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Ema Clélia Afonso Baptista As Rotinas Produtivas da Imprensa e as Fontes de informação A interinfluência entre as fontes de rotina e os processos produtivos da redação Relatório de Estágio de Mestrado em Comunicação e Jornalismo, orientado pela Doutora Rita Joana Basílio de Simões, apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 2013

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Ema Clélia Afonso Baptista

As Rotinas Produtivas da Imprensa e as

Fontes de informação

A interinfluência entre as fontes de rotina e os

processos produtivos da redação

Relatório de Estágio de Mestrado em Comunicação e Jornalismo, orientado pela Doutora Rita

Joana Basílio de Simões, apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

2013

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Faculdade de Letras

As Rotinas Produtivas da Imprensa e as

Fontes de informação

A interinfluência entre as fontes de rotina e os

processos produtivos da redação

Ficha Técnica:

Tipo de trabalho Relatório de Estágio

Título As Rotinas Produtivas da Imprensa e as Fontes de

Informação: A interinfluência entre as fontes de rotina e os

processos produtivos da redação

Autor Ema Clélia Afonso Baptista

Orientador Doutora Rita Joana Basílio de Simões

Júri Presidente: Doutor José Carlos Costa Camponez

Vogais:

1. Dr. João José Figueira da Silva

2. Doutora Rita Joana Basílio de Simões

Identificação do Curso 2º Ciclo em Comunicação e Jornalismo

Data da defesa 31-10-2013

Classificação 14 valores

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Sumário

A confrontação entre um conhecimento de fundo teórico e a iniciação a um contexto

prático de atuação traduz-se numa aprendizagem. Uma aprendizagem de natureza

diversa, que envolve a descoberta do fazer em circunstâncias completamente novas. Ao

contrário do que se poderia esperar é um processo que envolve muitas dissonâncias,

angústias e dúvidas.

Como qualquer dissonância é inconclusiva, a procura do entendimento sobre a sua

natureza é um caminho que nos parece necessário. O relatório que aqui apresentamos

sobre o estágio compreendido entre Outubro e Dezembro de 2012 na delegação norte do

jornal Diário de Notícias consiste nessa procura.

Este trabalho parte da nossa vivência pessoal e, portanto, do nosso olhar sobre o modo

como se produz a informação nas organizações como o DN para cruzar algumas

perspetivas teóricas e investigações sobre a produção de notícias em geral. Em

particular, procuramos entender as razões por trás de uma produção de notícias

extremamente rotinizada, relativamente passiva e assente numa base de conformismo,

com a intuição de que tais razões se encontram algures na dinâmica gerada entre as

fontes de informação, principalmente as fontes oficiais e as agências de notícias, as

rotinas produtivas da redação e a organização jornalística.

Feito este percurso, chegámos à conclusão de que as rotinas produtivas têm uma

natureza ambivalente na lógica produtiva atualmente dominante, já que, ao mesmo

tempo que constrangem o jornalismo e os jornalistas são também uma importante

garantia da execução do produto noticioso.

Palavras-chave: jornalismo, rotinas produtivas, fontes de informação, fontes de rotina,

fontes oficiais, agências de notícias, jornalismo impresso, jornalismo online, teoria

organizacional, socialização, aculturação, profissionalismo.

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Abstract

The confrontation between theoretical background knowledge and the initiation to a

practical context of action translates into learning. This is a different kind of learning,

involving the discovery of how to do in completely new circumstances. Contrary to

what one might expect it is a process that involves many dissonances, anxieties and

doubts.

As any dissonance is inconclusive, the search for understanding its nature is a way that

seems necessary. The report presented here on the internship between October and

December 2012 in the north delegation of Diário de Notícias consists of that search.

This work comes from our personal experience and therefore from our look at how

information is produced in organizations such as DN to cross some theoretical

perspectives and research on news production in general. In particular, we seek to

understand the reasons behind a highly routinized, relatively passive and based on

conformity news production, with the intuition that such reasons are somewhere on the

dynamics generated from the information sources, mainly official sources and news

agencies, the production routines of the newsroom and the news organization.

Done this route, we reached the conclusion that the production routines have an

ambivalent nature in the currently dominant productive logic, since, while constraining

journalism and journalists are also an important guarantee of the performance of the

news product.

Keywords: journalism, production routines, sources of information, routine sources,

official sources, news agencies, print journalism, online journalism, organizational

theory, socialization, acculturation, professionalism.

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Agradecimentos

À minha orientadora, Doutora Rita Basílio de Simões, pela pronta disponibilidade e

atenção.

À minha família, especialmente pais, irmão e avós, pelo apoio e compreensão

incondicionais.

Ao “CALO” pela razão da experiencia.

Aos meus amigos, que se mantiveram presentes apesar da distância.

Agradeço também à Universidade de Coimbra, particularmente à Faculdade de Letras,

onde passei uma das fases mais importantes da minha vida.

A todos os que, direta ou indiretamente, contribuíram para que este trabalho fosse

possível.

Obrigada.

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Índice

Introdução ……………………………………………………………………………...1

1. As rotinas produtivas do jornalismo ……………………………………………...3

1.1. As fontes de informação ……………………………………………………5

1.1.2. As agências de notícias ………………………………………………...11

a) Desenvolvimento das agências de notícias no contexto internacional ….12

b) Desenvolvimento das agências de notícias em Portugal………………...17

c) A produção jornalística e as agências de notícias ………………………24

- As notícias online …………………………………………………….26

2. A distribuição da rede jornalística ……………………………………………….33

3. O fator organizacional …………………………………………………………….39

3.1. A Teoria Organizacional ………………………………………………….39

4. Socialização, aculturação e profissionalismo …………………………………….51

Conclusão ……………………………………………………………………………..59

Bibliografia ……………………………………………………………………………63

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1

Introdução

O presente relatório baseia-se no estágio realizado entre Outubro e Dezembro de 2012

na delegação norte do Diário de Notícias e tem como objetivo expor e problematizar

aquilo que entendemos como a interinfluência entre as rotinas produtivas da imprensa e

as fontes estáveis de informação. Pretendemos também mostrar como esta dinâmica

resulta na manutenção do peso e influência das agências de notícias nas rotinas

produtivas da redação.

Este trabalho resume-se ao esforço de reflexão crítica motivado pelo sentimento de

dissonância entre a prática jornalística experimentada e o conjunto de valores

tradicionalmente associados ao jornalismo. Mais concretamente, esta exposição nasce

da constatação empírica da relativa passividade da prática jornalística burocratizada.

Procuraremos mostrar e criticar a força das rotinas profissionais instaladas na redação,

entender como a socialização profissional no contexto das organizações burocratizadas

gera o conformismo com essas rotinas e seus constrangimentos no contexto do trabalho.

Começaremos esta exposição com um enquadramento teórico que nos parece ter a

abrangência suficiente para esboçar uma delimitação epistemológica das impressões que

fomos colhendo ao longo do estágio. Fundamentando-nos nas perspetivas de Mauro

Wolf, Jorge Pedro Sousa e Gaye Tuchman, avançaremos um olhar global sobre as

rotinas produtivas das organizações jornalísticas, confluindo progressivamente para o

domínio específico das fontes jornalísticas. Chegados a este ponto, concentrar-nos-emos

na questão da estruturação das fontes, que ocorre necessariamente nas organizações

jornalísticas, e na forma como as fontes oficiais e, principalmente, as agências de

notícias se destacam como fontes estáveis, para responder às necessidades produtivas da

informação.

As agências de notícias serão alvo de uma abordagem mais detalhada, por se tratar de

um género de fontes de informação cuja ação se encontra num patamar avançado do

processo produtivo e, portanto, cuja influência nas rotinas produtivas da redação é mais

determinante. Traçaremos uma perspetiva histórica do desenvolvimento das agências no

contexto nacional e internacional, na busca de um conhecimento mais profundo, que

permita entender o lugar que hoje ocupam e a forma como operam na “paisagem”

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jornalística. Partindo desta perspetiva tentaremos clarificar, por um lado, a forma como

as rotinas produtivas do jornalismo determinaram o surgimento e consolidação das

agências de notícias na rede noticiosa. Por outro lado, tentaremos mostrar como as

rotinas das redações acabaram também por ser influenciadas pela ação mediadora das

agências. Lançaremos ainda um olhar sobre a produção de notícias no contexto online,

sob o prisma da utilização do material de agência, já que a experiência nos mostrou que

a dependência da informação de agência é mais significativa na produção para a edição

online. Para fundamentar a nossa perspetiva sobre a relação entre a produção de notícias

e a ação das agências vamos apoiar-nos em algumas das indicações que encontrámos

nos estudos de Jane Johnston e Susan Forde sobre o problema.

Terminaremos com um olhar sobre a influência das organizações no trabalho

jornalístico, sob o prisma da Teoria Organizacional de Warren Breed, tentando explicar

processos como a socialização e aculturação do jornalista na redação, bem como a

formação de uma ideia partilhada de profissionalismo.

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1. As rotinas produtivas do jornalismo

Ao longo das fases de recolha, seleção, elaboração e edição da informação, que

compõem a ação mediadora dos jornalistas, o trabalho destes profissionais exerce-se no

contexto de vários fatores, que formam uma rede complexa de condicionalismos e

constrangimentos de diversos níveis. (Lopes, 2006:37) Estes condicionalismos

envolvem aqueles diretamente ligados à atividade quotidiana na sala de redação e ao

jornalista e também os decorrentes dos enquadramentos sociais que influenciam a

situação e a ação dos media e dos seus profissionais. Os parâmetros da atividade

profissional dos jornalistas devem ser compreendidos na confluência destes fatores

estruturais e no contexto dos vários condicionalismos. (2006:37) Começaremos por

analisar teoricamente o que são as rotinas produtivas de uma redação. A partir desse

conceito, especificaremos alguns condicionalismos que lhes estão associados e que

sentimos com maior intensidade durante o estágio.

Jorge Pedro Sousa define as rotinas produtivas de uma forma genérica:

Podemos considerar que rotinas são os processos convencionalizados e algo

mecanicistas de produção de alguma coisa que, sem excluir que determinadas

pessoas tenham rotinas próprias ou que a cultura e o meio social afetem essa

produção, me parece obedecerem essencialmente a fatores socio-

organizacionais. […] No jornalismo, podem ser consideradas como respostas

práticas às necessidades das organizações noticiosas e dos jornalistas.

(1999:26)

Para Sousa, no contexto dos processos de fabrico da informação jornalística, as rotinas

produtivas, enquanto padrões comportamentais estabelecidos, consistem nos

procedimentos que asseguram aos jornalistas, constrangidos pela pressão do tempo, um

fluxo constante e seguro de notícias e uma rápida transformação do acontecimento em

notícia. Podemos considerar que as rotinas fazem a síntese possível entre a natureza

imprevisível das notícias e a necessidade que os profissionais têm de controlar seu o

trabalho.

Tal como nota o autor, estes “meios para a consecução de um fim” estão hoje

institucionalizados nas redações e desfrutam de uma vida e legitimidade próprias.

(1999:26) Embora Jorge Pedro Sousa seja da opinião que o fenómeno da valorização

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das rotinas nas redações é hoje atenuado pelas necessidades de diferença e criatividade

dos órgãos de comunicação, o autor concorda com a perspetiva de Daniel Hallin de que,

ao longo do tempo, os jornalistas foram aceitando as estruturas burocratizadas da sala de

redação e as correspondentes rotinas profissionais. (1999:27) No nosso entender,

mesmo aceitando a possibilidade de se criar algo verdadeiramente diferente e criativo

em órgãos de informação burocratizados, esses critérios de diferença e criatividade de

que nos fala o autor nasceriam e teriam que ser compreendidos dentro das rotinas pré-

existentes. Assim, também eles acabariam por ser um produto dessas rotinas e,

potencialmente, gerar novas rotinas. De tal forma que, numa organização burocratizada,

nos parece impossível a um jornalista escapar às rotinas do órgão de comunicação em

que trabalha.

Para nós, aquilo que de mais importante se pôde reter dos três meses que passámos na

delegação norte do Diário de Notícias (DN) é a perceção das rotinas produtivas

instaladas na redação. É esse conhecimento empírico que aqui destacamos, já que se

mostrou fundamental para a adaptação àquele ambiente produtivo, permitindo-nos

definir o nosso papel entre os funcionários e desempenhar de forma eficaz e

relativamente autónoma as tarefas que nos couberam. Assim, as principais competências

apreendidas durante o estágio foram certamente a consciência das rotinas produtivas da

imprensa diária e o “saber fazer” de uma redação.

A produção informativa quotidiana compõe-se de três fases: recolha, seleção e

apresentação. Como explica Mauro Wolf, as rotinas produtivas atravessam todo este

processo. (1987:193) Mas é especialmente na fase de recolha que se faz sentir o aspeto

das rotinas que mais interessa a este trabalho: as fontes. Seguindo a linha de raciocínio

do autor, analisaremos em primeiro lugar os aspetos gerais da fase de recolha para

depois nos concentrarmos na questão das fontes.

A observação de Wolf acerca das rotinas presentes na fase de seleção reveste-se de

particular atualidade: se antes eram os jornalistas a procurar as notícias, agora são as

notícias que procuram os jornalistas. (1987:194) O autor refere-o a propósito do

jornalismo televisivo, sustentando que é o mais passivo e dependente das fontes

institucionais. No entanto, parece-nos que hoje tal observação pode ser generalizada à

maioria dos media, inclusive à imprensa, que parece ter caído numa passividade e

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dependência semelhantes. A constatação de Wolf traduz sumariamente a principal

inquietação que sentimos durante o estágio.

A forma como se processa a recolha da matéria-prima na redação entra em dissonância

com a ideologia profissional que descreve o jornalista como um “ativo recolhedor de

informações”, “orientado para o exterior” e “independente das fontes”. (Wolf,

1987:194) Ao refletir sobre o nosso papel dentro da redação e sobre os papéis dos

outros funcionários, tornou-se-nos bastante claro que os jornalistas são, na verdade,

extremamente dependentes das fontes e relativamente passivos na obtenção de notícias.

Jorge Pedro Sousa destaca as rotinas produtivas como o elemento mais visível do

trabalho jornalístico e desconstrói o mito da intuição para a notícia ou do “faro”

jornalístico. A compreensão de tais rotinas mostra que o trabalho dos jornalistas não

depende tanto de talentos inexplicáveis, mas que está relacionado, acima de tudo, com

“procedimentos rotineiros, convencionais e mais ou menos estandardizados de fabrico

da informação de atualidade.” (Sousa, 1999:27)

A recolha de matéria-prima é uma etapa fundamental da produção jornalística mas, na

prática, a escolha do jornalista está relativamente limitada. Ela é limitada porque as

organizações jornalísticas desenvolvem e cultivam uma estrutura de fontes, que acaba

por se impor como necessária na sua qualidade de estrutura. Durante o estágio no DN

constatámos a ação desta estrutura. O seu peso, a forma como delimita o trabalho de

cada jornalista e o seu papel na definição das rotinas produtivas da redação são questões

que tentaremos clarificar. Nela destacamos as chamadas “fontes de rotina” e,

principalmente, as agências de informação.

1.1.As fontes de informação

Antes de qualquer consideração sobre as fontes de informação jornalística, impõe-se

uma diferenciação metodológica entre as fontes propriamente ditas e as agências de

informação. A distinção é decisiva e baseia-se no facto de as agências serem empresas

especializadas, inerentes ao sistema da informação, que já executam um trabalho de

confeção. Ao fornecer “unidades-notícia”, as agências atingem uma fase avançada do

processo produtivo. Pelo contrário, as outras fontes estáveis pertencem sobretudo à

instituição de que são a expressão e não se dedicam de forma necessariamente exclusiva

à produção de informação. (Wolf, 1987:197)

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Uma das definições que Mauro Wolf oferece em Teorias da Comunicação pertence a

Gans e descreve as fontes de informação como “as pessoas que o jornalista observa ou

entrevista […] e que fornecem apenas informações enquanto membros ou

representantes de grupos (organizados ou não) de utilidade pública ou de outros

setores da sociedade”. (1987:197)

Fontes centrais, territoriais e fontes de base são categorias individualizadas não só pela

localização espacial mas também pelo tipo de utilização que delas se faz relativamente

ao relevo e à noticiabilidade dos acontecimentos. Para Wolf não se trata de um processo

linear, mas antes de um processo circular, complicado por posteriores efeitos circulares

de retorno. (1987:198)

É significativo que durante os três meses em que trabalhámos no DN tenhamos

contactado com uma fonte alternativa às fontes estáveis uma única vez. Na redação do

DN as fontes imprescindíveis são as agências de notícias. É de entre os textos que vão

chegando das agências, consultadas a todo o instante, que se vão selecionando as

notícias.1 Depois das agências, as fontes mais utilizadas são as oficias, no nosso caso as

polícias e os bombeiros, já que as notícias com que lidámos versavam, na sua maioria,

sobre acidentes e crimes. O contacto com estas fontes fez-se quer através dos

comunicados de imprensa enviados pelas organizações aos jornalistas, quer por

contactos feitos por nossa iniciativa no sentido de obter esclarecimentos ou informações

adicionais àquelas veiculadas pelas agências e pelos comunicados de imprensa. No que

diz respeito às notícias sobre casos em tribunal, não houve a necessidade de fazer

contactos por conta própria, já que a informação que chegava da Lusa era muito

completa e estava em constante atualização. Contactámos também com os assessores de

imprensa e relações públicas de outras organizações, como por exemplo o Hospital de

Braga, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e o consulado português em Ajax.

A exceção é a reportagem intitulada “Os segredos dos Clérigos que se querem

revelados”, publicada no dia 23 de Dezembro de 2012. Este trabalho foi-nos proposto

pelo nosso editor, com a indicação de que lhe seria reservado um espaço maior dentro

do jornal e com uma deadline mais extensa do que o habitual, já que os trabalhos feitos

até então para a edição impressa do jornal se destinavam à publicação no dia seguinte.

1 Esta referência às agências serve apenas, por enquanto, para explicar em traços gerais a nossa perceção da

hierarquia de fontes instituída na redação do DN. A especificidade das agências será abordada em pormenor mais à

frente.

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Esta reportagem, que veio a ocupar uma página da secção “cidades”, revelou-se um

trabalho muito menos passivo do que os anteriores e relativamente independente. O

envolvimento neste trabalho foi mais intenso. Tivemos acesso privilegiado a uma parte

ainda desconhecida daquele edifício, fechada ao público, e acreditamos ter estado tão

“por dentro” do assunto quanto nos foi possível. Entendemos que assumimos o controlo

sobre o nosso trabalho. O facto de termos saído da redação e estado nos locais sobre os

quais escrevemos reforçou o sentimento de que o trabalho nos pertence efetivamente – o

sentido de autoria. Ao contrário dos outros trabalhos, em que agimos como operários

numa linha de montagem, comparamos metaforicamente esta reportagem ao trabalho de

um artesão, já que envolveu mais investigação e permitiu uma abordagem mais

autónoma, em que escolhemos o nosso ângulo e explorámos mais o nosso estilo de

escrita.

Neste trabalho também recorremos a uma das fontes de rotina do DN para assuntos

eclesiásticos, o padre Américo Aguiar. Mas além desta, também retivemos elementos

importantes da conversa que fomos mantendo com o funcionário que nos acompanhou

durante o périplo fotográfico pelos espaços reservados do monumento. Salvo esta

exceção, lidámos apenas com fontes oficiais e agências de notícias.

Como dissemos atrás, as fontes de informação não podem ser consideradas em pé de

igualdade umas com as outras. Elas comportam diferenças de natureza, relevância e

acessibilidade, que podem ser compreendidas pelo prisma das necessidades produtivas e

dos procedimentos organizativos. Como salienta Wolf, essas exigências influenciam a

forma como os órgãos de informação estabelecem e organizam a sua rede de fontes.

(1987:198) Para o autor, isto traduz-se numa “distorção” da estrutura das fontes dos

órgãos informativos. Prosseguindo a sua explicação, no que tem a ver com a

oportunidade e conveniência dos jornalistas em utilizar determinadas fontes, o autor

destaca alguns fatores objetivados para a eficiência, entendendo-se esta última em

relação com a “necessidade de concluir um produto informativo dentro de um prazo de

tempo fixo e intransponível e com meios limitados à disposição.” (1987:199)

A “oportunidade antecipadamente revelada” por uma fonte é um desses fatores, já que

as fontes que noutras ocasiões forneceram materiais credíveis têm mais probabilidades

de continuar a ser utilizadas e de se transformar em fontes regulares. (1987:199)

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É pela sua “produtividade” que se compreende a prevalência das fontes institucionais.

Como explica o autor, elas fornecem os materiais suficientes para elaborar a notícia,

poupando as organizações à consulta de demasiadas fontes para obter os elementos

necessários. Além disso, ao limitar o número de fontes a consultar também minimizam

custos e evitam prazos dilatados aos órgãos de informação, respondendo

simultaneamente a duas importantes exigências, como são a rentabilização do tempo e

dos recursos financeiros. (1987:199)

A “credibilidade” das fontes tem também uma grande influência, como explica Wolf.

Para os jornalistas as fontes devem ser tão credíveis que exijam o mínimo controlo

possível sobre a informação que veiculam. O recurso a fontes alternativas ou não

confirmadas implica para o jornalista um trabalho mais moroso de verificação, com

base no cruzamento de pelo menos duas fontes. Pelo contrário, quando um jornalista

atribui explicitamente a informação a uma única fonte, transfere para ela o ónus da

credibilidade. Assim se compreende que, no contexto dos processos de produção da

informação, as fontes estáveis e institucionais tenham vindo a assumir uma

“credibilidade” adquirida com o tempo e rotinizada. (1987:200)

De acordo com Mauro Wolf, quando a credibilidade da estória não pode ser

rapidamente confirmada, o jornalista procura basear-se na credibilidade da fonte ou,

como refere o autor, na sua honestidade. Mas para que tal seja possível, é necessário que

essa fonte tenha aos olhos do jornalista uma “garantia” de credibilidade. Tanto os

jornalistas quanto as organizações podem avaliar ao longo do tempo as fontes que

contactam frequentemente, para atribuir-lhes essa garantia, o que explica a preferência

pelas fontes estáveis. A cooperação e cordialidade mostradas pelas fontes também são

referidas como contributos para a preferência de umas fontes relativamente a outras. De

igual forma, as fontes investidas de autoridade formal dão aos jornalistas maior garantia

de credibilidade. (1987:200)

Por último, Wolf destaca o fator “respeitabilidade”, referindo-se aos procedimentos dos

jornalistas, que privilegiam a referência a fontes oficiais ou que ocupam posições

institucionais de autoridade. De acordo com o autor, para além da sua presumível

credibilidade, no que tem a ver com valores/notícia como a “importância”, a

“integralidade” ou o “equilíbrio” estas fontes são, para todos os efeitos, necessárias.

(1987:200)

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Mauro Wolf cita uma pesquisa de newsmaking feita por Fisehman, que realça o carácter

burocrático daquilo a que os repórteres se expõem no seu trabalho. Os terminais de

rotina da recolha de informação resumem-se aos “organismos e grupos formalmente

constituídos. Quer se trate de associações de moradores, ou de agências federais, o

repórter confia-se a uma estrutura de atividades e de informações já constituída e

sistematicamente organizada.” (Fisehman, 1980 apud Wolf, 1987:202)

A partir dos fatores apresentado por Mauro Wolf, percebe-se facilmente como os

critérios que subjazem à estruturação da rede de fontes dos órgãos de informação

afastam os jornalistas das fontes alternativas, sistematicamente descuradas e sub-

representadas. Esta “distorção” da estrutura de fontes, entre outros efeitos das rotinas

produtivas, determina uma distorção da própria informação que, mesmo que não seja

notada em sentido estrito, acaba por sobressair em sentido lato. Mas, tal como nos é

explicado, esta distorção não resulta necessariamente de determinações ideológicas ou

de manipulações conscientes, mas de um emaranhado de causas inter-relacionadas, que

o próprio autor tem dificuldade em distinguir.

Como explica Wolf, as deformações relativas às fontes são reforçadas pelas

deformações provocadas pelos valores/notícia, pela aprendizagem e socialização

profissionais, e pela organização do trabalho. Os outros meios de comunicação que os

jornalistas consomem podem ser entendidos como fontes igualmente importantes, o que

acaba por desencadear um “mecanismo de reforço”, em que uns meios de comunicação

assumem os elementos presentes na agenda dos outros, garantindo “um acordo geral,

difundido e aproximativo acerca da seleção das notícias”. (1987:203) Para além desta

reflexividade da agenda, o autor refere que esta prática contribui para a formação de

modelos e abordagens da produção informativa que tendem para a homogeneidade.

(1987:203) Por tudo isto entendemos que as rotinas são a chave para a compreensão da

estrutura e uso efetivo das fontes pelos jornalistas e seus superiores.

A conclusão que Wolf retira das pesquisas sobre os modelos produtivos da informação é

paradigmática:

[…] os meios como as fontes conseguem o acesso aos jornalistas, as

considerações relativas às fontes e as relações entre os repórteres e as suas

fontes, são elementos que se apoiam reciprocamente na criação de um modelo

cumulativo através do qual os jornalistas são, repetidamente, postos em

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contacto com um número limitado de fontes sempre do mesmo tipo (Gans apud

Wolf, 1987:204)

A socióloga Gaye Tuchman (1978), com vasta bibliografia sobre a investigação dos

processos produtivos no interior das redações, oferece alguns contributos importantes

nesta matéria. No contexto dos estudos sobre a produção de notícias, a autora abordou,

em finais dos anos setenta, a tendência para a centralização da recolha de notícias, que

cedo se começou a afirmar nos jornais, desde o século XIX, e que se foi desenvolvendo

e consolidando ao longo do tempo. Isto porque a centralização se revelou o processo

mais eficaz de otimizar a recolha de notícias, respondendo às necessidades produtivas

de um jornalismo de informação e atualidade, orientado para as massas. Tal como a

autora demonstra, o aparecimento das agências de notícias representa a sua expressão

máxima. Outro dos aspetos a que Gaye Tuchman faz referência, que permite

compreender o protagonismo das fontes centralizadas e o rápido desenvolvimento das

agências de informação, é a relação entre a centralização da recolha de notícias e o

carácter comercial dos jornais.

Tal como mostra Tuchman, a tendência dos jornalistas para privilegiar fontes

centralizadas de informação foi-se instituindo naturalmente nas suas rotinas produtivas,

desde que a produção jornalística se começou a assumir como uma produção de massas:

[…] a competição por itens adequados à narrativa aumentou. Na busca do

sensacional, os jornalistas deixaram a redação para procurar as notícias na

cidade. Ao contrário do chefe da estação do correio e do capitão do porto, eles

não podiam ficar dependentes de que as notícias chegassem até si,

especialmente porque publicavam diariamente e não semanalmente. Mas os

jornalistas não dispersavam pela cidade de forma aleatória ou arbitrária. Em

vez disso, havia vários locais lógicos onde era expectável que pudessem ocorrer

estórias, tais como esquadras de polícia e tribunais centrais a tratar crimes que

pudessem excitar as massas urbanas. Aí, os repórteres poderiam esperar saber

sistematicamente de ocorrências que pudessem encaixar e assim definir a

conceção emergente das notícias populares.2 (1978:18)

2 Tradução livre da autora. No original “[…] competition for items suitable for storytelling increased. Seeking the

sensational reporters left the office to find news in the city. Unlike the postmaster and harbor master, they could not

depend upon news coming to them, especially because they published daily, not weekly. But the news reporters did

not disperse through the city in either a random or an arbitrary manner. Rather, there were several logical locations

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A autora prossegue:

A importância dos locais sistemáticos pode ser traçada através da história

subsequente das notícias nos Estados Unidos. O ímpeto social dos primeiros

sensacionalistas na viragem do século XX foi alimentado pelos relatos dos

acontecimentos nos tribunais. Igualmente importante, a localização de uma

fonte central de informação facilita o afazer jornalístico contemporâneo.3

(1978:18)

Além da questão funcional, a autora avança também uma interpretação socioeconómica

deste processo, descrevendo a relação entre o processo de centralização das fontes e a

massificação do jornalismo, em estreita ligação com a entrada em cena da publicidade:

A concorrência acrescida pelas receitas de publicidade, atingidas graças ao

aumento da circulação, levou os meios de comunicação a desenvolver fontes

centralizadas de informação, como cordões umbilicais que ligam a redação às

suas fontes de sustento.4 (1978:19)

Assim, para a socióloga, esta crescente centralização, enquanto método para obter o

máximo de informação possível com o mínimo investimento possível, culminou no

desenvolvimento das agências de notícias.

1.1.2. Agências de informação

Sabemos que a estrutura de fontes da maioria dos órgãos de comunicação apresenta

deformações, como a preponderância das fontes de rotina. Sobre as fontes oficiais já se

avançou alguma informação relevante. Cabe agora abordar o caso especialmente

sensível das agências de notícias, cuja particularidade epistemológica justifica uma

abordagem mais ampla.

where stories might be expected to occur, such as central police stations and courts processing crimes that might

titillate the urban masses. There, reporters might hope to learn systematically of occurrences that could be shaped to

fit and thus to define the emerging conception of popular news.” (1978:18)

3 Tradução livre da autora. No original “The importance of systematic location can be traced through the subsequent

history of news in the United States. The social impetus of early muckrakers at the turn of the twentieth century was

nurtured by seines of reporting the happenings at night court. Equally important, the location of a central source of

information facilitates contemporary newswork.” (1978:18)

4 Tradução livre da autora. No original “Increased competition for advertising revenues attained by building

circulation led the news media to develop centralized sources of information much like umbilical cords connecting

the newsroom to its sources of sustenance.” (1978:19)

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a) Desenvolvimento das agências de notícias no contexto internacional

Em Uma história breve do jornalismo no ocidente (2008), Jorge Pedro Sousa oferece

uma descrição histórica do aparecimento e evolução das agências de notícias europeias

e norte-americanas, cujo contexto nos permite compreender melhor estas organizações.

É essa descrição que a seguir apresentamos, tendo por base o trabalho de Sousa (2008).

As primeiras organizações dedicadas à produção de notícias e outras informações para

venda aos órgãos jornalísticos e outras entidades interessadas surgiram na Europa,

durante o século XIX. Para Sousa, este foi um período particularmente propício do

ponto de vista jornalístico, empresarial, social e tecnológico. (2008:128)

São vários os fatores apontados pelo autor como estando na origem do aparecimento das

agências de notícias. Os jornais, que cresceram em volume, precisavam de notícias em

variedade e em quantidade para satisfazer um público mais vasto. Além disso, o mundo

estava em rápida mudança e, por isso mesmo, a gerar uma grande quantidade de notícias

potenciais para recolher, processar e disseminar. O aumento das tiragens, resultado das

vendas e publicidade lucrativas e do aparecimento de novos dispositivos tecnológicos,

proporcionou aos jornais, que possuíam uma rede de captura insuficiente, as receitas

necessárias para pagar a fornecedores externos de informação. Por sua vez, os novos

meios de comunicação e de transporte facilitavam tanto a recolha e difusão das

informações como a propagação dos jornais para áreas cada vez mais extensas, o que

fazia aumentar os lucros. Públicos diversificados e dispersos por grandes áreas

geográficas exigiam também um volume considerável de notícias diversificadas, que os

jornais já não conseguiam gerar sozinhos. A melhoria dos meios de impressão fez subir

os padrões da qualidade gráfica das publicações, o que fez aumentar as tiragens, os

lucros e, consequentemente, a necessidade de notícias. A perceção do jornalismo

enquanto negócio levou à diversificação da imprensa como tática empresarial para

alargar o mercado da informação a todos os cidadãos, e uma imprensa diversificada

exigia um grande volume de notícias variadas, o que favoreceu o negócio do fabrico e

fornecimento de notícias à imprensa. (Sousa, 2008:128)

A primeira agência de notícias mundial foi fundada em Paris, em 1835, por Charles –

Louis Havas. Trata-se da Agência Havas. Começou com pombos-correios e em 1845

adotou o telégrafo. (Moreira, 2011:4) Seguiram-se-lhe a alemã Wolff, fundada por

Bernhard Wolff, e a britânica Reuters, fundada por Paul Julius Reuter. As três agências

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desempenhariam um papel de complementaridade na cobertura mundial de notícias até

à ascensão do Nazismo na Alemanha e foram, durante o século XIX, as líderes na

difusão de notícias. (Moreira, 2011:6)

Tal como refere Sousa, as três agências distanciaram-se da party press e iniciaram uma

“[…] renovação estilística nos meios, reforçando-se a linha que preconizava a clareza,

a brevidade, a precisão e a simplicidade da linguagem.” (2008:129) Assim começaram

a emergir os métodos objetivos.

Apesar do início difícil que quase todas enfrentaram, as agências acabariam por

controlar quase em exclusivo os fluxos de notícias internacionais. (Sousa, 2008:129) As

três começaram por traduzir notícias da imprensa estrangeira para vender aos órgãos

jornalísticos e outras partes interessadas nos respetivos países. Depois começaram a

produzir notícias de cariz económico para a imprensa, para a banca e para os grandes

industriais. A grande procura de notícias por parte da imprensa, bem como dos

governos, empresas e bancos, levou as agências a alargar a produção às informações

generalistas. Estas três agências vieram a assumir uma posição privilegiada no mercado,

em resultado do seu pioneirismo, do rigor da informação produzida e da dependência

que a imprensa e os governos mantinham, mantendo-se sempre à frente da concorrência

que entretanto foi surgindo. (Sousa, 2008:130)

Em 1848 aparece a primeira agência norte-americana, a Associated Press (AP), formada

por seis diários de Nova Iorque. De acordo com Moreira, é à AP que se deve a

substituição da narrativa cronológica pela técnica da pirâmide invertida para a

construção das notícias, motivada pela necessidade de objetividade frente às várias

visões políticas e pela dificuldade de transmissão da mensagem. A AP viria também a

bater as concorrentes nacionais que entretanto foram surgindo e a impor-se como a

principal agência norte-americana. (Moreira, 2011:8; Sousa, 2008:131)

Em Itália a história das agências de notícias começa em 1853, quando Guglielmo

Stefani funda a Agenzia the Stefani. Esta organização cobria as notícias de Turim e tinha

subscritores e correspondentes nos outros estados italianos. Stefani formou uma aliança

com Havas para as notícias internacionais.

As três grandes agências europeias, que já controlavam os respetivos mercados internos,

iniciaram uma política de alianças para facilitar a exploração do mercado externo. O

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primeiro acordo de intercâmbio de notícias financeiras e económicas foi feito em 1856,

ao qual se seguiu um segundo acordo, firmado em 1859, que repartia a cobertura da

Europa entre as três e estabelecia uma conjugação de esforços no que respeitava aos

outros continentes. Como afirma Sousa, isto deixava já antever a intenção que as três

tinham de se tornar organizações mundiais de produção e difusão de notícias.

(2008:130)

Em 1866 surge o primeiro cabo submarino que liga a Europa à América e as agências

europeias estabelecem laços com a New York Associated Press, iniciando uma política

de expansão mundial. É também nesta década que o jornalista espanhol Nile Maria

Fabra transforma o seu serviço de correspondentes em Madrid numa agência de

notícias, a agência Fabra. (Moreira, 2011:10)

Em 1868 surge outra agência no Reino Unido, a Press Association, fundada pelos

jornais diários regionais. O seu objetivo era oferecer uma alternativa mais precisa e

confiável às companhias telegráficas e providenciar cobertura jornalística rápida e

eficaz a todos os seus membros. Através da cooperação esta agência conseguiu agrupar

27 jornais nacionais e regionais e elaborar um serviço jornalístico sedeado em Londres,

com correspondentes nas principais cidades do Reino Unido. De acordo com Moreira,

esta agência visava a informação e não o lucro: “A Press Association baseia-se no

princípio de cooperação e nunca pode ser utilizada para lucro individual ou tornar-se

exclusiva no seu carácter.” (Shrivastava, 2007 apud Moreira, 2011:11)

Durante a década de setenta as agências transformaram-se em sociedades anónimas,

conseguindo um grande afluxo financeiro, distribuíram correspondentes pelas cidades

importantes em todo o mundo e seguiram uma política de concentração que absorveu

outras agências mais pequenas. Como exemplos, Sousa aponta a Fabra e a Stefani,

obrigadas a cooperar com as três grandes agências europeias para sobreviver.

(2008:131) Estas últimas vieram a tornar-se de facto em organizações mundiais

oligopólicas, cobrindo cada uma delas uma respetiva zona do globo.

Em 1874 foi estabelecido um cabo submarino entre a Europa e o Brasil, o que deu

origem a novos acordos em torno do acesso ao mercado sul-americano. Por exemplo, a

New York Associated Press garantiu, nos Estados Unidos, uma relação exclusiva com as

agências europeias, comprometendo-se a não atuar nos mercados europeu e sul-

americano. A Havas, a Reuters e a South American Press também firmaram um acordo,

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que viria a ser redefinido com o fracasso económico da última, o que veio permitir à

Havas, que já detinha a cobertura dos países latinos, o monopólio da cobertura do

espaço latino-americano até à chegada das agências americanas. (2008:132) As agências

de notícias continuaram a expandir-se pela Europa até ao final do século XIX. Em 1894

é fundada na Suíça a Agência Telegráfica da Suíça. (Moreira, 2011:11)

No final do século XIX a Reuters, a Havas e a Wolff, em articulação com as agências

nacionais mais pequenas, controlavam um sistema global de fluxos de notícias, traçado

pelas três em conjunto. Cada agência nacional enviava em exclusivo à grande agência

com que estava coligada as informações sobre o respetivo país e recebia em troca,

também em exclusivo, os conteúdos da sua associada. Em consequência destas alianças,

as pequenas agências nacionais coligadas com as internacionais acabaram também por

se assumir nos seus países como as principais fornecedoras de notícias para os órgãos

jornalísticos. (Sousa, 2008:132)

A partir de 1875 a aliança começou a sofrer os primeiros abalos. Os governos

começaram a envolver-se no processo de recolha e difusão de notícias por parte das

agências, através de métodos como a soberania direta, o controlo, a atribuição de tarifas

para a utilização de instalações de comunicação do estado, intervenção no conteúdo das

notícias e subsídios ou financiamentos diretos às agências, evidentes ou encobertos.

(Shrivastava, 2007 apud Moreira, 2011:12) As agências acabariam por ceder à

influência dos governos e por se por, antes de mais, ao serviço dos respetivos estados

em detrimento dos interesses da aliança. A concorrência de outras agências e os acordos

entre jornais (que queriam diferenciar-se no mercado) começaram também a minar o

controlo dos fluxos de informação mantido pelas três grandes. Mas a sua

preponderância informativa internacional foi decisivamente abalada com a censura

telegráfica aplicada pelos governos nacionais. (Sousa, 2008:133)

A New York Associated Press acabaria por sucumbir face à forte concorrência que foi

surgindo e faliu em 1893. As agências europeias, que com ela mantinham acordo,

voltaram-se então para a Associated Press of Illinois, que se transferiu para Nova Iorque

em 1900 sob a designação de Associated Press (AP). (2008:134)

Já no século XX, a aliança das três agências europeias continuava em dificuldades. Em

1902 a AP começou a abrir sucursais na Europa, seguindo-se-lhe a United Press (UP),

fundada em 1907, e a International News Service (INS), fundada em 1909. As agências

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norte-americanas fizeram sentir a sua forte concorrência, desde logo porque o seu

descomprometimento face aos governos europeus as apresentava como uma alternativa

às agências europeias. Além de darem mais exclusivos jornalísticos, também ofereciam

conteúdos mais “leves” e notícias de interesse humano, géneros de estórias que as

europeias não produziam. (Sousa, 2008:252)

A intervenção dos governos nas agências generalizou-se sobretudo depois de 1910 e

durante a Primeira Guerra Mundial. Recorrendo a um dos exemplos usados por

Moreira, durante o conflito, a Reuters concordou em difundir notícias oficiais sobre as

tropas aliadas para os países neutros, em troca de subsídios do governo para a

transmissão de telegramas. As notícias tornaram-se então numa ferramenta de

propaganda política. (2011:13) Quanto à Havas e à Wolff, a sua postura não foi muito

diferente, tornando-se também em agentes de propaganda dos respetivos estados. Fruto

deste comprometimento com os governos de Paris, Londres e Berlim, as três agências

europeias viriam a perder durante a Primeira Guerra Mundial muita da credibilidade que

até então conquistaram. (Moreira, 2011:13)

A “Tripla Aliança” acabou por se romper, mas foi criada em 1918 a Rede Aliada de

Notícias, que juntava a Havas, a Reuters, a Associated Press e outras vinte e seis

agências nacionais, às quais se veio a juntar a partir de 1924 a agência soviética Rosta,

que passaria a chamar-se Tass no ano seguinte. (Sousa, 2008:253)

A ascensão dos totalitarismos na Itália, Alemanha e Espanha, a crise económica dos

anos Trinta e as tensões antes da Segunda Guerra Mundial vieram agudizar as

tendências que já existiam no sistema internacional de informação, com as três agências

europeias a acentuar ainda mais as ligações aos respetivos estados e o seu pendor

propagandístico. A Rede Aliada desfez-se quando a antiga agência Wolff, entretanto sob

o domínio do governo Nazi e com a designação de DNB, exigiu liberdade de ação no

Extremo Oriente e o controlo da cobertura da Polónia e da Checoslováquia. (2008:254)

O aparecimento da telegrafia sem fios e de impressoras capazes de descodificar

impulsos elétricos, nos finais da década de 1920, não só potenciou e agilizou a atividade

das agências existentes como permitiu o aparecimento das novas agências

radiotelegráficas. Mas a Segunda Guerra Mundial continuou a estreitar a ligação entre

os governos beligerantes e as agências, que cederam ainda mais à propaganda. Em

consequência, várias agências foram nacionalizadas no pós-guerra. Jorge Pedro Sousa

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dá como exemplos a Havas, que então passou a chamar-se Agence France Press (AFP);

a DNB, que passou a DPA e a Stefani, que mudou para ANSA. Quanto à Reuters e às

agências americanas, continuaram na esfera privada. Paralelamente apareceram novas

agências privadas em alguns países europeus. É o caso da Agência de Notícias e

Informações, que surgiu em 1947 em Portugal. Noutros países surgiram organizações

resultantes da cooperação de órgãos jornalísticos livremente associados, como a APA na

Áustria, e agências participadas ao mesmo tempo pelo Estado e por privados, como a

Anatolia na Turquia e, hoje, a agência Lusa. Na esfera da União Soviética, o domínio

pertencia à agência estatal Tass. (2008:254)

Assim se desenhou um sistema internacional de fluxos noticiosos dominado por seis

grandes agências: AP, UP, INS, Reuter, AFP e Tass. Em 1955 a UP e a INS fundiram-

se, formando a United Press International (UPI). Mas no final do século XX já só a

Reuter, a AP e a AFP se mantinham no controlo dos fluxos internacionais de notícias. A

UPI abandonou a cobertura internacional depois de entrar em crise económica e a Tass

(ou Inter-Tass, a partir de 1992) restringiu-se à cobertura do espaço russo e russófono

após o colapso da União Soviética. (2008:255, 256)

De acordo com a síntese de Jorge Pedro Sousa, no final do século XX a Reuter, a AP e a

AFP dominavam o panorama internacional, aliadas a várias agências nacionais, como a

portuguesa Lusa. Ao mesmo tempo, fruto das alianças com as grandes agências,

consolidava-se o protagonismo interno das agências nacionais de cada país, o que

também aconteceu com a Lusa em Portugal. (2008:256)

b) Desenvolvimento das agências de notícias em Portugal

A colaboração entre as agências de notícias e os jornais portugueses começou a

desenvolver-se tardiamente, tendo em conta os contextos europeu e norte-americano. O

primeiro passo nesse sentido foi dado em 1866, quando o Diário de Notícias publicou

pela primeira vez em Portugal uma notícia feita com a colaboração de uma agência de

notícias, a Havas. Foi o início de uma colaboração entre o Diário de Notícias e a

agência francesa, que duraria até 1926, altura em que caiu a Primeira República e

ascendeu a ditadura. Finda a parceria com a Havas, entraram no panorama jornalístico

português a Reuters, a AP e a UPI. (Moreira, 2011:30)

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A primeira organização próxima de uma agência de notícias portuguesa, a Agência

Lusitânia, só viria a surgir em 1944, pela mão do jornalista Luís Lupi. Trata-se de uma

organização privada que acabou por falhar alguns dos objetivos do fundador,

dedicando-se mais à propaganda do Estado Novo nas colónias do que ao jornalismo

enquanto atividade independente. Dificilmente esta situação poderia ser evitada já que,

na prática, era o financiamento do Ministério das Colónias que sustentava a agência.

Moreira chama por isso a atenção para a controvérsia em torno da classificação desta

organização como agência de notícias. (2011:32) Pouco depois, Dutra Faria, redator-

chefe do Diário de Notícias, Barradas de Oliveira e Marques Gastão criam a Agência

Nacional de Notícias (ANI), também ligada ao Estado e votada à propaganda mas,

segundo Moreira, mais digna de ser vista como uma agência de notícias. (2011:34)

Embora a ANI se tenha mostrado mais forte, as duas agências mantiveram-se em

situação de concorrência até 1974.

O fim do Estado Novo determinou a extinção da Lusitânia, a 18 de Novembro de 1974,

e da ANI, em Setembro do ano seguinte. Para romper de vez com qualquer vínculo ao

regime anterior, o novo governo criou uma nova agência de notícias, a ANOP (Agência

de Notícias Portuguesa), que iniciou funções em 1975. Era uma empresa pública,

empenhada em romper com o caracter faccioso e fascista das duas agências anteriores.

(2011:38) Tinha à sua responsabilidade a recolha e tratamento rigorosos de notícias,

bem como a sua difusão para os meios de comunicação nacionais e internacionais.

(Silva, 2002:18; Moreira, 2011:38) Da sua orgânica faziam parte um conselho de

gerência, nomeado pelo Conselho de Ministros, e uma comissão de fiscalização, bem

como um Diretor de Informação, cuja nomeação dependia de parecer favorável do

Conselho de Redação. (Silva, 2002:18; Moreira, 2011:39) A agência mantinha-se

principalmente com os lucros provindos dos clientes e subscritores e, em menor medida,

com subsídios e comparticipações do Estado. Começou a cobertura jornalística em

1978, com delegações no Porto, Coimbra, Guarda, Évora, Faro, Ponta Delgada e

Funchal. Além destas tinha ainda correspondentes em Aveiro, Beja, Braga, Bragança,

Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Portalegre, Porto, Leiria, Santarém,

Setúbal, Viana do Castelo, Viseu, Vila Real e nos Açores. A rede da ANOP chegaria à

Madeira em 1980. A partir desta altura a agência expandiu-se também

internacionalmente, com delegações em Bissau, Maputo, Cidade da Praia, Bruxelas e

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Madrid, e com correspondentes nas principais capitais do mundo. (Silva, 2002:19;

Moreira, 2011:40)

No que diz respeito ao peso do jornalismo de agência nos órgãos de comunicação

portugueses, a descrição feita por Sónia Silva permite-nos comparar a dinâmica

jornalística de então à situação atual. Segundo os dados expostos pela autora, já naquela

época mais de 60% dos conteúdos dos meios de comunicação eram constituídos por

notícias da ANOP, o que fazia desta agência a principal fonte de informação dos órgãos

jornalísticos portugueses. Para explicar esta situação, a autora faz referência à

insuficiência das redações e à sua fraca capacidade de investigação. Silva cita também

alguns jornalistas da época em referência aos problemas humanos, técnicos e

económicos dos jornais portugueses, que dificultavam uma cobertura jornalística de

âmbito nacional, admitindo mesmo que iam buscar à ANOP cerca de 90% dos textos

que eram publicados e que, à exceção dos grandes acontecimentos, aos quais os jornais

enviavam os seus próprios jornalistas, era a ANOP que fazia a informação em Portugal.

(2002:20) Então, a imprensa tornou-se dependente da ANOP, e esta transformou-se num

poderoso definidor da agenda jornalística.

A partir de 1980 os lucros da ANOP entraram em queda e no ano seguinte a empresa

mergulhou definitivamente na instabilidade financeira. Como a maioria dos

investimentos da agência eram suportados pelo Estado, o governo de Francisco Pinto

Balsemão decidiu extinguir a ANOP em 1982 e apoiar a criação de uma nova agência de

base cooperativista. (Silva, 2002:22; Moreira, 2011:42)

Apesar da posição do governo, que suspendeu o financiamento que mantinha a agência,

a ANOP não chegou a ser extinta, já que o presidente da república Ramalho Eanes não

promulgou o Decreto Governamental de extinção. Assim, a ANOP coexistiu durante

muito tempo com a nova agência criada, após vários avanços e recuos, a 1 de Novembro

de 1982, chamada Notícias de Portugal (NP). A NP era financiada com dinheiros

públicos, mediante um protocolo que estabelecia a prestação de serviços noticiosos ao

Estado. Surge como uma agência cujo objetivo assenta, de acordo com os Estatutos, na

“prestação de serviços de informação noticiosa, através da recolha e difusão de

material informativo, nomeadamente de notícias e imagens para utilização nos meios

de comunicação social nacionais e estrangeiros”. (Silva, 2002:28) Os Estatutos

também asseguram a salvaguarda da independência jornalística, determinando uma

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atuação “isenta de influência e considerações de natureza ideológica, política e

económica que comprometam o seu rigor e a objetividade.” (Silva, 2002:28)

A orgânica da NP consistia numa assembleia geral, presidida pela Radiodifusão

Portuguesa, com o Diário de Coimbra como vice-presidente e a Radiotelevisão

Portuguesa como tesoureiro; uma direção e um conselho fiscal. (Silva, 2002:28;

Moreira, 2011:45)

Os jornalistas da ANOP, que mostravam resiliência e mantinham a agência em funções

apesar da indefinição em que se encontrava e das grandes dificuldades financeiras e

operacionais, sofreriam um novo abalo com um despedimento coletivo. Silva resume a

situação:

Se tentarmos realizar uma caracterização da ANOP nesta fase, consideramos

poder afirmar que se encontrava, simultaneamente, falida, em vias de extinção,

sobrevivendo e em concorrência direta com a agência NP. (2002:32)

Em 1983, o governo de Mário Soares toma uma posição e questiona a coexistência das

agências, ambas dependentes de subsídios do Estado. Assim, pôs em negociação a fusão

das duas agências, mas a proposta foi inviabilizada pela discordância da NP. Na

ausência de acordo, o governo teve que assumir a coexistência das duas agências e em

1984 determinou que passaria a repartir entre ambas o capital que até 1982 era investido

na ANOP. A ANOP foi alvo de uma reestruturação, com vista à autossuficiência, e de

um plano de saneamento financeiro. Apesar dos problemas financeiros que as duas

agências continuaram a enfrentar, em 1985 ambas investiram na informatização das

redações, um processo necessário apesar de tudo. (Moreira, 2011:47)

As três partes, governo, ANOP e NP, acabariam por concordar, em Agosto de 1986,

com a fusão que, a 28 de Novembro do mesmo ano, deu origem à Agência Lusa de

Informação, como uma “cooperativa de utilidade pública, de responsabilidade

limitada”. (Silva, 2002:37) O protocolo assinado em Agosto salvaguarda a autonomia

económica e financeira da agência:

[…] assegurada por uma estrutura de capital próprio e de receitas, de modo a

salvaguardar a sua independência perante o Governo, a administração e os

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demais poderes públicos, não podendo agir sob controlo, influência ou pressão

de qualquer grupo ideológico, económico ou político”. (Silva, 2002:37)

Como mostra Silva a partir da Resolução de Conselho de Ministros que formalizou a

Lusa, o objetivo da nova agência consiste na “prestação de serviços de informação

através da recolha, tratamento e difusão de material noticioso e de interesse

informativo, mediante remuneração livremente convencionada.” (2002:37) A resolução

determina ainda que cabe à Lusa a cobertura nacional e regional do país, incluindo as

regiões autónomas, os acontecimentos relacionados com a Comunidade Económica

Europeia, com os países de língua oficial portuguesa e outras áreas de interesse para o

país. (2002:37) Conforme avança a autora, os corpos socias da Lusa são constituídos

por uma assembleia geral dos membros da cooperativa, que inclui representantes do

Estado; uma direção, que determina o diretor de informação da agência e por um

conselho fiscal. Foi também criado um conselho geral, composto por associações

empresariais e por representantes de classes profissionais, como os jornalistas e demais

trabalhadores da agência, e de comunidades como o conselho das comunidades

portuguesas ou das regiões autónomas. (2002:38)

Tratava-se então de uma cooperativa de interesse público, que reunia o Estado e os

órgãos de comunicação social. (2002:38) Mas a comunidade jornalística,

particularmente o Sindicato dos Jornalistas, considerava que um modelo em que o

Estado detinha metade do capital da agência não assegurava a sua independência. Como

observa Sónia Silva, a Lusa revelou-se ela própria uma solução controversa. (2002:39)

Os primeiros anos de funcionamento da agência revelar-se-iam conturbados, devido a

divergências internas, o que motivou a substituição da direção e uma reestruturação da

redação em 1988. Mas o período que se segue é de crescimento e expansão

internacional. Sediada em Benfica, a agência tem delegações no Porto, Coimbra, Faro,

Guarda, Évora, Ponta Delgada e Funchal, bem como correspondentes em todas as

capitais de distrito. A cobertura estende-se à África de expressão portuguesa, com

delegações em Maputo, Bissau, Luanda, Cidade da Praia e São Tomé e Príncipe; à

África do Norte, através de uma delegação em Rabat e à Ásia, com uma “Desk-Asia-

Pacífico” em Macau. Na Europa, possui uma delegação em Bruxelas e uma rede de

correspondentes permanentes espalhados pelas principais capitais. No total, a Lusa

conta já com mais de 250 jornalistas, a fornecer conteúdos aos órgãos de comunicação

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social, nas secções “nacional”, “internacional”, “economia”, “comunidades e regiões” e

“desporto”, 24 horas por dia. (Silva, 2002:40)

De acordo com a investigação de Silva, já em 1988 cerca de metade das notícias

nacionais e perto da totalidade das notícias internacionais usadas pela comunicação

social portuguesa eram produzidas pela Agência Lusa. O mesmo protagonismo se

verificava enquanto difusora de notícias sobre Portugal, sobre os PALOP e sobre as

comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, para a imprensa estrangeira. O facto

de ser a única agência de notícias de âmbito nacional, a difundir uma média de

quatrocentas notícias diárias, em conjugação com a fragilidade financeira dos órgãos de

comunicação social nacionais explica este crescimento. (2002:41)

O crescimento não abrandou nos anos seguintes, refletindo-se no aumento da qualidade

e quantidade do serviço prestado. A agência alargou a rede de delegações e

correspondentes e subiu o número de clientes. Ciente das novas condições mediáticas,

em 1993 faz uma nova aposta na modernização editorial e tecnológica. A adoção do

satélite para a receção e transmissão de notícias, em lugar da ultrapassada rede

telegráfica, veio permitir uma maior rapidez de difusão, uma seleção de notícias mais

direcionada para os objetivos dos clientes e uma comunicação mais segura. Em 1995

introduz a Internet nos processos de difusão, experimentando aquela que viria a ser a

tendência do jornalismo: a atualização constante dos noticiários. Em 1997 adota um

processo de difusão integralmente digital. (Silva, 2002:41)

Apesar da qualidade e eficiência atingidas, todo este investimento acabou por afetar as

finanças da agência, que foi acumulando prejuízos e acabou por entrar em falência

técnica em 1997. (2002:42) Para sanear financeiramente a empresa, o governo

transformou a cooperativa de interesse público numa sociedade anónima (LUSA –

Agência de Noticias de Portugal, S.A.), detida maioritariamente por capitais públicos.

Tal como determina o artigo 3º dos Estatutos:

[…] a sociedade tem por objeto a atividade de agência noticiosa, competindo-

lhe assegurar uma informação factual, isenta, rigorosa e digna de confiança,

prestando os seguintes serviços: recolha de material noticioso ou de interesse

informativo e seu tratamento para difusão; divulgação do material recolhido,

mediante remuneração livremente convencionada, para utilização de órgãos de

comunicação social nacionais e estrangeiros ou de quaisquer outros utentes

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individuais ou coletivos, institucionais ou empresariais que o desejem;

prestação ao Estado português, ao abrigo de um contrato específico, plurianual,

de serviços da sua especialidade que assegurem o cumprimento das obrigações

do Estado no âmbito do serviço de interesse público relativo à informação dos

cidadãos. (Silva, 2002:43)

Atualmente a Lusa possui uma rede de delegações e correspondentes que se estende por

todo o território nacional, abrangendo todas as capitais de distrito, pelos PALOP,

Timor, Macau, Pequim, Madrid e Bruxelas. Possui também correspondentes em Berlim,

Londres, Paris, Roma, Moscovo, Washington, Brasília, Joanesburgo, Rabat e Jacarta,

distribuindo os conteúdos aos clientes em tempo real, 24 horas por dia. (Silva, 2002:43)

No ano 2000 a agência contava com cerca de 200 jornalistas e 80 colaboradores, metade

dos quais se concentrava na sede, em Lisboa, espalhando-se a outra metade pelo resto

do país e pelo estrangeiro. O seu alcance é ainda reforçado pela manutenção de uma

troca de informações com outras agências internacionais. Os clientes da Lusa continuam

a ser os meios de comunicação social portugueses (jornais, rádios e televisões) de

âmbito nacional e regional, a imprensa estrangeira especializada, bem como instituições

financeiras, organismos e instituições públicas e privadas e clientes individuais, num

total de mil clientes. (Silva, 2002:43; Moreira, 2011)

Voltando à perspetiva de Gaye Tuchman, a analogia com a teia de aranha, usada pela

autora, é ilustrativa da disposição das agências de notícias na paisagem da cobertura

jornalística. Para Tuchman, cada agência de notícias é como uma teia de aranha, que se

desdobra a partir de um escritório central para se conectar com as delegações e redações

e também para reunir vários media jornalísticos numa localização central. Cada medium

associado, com as suas próprias subscrições de agências e delegações, pode ser visto

como uma teia de aranha mais pequena, espalhando-se a partir de um escritório central.

Juntas, todas estas redes pretendem “cobrir o mundo” para alimentar a fome de notícias.

(1978:20)

Então, em simultâneo com a centralização dos canais de recolha de informação, os

órgãos de comunicação e as agências de notícias, em conjunto e interação, foram

tecendo uma rede mundial, que representa o estado da arte da centralização da

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informação para a otimização do trabalho jornalístico. Daqui resultou uma estrutura

produtiva extremamente complexa.

c) A produção jornalística e as agências de notícias

Para se compreender a influência das agências de notícias nas rotinas produtivas das

redações devemos compreende-las como o resultado de um processo que se veio a

desenvolver desde o início do jornalismo moderno, para responder às necessidades

criadas pela própria atividade. Portanto as agências de notícias são, em certa medida,

um resultado das exigências produtivas do jornalismo e dos procedimentos rotineiros

dos jornalistas.

Por outro lado, à medida que as agências de notícias foram controlando os fluxos da

informação e se introduziram nos ciclos produtivos dos seus clientes (os órgãos de

informação signatários) estes foram moldando as suas rotinas produtivas à ação

mediadora das agências. Nesta perspetiva as agências podem ser vistas como uma das

causas que determinam a configuração das rotinas produtivas tal como elas são hoje.

Como temos vindo a sublinhar, as redações tornaram-se passivas e dependentes. A

integração do jornalismo de agência na produção jornalística dos órgãos de informação

regulares e o impacto que essa integração teve nas rotinas produtivas das redações

vieram extremar esta tendência. Foi um preço que as grandes organizações jornalísticas

aceitaram pagar em nome da eficiência.

Para a maioria dos órgãos de comunicação, as grandes agências de notícias são a fonte

mais notável dos materiais noticiáveis. São as protagonistas do processo de mediação

que separa as redações dos jornais do movimento do real. São autênticos “cordões

umbilicais” como lhes chama Tuchman (1978).

Gaye Tuchman põe em evidência a posição chave das agências enquanto feeders dos

media. A autora refere o papel dos “day book” ou “agendas diárias”, fornecidas pelas

agências aos subscritores e media associados, que listam diariamente o que é suposto

acontecer nas cidades para que os media possam decidir quando devem cobrir eles

próprios uma ocorrência e quando devem usar os tópicos de agência. Mas

verdadeiramente decisiva é a prática observada pela investigadora em algumas redações

de rádio e televisão, designada como “rip and read” e que consiste em inserir

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diretamente os textos das agências de notícias, sem alterações, no noticiário final.5

(1978:20)

Na sua análise da fase de recolha dos materiais informativos Mauro Wolf fala de um

mecanismo de seleção circular, em que os canais de recolha do material estão já

estruturados em função das avaliações de noticiabilidade, acabando por realçar e

reforçar os critérios de relevância. A este propósito, Wolf também refere a questão da

utilização direta dos textos de agência. O autor sintetiza o problema que aqui se levanta

ao focar a integração de procedimentos de recolha e de valores-notícia, a

interdependência entre as fases de recolha e de estruturação do material:

Os dois processos funcionam simultaneamente, dado que a recolha se verifica,

sobretudo, através de fontes estáveis que tendem a fornecer material informativo

já facilmente inserível nos procedimentos produtivos normais da redação. O

exemplo mais frequente é a escolha dos despachos de agência e a sua

publicação como notícia, apenas com algumas modificações superficiais,

estilísticas, ou acompanhadas de algum suporte visual. Desta forma, a

estruturação da peça e o “corte da notícia” são, em larga medida, pré-

determinados na fase de recolha, e o jornalista limita-se a uma função de

ajustamento marginal. (1987:195)

Como lembra o autor, os próprios critérios que regulam a redação das peças de agência

pressupõem a possibilidade de uma utilização imediata do texto de agência em forma de

notícia, desde logo porque esses critérios são os jornalísticos. (1987:205) Mas para

alguém alheio aos processos produtivos das redações, isto pode não ser imediatamente

percetível.

Nas rotinas produtivas do DN, mais do que a preponderância das fontes oficiais que já

referimos, destacamos acima de tudo a dependência da redação relativamente às

agências de notícias. Estas ocupam o topo da hierarquia na estrutura de fontes instituída

no jornal, de tal forma que as notícias cuja origem não esteja direta ou indiretamente

ligada às agências serão certamente em número residual.

5 “Conhecida como ‘arrancar e ler’, a prática consiste em ‘arrancar’ uma cópia da United Press International ou

um telétipo da Associated Press (que vomita as estórias num rolo contínuo de papel) e ‘ler’, sem alterações, no ar.”

(1978:20) Tradução livre da autora. No original “Called ‘rip and read’, the practice is to ‘rip’ copy off the United

Press International or Associated Press teletype (which spew stories onto a continuous reel of paper) and to ‘read’ it,

without changes, on the air.” (1978:20)

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Para assegurar o “alimento” à redação, nada melhor do que um “cordão umbilical”.

Cada jornalista tem acesso a uma plataforma informática, constantemente atualizada

com os textos das agências Lusa, Reuters, AFP e AP, com filtros de pesquisa adequados

às necessidades dos jornalistas. É uma ferramenta orientada para a eficiência e a base do

trabalho diário dos jornalistas. Um dos principais automatismos que as rotinas

produtivas do DN nos incutiram foi a consulta constante das agências de notícias. Era o

primeiro procedimento ao chegar à redação e, de maneira geral, o procedimento básico

durante o dia de trabalho. No nosso caso, o serviço mais utilizado foi o da Lusa, dado

que a maior parte dos trabalhos que nos couberam diziam respeito a assuntos nacionais

e regionais, nas secções “segurança” e “cidades”.

Grande parte das tarefas que fomos desempenhando ao longo do estágio consistiu na

seleção e tratamento de material já pronto. Em algumas situações o nosso trabalho

resumiu-se ao “ajustamento marginal”, de que fala Wolf, das peças da Lusa, para que a

peça encaixasse no desenho das páginas. Noutras situações tivemos que estabelecer

contactos no sentido de obter informações adicionais ou de esclarecer alguma parte da

estória. Nestes casos não se tratou de um ajustamento puro e simples, já que houve

efetivamente um input da nossa parte.

Mesmo quando um jornalista contribui ativamente para complementar uma notícia que

já lhe chega às mãos estruturada ou apenas se baseia nela, a complementação nem

sempre significa aprofundamento, já que este último demandaria mais tempo e,

porventura, mais espaço. A opção relativamente comum de complementar as peças

sobre crimes ou tragédias, por exemplo, com caixas de texto sobre outros casos

semelhantes, mas sem qualquer relação direta com o caso que constitui a notícia, não

significa necessariamente que se tenha aprofundado a estória. Também não significa

que se tenha contribuído para o seu esclarecimento. Mas, em muitas situações, é a

solução possível para os jornalistas. Trata-se apenas de uma resposta simples e

rotinizada às exigências produtivas do espaço e do tempo, que ilustra a forma como

estas exigências interferem na seleção e tratamento da informação.

As notícias online

O aparecimento dos portais de notícias na internet introduziu nas rotinas das redações

particularidades inerentes à natureza do meio online. Um dos aspetos mais importantes

deste paradigma das notícias online, senão o aspeto determinante no que respeita ao

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tema aqui tratado, é a linearidade de um ciclo produtivo contínuo e ininterrupto. Como

as páginas online dos jornais têm que ser permanentemente “alimentadas”, minuto a

minuto, disseminaram-se as chamadas “redações 24 horas”, com equipas redatoriais

exclusivamente dedicadas ao meio online e particularmente dependentes de fontes de

conteúdo estáveis e “produtivas”.

Embora o Diário de Notícias tenha uma equipa de jornalistas a trabalhar em exclusivo

para a edição online, muitos dos redatores da edição impressa também publicam textos

no site. Tal foi o nosso caso, o que nos permitiu experimentar ambas as realidades, tanto

a produção para a edição impressa como a produção online. Constatámos que as

realidades produtivas nos dois meios apresentam pequenas diferenças circunstanciais

mas que, no fundamental, persistem grandes semelhanças que uma visão global permite

entender como redundâncias.

A perceção com que ficámos é a de que a produção online do DN é ainda mais orientada

pela “lógica do cronómetro” do que a da edição impressa. A prática mostrou-nos que a

edição online do jornal se compõe, de forma ainda mais significativa, de notícias de

agências e que a utilização direta ou ajustamento marginal destes textos, a que se

referem Tuchman e Wolf, é uma prática ainda mais comum e aceite entre os jornalistas

neste meio. No nosso entender, existe aqui um paradoxo. Apesar de o meio virtual

dispor de características particularmente adequadas a um jornalismo mais orientado para

a reflexão e aprofundamento das notícias6, dada a disponibilidade virtual de espaço e de

tempo, na prática, é o meio no qual os jornalistas menos refletem e aprofundam as

estórias. De facto, como observa Moreira (2011), as agências parecem ter hoje um papel

crucial no universo online.

Apesar da dificuldade em reunir um corpo teórico de fundo especificamente dedicado

ao fenómeno das agências de notícias, o peso do jornalismo de agência nos vários

panoramas jornalísticos começa a ser alvo de alguma investigação. Os estudos

conduzidos na Austrália7 por Jane Johnston e Susan Forde

8, em 2009 e 2011, apontam

6 A grande reportagem multimedia de produção própria, por exemplo, é um dos géneros em que as organizações

jornalísticas poderiam apostar nas suas páginas web. A interatividade também poderia ser melhor explorada. Mas é

possível que a natureza do financiamento das versões online dos jornais impressos seja o principal obstáculo para o

real aproveitamento dos recursos digitais.

7 O caso australiano apresenta semelhanças e diferenças relativamente ao contexto português. Em comum há o facto

de em ambos os países existir uma única agência de notícias, sem concorrência nos respetivos mercados internos. A

diferença que se impõe reside na estrutura de capitais de cada uma das organizações. Enquanto a Agência Lusa é uma

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para os aspetos críticos que aqui salientamos, nomeadamente para o papel

potencialmente dominante dos textos das agências de notícias no contexto do jornalismo

online.

Johnston e Forde constataram que a maior parte dos sites de notícias conta em grande

medida com as agências noticiosas para as notícias “de última hora” em

desenvolvimento e que, na maioria dos casos, as peças das agências são republicadas na

íntegra pelos seus clientes. (2009:10) As investigadoras concluíram que os textos das

agências beneficiam de um estatuto próprio dentro das redações e que esse estatuto

induz nos jornalistas determinados comportamentos:

Os textos das agências de notícias são assumidos pelos jornalistas e editores

como já tendo passado pela confirmação dos factos, pela investigação de fundo

e verificações e como contendo material original. Em resultado, os textos da

AAP ou de outras agências são muitas vezes despachados, divulgados, “postos”

no site de notícias do assinante, assim que possível, com poucas ou nenhumas

alterações.9 (2011:207)

Não queremos avaliar a legitimidade deste tipo de prática, mas entender as razões que a

sustentam, dado que se trata de uma realidade abertamente admitida pelos profissionais.

O texto de Johnston e Forde também nos mostra isso:

As entrevistas com o nosso ex-jornalista online sugerem que, enquanto ele

verificaria qualquer comunicado de imprensa que chegasse à sua mesa para ser

apurado e o seguiria sempre com uma entrevista, ele não tratava os textos da

AAP da mesma forma. Na verdade, ele indicou que "despachar" [“churning”]

um comunicado de imprensa era uma grave ofensa à sua organização

sociedade anónima constituída por capitais privados e públicos, a Australian Associated Press, detida por quatro

grandes organizações jornalísticas australianas, depende inteiramente de capitais privados. 8 As pesquisas das autoras sugerem que a AAP reproduz ela própria comunicados de imprensa, sem qualquer

verificação ou acompanhamento, que continuam a ser reproduzidos por sua vez pelos órgãos de comunicação

subscritores dos seus serviços. Questionam a conduta profissional da agência e a qualidade dos seus textos. O

paralelismo que aqui fazemos entre a AAP e a Lusa em nada tem a ver com tais questões, resumindo-se à forma como

os seus textos são utilizados pelos meios de comunicação assinantes.

9 Tradução livre da autora. No original “Copy coming through news agencies is assumed by journalists and editors to

have already gone through fact-checking, background research, and verifications, and to contain original material.

As a result, copy from AAP or other agencies is often churned, disseminated, “put up” on the subscriber’s news Web

site as soon as possible with little or no change.” (2011:207)

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jornalística, enquanto despachar um texto da AAP era prática comum e aceite.10

(2011:14)

Para nós, a atitude dos profissionais face a este material é a origem de muitos

comportamentos enraizados nas redações, comportamentos que se entranham nas

rotinas produtivas, integrando-as, e que são assimilados por osmose.

A expressão “churnalism”11

, que as autoras usam abertamente em ambos os artigos, é

significativa e descreve este jornalismo passivo, baseado na reprodução automática de

textos de agência. Esta forma de tratamento da informação é amplamente confirmada

nas entrevistas feitas a jornalistas, editores e outros investigadores citados nos dois

artigos. Tal como temos vindo a mostrar, também a experiência que aqui se relata vem

confirmar esta realidade. Um investigador do Reino Unido, citado pelas autoras,

observou que “Hoje 'despachamos' histórias, não as escrevemos. Quase tudo é

reciclado a partir de outra fonte”. (Lewis, 2008 apud Johnston e Forde, 2011).

As palavras do jornalista australiano Geoffrey Barker, citado por Johnston e Forde, são

significativas:

Eles [os jornalistas] são pressionados para escrever mais e para fazê-lo mais

rapidamente, para atender não só ao jornal, mas também ao respetivo site. Os

jornalistas são avaliados de acordo com o número de vezes que o seu nome

aparece sobre os artigos, o que significa que os processadores de informação

mais automatizados - fornecedores daquilo a que Nick Davies chama

"churnalism” - são os funcionários mais valorizados. Os jornalistas que querem

ter tempo para observar e refletir, para colocar os eventos no contexto e pôr

algum esforço na sua escrita, são considerados menos favoravelmente.12

(Barker, 2009 apud Johnston e Forde, 2009:12)

10 Tradução livre da autora. No original “Interviews with our former online journalist suggest that, while he would

check any media release coming across his desk for accuracy and would always follow-up with an interview, he did

not treat AAP copy in the same way. Indeed, he indicated “churning” a press release was a sackable offense at his

news organization, while churning AAP copy was standard and accepted practice.” (2011:14)

11 A forma “To churn” é uma maneira informal e muitas vezes depreciativa de se referir a “produzir algo rapidamente

e em grandes quantidades”. Embora não seja possível traduzir literalmente a expressão “churnalism” para o

português, propomos “jornalismo a despachar” como uma tradução aproximada.

12 Tradução livre da autora. No original “They are pressed to write more and to write it more quickly, to supply not

only the newspaper but also its website. Journalists are valued according to the number of times their name appears

over articles, meaning that the most automaton‐like information processors – purveyors of what Nick Davies calls

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As investigações das autoras (2009) confirmam aquilo que alguma bibliografia

australiana e internacional aponta sobre a “alta penetração das agências de notícias nos

sites de notícias na internet”, bem como o crescente uso de peças de agência no

conteúdo noticioso das organizações jornalísticas.13

(2009:12)

Um dos então editores da Australian Associated Press, citado no artigo (2009),

confirmou às investigadoras que os jornais, já grandes utilizadores dos conteúdos das

agências, podem triplicar ou quadruplicar a utilização desses conteúdos nos seus sites.

(2009:3) Em parte, isto acontece porque as necessidades das redações 24 horas vieram

intensificar a dependência que já existia nos meios tradicionais ao extremar as

exigências de quantidade, diversidade e atualidade de conteúdos. Os jornalistas estão

sob a pressão de saciar a voracidade das redações 24 horas e é esta pressão que parece

determinar a confiança dos meios de comunicação e dos jornalistas nos textos das

agências. Uma confiança acrescida porque as agências estão intrinsecamente

vocacionadas para a reportagem exata e em tempo real, o que se adequa de forma ótima

à tendência dominante da informação online. Então, podemos considerar a web como

um mercado alternativo para os textos das agências, até porque, como notam as autoras,

“os sites de notícias mais creditados na web são normalmente aqueles que estão

associados aos media estabelecidos” e “os media estabelecidos sempre usaram as

agências para fazer o seu produto.”14

(2009:4)

Uma das principais preocupações que partilhamos com as autoras é a de que esta

tendência pode estar a ameaçar a qualidade e a diversidade das notícias online.

Partilhamos também com vários investigadores, citados nos artigos (2009; 2011), a

opinião de que o potencial democrático da internet está a ser desperdiçado com a

crescente reutilização, muitas vezes direta, dos textos das agências. Tal como explicam,

o ambiente online está envolto numa aparência de diversidade jornalística, camuflando

‘churnalism’ – are the most valued staff. Journalists who want to take time to observe and reflect, to put events in

context and put some effort into their writing, are regarded less favourably.” (Barker, 2009 apud Johnston e Forde,

2009:12)

13 Tradução livre da autora. No original “The preliminary data presented here confirms, in the Australian context,

Paterson’s international findings about the high penetration of wire copy into internet news websites, and also

confirms both Pearson and Brand’s Australian findings and the ‘hunches’ of the Australian Press Council’s State of

the Print Media report, that news organisations are increasingly using wire service copy […] for their news content.”

(2009:12)

14 Tradução livre da autora. No original “The most trusted news sites on the web are usually those associated with

established media. Established media have always used agencies to produce their product.” (2009:4)

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o facto de a maior parte da informação que circula na web ser proveniente de um

número muito limitado de fontes, na sua maioria agências. Tal como nós, as autoras

lembram que o problema abordado nos artigos existe no contexto mais amplo das

decisões feitas pelas grandes organizações jornalísticas quanto às fontes.

Se as condições técnicas e materiais da estrutura mediática e comunicacional

contemporânea poderiam fazer supor o declínio do paradigma da centralização das

fontes e, principalmente, das agências de notícias, um olhar simultaneamente focado e

abrangente permite compreender que essa realidade não só se mantém como parece ser

reforçada pelas atuais realidades produtivas. Compreende-se que o avanço técnico

conquistado pelas redações parece não ter modificado as rotinas produtivas no essencial,

tendo pelo contrário acentuado os seus traços tradicionais. No contexto dessas rotinas,

as técnicas de recolha de informação e a estrutura de fontes parecem não ter sofrido

alterações significativas relativamente àqueles padrões tradicionais já criticados por

Mauro Wolf, Gaye Tuchman e, mais recentemente, Jorge Pedro Sousa. Compreende-se

também que esta forma de fazer jornalismo, assente essencialmente nas mesmas rotinas

que abordámos nos capítulos anteriores, não é uma realidade pontual mas sim

generalizada, presente em redações por todo o mundo.

Não era o tipo de jornalismo de que estávamos à espera fazer, o que no início causou

alguma dissonância. Mas a exposição diária a esta rotina, partilhada por todos os

jornalistas, fez-nos passar a olhar este tipo de trabalho não só como algo normal e

familiar mas como algo expectável. Na imprensa diária raramente se dispõe de tempo

para aprofundar ou procurar abordagens alternativas para as estórias que temos em

mãos. Além disso, nem todas as estórias permitem ou justificam investigação. Em

grande medida, são o tempo e o espaço que determinam como proceder.

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2.

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2. A distribuição da rede jornalística

Embora não tenhamos investigado como se processa o trabalho dos jornalistas nas

agências de notícias, podemos intuir que a rede burocrática estabelecida da informação

noticiosa parece ter gerado uma espécie de rotina, a que arriscaremos chamar inter-

organizacional, com uma definição de papéis que faz com que sejam os jornalistas das

agências noticiosas a contactar com os eventos e a dar-lhes a forma de notícias. Ou seja,

o primeiro trabalho de transformação dos eventos em notícias pertence, em grande

medida, às agências. Como lembra Mauro Wolf (1978), as agências fazem um trabalho

de confeção, estando numa fase avançada do processo produtivo.

Como é esta espécie de “matéria-prima” de agência que verdadeiramente sustenta as

redações dos principais órgãos informativos, compreende-se que os jornalistas

empregados nos órgãos signatários de agências lidem cada vez menos com os eventos

enquanto acontecimentos do mundo quotidiano. (Tuchman, 1973) A parte mais

significativa da “matéria-prima” com que os jornalistas de hoje lidam nas redações

resume-se a notícias. Mesmo os jornalistas que estão na base da hierarquia

desempenham mais um papel de “editores primários”, dentro da organização de que

fazem parte, do que de jornalistas que saem à rua à “caça” de notícias, como transparece

da mitologia do jornalismo. Trata-se, em grande medida, de um “jornalismo de

secretária”. Simultaneamente, esta burocratização do aparelho produtivo acaba por

transformar as agências de notícias, capazes de uma cobertura em massa e em tempo

real, nos principais agenda setters dos vários media.

É importante frisar este processo pelo qual, numa lógica produtiva dependente das

fontes estáveis, a relevância dos acontecimentos acaba por se confundir com as

exigências decorrentes da organização do trabalho e com os processos adotados para

responder a essas exigências. (Wolf, 1987:208) Como alerta o autor, assiste-se à

sobreposição dos valores-notícia relativos ao meio relativamente aos critérios

essenciais.

Tuchman evidencia as fragilidades da “rede jornalística” na cobertura noticiosa. A

socióloga fala das diferenças entre a capacidade de um “cobertor” e a de uma “rede”

para juntar a matéria-prima que alimenta os órgãos informativos. Ambas as disposições

respondem à perecibilidade das notícias, permitindo capturar “informação fresca”

diariamente, mas uma rede tem buracos. O seu lanço é dependente do valor investido na

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intersecção das fibras e da resistência dessa fibra. Quanto mais estreitas as intersecções

entre as malhas, ou seja, quanto mais a rede se assemelhar a um cobertor, mais pode ser

capturado. Mas, como explica a autora, projetar uma malha mais cara e estreita

pressuporia o desejo de apanhar “o peixe pequeno”, o que parece não acontecer.

(1978:21)

Como refere Tuchman, a rede jornalística atual está destinada ao “peixe grande”. Os

media jornalísticos colocam jornalistas nas instituições legitimadas, onde preveem

encontrar as estórias que atrairão o público e onde os jornalistas terão acesso às reuniões

oficiais, aos comunicados de imprensa e documentos oficiais. As sedes de polícia, os

tribunais e as câmaras municipais, são alguns dos exemplos oferecidos por Tuchman.

Os apontamentos dos jornalistas estacionados neste tipo de locais são complementados

pela monitorização da polícia e dos despachos de rádio do Corpo de Bombeiros e pela

atribuição de outros repórteres, baseados no escritório principal, para acompanhar as

atividades dessas organizações legitimadas. (1978:21) A autora frisa a importância de

todas estas organizações manterem ficheiros de informação centralizada, pelo menos

parcialmente montada, para uso dos jornalistas. Frisa também que a localização dos

repórteres nestes locais e a atribuição destas responsabilidades reafirmam e reforçam a

legitimidade pública destas organizações. (1978:22)

Tuchman acrescenta que a rede jornalística é aumentada eletronicamente e refere os

cabos telefónicos que ligam as redações principais e as delegações distantes, permitindo

a transmissão quase instantânea de textos digitados e editados. Mas numa rede em que

todos os pontos de recolha e produção estão fortemente ligados e em interação constante

as ligações podem sobrepor-se, como acontece quando os jornais mantêm, para a

cobertura de uma mesma área geográfica, os serviços das suas delegações e os serviços

das agências noticiosas. (1978:22)

O suposto “cobertor” de que nos fala Tuchman consiste, segundo a autora, de um

arranjo que articula a “malha fina” representada pelas fontes que a autora designa como

“stringers”, a “força de tração” desempenhada pelos jornalistas e os “elos de aço”

formados pelas agências de notícias, para garantir que todas as potenciais notícias são

encontradas.15

Mas a socióloga identifica um dos principais problemas deste arranjo ao

15 Tradução livre da autora. No original “This arrangement of intersecting fine mesh (the stringers), tensile strength

(the reporters), and steel links (the wire services) supposedly provides a news blanket, insuring that all potential

news will be found.” (1978:23) Tuchman designa como “stringers” as fontes mais específicas, que alertam os media

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notar que “as agências de notícias e os media jornalísticos duplicam substantivamente

os esforços uns dos outros em vez de oferecer alternativas substantivas.” (1978:23) Na

realidade eles parecem contribuir mais para uma relativa redundância da cobertura

noticiosa do que para a complementaridade que se poderia esperar de uns relativamente

aos outros. As situações descritas pela autora são significativas:

Os media jornalísticos enviam repórteres para ocorrências das quais tiveram

conhecimento através dos dados das agências. Eles enviam um repórter para

desenvolver o ângulo local de um evento nacional apesar de já haver cobertura

de agência. Ao complementar as agências, eles reafirmam a sagacidade da

identificação inicial das agências da ocorrência como um evento noticioso.

Além disso, eles espalham os seus repórteres pelas instituições no mesmo

padrão usado pelas agências. E “emprestam” as estórias uns aos outros. Por

exemplo, os editores da noite dos jornais matutinos recebem uma cópia da

primeira edição dos seus concorrentes para saber que estórias o seu próprio

pessoal perdeu e para as mandar reescrever a partir das colunas do seu

concorrente se for considerado necessário. Em vez de cobrir o mundo pelos seus

esforços independentes, os media e os serviços de notícias deixam os mesmos

tipos de buracos na rede noticiosa, buracos justificados por uma noção

profissionalmente partilhada de notícia.16

(1978:23)

A autora frisa a importância teórica desta dispersão reticular dos jornalistas, já que é a

chave para a constituição da notícia. Tal como nos explica, a ancoragem espacial da

rede de notícias em locais institucionais centralizados é um elemento das faixas

delineadoras do enquadramento da realidade quotidiana como notícia. (1978:23)

para ocorrências em organizações mais especializadas, como faculdades locais e áreas geográficas com um valor de

circulação limitado mas claro, como as periferias. Como refere a autora, o nome “stringer” conota um relacionamento

atenuado com a rede de notícias, no entanto reafirma a imagem da rede ou teia. (1978:22)

16 Tradução livre da autora. No original “News media send reporters to occurrences they have learned of through the

wire-services accounts. They send a reporter to develop the local angle at a national event although there already is

wire-service coverage. By complementing the wire-services, they reaffirm the sagacity of the wire-services’ initial

identification of the occurrence as a news event. Additionally, they fan their reporters through institutions in the same

pattern used by wire-services. And they ‘borrow’ stories from one another. For instance night editors of morning

newspapers receive a copy of their competitor’s first edition to learn what stories their own staff missed and to order

rewrites from their competitor’s columns as deemed necessary. Instead of blanketing the world by their independent

efforts, the news media and the news services leave the same sorts of hole in the news net, holes justified by a

professionally shared notion of news.” (1978:23)

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Apesar das desvantagens que decorrem da burocratização do aparelho produtivo, como

parte dos constrangimentos organizacionais sentidos na produção noticiosa, é inevitável

admitir a necessidade destes mecanismos estabelecidos, como é o caso da manutenção

de uma rede de fontes estáveis, na imprensa diária. Na realidade atual seria praticamente

impossível para uma organização como o Diário de Notícias produzir diariamente

informação, da forma como o faz, sem o serviço permanente das agências de notícias e

sem uma rede de contactos de acesso mais ou menos garantido. Não devemos

negligenciar o facto de se tratar de informação de alcance nacional e internacional nem

alhear-nos à manifesta insuficiência de recursos materiais e humanos da organização

para que consiga reunir por si a matéria-prima das eventuais notícias. Mesmo no caso da

secção “cidades”, a maior parte da matéria-prima chegava em primeiro lugar a partir da

Lusa, o que mostra claramente que, no que se refere ao DN, mesmo a região do Porto é

demasiado extensa para prescindir do serviço desta agência17

.

Um episódio ocorrido durante o estágio ilustra a importância das agências de notícias

nas organizações jornalísticas mais burocratizadas. Aquando da greve da Lusa, a 19 de

Outubro de 2012, a redação da delegação norte do DN esteve praticamente vazia

durante todo o dia. O motivo não foi uma convocação de greve simultânea por parte dos

trabalhadores do jornal, mas a insuficiente matéria-prima para a produção habitual de

notícias. Quanto a nós, a solução foi fazer rondas telefónicas, um procedimento que

também faz parte da rotina de outras redações, mas que na delegação norte do DN, em

situações “normais”, não foi utilizada. Durante os três meses de duração do estágio, este

foi o único dia em que foi necessário fazer a “ronda”, por força das circunstâncias. A

necessidade de estabelecer um grande número de contactos, sem certezas quanto à

existência ou não de informações noticiáveis, originou o congestionamento de um

processo que, em circunstâncias normais, era relativamente ágil, por vezes automático.

Ao longo do dia foram feitas várias rondas. Cada ronda implicou um dispêndio

considerável de tempo, sendo que de nenhuma delas proveio informação relevante. A

importância fulcral da agência Lusa nos processos produtivos da redação manifestou-se

com particular evidência no momento em que os seus serviços foram suspensos. Este

episódio ilustra a dimensão do impacto que a ausência dos serviços da Lusa teve nas

17 No nosso caso, os eventos respeitantes à área metropolitana do Porto foram privilegiados, mas tal não nos impediu

de noticiar eventos ocorridos noutras zonas do país.

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rotinas produtivas da redação e, a partir dele, o papel central das agências na rede

jornalística atual.

Em suma, podemos intuir que a lógica produtiva da rede noticiosa como um todo

assenta em equilíbrios, dos quais dependem os equilíbrios internos de cada organização

jornalística, como num ecossistema. No atual paradigma da produção jornalística os

serviços das agências de notícias tornaram-se cruciais para o equilíbrio interno dos

principais órgãos de informação. Mas, em função desta lógica, a imagem da realidade

que serve de base ao trabalho diário de cada jornalista é aquela que resulta da cobertura

das agências, por isso, uma imagem da realidade relativamente consensual e

homogénea.

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3. O fator organizacional

Como frisa Jorge Pedro Sousa (1999), a atuação dos jornalistas depende das

circunstâncias. Estas circunstâncias remetem, em parte, para as organizações e para o

que a literatura define como uma ação socio-organizacional de conformação da notícia.

Então, quando falamos de rotinas produtivas falamos também de uma ação socio-

organizacional, ou de um nível intermédio entre a ação pessoal e a ação organizacional,

como entende Sousa (1999:29).

A própria produtividade das rotinas resulta das exigências organizacionais. Como

afirma Traquina, “as rotinas precisam de ser produtivas”. (2005b:94) Para os órgãos de

informação elas representam um “subsídio informacional”, como lhes chama o autor, já

que, ao permitir que uma parte significativa do trabalho seja feita externamente,

embaratecem a produção das notícias.

3.1. A Teoria Organizacional

Um dos primeiros teóricos a estudar a influência das organizações jornalísticas e das

forças socializadoras da redação no trabalho dos jornalistas foi Warren Breed. No seu

artigo “Controlo social da redação: uma análise funcional”, Breed acentua os

constrangimentos organizacionais sobre os jornalistas, afirmando que estes se

conformariam mais com as normas editoriais da organização em que trabalham do que

com as suas crenças pessoais prévias.

Breed começa por explicar como é que o jornalista “aprende” a política editorial18

. Para

o autor, o jornalista é “socializado” na política editorial, de forma subtil, através de uma

sucessão de recompensas e punições: “O primeiro mecanismo que promove o

conformismo é a socialização do redator no que diz respeito às normas do seu trabalho.

Quando o jornalista inexperiente começa o seu trabalho, não lhe é dita qual é a política

editorial. E nunca será.”19

(1955:328)

Citando Breed, a aprendizagem da política editorial é feita “por osmose”: 18 Aqui tomaremos por “política editorial”, em sentido lato, tudo aquilo que determina um modo de fazer da redação,

com aspetos comuns à prática jornalística em geral e aspetos específicos de cada organização, ou seja, privilegiamos

aquilo que nela se traduz em conhecimento prático. É nesta medida que esboçamos uma aproximação entre o

conceito de política editorial usado por Breed e o conceito de rotinas produtivas que temos vindo a abordar. 19 Tradução livre da autora. No original “The first mechanism promoting conformity is the ‘socialization’ of the

staffer with regard to the norms of his job. When the new reporter starts work he is not told what policy is. Nor is he

ever told.” (1955:328)

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“Todos à exceção dos funcionários mais novos conhecem a política editorial.

Quando questionados, eles dizem que a aprenderam ‘por osmose’.

Sociologicamente, isso significa que eles foram socializados e ‘aprenderam as

normas’, como um neófito em qualquer subcultura. Basicamente, a

aprendizagem da política editorial é um processo pelo qual o novato descobre e

interioriza os direitos e obrigações do seu estatuto e as suas normas e valores.

Ele aprende a antecipar o que se espera dele, a fim de ganhar recompensas e

evitar punições.”20

(1955:328)

A aprendizagem da política editorial e das normas de trabalho é feita da seguinte forma:

As estórias do jornalista recém-chegado tenderão a refletir o que ele vai definindo como

procedimento padrão, pela leitura diária e definição das características do jornal. Como

explica o autor, “as notícias e editoriais são um guia das normas locais.” (1955:328)

Breed aponta ainda como guias de controlo “certas ações editoriais tomadas por

editores e funcionários mais velhos”, como os “sublinhados a azul”, que hoje já não se

aplicam, e as repreensões dos editores ou de funcionários mais velhos. (1955:328) O

“conhecimento acerca das características, interesses e afiliações dos seus executivos”

(1955:329) é outra das fontes de orientação para o jornalista. Também as reuniões entre

jornalistas e “executivos”, a que Breed chama “conferências de imprensa” são um ponto

de contacto entre os patamares da hierarquia. Nas palavras do autor:

A partir de tais reuniões, o funcionário pode ter uma visão através do que é dito

e do que não é dito pelos executivos. É importante dizer aqui que a política

editorial não é declarada explicitamente na conferência de imprensa nem em

outros lugares, com poucas exceções. A conferência de imprensa, na verdade,

lida principalmente com assuntos jornalísticos, como a confiabilidade das

informações, noticiabilidade, possíveis ‘ângulos’, e outras táticas jornalísticas.

21 (1955:329)

20 Tradução livre da autora. No original “Yet all but the newest staffers know what policy is. On being asked, they say

they learn it "by osmosis." Sociologically, this means they become socialized and ‘learn the ropes’ like a neophyte in

any subculture. Basically, the learning of policy is a process by which the recruit discovers and internalizes the rights

and obligations of his status and its norms and values. He learns to anticipate what is expected of him so as to win

rewards and avoid punishments.” (1955:328)

21 Tradução livre da autora. No original “From such meetings, the staffer can gain insight through what is said and

what is not said by executives. It is important to say here that policy is not stated explicitly in the news conference nor

else-where, with few exceptions. The news conference actually deals mostly with journalistic matters, such as

reliability of information, newsworthiness, possible ‘angles’, and other news tactics.” (1955:329) Sublinhamos o

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Três outros canais de aprendizagem sobre os executivos, apontados por Warren Breed,

são “os órgãos internos (impressos para os funcionários por sindicatos e jornais

maiores), observando-se o executivo quando ele se encontra com vários líderes e ouvi-

lo expressar uma opinião”.22

(1955:329)

O conformismo e os fatores que o determinam devem-se, em suma, à existência de

“papéis institucionalizados” ou “papéis estruturais” dentro da organização:

O funcionário deve ser visto em termos do seu estatuto e aspirações, da

estrutura da organização da redação e da sociedade em geral. Ele também deve

ser visto com referência às operações que realiza ao longo da sua jornada de

trabalho e suas consequências para ele.23

(1955:329)

Neste sentido, Breed aponta seis fatores que promovem o conformismo com a política

editorial:

A “autoridade institucional e as sanções” constituem o primeiro fator de conformismo

apontado pelo autor. (1955:330) Não se trata de punições declaradas, mas de ações que

conotam a reprovação dos superiores, como a atribuição de trabalhos geralmente pouco

apreciados. Breed dá como exemplo os obituários. Este medo das sanções não

invocadas é uma das razões pelas quais os jornalistas empregados se conformam. Ainda

que um jornalista arrisque uma estória contra a política editorial a última palavra quanto

à forma como a estória será efetivamente apresentada, ou mesmo quanto à sua

publicação ou não publicação, caberá aos seus superiores na cadeia hierárquica. Como

explica Breed, os editores podem ignorar certas estórias, atribuí-las a jornalistas em

quem confiem, ou alterá-las.

Os “sentimentos de obrigação e estima pelos superiores” (1955:330) são outro dos

fatores apontados. A gratidão para com o jornal ou o respeito e admiração pelos

facto de, não só a política editorial em sentido estrito, mas, tudo aquilo que constitui o “modo de fazer” da

organização estar diluído nos “assuntos jornalísticos” de que fala Breed. Lembramos ainda que as orientações dos

editores quanto a esses “assuntos jornalísticos” de carácter geral contêm inevitavelmente orientações subliminares

quanto à prática organizacional da empresa.

22 Tradução livre da autora. No original “[…] house organs (printed for the staff by syndicates and larger papers),

observing the executive as he meets various leaders and hearing him voice an opinion.” (1955:329)

23 Tradução livre da autora. No original “The staffer must be seen in terms of his status and aspirations, the structure

of the newsroom organization and of the larger society. He also must be viewed with reference to the operations he

performs through his workday, and their consequences for him.” (1955:329)

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editores, que acabam por ser, em certa medida, os “educadores” dos mais novos, são

atitudes que se podem desenvolver facilmente no contexto do trabalho. Os jornalistas

mais velhos, que serviram de modelo ou que tenham ajudado de alguma forma um

recém-chegado, merecem também o respeito deste. Como explica Warren Breed, este

tipo de sentimentos pelos superiores são um fator de aliciamento para o conformismo.

As “aspirações de mobilidade” (1955:330) também pesam neste processo. Na

investigação feita por Breed, todos os jornalistas mais novos a quem o autor questionou

acerca das suas ambições profissionais mostraram o desejo de conquistar estatuto dentro

da organização:

“Para todos eles, contrariar a política editorial do jornal constituiria uma séria

barreira a este objetivo. Na prática, vários entrevistados observaram que uma

boa tática para o avanço era obter ‘grandes’ histórias na primeira página, o

que significa automaticamente não mexer com a política editorial.”24

(1955:330)

A “ausência de alianças com grupos conflituantes” (1955:330) é outro dos aspetos

apontados pelo autor. Neste caso, refere-se à realidade produtiva norte-americana, em

que os sindicatos não interferem com questões internas, como é o caso da política

editorial.

“A natureza prazerosa da atividade” (1955:330) também promove o conformismo dos

jornalistas, segundo Breed. Tal como explica, tanto o ambiente da redação, como as

operações envolvidas no trabalho jornalístico, como ainda as gratificações não-

financeiras que dele decorrem são aspetos que agradam aos profissionais.

Apesar de alguns jornalistas terem um baixo estatuto na redação, para todos os efeitos,

eles são tratados como colegas dos editores e não como simples “empregados”. O

ambiente da redação conota um trabalho de colaboração, mesmo que na realidade a

maior parte desse trabalho seja determinado pela hierarquia e “imposto” pelos

superiores. No dia-a-dia é um ambiente “amigável”. A isso acrescenta-se o facto de os

jornalistas gostarem do seu trabalho e das operações que este implica: “testemunhar,

entrevistar, ponderar brevemente os significados dos eventos, verificar

factos, escrever”. (1955:331) Para além disto, as gratificações a que atrás se aludiu são

24 Tradução livre da autora. No original “There was agreement that bucking policy constituted a serious bar to this

goal. In practice, several respondents noted that a good tactic toward advancement was to get "big" stories on Page

One; this automatically means no tampering with policy.” (1955:330)

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várias: “a variedade de experiências, testemunhar eventos significativos e interessantes,

ser o primeiro a saber, atingir "o cerne das questões" que é negado aos leigos,

encontrar-se e, por vezes, fazer amizade com pessoas notáveis e

celebridades” são alguns dos exemplos apontados por Breed. (1955:331) Como refere o

autor, os jornalistas “estão perto das grandes decisões sem ter que tomá-las, eles tocam

o poder sem serem responsáveis pelo seu uso.” (1955:331) Além do mais eles

orgulham-se da sua profissão, já que os jornais se tornaram numa instituição para a

sociedade.

O último fator apresentado está relacionado com as notícias como valor. No seu

trabalho diário, o jornalista está empenhado, antes de mais, em obter o máximo de

notícias. É esse o seu objetivo. A contestação à política editorial da empresa, mesmo

quando se verifica, é apenas uma tendência pessoal, que não faz parte do objetivo

imediato do jornalista, sendo na maior parte das vezes arredada no contexto do trabalho.

Nas palavras de Breed:

Os jornalistas definem o seu trabalho como a produção de uma certa

quantidade daquilo que designamos como "notícias" a cada 24 horas. Elas têm

que ser produzidas, mesmo que não tenha acontecido nada de especial. A

notícia é um desafio constante, e enfrentar este desafio é o trabalho do

jornalista. Ele é recompensado por cumprir esta sua função manifesta. A

consequência desse foco na notícia como um valor central é a

sustentação de um forte interesse na objetividade no ponto de conflito com a

política editorial. Em vez de mobilizar os seus esforços para estabelecer

objetividade sobre a política editorial enquanto critério de desempenho, as suas

energias são canalizadas para obter mais notícias. As exigências da competição

[…] e de velocidade aumentam esse foco. Os jornalistas falam sobre a ética, a

objetividade e o valor relativo de vários jornais, mas não quando há notícias a

obter. A notícia vem em primeiro lugar, e há sempre novidades a conseguir.

Eles não são recompensados por analisar a estrutura social, mas pela obtenção

de notícias.25

(1955:331)

25 Tradução livre da autora. No original “Newsmen define their job as producing a certain quantity of what is called

‘news’ every 24 hours. This is to be produced even though nothing much has happened. News is a continuous

challenge, and meeting this challenge is the newsman's job. He is rewarded for fulfilling this, his manifest function. A

consequence of this focus on news as a central value is the shelving of a strong interest in objectivity at the point of

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Para clarificar este processo de conformismo, o autor chama a atenção para um conceito

importante: o grupo de referência. (1955:331) Os seis fatores fazem com que os

jornalistas, especialmente os mais novos, se identifiquem com os seus superiores.

Compartilhando as suas normas, o seu trabalho vai-se assemelhando ao deles com o

tempo. Apesar das suas eventuais crenças pessoais e ideais éticos, o funcionário está,

acima de tudo, em conformidade com a política editorial e com o “modo de fazer” da

redação. A lealdade é direcionada para a “autoridade legítima”, ou seja, “a autoridade

para manter o equilíbrio dentro dos limites da distribuição prudente das recompensas e

punições.” (1955:332) Nunca o grupo de referência poderia ser fonte de alterações

significativas na política editorial, já que é o próprio grupo que deve estabelecê-la.

Além disso, como refere Breed, a fonte da política editorial é frequentemente isolada

das questões relacionadas com ela.

“À sua maneira, cada um dos seis fatores contribui para a formação do comportamento

do grupo de referência.”26

(1955:332) Tal como descreve o autor, o comportamento do

grupo de referência é então determinado pela ausência de demissões e expectativa

constante de continuidade no emprego; pela estima dos jornalistas subordinados em

relação aos patrões – um grupo de modelo conveniente; pelas aspirações de mobilidade,

que promovem os vínculos entre estatutos; pelo ambiente da redação, dados os fatores

relacionados com a coletividade e a natureza agradável do trabalho e pela concordância

entre os jornalistas de que o seu trabalho é estar “em cima da notícia”, vendo-a como

um valor em si mesma, que liga os estatutos. (1955:332)

No nosso entender, esta abordagem de Warren Breed, cujo artigo acabamos de

parafrasear, às organizações ajuda também a compreender como se gera o conformismo

dos jornalistas em relação às rotinas produtivas instituídas nas redações, rotinas muitas

vezes discordantes com os ideais e aspirações dos próprios jornalistas.

Warren Breed observou alguns aspetos da realidade produtiva dos jornais dos anos

cinquenta (o artigo remonta a 1955). Entretanto muita coisa se alterou. A atual realidade

apresenta diferenças significativas relativamente àquela estudada por Breed. Uma das

policy conflict. Instead of mobilizing their efforts to establish objectivity over policy as the criterion for performance,

their energies are channeled into getting more news. The demands of competition […] and speed enhance this focus.

Newsmen do talk about ethics, objectivity, and the relative worth of various papers, but not when there is news to get.

News comes first, and there is always news to get. They are not rewarded for analyzing the social structure, but for

getting news.” (1955:331) 26 Tradução livre da autora. No original “In its own way, each of the six factors contributes to the formation of

reference group behavior.” (1955:332)

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principais diferenças é a grande competitividade que se verifica hoje, não só entre

organizações, mas também entre os próprios jornalistas. Isto leva-nos a por em

perspetiva algumas das considerações de Breed a que atrás se aludiu. O tipo de relações

que se formam na redação e o tipo de aspirações que os jornalistas mantêm em relação à

sua carreira e à progressão dentro da organização são hoje diferentes de há sessenta

anos. No entanto, permanece uma curiosa similitude quanto aos efeitos, apontados pelo

autor, que estas circunstâncias têm sobre os jornalistas. A situação apresentada por

Breed mostra que a relativa segurança do posto de trabalho acalenta no funcionário a

ambição de subir de estatuto e, por isso, ele conforma-se com um determinado “modo

de fazer”. Ou seja, de entre o conjunto das normas profissionais, ele prioriza as “normas

técnicas”, mais ligadas à eficiência do trabalho, e deixa em segundo plano as “normas

éticas”. Mas a precariedade laboral em que se encontram hoje os jornalistas e o clima de

insegurança no mercado de trabalho, fazem do conformismo e da priorização das

“normas técnicas” uma necessidade de sobrevivência para muitos jornalistas. A situação

reverte-se: se antes a grande probabilidade de ascensão profissional promovia o

conformismo, hoje a grande probabilidade de demissão e a necessidade de manter os

empregos reforçam-no ainda mais. Tudo parece confirmar a nossa perceção de que as

condições objetivas e materiais e os objetivos imediatos parecem acabar sempre por se

impor e protelar qualquer ideal de conduta.

O fator económico pode também entrar em linha de conta quando se questiona a

organização jornalística. A este respeito partilhamos com Sousa a opinião de que as

características empresariais dos órgãos de comunicação também contribuíram para o

surgimento das rotinas profissionais, devido à necessidade de uma “gestão criteriosa

dos recursos humanos e materiais, de forma a potenciar os lucros, diminuir os custos

de exploração e racionalizar os processos de trabalho”. (1999:27) Então, como

prossegue o autor, a divisão do trabalho consiste numa forma de assegurar que o fabrico

do produto se realize desde que esteja garantido o fornecimento regular de matéria-

prima. Se, como observou Mauro Wolf, a dependência das redações em relação às

fontes institucionais e agências na fase de recolha dos materiais noticiáveis é explicada

pela necessidade de um fluxo constante e seguro de notícias que assegure a execução do

produto jornalístico (1987:195), então a relação entre a preponderância das agências de

notícias e o fator económico é evidente. É a esta relação que o autor se refere quando

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observa que existe uma lógica económica “coerciva e férrea” que impõe a utilização

dos serviços de agência. (1987:209)

Mauro Wolf cita três aspetos focados por Golding e Elliot sobre a utilização das

agências, que consideramos vitais e que dão uma imagem relativamente abrangente da

sua posição privilegiada no contexto económico dominante e da forma como isso se

reflete na produção da informação.

Em primeiro lugar, os autores consideram as agências como fontes literalmente

insubstituíveis, de que não é possível prescindir por motivos económicos, lembrando

que é de uma lógica económica que derivam a origem e desenvolvimento das agências.

Tal como explicam, para os órgãos de informação torna-se mais caro manter

correspondentes nas zonas distantes do que assinar o serviço de uma agência. (Golding

e Elliot, 1979 apud Wolf, 1987:205)

O segundo fator referido pelos autores é o reforço dos critérios de noticiabilidade

provocado pelas agências, em detrimento das diferenças existentes entre os vários

órgãos de comunicação. A noticiabilidade, monopolizada pelas agências, torna-se

homogénea e uniforme:

De entre todos os acontecimentos, acabam por ser considerados noticiáveis

aqueles que as agências noticiam. Sob as diferenças inerentes às culturas, às

ideologias, aos âmbitos de difusão da informação, aos próprios meios de

comunicação, permanece um substrato comum definido, precisamente, por

critérios de noticiabilidade que essas ‘fontes’ contribuem para difundir.

(Golding e Elliot, 1979 apud Wolf, 1987:206)

O terceiro aspeto refere-se ao impacto das agências na definição da agenda dos órgãos

de informação:

A cobertura das agências alerta as redações para tudo o que acontece […] e é a

partir desse conhecimento que as redações constroem a sua própria cobertura.

[…] As agências funcionam, portanto, como uma primeira campainha de

alarme para as redações, cuja ação é determinada pelo controle dos despachos.

(Golding e Elliot, 1979 apud Wolf, 1987:206)

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Nelson Traquina (2005a) também enquadra o trabalho dos jornalistas no seu contexto

económico, referindo o orçamento das empresas como um constrangimento imposto

pelos custos e lógica do lucro. Por sua vez, a extensão da rede de captura de

acontecimentos e problemáticas de cada meio de comunicação depende, em grande

medida, dos recursos económicos da respetiva empresa jornalística. Então, a forma

como se processa a produção de notícias em cada empresa jornalística está intimamente

relacionada com a repartição dos seus recursos. (2005a:159)

Na perspetiva económica, a notícia, enquanto produto, é inserida na relação entre

produtor e cliente e deve satisfazer as exigências do cliente. Como qualquer produto

perecível, a notícia deve chegar ao cliente o mais rapidamente possível. Este é um

imperativo tanto para os meios de comunicação, como o DN, como para as agências de

notícias, como lembra Traquina. (2005a:160)

Também as conclusões de Johnston e Forde quanto à utilização de peças de agências de

notícias nos sites de informação convergem para esta perspetiva económica:

Parece haver um reconhecimento na indústria de que, com as crescentes

pressões para produzir notícias 24 horas juntamente com as crescentes pressões

da linha de fundo para manter e melhorar os lucros, os próprios órgãos de

imprensa já não tem recursos para a produção de peças originais. A AAP e

outras agências de notícias são vistas, cada vez mais, como uma maneira

econômica de fornecer notícias "independentes" e credíveis, sem gastar grandes

quantias de dinheiro a empregar jornalistas. (2009:11)

De acordo com Johnston e Forde (2009, 2011), nos últimos anos tem-se assistido ao

despedimento de jornalistas por parte das organizações jornalísticas, a um jornalismo de

investigação cada vez menos original e à grande procura de notícias consorciadas, das

relações públicas e das agências de notícias, para conteúdo jornalístico. (2009:6) Todos

estes fenómenos estão inter-relacionados, já que os cortes que as equipas redatoriais têm

sofrido na generalidade dos meios de comunicação, tradicionais e online, deixam uma

margem cada vez menor para a produção de material original e reforçam a dependência

das redações em relação ao serviço das agências de notícias. Reforçam também a

prática, conhecida como “churnalism”, de reciclar notícias. Este problema parece afetar

de forma mais significativa os meios online porque a sua estrutura econômica, que tem

ainda um baixo nível de publicidade tradicional e de pagamento por parte dos

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utilizadores pelo conteúdo, limita em maior medida a recolha original de notícias que

estas organizações são capazes de fazer. Como explicam as autoras, a crescente

confiança nos textos das agências e noutras notícias consorciadas “é a decisão racional

a tomar para as organizações jornalísticas comerciais, independentemente do impacto

que isso possa ter na diversidade de notícias.”27

(2009:6)

De acordo com a perspetiva económico-política de R. McChesney, avançada pelas

autoras, o mau jornalismo que hoje se faz não resulta da falência moral ou da falta de

talento dos jornalistas, mas antes de uma estrutura que faz de tal jornalismo o resultado

racional das suas operações. (McChesney, 2003 apud Johnston e Forde, 2009:6) A

busca do lucro, o tamanho da organização, os níveis de competição e a influência da

publicidade são fatores que parecem explicar não só a forma como os materiais das

agências estão a ser utilizados pelos seus clientes, mas a produção de notícias na sua

generalidade. (2011:208) Baseando-se na economia política, as autoras entendem que as

soluções que têm sido adotadas pelas instituições jornalísticas têm sido determinadas,

em grande medida, pelo mercado e muito pouco orientadas para a democracia.

Nelson Traquina apresenta também alguns traços sobre a teoria organizacional, do

ponto de vista das variáveis que podem intervir no funcionamento da empresa.

(2005a:160) Um dos fatores que o autor menciona é o tamanho da empresa, que tem

influência no grau de especialização dos jornalistas, na dinâmica de comunicação dentro

da empresa e no grau de autonomia dos jornalistas. Segundo Traquina, nas grandes

empresas existe uma maior especialização dos jornalistas e a comunicação é menos

interativa. Os jornalistas têm mais autonomia nas pequenas empresas, onde há

diferentes estruturas de poder e cuja estrutura é mais flexível. Pelo contrário, nas

grandes empresas as estruturas de controlo são mais fortes e mais centralizadas.

A propósito da teoria organizacional, Nelson Traquina mobiliza uma expressão de

James Curran que resume a questão da autonomia do jornalista dentro de uma

organização. Para este académico trata-se de uma “autonomia consentida”, ou seja, “a

27 Tradução livre da autora. No original “Political economy suggests that this increasing reliance on news agency

copy – among many other forms of ‘syndicated’ news – is the rational decision for commercial news organizations to

make regardless of the impact that may have on news diversity.” (2009:6)

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autonomia do jornalista é permitida enquanto for exercida em conformidade com os

requisitos da empresa jornalística.” (2005a:157)

Todos estes processos de interação social que ocorrem dentro da organização acabam

por ter influência nas notícias e na forma de as produzir. No contexto do trabalho, os

jornalistas acabam por interiorizar que ocupam um lugar específico e limitado na cadeia

organizacional e que os seus superiores têm poder e meios de controlo sobre o seu

trabalho. Nas peças maiores e mais importantes, por exemplo, nem sempre é o jornalista

quem determina a forma como serão estruturadas as informações que compõem a peça

que lhe foi atribuída. Para além do facto de o desenho da página não ser feito pelo

redator, normalmente a distribuição e o tipo de informações a colocar nos espaços

marginais à peça principal (como as colunas secundárias, caixas de texto, fotografias,

entre outros) são determinados pelos editores. Na prática, o jornalista encarregue de

uma determinada estória tem uma autonomia muito relativa na feitura dessa peça. Ele

detém a informação e cabe-lhe trabalhá-la. Mas a última palavra quanto à forma como a

informação deve ser trabalhada (estruturação, apresentação e mesmo quanto à efetiva

publicação do produto noticioso) não lhe pertence. Ele está subordinado a uma cadeia

hierárquica.

É neste contexto que os jornalistas produzem: sabendo que o seu trabalho vai passar por

uma hierarquia organizacional. Assim, o jornalista que quer ser “útil” no posto que

ocupa aprende a antecipar-se às expectativas dos superiores. Em termos gerais, foi neste

contexto que se desenvolveu a experiência profissional aqui relatada.28

Constatamos

que, no contexto do estágio, a antecipação às expectativas imediatas de que nos fala

Traquina se afirmou como um elemento importante da aprendizagem do papel que nos

cabia e um mecanismo imprescindível no processo de adaptação ao contexto de

trabalho. Na nossa opinião, tal antecipação foi ainda facilitada pela rotina de trabalho da

redação, relativamente passiva, previsível e fixa.

Jorge Pedro Sousa reconhece também esta pressão, lembrando que a isso ajudam os

mecanismos de contratação, despedimento e progressão na carreira. Como explica,

interessa à organização que os funcionários estejam adaptados à sua dinâmica interna,

estando os jornalistas inevitavelmente constrangidos não só pela política editorial como,

28 Se durante o estágio, no contexto do trabalho diário, esta situação não foi imediatamente percetível, com o passar

do tempo e acumular de experiência (e em resultado do distanciamento posterior ao afastamento da redação), o peso e

efeito deste fator organizacional na rotina de trabalho começou a delinear-se de forma clara.

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em sentido lato, por tudo aquilo que constitui o modo como se fazem as coisas no órgão

de comunicação. Sousa inscreve entre os constrangimentos organizacionais os

processos que levam à rotinização da produção jornalística, ao estabelecimento de

hierarquias e à imposição artificial de alguma ordem na erupção aleatória dos

acontecimentos. (1999:30)

Um jornalista recém-chegado a uma organização sujeita-se a uma aprendizagem

socializadora que envolve a observação, experiência e, segundo Jorge Pedro Sousa, até

a imitação. É através da socialização que o jornalista apreende os rituais e valores

partilhados. Mesmo que um jornalista não se sinta satisfeito ou realizado com o tipo de

jornalismo que faz, ele sujeita-se aos constrangimentos organizacionais de forma a

manter o emprego, o reconhecimento e a possibilidade de progredir. Ele redimensiona-

se de forma a “encaixar” nas circunstâncias em que tem que trabalhar. É uma forma de

profissionalismo que faz com que o jornalista se integre na organização e se ajuste à

forma como aí se fazem as coisas, em troca de recompensas. (1999:30)

John Soloski fala de uma interação entre o mecanismo de controlo transorganizacional,

ou seja, o profissionalismo jornalístico, e os mecanismos de controlo encerrados na

política editorial. Para o autor, estes dois mecanismos ajudariam a delimitar o

comportamento profissional dos jornalistas, fornecendo-lhes uma estrutura para a ação.

As fronteiras do comportamento profissional estabelecidas por estes mecanismos

seriam, por um lado, suficientemente amplas para permitir alguma criatividade sendo,

por outro lado, suficientemente estreitas para garantir uma ação em conformidade com

os interesses da organização jornalística. (Soloski, 1989;1993 apud Sousa, 1999:30)

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4. Socialização, aculturação e profissionalismo

Tendo por base a interpretação de Jorge Pedro Sousa (1999), é possível agrupar na

mesma abordagem três conceitos relacionados entre si: socialização, aculturação e

profissionalismo. A socialização a que o autor se refere é o processo que leva um

recém-chegado a tornar-se num elemento de uma organização. Este processo leva a

pessoa a aculturar-se na organização e na profissão, a moldar atitudes, comportamentos

e até a identidade. Assim, a socialização deverá ser entendida como um processo

interativo entre a organização e as pessoas e entre estas entre si. (1999:58)

A socialização é um processo que se desenvolve ao longo do tempo e que se baseia na

comunicação. Ela compreende a aquisição de informações sobre as organizações e

ocupações na infância; a focalização em informações mais específicas quando se pensa

em integrar uma profissão ou organização; a entrada nessas organizações e respetiva

“assimilação”; a construção de uma carreira e a saída das organizações. (Wilson, 1984

apud Sousa, 1999:59)

Partilhamos com Sousa a preocupação de que existe um perigo latente quanto à

socialização no jornalismo:

[…] um dos perigos da socialização no jornalismo é o encerramento do sistema

jornalístico-organizacional sobre si próprio, já que esse encerramento pode

levar à manutenção de um sistema autorreferencial, que vai criando e

retroalimentando referências e que se revela nas práticas e nas rotinas, sem se

abrir a referências externas que poderiam ser proveitosas, face às funções que

as pessoas esperam do jornalismo numa sociedade aberta, plural e

verdadeiramente democrática. (1999:59)

Tal como exemplifica o autor, pode ocorrer que uma determinada prática acabe por se

afirmar como “certa” ou adequada às necessidades da empresa por ser recorrentemente

utilizada e valorizada ao longo do tempo. Assim, um profissional, enquanto tal, sentir-

se-á na “obrigação” de aplicar preferencialmente certas técnica ou procedimentos e não

outros.

Parece haver uma relação entre as rotinas produtivas e uma determinada forma de

“profissionalismo”. Tanto Mauro Wolf como Sousa chamam a atenção para esse facto

recuperando um conceito de Bechelloni: o profissionalismo ‘político’. De acordo com a

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definição de Bechelloni, o profissionalismo ‘político’ está relacionado com a

capacidade de conhecer e dominar as regras geradas pelas relações entre o sistema

político, o domínio cultural e o mercado, que se estabelecem na sociedade. Da interação

social entre os indivíduos que operam nos três domínios resulta uma determinada

definição de notícia e uma determinada organização do trabalho jornalístico. Para o

autor, é nesta dimensão que se coloca o profissionalismo. Trata-se de um conjunto de

regras, que muitas vezes não são percebidas como tal pelos jornalistas e que não são

discutidas publicamente, produzidas dentro e em volta da redação, transmitidas na

interação social e aprendidas numa socialização atenta e gradual. Por serem produzidas

e transmitidas na interação social quotidiana, elas não são claramente vistas como regras

pelos jornalistas. (Sousa, 1999:59; Wolf, 1987: 194)

Para Villafañe, Bustamante e Prado, a socialização dos profissionais começa nos

estudos, mas é pela cooptação nos meios e pela aprendizagem direta com base no

exemplo dos profissionais veteranos e dos chefes que se reforça e consolida. (Villafañe

et al, 1987 apud Sousa, 1999:60) Tal como tivemos oportunidade de verificar durante o

estágio, no seu trabalho quotidiano os jornalistas priorizam as soluções imediatas,

deixando num “estado latente” grande parte da “bagagem” académica ou ética que

possam trazer. Como explicou Warren Breed, muitas vezes até as convicções mais

pessoais são contrariadas.

Grossi define o profissionalismo como “o papel socialmente legitimado no interior dos

aparelhos produtivos especializados, para construir a realidade social enquanto

realidade pública e socialmente relevante” (Grossi apud Sousa, 1999:60) As

competências que formam o profissionalismo, segundo Villafañe et al, residem em

saberes técnicos e, principalmente, em normas e valores políticos, culturais, ideológicos,

que subordinam a técnica.29

(Villafañe et al, 1987 apud Sousa, 1999:61) Perante uma

audiência invisível, o trato e a ligação direta com os companheiros e chefes, com a

organização interna como um todo, impõe um marco coletivo. Para os autores, as

práticas profissionais acabaram por introduzir nos acontecimentos produzidos na

sociedade uma distorção involuntária, regida pelos próprios valores e procedimentos

profissionais. Como observa Mauro Wolf (1987), o profissionalismo desenvolve-se na

empresa noticiosa, dentro da sua lógica produtiva, e não contra ela. Então, os valores e o

29 Lembremos a distinção das “normas profissionais”, feita por Warren Breed, em “normas técnicas” e “normas

éticas”.

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reconhecimento do profissionalismo são julgados em função dos valores da

organização. É nesta medida que a competência acaba por “coincidir” com a

performatividade rotineira. Um exemplo disso é a capacidade de vencer o tempo,

transformando rapidamente um acontecimento em notícia.

Nelson Traquina destaca claramente a questão do tempo na definição do

profissionalismo e na sua relação com a performatividade: “

A relação entre o fator tempo e o jornalista é tão fundamental que constitui um

fator central da definição da competência profissional. Ser profissional implica

possuir uma capacidade performativa avaliada pela aptidão de dominar o

tempo em vez de ser vítima dele. (2005b:40)

Traquina refere que a ênfase na ação está no centro do profissionalismo. A ação tem de

ser controlada, para que o jornalista não seja vitimado pela cadência frenética de um

ciclo produtivo estruturado em função de marcos temporais - por exemplo a pressão das

horas de fecho. Para Ericson, Barnek e Chan, citados por Traquina, tal capacidade

performativa pressupõe um “vocabulário de precedentes”, ou seja, um conjunto de

saberes profissionais. (2005b:41)

Os autores definem o “vocabulário de precedentes” como “a progressiva articulação

verbal do estado corrente de saber de reconhecimento, de procedimento e de narração,

requerida para efetuar um desempenho competente do trabalho.” (Ericson et al apud

Traquina, 2005b:41) Tal como é explicado, este vocabulário é aprendido de forma

subtil, por acumulação, através da experiência e das trocas diárias com os colegas,

fontes, superiores hierárquicos e textos jornalísticos. Portanto, o profissionalismo

expressa-se nestes três saberes: no “saber de reconhecimento”, no “saber de

procedimento” e no “saber de narração”.

Por “saber de reconhecimento”, entende-se “a capacidade de reconhecer quais são os

acontecimentos que possuem valor como notícia” (2005b:42). Trata-se de mobilizar os

critérios de noticiabilidade, os valores-notícia ou as “capacidades secretas” dos

jornalistas, como o “faro para a notícia” ou a “perspicácia noticiosa”.

O “saber de procedimento” está relacionado com os “conhecimentos precisos que

orientam os passos a seguir na recolha de dados para elaborar a notícia.” (2005b:42)

Neste “saber” inclui-se também o conhecimento específico de identificação e

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verificação dos factos. O conhecimento das regras acerca das fontes de notícias, referido

por Traquina, é outro aspeto fundamental da competência jornalística e determina como

verificar os factos, quem contactar, quem são as fontes e como contactá-las, como lidar

com as fontes, que perguntas colocar e como compreender certas respostas. (2005b:43)

O “saber de narração” define-se como “a capacidade de compilar todas essas

informações e ‘empacotá-las’ numa narrativa noticiosa, em tempo útil e de forma

interessante.” (2005b:43) Um exemplo deste “saber” é a técnica da pirâmide invertida,

que define numa fórmula familiar os “servidores da notícia” a incorporar no lead (quem,

o quê, quando, onde, como e porquê). Este saber abrange igualmente a capacidade de

utilizar a linguagem jornalística, ou o “jornalês”30

, enquanto conjunto das regras

estilísticas específicas do jornalismo abrangendo a sintaxe, o vocabulário, voz ativa,

descrição detalhada, precisão do pormenor.

Como explica Nelson Traquina, este “saber de narração” permite aos jornalistas

encaixar novas situações em velhas definições. Os jornalistas recorrem a estruturas

narrativas determinadas, consoante o tipo de estória que têm em mãos. As notícias sobre

crimes têm uma determinada estrutura narrativa, tal como as notícias que abordam

escândalos. São estes velhos “esqueletos” que os jornalistas revestem com a carne da

nova estória. (2005b:43)

A constatação da preponderância do material de agência como “matéria-prima” na

redação do jornal suscitou-nos uma breve problematização quanto à descrição que

acabamos de fazer dos três saberes que estão associados ao profissionalismo.

Em consequência do serviço constante fornecido pelas agências de informação, parece-

nos cada vez menos evidente que um iniciante no ofício da informação diária adquira

estes saberes em pleno, ou seja, que ganhe desenvoltura no fazer notícias e não apenas

no seu reajustamento para uma retransmissão. Recuperando a experiência adquirida

durante o estágio, raras foram as oportunidades para por em prática os saberes indicados

pelo autor da forma como ele os expõe. Há que admitir que foram adquiridos certos

saberes que podem ser considerados como saberes de reconhecimento, de procedimento

e de narração. Seria abusivo afirmar o contrário. No entanto, os saberes ganhos no

estágio parecem-nos adquirir um carácter parcial relativamente àqueles apresentados

por Nelson Traquina.

30 Expressão usada por Nelson Traquina.

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O reconhecimento das notícias entre o conjunto dos eventos do quotidiano é feito, em

maior medida, pelas agências. O reconhecimento que os jornalistas fazem habitualmente

não incide sobre os eventos, mas sobre notícias. No nosso entender, o mítico “faro para

a notícia” tem uma expressão cada vez menor entre os jornalistas da imprensa diária,

principalmente aqueles com menor autonomia dentro da organização, ou seja, mais

dependentes da rotina produtiva. A sua função não é tanto a de reconhecer os valores-

notícia tradicionais da teoria do jornalismo nos eventos e de os aplicar, pois esses estão

garantidamente presentes na matéria-prima que lhes chega, mas antes reconhecer quais

os tópicos ou temas que lhes cabem individualmente, de acordo com o seu lugar na

organização (por exemplo, a secção para que escrevem). Trata-se de perceber, em

primeiro lugar, “o que nos é atribuível?” e, em segundo lugar, “o que é adequado ao

perfil do jornal?”.

O saber de procedimento de que nos fala Traquina revela-se também redundante, já que

o material de agência (o grosso da matéria-prima) já apresenta os dados necessários à

notícia, dados, em princípio, verificados. No nosso caso, os procedimentos apreendidos

prendem-se mais com a necessidade de aprofundamento de certas estórias, com a busca

de pormenores complementares. Mesmo esta necessidade acaba por reforçar o recurso

sistemático às fontes de rotina, aquelas capazes de fornecer a informação, em princípio,

dentro da deadline e com relativa fiabilidade.

No que tem a ver com o saber de narração, perante o material já estruturado impõe-se

apenas a necessidade de reajustar o texto de acordo com o espaço disponível e os

hábitos estilísticos do jornal. Ainda assim, o conhecimento prático das estruturas

narrativas revela-se útil, por exemplo, quando é necessário desenvolver ou

complementar uma determinada estória.

Existem, no entanto, vários ângulos pelos quais pode ser vista a questão do

profissionalismo. Para alguns autores a ideologia do profissionalismo esconde um outro

objetivo de controlo, não tão explícito quanto aquele mais diretamente relacionado com

a gestão do tempo e do ciclo produtivo por parte dos jornalistas. Jorge Pedro Sousa

apresenta a perspetiva de John Soloski, para quem o profissionalismo (em interação

com as políticas editoriais) seria um método económico e eficiente de controlo do

comportamento e do trabalho dos jornalistas por parte das organizações noticiosas.

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(Soloski, 1989, 1993 apud Sousa, 1999:62) Nesta perspetiva, a ideologia do

profissionalismo serviria os interesses da organização e poupá-la-ia à responsabilidade

de imaginar mecanismos de controlo.31

Tal como refere Sousa, para Soloski aspetos como o tipo de trabalho e a escolha dos

clientes estão geralmente fora do controlo dos jornalistas. O comportamento dos

jornalistas seria controlado pelo profissionalismo através dos padrões e normas de

comportamento (como por exemplo a política editorial), não necessariamente escritas, e

de recompensas como a progressão na carreira, salários, compensações financeiras,

entre outras. Ou seja, “um sistema de recompensas” que funciona num “sistema

padronizado e muitas vezes normativo.” (1999:63)

As normas predominantes do profissionalismo jornalístico são parte integrante de uma

estrutura de referência. Tal não quer dizer que os jornalistas estejam “coagidos”. No

entanto, todas as alterações e divergências entre os “news judgement” dos jornalistas

ocorrem sempre dentro dessa estrutura de referência. Nas palavras de Jorge Pedro

Sousa:

Assim sendo, a seleção de acontecimentos e de fontes decorreria

“naturalmente” do profissionalismo jornalístico: as notícias não seriam,

geralmente, narradas sob uma perspetiva conscientemente ideológica, embora

sejam ideológicas enquanto entidades contributivas para a manutenção do statu

quo. (1999:63)

Dada a complexidade das questões que aqui tentámos sistematizar, consideramos que a

estrutura de fontes dos órgãos de comunicação, as rotinas produtivas, a organização do

trabalho e a socialização profissional dos jornalistas na redação são fatores que se inter-

relacionam de tal forma que se torna difícil, senão impossível, estabelecer uma ordem

linear de causas e consequências entre eles. Acreditamos, contudo, que se trata de um

31

Soloski, citado por Sousa, relaciona os três “saberes” definidos por Ericson et al com a problemática do

jornalismo enquanto profissão. Para o autor, a ideologia do profissionalismo resulta da necessidade do

jornalismo, enquanto profissão, de controlar a sua base cognitiva, tendo para tal que satisfazer duas

condições: 1) que um conjunto de conhecimentos esotéricos e suficientemente estáveis relativamente à

tarefa profissional seja ministrado por todos os profissionais e 2) que o público aceite os profissionais

como sendo os únicos capazes de fornecer os serviços profissionais.

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estado de coisas complexo, ainda que não nos tenha sido possível esquadrinhar com

exatidão a totalidade da sua estrutura.

Aquilo que podemos afirmar é que todos estes fatores parecem apoiar-se mutuamente na

manutenção do atual paradigma de produção da informação. O progressivo

estreitamento dos canais de recolha de informação, resultante das rotinas profissionais

das organizações jornalísticas burocráticas, introduziu deformações nas estruturas de

fontes, que são reforçadas pelas deformações resultantes da organização do trabalho e

da aprendizagem e socialização profissionais. Dado este efeito de espiral, parece-nos

que as rotinas produtivas das redações têm evoluído num sentido que acaba por reforçar

o seu impacto na produção da informação e na autonomia dos jornalistas em relação ao

seu trabalho.

Reconhecemos que as rotinas produtivas tanto permitem como limitam a produção da

informação noticiosa. Limitam-na na medida em que fazem dela uma atividade

burocrática, com todas as consequências que isso traz para as funções sociais da

atividade. Deixam o jornalismo dependente dos canais de rotina, o que leva à

institucionalização de determinadas fontes, ao recurso frequente à informação de

agência em detrimento da produção própria e à impossibilidade de prescindir destas

fontes de rotina. Em certa medida, da distorção da estrutura de fontes resulta também

uma distorção da informação enquanto suposta representação da realidade e uma

tendência para a homogeneidade do produto jornalístico dos vários meios. Permitem-na

porque a operacionalizam e otimizam de acordo com as exigências profissionais e

organizativas, tornando-a fazível. Como observa Jorge Pedro Sousa:

[…] só burocracias podem garantir ao ‘jornalismo burocrático’ fluxos

constantes de matéria-prima informativa garantida e minimamente credível,

pelo que os órgãos jornalísticos, face à pressão do tempo e devido à escassez

relativa de recursos humanos, vão preferir fontes acessíveis, com horários

compatíveis, centralizadas e sistemáticas, de onde o privilégio outorgado às

instâncias […] suscetíveis de garantir o fornecimento constante de

‘acontecimentos’, nem que seja o lançamento de comunicados. (Sousa, 1999:27)

Confrontada a nossa experiência profissional com a literatura sobre os processos

produtivos da informação, parece-nos que, no contexto de uma organização burocrática,

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a autonomia do jornalista enquanto indivíduo é tanto mais reduzida quanto é aumentada

a sua autonomia enquanto funcionário.

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Conclusão

Começámos esta exposição procurando esboçar um enquadramento teórico

suficientemente abrangente, no sentido de delimitar epistemologicamente as impressões

e os problemas que o estágio nos suscitou. Para isso, procurámos desenhar uma

perspetiva geral sobre as rotinas produtivas das organizações jornalísticas, baseando-nos

nas perspetivas de autores como Mauro Wolf, Jorge Pedro Sousa e Gaye Tuchman.

Partindo deste enquadramento, procurámos confluir progressivamente para as questões

particulares, dentro dessas rotinas, que consideramos mais sensíveis e representativas

das impressões que recolhemos do estágio. Assim se entrou no domínio das fontes

jornalísticas. Tanto através da prática como da teoria, ficámos a compreender que toda a

organização jornalística mantém uma estrutura de fontes, constituída pelas fontes

estáveis de rotina, para responder às necessidades produtivas da informação.

Compreende-se que, em função do modelo produtivo dominante, os jornalistas

contactam sistematicamente com um número limitado de fontes, todas do mesmo tipo –

fontes oficiais e agências de notícias.

Traçada uma perspetiva histórica do desenvolvimento das agências de notícias no

contexto nacional e internacional, na procura de entender que lugar ocupam e como

operam na “paisagem” jornalística, chegámos à conclusão de que a evolução do

jornalismo de massas tem andado a par com a tendência das organizações jornalísticas

para a centralização das fontes de informação e que o aparecimento e consolidação das

agências de notícias na paisagem jornalística são um dos resultados dessa tendência.

Então, podemos considerar que as agências se desenvolveram para responder às

necessidades produtivas das redações e suas rotinas, ao mesmo tempo que a sua

consolidação na rede jornalística gerou, ela própria, as rotinas adaptadas que hoje temos

nas redações, que se foram moldando à ação mediadora das agências. Então, somos

levados a admitir que, por um lado, as atuais rotinas constrangem o jornalismo e os

jornalistas mas que, por outro lado, só com estas rotinas é possível assegurar a produção

das notícias no contexto das atuais estruturas burocratizadas.

A questão fundamental que se coloca quanto a estas rotinas, adaptadas à estrutura de

fontes estáveis de cada órgão jornalístico, é a interdependência que se verifica entre as

fases de recolha e de estruturação do material noticioso, com as fontes a fornecer

constantemente às redações material facilmente inserível nos seus procedimentos

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produtivos. É neste contexto que se compreende a crescente tendência das redações

atuais para a prática daquilo que Johnston e Forde sugestivamente referem como

“churnalism”. O resultado mais evidente de tudo isto parece ser a transformação das

redações em estruturas passivas e cada vez mais dependentes das suas fontes de rotina.

Tendo em conta os vários dados e perspetivas que fomos recolhendo sobre a questão

das agências de notícias, arriscamos concluir que estas vieram introduzir um efeito de

espiral nas dinâmicas produtivas da informação. As agências vieram proporcionar um

maior número e variedade de notícias aos meios de comunicação, o que lhes trouxe um

público mais vasto e diversificado. Ora, um público mais vasto e diversificado pede aos

meios de comunicação um maior volume de notícias e mais diversificadas, o que, em

última análise, acaba por reforçar a preponderância das agências.

Muito se tem falado sobre a evolução dos meios de comunicação e informação e das

alterações que tal evolução parece ter introduzido nas dinâmicas comunicacionais

contemporâneas. O que aqui constatamos, no entanto, é que o paradigma da produção

de notícias implementado com o jornalismo moderno de finais do século XIX e início

do século XX parece não ter sido afetado, no essencial, pelo avanço técnico das

redações e dos meios quanto aos métodos de recolha de informação. A fase de recolha

não só continua a depender em grande medida de estruturas de fontes bastante limitadas,

nas quais as agências de notícias se mantêm à cabeça, como essa dependência tem sido

intensificada, em grande medida, pela tendência dominante do jornalismo online. As

indicações dos estudos de Johnston e Forde que expusemos confirmaram a nossa

intuição inicial acerca da utilização que vem a ser feita dos conteúdos das agências de

notícias, contribuíram para a compreensão desta tendência das organizações como um

problema global e para alertar sobre as suas consequências para a diversidade

jornalística e para a democracia.

A experiência que tivemos durante estágio causou uma dissonância entre a nossa

identidade, ideais e valores, por um lado, e, por outro, a identidade que construímos

enquanto profissionais de uma organização. Baseando-nos na Teoria Organizacional de

Warren Breed procurámos compreender e minimizar esta dissonância à luz da ação

socializadora das redações sobre os jornalistas. Consideramos que a sistematização de

Breed, embora mais orientada para a política editorial, se adequa plenamente à

compreensão da conduta dos jornalistas no contexto das rotinas produtivas que

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abordámos. Então ficámos a compreender que existem processos que levam os

jornalistas a conformar-se com as rotinas produtivas das organizações que integram,

independentemente das suas crenças e valores pessoais. Em suma, a perspetiva de Breed

contribuiu para enquadrar a conduta dos jornalistas no contexto da ação socio-

organizacional que sobre eles se exerce. Não pudemos deixar de esboçar, ainda que ao

de leve, uma aproximação socioeconómica à abordagem organizacional, já que se trata

de um fator igualmente importante para a compreensão das organizações. Como vimos,

tanto a estrutura de fontes dos órgãos de comunicação como as rotinas produtivas das

redações, passando pela organização do trabalho e mesmo pela socialização profissional

dos jornalistas, são influenciadas pelo contexto socioeconómico em que se inserem as

organizações jornalísticas. Embora não pretendamos desresponsabilizar os jornalistas

pela sua conduta individual, entendemos que uma grande parte dos problemas que hoje

atingem a produção da informação tem que ser entendida no contexto das organizações

e da ação socio-organizacional que se exerce sobre os jornalistas. Por sua vez, a

socialização, a aculturação e o profissionalismo implicam os jornalistas na lógica

produtiva da organização e geram o conformismo com o “modo de fazer” aí

estabelecido.

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