, persistia aesperança de um salvador, de um dominador supremo das nações.

    Os espíritos mais cultos e os filósofos mais ilustres da antiguidade não se pejavam de proclamar, abertamente, que esperavam o advento do grande libertador. Na Chinaantiga, cerca de quinhentos anos antes de Jesus Cristo, Confúcio podia falar assim aosseus discípulos; "Eu, Confúcio, ouvi dizer que nas regiões ocidentais se levantará um

    homem santo, que produzirá um oceano de ações meritórias. Ele será enviado do céu eterá todo o poder sobre a terra".

    Mais tarde, no esplendor da civilização helênica, Platão recebeu de Sócrates estas palavras admiráveis: "Esperamos que um enviado do céu venha nos instruir sobrenossos deveres para com Deus e para com o homens e esperamos de sua bondade queesse dia não esteja muito longe".

    Em Roma, Tácito escrevia: "O Oriente vai prevalecer e da Judá sairão aqueles quegovernarão o universo" E Suetônio acrescentava: "Todo o Oriente está cheio dessaantiga e constante opinião de que da Judá virão aqueles que governarão o universo".

    Desse modo se afirmava, no mundo antigo, a esperança de um salvador.

    ***

    O mundo antigo não somente esperava, mas necessitava de modo absoluto, de umsalvador. A base de toda retidão e de toda justiça consiste no conhecimento da verdade.Ora, a verdade, por assim dizer, desertara do mundo. O conhecimento de Deus, do qual

     promana a luz dos espíritos, estava de tal modo adulterado que tudo era "Deus", excetoo próprio Deus. O homem chegara mesmo a erguer altares ao “Deus desconhecido” –Ignoto Deo... Tão grande era a confusão que reinava nos espíritos. A própria luxúriatinha sacerdotes e sacerdotisas...

    As trevas haviam penetrado e invadido por completo, o mundo das consciências, a tal ponto que os filósofos discutiam sobre se o homem devia praticar a virtude, ou se seria preferível entregar-se a todos os vícios. Os prazeres mais degradantes constituíamobjeto de culto especial.

    A família apresentava, moralmente, um aspecto desolador. O pai era verdadeiro déspotaque dispunha, a seu talante, da existência dos filhos e escravos. A mulher devia

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    satisfazer todos os caprichos do marido, que desconhecia o amor casto e a honraconjugal. Os filhos estavam sujeitos ao despotismo do pátrio poder.

    Em Esparta e em Roma, eliminavam-se, sumariamente, os recém-nascidos queapresentassem sinais de debilidade ou enfermidade. O escravo não tinha personalidade,era uma coisa, res. Não havia compaixão para com os infelizes.

     Não menos triste era o quadro de vida social.

    O supremo poder, que estava à mercê dos ambiciosos e sem escrúpulos, era encarnado por verdadeiros monstros da espécie humana, que se faziam adorar. A nobreza procurava seguir de perto e imitar servilmente as ignomínias e as baixezas dosimperantes.

    A política, a arte de governar os povos, não conhecia outras normas além dos caprichosdos Césares e dos interesses do império. As relações internacionais eram reguladas pelaforça, unicamente; ai dos vencidos – era a norma de proceder para com aqueles a quemfora adversa a sorte de armas.

    Panem et circencenses – alimentação farta, jogos de circo, combates sangrentos entregladiadores e espetáculos públicos eram os únicos prazeres com que se embriagava asmultidões. Nessa profunda decadência moral, é que se abismara a humanidade antes davinda de Jesus Cristo. Em vista de tantos desregramentos e de tantos males, queafligiam o indivíduo, a família, a própria religião, os espíritos mais cultos e mais retosalmejavam, de todo coração, a vinda de um legislador supremo, que corrigisse todasessas desordens e implantasse o reino da verdade e da justiça.

    ***

    A recordação da queda de nossos protoparentes, no Éden, ficou tão profundamente

    gravada no espírito humano que em todos os períodos da história e na existência detodas as nações, encontramos a idéia de que a morte e os sofrimentos a constituem atosde expiação e reparação, que devem ser ofertados à divindade ultrajada. Em todas asreligiões, ainda as mais grosseiras e mais afastadas da revelação sobrenatural, persiste o

     princípio e a idéia de que o homem é impuro ante a divindade, que necessita reabilitar-se diante do Criador, por meio da oferta de alguma compensação ou reparação à justiçae à santidade infinitas.

    A prática de sacrifícios, que nós encontramos em todas as religiões, vem demonstrarque o homem sempre sentiu a necessidade de satisfazer à justiça divina ofendida... Nãohouve povo que não erguesse um altar; não houve altar onde não se imolasse umavítima... Os atos sacrificiais foram constantes, nunca cessaram e até vítimas humanasforam imoladas à divindade.

    José de Maistre notou, com muita razão, que a crença de que o inocente pode substituiro culpado é a essência de toda e qualquer religião. Desse modo, o consenso unânimedos povos achasse de acordo com o que a revelação divina nos ensina acerca do pecadooriginal e da promessa de um Redentor.

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    Somente o Homem-Deus poderia reparar os estragos do pecado e satisfazercondignamente à justiça infinita, ultrajada por todos os crimes da espécie humana. Umsimples mortal não podia oferecer à justiça divina uma satisfação cabal, porque a ofensafora infinita...

    Um Deus, também não; porque Deus é. De Sua própria natureza, imortal e impassível.

    Foi mister que a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima, o Verbo, se fizesse homem,sem deixar de ser Deus. Jesus Cristo, Homem-Deus, foi à vítima imolada pela Redençãoda humanidade.

    Como homem padeceu e morreu, por nós; como Deus os Seus sofrimentos tinham umvalor infinito, capaz de resgatar, por completo e superabundantemente, toda a divida dogênero humano. Nessa breve síntese de dogmas, se resumem os mistérios adoráveis daEncarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    ***

    Ocorre, mui naturalmente, uma interrogação ao nosso espírito: Jesus Cristo era Deus; a

    menor de Suas ações tinha um valor infinito, sendo suficiente um ato de Sua vontade para resgatar a humanidade; portanto, porque Jesus quis padecer tanto, sofrer tão cruéissuplícios?

    Em primeiro lugar, Jesus quis sofrer tanto, para nos mostrar o grande amor que nostinha a caridade infinita de que estava abrasado o Seu coração. Qualquer ação doHomem-Deus seria bastante para resgatar a humanidade, mas seria suficiente pararevelar a caridade infinita de Jesus, diz São João Crisóstomo.

     Nos livros do Novo Testamento encontra várias passagens que confirma essa opinião.Citaremos duas apenas: “Nisto temos conhecido a caridade de Deus: em Deus ter dado aSua vida por nós”. (Joan. II. 16) E mais o seguinte texto: “Amou-me e entregou-Se à

    morte por mim.” (Gal. II, 20)

    Desse modo as chagas do Redentor e as gotas de sangue derramado no Calvário sãooutra tantas bocas que proclamam quanto Jesus amou e sofreu pela humanidade. Outromotivo levou Jesus a sofrer tão indizíveis tormentos: revelar à humanidade a infinitamalícia do pecado e os castigos que a justiça divina tem preparado para punir os

     pecadores. Não fora o quanto se revestiu de nossas culpas, como não seria castigado o pecador impenitente?...

    Finalmente, Jesus quis ensinar-nos a suportar, com perfeita paciência e inteiraresignação, os males e as misérias desta vida. O Seu exemplo deve ser para nós umalição e um encorajamento em meio das tribulações que continuadamente nos afligem.

    ***

    Jesus Cristo, ao chegar ao termo de Sua vida mortal, ao encerrar a Sua peregrinaçãoterrestre podia proferir as palavras: “Tudo está consumado”.

    Consummatum est.

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    Podia fazer esta sublime afirmação à face do céu e da terra, porque cumpriria,estritamente, a vontade do Eterno.

    Jesus deixou-nos os Seus exemplos, que devemos seguir e imitar, a fim de que, na horaextrema possamos repetir aquelas palavras consoladoras de São Paulo:

    “Sustentei um bom combate, consumei a minha carreira, guardei a fé, No que resta,reservada me está a coroa de justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia”.(Tim. IV, 7 e 8)

    VII - PALAVRA

     Pater, in manus tuas commendo spiritum meum.

     Pai, nas vossas mãos entrego o meu espírito.(Lucas XXIII, 46)

    Chegamos, finalmente, aos últimos instantes de Jesus, ao momento supremo dosacrifício do Homem-Deus, que ia entregar a Sua alma em prol do resgate dahumanidade.

    “O rosto da adorável Vítima, cada vez mais lívido, contrair-se-á. Todo o Seu corpo pesava sobre Si mesmo, como se os cravos não pudessem agüentá-lO. O sangue corriasempre ao longo do madeiro, mas gota a gota; estavam quase esgotadas as veias. Ocoração batia muito fracamente; as pálpebras iam-se cerrando, velando os vítreos olhos.Os lábios aproximavam-se convulsamente, como para reterem o último alento. Desúbito, os membros parecem reviver, os olhos ergueram-se para o céu, e, com vozsonora e forte, em que se reconhece um Deus morrendo, o Filho de Deus exclama:

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    “Meu Pai, em vossas mãos entrego o meu espírito!...”(Weber –  De Gethsemani aoGolgota – Pags. 187 a 188)

    A seguir, inclina a cabeça sobre o peito e exala o último suspiro.

    “Era aquilo, escreve um autor, morrer como senhor da morte. Aquela liberdade de

    inteligência e de vontade de cruz, aquela prova do cumprimento de todas ascircunstâncias anunciadas nos profetas, aquele grande brado, aquela força recobradadepois do longo suplício, revelaram a plena liberdade de Aquele que dissera: ‘Eu tenho

     poder de deixar a minha vida e poder de recobrá-la’”. (Louis Veuillot – A Vida de Nosso Senhor Cristo – págs. 257 e 258)

    Só mesmo a intervenção de uma força sobrenatural, só mesmo a manifestação de um poder acima das energias ordinárias da humanidade poderia fazer que um moribundo,que havia padecido tantos tormentos e havia derramado todo o seu sangue, pudessesoltar um grande brado, na derradeira hora de sua agonia.

    Atentado às circunstâncias extraordinárias da morte de Jesus, um sábio escritor traça

    estas linhas:

    “Ia já exalar o último suspiro, quando de repente, reerguendo a cabeça, deu um brado detal força que todos os assistentes ficaram gelados de espanto. Não era o gemido

     plangente dum homem moribundo; era o brado triunfal dum Deus que diz a terra: Eumorro porque eu quero.” (P. Berthe – Jesus Cristo, sua vida, sua paixão, seu triunfo –

     pág. 402)

    É verdadeiramente notável que Jesus, antes de expirar se tenha dirigido ao Eterno,invocando-o sob o doce nome de pai e Lhe haja entregado a Sua alma. Queria, dessemodo, indicar que a oferta de Seu sacrifício supremo era toda livre, cheia de amor e

     prestada da melhor boa vontade.

    ***

    A morte é um acontecimento terrível e inevitável; é um fato a que não podemos fugir ecom o qual nunca nos acostumamos, tal a repugnância natural, que nos infunde.

    Podemos considerá-la debaixo de três aspectos, sob três pontos de vista inteiramentediversos: científico, humano e sobrenatural.

    Considerada sob o ponto de vista científico a morte é a cessação dos fenômenos vitais;os órgãos param a sua atividade e a matéria orgânica entra, rapidamente, no caminho dadecomposição.

    A morte, encarada unicamente sob o ponto de vista humano, apresenta-se como otérmino das ilusões, dos projetos, das alegrias e das aspirações do indivíduo.

    O ponto de vista sobrenatural considera a morte como o encerramento do ciclo vital e oinício da eternidade.

  • 8/19/2019 As Sete Palavras de Nosso Senh

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    Á luz da revelação sobrenatural, a morte traz consigo o fim de tudo que é sensível. Asvaidades do mundo, o conforto material, os prazeres terrenos, as relações sociais, asalianças de família, os interesses, as ambições e todas as coisas que nos preocupam navida acabam, exatamente, quando termina nossa existência terrestre.

    A morte é o fim dos enganos e das ilusões dessa vida e de tudo quanto lisonjeia os

    sentidos. É finalmente, o fim do tempo, isto é, do período que Deus nos concede, paraque conquistemos a eterna bem-aventurança.

    A morte, para o homem, é tremenda encruzilhada, onde pode começar uma felicidadeeterna ou uma desgraça infinita. É o momento único e supremo, do qual depende aeternidade.

    Isso é o que é a morte para o homem.

    Para Jesus Cristo a morte era o início do Seu triunfo, era o começo de Sua vitória sobreo mal e o demônio.

    Era o fundamento do reino de Deus sobre a terra.

    ***

    A circunstância de Jesus, à hora extrema, recomendar Sua alma ao Pai, traz-nos àmemó