as secas que desafiam a vida no vale

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A8 22 a 28 de janeiro de 2013 Geral Morre fundador da Comissão Justiça e Paz da CNBB Morreu no dia 15, no Rio de Janeiro, Tibor Sulik, membro fundador da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), orga- nismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Tibor, nascido no dia 27 de abril de 1927, em Tornovecz Nad Varum, região que hoje faz parte da República Theca, ficou conhecido por ser um militante das causas sociais. As secas que desafiam a vida no Vale Movimentos uniram forças e percorreram comunidades de Berilo (MG) para escutar as histórias do povo O SÃO PAULO www.arquidiocesedesaopaulo.org.br Sensibilizar a Igreja a caminhar com os migran- tes e com os mais pobres foi o objetivo da missão promovida pelo SPM. Foram muitas as vozes de pessoas que pedem socor- ro e clamam por uma vida mais digna. André Cândido Teixei- ra, da comunidade rural Vai Lavando, conta o drama da luta contra as grandes em- preiteiras de plantação de eucalipto que destroem as nascentes dos rios. “Desde o ano “trasado” a gente vem sofrendo descaso das empreiteiras. Aqui per- to tem sete nascentes. As empresas vinham de São Paulo. A gente se juntou e foi pra lá, mas fomos amea- çados. Eu convido o pessoal a lutar contra isso, mesmo estando sendo ameaçado. A empreiteira vem de longe e garanto que lá, na terra de- les, não tem plantação de eucalipto”. “A qualida- de da água dis- tribuída pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copa- nor/Copasa) na cidade de Berilo é um desrespeito à população. Os moradores comprovaram que a água estava sendo distribuída sem tratamento e isso é um crime, porque pagamos pela água limpa e ela está suja, é crime de estelionato e contra o Código de Defesa do Consumidor”, declarou Múcio Amaral Murta, ad- vogado que escreveu uma carta ao povo de Berilo e a distribuiu entre a população para noticiar o fato ilícito e criminoso. “Aqui tem muita casa de família. Se a barragem chegar vai acabar com tudo. E muita gente não pode vi- ver na cidade, se virar água, o que vamos fazer, o que vamos comer? Eles dizem que vão indenizar, mas o dinheiro acaba, a terra não”, disse dona Jandira Gomes, 80 anos, nove filhos, ape- nas três moram no Vale. Ela mora na comunidade rural de Roça Grande, por onde passa o rio Araçuaí, região onde os moradores temem ser construída uma barragem. “Durante esses dias aqui no Vale, percebi que exis- tem propriedades que con- seguem produzir mesmo com a seca. O problema não é da seca, mas das cercas, não somente aquelas que cercam as propriedades, mas as cercas do conhe- cimento. Meu pedido é para que os estudantes que adquirem conhecimento crítico possam disseminá-lo para combater o conheci- mento que só beneficia os grandes e exclui os peque- nos. É preciso fomentar um conhecimento que surja a partir do povo e sirva ao povo”, disse Leonardo Fer- reira Reis, 25 anos, que es- tuda a questão da migração na Universi- dade de São Carlos em São Paulo. (NF) NAYÁ FERNANDES ESPECIAL PARA O SÃO PAULO NO VALE DO JEQUITINHONHA (MG) “Em missão da Pastoral dos Migrantes a 28 comu- nidades rurais do município de Berilo (MG), constatamos uma situação desesperadora para a sobrevivência e dig- nidade humana. Vimos que várias dessas comunidades rurais estão sofrendo com a seca e a total falta de água potável e não potável”, es- creveu José Carlos Alves Pe- reira, membro da Colegiada Executiva Nacional do Ser- viço Pastoral dos Migrantes (SPM) em uma Petição Pú- blica enviada na terça-feira, dia 15, ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Terra, água, juventude e bem viver foi o tema esco- lhido para a realização da 28ª edição da missão no Vale do Jequitinhonha, promovida pelo SPM entre os dias 13 e 19. A missão reuniu 60 pessoas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espí- rito Santo, Paraíba, Piauí e Bahia, que visitaram as co- munidades de Berilo com a realização de encontros com crianças, jovens, mulheres, trabalhadores, visita às casas, noites culturais, oficinas temáticas, seminários. A seca na região foi a pior dos últimos 15 anos. Num percentual de 80% da po- pulação que vivem na zona rural, cerca de 75% ficaram sem água até para cozinhar. A falta de chuva, porém, não é o único problema que assola a população de Berilo e dos demais 79 municípios do Vale, espalhados numa área de 85.467,10 km², no nordeste do Estado de Mi- nas Gerais. Falta trabalho, incentivo para os agriculto- res produzirem, fiscalização do governo para impedir as grandes empresas de mo- nocultura que destroem as nascentes dos rios. Faltam projetos para educação de crianças e jovens, respeito aos direitos das comunidades quilombolas, apoio às inicia- tivas de pequenos grupos, associações e cooperativas que surgem na região. Secas que desafiam a vida do povo, dos rios, desafiam o cultivo da terra, a permanên- cia dos pés de pequi (fruta típica da região que serve de sustento) cada vez mais escassos, as grandes cidades que ficam abarrotadas de pessoas que migram sem alternativas. Para escutar as dificuldades vividas pelo povo daquela região e tentar, junto a ele, organizar ativida- des que postulem mudanças, é que anualmente univer- sitários, leigos, religiosos, seminaristas, sacerdotes e voluntários partilham as do- res, alegrias e sonhos dos moradores do Vale. “Aqui falta oportunida- de. A gente tem que sair e ir pra São Paulo trabalhar”, disse Jean Pierre, 22 anos, da comunidade quilombola Vila de Santo Isidoro que migra para o corte de cana desde os 14. O drama vivido por ele repete-se na fala e na história de quase todos os jovens que compõem os 13.510 habitantes de Berilo. “Eu espero consciência. Consciência para que as pes- soas entendam que todos são iguais e vivam a unidade”, disse Custódio Souza, tam- bém migrante do Vale para o corte de cana do interior do Estado de São Paulo. Os desejos descritos aci- ma foram ditos por traba- lhadores, a maioria deles migra para o corte de cana e a colheita do café e fica fora do Vale entre seis e oito me- ses do ano em fazendas no interior de Minas, São Paulo e Mato Grosso. Eles se reu- niram na comunidade Vila de Santo Isidoro na noite do dia 15, num encontro coorde- nado por Maria Eva Santos, da cidade de Jenipapo de Minas, agente da Comissão de Pastoral da Terra (CPT) e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Para mim, a missão é um dever como cristã e como cidadã. Esta semana deixei muita coisa para vir. É um momento de escuta e partilha. O migrante rara- mente conta maravilhas. São histórias de dor e sofrimento. Com isso, a gente serve para sustentar a fé e esperança e contribuir para promover a justiça”, comentou Eva. “É preciso conhecer a realidade do povo, suas lutas e anseios para abraçar a causa. Precisamos apren- der com a peleja do povo. O pessoal não esmorece e mostra alegria no rosto. De onde vem essa força? Da mística que todos nós preci- samos aprender”, disse dom Marcello Romano, bispo da Diocese de Araçuaí (MG), na abertura do seminário sobre Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, que aconteceu no sábado, 19, na conclusão da missão. O clamor por justiça no Jequitinhonha ressoa na voz da comunidade DA ESPECIAL PARA O SÃO PAULO “Chê, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça, nós somos companheiros” Grito dos trabalhadores no encerramento do encontro, enquanto estouravam um balão onde estava escrito um direito negado de acordo com a opnião de cada um. Fotos: Nayá Fernandes/O SÃO PAULO

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matéria publicada no jornal "O São Paulo" que fala sobre a missão realizada pelo Serviço Pastoral dos Migrantes na cidade de Berilo/MG.

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A8 22 a 28 de janeiro de 2013

Geral Morre fundador da Comissão Justiça e Paz da CNBBMorreu no dia 15, no Rio de Janeiro, Tibor Sulik, membro fundador da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), orga-nismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Tibor, nascido no dia 27 de abril de 1927, em Tornovecz Nad Varum, região que hoje faz parte da República Theca, ficou conhecido por ser um militante das causas sociais.

As secas que desafiam a vida no ValeMovimentos uniram forças e percorreram comunidades de Berilo (MG) para escutar as histórias do povo

O SÃO PAULOwww.arquidiocesedesaopaulo.org.br

Sensibilizar a Igreja a caminhar com os migran-tes e com os mais pobres foi o objetivo da missão promovida pelo SPM. Foram muitas as vozes de pessoas que pedem socor-ro e clamam por uma vida mais digna.

André Cândido Teixei-ra, da comunidade rural Vai Lavando, conta o drama da luta contra as grandes em-preiteiras de plantação de eucalipto que destroem as nascentes dos rios. “Desde o ano “trasado” a gente vem sofrendo descaso das empreiteiras. Aqui per-to tem sete nascentes. As empresas vinham de São Paulo. A gente se juntou e foi pra lá, mas fomos amea-çados. Eu convido o pessoal a lutar contra isso, mesmo estando sendo ameaçado. A empreiteira vem de longe e garanto que lá, na terra de-les, não tem plantação de eucalipto”.

“A qualida-de da água dis-tribuída pela

Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copa-nor/Copasa) na cidade de Berilo é um desrespeito à população. Os moradores comprovaram que a água estava sendo distribuída sem tratamento e isso é um crime, porque pagamos pela água limpa e ela está suja, é crime de estelionato e contra o Código de Defesa do Consumidor”, declarou Múcio Amaral Murta, ad-vogado que escreveu uma carta ao povo de Berilo e a distribuiu entre a população para noticiar o fato ilícito e criminoso.

“Aqui tem muita casa de família. Se a barragem chegar vai acabar com tudo. E muita gente não pode vi-ver na cidade, se virar água, o que vamos fazer, o que vamos comer? Eles dizem que vão indenizar, mas o dinheiro acaba, a terra não”,

disse dona Jandira Gomes, 80 anos, nove filhos, ape-nas três moram no Vale. Ela mora na comunidade rural de Roça Grande, por onde passa o rio Araçuaí, região onde os moradores temem ser construída uma barragem.

“Durante esses dias aqui no Vale, percebi que exis-tem propriedades que con-seguem produzir mesmo com a seca. O problema não é da seca, mas das cercas, não somente aquelas que cercam as propriedades, mas as cercas do conhe-cimento. Meu pedido é para que os estudantes que adquirem conhecimento crítico possam disseminá-lo para combater o conheci-mento que só beneficia os grandes e exclui os peque-nos. É preciso fomentar um conhecimento que surja a partir do povo e sirva ao

povo”, disse Leonardo Fer-reira Reis, 25 anos, que es-tuda a questão da migração na Universi-dade de São Carlos em São Paulo. (NF)

NAYÁ FERNANDESESPECIAL PARA O SÃO PAULO

NO VALE DO JEQUITINHONHA (MG)

“Em missão da Pastoral dos Migrantes a 28 comu-nidades rurais do município de Berilo (MG), constatamos uma situação desesperadora para a sobrevivência e dig-nidade humana. Vimos que várias dessas comunidades rurais estão sofrendo com a seca e a total falta de água potável e não potável”, es-creveu José Carlos Alves Pe-reira, membro da Colegiada Executiva Nacional do Ser-viço Pastoral dos Migrantes (SPM) em uma Petição Pú-blica enviada na terça-feira, dia 15, ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

Terra, água, juventude e bem viver foi o tema esco-lhido para a realização da 28ª edição da missão no Vale do Jequitinhonha, promovida pelo SPM entre os dias 13 e 19. A missão reuniu 60 pessoas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espí-rito Santo, Paraíba, Piauí e Bahia, que visitaram as co-munidades de Berilo com a realização de encontros com crianças, jovens, mulheres, trabalhadores, visita às casas, noites culturais, oficinas temáticas, seminários.

A seca na região foi a pior dos últimos 15 anos. Num percentual de 80% da po-pulação que vivem na zona rural, cerca de 75% ficaram sem água até para cozinhar. A falta de chuva, porém, não é o único problema que assola a população de Berilo e dos demais 79 municípios do Vale, espalhados numa área de 85.467,10 km², no

nordeste do Estado de Mi-nas Gerais. Falta trabalho, incentivo para os agriculto-res produzirem, fiscalização do governo para impedir as grandes empresas de mo-nocultura que destroem as nascentes dos rios. Faltam projetos para educação de crianças e jovens, respeito aos direitos das comunidades quilombolas, apoio às inicia-tivas de pequenos grupos, associações e cooperativas que surgem na região.

Secas que desafiam a vida do povo, dos rios, desafiam o cultivo da terra, a permanên-cia dos pés de pequi (fruta típica da região que serve de sustento) cada vez mais escassos, as grandes cidades que ficam abarrotadas de pessoas que migram sem alternativas. Para escutar as dificuldades vividas pelo povo daquela região e tentar, junto a ele, organizar ativida-des que postulem mudanças, é que anualmente univer-sitários, leigos, religiosos, seminaristas, sacerdotes e voluntários partilham as do-res, alegrias e sonhos dos moradores do Vale.

“Aqui falta oportunida-de. A gente tem que sair e ir pra São Paulo trabalhar”, disse Jean Pierre, 22 anos, da comunidade quilombola Vila de Santo Isidoro que migra para o corte de cana desde os 14. O drama vivido por ele repete-se na fala e na história de quase todos os jovens que compõem os 13.510 habitantes de Berilo. “Eu espero consciência. Consciência para que as pes-soas entendam que todos são iguais e vivam a unidade”,

disse Custódio Souza, tam-bém migrante do Vale para o corte de cana do interior do Estado de São Paulo.

Os desejos descritos aci-ma foram ditos por traba-lhadores, a maioria deles migra para o corte de cana e a colheita do café e fica fora do Vale entre seis e oito me-ses do ano em fazendas no interior de Minas, São Paulo e Mato Grosso. Eles se reu-niram na comunidade Vila de Santo Isidoro na noite do dia 15, num encontro coorde-nado por Maria Eva Santos, da cidade de Jenipapo de Minas, agente da Comissão de Pastoral da Terra (CPT) e membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Para mim, a missão é um dever como cristã e como cidadã. Esta semana deixei muita coisa para vir. É um momento de escuta e partilha. O migrante rara-mente conta maravilhas. São histórias de dor e sofrimento. Com isso, a gente serve para sustentar a fé e esperança e contribuir para promover a justiça”, comentou Eva.

“É preciso conhecer a realidade do povo, suas lutas e anseios para abraçar a causa. Precisamos apren-der com a peleja do povo. O pessoal não esmorece e mostra alegria no rosto. De onde vem essa força? Da mística que todos nós preci-samos aprender”, disse dom Marcello Romano, bispo da Diocese de Araçuaí (MG), na abertura do seminário sobre Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo, que aconteceu no sábado, 19, na conclusão da missão.

O clamor por justiça no Jequitinhonha ressoa na voz da comunidade

DA ESPECIAL PARA O SÃO PAULO

“Chê, Zumbi, Antônio Conselheiro, na luta por justiça,

nós somos companheiros”Grito dos trabalhadores no encerramento do encontro,

enquanto estouravam um balão onde estava escrito um direito negado de acordo com a opnião de cada um.

Fotos: Nayá Fernandes/O SÃO PAULO