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AS REPRESENTAÇÕES E AS VOZES DOS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO A PESQUISA E A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE Resumo O entendimento sobre as relações entre os sujeitos escolares na contemporaneidade é o eixo dos textos que compõem este painel. Refletir sobre a diversidade das práticas cotidianas de sala de aula pelo olhar da etnografia e das vozes dos sujeitos possibilita configuram novas dimensões para a educação pública brasileira. É entendimento de que o binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da formação e do trabalho docente. Ensinar e aprender, em todas as suas dimensões, tornam-se desafios constantes. O processo de ensino-aprendizagem está na pauta da escola como uma de suas principais funções. Como item da pauta da escola entende-se que caberia ao professor e ao aluno desenvolver meios para que este processo se desenvolva, deixando a cargo de ambos o peso da atribuição dessa função. Para o professor o processo de ensino e aprendizagem envolveria planejamento, seleção de atividades que estimulem o aluno no desempenho das tarefas solicitadas, sem entrar em conflito com as normas interativas previstas para ele no ambiente escolar. Para o aluno seriam geradas expectativas sobre como ele iria aprender, de quais habilidades e capacidades ele poderia lançar mão para alcançar seus saberes. Assim, espera-se que o professor e o aluno em interação promovam os fazeres refletindo sobre a produção do conhecimento que pode derivar da relação entre ambos. O que se propõe neste painel é uma discussão crítico reflexiva sobre os saberes e fazeres percebidos a partir dos sentidos atribuídos pelos sujeitos da educação à ação pedagógica. Palavras-chave: Etnografia. Escola. Entino-Aprendizagem. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 10257 ISSN 2177-336X

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AS REPRESENTAÇÕES E AS VOZES DOS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO A

PESQUISA E A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE

Resumo

O entendimento sobre as relações entre os sujeitos escolares na contemporaneidade é o

eixo dos textos que compõem este painel. Refletir sobre a diversidade das práticas

cotidianas de sala de aula pelo olhar da etnografia e das vozes dos sujeitos possibilita

configuram novas dimensões para a educação pública brasileira. É entendimento de que

o binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da

Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio

campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de

exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do

alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da

formação e do trabalho docente. Ensinar e aprender, em todas as suas dimensões,

tornam-se desafios constantes. O processo de ensino-aprendizagem está na pauta da

escola como uma de suas principais funções. Como item da pauta da escola entende-se

que caberia ao professor e ao aluno desenvolver meios para que este processo se

desenvolva, deixando a cargo de ambos o peso da atribuição dessa função. Para o

professor o processo de ensino e aprendizagem envolveria planejamento, seleção de

atividades que estimulem o aluno no desempenho das tarefas solicitadas, sem entrar em

conflito com as normas interativas previstas para ele no ambiente escolar. Para o aluno

seriam geradas expectativas sobre como ele iria aprender, de quais habilidades e

capacidades ele poderia lançar mão para alcançar seus saberes. Assim, espera-se que o

professor e o aluno em interação promovam os fazeres refletindo sobre a produção do

conhecimento que pode derivar da relação entre ambos. O que se propõe neste painel é

uma discussão crítico reflexiva sobre os saberes e fazeres percebidos a partir dos

sentidos atribuídos pelos sujeitos da educação à ação pedagógica.

Palavras-chave: Etnografia. Escola. Entino-Aprendizagem.

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ALUNOS COMO PESQUISADORES: OS DESAFIOS DE ENSINAR E

APRENDER NAS ESCOLA CONTEMPORÂNEA

Carmen Lucia Guimarães de Mattos

Luis Paulo Cruz Borges

Resumo

Este texto tem como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender a partir da

perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo

problematizador o fazer pesquisa etnográfica “com os alunos”, entendidos num

movimento de emergência da voz dos sujeitos diante da escola contemporânea. Dados

sobre o impacto que este tipo de pesquisa teve sobre esses alunos e sobre a escola

pesquisada serão apresentados de modo a sustentar a tese de que a pesquisa etnográfica

associada ao “movimento a voz do aluno” auxilia no empoderamento e na autonomia de

seus sujeitos no enfrentamento da exclusão educacional. As teorizaçõess que dão

suporte à pesquisa estão pautadas em Maria do Céu Roldão entendendo a dupla

transitividade no processo de ensino e aprendizagem; Carmen de Mattos que parte das

vozes dos participantes da investigação ao propor o processo bottom-up; A. L. Rogers

que compreende as várias dimensões que refletem a ideia de que os alunos têm algo a

dizer sobre escolas construindo ações e reflexões sobre o ensino e a aprendizagem.

Neste estudo, de cunho etnográfico, as “imagens da escola” foram coletadas por

instrumentos de pesquisa como: observação participante, entrevista etnográfica,

entrevistas do tipo focus group, estudo de caso etnográfico e documentos, dentre outros.

Os sujeitos, primários, foram 38 alunos e as alunas, entre 9 e 17 anos, regularmente

matriculados no Ensino Fundamental e Médio de uma escola pública da rede estadual

do Rio de Janeiro. Constata-se que quanto mais se realizam pesquisas que têm como

pressupostos teórico-metodológicos ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem

consciência de que é necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente a esta consciência,

urge a necessidade de se compreender a realidade da própria escola pensando para

quem, para onde e de onde devem ser impulsionados o planejamento e as ações

educacionais a fim de se promover emancipação nos processos de ensinar e aprender.

Palavras-chave: alunos como pesquisadores – etnografia – escola contemporânea.

Introdução

A Didática pode ser entendida como a mediação de toda prática educativa. Por

isso mesmo, o diálogo com o estudo de Candau (1983) nos propõe pensar a Didática em

questão e os seus novos rumos, a partir da tensão posta na década de 1980 entre o

fundamental e o instrumental, mas que ainda hoje ecoa nas discussões sobre o ensino, a

aprendizagem e a escola contemporânea. Novos desafios com antigos dilemas. Este

texto tem como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender a partir da

perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo

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problematizador o fazer pesquisa etnográfica “com os alunos”, entendidos num

movimento de emergência da voz dos sujeits alunos diante da escola contemporânea.

Na esteira das reflexões de Roldão (2007; 2005) e em diálogo com as

investigações de Cruz (2011) compreende-se o ensino como uma especificidade do

profissional professor, por isso mesmo, circunscrita a uma contexto histórico-social em

mudanças. Assim sendo, toma-se a concepção de Roldão (2007, p.94) sobre o ensino

nas sociedades atuais como a ação de “fazer aprender alguma coisa a alguém”. Esta

perspectiva traz à tona a ideia que ensinar exige uma dupla transitividade e uma

mediação, por isso, situa-se como uma especificidade de “fazer aprender alguma coisa

(currículo) a alguém (na dupla transitividade entre sujeitos)” (ROLDÃO, 2007, p. 95).

Quais os desafios que somos chamados a responder? Qual o lugar na universidade

neste contexto? A relação entre a escola de educação básica e a universidade

(BORGES; 2011) aponta tensões e contradições do desafio de aprender a ensinar pela

mediação da Didática. Dalberio & Dalbeiro (2010, p.10) nos propõe que “a Didática

envolve a reflexão sobre todos os aspectos relacionados ao ensino” e, também, à

aprendizagem. Por isso mesmo, toma como núcleo estruturante o processo de ensinar e

aprender.

O binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da

Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio

campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de

exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do

alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da

formação e do trabalho docente.

Ensinar, então, se torna um desafio. O desafio de ensinar tudo a todos, proposto

por Comênio em sua Didática Magna (NARODOWSKI, 2006), ainda perdura nos dias

atuais. Em especial, no que tange aos diversos alunos e alunas da escola pública no

Brasil.

Neste estudo, de cunho etnográfico, as “imagens da escola” foram coletadas por

instrumentos de pesquisa como: observação participante, entrevista etnográfica,

entrevistas do tipo focus group, estudo de caso etnográfico e documentos, dentre outros.

Os sujeitos, primários, foram 38 alunos e as alunas, entre 9 e 17 anos, regularmente

matriculados no Ensino Fundamental e Médio de uma escola pública. Esses sujeitos são

originários das classes menos favorecidas da sociedade e são vítimas de severas

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desigualdades socioeducacionais. Foram sujeitos secundários os professores, gestores

da escola e especialistas em estudos sobre gênero, pobreza e violência.

Com 2.300 m² de espaço físico, a escola está distribuída em nove salas de aula,

uma biblioteca, uma secretaria, uma sala de professores, um gabinete de direção, um

refeitório, uma cozinha, quatro depósitos, seis banheiros, um auditório, uma quadra de

esportes coberta e com vestiários, uma sala de arquivo, uma sala de educação física,

uma sala de computação e uma sala destinada à banda da escola. Atende a turmas do

sexto ao nono ano do ensino fundamental e o Ensino Médio de formação Geral, nos

turnos da manhã, tarde e noite.

A parceria entre o Nucleo de Etnografia e Educação (NetEDU) da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com a Escola Iguaçu, nome fictício, teve início em

2006 como o projeto de extensão sob o título “Incluindo Diferenças: uma proposta para

professores comprometidos com alunos em risco educacional”, o qual foi apresentado à

instituição por meio da vice-diretora, a Professora Rosi, que é colaboradora das

pesquisas do núcleo.

A pesquisa teve como lócus as classes do 9º e do 6º ano (em 2010) e teve

continuidade com o acompanhado de alunos participantes do 9º ano nos anos

subsequentes ao Ensino Médio. O motivo que levou a escolha desta escola foi a

disponibilidade da mesma e de seus alunos em colaborarem com a pesquisa.

Os objetivos do estudo foram: a) examinar como no dia a dia da escola e das salas

de aula as diferenças de gênero, as condições de pobreza e as violências da/na escola

como indicadores da construção do fracasso escolar de alunos e alunas; e, b) identificar

e analisar as ordenações e interações de gênero, os fatores de pobreza e de violência

tomando com ponto de partida a percepção de alunos e alunas em interação com alunos

da graduação e pesquisadores da universidade.

As classes do 9º e 6º ano foram estudadas por considerar-se como representativas

das que ocorre nas práticas escolares entre o primeiro segmento e o segundo segmento

do Ensino Fundamental, pois tanto o 6º quanto o 9º ano representam momentos de

transição, quando os alunos sentem-se pouco confortáveis com as mudanças ocorridas

na escola, porque verifica-se uma mudança nas atitudes e valores tanto do aluno quanto

do professor a cerca do significado de estudar (CASTRO, 2011). Justifica-se ainda a

escolha destas classes por serem, geralmente, atípicas em termos de representatividade

do fracasso escolar. No caso destas classes a maioria dos alunos apresentavam

defasagem entre a idade e o ano escolar de pelo menos dois anos, configurando assim

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uma trajetória díspar. Essa trajetória para a maioria dos alunos pesquisados era marcada,

não somente pela repetência, como tambem pela condição de pobreza.

A partir dessa contextualização, do campo da Didática e dos aspectos

metodologicos, que pressupomos situar as questões relacionadas ao processo de ensinar

e apredenr a partir do que chamamos de voz do aluno. Dessa forma, a pesquisa se torna

um eixo de mediação possível para pensarmos e problematizarmos a escola

contemporânea com seus processos educacionais.

Os estudos sobre a voz do aluno: a emergência de novos processos didáticos na

escola de hoje.

Orientaram o presente estudo os pressupostos da pesquisa etnográfica (MATTOS;

CASTRO, 2011) e do “movimento a voz do aluno” (GRION; COOK-SATHER, 2013).

A investigação etnográfica desenvolvida para este estudo se deu de forma colaborativa e

participativa, isto é, com a adesão expontânea dos participantes que atuaram como

pesquisadores durante a pesquisa. Foi contruinda uma rede de contatos, de negociação

de significados e de exploração dos dados de maneira genuinamente colaborativa onde

os alunos e alunas da educação básica se tornaram agentes da ação de pesquisar. Neste

contexto, em igualdade com a equipe da universidade, 11 alunos e alunas da escola, dois

professores e uma vice-diretora foram parceiros na construção do conhecimento

resultante nos relatórios de dados.

Nesta linha, adotou-se como abordagem teórica do movimento “a voz do aluno”

que corrobora para sustentar a abordagem etnográfica adotada nesta pesquisa. Para o

grudo do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) adotar a abordagem voz do

aluno, significa ouvir o que ele tem a dizer e entendê-lo como sujeito de pesquisa que

elabora e reelabora o seu saber sobre o objeto a ser pesquisado, ressignificando-o dando

sentido à prática e saberes necessários à escola (CASTRO, 2011).

Na educação de modo geral, o movimento a voz do aluno refere-se aos valores,

opiniões, crenças, perspectivas e origens culturais dos alunos individualmente e em

grupos em uma escola e às abordagens pedagógicas e técnicas que são baseadas em

escolhas dos alunos, seus interesses, paixões e ambições. O conceito de voz do aluno

tem se tornado cada vez mais popular nas últimas décadas. De um modo geral, a voz do

aluno pode ser vista como uma alternativa para formas mais tradicionais de governaça

ou de instrução em que administradores escolares e professores tomam decisões

unilaterais com pouca ou nenhuma participação dos alunos (ABBOTT, 2014). Nesta

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direção o movimento a voz do aluno tem se tornado um dos componentes importantes

das reformas educacionais em alguns países como os Estados Unidos, Canadá e Reino

Unido (MACBEATH; MYERS; DEMETRIOU, 2001; RUDDUCK; CHAPLAIN;

WALLACE, 1996; WASLEY; HAMPEL; CLARK, 1997; WILSON; CORBETT,

2001).

No Reino Unido, Michael Fielding da University of Sussex e Jean Rudduck da

University of Cambridge, em pesquisa de 2000, afirmam que uma de suas preocupações

era saber se a voz do aluno, na pesquisa e nas atividades da escola era uma moda

passageira ou uma fundamentação para uma nova ordem da experiência escolar. Neste

sentido revelaram uma das arenas principais para que esta abordagem floresça e que os

pesquisadores que vão para a escola procurem ouvir os alunos e reconhecer que suas

vozes revelam perspectivas públicas sobre as principais áreas de suas experiências de

aprendizagem e das condições de aprendizagem nas escolas, pois elas demonstram a

capacidade dos joven, reconhecerem ainda que os comentários dos alunos sobre as

questões que afetam suas vidas e seus trabalhos na escola são perspicazes e relevantes

nestes contextos. Os pesquisadores ingleses, citando Rudduck (1999) concluem que não

é o suficiente ensinar o aluno sobre a democracia, tem-se que representá-la nas trocas

diárias da vida na escola e salas de aula.

Ao movimento a voz do aluno, também, foi dada uma definição operacional

segundo a qual ela é a oportunidade ativa para que os alunos expressem as suas opiniões

e tomem suas decisões sobre o planejamento, implementação e avaliação de suas

experiências de aprendizagem (ROGERS, 2005). De acordo com Rogers (2005) existem

várias dimensões que refletem a ideia de que os alunos têm algo a dizer sobre escolas,

dentre elas está o respeito pela integridade do que os alunos têm a dizer (COOK-

SATHER, 2002; FIELDING, 2001; OLDFATHER; WEST , 1999); e que pode servir

como um meio para conectar os estudantes à vida escolar (BALDWIN , 2004;

MACBEATH; DEMETRIOU; RUDDUCK; MYERS, 2003; PRIETO , 2001)

Acredita-se que através da participação dos alunos na pesquisa poder-se-ia

auxiliá-los na apropriação da memória reflexiva sobre as condições sociais em que

viviam de modo a avaliar positivamente o percurso já atingido e com isso impulsioná-

los a uma trajetória positiva para o futuro. Em nosso caso, selecionados alunos do 9º

ano do Ensino Fundamental (em 2010), que tornaram-se posteriomente alunos do 1º

ano do Ensino Médio (em 2011) e que participaram como pesquisadores ativos na

coleta e interpretação dos dados sobre os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental.

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Inicialmente, os alunos e alunas das duas classes foram solicitados a participar do

estudo fazendo uma redação ou um desenho com legenda que retratasse suas apreensões

sobre a escola e sobre sua trajetória como aluno. Este material juntamente com as

imagens de sala de aula foi analisado com o objetivo de levantar questões para compor

as entrevistas.

Um dos participantes mais ativos da pesquisa foi o aluno Marcos, nome fictício,

do 9º ano em 2010, que até os dias de hoje continua a frequentar o grupo de pesquisa

como assistente. Contudo, atualmente, ocupa a condição de graduando em Psicologia

pela UERJ. Marcos, tem hoje 20 anos, é negro de origem africana por parte do pai,

perdeu a mãe com 8 anos de idade e vive com uma tia em Nova Iguaçu, Baixada

Fluminence. Após a pesquisa de campo em 2013 foi entrevistado sobre como ele

percebia sua participação no processo de investigação. Nesta entrevista, dentre outras

coisas ele disse:

Esses anos de realização da pesquisa foram muito bons, mas foi um choque

no começo, pois tratavamos de gênero e eu achando que eles (os alunos 6º

ano) não sabiam nada, mas eles sabiam tudo e foi um choque saber disso. A

pesquisa abriu nossa mente, porque havia uma barreira e não consiguíamos

ver isso na escola, mas com as aulas da Professora Carmen e as entrevistas,

que foram muito importantes para nós, ficamos maravilhados com aquilo

que poderíamos ter, aquilo que a gente tinha nas mãos e ainda temos.

A voz de Marcos nos revela questõs ímpares para pensar processos de ensino e

aprendizagem na escola tais como reflexividade, modelos de interação e

reconhecimento. A preparação das entrevistas, a feitura das mesmas, depois os clipes

em vídeo com imagens da sala de aula e sua audiência e análise, refletem processos de

reflexividade de Marcos. Podemos depreender que tais ações nos possiblitam avançar

em mediações didáticas no contexto escolar.

Já as entrevistas com as professoras de português e de “projeto” foram realizadas

após a assistência pelas mesmas de uma sessão com imagens em vídeo de suas próprias

salas de aula. O vídeo, com 40 minutos de duração, assistidos pelas professoras

continha imagens de interações entre elas e os alunos e dos alunos entre eles.

Após a exibição destas imagens, as professoras expuseram suas opiniões e

comentários sobre os alunos e alunas. Também responderam aos questionamentos da

equipe de pesquisa sobre o significado de algumas cenas que não ficaram claras em

relação ao objetivo das professoras com a aplicação de algumas das tarefas propostas.

As dúvidas eram, geralmente, relacionadas as interações entre elas e os alunos. Após

estes encontros, tanto o filme assistido, quanto outros registrados durante a coleta de

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dados foram transcritos, decupados, minutados e estudados, para que deste processo

surgisse as categorias de análise.

As categorias de estudo representam uma descrição dos sistemas simbólicos de

uma determinada realidade. A pesquisa etnográfica é, por excelência, um espaço de

construção de conhecimento, que ocorre através do olhar do pesquisador. Neste

contexto, é na tipicidade ou na atipicidade de categorias que descrevemos as cenas das

redes de subjetividade de um estudo, ou seja, utilizamos as prescrições etnográficas para

dar sentido às interpretações vividas. Castro (2011) define categoria temática como uma

atribuição de qualidade a um determinado sujeito. Segundo a autora, “atualmente, este

sentido de atribuir uma qualidade surge com a finalidade de „possibilitar‟ a análise do

objeto ou do campo de estudo” (idem, p. 60).

As duas professoras, assim como a vice-diretora da escola, participaram

ativamente da realização da pesquisa inclusive frequentando o seminário permanente da

pesquisa quando solicitadas, inclusive do processo de categorização dos dados. Os

Seminários de Pesquisa aconteciam na universidade semanalmente e compõem

momentos de reflexão teórica. Elas, assim como os 11 alunos pariciparam de todas as

fases da pequisa, incluindo análise, relatórios e apresentação dos resultados em

congresso pelo Brasil.

A participação dos nove alunos do 1º ano do Ensino Médio foi fundamental para o

sucesso do trabalho de campo, pois eles aprenderam realizar entrevistas com os alunos

do 6º ano. Esse treinamento serviu como um despertar para as categorias de análise –

genero, pobreza e violências – e serviram ainda como um processo reflexivo de

amadureciento desses alunos para ouvir o outro. Eles treinaram inicialmente com a

equipe de pesquisa da UERJ formada por: uma coordenadora, pesquisadora sênior na

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); dois pesquisadores visitantes

estrangeiros da Universidade de Sydney (USY), na Austrália; um pesquisadora junior

doutora; um doutorando; dois graduandas e um técnico. Posteriomente, os alunos do 1º

ano treinaram uns com os outros para afinar o sentido das perguntas e fomentar a

liberdade de expressão do entrevistado. E, finalmente, eles entrevistaram os alunos do

6º ano, sempre que possivel individualmente, mas, às vezes, em dupla e/ou em grupo de

três alunos e/ou com o auxilio dos pesquisadores da UERJ.

Essas entrevistas foram conduzidas com vários momentos de surpresa, tanto sobre

a capacidade de entrevistar dos entrevistadores como pelo conteúdo das respostas

obtidas que, muitas vezes, superam, em muito, as expectativas do grupo de

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pesquisadores. O formato de questionamento confirmou que o envolvimento dos alunos

uns com os outros permitiu maior liberdade e expontaneidade nas respostas do que se as

entrevistas tivesses sido conduzidas pelos pesquisadores mais experientes.

Vários desdobramentos surgiram desse envolvimento com esta escola e seus

alunos, dentre outros os alunos do 1º ano escreveram e interpretaram uma digital de

teatro sobre violência. Havia um consenso de que os alunos da escola conheciam

superficialmente sobre as causas e consequências desse fenômeno e não percebiam os

danos que poderiam causar entre eles, e assim, as alunas da graduação decidiram

realizar uma oficina sobre o tema Bullying, direcionada aos alunos da escola.

A partir do estudo, foi decidido pelos alunos da escola que eles elaborariam uma

peça teatral sobre o Ciberbullying. O roteiro da peça foi produzido e dirigido pelos

alunos bolsistas da escola, e foi revisado pelas alunas bolsistas da graduação. O nome

dado à peça foi “Ta na Rede”. A escolha do nome foi feita pelos próprios alunos que

trabalharam na peça. A peça foi apresentada no âmbito da escola e posteriomente na

UERJ com parte do programa oficial de um evento anual da UERJ entitulado “UERJ

sem Muros” que aconteceu entre os dias 23 a 27 de setembro de 2013, essa peça

desdobrou-se em uma oficina sobre Bullying e outra sobre Cyberbullying ministrada

por alunos da graduação e pós-graduação do grupo de pesquisa na UERJ com a

participação dos alunos da escola.

Outro desdobramento foi a criação do Blog “A Diferença Soma” mostrando os

diferentes grupos étnicos e difrentes ordenações de gênero na escola e informando sobre

a violência. Foi desenvolvida também uma cartilha digital informativa para a

comunidade escolar sobre violências na/da escola. Em depoimento sobre um dos dias de

vista à UERJ Ludmila, aluna do 9º ano, escreveu no Blog da Escola sobre sua interação

com a universidade:

Foi gratificante chegar até aquele lugar, ver a resposta do estudo (referindo-

se a pesquisa), alunos com verdadeiro intuito de crescer na vida. Essa

pesquisa vem sendo uma grande oportunidade para o desenvolvimento social

e tem ajudado melhorar a forma de comunicação entre os alunos. O dia na

UERJ foi muito gratificante, nos fez aumentar o interesse pelo estudo, para

que seja possível futuramente estudarmos lá. Essa experiência foi muito

interessante, tudo o que vimos e ouvimos durante a palestra sobre refugiados

na África, uma oportunidade de conhecermos o que acontece lá fora. Estar no

meio de sujeitos que formam a Universidade, professores, alunos e todos que

estavam ali presentes, trocando ideias, conhecimentos, entre outras propostas.

Foi realmente um dia especial! (Aluna Ludmila, 9º ano em redação para o

Blog da Escola “A Diferença Soma” em 14/09/2011).

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Um dos resultados da pesquisa em tela foi que a participação dos nove alunos do

1º ano levou-os a descoberta de potenciais educacionais de superação ao fracasso

educacional. Uma das provas dessa descoberta foi que sete desses alunos encontram-se

hoje na universidade, quanto aos dois restantes, somente uma não conseguiu terminar o

Ensino Médio por motivo de gravidez. Na Escola Iguaçu nos últimos anos anteriores a

2013 (ano de conclusão do Ensino Médio para os alunos colaboradores) nenhum aluno

passou do Ensino Médio à universidade e nos anos anteriores a estes, somente um aluno

havia ingressado no Ensino Superior.

Entende-se pelo depoimento desses alunos que a oportunidade de entrar em

contato físico com o ambiente universitário e saber o que significa ser universitário, fez

com que eles pudessem enfrentar as desigualdades que antes determinavam o insucesso

e transformá-las em desafios. Assim enfrentaram esse desafio com mais segurança e

possibilidade de sucesso.

[…] Falar sobre pobreza aqui na escola é muito fácil, quando começou a

pesquisa eu não pensava sobre o meu bairro, mas depois eu fui vendo e o

nosso bairro é um dos mais pobres daqui. Pois um grande número de alunos e

alunas vem a escola e falam – tia deixa eu ficar para comer que lá em casa

não tem comida... Eu acho que para os professores, fica muito pesado lidar

com isso – assim educar aquilo que já tinha que vir de casa. Eu não posso

generalizar, mas no meu bairro é essa a realidade.

[…] Uma das coisas mais importantes que eu aprendi na pequisa foi saber

ouvir, escutar os outros alunos. Essa foi uma fala de uma colega da equipe

de pesquisa, mas depois que ela falou isso nós aprendemos que é isso - não

ouvimos os outros, e agora aprendemos a ouvir, a gente perguntava, mas

ouvia aquilo que queríamos ouvir das pessoas. Agora não, ouvir é assim,

refletir sobre o sentido do que outro está falando sem induzir as pessoas,

ouvir é refletir para pensar sobre aquilo que foi falado para poder mudar.

Mudar a nossa realidade! (Marcus em entrevista por Carmen de Mattos em

10/06/2013).

A reflexividade proposta pela emergência de um trabalho com participação dos

alunos e alunas nos faz colocar em xeque modelos de mediacção pedagógica presentes

na escola. A interação parece ser chave analítica necessária para a Didática. A fala,

acima, de Marcus evidencia que o debate e a problematização sobre a pobreza abre

possibilidade de ampliar o horizonte pensando nas questões de desigualdade social.

Evidencia, também, uma reflexividade sobre o lugar da educação na perspectiva de seus

sujeitos. E o papel da pesquisa indica uma mediação que seja capaz de fazer aprender

alguma coisa a alguém, nas palavras de Roldão (2007). Ou mesmo de escuta e de

sensibilidade de ouvir o outro.

Considerações Finais

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Este texto teve como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender apartir

da perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo

problematizar o fazer pesquisa “com os alunos, entendido como o movimento de voz

dos alunos da educação básica.

Quanto mais se realizam pesquisas que têm como pressupostos teórico-

metodológicos ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem consciência de que é

necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente a esta consciência, urge a necessidade

de se compreender a realidade da própria escola pensando para quem, para onde e de

onde devem ser impulsionados o planejamento e as ações educacionais a fim de se

promover emancipação.

Cook-Sater; Grion (2013), acreditam que ouvir o aluno pode impulsionar

mudanças na escola. A abordagem das autoras é desafiadora, mas faz sentido, quando

associamos as experiências de Alves (2012) em relação à reflexividade do aluno

pesquisador sobre a sua própria realidade e a abordagem “bottom-up” proposta por

Mattos (1992). Afirmamos, portanto, que, delineando pesquisas que incluam os sujeitos

como participantes ativos do processo, incentivando a reflexividade dos mesmos e dos

próprios pesquisadores no ato de fazer pesquisa, podemos constituir uma chave para

informar mudanças na escola e nos processos de ensinar e aprender.

As vinhetas etnográficas apresentadas, demonstram que os alunos/pesquisadores e

alunos/pesquisados são capazes de pensar sobre as situações vividas no cotidiano da

escola de uma perspectiva inédita. Suas vozes expressam preocupação com eles

mesmos, com os outros alunos, com os professores, com as práticas de sala de aula, com

as interações entre eles e o pessoal da escola, enfim, com a escola como um todo.

Nuances dessas expressões, na maioria das vezes, não são percebidas pelos

pesquisadores e pelo pessoal da escola.

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DA ESCOLA E SUAS FUNÇÕES: ELEMENTOS PARA O

ALARGAMENTO DE UM DEBATE NA PERSPECTIVA DE FUTUROS

PROFESSORES

Paula Almeida de Castro

Tatiana Bezerra Fagundes

Elizabete Carlos Do Vale

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar parte dos estudos realizados a partir das

vozes dos participantes de uma pesquisa de abordagem etnográfica com alunos do curso

de Pedagogia sobre tornar-se aluno, referenciando os processos de construção do

conhecimento remetido aos de escolarização. Buscou-se evidenciar os sentidos da

escola, a partir dos saberes e fazeres que, dialeticamente, conduzem a ação pedagógica

no cotidiano da sala de aula, trazendo o desafio de conduzir o aluno às aprendizagens

escolares. Reflexivamente, a natureza da interação entre professor e aluno é apresentada

nas vozes dos alunos do curso de Pedagogia indicando os caminhos percorridos no

entendimento das expectativas quanto às aprendizagens vivenciadas nos diferentes

espaços educacionais. Ao trazermos os alunos para o debate no campo do conhecimento

acerca das formas de ensinar no contexto das escolas, levamos em conta que os saberes

que possuem e que se constroem nesse contexto, possui uma relevância ímpar para a

produção de conhecimento no âmbito educacional. Resultou dos elementos

apresentados alguns caminhos para o alargamento do debate em torno dos possíveis

entendimentos das funções e sentidos da escola por futuros professores pautado no

atendimento de suas expectativas com relação ao papel do professor em sua ação

pedagógica. Em linhas gerais, é entendimento de que descentralizar a ideia do ensino

relacionado ao papel do professor e o aprender no do aluno, mas dialeticamente tornar

estes processos como constituintes da ação pedagógica necessária para a compreensão

do como ensinar. Esta compreensão abre caminhos para se pensar o que ensinar, ou

seja, a percepção dos sujeitos escolares sobre o tempo e o espaço das tarefas

pedagógicas, o dever, nos seus processos de tornarem-se alunos compreendendo seus

significados na produção do conhecimento escolar.

Palavras-chave: Ação pedagógica. Didática. Formação de professores.

Introdução: pressupostos e caminhos desse estudo

A escola atual, desde o início dos anos de 1990, começou a passar por um amplo

processo de abertura que, felizmente, tem trazido para seu espaço sujeitos sociais até

então alijados do processo de escolarização formal (OLIVEIRA, 2007). Dessa feita,

deparamo-nos hoje, professores e pesquisadores preocupados e comprometidos com a

garantia dos direitos de aprendizado dos alunos, com o desafio de levá-los a

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compreender e apreender os parâmetros da cultura científica veiculada pela escola, sem

os quais terão muito poucas chances de circular no âmbito da modernidade

contemporânea da qual fazemos parte (SENNA, 1997; 2007). Ao mesmo tempo,

assumimos a inequívoca obrigação de garantir-lhes no espaço público que a escola

representa, o direito de serem respeitados em suas formas de ser, de estar, de agir no

mundo, sobretudo de aprender, sem buscar sua correção frente a um discutível conceito

de normalidade e normatividade mais afeitos ao processo de exclusão e banimento

social do que de inclusão e valorização das diferenças (PATTO, 1999; BERTICELLI,

2004).

Umas dos caminhos que talvez possa ser trilhado para que isso seja possível, o

qual tem conduzido de modo mais ou menos evidente os trabalhos de pesquisa que

vimos realizando, refere-se a tentativa de produzir com os alunos sentidos que nos

levem a refletir sobre os processos de ensino, já que assumimos com eles as diferenças

em relação aos processos de aprendizado (FAGUNDES; SENNA, 2015).

Ao trazermos os alunos para o debate no campo do conhecimento acerca das

formas de ensinar no contexto das escolas, levamos em conta que os saberes que

possuem e que se constroem nesse contexto, têm uma relevância ímpar para a produção

de conhecimento no âmbito educacional (MATTOS; CASTRO, 2005; 2015).

Relevância esta sendo assumida com cada vez mais clareza por estudiosos da área,

dentro e fora do país (GRION; COOK-SATHER, 2013; FIELDING; RUDDUCK,

2002; ALVES; MATTOS, 2015), diante das evidências de que a satisfação relativa à

verdade no tocante ao conhecimento não pode ser processada sem que os sujeitos

sociais com e para as quais ela se produz estejam implicados nela (SENNA, 2003).

A partir desses pressupostos, temos buscado construir um quadro teórico-

conceitual (CHECKLAND; HOLWELL, 1998) que amplie as possibilidades de

respostas para uma questão premente em contextos de educação inclusiva, qual seja,

como ensinar?

Com essa questão de fundo, no âmbito desse trabalho, destacamos os resultados

de uma pesquisa mais ampla, realizada com alunos de uma escola pública do segundo

segmento do ensino fundamental no estado do Rio de Janeiro, bem como com

estudantes do curso de pedagogia de uma universidade pública do mesmo estado.

Tal pesquisa teve como principal objetivo compreender os processos pelos quais

os alunos passavam para entenderem-se e serem identificados como alunos, da

educação básica à graduação. Tratou-se de um estudo que fez uso da abordagem

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etnográfica como princípio metodológico (BORGES, 2012; MATTOS, CASTRO,

2011) e que, por isso mesmo, gerou resultados que extrapolaram os limites do recorte de

pesquisa inicial e que agora estão sendo revisitados. Utilizou entrevistas para acessar o

entendimento dos sujeitos sobre tais processos.

Parte desses resultados, não discutidos anteriormente, passa pela atribuição de

sentidos em relação a função social da escola, considerando-se seu universo de

existência atual. Tangenciando essa atribuição de sentidos, emerge a discussão sobre o

papel do professor no atendimento à escola e às demandas que seus alunos tem

apresentado e a garantia dos direitos de aprendizagem que todos possuem.

Interessa-nos, portanto, nesse trabalho, apresentar tais sentidos, produzidos pelo

grupo da graduação em pedagogia, participantes da pesquisa, com os pesquisadores, no

âmbito dos quais encontramos indicativos que podem alargar o debate sobre os

processos de ensino e aprendizagem no contexto escolar.

Nos limites desse trabalho, optamos por garantir um espaço mais ampliado para

apresentar as perspectivas dos participantes da pesquisa, que ajudam a situar o momento

da escola que se configura nessa década e meia do novo século. Em outra oportunidade,

discutiremos com o aprofundamento que o tema exige, a natureza dessas percepções e

em que medida ela pode influenciar as práticas escolares a serem desenvolvidas pelos

futuros professores, na esteira de estudos realizados por Borges (2012); Rodrigues

(2012); Cruz e André (2011) e outros.

1. Das funções sociais da escola e dos desafios para a formação docente: um

apontamento com os estudantes da Pedagogia

Dentre os debates que envolvem a escola, um deles remete a sua função social

na sociedade contemporânea. Este debate é perpassado por perspectivas que se

coadunam e/ou tencionam a relação entre o ensino e a educação, tentando estabelecer

limites entre aquilo que é próprio da prática formativa escolar e aquilo que seria o papel

primordial de outras instituições sociais (CAVALIERE, 2002).

Todavia, fato é que, no contexto de uma educação que se pretende inclusiva,

acompanhadas pelas transformações sociais que chegaram à escola, sua função está

muito mais alargada e assumimos, nesse contexto, que não somente o ensino diz

respeito aos processos que se estabelecem em seu interior. Nela, a educação está

presente, sendo entendida como construção de princípios direcionados a uma formação

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humana integral e emancipatória, capaz de permitir aos sujeitos sociais o planejamento

consciente a respeito de seu próprio futuro e a realização de escolhas consistentes que

apontem para a organização da sociedade onde a garantia dos direitos sejam estendidas

a todos os seus cidadãos.

A perspectiva dos participantes desse estudo, mostram, no entanto, o lugar

pouco claro que a escola pode estar ocupando em relação à sua função, fazendo com

que os sentidos construídos sobre ela encaminhem para escopos que perpetuam a falta

de clareza sobre o seu papel e sobre as práticas desenvolvidas em seu interior levando,

inclusive, ao recrudescimento de visões e práticas que não apresentam contribuição para

a escola atual, com seus alunos, professores e modos de funcionamento.

Alerta-nos, ainda, para a necessidade de investimento em uma sólida formação

inicial para os futuros professores, que possa auxiliá-los a lidar com as contradições e

urgências que se apresentam nesse espaço, ao mesmo tempo em que discutem e

ampliam as formas de reconhecimento das diferenças que lhes fazem parte, superando a

visão estreita que coloca sobre os professores a quase total responsabilidade pelo que

nela ocorre e buscando novas possibilidades de atuação nela.

Os sentidos que os participantes do estudo atribuíram à escola, relacionam-se às

suas carreiras profissionais, a compreensão do papel do professor, significada na

expressão “bom professor”, ou “bom pedagogo”, a realização da cópia como tarefa, os

aspectos relativos aos cuidados dirigidos aos alunos não só no que se refere ao

aprendizado, mas também considerando sua condição de sujeito com características e

necessidades que não desaparecem porque ele está em um espaço de educação formal.

A primeira função da escola destacada pelos participantes, mostra seu papel na

constituição da escolha da docência como profissão e a possibilidade de, através da

formação pedagógica, ter “bons pedagogos” para substituir profissionais caracterizados

como “maus professores”. A esse respeito, é importante destacar, conforme Connell

(2010), que tal caracterização precisa levar em conta as visões particulares dos alunos

que se relacionam à sua própria aprendizagem.

Em um de seus estudos (CONNEL, 2010), a autora aborda a questão do “bom

professor” oferecendo pistas sobre a dinâmica da estrutura educacional que leva a

adjetivações sobre a prática docente. Modelos sobre “bons professores” são parte das

considerações que os alunos fazem quando são questionados sobre a vida escolar e cada

aluno possui uma forma peculiar de definir o que é um bom professor, baseado no modo

como ele entende seu processo de aprendizagem.

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As alunas e alunos do curso de Pedagogia, em uma universidade do estado do

Rio de Janeiro, foram solicitados a descrever o que, na concepção deles, era um bom

professor desde a educação básica até a universidade. As respostas variaram entre ser

aquele que “enche o quadro de matéria, explica e depois corrige” e aquele que “faz os

alunos pensarem, busca exemplos atuais”.

Na fala dos estudantes, entretanto, ressaltam-se duas demandas. A primeira,

unânime entre eles, é a de que o professor seja atualizado e tenha uma boa formação.

Conforme comenta uma aluna; “na escola não dava para fazer isso, mas aqui [na

universidade] eu sempre vejo quem vai dar a matéria naquele semestre e procuro o

currículo do professor no Lattes1”. A segunda demanda refere-se a promoção de uma

interação positiva entre os alunos e o professor, o que, para eles, contribui para uma

melhor compreensão quanto ao papel do professor em sua ação pedagógica.

Outra função da escola destacada pelos estudantes da Pedagogia, que se

relacionam ao seu processo de formação enquanto futuros professores, diz respeito a

inclusão do professor na substituição da família em certos cuidados, tais como os que se

relacionam às questões de higiene. Uma das alunas menciona uma situação, quando

questionou, certa vez, a professora sobre o fato de a escola não ser o lugar para cuidar

“dos piolhos dos alunos”, levantando a discussão sobre o que seja, tradicionalmente, a

função da escola em relação a esse aspecto.

Embora a escola não seja o lugar para “tratar de piolhos”, seu papel educativo

exige dela posturas que vão ao encontro dos alunos. Colaborar, de alguma maneira, para

a promoção do cuidado é uma delas.

Como uma terceira função da escola, foi indicada a tarefa da cópia. Esta foi

descrita pelos participantes como tendo diferentes sentidos dependendo do significado

atribuído a partir da interação entre o professor e o aluno em sala de aula. A cópia foi

relacionada ao castigo quando do controle da movimentação do aluno na sala de aula e

para produzir entendimento quanto a uma determinada norma na forma de castigo,

como a mencionada por Alexandre (1º p. Pedagogia) de permanecer em silêncio (“Não

devo conversar em sala de aula”) e, como tarefa, no formato do dever e produção de

conhecimento – cópia acompanhada de leitura, por exemplo. Contudo, os alunos

1 A Plataforma Lattes é a base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

que inclui informações sobre grupos de pesquisa, currículos de professores, pesquisadores e alunos das instituições de

ensino e pesquisa. Conforme indicado pelo próprio CNPq, a Plataforma Lattes “se tornou um elemento indispensável

e compulsório à análise do mérito e competência dos pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia”.

Maiores informações disponíveis no site http://www.cnpq.br

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indicam o descontentamento em realizar a mesma por tanto tempo (copiar correndo), o

cansaço (a mão fica doendo) e, por vezes, o não-entendimento quanto ao que o

professor solicita faz com que a cópia mude de sentido, passando de dever para castigo.

As funções e sentidos oferecem indícios para pensar sobre a natureza da

interação entre o professor e o aluno na escola e na sala de aula. Pode-se pensar que a

construção do conhecimento em sala de aula é uma ação conjunta entre o professor e o

aluno no sentido de que ambos façam sentido do que está sendo proposto como ação

pedagógica. Assim, o aluno pode conhecer o propósito das tarefas em lugar de pensá-las

como castigo, por exemplo. O fazer em sala de aula é permeado por expectativas de

alunos e professores sobre o que é esperado que se faça e o se faz dos deveres de cada

um.

Assim, propõe-se, como continuidade das explicações sobre as funções e

sentidos da escola, um direcionamento sobre as formas como, alunos e professores, se

posicionam em relação ao “como ensinar” para que se efetive a construção do

conhecimento do aluno.

Para explicar o “como ensinar” busca-se algumas ideias que se traduzem em

asserções teóricas e perspectivas dos sujeitos da pesquisa.

1.1. Dos processos de ensinar e aprender: os sentidos produzidos pelos alunos

Os processos de ensino e aprendizagem estão na pauta da escola como uma de

suas principais funções. Como item dessa pauta, entende-se que cabe tanto ao professor

quanto ao aluno o desenvolvimento de meios para que este processo se realize,

deixando a cargo de ambos essa atribuição.

Para o professor, o processo de ensino e aprendizagem envolveria planejamento,

seleção de atividades que permitam ao aluno alcançar os objetivos das tarefas propostas

em benefício de seu aprendizado. Para o aluno seriam geradas expectativas sobre como

ele iria aprender, de quais habilidades e capacidades ele poderia lançar mão na

construção e apreensão de saberes. Assim, professor e aluno, em interação, seriam

capazes de promover os fazeres, refletindo sobre a produção do conhecimento que pode

derivar da relação entre ambos. Como sugere Vygotsky (1998) a dialética dessa relação

influencia o gerenciamento da aprendizagem tanto pelo aluno quanto pelo professor e

cria novas condições para que esses sujeitos construam conhecimento (p.80).

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A ação pedagógica daí decorrente envolveria tanto as subjetividades dos alunos

quanto as múltiplas possibilidades com as quais lida o professor em relação às suas

aprendizagens. Envolveria, ainda, a percepção do aluno sobre o processo de ensinar e de

aprender. Conforme destaca Freire (1996) “ensinar não é transferir conhecimento, mas

criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção” (p. 25).

Apesar disso, ainda lidamos, enquanto professores e alunos, com uma

dificuldade em relação às formas de construção do conhecimento. Em que pesem os

esforços no sentido de construirmos uma ação pedagógica implicada na percepção

freireana acima destacada, somos herdeiros de um modelo de escola e de formação

engessados na dicotomia transmissão-aprendizado, que organiza o sistema escolar de

modo a que essa relação continue se perpetuando centrada na realização da tarefa.

Nesse contexto, os estudantes do curso de pedagogia, destacam que entre a

conscientização do papel do professor e as expectativas que o aluno tem sobre ele, são

feitas concessões para que a ação pedagógica em sala de aula faça sentido para ambos.

Estes aspectos são destacados por Patrícia, aluna 1º período do curso de Pedagogia. Para

a aluna:

O professor é o mediador, né? Que vai me passar conhecimento. Porque de certa

forma o professor... Ele detém o saber. Não é suficiente chegar ali só assim para

passar o que as matérias deles pedem e vão embora. Estar aí para o aluno, entendeu?

Acho que é o professor que incentiva a gostar de conhecer as coisas, né? Então, o

professor, acho que é fundamental, quando ele sabe fazer você gostar da matéria,

quando ele sabe ensinar, ele sabe te prender. Acredito muito que tem que ser

dinâmico. Que ele dá mais pro aluno poder participar. O aluno não fica ali passivo

olhando pra cara dele sentado, dormindo, entendeu? Dá voz pro aluno.

O fragmento da fala de Patrícia indica sua expectativa quanto a um professor

que conjuga a posição de mediador, detentor do conhecimento, que sabe ensinar, é

dinâmico e dá voz ao aluno. Com essas características, o professor colocaria em

movimento a ação do aluno, incentivando-o a conhecer, gostar da matéria, participar das

aulas e, ao mesmo tempo, contribuir para que o aluno não receba passivamente os

ensinamentos.

A estudante Patrícia, ao elencar suas expectativas, percebe o papel e o lugar do

professor em sua aprendizagem. Ainda que esta possa ocorrer de modos e em tempos

diferenciados, existe um reconhecimento do papel do professor na ação pedagógica.

Sobre o fazer do professor, a aluna Monique, 1º período do curso de Pedagogia,

comenta que este está ligado ao planejamento do estudo, da aula, dos exemplos

relacionados a realidade do aluno e a presença do mesmo na sala de aula.

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“É, assim, aquele professor que tá presente realmente é o que não pensa só em chegar

ali e dar aula, vai ver que pensa no seu planejamento de estudo, até mesmo na aula,

quando ele dá exemplos que têm a ver com o seu dia a dia, sabe, até nessas pequenas

coisas, é um professor presente” (1º período de Pedagogia/UERJ).

Monique acentua, em sua fala, a idealização de um professor próximo ao aluno,

engajado e identificado com as suas necessidades do dia a dia. A realização do trabalho

docente, a seleção e a organização, são atividades constantes de repensar o modo como

a ação pedagógica se efetiva nos processos de produção do conhecimento na escola e na

sala de aula.

Este planejamento para atender a realidade do aluno, mencionada por Monique,

não significa que o professor deva utilizar-se de “tendências da moda”, mas, sobretudo

que aquilo que foi selecionado para seus alunos seja coerente com sua prática fazendo

sentido sobre os fazeres, deveres e saberes tanto do professor quanto do aluno.

Alguns exercícios, nomeados corriqueiramente, como de fixação de conteúdos

implicam na obrigatoriedade de que o aluno tenha que distinguir entre aquilo que é

concebido como pensamento científico e o que é o pensamento narrativo. Nesse sentido

Senna (2003) contribui para entender como se dá a organização e a fundamentação

sobre os modos de pensamento pelos quais a “inteligência humana se organiza para

interagir com o mundo” (p.11), a saber: o modo narrativo e o modo científico. Por modo

narrativo destaca-se dentre suas propriedades a que privilegia esquemas que se

organizam na medida em que o sujeito age sobre o seu mundo e o modo científico de

pensamento está relacionado à cultura científico-cartesiana que se espera do aluno no

ambiente escolar.

Portanto, não se trata de privilegiar um modo de pensar em detrimento de outro,

mas que o trabalho do professor na formação do aluno possibilite-o a compreender

“quando e como ele deve se posicionar no mundo utilizando o pensamento científico e

quando este deve se posicionar utilizando o modo narrativo” (p.17). O autor descreve

que além da possibilidade de aprender, seria possível ao professor e ao aluno

compreender os seus papéis de modo a legitimar a cultura científica e sua função para a

escolarização. Compreender estes papéis requer, ainda, que o aluno faça sentido das

ações pedagógicas do professor em sala de aula.

Os sentidos das ações podem refletir sobre o que e quanto é necessário saber

durante um ano letivo. O fragmento de fala da aluna Joana, 1º período do curso de

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Pedagogia, explica e justifica os procedimentos e os saberes necessários para “passar de

ano” ou ser reprovado.

[...] As matérias que eu gostava eu me dedicava, as outras matérias que eu não

gostava eu sabia que eu tinha que passar, eu sabia que eu não podia ficar de

recuperação ou ficar reprovado. Eu sabia que eu não podia ir para a recuperação

porque a recuperação eu ia ter que estudar tudo o que eu tinha visto no ano, toda a

matéria do ano. Eu sabia que eu não podia ficar reprovado que eu ia voltar tudo e a

ideia para mim da reprovação era como se eu perdesse um ano da minha vida né.

Como se eu ficasse parado no tempo um ano. Aí o quê que eu fazia, por exemplo, a

matéria que eu não gostava, eu não gostava de Química, mas eu sabia que eu

precisava estudar para Química, eu estudava o necessário. Então geralmente as

minhas notas em Química é no município é Satisfatório e no segundo grau era 60, 65.

Aí eu fazia as contas, no terceiro período, aí eu estudava muito no primeiro e segundo

período e aí então eu acho que eu sacava isso, essa estratégia. Então as minhas

estratégias eram: estudar muito o primeiro e o segundo período aí no terceiro eu via a

matéria que eu tava muito mal, aí estudava para essa matéria e no quarto eu relaxava

(Joana).

A opinião e percepção da aluna sobre a ação pedagógica e o papel do professor e

nesta ação foi expressa no fragmento de fala de Joana ao apontar o papel da

aprendizagem para o cumprimento das diferentes etapas da escolarização.

Foi ressaltada a repetência por Joana que em seu processo de tornar-se aluna, as

estratégias utilizadas tanto para não repetir quanto para não ficar para a recuperação.

Comenta que ao pensar que repetir seria como perder um ano de sua vida “sacou” que

fazendo as contas das notas divididas nos quatro bimestres do ano letivo ela poderia

alavancar os estudos e as notas nos dois primeiros bimestres. No caso de estar com

pendência em alguma matéria ela utilizava o terceiro bimestre para reforçar a nota

podendo ficar “relaxada” no restante do ano. A outra estratégia identifica por Joana foi a

de solucionar as notas para as matérias que possuía menos afinidade. Ao entender que

ela precisaria ser aprovada em todas as matérias, Joana conta que estudava o necessário

para obter notas satisfatórias para avançar para as próximas etapas.

Dos pressupostos e caminhos indicados para o entendimento sobre as funções

sociais da escola e as interfaces e sentidos de aprender foi possível evidenciar nos

fragmentos de falas apresentados as estratégias possíveis de serem utilizadas,

igualmente por outros alunos, quando começam a conhecer as normas do jogo escolar.

Aos poucos, conforme avançam nas etapas, os alunos vão identificando o que é preciso

saber para fazer sentido da ação pedagógica do professor em sala de aula e receber a

aprovação.

Considerações Finais

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

10278ISSN 2177-336X

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Quais os caminhos para o alargamento do debate em torno dos possíveis

entendimentos das funções e sentidos da escola por futuros professores? Foram

apresentados, nas vozes dos participantes da pesquisa, o como ensinar pautado no

atendimento de suas expectativas com relação ao papel do professor em sua ação

pedagógica. Entende-se que o atendimento a essas expectativas requerem a

conscientização do professor quanto ao papel que ele desempenha nos processos de

produção do conhecimento de seus alunos. Evidenciar essas questões enquanto

professores em formação poderá auxiliar nas práticas docentes futuras.

Foram indicadas as diferentes formas que acreditam poderiam ser adotadas na

ação pedagógica dos professores promovendo uma interação positiva para conduzir as

aprendizagens dos alunos. Sugeriu-se como alternativa pelos participantes da pesquisa

uma diferenciação para o fazer e o saber explicando e solucionando as dúvidas do

aluno. Isto, possivelmente se dará, no momento em que o professor perceber o aluno

como um sujeito real longe das idealizações de uma formação que não o prepara para a

diversidade presente nos espaços escolares.

Por sua vez, os alunos possuem expectativas quanto ao que esperam do papel do

professor em suas aprendizagens. Eles sinalizam a importância de um planejamento que

esteja voltado para atender as suas realidades, transformando-as em saberes, que

desperte a curiosidade e a vontade de conhecer novos conteúdos e que legitime a

participação do aluno em sala de aula. No entanto, quando estas expectativas não se

efetivam na ação pedagógica os alunos são levados a adotarem diferentes estratégias

para adquirir o quantitativo de nota necessário para ser aprovado. Percebe-se que o

sentido dos fazeres não leva a um saber sem que este esteja relacionado ao peso da

aprovação e reprovação. Por outro lado o aluno foi capaz de compreender as regras do

jogo escolar e criar estratégias para pertencer à comunidade escolar.

Em linhas gerais, acredita-se ser possível descentralizar a ideia do ensino

relacionado ao papel do professor e o aprender no do aluno, mas dialeticamente tornar

estes processos como constituintes da ação pedagógica necessária para a compreensão

do como ensinar. Esta compreensão abre caminhos para se pensar o que ensinar, ou

seja, a percepção dos sujeitos escolares sobre o tempo e o espaço das tarefas

pedagógicas, o dever, nos seus processos de tornarem-se alunos compreendendo seus

significados na produção do conhecimento escolar.

Referências

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10279ISSN 2177-336X

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EDUCAÇÃO, ETNOGRAFIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A ESCOLA

SOB A PERSPECTIVA DO ALUNO NA CONTEMPORANEIDADE

Walcéa Barreto Alves

Resumo

Esta pesquisa busca trazer ao protagonismo da discussão sobre a educação, as

representações dos alunos sobre a escola e as dimensões abarcadas pelas significações

construídas no processo de ensino-aprendizagem. A Teoria das Representações Sociais

foi a base teórica primária deste estudo. A metodologia da investigação adotou uma

abordagem multimétodos, contemplando aspectos metodológicos relacionados às

pesquisas quantitativas e qualitativas sendo, contudo, a etnografia o eixo metodológico-

empírico principal. As análises orientaram-se pelas dimensões das representações

sociais, a atitude, a informação e o campo de representação, empregando-se a

metodologia de análise de conteúdo, fundamentada em Bardin. Realizou-se também a

análise da estrutura da representação social através da técnica do quadro de quatro

casas, desenvolvida por Vergès. Os resultados apontaram para a constatação de que na

constante dinâmica do contexto de educação formal, as representações sobre a escola se

constroem mediante as significações que os indivíduos – aqui, mais especificamente ,os

alunos - imprimem aos eventos, refletindo-se em imagens e auto-imagens. Esse

movimento se estabelece num processo de espelhamento conduzido pela reflexividade

constituinte dos processos de significação e construção de sentido nas interações face a

face. A discussão sobre a Didática no panorama atual é colocada, a partir dos resultados

desta pesquisa, diante da necessidade de se atentar para a perspectiva do aluno na

contemporaneidade, que decerto aponta desafios e elementos prementes às dimensões

que configuram uma práxis educativa comprometida com a criticidade, a autonomia e a

cidadania.

Palavras-chave: Representações sociais; etnografia; escola.

Introdução

A didática no contexto da contemporaneidade se ressignifica na dimensão das

concepções e práticas educativas ao se debruçar sobre o debate que se repercute acerca

da escola, sua função nos dias atuais – o “real” e o ideal – e as peculiaridades que

acercam seu cotidiano e seu contexto sócio-político-econômico. Em especial no

momento atual de crise anunciada no Brasil, esses deslocamentos se tornam ainda mais

prementes e necessários, visto que a educação exerce um papel que está em questão e

em voga, ao passo que tem sido acharcada pela falta de investimento do setor público ao

mesmo tempo em que se vê diante do crescimento de investimentos oriundos do setor

privado. Que pistas estas questões macrossociais nos dão sobre as instituições de ensino

no Brasil no contexto contemporâneo?

Nos mais variados níveis e planos de discussão, as tessituras sobre a educação e,

quiçá, sobre a escola, se formam a partir de concepções, em grande parte das vezes,

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10282ISSN 2177-336X

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alheias à voz daqueles que vivenciam cotidianamente o processo educacional

sistematizado, do qual seriam os próprios destinatários: os alunos.

Este trabalho busca trazer ao protagonismo da discussão sobre a educação, as

representações dos alunos sobre a escola e as dimensões abarcadas pelas significações

construídas no processo de ensino-aprendizagem.

Goffman (1961, p. 16) afirma que “toda instituição conquista parte do tempo e

do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo”. A escola, vista sob esse

ângulo, pode ser entendida como campo de significação, constituída de normas

inerentes a um conjunto de valores que precedem a sua organicidade. O aluno é

integrado à rede de significados que constitui essa instituição ao se tornar participante

dela. “Algo de um mundo” particular ao funcionamento desse espaço social é dado ao

indivíduo como pessoa na assunção de papéis referentes ao contexto de sua inserção.

A função das instituições na produção e manutenção de sentidos é abordada por

Berger e Luckmann (2004, p. 23) como fundamental para a conduta dos indivíduos que,

ao mesmo tempo em que são “consumidores”, são também produtores de sentido. Nessa

concepção, os alunos tanto são entremeados pelos sentidos produzidos pela escola,

como também produzem esse construto.

Neste sentido, objetivou-se mediante a realização desta pesquisa compreender a

relação entre as representações sociais da escola e a autorrepresentação do aluno e,

consequentemente, as implicações desta relação no processo de ensino-aprendizagem.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em uma instituição de ensino da rede pública municipal,

localizada na região norte (região de subúrbio) da cidade do Rio de Janeiro. Os

participantes primários da pesquisa foram alunos e alunas do segundo segmento do

ensino fundamental e os secundários, professores e funcionários da escola pesquisada.

A metodologia da investigação adotou uma abordagem multimétodos,

contemplando aspectos metodológicos relacionados às pesquisas quantitativas e

qualitativas sendo, contudo, a etnografia o eixo metodológico-empírico principal.

Segundo JOHNSON E ONWUEGBUZIE, (2004), a pesquisa multimétodos

(mixed research) tem se apresentado como um novo paradigma de pesquisa,

configurando-se como complemento natural das pesquisas quantitativa e qualitativa.

A etnografia, enquanto referencial de prática de pesquisa, orientou a

investigação no sentido de se buscar captar do cotidiano da escola as vivências,

interações e os significados que emergem das redes de relações que constituem a

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dinâmica da sala de aula. Já amplamente difundida no âmbito das pesquisas qualitativas

na área educacional, a etnografia busca significar os dados da pesquisa a partir da visão

dos próprios participantes, contextualizando as análises a partir da cultura em que eles

estão inseridos (MATTOS, 2006). Foi realizada observação participante e entrevistas

tipo grupo focal. Os dados produzidos foram processados pelo software Atlas.ti.

Os aspectos ligados à metodologia de cunho quantitativo são oriundos da

Psicologia Social, mediante as proposições teórico-metodológicas da abordagem

estrutural da Teoria das Representações Sociais, que desenvolveu a Teoria do Núcleo

Central (ABRIC, 2000). Foram aplicados Questionários de Evocação Livre e posterior

processamento estatístico dos dados levantados, mediante utilização do software EVOC,

que “elenca” os elementos estruturantes da representação social - no caso deste estudo,

a representação social que o aluno tem sobre a escola.

As análises orientaram-se pelas dimensões das representações sociais, a atitude,

a informação e o campo de representação, empregando-se a metodologia de análise de

conteúdo, fundamentada em Bardin (1986). Realizou-se também a análise da estrutura

da representação social através da técnica do quadro de quatro casas (VERGÈS, 1992).

Os resultados foram desenvolvidos a partir da triangulação dos dados e serão

apresentados analisando-se a estrutura da representação social em articulação às

ilustrações das categorias realizadas através do uso de vinhetas etnográficas, que

consistem em fragmentos de fala dos participantes da pesquisa. Foram utilizados

também trechos das notas de campo produzidas mediante a observação participante e de

documentos disponibilizados pela escola.

Resultados e discussão

Na análise dos dados levantados, foi sendo desenvolvida a concepção de que as

representações da escola estão intimamente ligadas às concepções sobre a sua função,

às relações de poder estabelecidas mediante as significações ligadas aos conceitos de

respeito e autoridade, da intencionalidade das interações sociais estabelecidas no âmbito

dos processos educacionais e da questão do mérito que recebe um encargo valorativo

nas ações do contexto educativo.

Sobre discussão ligada à função da escola, observa-se que no Projeto Político

Pedagógico (PPP) da instituição de ensino pesquisada, a definição de sua missão se

reflete no seguinte trecho:

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10284ISSN 2177-336X

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A E. M. [Brás Flores2] reconhece como seu papel específico: educar

os alunos confiados a esta Instituição, favorecendo a sua realização

como pessoa: fornecendo-lhes elementos de formação acadêmica e

ética que lhes permita desempenhar a competência, honestidade e

espírito de cidadania através das responsabilidades que venham a

assumir (Projeto Político Pedagógico da E. M. Brás Flores, 2005 –

material de pesquisa de campo).

A partir deste documento, denota-se que a escola assume como sua função a

educação dos alunos em nível de formação acadêmica e ética, entendendo como seu

papel educar e formar os alunos a fim de que desenvolvam “competência, honestidade e

espírito de cidadania”. Tal concepção, estruturada pelo PPP, parte da premissa de que a

escola, instituída no projeto da modernidade, tem a função social de contribuir para a

construção de novas bases para a sociedade através da emancipação da razão humana

(SANTIAGO, 2010, p.142).

Nos eventos de fala dos alunos, também se denota a concepção de que a função

da escola passa pelo crivo de formação humana quando o aluno afirma que “(...) na

escola você tem que aprimorar a sua educação que você aprendeu em casa. Na escola

você tem que aprender como tratar a outra pessoa (...) (Pâmela, 8º ano). Sob este

enfoque constata-se uma educação que promova um processo de civilidade entre os

indivíduos que compõem um grupo social, o que é reforçado no evento de fala que

pontua que a educação desenvolvida na escola possibilita “(...) fazer com que você

aprenda a viver em sociedade sem deixar muitas vezes você se levar por ela (...) (Luna,

8º ano). Percebe-se nesta fala a concepção de que a escola permite o desenvolvimento

de uma criticidade onde “(...) você vai tipo fazer um treinamento (...) Então, em casa a

gente fala e chega na escola você vai treinar (Hélio, 8º ano).

Segundo a análise destas falas, observa-se que ao se referir à escola e sua relação

com a educação, o aluno põe em destaque a sua dimensão de formação ética e social.

Na dimensão do estudo sobre a estrutura da representação social da palavra

escola, conforme respostas dadas pelos alunos ao Questionário de Evocação Livre (ao

todo, 69 questionários aplicados) a análise aponta outros fatores que complementam e

ampliam a discussão sobre esse enquadre. Neste questionário, foi solicitado aos alunos

que escrevessem as 5 primeiras palavras que lhes vinham à mente ao ouvirem a palavra

“escola”. Esses dados, processados estatisticamente pelo software EVOC, foram

2 Pelo princípio de ética na pesquisa, os nomes da instituição escolar e dos sujeitos pesquisados são

fictícios, a fim de se manter o anonimato, preservando a identificação dos participantes.

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“elencados” de acordo com a frequência e a espontaneidade de evocação das palavras

listadas.

A partir da análise feita mediante a técnica do quadro de quatro casas, foram

configurados os elementos (palavras) ligados ao núcleo central, à 1ª periferia, à 2ª

periferia e à zona de contraste da representação. O núcleo central é configurado pelas

palavras que tiveram maior frequência e maior espontaneidade de evocação. É

considerado como a essência da representação. Constitui-se como o elemento mais

permanente, mais “duro” da representação, ou seja, é o elemento mais difícil de ser

modificado. Os elementos periféricos servem como base de interface da representação

com as nuances ligadas ao cotidiano, à realidade, desempenhando a função de

adaptação e “proteção” do núcleo central. A zona de contraste (constituída pelas

palavras evocadas com menor frequência, mas com maior espontaneidade) possui

elementos que confirmam a ideia do NC ou dos elementos mais periféricos. Se esta

apresentar um elemento que se oponha ao (s) que compõem o núcleo central, é possível

supor que há indícios da emergência de uma representação contrastante que pode

indicar uma resistência e uma oposição ao que mais hegemonicamente é atribuído

enquanto representação social.

Nesta pesquisa, o elemento que se apresentou como possível núcleo central da

representação social da palavra escola foi a palavra “estudar”.

O núcleo figurativo, imagético, que representa a instituição escola para esses

alunos aponta para uma ideia que nos remete à função da unidade de ensino como

ambiente propício ao favorecimento do desenvolvimento de processos de ensino-

aprendizagem.

Como elemento intermediário ao núcleo central (NC), na “região” da primeira

periferia, os alunos evocaram a palavra “professor”.

Tal configuração nos indica que a representação dos alunos sobre a escola tem

uma forte interlocução com a figura deste profissional. A valoração dada pelos alunos

ao termo “professor” foi positiva em 40 das 43 evocações realizadas. Em contraste com

a hostilidade observada nas interações em sala de aula, infere-se que o aluno vincula

iminentemente de maneira positiva à imagem da escola o papel do docente. Tal análise

nos leva a refletir sobre o impacto e as repercussões da relação professor-aluno no

processo de ensino-aprendizagem e, ainda mais, no processo de relação valorativa e

afetiva que o aluno desenvolve com a escola.

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10286ISSN 2177-336X

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Também foi elencado como elemento intermediário de significação da

representação social, a palavra “educação”. Segundo a fala dos alunos, verificada

mediante a realização do grupo focal, este termo é significado pelo grupo pesquisado

enquanto “respeito”, configurando-se num processo de “se tornar uma pessoa mais

educada”, mas também atendendo a uma perspectiva de educação enquanto mecanismo

de se “aprender melhor”, como que servindo “para melhorar o aprendizado”. Tal

entendimento considera que a palavra educação, no contexto de representação da escola,

reflete-se no processo de se educar para a vida. Freire (1996, p.41), num pensamento

ainda mais profundo sobre o papel da educação, disserta sobre a importante tarefa da

prática educativa em propiciar aos alunos as condições de ensaiar, nas relações

vivenciadas tanto com seus colegas quanto com os professores, a experiência de

“assumir-se” como ser social e histórico, atuante e transformador. Em interface com a

asserção desse grande educador, infere-se a compreensão de que o processo de

construção da cidadania é entendido pelos alunos - nas suas formas de expressar suas

ideias e opiniões - como função da escola, processo também implícito na estrutura da

representação social.

Ainda na configuração da estrutura da representação social foram elencadas as

palavras “amizade”, “ bagunça”, “caderno”, “lápis”, “respeito”, “tarefas-escolares”.

Estes, localizados na “2ª. periferia”, sendo considerados como elementos mais

periféricos aos do núcleo central, são importantes na relação que a representação

estabelece com a realidade (OLIVEIRA et al, 2005). A amizade e a bagunça parecem

refletir algo inerente ao que é vivenciado na escola como modos de conduta através de

acordos implícitos entre os alunos no convívio social.

A bagunça se configura nesse panorama como inerente às relações estabelecidas

no cotidiano escolar. Fato este que, embora ligado à indisciplina e visto de forma

negativa, torna-se inerente à configuração das dinâmicas interpessoais e institucionais.

Na estrutura da representação social da escola, a palavra “respeito” aparece

como elemento localizado na 2ª periferia. Relacionando, pode-se entender a questão do

respeito como elemento essencial na ancoragem com a realidade, constituindo-se, na

visão dos participantes da pesquisa, como fator importante para o funcionamento ideal

da instituição. O discurso de um aluno define que a instituição na qual está matriculado

“É uma escola, mas não parece muito não. (Tito, 9º ano)”. Enquanto outro colega

justifica: “ Por causa que os alunos não respeitam nada (Hélio, 9° ano).

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10287ISSN 2177-336X

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Nesta configuração, observa-se que o termo “respeito” se configura como um

importante elemento de ancoragem da representação social da escola, visto que os

alunos a caracterizam enquanto tal a partir da concepção de que sejam vivenciadas

práticas de respeitabilidade entre alunos, professores e toda a comunidade escolar.

Discursando sobre o respeito como valor subjacente à constituição do ser

humano e do educando como tal, encontram-se, em Freire, referências contínuas sobre a

necessidade desse elemento nas relações estabelecidas na escola. O respeito aos saberes

dos alunos é um dos pontos cruciais de sua concepção sobre o desenvolvimento de uma

educação crítica e libertadora. O respeito à autonomia dos educandos como seres livres,

com as particularidades inerentes à sua condição de ser é outro ponto assinalado como

saber necessário à prática educativa (FREIRE, 1996). No entanto, o respeito tem uma

compleição de dupla face, mediante a concepção de que a ideia de escola está ainda

intimamente ligada à questão da disciplina e do papel dos alunos como constituintes da

instituição de ensino. Se o núcleo central da representação de escola é “estudar” e os

alunos dizem que a instituição não parece uma escola, “porque eles não respeitam

nada”, denota-se uma ligação entre uma necessidade de disciplina que possibilite a esses

alunos o ato de estudar.

Daí se subentende que, sob a perspectiva dos alunos, as relações entre disciplina

e estudo são necessárias para que a aprendizagem ocorra e para que a escola esteja em

condição de exercer seu papel.

Diante deste enquadre, ao olharmos o contexto em que se desenrola o ato

educativo nos ambientes institucionais de ensino, a escola entra com seu papel de

autoridade na busca pela manutenção da disciplina e da ordem em todos os espaços que

a constituem. Nessa concepção, a autoridade, já em grande parte destituída do papel do

professor, entra em cena através de outros atores sociais do contexto escolar.

A relação entre disciplina e respeito se observa através das falas dos alunos, nas

quais se pontua a atuação da gestão (representada pela figura da diretora) como

referência de autoridade, considerada como algo dimensionado pelos alunos como

inerente à boa qualidade da escola:

Adriel: Professora, com a Janice [diretora anterior] aqui (...)

ninguém desrespeitava. Risos.

Hélio: Aí, ela botava as criancinhas pra se mijar, mané!

Adriel: Botava, botava.

Luna: Todo mundo tinha medo. (...)

Tito: A escola era melhor com a Janice.

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Os alunos citam a imposição da autoridade através da coerção e do medo

relacionando-a à ideia de qualidade da instituição. A ideia de ordem e respeito, são

traduzidas enquanto atitudes autoritárias e coercitivas, apontadas como elementos

importantes para o bom funcionamento da escola.

Na escola pesquisada, professores e alunos colocam como premente a atuação

do representante do Conselho Escola-Comunidade (CEC) junto às ações de controle e

disciplina na escola. Um dos professores, afirma que a presença deste interlocutor no

ambiente escolar é fundamental às condições de desenvolvimento do trabalho

pedagógico. Em entrevista, a coordenadora pedagógica colocou que esse representante

tem a função de integrar a escola à comunidade. Muitas vezes, ele avisa quando há

algum problema como tiroteios ou confronto entre facções criminosas na localidade, o

que poderia afetar o comparecimento e os horários dos alunos na escola. Por outras

vezes, o fato de ser morador da comunidade e conhecer os alunos e seus familiares

facilitava o contato e a vigilância sobre os comportamentos. A manutenção da

disciplina, no entanto, consistia-se num fator primordial da atuação do representante do

CEC na escola.

Na fala dos alunos, observa-se que a disciplina está ligada à questão do respeito

concebido numa via de mão dupla. O respeito conseguido pelo representante do CEC é

citado por eles como fruto de uma relação de colaboração: “ele se preocupa com os

outros, tenta ajudar” e de benefícios que denotam a busca de se atender aos interesses e

necessidades do aluno: “ele é que bota o futebol aí pra gente, senão não ia ter”. Este

papel de mediação é apontado como elemento que significa as relações de poder

estabelecidas no cotidiano.

Sob esse aspecto, a autorrepresentação do aluno ligada à concepção de

autoridade se relaciona à construção de relações respeitosas, em que “a assunção de nós

mesmos não significa a exclusão dos outros. É a „outredade‟ do „não eu‟, ou do tu, que

me faz assumir a radicalidade do meu eu” (FREIRE, 1996, p.41).

Nessa perspectiva, a representação social da escola se emaranha num contexto

confuso entre o “ser” e o “dever ser”, o “real” e o “ideal”, o “bom” e o “mau” aluno.

No contexto desta discussão, surge mais um elemento de análise da

representação que aponta para uma ligação e uma negociação entre a manutenção da

disciplina enquanto controle do aluno e a ideia de mérito. Numa tríade disciplina-

desempenho-mérito, surge no panorama a figuração das atividades extracurriculares,

que assumiam um papel que se radicava nos significados da escola.

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As atividades extraclasse, em especial no que são denominadas no Projeto

Político-Pedagógico como “passeios didático-pedagógicos”, consistem em outra

ferramenta que se configura na manutenção da disciplina e na tentativa de controle do

rendimento do aluno.

As atividades extraclasse na E.M. Brás Flores eram promovidas, muitas vezes,

por iniciativa própria da instituição. Os passeios subsidiados pela prefeitura eram mais

raros e tinham um número muito limitado de vagas para participação dos alunos. No

entanto, em qualquer destas opções, a realização das atividades baseada numa seleção

de alunos. A coordenadora pedagógica da escola relatou em entrevista que, diante da

necessidade de se escolher os alunos, seguia-se o mecanismo que nos remete a

estratégias ligadas à meritocracia:

quando tem que pincelar, eu chego pros professores e vou pelas

notas, comportamento... Eu chego na cara deles assim na sala e

falo: “-Professor, se você tivesse hoje que dar um prêmio pra um

aluno que se saiu bem nesse bimestre, quem você indicaria

nessa sala?” Aí eles: “- Ah, eu, professor!”. “- Pega o seu diário

aí, vamos ver.” “- Fulano.” “- Fulano, você está sendo

convidado a ir comigo pro salão do livro”. Aí: “- Ih, caraca! Me

leva aí.” “- Não. Você melhora a sua nota que no próximo você

vai. Todo o ano tem.” Aí eu faço assim aí eles ficam mais

ligados (...) (Coordenadora Pedagógica, E.M. Brás Flores).

O mérito como princípio de seleção consiste num mecanismo utilizado na escola

de maneira naturalizada e usual, atrelada ao desempenho escolar retratado pelas notas

dos alunos e pelo comportamento, classificado como bom ou ruim.

Uma das justificativas utilizadas para a meritocracia ligada à disciplina

(avaliação sobre o comportamento do aluno), é elaborada no sentido do controle do

comportamento também fora dos muros da instituição, a partir da afirmação de que se

há mau comportamento na escola, também haverá fora dela, implicando até mesmo em

penalização da instituição.

Assim, os passeios – atividades extraclasse – eram concedidos aos alunos por

mérito. Na concepção da escola, refletida na fala da coordenadora, tal mecanismo

atuaria no sentido de incentivar os alunos a buscarem bons resultados em prol de serem

recompensados. No entanto, na fala de uma professora ao explicar o processo de seleção

para a participação nessas atividades, surge um elemento que se contrapõe à intenção de

“incentivo à melhoria do aluno”. Ela relata: “Vão os melhores, os mais bem

comportados da turma. Então, os outros ficam revoltados porque embora saibam que

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não se comportam bem, sabem também que os que vão não são „santos‟” (Professora

Ilka).

Tais aspectos vão se configurando nas representações sobre a escola. Seus

processos de significação se repercutem também nas concepções que os alunos

desenvolvem acerca de si mesmos no contexto da própria instituição. Vê-se esta relação

num evento de fala que reflete esta dinâmica quando uma aluna é questionada pela

pesquisadora sobre o motivo de não estar participando de uma atividade extraclasse

promovida pela escola: “Porque não fomos escolhidos. Devemos ser os piores.” Risos.

(Suzi, 8º ano).

Esse fragmento de fala demonstra que os alunos têm consciência do critério de

seleção usado pelos professores e que isso denota uma significação do processo e de

seus “atores” no contexto das relações pedagógicas. Com base na afirmação: “Devemos

ser os piores”, infere-se que o aluno começa a assumir para si uma designação baseada

numa rede de significações construída mediante as práticas escolares.

No entanto, mesmo diante deste contexto prescritivo e impositivo, existe uma

resistência e rejeição de alguns professores e alunos que embora acatem as decisões,

manifestam em palavras e em (re)ações descontentamento até mesmo indignação. É o

que revela a seguinte fala de uma professora:

Quando é assim, a gente dá aula, mas nem passa conteúdo.

Alguns alunos nem vêm porque ficam revoltados por não terem

sido selecionados para ir ao passeio... Eu sou contra esse tipo de

coisa. Pra mim... Ainda bem que não pediram pra eu escolher

dessa vez, porque eu fico dividida (Professora Ilka).

A “revolta” mencionada pela professora indica que o sistema de mérito não é

compreendido pelos que não foram contemplados como incentivo para a melhoria, mas

sim como discriminação, gerando inconformismo. Essas medidas tomadas pela escola

soam como impostas e estanques ao processo de autêntica participação do aluno.

Em analogia à Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, tem-se a concepção do

papel da liderança na alienação de seus liderados, quando não promove um fazer

autêntico, que permita a conscientização crítica de seu estado atual, a fim de que

possam se munir de ferramentas para a mobilização de uma autêntica mudança:

[A liderança] instala, com este proceder, uma contradição entre

seu modo de atuar e os objetivos que pretende, ao não entender

que, sem o diálogo com os oprimidos, não é possível práxis

autêntica, nem para estes nem para ela. O seu quefazer, ação e

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reflexão, não pode dar-se sem a ação e a reflexão dos outros, se

seu compromisso é o da libertação (FREIRE, 1987, s/p).

A “liderança”, aqui, será tratada como escola e os “oprimidos” como alunos.

Observa-se, na proposição de Freire, que uma ação sem reflexão conjunta entre as

partes envolvidas numa relação hierárquica não pode promover a libertação. No caso

em estudo, uma prática dialógica permitiria uma negociação em que todos os alunos

fossem beneficiados sem distinção. Ao que parece, através de práticas discriminatórias,

exclui-se ainda mais o aluno que fracassa em detrimento da valorização daqueles que já

“brilham” em seu desempenho.

A atividade extraclasse também assume, em determinados casos, um papel de

“redenção”. Tal fato foi observado numa reunião de Conselho de Classe, na qual foi

apontado mau comportamento e baixo rendimento dos alunos de uma turma em

específico. Um dos professores perguntou se essa turma já havia saído para algum

passeio didático-pedagógico naquele ano. Outra professora respondeu que não. O

professor, então, sugeriu que à turma que apresentava os problemas mencionados fosse

oportunizada uma atividade extraclasse no intuito de se propiciar condições para maior

envolvimento e desenvolvimento dos alunos. Todos os professores concordaram,

porém com a ressalva de que os mesmos estivessem cientes de que “não mereciam”

participar da atividade, mas que a escola estaria “investindo neles em busca de dar-lhes

uma segunda chance, um voto de confiança” no intuito de se buscar melhorias no

comportamento e no desempenho escolar destes alunos, cujos conceitos globais eram,

na grande maioria “R” (regular) e “I” (insuficiente) (Notas de campo, 2009).

As questões relacionadas à tríade disciplina-desempenho-mérito perpassam o

cotidiano escolar, fazendo com que os alunos tenham um juízo de valor sobre si a partir

das possibilidades que lhes são oferecidas ou renegadas. Em contrapartida, constrói-se

também a imagem da escola onde se estabelecem “postos de merecimento” em

contraponto ao lugar de desdém.

Nessa constante dinâmica entre escola e aluno, as representações se constroem,

refletindo-se em imagens. Esse movimento se estabelece num processo de espelhamento

conduzido pela reflexividade constituinte dos processos de significação e construção de

sentido nas interações face a face.

Considerações Finais

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O estudo das representações sociais da escola sob a perspectiva do aluno retrata

dimensões importantes da rede de significados que compõem o ambiente escolar. A

etnografia de sala de aula possibilita e enriquece a pesquisa educacional no sentido de

promover uma visão mais acurada e pormenorizada do contexto, na medida em que

prioriza a fala dos sujeitos pesquisados como fonte primária de dados e como fio

condutor das análises.

Os desdobramentos da pesquisa refletem uma concepção da escola sob uma

perspectiva do aluno contemporâneo que aponta para desafios que se configuram como

prementes na discussão sobre a Didática no panorama atual e as implicações nas práxis

educativas.

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