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AS REPRESENTAÇÕES E AS VOZES DOS SUJEITOS DA EDUCAÇÃO A
PESQUISA E A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE
Resumo
O entendimento sobre as relações entre os sujeitos escolares na contemporaneidade é o
eixo dos textos que compõem este painel. Refletir sobre a diversidade das práticas
cotidianas de sala de aula pelo olhar da etnografia e das vozes dos sujeitos possibilita
configuram novas dimensões para a educação pública brasileira. É entendimento de que
o binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da
Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio
campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de
exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do
alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da
formação e do trabalho docente. Ensinar e aprender, em todas as suas dimensões,
tornam-se desafios constantes. O processo de ensino-aprendizagem está na pauta da
escola como uma de suas principais funções. Como item da pauta da escola entende-se
que caberia ao professor e ao aluno desenvolver meios para que este processo se
desenvolva, deixando a cargo de ambos o peso da atribuição dessa função. Para o
professor o processo de ensino e aprendizagem envolveria planejamento, seleção de
atividades que estimulem o aluno no desempenho das tarefas solicitadas, sem entrar em
conflito com as normas interativas previstas para ele no ambiente escolar. Para o aluno
seriam geradas expectativas sobre como ele iria aprender, de quais habilidades e
capacidades ele poderia lançar mão para alcançar seus saberes. Assim, espera-se que o
professor e o aluno em interação promovam os fazeres refletindo sobre a produção do
conhecimento que pode derivar da relação entre ambos. O que se propõe neste painel é
uma discussão crítico reflexiva sobre os saberes e fazeres percebidos a partir dos
sentidos atribuídos pelos sujeitos da educação à ação pedagógica.
Palavras-chave: Etnografia. Escola. Entino-Aprendizagem.
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ALUNOS COMO PESQUISADORES: OS DESAFIOS DE ENSINAR E
APRENDER NAS ESCOLA CONTEMPORÂNEA
Carmen Lucia Guimarães de Mattos
Luis Paulo Cruz Borges
Resumo
Este texto tem como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender a partir da
perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo
problematizador o fazer pesquisa etnográfica “com os alunos”, entendidos num
movimento de emergência da voz dos sujeitos diante da escola contemporânea. Dados
sobre o impacto que este tipo de pesquisa teve sobre esses alunos e sobre a escola
pesquisada serão apresentados de modo a sustentar a tese de que a pesquisa etnográfica
associada ao “movimento a voz do aluno” auxilia no empoderamento e na autonomia de
seus sujeitos no enfrentamento da exclusão educacional. As teorizaçõess que dão
suporte à pesquisa estão pautadas em Maria do Céu Roldão entendendo a dupla
transitividade no processo de ensino e aprendizagem; Carmen de Mattos que parte das
vozes dos participantes da investigação ao propor o processo bottom-up; A. L. Rogers
que compreende as várias dimensões que refletem a ideia de que os alunos têm algo a
dizer sobre escolas construindo ações e reflexões sobre o ensino e a aprendizagem.
Neste estudo, de cunho etnográfico, as “imagens da escola” foram coletadas por
instrumentos de pesquisa como: observação participante, entrevista etnográfica,
entrevistas do tipo focus group, estudo de caso etnográfico e documentos, dentre outros.
Os sujeitos, primários, foram 38 alunos e as alunas, entre 9 e 17 anos, regularmente
matriculados no Ensino Fundamental e Médio de uma escola pública da rede estadual
do Rio de Janeiro. Constata-se que quanto mais se realizam pesquisas que têm como
pressupostos teórico-metodológicos ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem
consciência de que é necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente a esta consciência,
urge a necessidade de se compreender a realidade da própria escola pensando para
quem, para onde e de onde devem ser impulsionados o planejamento e as ações
educacionais a fim de se promover emancipação nos processos de ensinar e aprender.
Palavras-chave: alunos como pesquisadores – etnografia – escola contemporânea.
Introdução
A Didática pode ser entendida como a mediação de toda prática educativa. Por
isso mesmo, o diálogo com o estudo de Candau (1983) nos propõe pensar a Didática em
questão e os seus novos rumos, a partir da tensão posta na década de 1980 entre o
fundamental e o instrumental, mas que ainda hoje ecoa nas discussões sobre o ensino, a
aprendizagem e a escola contemporânea. Novos desafios com antigos dilemas. Este
texto tem como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender a partir da
perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo
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problematizador o fazer pesquisa etnográfica “com os alunos”, entendidos num
movimento de emergência da voz dos sujeits alunos diante da escola contemporânea.
Na esteira das reflexões de Roldão (2007; 2005) e em diálogo com as
investigações de Cruz (2011) compreende-se o ensino como uma especificidade do
profissional professor, por isso mesmo, circunscrita a uma contexto histórico-social em
mudanças. Assim sendo, toma-se a concepção de Roldão (2007, p.94) sobre o ensino
nas sociedades atuais como a ação de “fazer aprender alguma coisa a alguém”. Esta
perspectiva traz à tona a ideia que ensinar exige uma dupla transitividade e uma
mediação, por isso, situa-se como uma especificidade de “fazer aprender alguma coisa
(currículo) a alguém (na dupla transitividade entre sujeitos)” (ROLDÃO, 2007, p. 95).
Quais os desafios que somos chamados a responder? Qual o lugar na universidade
neste contexto? A relação entre a escola de educação básica e a universidade
(BORGES; 2011) aponta tensões e contradições do desafio de aprender a ensinar pela
mediação da Didática. Dalberio & Dalbeiro (2010, p.10) nos propõe que “a Didática
envolve a reflexão sobre todos os aspectos relacionados ao ensino” e, também, à
aprendizagem. Por isso mesmo, toma como núcleo estruturante o processo de ensinar e
aprender.
O binômio ensinar-aprender está imbricado nas relações propostas no campo da
Educação. Tais dimensões se coadunam compondo, também, as questões do próprio
campo da Didática. Ensinar como especificidade humana requer uma gama de
exigências, tais como pesquisa, reflexão crítica, respeito aos diversos saberes do
alunado, entre outras (FREIRE, 1996). Exigências estas postas, também, no cenário da
formação e do trabalho docente.
Ensinar, então, se torna um desafio. O desafio de ensinar tudo a todos, proposto
por Comênio em sua Didática Magna (NARODOWSKI, 2006), ainda perdura nos dias
atuais. Em especial, no que tange aos diversos alunos e alunas da escola pública no
Brasil.
Neste estudo, de cunho etnográfico, as “imagens da escola” foram coletadas por
instrumentos de pesquisa como: observação participante, entrevista etnográfica,
entrevistas do tipo focus group, estudo de caso etnográfico e documentos, dentre outros.
Os sujeitos, primários, foram 38 alunos e as alunas, entre 9 e 17 anos, regularmente
matriculados no Ensino Fundamental e Médio de uma escola pública. Esses sujeitos são
originários das classes menos favorecidas da sociedade e são vítimas de severas
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desigualdades socioeducacionais. Foram sujeitos secundários os professores, gestores
da escola e especialistas em estudos sobre gênero, pobreza e violência.
Com 2.300 m² de espaço físico, a escola está distribuída em nove salas de aula,
uma biblioteca, uma secretaria, uma sala de professores, um gabinete de direção, um
refeitório, uma cozinha, quatro depósitos, seis banheiros, um auditório, uma quadra de
esportes coberta e com vestiários, uma sala de arquivo, uma sala de educação física,
uma sala de computação e uma sala destinada à banda da escola. Atende a turmas do
sexto ao nono ano do ensino fundamental e o Ensino Médio de formação Geral, nos
turnos da manhã, tarde e noite.
A parceria entre o Nucleo de Etnografia e Educação (NetEDU) da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com a Escola Iguaçu, nome fictício, teve início em
2006 como o projeto de extensão sob o título “Incluindo Diferenças: uma proposta para
professores comprometidos com alunos em risco educacional”, o qual foi apresentado à
instituição por meio da vice-diretora, a Professora Rosi, que é colaboradora das
pesquisas do núcleo.
A pesquisa teve como lócus as classes do 9º e do 6º ano (em 2010) e teve
continuidade com o acompanhado de alunos participantes do 9º ano nos anos
subsequentes ao Ensino Médio. O motivo que levou a escolha desta escola foi a
disponibilidade da mesma e de seus alunos em colaborarem com a pesquisa.
Os objetivos do estudo foram: a) examinar como no dia a dia da escola e das salas
de aula as diferenças de gênero, as condições de pobreza e as violências da/na escola
como indicadores da construção do fracasso escolar de alunos e alunas; e, b) identificar
e analisar as ordenações e interações de gênero, os fatores de pobreza e de violência
tomando com ponto de partida a percepção de alunos e alunas em interação com alunos
da graduação e pesquisadores da universidade.
As classes do 9º e 6º ano foram estudadas por considerar-se como representativas
das que ocorre nas práticas escolares entre o primeiro segmento e o segundo segmento
do Ensino Fundamental, pois tanto o 6º quanto o 9º ano representam momentos de
transição, quando os alunos sentem-se pouco confortáveis com as mudanças ocorridas
na escola, porque verifica-se uma mudança nas atitudes e valores tanto do aluno quanto
do professor a cerca do significado de estudar (CASTRO, 2011). Justifica-se ainda a
escolha destas classes por serem, geralmente, atípicas em termos de representatividade
do fracasso escolar. No caso destas classes a maioria dos alunos apresentavam
defasagem entre a idade e o ano escolar de pelo menos dois anos, configurando assim
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uma trajetória díspar. Essa trajetória para a maioria dos alunos pesquisados era marcada,
não somente pela repetência, como tambem pela condição de pobreza.
A partir dessa contextualização, do campo da Didática e dos aspectos
metodologicos, que pressupomos situar as questões relacionadas ao processo de ensinar
e apredenr a partir do que chamamos de voz do aluno. Dessa forma, a pesquisa se torna
um eixo de mediação possível para pensarmos e problematizarmos a escola
contemporânea com seus processos educacionais.
Os estudos sobre a voz do aluno: a emergência de novos processos didáticos na
escola de hoje.
Orientaram o presente estudo os pressupostos da pesquisa etnográfica (MATTOS;
CASTRO, 2011) e do “movimento a voz do aluno” (GRION; COOK-SATHER, 2013).
A investigação etnográfica desenvolvida para este estudo se deu de forma colaborativa e
participativa, isto é, com a adesão expontânea dos participantes que atuaram como
pesquisadores durante a pesquisa. Foi contruinda uma rede de contatos, de negociação
de significados e de exploração dos dados de maneira genuinamente colaborativa onde
os alunos e alunas da educação básica se tornaram agentes da ação de pesquisar. Neste
contexto, em igualdade com a equipe da universidade, 11 alunos e alunas da escola, dois
professores e uma vice-diretora foram parceiros na construção do conhecimento
resultante nos relatórios de dados.
Nesta linha, adotou-se como abordagem teórica do movimento “a voz do aluno”
que corrobora para sustentar a abordagem etnográfica adotada nesta pesquisa. Para o
grudo do Núcleo de Etnografia em Educação (NetEDU) adotar a abordagem voz do
aluno, significa ouvir o que ele tem a dizer e entendê-lo como sujeito de pesquisa que
elabora e reelabora o seu saber sobre o objeto a ser pesquisado, ressignificando-o dando
sentido à prática e saberes necessários à escola (CASTRO, 2011).
Na educação de modo geral, o movimento a voz do aluno refere-se aos valores,
opiniões, crenças, perspectivas e origens culturais dos alunos individualmente e em
grupos em uma escola e às abordagens pedagógicas e técnicas que são baseadas em
escolhas dos alunos, seus interesses, paixões e ambições. O conceito de voz do aluno
tem se tornado cada vez mais popular nas últimas décadas. De um modo geral, a voz do
aluno pode ser vista como uma alternativa para formas mais tradicionais de governaça
ou de instrução em que administradores escolares e professores tomam decisões
unilaterais com pouca ou nenhuma participação dos alunos (ABBOTT, 2014). Nesta
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direção o movimento a voz do aluno tem se tornado um dos componentes importantes
das reformas educacionais em alguns países como os Estados Unidos, Canadá e Reino
Unido (MACBEATH; MYERS; DEMETRIOU, 2001; RUDDUCK; CHAPLAIN;
WALLACE, 1996; WASLEY; HAMPEL; CLARK, 1997; WILSON; CORBETT,
2001).
No Reino Unido, Michael Fielding da University of Sussex e Jean Rudduck da
University of Cambridge, em pesquisa de 2000, afirmam que uma de suas preocupações
era saber se a voz do aluno, na pesquisa e nas atividades da escola era uma moda
passageira ou uma fundamentação para uma nova ordem da experiência escolar. Neste
sentido revelaram uma das arenas principais para que esta abordagem floresça e que os
pesquisadores que vão para a escola procurem ouvir os alunos e reconhecer que suas
vozes revelam perspectivas públicas sobre as principais áreas de suas experiências de
aprendizagem e das condições de aprendizagem nas escolas, pois elas demonstram a
capacidade dos joven, reconhecerem ainda que os comentários dos alunos sobre as
questões que afetam suas vidas e seus trabalhos na escola são perspicazes e relevantes
nestes contextos. Os pesquisadores ingleses, citando Rudduck (1999) concluem que não
é o suficiente ensinar o aluno sobre a democracia, tem-se que representá-la nas trocas
diárias da vida na escola e salas de aula.
Ao movimento a voz do aluno, também, foi dada uma definição operacional
segundo a qual ela é a oportunidade ativa para que os alunos expressem as suas opiniões
e tomem suas decisões sobre o planejamento, implementação e avaliação de suas
experiências de aprendizagem (ROGERS, 2005). De acordo com Rogers (2005) existem
várias dimensões que refletem a ideia de que os alunos têm algo a dizer sobre escolas,
dentre elas está o respeito pela integridade do que os alunos têm a dizer (COOK-
SATHER, 2002; FIELDING, 2001; OLDFATHER; WEST , 1999); e que pode servir
como um meio para conectar os estudantes à vida escolar (BALDWIN , 2004;
MACBEATH; DEMETRIOU; RUDDUCK; MYERS, 2003; PRIETO , 2001)
Acredita-se que através da participação dos alunos na pesquisa poder-se-ia
auxiliá-los na apropriação da memória reflexiva sobre as condições sociais em que
viviam de modo a avaliar positivamente o percurso já atingido e com isso impulsioná-
los a uma trajetória positiva para o futuro. Em nosso caso, selecionados alunos do 9º
ano do Ensino Fundamental (em 2010), que tornaram-se posteriomente alunos do 1º
ano do Ensino Médio (em 2011) e que participaram como pesquisadores ativos na
coleta e interpretação dos dados sobre os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental.
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Inicialmente, os alunos e alunas das duas classes foram solicitados a participar do
estudo fazendo uma redação ou um desenho com legenda que retratasse suas apreensões
sobre a escola e sobre sua trajetória como aluno. Este material juntamente com as
imagens de sala de aula foi analisado com o objetivo de levantar questões para compor
as entrevistas.
Um dos participantes mais ativos da pesquisa foi o aluno Marcos, nome fictício,
do 9º ano em 2010, que até os dias de hoje continua a frequentar o grupo de pesquisa
como assistente. Contudo, atualmente, ocupa a condição de graduando em Psicologia
pela UERJ. Marcos, tem hoje 20 anos, é negro de origem africana por parte do pai,
perdeu a mãe com 8 anos de idade e vive com uma tia em Nova Iguaçu, Baixada
Fluminence. Após a pesquisa de campo em 2013 foi entrevistado sobre como ele
percebia sua participação no processo de investigação. Nesta entrevista, dentre outras
coisas ele disse:
Esses anos de realização da pesquisa foram muito bons, mas foi um choque
no começo, pois tratavamos de gênero e eu achando que eles (os alunos 6º
ano) não sabiam nada, mas eles sabiam tudo e foi um choque saber disso. A
pesquisa abriu nossa mente, porque havia uma barreira e não consiguíamos
ver isso na escola, mas com as aulas da Professora Carmen e as entrevistas,
que foram muito importantes para nós, ficamos maravilhados com aquilo
que poderíamos ter, aquilo que a gente tinha nas mãos e ainda temos.
A voz de Marcos nos revela questõs ímpares para pensar processos de ensino e
aprendizagem na escola tais como reflexividade, modelos de interação e
reconhecimento. A preparação das entrevistas, a feitura das mesmas, depois os clipes
em vídeo com imagens da sala de aula e sua audiência e análise, refletem processos de
reflexividade de Marcos. Podemos depreender que tais ações nos possiblitam avançar
em mediações didáticas no contexto escolar.
Já as entrevistas com as professoras de português e de “projeto” foram realizadas
após a assistência pelas mesmas de uma sessão com imagens em vídeo de suas próprias
salas de aula. O vídeo, com 40 minutos de duração, assistidos pelas professoras
continha imagens de interações entre elas e os alunos e dos alunos entre eles.
Após a exibição destas imagens, as professoras expuseram suas opiniões e
comentários sobre os alunos e alunas. Também responderam aos questionamentos da
equipe de pesquisa sobre o significado de algumas cenas que não ficaram claras em
relação ao objetivo das professoras com a aplicação de algumas das tarefas propostas.
As dúvidas eram, geralmente, relacionadas as interações entre elas e os alunos. Após
estes encontros, tanto o filme assistido, quanto outros registrados durante a coleta de
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dados foram transcritos, decupados, minutados e estudados, para que deste processo
surgisse as categorias de análise.
As categorias de estudo representam uma descrição dos sistemas simbólicos de
uma determinada realidade. A pesquisa etnográfica é, por excelência, um espaço de
construção de conhecimento, que ocorre através do olhar do pesquisador. Neste
contexto, é na tipicidade ou na atipicidade de categorias que descrevemos as cenas das
redes de subjetividade de um estudo, ou seja, utilizamos as prescrições etnográficas para
dar sentido às interpretações vividas. Castro (2011) define categoria temática como uma
atribuição de qualidade a um determinado sujeito. Segundo a autora, “atualmente, este
sentido de atribuir uma qualidade surge com a finalidade de „possibilitar‟ a análise do
objeto ou do campo de estudo” (idem, p. 60).
As duas professoras, assim como a vice-diretora da escola, participaram
ativamente da realização da pesquisa inclusive frequentando o seminário permanente da
pesquisa quando solicitadas, inclusive do processo de categorização dos dados. Os
Seminários de Pesquisa aconteciam na universidade semanalmente e compõem
momentos de reflexão teórica. Elas, assim como os 11 alunos pariciparam de todas as
fases da pequisa, incluindo análise, relatórios e apresentação dos resultados em
congresso pelo Brasil.
A participação dos nove alunos do 1º ano do Ensino Médio foi fundamental para o
sucesso do trabalho de campo, pois eles aprenderam realizar entrevistas com os alunos
do 6º ano. Esse treinamento serviu como um despertar para as categorias de análise –
genero, pobreza e violências – e serviram ainda como um processo reflexivo de
amadureciento desses alunos para ouvir o outro. Eles treinaram inicialmente com a
equipe de pesquisa da UERJ formada por: uma coordenadora, pesquisadora sênior na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); dois pesquisadores visitantes
estrangeiros da Universidade de Sydney (USY), na Austrália; um pesquisadora junior
doutora; um doutorando; dois graduandas e um técnico. Posteriomente, os alunos do 1º
ano treinaram uns com os outros para afinar o sentido das perguntas e fomentar a
liberdade de expressão do entrevistado. E, finalmente, eles entrevistaram os alunos do
6º ano, sempre que possivel individualmente, mas, às vezes, em dupla e/ou em grupo de
três alunos e/ou com o auxilio dos pesquisadores da UERJ.
Essas entrevistas foram conduzidas com vários momentos de surpresa, tanto sobre
a capacidade de entrevistar dos entrevistadores como pelo conteúdo das respostas
obtidas que, muitas vezes, superam, em muito, as expectativas do grupo de
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pesquisadores. O formato de questionamento confirmou que o envolvimento dos alunos
uns com os outros permitiu maior liberdade e expontaneidade nas respostas do que se as
entrevistas tivesses sido conduzidas pelos pesquisadores mais experientes.
Vários desdobramentos surgiram desse envolvimento com esta escola e seus
alunos, dentre outros os alunos do 1º ano escreveram e interpretaram uma digital de
teatro sobre violência. Havia um consenso de que os alunos da escola conheciam
superficialmente sobre as causas e consequências desse fenômeno e não percebiam os
danos que poderiam causar entre eles, e assim, as alunas da graduação decidiram
realizar uma oficina sobre o tema Bullying, direcionada aos alunos da escola.
A partir do estudo, foi decidido pelos alunos da escola que eles elaborariam uma
peça teatral sobre o Ciberbullying. O roteiro da peça foi produzido e dirigido pelos
alunos bolsistas da escola, e foi revisado pelas alunas bolsistas da graduação. O nome
dado à peça foi “Ta na Rede”. A escolha do nome foi feita pelos próprios alunos que
trabalharam na peça. A peça foi apresentada no âmbito da escola e posteriomente na
UERJ com parte do programa oficial de um evento anual da UERJ entitulado “UERJ
sem Muros” que aconteceu entre os dias 23 a 27 de setembro de 2013, essa peça
desdobrou-se em uma oficina sobre Bullying e outra sobre Cyberbullying ministrada
por alunos da graduação e pós-graduação do grupo de pesquisa na UERJ com a
participação dos alunos da escola.
Outro desdobramento foi a criação do Blog “A Diferença Soma” mostrando os
diferentes grupos étnicos e difrentes ordenações de gênero na escola e informando sobre
a violência. Foi desenvolvida também uma cartilha digital informativa para a
comunidade escolar sobre violências na/da escola. Em depoimento sobre um dos dias de
vista à UERJ Ludmila, aluna do 9º ano, escreveu no Blog da Escola sobre sua interação
com a universidade:
Foi gratificante chegar até aquele lugar, ver a resposta do estudo (referindo-
se a pesquisa), alunos com verdadeiro intuito de crescer na vida. Essa
pesquisa vem sendo uma grande oportunidade para o desenvolvimento social
e tem ajudado melhorar a forma de comunicação entre os alunos. O dia na
UERJ foi muito gratificante, nos fez aumentar o interesse pelo estudo, para
que seja possível futuramente estudarmos lá. Essa experiência foi muito
interessante, tudo o que vimos e ouvimos durante a palestra sobre refugiados
na África, uma oportunidade de conhecermos o que acontece lá fora. Estar no
meio de sujeitos que formam a Universidade, professores, alunos e todos que
estavam ali presentes, trocando ideias, conhecimentos, entre outras propostas.
Foi realmente um dia especial! (Aluna Ludmila, 9º ano em redação para o
Blog da Escola “A Diferença Soma” em 14/09/2011).
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Um dos resultados da pesquisa em tela foi que a participação dos nove alunos do
1º ano levou-os a descoberta de potenciais educacionais de superação ao fracasso
educacional. Uma das provas dessa descoberta foi que sete desses alunos encontram-se
hoje na universidade, quanto aos dois restantes, somente uma não conseguiu terminar o
Ensino Médio por motivo de gravidez. Na Escola Iguaçu nos últimos anos anteriores a
2013 (ano de conclusão do Ensino Médio para os alunos colaboradores) nenhum aluno
passou do Ensino Médio à universidade e nos anos anteriores a estes, somente um aluno
havia ingressado no Ensino Superior.
Entende-se pelo depoimento desses alunos que a oportunidade de entrar em
contato físico com o ambiente universitário e saber o que significa ser universitário, fez
com que eles pudessem enfrentar as desigualdades que antes determinavam o insucesso
e transformá-las em desafios. Assim enfrentaram esse desafio com mais segurança e
possibilidade de sucesso.
[…] Falar sobre pobreza aqui na escola é muito fácil, quando começou a
pesquisa eu não pensava sobre o meu bairro, mas depois eu fui vendo e o
nosso bairro é um dos mais pobres daqui. Pois um grande número de alunos e
alunas vem a escola e falam – tia deixa eu ficar para comer que lá em casa
não tem comida... Eu acho que para os professores, fica muito pesado lidar
com isso – assim educar aquilo que já tinha que vir de casa. Eu não posso
generalizar, mas no meu bairro é essa a realidade.
[…] Uma das coisas mais importantes que eu aprendi na pequisa foi saber
ouvir, escutar os outros alunos. Essa foi uma fala de uma colega da equipe
de pesquisa, mas depois que ela falou isso nós aprendemos que é isso - não
ouvimos os outros, e agora aprendemos a ouvir, a gente perguntava, mas
ouvia aquilo que queríamos ouvir das pessoas. Agora não, ouvir é assim,
refletir sobre o sentido do que outro está falando sem induzir as pessoas,
ouvir é refletir para pensar sobre aquilo que foi falado para poder mudar.
Mudar a nossa realidade! (Marcus em entrevista por Carmen de Mattos em
10/06/2013).
A reflexividade proposta pela emergência de um trabalho com participação dos
alunos e alunas nos faz colocar em xeque modelos de mediacção pedagógica presentes
na escola. A interação parece ser chave analítica necessária para a Didática. A fala,
acima, de Marcus evidencia que o debate e a problematização sobre a pobreza abre
possibilidade de ampliar o horizonte pensando nas questões de desigualdade social.
Evidencia, também, uma reflexividade sobre o lugar da educação na perspectiva de seus
sujeitos. E o papel da pesquisa indica uma mediação que seja capaz de fazer aprender
alguma coisa a alguém, nas palavras de Roldão (2007). Ou mesmo de escuta e de
sensibilidade de ouvir o outro.
Considerações Finais
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Este texto teve como objetivo relacionar os processos de ensinar e aprender apartir
da perspectiva de voz dos alunos e alunas da escola básica. Toma-se como eixo
problematizar o fazer pesquisa “com os alunos, entendido como o movimento de voz
dos alunos da educação básica.
Quanto mais se realizam pesquisas que têm como pressupostos teórico-
metodológicos ouvir a voz dos alunos e alunas, mais se tem consciência de que é
necessário ouvi-los ainda mais. Sucessivamente a esta consciência, urge a necessidade
de se compreender a realidade da própria escola pensando para quem, para onde e de
onde devem ser impulsionados o planejamento e as ações educacionais a fim de se
promover emancipação.
Cook-Sater; Grion (2013), acreditam que ouvir o aluno pode impulsionar
mudanças na escola. A abordagem das autoras é desafiadora, mas faz sentido, quando
associamos as experiências de Alves (2012) em relação à reflexividade do aluno
pesquisador sobre a sua própria realidade e a abordagem “bottom-up” proposta por
Mattos (1992). Afirmamos, portanto, que, delineando pesquisas que incluam os sujeitos
como participantes ativos do processo, incentivando a reflexividade dos mesmos e dos
próprios pesquisadores no ato de fazer pesquisa, podemos constituir uma chave para
informar mudanças na escola e nos processos de ensinar e aprender.
As vinhetas etnográficas apresentadas, demonstram que os alunos/pesquisadores e
alunos/pesquisados são capazes de pensar sobre as situações vividas no cotidiano da
escola de uma perspectiva inédita. Suas vozes expressam preocupação com eles
mesmos, com os outros alunos, com os professores, com as práticas de sala de aula, com
as interações entre eles e o pessoal da escola, enfim, com a escola como um todo.
Nuances dessas expressões, na maioria das vezes, não são percebidas pelos
pesquisadores e pelo pessoal da escola.
Referências
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14
DA ESCOLA E SUAS FUNÇÕES: ELEMENTOS PARA O
ALARGAMENTO DE UM DEBATE NA PERSPECTIVA DE FUTUROS
PROFESSORES
Paula Almeida de Castro
Tatiana Bezerra Fagundes
Elizabete Carlos Do Vale
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo apresentar parte dos estudos realizados a partir das
vozes dos participantes de uma pesquisa de abordagem etnográfica com alunos do curso
de Pedagogia sobre tornar-se aluno, referenciando os processos de construção do
conhecimento remetido aos de escolarização. Buscou-se evidenciar os sentidos da
escola, a partir dos saberes e fazeres que, dialeticamente, conduzem a ação pedagógica
no cotidiano da sala de aula, trazendo o desafio de conduzir o aluno às aprendizagens
escolares. Reflexivamente, a natureza da interação entre professor e aluno é apresentada
nas vozes dos alunos do curso de Pedagogia indicando os caminhos percorridos no
entendimento das expectativas quanto às aprendizagens vivenciadas nos diferentes
espaços educacionais. Ao trazermos os alunos para o debate no campo do conhecimento
acerca das formas de ensinar no contexto das escolas, levamos em conta que os saberes
que possuem e que se constroem nesse contexto, possui uma relevância ímpar para a
produção de conhecimento no âmbito educacional. Resultou dos elementos
apresentados alguns caminhos para o alargamento do debate em torno dos possíveis
entendimentos das funções e sentidos da escola por futuros professores pautado no
atendimento de suas expectativas com relação ao papel do professor em sua ação
pedagógica. Em linhas gerais, é entendimento de que descentralizar a ideia do ensino
relacionado ao papel do professor e o aprender no do aluno, mas dialeticamente tornar
estes processos como constituintes da ação pedagógica necessária para a compreensão
do como ensinar. Esta compreensão abre caminhos para se pensar o que ensinar, ou
seja, a percepção dos sujeitos escolares sobre o tempo e o espaço das tarefas
pedagógicas, o dever, nos seus processos de tornarem-se alunos compreendendo seus
significados na produção do conhecimento escolar.
Palavras-chave: Ação pedagógica. Didática. Formação de professores.
Introdução: pressupostos e caminhos desse estudo
A escola atual, desde o início dos anos de 1990, começou a passar por um amplo
processo de abertura que, felizmente, tem trazido para seu espaço sujeitos sociais até
então alijados do processo de escolarização formal (OLIVEIRA, 2007). Dessa feita,
deparamo-nos hoje, professores e pesquisadores preocupados e comprometidos com a
garantia dos direitos de aprendizado dos alunos, com o desafio de levá-los a
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compreender e apreender os parâmetros da cultura científica veiculada pela escola, sem
os quais terão muito poucas chances de circular no âmbito da modernidade
contemporânea da qual fazemos parte (SENNA, 1997; 2007). Ao mesmo tempo,
assumimos a inequívoca obrigação de garantir-lhes no espaço público que a escola
representa, o direito de serem respeitados em suas formas de ser, de estar, de agir no
mundo, sobretudo de aprender, sem buscar sua correção frente a um discutível conceito
de normalidade e normatividade mais afeitos ao processo de exclusão e banimento
social do que de inclusão e valorização das diferenças (PATTO, 1999; BERTICELLI,
2004).
Umas dos caminhos que talvez possa ser trilhado para que isso seja possível, o
qual tem conduzido de modo mais ou menos evidente os trabalhos de pesquisa que
vimos realizando, refere-se a tentativa de produzir com os alunos sentidos que nos
levem a refletir sobre os processos de ensino, já que assumimos com eles as diferenças
em relação aos processos de aprendizado (FAGUNDES; SENNA, 2015).
Ao trazermos os alunos para o debate no campo do conhecimento acerca das
formas de ensinar no contexto das escolas, levamos em conta que os saberes que
possuem e que se constroem nesse contexto, têm uma relevância ímpar para a produção
de conhecimento no âmbito educacional (MATTOS; CASTRO, 2005; 2015).
Relevância esta sendo assumida com cada vez mais clareza por estudiosos da área,
dentro e fora do país (GRION; COOK-SATHER, 2013; FIELDING; RUDDUCK,
2002; ALVES; MATTOS, 2015), diante das evidências de que a satisfação relativa à
verdade no tocante ao conhecimento não pode ser processada sem que os sujeitos
sociais com e para as quais ela se produz estejam implicados nela (SENNA, 2003).
A partir desses pressupostos, temos buscado construir um quadro teórico-
conceitual (CHECKLAND; HOLWELL, 1998) que amplie as possibilidades de
respostas para uma questão premente em contextos de educação inclusiva, qual seja,
como ensinar?
Com essa questão de fundo, no âmbito desse trabalho, destacamos os resultados
de uma pesquisa mais ampla, realizada com alunos de uma escola pública do segundo
segmento do ensino fundamental no estado do Rio de Janeiro, bem como com
estudantes do curso de pedagogia de uma universidade pública do mesmo estado.
Tal pesquisa teve como principal objetivo compreender os processos pelos quais
os alunos passavam para entenderem-se e serem identificados como alunos, da
educação básica à graduação. Tratou-se de um estudo que fez uso da abordagem
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etnográfica como princípio metodológico (BORGES, 2012; MATTOS, CASTRO,
2011) e que, por isso mesmo, gerou resultados que extrapolaram os limites do recorte de
pesquisa inicial e que agora estão sendo revisitados. Utilizou entrevistas para acessar o
entendimento dos sujeitos sobre tais processos.
Parte desses resultados, não discutidos anteriormente, passa pela atribuição de
sentidos em relação a função social da escola, considerando-se seu universo de
existência atual. Tangenciando essa atribuição de sentidos, emerge a discussão sobre o
papel do professor no atendimento à escola e às demandas que seus alunos tem
apresentado e a garantia dos direitos de aprendizagem que todos possuem.
Interessa-nos, portanto, nesse trabalho, apresentar tais sentidos, produzidos pelo
grupo da graduação em pedagogia, participantes da pesquisa, com os pesquisadores, no
âmbito dos quais encontramos indicativos que podem alargar o debate sobre os
processos de ensino e aprendizagem no contexto escolar.
Nos limites desse trabalho, optamos por garantir um espaço mais ampliado para
apresentar as perspectivas dos participantes da pesquisa, que ajudam a situar o momento
da escola que se configura nessa década e meia do novo século. Em outra oportunidade,
discutiremos com o aprofundamento que o tema exige, a natureza dessas percepções e
em que medida ela pode influenciar as práticas escolares a serem desenvolvidas pelos
futuros professores, na esteira de estudos realizados por Borges (2012); Rodrigues
(2012); Cruz e André (2011) e outros.
1. Das funções sociais da escola e dos desafios para a formação docente: um
apontamento com os estudantes da Pedagogia
Dentre os debates que envolvem a escola, um deles remete a sua função social
na sociedade contemporânea. Este debate é perpassado por perspectivas que se
coadunam e/ou tencionam a relação entre o ensino e a educação, tentando estabelecer
limites entre aquilo que é próprio da prática formativa escolar e aquilo que seria o papel
primordial de outras instituições sociais (CAVALIERE, 2002).
Todavia, fato é que, no contexto de uma educação que se pretende inclusiva,
acompanhadas pelas transformações sociais que chegaram à escola, sua função está
muito mais alargada e assumimos, nesse contexto, que não somente o ensino diz
respeito aos processos que se estabelecem em seu interior. Nela, a educação está
presente, sendo entendida como construção de princípios direcionados a uma formação
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humana integral e emancipatória, capaz de permitir aos sujeitos sociais o planejamento
consciente a respeito de seu próprio futuro e a realização de escolhas consistentes que
apontem para a organização da sociedade onde a garantia dos direitos sejam estendidas
a todos os seus cidadãos.
A perspectiva dos participantes desse estudo, mostram, no entanto, o lugar
pouco claro que a escola pode estar ocupando em relação à sua função, fazendo com
que os sentidos construídos sobre ela encaminhem para escopos que perpetuam a falta
de clareza sobre o seu papel e sobre as práticas desenvolvidas em seu interior levando,
inclusive, ao recrudescimento de visões e práticas que não apresentam contribuição para
a escola atual, com seus alunos, professores e modos de funcionamento.
Alerta-nos, ainda, para a necessidade de investimento em uma sólida formação
inicial para os futuros professores, que possa auxiliá-los a lidar com as contradições e
urgências que se apresentam nesse espaço, ao mesmo tempo em que discutem e
ampliam as formas de reconhecimento das diferenças que lhes fazem parte, superando a
visão estreita que coloca sobre os professores a quase total responsabilidade pelo que
nela ocorre e buscando novas possibilidades de atuação nela.
Os sentidos que os participantes do estudo atribuíram à escola, relacionam-se às
suas carreiras profissionais, a compreensão do papel do professor, significada na
expressão “bom professor”, ou “bom pedagogo”, a realização da cópia como tarefa, os
aspectos relativos aos cuidados dirigidos aos alunos não só no que se refere ao
aprendizado, mas também considerando sua condição de sujeito com características e
necessidades que não desaparecem porque ele está em um espaço de educação formal.
A primeira função da escola destacada pelos participantes, mostra seu papel na
constituição da escolha da docência como profissão e a possibilidade de, através da
formação pedagógica, ter “bons pedagogos” para substituir profissionais caracterizados
como “maus professores”. A esse respeito, é importante destacar, conforme Connell
(2010), que tal caracterização precisa levar em conta as visões particulares dos alunos
que se relacionam à sua própria aprendizagem.
Em um de seus estudos (CONNEL, 2010), a autora aborda a questão do “bom
professor” oferecendo pistas sobre a dinâmica da estrutura educacional que leva a
adjetivações sobre a prática docente. Modelos sobre “bons professores” são parte das
considerações que os alunos fazem quando são questionados sobre a vida escolar e cada
aluno possui uma forma peculiar de definir o que é um bom professor, baseado no modo
como ele entende seu processo de aprendizagem.
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As alunas e alunos do curso de Pedagogia, em uma universidade do estado do
Rio de Janeiro, foram solicitados a descrever o que, na concepção deles, era um bom
professor desde a educação básica até a universidade. As respostas variaram entre ser
aquele que “enche o quadro de matéria, explica e depois corrige” e aquele que “faz os
alunos pensarem, busca exemplos atuais”.
Na fala dos estudantes, entretanto, ressaltam-se duas demandas. A primeira,
unânime entre eles, é a de que o professor seja atualizado e tenha uma boa formação.
Conforme comenta uma aluna; “na escola não dava para fazer isso, mas aqui [na
universidade] eu sempre vejo quem vai dar a matéria naquele semestre e procuro o
currículo do professor no Lattes1”. A segunda demanda refere-se a promoção de uma
interação positiva entre os alunos e o professor, o que, para eles, contribui para uma
melhor compreensão quanto ao papel do professor em sua ação pedagógica.
Outra função da escola destacada pelos estudantes da Pedagogia, que se
relacionam ao seu processo de formação enquanto futuros professores, diz respeito a
inclusão do professor na substituição da família em certos cuidados, tais como os que se
relacionam às questões de higiene. Uma das alunas menciona uma situação, quando
questionou, certa vez, a professora sobre o fato de a escola não ser o lugar para cuidar
“dos piolhos dos alunos”, levantando a discussão sobre o que seja, tradicionalmente, a
função da escola em relação a esse aspecto.
Embora a escola não seja o lugar para “tratar de piolhos”, seu papel educativo
exige dela posturas que vão ao encontro dos alunos. Colaborar, de alguma maneira, para
a promoção do cuidado é uma delas.
Como uma terceira função da escola, foi indicada a tarefa da cópia. Esta foi
descrita pelos participantes como tendo diferentes sentidos dependendo do significado
atribuído a partir da interação entre o professor e o aluno em sala de aula. A cópia foi
relacionada ao castigo quando do controle da movimentação do aluno na sala de aula e
para produzir entendimento quanto a uma determinada norma na forma de castigo,
como a mencionada por Alexandre (1º p. Pedagogia) de permanecer em silêncio (“Não
devo conversar em sala de aula”) e, como tarefa, no formato do dever e produção de
conhecimento – cópia acompanhada de leitura, por exemplo. Contudo, os alunos
1 A Plataforma Lattes é a base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
que inclui informações sobre grupos de pesquisa, currículos de professores, pesquisadores e alunos das instituições de
ensino e pesquisa. Conforme indicado pelo próprio CNPq, a Plataforma Lattes “se tornou um elemento indispensável
e compulsório à análise do mérito e competência dos pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia”.
Maiores informações disponíveis no site http://www.cnpq.br
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19
indicam o descontentamento em realizar a mesma por tanto tempo (copiar correndo), o
cansaço (a mão fica doendo) e, por vezes, o não-entendimento quanto ao que o
professor solicita faz com que a cópia mude de sentido, passando de dever para castigo.
As funções e sentidos oferecem indícios para pensar sobre a natureza da
interação entre o professor e o aluno na escola e na sala de aula. Pode-se pensar que a
construção do conhecimento em sala de aula é uma ação conjunta entre o professor e o
aluno no sentido de que ambos façam sentido do que está sendo proposto como ação
pedagógica. Assim, o aluno pode conhecer o propósito das tarefas em lugar de pensá-las
como castigo, por exemplo. O fazer em sala de aula é permeado por expectativas de
alunos e professores sobre o que é esperado que se faça e o se faz dos deveres de cada
um.
Assim, propõe-se, como continuidade das explicações sobre as funções e
sentidos da escola, um direcionamento sobre as formas como, alunos e professores, se
posicionam em relação ao “como ensinar” para que se efetive a construção do
conhecimento do aluno.
Para explicar o “como ensinar” busca-se algumas ideias que se traduzem em
asserções teóricas e perspectivas dos sujeitos da pesquisa.
1.1. Dos processos de ensinar e aprender: os sentidos produzidos pelos alunos
Os processos de ensino e aprendizagem estão na pauta da escola como uma de
suas principais funções. Como item dessa pauta, entende-se que cabe tanto ao professor
quanto ao aluno o desenvolvimento de meios para que este processo se realize,
deixando a cargo de ambos essa atribuição.
Para o professor, o processo de ensino e aprendizagem envolveria planejamento,
seleção de atividades que permitam ao aluno alcançar os objetivos das tarefas propostas
em benefício de seu aprendizado. Para o aluno seriam geradas expectativas sobre como
ele iria aprender, de quais habilidades e capacidades ele poderia lançar mão na
construção e apreensão de saberes. Assim, professor e aluno, em interação, seriam
capazes de promover os fazeres, refletindo sobre a produção do conhecimento que pode
derivar da relação entre ambos. Como sugere Vygotsky (1998) a dialética dessa relação
influencia o gerenciamento da aprendizagem tanto pelo aluno quanto pelo professor e
cria novas condições para que esses sujeitos construam conhecimento (p.80).
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A ação pedagógica daí decorrente envolveria tanto as subjetividades dos alunos
quanto as múltiplas possibilidades com as quais lida o professor em relação às suas
aprendizagens. Envolveria, ainda, a percepção do aluno sobre o processo de ensinar e de
aprender. Conforme destaca Freire (1996) “ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção” (p. 25).
Apesar disso, ainda lidamos, enquanto professores e alunos, com uma
dificuldade em relação às formas de construção do conhecimento. Em que pesem os
esforços no sentido de construirmos uma ação pedagógica implicada na percepção
freireana acima destacada, somos herdeiros de um modelo de escola e de formação
engessados na dicotomia transmissão-aprendizado, que organiza o sistema escolar de
modo a que essa relação continue se perpetuando centrada na realização da tarefa.
Nesse contexto, os estudantes do curso de pedagogia, destacam que entre a
conscientização do papel do professor e as expectativas que o aluno tem sobre ele, são
feitas concessões para que a ação pedagógica em sala de aula faça sentido para ambos.
Estes aspectos são destacados por Patrícia, aluna 1º período do curso de Pedagogia. Para
a aluna:
O professor é o mediador, né? Que vai me passar conhecimento. Porque de certa
forma o professor... Ele detém o saber. Não é suficiente chegar ali só assim para
passar o que as matérias deles pedem e vão embora. Estar aí para o aluno, entendeu?
Acho que é o professor que incentiva a gostar de conhecer as coisas, né? Então, o
professor, acho que é fundamental, quando ele sabe fazer você gostar da matéria,
quando ele sabe ensinar, ele sabe te prender. Acredito muito que tem que ser
dinâmico. Que ele dá mais pro aluno poder participar. O aluno não fica ali passivo
olhando pra cara dele sentado, dormindo, entendeu? Dá voz pro aluno.
O fragmento da fala de Patrícia indica sua expectativa quanto a um professor
que conjuga a posição de mediador, detentor do conhecimento, que sabe ensinar, é
dinâmico e dá voz ao aluno. Com essas características, o professor colocaria em
movimento a ação do aluno, incentivando-o a conhecer, gostar da matéria, participar das
aulas e, ao mesmo tempo, contribuir para que o aluno não receba passivamente os
ensinamentos.
A estudante Patrícia, ao elencar suas expectativas, percebe o papel e o lugar do
professor em sua aprendizagem. Ainda que esta possa ocorrer de modos e em tempos
diferenciados, existe um reconhecimento do papel do professor na ação pedagógica.
Sobre o fazer do professor, a aluna Monique, 1º período do curso de Pedagogia,
comenta que este está ligado ao planejamento do estudo, da aula, dos exemplos
relacionados a realidade do aluno e a presença do mesmo na sala de aula.
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“É, assim, aquele professor que tá presente realmente é o que não pensa só em chegar
ali e dar aula, vai ver que pensa no seu planejamento de estudo, até mesmo na aula,
quando ele dá exemplos que têm a ver com o seu dia a dia, sabe, até nessas pequenas
coisas, é um professor presente” (1º período de Pedagogia/UERJ).
Monique acentua, em sua fala, a idealização de um professor próximo ao aluno,
engajado e identificado com as suas necessidades do dia a dia. A realização do trabalho
docente, a seleção e a organização, são atividades constantes de repensar o modo como
a ação pedagógica se efetiva nos processos de produção do conhecimento na escola e na
sala de aula.
Este planejamento para atender a realidade do aluno, mencionada por Monique,
não significa que o professor deva utilizar-se de “tendências da moda”, mas, sobretudo
que aquilo que foi selecionado para seus alunos seja coerente com sua prática fazendo
sentido sobre os fazeres, deveres e saberes tanto do professor quanto do aluno.
Alguns exercícios, nomeados corriqueiramente, como de fixação de conteúdos
implicam na obrigatoriedade de que o aluno tenha que distinguir entre aquilo que é
concebido como pensamento científico e o que é o pensamento narrativo. Nesse sentido
Senna (2003) contribui para entender como se dá a organização e a fundamentação
sobre os modos de pensamento pelos quais a “inteligência humana se organiza para
interagir com o mundo” (p.11), a saber: o modo narrativo e o modo científico. Por modo
narrativo destaca-se dentre suas propriedades a que privilegia esquemas que se
organizam na medida em que o sujeito age sobre o seu mundo e o modo científico de
pensamento está relacionado à cultura científico-cartesiana que se espera do aluno no
ambiente escolar.
Portanto, não se trata de privilegiar um modo de pensar em detrimento de outro,
mas que o trabalho do professor na formação do aluno possibilite-o a compreender
“quando e como ele deve se posicionar no mundo utilizando o pensamento científico e
quando este deve se posicionar utilizando o modo narrativo” (p.17). O autor descreve
que além da possibilidade de aprender, seria possível ao professor e ao aluno
compreender os seus papéis de modo a legitimar a cultura científica e sua função para a
escolarização. Compreender estes papéis requer, ainda, que o aluno faça sentido das
ações pedagógicas do professor em sala de aula.
Os sentidos das ações podem refletir sobre o que e quanto é necessário saber
durante um ano letivo. O fragmento de fala da aluna Joana, 1º período do curso de
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Pedagogia, explica e justifica os procedimentos e os saberes necessários para “passar de
ano” ou ser reprovado.
[...] As matérias que eu gostava eu me dedicava, as outras matérias que eu não
gostava eu sabia que eu tinha que passar, eu sabia que eu não podia ficar de
recuperação ou ficar reprovado. Eu sabia que eu não podia ir para a recuperação
porque a recuperação eu ia ter que estudar tudo o que eu tinha visto no ano, toda a
matéria do ano. Eu sabia que eu não podia ficar reprovado que eu ia voltar tudo e a
ideia para mim da reprovação era como se eu perdesse um ano da minha vida né.
Como se eu ficasse parado no tempo um ano. Aí o quê que eu fazia, por exemplo, a
matéria que eu não gostava, eu não gostava de Química, mas eu sabia que eu
precisava estudar para Química, eu estudava o necessário. Então geralmente as
minhas notas em Química é no município é Satisfatório e no segundo grau era 60, 65.
Aí eu fazia as contas, no terceiro período, aí eu estudava muito no primeiro e segundo
período e aí então eu acho que eu sacava isso, essa estratégia. Então as minhas
estratégias eram: estudar muito o primeiro e o segundo período aí no terceiro eu via a
matéria que eu tava muito mal, aí estudava para essa matéria e no quarto eu relaxava
(Joana).
A opinião e percepção da aluna sobre a ação pedagógica e o papel do professor e
nesta ação foi expressa no fragmento de fala de Joana ao apontar o papel da
aprendizagem para o cumprimento das diferentes etapas da escolarização.
Foi ressaltada a repetência por Joana que em seu processo de tornar-se aluna, as
estratégias utilizadas tanto para não repetir quanto para não ficar para a recuperação.
Comenta que ao pensar que repetir seria como perder um ano de sua vida “sacou” que
fazendo as contas das notas divididas nos quatro bimestres do ano letivo ela poderia
alavancar os estudos e as notas nos dois primeiros bimestres. No caso de estar com
pendência em alguma matéria ela utilizava o terceiro bimestre para reforçar a nota
podendo ficar “relaxada” no restante do ano. A outra estratégia identifica por Joana foi a
de solucionar as notas para as matérias que possuía menos afinidade. Ao entender que
ela precisaria ser aprovada em todas as matérias, Joana conta que estudava o necessário
para obter notas satisfatórias para avançar para as próximas etapas.
Dos pressupostos e caminhos indicados para o entendimento sobre as funções
sociais da escola e as interfaces e sentidos de aprender foi possível evidenciar nos
fragmentos de falas apresentados as estratégias possíveis de serem utilizadas,
igualmente por outros alunos, quando começam a conhecer as normas do jogo escolar.
Aos poucos, conforme avançam nas etapas, os alunos vão identificando o que é preciso
saber para fazer sentido da ação pedagógica do professor em sala de aula e receber a
aprovação.
Considerações Finais
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Quais os caminhos para o alargamento do debate em torno dos possíveis
entendimentos das funções e sentidos da escola por futuros professores? Foram
apresentados, nas vozes dos participantes da pesquisa, o como ensinar pautado no
atendimento de suas expectativas com relação ao papel do professor em sua ação
pedagógica. Entende-se que o atendimento a essas expectativas requerem a
conscientização do professor quanto ao papel que ele desempenha nos processos de
produção do conhecimento de seus alunos. Evidenciar essas questões enquanto
professores em formação poderá auxiliar nas práticas docentes futuras.
Foram indicadas as diferentes formas que acreditam poderiam ser adotadas na
ação pedagógica dos professores promovendo uma interação positiva para conduzir as
aprendizagens dos alunos. Sugeriu-se como alternativa pelos participantes da pesquisa
uma diferenciação para o fazer e o saber explicando e solucionando as dúvidas do
aluno. Isto, possivelmente se dará, no momento em que o professor perceber o aluno
como um sujeito real longe das idealizações de uma formação que não o prepara para a
diversidade presente nos espaços escolares.
Por sua vez, os alunos possuem expectativas quanto ao que esperam do papel do
professor em suas aprendizagens. Eles sinalizam a importância de um planejamento que
esteja voltado para atender as suas realidades, transformando-as em saberes, que
desperte a curiosidade e a vontade de conhecer novos conteúdos e que legitime a
participação do aluno em sala de aula. No entanto, quando estas expectativas não se
efetivam na ação pedagógica os alunos são levados a adotarem diferentes estratégias
para adquirir o quantitativo de nota necessário para ser aprovado. Percebe-se que o
sentido dos fazeres não leva a um saber sem que este esteja relacionado ao peso da
aprovação e reprovação. Por outro lado o aluno foi capaz de compreender as regras do
jogo escolar e criar estratégias para pertencer à comunidade escolar.
Em linhas gerais, acredita-se ser possível descentralizar a ideia do ensino
relacionado ao papel do professor e o aprender no do aluno, mas dialeticamente tornar
estes processos como constituintes da ação pedagógica necessária para a compreensão
do como ensinar. Esta compreensão abre caminhos para se pensar o que ensinar, ou
seja, a percepção dos sujeitos escolares sobre o tempo e o espaço das tarefas
pedagógicas, o dever, nos seus processos de tornarem-se alunos compreendendo seus
significados na produção do conhecimento escolar.
Referências
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EDUCAÇÃO, ETNOGRAFIA E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A ESCOLA
SOB A PERSPECTIVA DO ALUNO NA CONTEMPORANEIDADE
Walcéa Barreto Alves
Resumo
Esta pesquisa busca trazer ao protagonismo da discussão sobre a educação, as
representações dos alunos sobre a escola e as dimensões abarcadas pelas significações
construídas no processo de ensino-aprendizagem. A Teoria das Representações Sociais
foi a base teórica primária deste estudo. A metodologia da investigação adotou uma
abordagem multimétodos, contemplando aspectos metodológicos relacionados às
pesquisas quantitativas e qualitativas sendo, contudo, a etnografia o eixo metodológico-
empírico principal. As análises orientaram-se pelas dimensões das representações
sociais, a atitude, a informação e o campo de representação, empregando-se a
metodologia de análise de conteúdo, fundamentada em Bardin. Realizou-se também a
análise da estrutura da representação social através da técnica do quadro de quatro
casas, desenvolvida por Vergès. Os resultados apontaram para a constatação de que na
constante dinâmica do contexto de educação formal, as representações sobre a escola se
constroem mediante as significações que os indivíduos – aqui, mais especificamente ,os
alunos - imprimem aos eventos, refletindo-se em imagens e auto-imagens. Esse
movimento se estabelece num processo de espelhamento conduzido pela reflexividade
constituinte dos processos de significação e construção de sentido nas interações face a
face. A discussão sobre a Didática no panorama atual é colocada, a partir dos resultados
desta pesquisa, diante da necessidade de se atentar para a perspectiva do aluno na
contemporaneidade, que decerto aponta desafios e elementos prementes às dimensões
que configuram uma práxis educativa comprometida com a criticidade, a autonomia e a
cidadania.
Palavras-chave: Representações sociais; etnografia; escola.
Introdução
A didática no contexto da contemporaneidade se ressignifica na dimensão das
concepções e práticas educativas ao se debruçar sobre o debate que se repercute acerca
da escola, sua função nos dias atuais – o “real” e o ideal – e as peculiaridades que
acercam seu cotidiano e seu contexto sócio-político-econômico. Em especial no
momento atual de crise anunciada no Brasil, esses deslocamentos se tornam ainda mais
prementes e necessários, visto que a educação exerce um papel que está em questão e
em voga, ao passo que tem sido acharcada pela falta de investimento do setor público ao
mesmo tempo em que se vê diante do crescimento de investimentos oriundos do setor
privado. Que pistas estas questões macrossociais nos dão sobre as instituições de ensino
no Brasil no contexto contemporâneo?
Nos mais variados níveis e planos de discussão, as tessituras sobre a educação e,
quiçá, sobre a escola, se formam a partir de concepções, em grande parte das vezes,
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alheias à voz daqueles que vivenciam cotidianamente o processo educacional
sistematizado, do qual seriam os próprios destinatários: os alunos.
Este trabalho busca trazer ao protagonismo da discussão sobre a educação, as
representações dos alunos sobre a escola e as dimensões abarcadas pelas significações
construídas no processo de ensino-aprendizagem.
Goffman (1961, p. 16) afirma que “toda instituição conquista parte do tempo e
do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo”. A escola, vista sob esse
ângulo, pode ser entendida como campo de significação, constituída de normas
inerentes a um conjunto de valores que precedem a sua organicidade. O aluno é
integrado à rede de significados que constitui essa instituição ao se tornar participante
dela. “Algo de um mundo” particular ao funcionamento desse espaço social é dado ao
indivíduo como pessoa na assunção de papéis referentes ao contexto de sua inserção.
A função das instituições na produção e manutenção de sentidos é abordada por
Berger e Luckmann (2004, p. 23) como fundamental para a conduta dos indivíduos que,
ao mesmo tempo em que são “consumidores”, são também produtores de sentido. Nessa
concepção, os alunos tanto são entremeados pelos sentidos produzidos pela escola,
como também produzem esse construto.
Neste sentido, objetivou-se mediante a realização desta pesquisa compreender a
relação entre as representações sociais da escola e a autorrepresentação do aluno e,
consequentemente, as implicações desta relação no processo de ensino-aprendizagem.
Metodologia
A pesquisa foi realizada em uma instituição de ensino da rede pública municipal,
localizada na região norte (região de subúrbio) da cidade do Rio de Janeiro. Os
participantes primários da pesquisa foram alunos e alunas do segundo segmento do
ensino fundamental e os secundários, professores e funcionários da escola pesquisada.
A metodologia da investigação adotou uma abordagem multimétodos,
contemplando aspectos metodológicos relacionados às pesquisas quantitativas e
qualitativas sendo, contudo, a etnografia o eixo metodológico-empírico principal.
Segundo JOHNSON E ONWUEGBUZIE, (2004), a pesquisa multimétodos
(mixed research) tem se apresentado como um novo paradigma de pesquisa,
configurando-se como complemento natural das pesquisas quantitativa e qualitativa.
A etnografia, enquanto referencial de prática de pesquisa, orientou a
investigação no sentido de se buscar captar do cotidiano da escola as vivências,
interações e os significados que emergem das redes de relações que constituem a
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dinâmica da sala de aula. Já amplamente difundida no âmbito das pesquisas qualitativas
na área educacional, a etnografia busca significar os dados da pesquisa a partir da visão
dos próprios participantes, contextualizando as análises a partir da cultura em que eles
estão inseridos (MATTOS, 2006). Foi realizada observação participante e entrevistas
tipo grupo focal. Os dados produzidos foram processados pelo software Atlas.ti.
Os aspectos ligados à metodologia de cunho quantitativo são oriundos da
Psicologia Social, mediante as proposições teórico-metodológicas da abordagem
estrutural da Teoria das Representações Sociais, que desenvolveu a Teoria do Núcleo
Central (ABRIC, 2000). Foram aplicados Questionários de Evocação Livre e posterior
processamento estatístico dos dados levantados, mediante utilização do software EVOC,
que “elenca” os elementos estruturantes da representação social - no caso deste estudo,
a representação social que o aluno tem sobre a escola.
As análises orientaram-se pelas dimensões das representações sociais, a atitude,
a informação e o campo de representação, empregando-se a metodologia de análise de
conteúdo, fundamentada em Bardin (1986). Realizou-se também a análise da estrutura
da representação social através da técnica do quadro de quatro casas (VERGÈS, 1992).
Os resultados foram desenvolvidos a partir da triangulação dos dados e serão
apresentados analisando-se a estrutura da representação social em articulação às
ilustrações das categorias realizadas através do uso de vinhetas etnográficas, que
consistem em fragmentos de fala dos participantes da pesquisa. Foram utilizados
também trechos das notas de campo produzidas mediante a observação participante e de
documentos disponibilizados pela escola.
Resultados e discussão
Na análise dos dados levantados, foi sendo desenvolvida a concepção de que as
representações da escola estão intimamente ligadas às concepções sobre a sua função,
às relações de poder estabelecidas mediante as significações ligadas aos conceitos de
respeito e autoridade, da intencionalidade das interações sociais estabelecidas no âmbito
dos processos educacionais e da questão do mérito que recebe um encargo valorativo
nas ações do contexto educativo.
Sobre discussão ligada à função da escola, observa-se que no Projeto Político
Pedagógico (PPP) da instituição de ensino pesquisada, a definição de sua missão se
reflete no seguinte trecho:
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A E. M. [Brás Flores2] reconhece como seu papel específico: educar
os alunos confiados a esta Instituição, favorecendo a sua realização
como pessoa: fornecendo-lhes elementos de formação acadêmica e
ética que lhes permita desempenhar a competência, honestidade e
espírito de cidadania através das responsabilidades que venham a
assumir (Projeto Político Pedagógico da E. M. Brás Flores, 2005 –
material de pesquisa de campo).
A partir deste documento, denota-se que a escola assume como sua função a
educação dos alunos em nível de formação acadêmica e ética, entendendo como seu
papel educar e formar os alunos a fim de que desenvolvam “competência, honestidade e
espírito de cidadania”. Tal concepção, estruturada pelo PPP, parte da premissa de que a
escola, instituída no projeto da modernidade, tem a função social de contribuir para a
construção de novas bases para a sociedade através da emancipação da razão humana
(SANTIAGO, 2010, p.142).
Nos eventos de fala dos alunos, também se denota a concepção de que a função
da escola passa pelo crivo de formação humana quando o aluno afirma que “(...) na
escola você tem que aprimorar a sua educação que você aprendeu em casa. Na escola
você tem que aprender como tratar a outra pessoa (...) (Pâmela, 8º ano). Sob este
enfoque constata-se uma educação que promova um processo de civilidade entre os
indivíduos que compõem um grupo social, o que é reforçado no evento de fala que
pontua que a educação desenvolvida na escola possibilita “(...) fazer com que você
aprenda a viver em sociedade sem deixar muitas vezes você se levar por ela (...) (Luna,
8º ano). Percebe-se nesta fala a concepção de que a escola permite o desenvolvimento
de uma criticidade onde “(...) você vai tipo fazer um treinamento (...) Então, em casa a
gente fala e chega na escola você vai treinar (Hélio, 8º ano).
Segundo a análise destas falas, observa-se que ao se referir à escola e sua relação
com a educação, o aluno põe em destaque a sua dimensão de formação ética e social.
Na dimensão do estudo sobre a estrutura da representação social da palavra
escola, conforme respostas dadas pelos alunos ao Questionário de Evocação Livre (ao
todo, 69 questionários aplicados) a análise aponta outros fatores que complementam e
ampliam a discussão sobre esse enquadre. Neste questionário, foi solicitado aos alunos
que escrevessem as 5 primeiras palavras que lhes vinham à mente ao ouvirem a palavra
“escola”. Esses dados, processados estatisticamente pelo software EVOC, foram
2 Pelo princípio de ética na pesquisa, os nomes da instituição escolar e dos sujeitos pesquisados são
fictícios, a fim de se manter o anonimato, preservando a identificação dos participantes.
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“elencados” de acordo com a frequência e a espontaneidade de evocação das palavras
listadas.
A partir da análise feita mediante a técnica do quadro de quatro casas, foram
configurados os elementos (palavras) ligados ao núcleo central, à 1ª periferia, à 2ª
periferia e à zona de contraste da representação. O núcleo central é configurado pelas
palavras que tiveram maior frequência e maior espontaneidade de evocação. É
considerado como a essência da representação. Constitui-se como o elemento mais
permanente, mais “duro” da representação, ou seja, é o elemento mais difícil de ser
modificado. Os elementos periféricos servem como base de interface da representação
com as nuances ligadas ao cotidiano, à realidade, desempenhando a função de
adaptação e “proteção” do núcleo central. A zona de contraste (constituída pelas
palavras evocadas com menor frequência, mas com maior espontaneidade) possui
elementos que confirmam a ideia do NC ou dos elementos mais periféricos. Se esta
apresentar um elemento que se oponha ao (s) que compõem o núcleo central, é possível
supor que há indícios da emergência de uma representação contrastante que pode
indicar uma resistência e uma oposição ao que mais hegemonicamente é atribuído
enquanto representação social.
Nesta pesquisa, o elemento que se apresentou como possível núcleo central da
representação social da palavra escola foi a palavra “estudar”.
O núcleo figurativo, imagético, que representa a instituição escola para esses
alunos aponta para uma ideia que nos remete à função da unidade de ensino como
ambiente propício ao favorecimento do desenvolvimento de processos de ensino-
aprendizagem.
Como elemento intermediário ao núcleo central (NC), na “região” da primeira
periferia, os alunos evocaram a palavra “professor”.
Tal configuração nos indica que a representação dos alunos sobre a escola tem
uma forte interlocução com a figura deste profissional. A valoração dada pelos alunos
ao termo “professor” foi positiva em 40 das 43 evocações realizadas. Em contraste com
a hostilidade observada nas interações em sala de aula, infere-se que o aluno vincula
iminentemente de maneira positiva à imagem da escola o papel do docente. Tal análise
nos leva a refletir sobre o impacto e as repercussões da relação professor-aluno no
processo de ensino-aprendizagem e, ainda mais, no processo de relação valorativa e
afetiva que o aluno desenvolve com a escola.
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Também foi elencado como elemento intermediário de significação da
representação social, a palavra “educação”. Segundo a fala dos alunos, verificada
mediante a realização do grupo focal, este termo é significado pelo grupo pesquisado
enquanto “respeito”, configurando-se num processo de “se tornar uma pessoa mais
educada”, mas também atendendo a uma perspectiva de educação enquanto mecanismo
de se “aprender melhor”, como que servindo “para melhorar o aprendizado”. Tal
entendimento considera que a palavra educação, no contexto de representação da escola,
reflete-se no processo de se educar para a vida. Freire (1996, p.41), num pensamento
ainda mais profundo sobre o papel da educação, disserta sobre a importante tarefa da
prática educativa em propiciar aos alunos as condições de ensaiar, nas relações
vivenciadas tanto com seus colegas quanto com os professores, a experiência de
“assumir-se” como ser social e histórico, atuante e transformador. Em interface com a
asserção desse grande educador, infere-se a compreensão de que o processo de
construção da cidadania é entendido pelos alunos - nas suas formas de expressar suas
ideias e opiniões - como função da escola, processo também implícito na estrutura da
representação social.
Ainda na configuração da estrutura da representação social foram elencadas as
palavras “amizade”, “ bagunça”, “caderno”, “lápis”, “respeito”, “tarefas-escolares”.
Estes, localizados na “2ª. periferia”, sendo considerados como elementos mais
periféricos aos do núcleo central, são importantes na relação que a representação
estabelece com a realidade (OLIVEIRA et al, 2005). A amizade e a bagunça parecem
refletir algo inerente ao que é vivenciado na escola como modos de conduta através de
acordos implícitos entre os alunos no convívio social.
A bagunça se configura nesse panorama como inerente às relações estabelecidas
no cotidiano escolar. Fato este que, embora ligado à indisciplina e visto de forma
negativa, torna-se inerente à configuração das dinâmicas interpessoais e institucionais.
Na estrutura da representação social da escola, a palavra “respeito” aparece
como elemento localizado na 2ª periferia. Relacionando, pode-se entender a questão do
respeito como elemento essencial na ancoragem com a realidade, constituindo-se, na
visão dos participantes da pesquisa, como fator importante para o funcionamento ideal
da instituição. O discurso de um aluno define que a instituição na qual está matriculado
“É uma escola, mas não parece muito não. (Tito, 9º ano)”. Enquanto outro colega
justifica: “ Por causa que os alunos não respeitam nada (Hélio, 9° ano).
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Nesta configuração, observa-se que o termo “respeito” se configura como um
importante elemento de ancoragem da representação social da escola, visto que os
alunos a caracterizam enquanto tal a partir da concepção de que sejam vivenciadas
práticas de respeitabilidade entre alunos, professores e toda a comunidade escolar.
Discursando sobre o respeito como valor subjacente à constituição do ser
humano e do educando como tal, encontram-se, em Freire, referências contínuas sobre a
necessidade desse elemento nas relações estabelecidas na escola. O respeito aos saberes
dos alunos é um dos pontos cruciais de sua concepção sobre o desenvolvimento de uma
educação crítica e libertadora. O respeito à autonomia dos educandos como seres livres,
com as particularidades inerentes à sua condição de ser é outro ponto assinalado como
saber necessário à prática educativa (FREIRE, 1996). No entanto, o respeito tem uma
compleição de dupla face, mediante a concepção de que a ideia de escola está ainda
intimamente ligada à questão da disciplina e do papel dos alunos como constituintes da
instituição de ensino. Se o núcleo central da representação de escola é “estudar” e os
alunos dizem que a instituição não parece uma escola, “porque eles não respeitam
nada”, denota-se uma ligação entre uma necessidade de disciplina que possibilite a esses
alunos o ato de estudar.
Daí se subentende que, sob a perspectiva dos alunos, as relações entre disciplina
e estudo são necessárias para que a aprendizagem ocorra e para que a escola esteja em
condição de exercer seu papel.
Diante deste enquadre, ao olharmos o contexto em que se desenrola o ato
educativo nos ambientes institucionais de ensino, a escola entra com seu papel de
autoridade na busca pela manutenção da disciplina e da ordem em todos os espaços que
a constituem. Nessa concepção, a autoridade, já em grande parte destituída do papel do
professor, entra em cena através de outros atores sociais do contexto escolar.
A relação entre disciplina e respeito se observa através das falas dos alunos, nas
quais se pontua a atuação da gestão (representada pela figura da diretora) como
referência de autoridade, considerada como algo dimensionado pelos alunos como
inerente à boa qualidade da escola:
Adriel: Professora, com a Janice [diretora anterior] aqui (...)
ninguém desrespeitava. Risos.
Hélio: Aí, ela botava as criancinhas pra se mijar, mané!
Adriel: Botava, botava.
Luna: Todo mundo tinha medo. (...)
Tito: A escola era melhor com a Janice.
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Os alunos citam a imposição da autoridade através da coerção e do medo
relacionando-a à ideia de qualidade da instituição. A ideia de ordem e respeito, são
traduzidas enquanto atitudes autoritárias e coercitivas, apontadas como elementos
importantes para o bom funcionamento da escola.
Na escola pesquisada, professores e alunos colocam como premente a atuação
do representante do Conselho Escola-Comunidade (CEC) junto às ações de controle e
disciplina na escola. Um dos professores, afirma que a presença deste interlocutor no
ambiente escolar é fundamental às condições de desenvolvimento do trabalho
pedagógico. Em entrevista, a coordenadora pedagógica colocou que esse representante
tem a função de integrar a escola à comunidade. Muitas vezes, ele avisa quando há
algum problema como tiroteios ou confronto entre facções criminosas na localidade, o
que poderia afetar o comparecimento e os horários dos alunos na escola. Por outras
vezes, o fato de ser morador da comunidade e conhecer os alunos e seus familiares
facilitava o contato e a vigilância sobre os comportamentos. A manutenção da
disciplina, no entanto, consistia-se num fator primordial da atuação do representante do
CEC na escola.
Na fala dos alunos, observa-se que a disciplina está ligada à questão do respeito
concebido numa via de mão dupla. O respeito conseguido pelo representante do CEC é
citado por eles como fruto de uma relação de colaboração: “ele se preocupa com os
outros, tenta ajudar” e de benefícios que denotam a busca de se atender aos interesses e
necessidades do aluno: “ele é que bota o futebol aí pra gente, senão não ia ter”. Este
papel de mediação é apontado como elemento que significa as relações de poder
estabelecidas no cotidiano.
Sob esse aspecto, a autorrepresentação do aluno ligada à concepção de
autoridade se relaciona à construção de relações respeitosas, em que “a assunção de nós
mesmos não significa a exclusão dos outros. É a „outredade‟ do „não eu‟, ou do tu, que
me faz assumir a radicalidade do meu eu” (FREIRE, 1996, p.41).
Nessa perspectiva, a representação social da escola se emaranha num contexto
confuso entre o “ser” e o “dever ser”, o “real” e o “ideal”, o “bom” e o “mau” aluno.
No contexto desta discussão, surge mais um elemento de análise da
representação que aponta para uma ligação e uma negociação entre a manutenção da
disciplina enquanto controle do aluno e a ideia de mérito. Numa tríade disciplina-
desempenho-mérito, surge no panorama a figuração das atividades extracurriculares,
que assumiam um papel que se radicava nos significados da escola.
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As atividades extraclasse, em especial no que são denominadas no Projeto
Político-Pedagógico como “passeios didático-pedagógicos”, consistem em outra
ferramenta que se configura na manutenção da disciplina e na tentativa de controle do
rendimento do aluno.
As atividades extraclasse na E.M. Brás Flores eram promovidas, muitas vezes,
por iniciativa própria da instituição. Os passeios subsidiados pela prefeitura eram mais
raros e tinham um número muito limitado de vagas para participação dos alunos. No
entanto, em qualquer destas opções, a realização das atividades baseada numa seleção
de alunos. A coordenadora pedagógica da escola relatou em entrevista que, diante da
necessidade de se escolher os alunos, seguia-se o mecanismo que nos remete a
estratégias ligadas à meritocracia:
quando tem que pincelar, eu chego pros professores e vou pelas
notas, comportamento... Eu chego na cara deles assim na sala e
falo: “-Professor, se você tivesse hoje que dar um prêmio pra um
aluno que se saiu bem nesse bimestre, quem você indicaria
nessa sala?” Aí eles: “- Ah, eu, professor!”. “- Pega o seu diário
aí, vamos ver.” “- Fulano.” “- Fulano, você está sendo
convidado a ir comigo pro salão do livro”. Aí: “- Ih, caraca! Me
leva aí.” “- Não. Você melhora a sua nota que no próximo você
vai. Todo o ano tem.” Aí eu faço assim aí eles ficam mais
ligados (...) (Coordenadora Pedagógica, E.M. Brás Flores).
O mérito como princípio de seleção consiste num mecanismo utilizado na escola
de maneira naturalizada e usual, atrelada ao desempenho escolar retratado pelas notas
dos alunos e pelo comportamento, classificado como bom ou ruim.
Uma das justificativas utilizadas para a meritocracia ligada à disciplina
(avaliação sobre o comportamento do aluno), é elaborada no sentido do controle do
comportamento também fora dos muros da instituição, a partir da afirmação de que se
há mau comportamento na escola, também haverá fora dela, implicando até mesmo em
penalização da instituição.
Assim, os passeios – atividades extraclasse – eram concedidos aos alunos por
mérito. Na concepção da escola, refletida na fala da coordenadora, tal mecanismo
atuaria no sentido de incentivar os alunos a buscarem bons resultados em prol de serem
recompensados. No entanto, na fala de uma professora ao explicar o processo de seleção
para a participação nessas atividades, surge um elemento que se contrapõe à intenção de
“incentivo à melhoria do aluno”. Ela relata: “Vão os melhores, os mais bem
comportados da turma. Então, os outros ficam revoltados porque embora saibam que
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não se comportam bem, sabem também que os que vão não são „santos‟” (Professora
Ilka).
Tais aspectos vão se configurando nas representações sobre a escola. Seus
processos de significação se repercutem também nas concepções que os alunos
desenvolvem acerca de si mesmos no contexto da própria instituição. Vê-se esta relação
num evento de fala que reflete esta dinâmica quando uma aluna é questionada pela
pesquisadora sobre o motivo de não estar participando de uma atividade extraclasse
promovida pela escola: “Porque não fomos escolhidos. Devemos ser os piores.” Risos.
(Suzi, 8º ano).
Esse fragmento de fala demonstra que os alunos têm consciência do critério de
seleção usado pelos professores e que isso denota uma significação do processo e de
seus “atores” no contexto das relações pedagógicas. Com base na afirmação: “Devemos
ser os piores”, infere-se que o aluno começa a assumir para si uma designação baseada
numa rede de significações construída mediante as práticas escolares.
No entanto, mesmo diante deste contexto prescritivo e impositivo, existe uma
resistência e rejeição de alguns professores e alunos que embora acatem as decisões,
manifestam em palavras e em (re)ações descontentamento até mesmo indignação. É o
que revela a seguinte fala de uma professora:
Quando é assim, a gente dá aula, mas nem passa conteúdo.
Alguns alunos nem vêm porque ficam revoltados por não terem
sido selecionados para ir ao passeio... Eu sou contra esse tipo de
coisa. Pra mim... Ainda bem que não pediram pra eu escolher
dessa vez, porque eu fico dividida (Professora Ilka).
A “revolta” mencionada pela professora indica que o sistema de mérito não é
compreendido pelos que não foram contemplados como incentivo para a melhoria, mas
sim como discriminação, gerando inconformismo. Essas medidas tomadas pela escola
soam como impostas e estanques ao processo de autêntica participação do aluno.
Em analogia à Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire, tem-se a concepção do
papel da liderança na alienação de seus liderados, quando não promove um fazer
autêntico, que permita a conscientização crítica de seu estado atual, a fim de que
possam se munir de ferramentas para a mobilização de uma autêntica mudança:
[A liderança] instala, com este proceder, uma contradição entre
seu modo de atuar e os objetivos que pretende, ao não entender
que, sem o diálogo com os oprimidos, não é possível práxis
autêntica, nem para estes nem para ela. O seu quefazer, ação e
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reflexão, não pode dar-se sem a ação e a reflexão dos outros, se
seu compromisso é o da libertação (FREIRE, 1987, s/p).
A “liderança”, aqui, será tratada como escola e os “oprimidos” como alunos.
Observa-se, na proposição de Freire, que uma ação sem reflexão conjunta entre as
partes envolvidas numa relação hierárquica não pode promover a libertação. No caso
em estudo, uma prática dialógica permitiria uma negociação em que todos os alunos
fossem beneficiados sem distinção. Ao que parece, através de práticas discriminatórias,
exclui-se ainda mais o aluno que fracassa em detrimento da valorização daqueles que já
“brilham” em seu desempenho.
A atividade extraclasse também assume, em determinados casos, um papel de
“redenção”. Tal fato foi observado numa reunião de Conselho de Classe, na qual foi
apontado mau comportamento e baixo rendimento dos alunos de uma turma em
específico. Um dos professores perguntou se essa turma já havia saído para algum
passeio didático-pedagógico naquele ano. Outra professora respondeu que não. O
professor, então, sugeriu que à turma que apresentava os problemas mencionados fosse
oportunizada uma atividade extraclasse no intuito de se propiciar condições para maior
envolvimento e desenvolvimento dos alunos. Todos os professores concordaram,
porém com a ressalva de que os mesmos estivessem cientes de que “não mereciam”
participar da atividade, mas que a escola estaria “investindo neles em busca de dar-lhes
uma segunda chance, um voto de confiança” no intuito de se buscar melhorias no
comportamento e no desempenho escolar destes alunos, cujos conceitos globais eram,
na grande maioria “R” (regular) e “I” (insuficiente) (Notas de campo, 2009).
As questões relacionadas à tríade disciplina-desempenho-mérito perpassam o
cotidiano escolar, fazendo com que os alunos tenham um juízo de valor sobre si a partir
das possibilidades que lhes são oferecidas ou renegadas. Em contrapartida, constrói-se
também a imagem da escola onde se estabelecem “postos de merecimento” em
contraponto ao lugar de desdém.
Nessa constante dinâmica entre escola e aluno, as representações se constroem,
refletindo-se em imagens. Esse movimento se estabelece num processo de espelhamento
conduzido pela reflexividade constituinte dos processos de significação e construção de
sentido nas interações face a face.
Considerações Finais
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O estudo das representações sociais da escola sob a perspectiva do aluno retrata
dimensões importantes da rede de significados que compõem o ambiente escolar. A
etnografia de sala de aula possibilita e enriquece a pesquisa educacional no sentido de
promover uma visão mais acurada e pormenorizada do contexto, na medida em que
prioriza a fala dos sujeitos pesquisados como fonte primária de dados e como fio
condutor das análises.
Os desdobramentos da pesquisa refletem uma concepção da escola sob uma
perspectiva do aluno contemporâneo que aponta para desafios que se configuram como
prementes na discussão sobre a Didática no panorama atual e as implicações nas práxis
educativas.
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