as relações estéticas no cinema eletrônico | 1996 | pedro nunes | parte 3

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Análise do filme A Última Tempestade "Prospero's Books" (1991) dirigido por Peter Greenaway. Estudo sobre as relações entre palavra, imagem e tecnologia; arquitetura sonora e relações cromáticas do referido filme. Destaque para o processo de tradução tecnológico, processo de edição polifônica e a sensualidade do significante em Prospero's Books.

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Edufal

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,lg: :; ;llllli:ll

A FURIAr

POÉTICA DOSSIGNOS EM ú

ULTIMAP'

TEMPESTADE{lsu sow conto ulit rto file conttltua a correr.

canettgattáo as amores que crescem perto áosbancos, carcaças a6attáottaáas e as variasEspécies d micrõ6ios que 1) ottleram em suaságzlas. 'Zzí assomo lzlÚo isso € co#lÍauo em meucaminfio. " ©icasso

Antecedendo ao filme A Ultima Tempestade(1991), dirigido por Peter Greenaway, há um texto verbalaltamente iconizado. O filme é uma espécie de duplonão mimético e profundamente espectralizado. Trata-sede um diálogo intersemiótico onde a matriz verbal, quefunciona como uma espécie de referência, possibilitatranscriações igualmente originais em outros suportescriativos. No caso, o filme A tlltima Tempestadeconsiste numa espécie de refração criativa, podendo serconsiderado como um processo genuíno de transmutaçãosigníca. Essa passagem, que se efetiva pela via doprocesso criativo, do texto literário A Tempestade(1611) de William Shakespeare para a construçãocinematográ6lca, é o que Jakobson muito bem denominoude transposição intersemiótica."

D Acerca do processo de tradução criativa dalítet'atura para o cinema, Bernadette Lyraa.&rzrla que.: "lya transposição de uma obra

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l)crccbctnos neste tráfego entre linguagens de umlligl) ;i outro um movimento circular de

.. l liitgu;tgcm, de ação, procriação e semiose dos signosI'll'. })cla regência composicional de Greenaway, guardamin;i relação sedutora com o original, ruas que tambémirrcgam diferenças c violentações de mterprc'taçãc)

li'mítica, de articulações da sintaxe e de reinvenção (lainvenção tão somente permitidas na esfera das procluçócsartísticas estruturadas sob a dominância complexa clotgno estético."

Ainda ao estabelecer relaç(5cs transversais com oobjeto literário, Grf-naway edifica assimetrias sonoro.visuais e materializa, por meio de seu olhar abdutivo.uma simbiose com n texto original e, concomitantementeestabelece uma ruptura estética, tecendo um cantopolifõiiico que não disseca a sua referência, ao contrárioenriquece-a ao estruturar uma nova constelaçãomelódica de significantes, que mantém no filme o caráíer}iternporal e futurista da peça shakespeariana.

Desta forma, o objeto fílmico, entendido comaproduto de uma cosmovisão sincrónica peculiar docineasta e também como resultado de uma trama demediações intersemióticas, é num certo sentido. infielao objeto literário que toma como referência, porqueevidentemente traz à tona procedimentos específicos docódigo cinematográfico, tais como inusitadosmovimcntos de comera, dissolvências, simultaneidadessonoro-visuais, combinação pontuada e ritmada de

imagens que se articulam plenamente com o diagramasonoro, recriação da atmosfera cenográfica, ênfasecriativa na utilização cromática das cenas com seus sutismecanismos de iluminação, movimentos precisos deatires do interior de cada quadro ou sequência evanaçóes em torno do tema. Tais procedimentos sãoresponsáveis por edificar, a partir das qualidadeslconicas, um tecido vítreo e estereofónico. Trata-se deuma infidelidade criativa porque o objeto filmico AUltima Tempestade presentifica uma nova roupagemestética exibindo uma nova politextualidade semióticaA esse respeito Júlio Placa faz uma interess,nteobservacão:

literária para o cinema, pesadão sobre o filme:enquanto produto de tradução, circunstânciasdo histórico cinematográfico, do carátcr dalinguagem específica do meio e das inevitáveisflutuações referenciais ocorridas.P» /n.: .,4 Né2z,e

E.xtravzada. p.54}4 E interessante observar que .4 \'} !imaTempestade enquanto processo de criação é umaobra de teve como preocupação respeitar ascaracterísticas do original) sobretudo (quantoao aspecto vet'bal da obt'a. (rfeenau'ay, noentanto. mantém criativanlente a estruturabase de ,4 Tempestade e, injeta a sua concepçãocriativa na opta. desenvolvem(lo iltl a estruturaparalela acerca dos livros de Pt(áspero qtle entraem diálogo com a a obra de Shakeaspeare}formando um s(b corpo estético. 'Farto que) otítulo ot'iginal do filete, etlt respeito a obra, éProspera's Books col }o fornta (te tesguardat ooriginal. Soft'e essa relação de' tfanscriação daliteratura pata o cinema (;é'raro Betton entendeque 'cu fidelidade à obra original é rara , senãoimpossível. lCm primeiro lugar, porque não sepode representar visualtncntc significadosverbais, da mesma forma que é praticamenteimpossível expi'emir com palavras o que estáexpresso em linhas, formas e cores. Emsegundo lugar, porque a imagem conceptual,que a leitura faz nascer no espírito, éfundalmentalmente diferente da imagemfílmica, baseada em um dado real que nos éoferecido imediatamente para se ver e não parase imaginar gradualmente.» .F prosseguea/7.amando; «Na maioria dos casos, atransposição para o cinema é uma re-criação:o tradutor - além da escolha fundamental quese impõe - realiza uma obra pessoal emanifesta-se não como "ilustrador", mas comoum verdadeiro Criador...z»./ã.: Ei/alfa do C'íH?ma.

pp. 115 -í16 e lí8 -119.

bâ operação tradutora como trânsito criativo de

in&Ha&etts nada tem a uer çom a fidelidade, poiseLa cria SHa t)róPria verdade e nma relaçãofortemente tramado en re se s diversos momentos.

-u seus, nttrc l)rebente-Passado-jHtKto, lugar temi)olide se processa o movinetito de tra sjormação de

esttuti4ras e etJetitos." 8s

" Joio Placa. Sobre Trad#Íão Intltstmióliça. p.3.

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A U//zma Te/#pei/adf, é então, um produto artísticoresultante dessa batalha dialógica e transformacional dosigno, de modificação de estruturas verbais queimpregnam-se da visualidade, da trepidação epifânicasonora associada ao cromatismo instigante das formassuperpostas e dos livros eletrânicns" que também setranformam e transbordam na tela. A infidelidadecriativa, neste caso, configura-se pela ação incisiva emetamorfoseante das idéias quc amuam também sobreidéias vivas de um tempo passado e qut' sc rcatualizamnum outro corpo semiótico(o filme), ainda mais abstrato,opaco e instável pelo logo intenso dc analogias e pelamaterialização de novas semelhanças qualitativas. Assim,G reenaway trava um intenso diálogo contemporâneo comdois momentos históricos: o passado renascentista e,sobretudo com a mitologia clássica. Busca em épocasdistintas, correspondências com o mundocontemporâneo através de uma obra que quebra inclusivecom a lógica de cinema tradicional. Neste caso, a ficçãocriativa se entranha com aspectos sincrónicos ediacrónicos da realidade histórica e também promoveum inteligente deslizamento entre arte, ciência e a próprianatureza dinâmica e encantatória do conhecimento. Pelo

gesto ousado da criação, as criaturas alegóricas quepovoam a obra de Shakeaspeare saltamtransposicionalmente do mundo literário da Renascençapara uma situação particular de cinema(realidade fílmica)produzida tanto com recursos tradicionais dacinematografia, como com a utilização das tecnologiaseletrânicas de alta definição interconectada com ossistemas numencos.

Neste sentido, o filme enquanto construçãosignificante estabelece um movimento de duplo sentido.Tanto promove um retorno ao passado através de umolhar tradutório embalado propositalmente por

dcsconexões Caleidoscópicas e instabilidades. como

consci©nte dos sistema elctrânicos, pela exploração dcrecursos do inconsciente ou mesmo pela instalaçãovirtual de inúmeros pontos de fuga. Seguindo esteraciocínio, a arte do passado e a arte do futuro, sobretudode um cinema inserido em um processo detransformação, se entrecruzam numa tessitura paratáticaque instaura o lugar da virtualidade, da Circularidade eda vertigem

Assim, Greenaway, situado num tempo presentede transitoriedade, navega transgressivamente em direçãoà Shakespeare recuperando singularidades poéticas desua obra e simultaneamente imprime uma conexãocriativa com a eternidade adorando deliberadamente umapostura estética que envolve conhecimento, talentoImaginação e sensibilidade

l)esta maneira, o direíor, enquanto sujeitoconsciente de seu papel de cineasta-pintor, elabora umaarmadura fílmica exógena a partir de livres correlaçõescontextuais e do cruzamento de códigos distintos.

A obra filmica, como resultante desse processo deintervenção criativa gestada pelo complexo mecanismotradutório, realiza um diálogo de Culturas e tambémestabelece uma conexão com aspectos não aparentes dotexto objeto (a obra literária) recuperando por assimdizer, modos de intenção do autor c, ao mesmo tempo,indo além dele. Portanto, o filme, como produto de umolhar tradutório holístico que descortina o original,produz a autonomia do signo, visto que

''b'''n''

incorporaqualitativamente traços do texto objeto, não maisrepresentando o obleto que tomou como referênciaatravés de um processo particularizado de construção.

E necessário enfatizar mais ainda que ao promoverrelações estéticas autonomizando o signo indicialclnematogránico, Greenaway elabora feixes de signos que,conforme nossa concepção teórica, adquirem uinndimensão qualisígnica capaz de dialogar plename.lte comoutras classes de signos que formam o corpo da obrafílmica aqui estudada. Essa acepção peirciana do signo

K A concepção criativa dc .A Ultima Tempestadeestá elaborada a partir' de uma visãohipermídiq sobretudo os livt,os de Própero quesc matei'balizam em forma de bricolagemeletr6nica.

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que ora designamos de signo estético, se coadunaplenamente com a função póetica da linguagemdesenvolvida com profundidade por Jakobson ao longode seus estudos itcadêmicos.

A aplicação da função poética, no que diz respeitoà instauração de variáveis icânicas no filme A UltimaTempestadade, confere a obra de Greenaway umaespécie de materialidade dos signos e da próprialinguagem. Essa materialidade se constitui pela própriaautonomia estética que o filme ganha em relação ao seuoriginal, particularmente as quebras diegéticas com anarrativa literária que se transmuta em sua totalidade oumesmo nos recortes metonímicos, articulaçõescromáticas, indumentária, coreografias, cenografia e naprópria edição-montagem.

O resultado dessa operação crítico-construtiva éuma narrativa fílmtcít reverberante, muito maismultifaccta e esteticamente ruidosa, isso tendo em vista

os processos dc escolhas, selcções e associações extratextuais exploradas pelo diretor/tradutor. Ainda acercadessa materi;Llicla(lc cl.) significante p"ético, leão Batistade Brita observa quc

Um exemplo dessa força I'ransformadora do signoe também da materialidade do signo e da próprialinguagem, está no gesto transcriativo de Greenaway emrelação a Anel. Em Shakespeare, Anel, associado aoelemento ar/vento, é apenas um pernonagem. No filme,o anjo ruivo e cantor Anel é também um espíritocontorciomsta que realiza acrobacias circences no ar e.em solo, está materializado conotativamente em váriospe'sonagens. Na verdade. cada um desses personagens/espantos que auxiliam Próspero (John Gielgud), quasesempre em forma de tríade, compõe uma faceta poéticae metafórica atribuída pelo diretor a Anel criança, Aneladolescente e Anel adulto. Essa fusão de tempos podetambém ser lida como uma alusão às escalas temporaisque se fundem, que se diferenciam ou mesmo que serelacionam a determinado estágio da história ou mesmoda vida. Uma das faces da personagem Uno Anel éinterpretada por vários personagens, ou sela, opersonagem de Anel adolescente compõe se l)or um logode dois personagens adolescentes. Desta inancira umpersonagem quc sc pr')lifera em outro personagem ganhítuma nova vida estética no filme. Soincnte em algunsmomentos do 6ilmc o Anel Uno aparece não em tríademas em quádrupla, estando assim associado maisdiretamente aos clemeiitos da natureza

Esse )ogo matcrializante se manifesta naconstrução fílmica cm difercntcs níveis. desde emengendramentos mais visíveis até mesmo em detalhesrninimos significantes que valorizam ainda mais a obrafílmica a exemplo de: no diagrama sonoro superposiçãode som ambiente, incorporação de ruídos na trilhasonora, canto de pavão, pássaros e de galo, amos quepontuam a fala de Próspero, canto lírico que abraça somminimalista, fala metalizada ou sobreposta de Prósperoque rama)ém fala por outros personagens, riso de Anelcriança que se funde }io som furiosa da lempestadaderro\ões que recriam na ficção uma atmosfera realista e

assim sucesstvan\elite. Na verdade, tal edificação result.lna exp''s'ção de elementos significantes isotópicos quevalonz;tm a estrutura fílmica, conferindo materialidade;lo signo em sua totalidade e quc, ern algumas vezes,ape"as encontram-se sugeridos no texto original oumesmo inexls tem

A impressão cite Pci.çs- o filme de (ireetian'aO é cl

de i4mü nbrü udioi tsnul p,tirada pelo princípio damalentlLidade, na medida em file fila oPç:iu PeladesdramallR.tição" d. tenta de Shükespeare,

ressalta, exalamente. potencial " m üLenaliRante" da

Digamos qne a !ranslorm ção de Greenawa'p sobreo texto da peça se caractedqa por nma tendênciade JiXir do diegétiça. em direçã« ao lsotóPico..." ''

#Z./oão Bar/sía de Br/'ío. A Ultima Tempestade:t.Jma visão bachelardiana de Shakespearc?. /ni'O Norte. Segtlndn Caderno. Joga Pessoa.11.09.92. p.ll. Neste ensaio o atltot. discute anoção dc !llaterialidade e isotopia a partir aconcepção de Bacl)elafd e aplica estesconceitos ao fim)e de Greenauay.

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l õl- . / l.-i 'i;i sc desnecessário enfatizar que tanto. ..l.i« llt. l .iil" (t)mo a obra fílmica são, respectivamente,

..l 1--.-..- m')numentos artísticos de criação e de1. ' iiü-..i-. l-:tn relação a Shakespeare, A Tempestade iíl ...-.ii traços diferenciais de suas obras anteriores, tais

,in , cortes de temporalidade e mudanças de locacõesrt'pcntinas, o que inclusive rompe com as convençõesdramáticas de sua época. Particularmente, nessa obraem questão, o autor expressa tacitamente o avanço desua concepção de mundo revelando a mutação de seupróprio pensamento e também a sua cosmovisãahumanista de um homem que, pelo caminho da ficçãoliterária, promove um encontro mágico entre arte eciência aliado a uma inquietude para indagar sobre aforça dos fenómenos da natureza.

No filme, todas essas questões que marcamespacialmente o universo significante da obra literária,são levadas ao paroxismo inventivo da criação e daexperimentação pela ação demolidora de Greenaway, quemarca a história do cinema com uma nova estéticaeletrónica;' capaz de desfigurar e enriquecer o própriocinema em sua acepção clássica.

Assim, igualmente na narrativa literária, o

imponente Próspero, ex-duque deposto do trono deMilho, provoca uma tempestade artificial com auxílio deseu fiel escudeiro Anel, após doze anos de exílio,

para sabiamente se vingar de seus usurpadoressobretudo de seu irmão Antonio e de Alonso. rei deNápoles. Próspero, }tlém de sua filha Mirando (lsabcllePalco) e dos espíritos quaternos associados aoselementos naturais (água, ar, terra e fogo), tem tambéma companhia dos livros de sua biblioteca pessoal,hipoteticamente imaginados por Greenaway como sendovinte e quatro, trazidos por Gonzalo, conselheiro do reiAlongo. Mas o clima de vingança paulatinamente vai setransformando em conciliação conforme delineamentoda obra shakt'speariatia, graças ao espírito de inquietudee maturidade do mago Próspero, que esbanja sabedoriapor meio de seu personagem mutante. Esse espírito deconciliação inovadora e refinamento do saber tambémse instaura nn mago Greenaway, que executa tão bem oencontro da literatura com o cinema. do cinema com astecnologias cletrónicas e da intricacla interação entrepalavra e imagem

n

a

Palavra, imagem &;

tecnologia

A primeira imagem de A Ultima Tempestade éuma gota de água que cai sobre a própria água com oseu equivalente acústico. Essa mesma imagem seIntercala mais duas vezes com os letreiros iniciais para,logo na cena seguinte, ser materializado ao espectadorum plano detalhe de uma mão que se desloca e escrevepalavras esculpindo caligraficamente letra a letra. Aimagem cinematográfica da escrita também possui oseu correspondente sonoro na voz de Próspero, querepete de maneira solene o que esta sendo escrito.

Esse início do filme não é o inicio de ATempestade: refere-se ao trecho do diálogo de Prósperocom sua filha Miranda acerca de seus livros trazidos parao exílio. Essa mesma imagem-detalhe, da palavra escritae oral, também se alterna com a imagem sonora da gotad'água que cai como prenúncio associativo da cena

88 Coam este posicionamento não quero afirmarque .4 última I'tmpcstade seja ( pioneiro naadição de unia estética eletrõnica. O filme,apenas se coloca como uma proposta pioneirarla utilização da tecnologia de alta definiçãoconjugada com a informática e se consolidacomo uma construção significante realmenteinventiva de cinema. .4 Ultima 'fempexiade é umaespécie de antevisão sul g.etxet\s desse cinemado futuro que, necessat'lamente, dialogará deforala muito anais intensa com toda tecnologiadisponível no futuro. Realizador'es que aindaestão fora do eixo con)etcial do cinema têmexperln)Cotado, de maneira dlvetsa, todas essaspotencialidades e gania de possibilidadespropiciadas pelas novas ferramentaseletrânicas analógicas e digitais.

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I'---lrii')r, t) l,ivro clip .'\gua, colas p;iginas tluc \-irítmitllomíiticamente são ilustradas por supcrposiçõesclclrânicas, grafisinos, textos, desenhos envelhecidos.detalhes da mão de Próspero, com janelas (luc scmetaforseiam no interior da própria página, tendotambém ao ftmdo um plano-sequência que se rcvcza comimagens da :água. Trata se dc uma verdadeira profusãode imltgens e pítlavras, dc planos st)brep(]slos c dccnm;idas complexas de siilificaTltcs que, iia voz dcPróspero, anunciam a criação magica da tempestíldc';itraves (]o Livro da Agua.

Essa será a tónica de A Ultima Tempestade, adc provocar cstninhezas ao enlaçar sedutoramcntc ap;tlavra c a imagem, Éio especializar iconicamcntc o textocn] seu sentido escrito ou oral e ao transcria-lo compoder das metáforas. Como vemos.(}reenaway promoveintencionalmente um revés na csfera da linguligcmcinemíilográfica. valorizaítcl{) com clo(ltlência o sistemavc rbal ilutnii cotnposiçãí) ;lcentuad;imenfe visual de idasc vindas em relação ao original. Essa luta pela palavracom raladas tecno-eletrânicas é cxpltcada pelo próprioG reenaway da seguinte forma:

Esse esforço cxplícilt) clc' a(luilíitar a palavra pnrmeio da conslruçfií) dc semelhanças qualitativas étambém um esforço do tutor quc sc rcvcla lia estruturasignificante de coillugar, clc maneira gozosa o verbal e onão-\-crbal. Snbrnios que, sc'in cair no maniqueism') dasteorias reducionistas c também levando) sc em conta as

diferenças entre cada forma específic;t de representar, ofilme faz esse casamento perfcito. c não oficial, entre overbal c o fino-verbal. dcíní)iistraildo que cases sistetnasdc rcprcsentaçaí) ilao s t) cslali(lucs como t;llvez sc possaim;iginar. ' I'articulam-iilcnlc. essa rcctt})cração da palavranu mcsint) la imigração entre a palavrít c a limarem, tem;c moslriiclo com a)grama frc(luência em propostascriativas produzidas cm sistemas audiovisuais cada vezmais híbridos como o vídeo, o suporte holográfico c acompurnçã') gráfica, onde sc pode experienciarcx-ustlvamcntc ess;i busca da imagem na palavra c viccversa

A pt)esta também sempre foi um terretto tnuitofértil para esse tipo dc exercício. 13asla nl)servarmoscomo exemplo a poesia dc (;eorg 'l'rakl '' que, comlatia sua carga metafórica e com a exploração de

[)rospero's \3ooks é m fí me sobre "tpoçê é a qlíe

peço Lê". Somos todos rodiitos de nossa educação,de nossajormação tule rcll, que é mnüo percebidaPelo texto. O iexlo é tã desesperadamenteimportante neste fume. Todas as maXens surgemdo !inteiro de Prósl)ero. como se fosse uma cartola,;om e mágico tirando Lenços, imag,em afãsbm agem . ' ''

a

9a Zúc/a Sanrae.//a em Palavra, Imagem &.

Enigmas /n/c/a o seu fexfo comi duaspera/.nenres /nqu/erafões.: «O que há deimagem na palavra"e ''O que há de palavrana imagem"- Por J7m, /essa/la.. í'Palavra eimagem não são mais o que os iluministassonharam que fossem: meios transparentesatravés dos quais a realidade se apresenta àcompreensão. Elas se tornaram tãoenigmáticas, problemas para serem decifrados,quanto é enigmática a realidade que, semprecom certa distorção e ambiguidade, elasntentam representar."/n; Rez,/i/a da U.fP n./á.

PP.36-37.

'' Sobre a poesia de Georg Trakl conferirbrilhante estudo de Modesto Carone, !üetálorae Montam.em. São Paulo, Perspectiva, 1974. Oautor,amparado na complexa noção demetáfora e no conceito de montagem deEisenstein, analisa poemas de TtaklidentiGtcando visualidade, siaestesias, a cor eo própt'io processo de montagem do poema.

A palavra está marcada e constituída no filme cotauma potente plasticidade pictoral, conseqíientementeimpregnada de visualidade diagramática que seintercambia e se justapõe aos diferentes códigos e subcódigos de A Ultima Tempestade. A palavra é entãoexplorada e combinada desde o seu nível simbólico atéa sua dimensão quali-sígnica.

89 Entrevista concedida por reter Gteenaway.â .AZar7ene Ro(/gefs. Prospero's Books - Wordand Spcct3r\e. ]n: Fila Qparteb vo]. 45 n. 2. p.15.!Ttad. Jogo Folttan}.

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dcscontinuidades do significante imprime ao poemasonoridade e toda uma carga virtual de imagem. Mesmosem precisar ir muito longe, o movimento da PoesiaConcreta no Brasil, tendo como principais articuladoresHaroldo de Campos, Augusto de Campos, [)écioPignatari, materializou de fato essa visualidade esonoridade no poema, seja pela apresentação/disposiçãotextual do significante ou pela capacidade de evocar ousugerir visualmente significados,': Como podemosobservar, trata-se de diferentes concepções que renovamo uso da palavra, construindo um texto visual comsoluções gráficas, espelhamentos, ritmo, movimento eson o rid ad e .

Foi percebendo esse potencial da poesia quemuitos autores, a exemplo de Eisenstein e Tinianov,procuraram associar cmema e poesia nesta perspectivade poder trabalhar o ritmo e a métrica, ou valorizar apalavra, imprimindo-lhe uma sonoro-visualidadenecessária para um cinema de natureza poética.

A solução encontrada por Greenaway foi)ustamente essa, a de buscar na poesia, de escavar apalavra, de expó-la ao espectador através de suasdiferentes formas escritas (estáticas ou em mowmento,manuscritas ou em corpo eletrânico, grandes oupequenas e com diversificação de fontes) ou ainda nasdiferentes formas orais, materializada com auxílio desofisticada tecnologia de pós-produção de áudio.

A palavra em A Ultima Tempestade tem a forçadas imagens e interage com as imagens e o som. Namedida em que o protagonista escreve, as palavras-imagens se transformam em imagens. As imagenspropriamente ditas, por sua vez, carregam também uma

força textual, visto que são releituras e também seconvertem em texto-imagem. Aml)as, palavra e imagem,estão contaminadas pelo olhar da impureza. ou melhor,pa[avra e imagem estão lambuza(]as uma pela outra.ainda que possuam a sua autonomia nesta experiênciadesarticuladora e misógena

Uma das preocupações centrais (lo Gilmc é exploraras variantes da palavra, destlc t) sai cílráter maispuramente simbólico, onde possui a foro;i dc lci c deprecisão, até caminhar dialogicamcntc ao sai c'xtrcmo,materializar a palavra numa condição dt ícone capaz dctocar os sentidos e irradiar o conjunta) da {)brn. Não é àtoa que Greenaway pontuou relaclonalincntc íi obrashakespeariana com diferentes livros quc c'stabclcccmmarcações com a narrativa textual e. cm algumas vezes.esses livros encontram-se relacionados com a entradade personagens em cena.

Na passagem do deslocamento cm /r«f'r/fn,q dcPróspero com traje vermelho e Mirando com r{)u})asbrancas para ver o espírito anfíbio (:aliban associado ;ioelemento terra, assistimos a uma cena entrecortada com

a agressividade de tomadas, onde livros sã.) rasga(1{)spor faca, manchados por urina e massa vc'rmclha. Apresença de Caliban (Michael Clark) é anunciada peloLivro da Terra, cujas páginas, segundo a dcscnção deT) ló pe ro , " são impregnadas de minerais áridos. setuai, bálsamosr d# ad/í/'afaz Za /frf,z".93 As imagens das páginas desselivro são compostas por textos e ilustrações dc terra,rochas, sementes, pedras, animais,dcscnhos c pmturas,e se transmutam rapidamente em novas páginas. Aindanesta mesma sequência em que ])róspero escreve o queestá sendo materializado para o espectador, vemos umamão que escreve, a fala superposta eletrânicamente deCaliban e que se funde a imagem do mesmo jogandolivros em cima de um rochedo, com seus movimentoscorporais sincopados.

12 Sobre a visualidade na poesia consultar'Philade.lpho }Wenezes. Poética e Vis#aiidade. UmaTrayelóda da Petsia Visual Brasileira Centenporânea.Campinast Unicamp, 199]; ou aindaPOEMOGR 4F1-4S: Perspectivas da Poesia vis a/?or{ g esa(Ofg.} Ferrando Abalar e SilvestrePestana. Lisboa, Ulmeit'o, 1985, uma co.lctâneade textos sobre o assunto e poemas visuais.

93 Fala de Próspero no âlme repottando-seao livro da terra.

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Greenaway faz assim uma ação combinatóriacomplexa entre palavra e imagem para produzir múltiplassignificações, demarcando o estilo de seu processocriativo. Analogamente, trata-se da Babe] vislumbradopor Jorge Luis Borges, agora materializada pelo pinceltecno-cinematográfico. Dito isto, os livros no filme sãocompostos não só por textos, mas por texturas multi-coloridas em movimento, como no Livro das Cores. ouainda por animações de inscrições rupestres, desenhosde estudos de Da Vinci e Muybridge, fotografias,maquetes arquitetõnicas cm papel, esquemas, diagramas,fórmulas matemáticas. ilustrações de geometria eanatomia,, etc

Neste sentido, o dirctor transporta ao cmema umaconcepção multimídia com o auxílio da eletrânicaanalógica e digital. A palavra nesses diferentes livros estáesteticamente marcada pela ação da visualidadesonoridade, cor e movimento. Esses livros hipotéticoscriados pelo cineasta formam uma estrutura paralela nanarrativa cinematográfica que, conforme ií enfatizamos,dialoga com o texto base A Tempestade. Essa estruturaconversacional nos mostra as transmutações dopersonagem I'róspero e também introduz naves ações etemas. E o caso da cena do primeiro encontro de Mirandocom Ferdinando. Esse encontro é permeado pelo Livrodo Amora', aberto pe]o gênio infantil alado, e que possuiapenas imagens mitológicas. A sequência desse encontro,que se apresenta como uma tela de pintura movente, setranscorre em uma paisagem que mescla primavera coutono, num ambiente cênico onde se ressaltam colunase arcos arquitetânlcos, composto meticulosamente alémdos dois jovens, por Próspero, Anel adolescente que estásob uma bola, carpas nus de homens e mulheres e porcupidos quc fingem observaro acontecimento. O quadroem plano gc'ral é recortado por sucessivas tomadas emplano aproximado quc etlfatizílm os contrastes de coresfortes e suaves da rt)up;t dos personagens, e do cenáriobucólico acentuado pela profundidade dc campo. Essa

tela do amor, fanada por diferentes planos e ângulos, ép{)ntuada ao final pelo som do canto de um pavão, dandolugar ao próximo livro: Um Bestiário de AnimaisPresente, Passado e Futuro

O filme, por sua proposição labiríntica e formaçãoestilhaçada, pode ser comparado a uma espécie deenciclopédia hipertextual, onde o espectador, diante deestruturas flexíveis, escolhe o seu percurso de navegação.Um percurso evidentemente virtual pela própria naturezado suporte em que o filme pode ser habitualmentevisualizado: vídeo ou cinema. Esses sistemas derepresentação são por natureza lineares. Somente asconstruções estéticas estruturadas sob a dominância doícone nos sistemas de representação linear queconseguem auferir essa liberdade de tráfego na obra porparte do intérprete, justamente pela natureza complexado signo estético, que produz virtualidades.

Assim, nos sistemas de representação lineares nosquais a estruturação da mensagem é feita pela sucessãocontínua de signos, a interatividade torna seabstríLtamente concreta, sobretudo nas produções den«turczaestética que simulam a complexidade não lineardo pensamento. Nos sistemas não lineares, a

interatividade ou mesmo a navegação lá são possíveisao nível simbólico. O p')der da virtualidade se efetivamuito anais nas produções de cunho estético.

Mas essa discussão apresentada acima tem comopropósito enfatizar toda carg;t de virtualidade e,conscqüentemente, essa possibilidade de navegação emA Última Tempestade através de um cursor imaginário.Greenaway transplante com o necessário rig( r criativoprocedimentos da er parados-a/. onde presenciamos umalto nível de resolução técnica da mlagcm, estocagemilimitada dc informações, de recriação permanente einstantânea da imagem. ger,ndo un) processo demetamorfose, ou mesmo de absorção ou eliminação do

A IJltima Tempcstade é uma espécie de olharinquieta do cinema para os processos não lineares, paraurna outra natureza de imagem sempre aberta àIntervenção. A busca rigorosa no })otencial dastccnologias eletrónicas resulta cm lim cinemít m\fito mais

real

A descrição de Próspero para o Livro do.,'lnlof é a s 'KU/nre.: ''Fitas trancadas marcandosuas páginas. llá uma imagem de um homeme uma mulher nus. O resto é conjectura.:

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denso esteticamente e muito mais maleável enquantoestruturação sígnica. Neste caso, o tratamento criativoda palavra no cinema tornou-se mais fluido com osuporte vidcográfico e as tecnologias digitalizados.Também é lmp{,rtante enfatizar que, ao abraçar sistemassígnicos prc(lcccssores ao cinema, como a literatura, apintura, o teatro, a música, a dança, como também ossucessores p(3s-fotográficos como o vídeo, a HDTV e

os suporte's (digitais, Greenaway articula umacombinat(ária híbrida que inova a linguagemcinematográ fic a

Esse dcslocamc'nto da linguagem ocorre porque ocinema assimila pr-,ccclimentos técnicos que não sãoinerentes a(} c(;tligo cinematográfico, a exemplo decolorizaçõcs, inc ruslações dc cenários, complexosmovimento dt' câiilc'ra. eliminações de objetos ousituações indcscla(las. simultancidades de planos numúnico plano. corrcçl3c s dc luz, acentuação de detalhes e

assim succssiv-mciitc. /\ ;absorção pelo cinema de todoesse p( tencial d« clc-tn3ntca dc forma não subservienteresulta, scm dúvida, cm um deslocamento da linguagemcinematográhca. o cine'nla, tomando como parâmetroA Ultima 'l'cmpcstadc. muda a sua natureza porque,enquanto su})arte intcgrant(- dc' uma efa d aZy//fú, naopermanece alheio à fra p.zr.zda.xa/, das tecnologiaseletrânicas - prornoven(lo também um salto para opassado, à era da /aX/ralarma/. A renovação da linguagemse configura, dessa maneira, pela cntrada cm cena dasnovas tecnologias, que abrem um novo campo para ocinema voltado para a investigação estética. Kátia Maciel,referindo-se ao uso das novas tecnologias, ressalta umatendência no cinema que:

apropria das imagens virtuais para cdaf Hmaversão cinematográfica do tpirlKa!. Este çitiema

Leva as Últimas çonseqKênçias o neve teçnoLógtço*

nõo como m cliché a mais, mas como possibilidade

imagem. "; '

Como um objeto estético contemporâneo, AtJltima Tempestade, é um modelo dessa tendênciacontemporânea que não se deixa seduzir pelo jogo fácildas novas tecnologias. O filme, neste caso, é o lugar daencontro de suportes e linguagens, o espaço paramigrações e convergênciasa'. Nele coexistem distintasmodalidades artísticas, sendo assim um espaço deconjunções, intersecções e passagens dc imagens denatureza bastante diversa. Neste contexto, torna-secabível a afirmação de que a tecnologia dissolveterritorializações e promove o imbricamento dediferentes corpos, mobilizando inclusive diferentess ab e re s.

Ainda retomando a idéia anterior de que A UltimaTempestade, ao incorporar a tecnologia eletrõnica ofilme se apresenta como uma obra hipertextual, em Guiaestrutura labiríntica o espectador pode realizar um tra)etodescontínuo através de suas cadeias flexíveis. Essaespécie de enciclopédia cletrõnica de concepçãomultimédia é formada por estruturas sígnicas abertas,que se interconectam com a finalidade de evocarqualidades sensoriais e, consequentemente, trabalharcom a idéia de geometrização do pensamento.

-1111:::111:

g

potcnçiaLiqa d imagem cinematográfica através dareitu,então da própria lin&tlaXem do cinema. Ê o

:templo dc Deter GreetiaxvaJ em A UltimaTempestade, ntàliRa7zdo Hariet e o HDT\'' pararecriar a montagem do q adro na q adro,utiLI Rondo as nol as possibilidades tecnológicas l)araInserir o extra-campo no campo, seja no som ou naimagem. f...] Este rirem nãa é seduzido pelaleçnoloRia, mas, ao contrário, a sedn= E.Le se

91 Kãf/a .\fac/e/. A Última Imagem. In; /maEfmMáqtlina. pp. 256-257.'' Nelson Brissac ao discorrer acerca daintegração das artes, afirma que "este \ug.arde convergência é um espaço expandido " onde'b mundo das imagens e dos objetos deixamde se opor." Passagens da Imagem: Pintura,Fotografia, Cinema,Arquitetura. /h:' /maZfm

Máquina. pp. 240 e 242.

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. } ctticasl inglês Deter GreenawaO é l+m (!os (lide

mais se aproximam aa cúação, a partir &e cine«1.,àe ma estética diÚtal GreenawaD l-em mono«RITO

a cada tiouo filme nmü verdadeira ençicLol.édl l

audiovisual da arte çonteml)otan ea, no esPiTito dasexuberütites enciclopédias retzascentistas. ]. .. ] OsLitros de Próspero trattsformam-se assim em

programas de Hma enciclopédia di©tal, ottde dqualquer momento janelas çom síJns e ima&etts.

fotos,ra.Fias e animação são avivadas, numa diouisKal eletrâtiiço da alquimia, geometria,anatomia e metafísica ... renascentista: Louros (Xuese movem, pulsam e sangram. "?'

graças a trlduça{. tecno1(3gica efetuada comequipamentos dc ultitna gcfaç:ío (lc pós-produção deimagem e som

Originalmente pr''(luzi(lo c'nl película sob a direçãofotográfica de Saca:i Vic'rtit'y, A Ultima 'l'cmpestade éentão transposta para tccli l{)gia (lc :lha definição. Apartir dessa inicialiv;i (lc 1) ssaX(-m (l{, fotoquímico aoprocesso eletrânico, rccoinc'ç" t(.(l., liin ii''v') processode criação ou por assim\ (lizc'r {lc pias prn(luçail. tiiidc' a

tecnologia dc alta dcfiiitçÃo passa - sc r *(i',tira- ci]]Interface com os sistetnas dtgti;iis. /\sslstido })ortecnologias clctrónicas ,n«lr,Bica c' (ligit«linterconectatlas pelo sistema japonês lli Visit)n.Greenaway inicia (} processo (le metamorfose dt su;i ol)rapara) logo em seguida, remeter o somatono coinplc'tode imagens e sons de volta para o suportc fotoquímict). ''

O processo dc pós-produção se dcscilvolvcpraticamente a partir da conjunção de uma ilh l de ccltçã(computadorizada Paint Box interligada com uma l#'//é'/u

de edição para finalização propriamente dita. Na I'amtBox foi possível criar imagens inexistentes, realizar oLratametito de imagens captadas originalmente pelacomera cinematográfica e posteriormente teleclnadas econvertidas }io sinal digital para manipulação dc cores,maturações, inserção de detalhes. Ainda, foi possívelcaptar e retrabalhar imagens de fontes variadas(livros,fotos, desenhos...) através de uma comera de altadefinição acoplada a mesa coinputadorizada

Assim sendo, G reenaway monta uma enciclopédiacontemporânea, valorizando a própria complexidade doconhecimento c a sua possibilidade dt proyr)carmudanças de mentalidade. A Última Tempestaderesgata sabiamente as tecnologias avançadas e nosdemonstra, através de significantes oníricos, essaconjunção t'ntrc palavra, imagem e som. Neste filme,palavras com sonoridades que escorrem sob a tela, livrosque se multiplicam em imagens sobre imagens nummesmo plano e a profusão de imagens convidam oespectador })ara o uso da imaginação.

©:ã

A tradução tecnológicae o processo de ediçãopolifónica

98 Se, por un} lado, (;feenaway estabelece odiálogo do cinema com as tecnologias de altadeRlnição, Derek barman, pnr outro, institui ummovimento transposicional ao contrário,adorando a baixa definição comoprocedimento estético, Derek Jarman, quetambém adaptou livremente 4 Tempestade (1979)pa ra o cinema, em Diálogos .4ngeiicais (]985), quetem pot base sonetos de Shakespeare, filmaiaicialmete sua opta em super-8, transpõe paraVllS e posteriormente para 35mm. Dessaforma, o diretor consegue lançar no mercadouma nova proposta estética de cinema quecaminha na coatramão habitual do cinema. Ojogo de imagens abstratas, a lentidão narrativadas cenas, contrastes, embaçamento ptoposita]e pouca luminosidade conduzem Diálogos.'\ n#licais ao instigante universo da pintura.

A Ultima Tempestade como um espaço def#ro#/rol é constituído ainda por um outro mecanismotradutório : o tecnológico. Esse procedimento tecnocriativo transforma o filme num território de conjunçõese intersecções. Nele convivem harmoniosamente tecidossígnicos diversos que formam uma arquitetura híbrida

9z /s,.ana .Benres. A Enciclopédia Digital:inema n.l. pp 117-118.

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Todos efeitos computadorizados, como porexemplo as animações constantes em Um Livro daGcomclria, llist(;ria dos Viajantes, As Autobiografias dePasiphíls c Scmiramis, Anatomia do Nascimento, As 92Vaidades do Minotauro, O Livro da CosmografiaUniversal, o l,ivr{) dos Vialantes99, Um Livro dosJogos, O l,ivr.) d', Movimento'", ... e as adulteraçõesc colorizaçõcs cfctuadas com paleta digital, foram

comandados por Eve Ramboz e, transportadas, atravésda conversão do sinal digital ao an:ilógico para a la'//róde edição para a cadcnciação do ritmo c do alinhamentoestrutural do labirinto cinctnatográfico. Na ilha deedição, a mixagem técnica da imagc'm c do som confereao filme a sua feição polim(3rfica c' atonal, costura osconflitos de diferentes granclcz«s (luc' dãn plenaautonomia à obra artística. Na cdiçãi) (l(.irónica as

imagens estáticas fundem-sc com in);ig('ns animadas,Panelas centrais c laterais são abc nas, (lilt'rcnt('s ttnagc'nsse sobrepõem ou pontuatn íls idéias, {) plinto divide -schorizontalmente cm duas imagens, íls letras c'sc(}rrctnsimultaneamente em imagens sobrepostas ou ainclçtenfatiza se o ar/{#r/.IZzíma''' , a exemplo dc' Anel urinam(lona piscina ou a chuva acentuadamente eletrânica porocasião da tempestade

[)ito isto, efeitos banais ou mesmo as so]uçõcstécnicas altamente complexas são conjugadasformalmente no filme com o rigor necessário paradestacar as pulsões do signil'icante, sem cair no lugarcomum. Os recursos triviais da eletrõnica, como aberturacle janelas ou espelhamento da imagem, são aplicados ecombinados como soluções plástico-expressivas quemultiplicam pontos de vistas e produzem perspectivainversa reítlçando os sentidos e o não-sentido daconstrução fílmica. O signo estético, ao estruturar-se naprimeiridade, abre espaço também para o não-sentidodada a gama de elementos pertubadnres inseridos na obrade arte, impossíveis de serem conceituados. A tecnologianeste caso, a partir de saídas relativamente simples e

's' E'rzqiianro Próspero /a/a "0 viajante nãomcwte" , eln O Livro dos Viajantes, unia janelacentral na fofnla de livro ocupa quase toda atela. Essa janela é tepattida em quarto Faltes,tendo ell cada unia iaiagens animadas potcomptltador. Na parte superior da janela, doiscavalos { un) em cada quadro) montados porfigura humana cavalgam em sentidos opostos-Na parte inferior {la janela, à dit'Cita do quadt'o,un) cavalo e,à esquerda, um leão, sãoigualmente aria)aços. Essas animaçõesevocam) estudos dc Muybrtdge soft'e om o vimento.'"" Em voz otf, Ptospero expõe que o Livro do./}/ov./medra "...descreve a forma do olho queolha o infinito c como o riso interliga a face.111xplica a interligação das idéias e para ondevai o pensamento depois de usado. Codificadoem desenho animado tudo que é possível nocorpo humano." .Áo /7na/ de sua Za/a soZ).re ainterligação das idéias e o corpo, temos duastomadas, cada uma delas formada pormovimentos distintos. A primeira dessastomadas é constiuida por três quadros commovimentos de corpos animados e um quadrocom corpo estático. Na Última tomada destasequência, dois corpos também emmovimentos distintos. É interessante notar queum desses quadros (situado ao lado esquerdo)interrompe o movimento, enquanto o outro oprossegue. i)ai pode-se facilmente infet'it' queo estudo da decomposição do movimento estáentre o estático {ou o congelamento domovimento) e o próprio movimento. Com ainterrupção do fluxo pode-se ir muito mais afundo aa questão do próprio movimento. Aliás,a própria ilusão do movimento no cinema sófoi possível graças a sucessão de fotogramasestáticos, pat'a a matei'ialização do que hojedenominamos de imagem-movimento. Atémesmo o detalhismo do riso de que falaPróspero, já é possível em amores virtuaisgraças a precisão numérica animada ttame afume .

101 Para simular a tempestade, Greenawayconstroi tlm naufrágio puramente artificialVeRIas Próspero em unia piscina, brincandoc'om uma maquete de navio. Essa maqueteaparece em vários outros nlonlentos erepresenta o navio naufragado e o controle quePróspero dispõe sobre todos os tripulantes queaportaram na ilha. A acenttlação (!oartificialismo é intencionalmente un} jogoelaborado) ou melhor dizendo, e urll :tto Indicocona o processo de cz'!açao para velculat a ideiade tempestade.

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também no seu extremo, por saídas complexas, plasmapela ética da criação, o salutar conflito e a ambiguidadena cadeia significante cinematográfica. Por esse percursoparadoxal, condensa o velho e o novo, a ordem edesordem, enfim, a contradição e a tensão, sem reduzira totalidade significante a meras dicotomias que nãoconseguem transformar a concepção de mundo dohomem

A eletrânica, como espaço de passagem e tambémcomo possibilidade para materialização do sentido e nãosentido, aniquila a representação clássica, transformandoa natureza simbólica dos recursos técnicos em recursosexpressivos, seja por utilizar transparências, por pontuarmelodicamente árias c diálogos e por gerar novossigiiificanres. Dessa forma, o mecanismo dc mediaçãotecnológica faz cona que os signos novamente semultipliquem através do ato da criação, envolvendo tantoo potencial dos suportes numéricos como os Jogoscriativos da edição cletrânica

Saltando então exclusivamente para a natureza doprocesso de edição-montagem. constatamos que Al.última 'l'cmpestadc enquanto um corpo fílmicosedutor. está meticulosamente modulada por umacomplexa cadeia dc signiülcantes artísticos, contaminadostambém por toques esotéricos habilmente colocados pelodl roto r.

O filme é uma espécie de teia de articulaçõessintéticas formada por associações de idéias esobretudo, pela mistura dc' difercíites vozes: í'luxosverbais, sonoros c imagéticos. [tssa mistura fragmentáriaforma então uma grande estrutura cspiraladÉI quc tendeao Infinito, mesmo sal)ando cla finitude da obra quantoao número cle fotogramas, seqüências, planos ou de sua(!urítçio tcinporal. Pc)r essa orquestração de atonalidadesc cslr:ltégias cle colagem dlsjuntiva do signo é quepodcnl{)s designar A Ultima Tempestade como umaobrít l)olifc\mica e, porque não dizer, cromofânica, bcm;lt) senti(lo dc acepção traçada por Eisenstein

\ (stratégia dc edição-montagem tanto ocorre nol)r''tc --., dc' film«gc'ili (materialização fílmica) como['at]sc(}rrc' i]o n]oi]]cnto tlíi edição eletroi]lca. fossa1)(iac;it) funciona como uma or(luestração dc tecidos

sígnicos múltiplos que adquirem relevo seja na su"totalidade orgânica inestável ou na combinaçã.)qualitativa dos fragmentos.

Ainda o processo de edição-montagem, em seusdiferentes níveis, põe em movimento a metalinguagematravés do estranhamento sintético, ou sela, a partir dcsua organização sintética A tlltima Tempestade tantose conforma como uma tendência avançada do cinemacontemporâneo de natureza barrocal, como tambémreferencia o cinema primitivo com disposicão paralíticados elementos significantes e a própria simultaneidadede ações que se desenvolvem num único plano. Ametalinguagem é então um auto-apontar-se e, neste caso,em específico, a linguagem cinema que desvelo a siprópria, como referência, como absorção dc estilo, comocritica e criação. Fernando Segolin destaca essemovimento auto-reflexivo da seguinte forma

Filme metaLing,ilistiço t)or exçeLêttçia, a'Tempestade"de GreenawaD é m ço t o artea?tentar se, um çontíttno apontar do cinema ardo

róPdo cinema, çon a }naliaa&e ãe ãesn ãar nopalco da tela esse momento má@GO. necessariamenteplural, multifacetado, feérico, barroco sem dúvida,qlfc marca o nascimento de toda abra. Filme sobrea tempestade da criação, promove o retorno do

cinema d seus pnmõrdios, an mesmo leal)o que põeem rolei,o as potencialidades inesgotáveis eIKesgoLadas da Lin&lta&em çlnemalográftçcl.-',:

A função metalingüística tlo filme, que segundojakobson atum diretamente no código, neste casofunciona também como recurso estético interferindo ao

llível da própria mensagem

/rl? A 'lbnlpestade ljarroca de Greenaway ou al)rolifcração do ltarroco no Cinema, /n;' I'urflttlllielo especial - Barroco. pp.62-63.

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Mas além desse retorno ao cinema primitivo,caraterizado como um movimento de metalinguagem e

que também vai operar noutros códigos artísticos, valesalientar que os entre-laços modulares produzidos pelaedição-montagem, a partir de unidades diferenciais edescontínuas, sugerem na obra fílmica o jogo múltiplode significações, dada a volatilidade do signo estético.

E então no processo de edição-montagem queGreenaway funde propostas estéticas distintas( princípioda des semelhança), mescla diferentes suportes elinguagens e ainda subverte os cânones vigentes na esferada arte, construindo um outro movimento: cineplástico.Esse movimento ou estilo é fruto de uma combinatóriasignificante que podemos denominar de sínteseideogramática

Greenaway através da consciência sintética(Peirce), articula seu prometo estético de similaridadessob similaridades, transitando de um código para outroou realizando mesclas por justaposições. o que acabapor promover a ação dialógica dos signos.

A ação dialógica dos signos, conforme ideário deEisenstein, é produzida pela intervenção da edição-montagem. Destacaremos inicialmente essa anãodialógica do significante a partir da montagem no interiordo próprio plano, isto é, por ocasião da filmagem. Cadaplano materializado na filmagem, mesmo antes dereceber o tratamento de pós produção, parece conter\brios planos. Isso se deve exalamcnte por essapreocupação composicional de inscrever organicamentelinhas de conflito ( volumes, cores, sonoridades,lngulações, movimentos de cârnera. profundidade decena...) no interior de cada fragmento.

Para Identificar essa preocupação de montagem nointerior do quadro, basta observarmos o longo planosequência Cruz,/róis rc?ic: , da última parte de apresentação

dos letreiros, por ocasião da criação da tempestade. I'.sscplano-sequência que dura três minutos e dezcsst'tusegundos, é todo composto a partir do efeito de luz ('sombra proveniente da pintura, o que acentua a dinâmic;tdos corpos em deslocamento, realça as cores dos corposou objetos, destaca as linhas majestosas do cenário.volumes e a própria profundidade de campo-

O referido plano é um exemplo de dialogia dossignos ou mesmo da ação polif(única da montagem nointerior do quadro. Sob relâmpagos que iluminam oambiente cenográfico, mulheres se deslocam emmovimentos coreográficos, passam diante de bolas defogo ou de livro em tamanho gigante em que é folheadoe que coincide com o aparecimento do título do filme.Na medida que o movimento de comera avança daesquerda para direita, Próspero, vestindo um manto azul,também caminha nessa direção , passa por homens nusencostados em colunas, corpos masculinos penduradose de cabeça para baixo, corpos estáticos que simulamquadros de pintura, mulheres que pulam cordas, pessoasagachadas, grupos que se deslocam em sentido contrárioao movimento de comera e pelo fogo que contrasta coma chuva que cai ao fundo. No desenrolar do plano, comessa movimentação cênica dos personagens-espíritos, ocenário se modifica com novos objetos de cena que se

transfiguram com a ação de luzes e sombras.Esse plano sequência é assim um exemplo de

tautocronias. onde visualizamos claramente a dominâniade vários conflitos no interior do plano, do jogocomposicional de simetrias e assimetrias, onde tambémo diagrama sonoro revela esse somatório de qualidadesfragmentárias da imagem. A descrição verbal e a análisese revelam insuficientes para destacar as minúciasestéticas desse movimento melódico materializado peloexercício sincrânico de montagem no interior do plano.

Ainda para ilustrar o exercício de montagem nointerior do plano, destacamos a cena da imagem duplade Próspero, quando fala das núpcias de Claribel. filhado rei de Tunis. Neste plano, além de Próspero e suaimagem no espelho. há um extra campo no sentidooposto da comera, que é materializado ao espectadoratravés do espelho. O plano conjuga composicionalmcntc

E03 Técnica empregada na pintura com afinalidade de explorar os efeitos de luz e

sombra e, sobretudo, para acentuar att.idimensionalidade em espaçosbidÍnlensionais. Essa técnica foi inicialmentedesenvolvida pot Leonafdo da Venci com opropósito de criar' um efeito de relevo eressaltar as variações da cot.

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\li" tampo, imagem dentro da imagem, cmcmaiiiltila. rc\dando assim a interferência da montagem

lli ) l)l;1110.

Aliás, a ação da montagem no interior do plano éuma dominante de todo o filme, mas será na sua fase depós-produção que o filme ganha rigor da complexidadelabiríntica. A colisão de fragmentos ocorre agora nãosomente plano após plano. A junção de fragmentos.conforme idéia de Eisenstein, efetiva-se sobre o próprioplano, ou seja, a justaposição dc duas idéias para formaro conceito situa-sc ao nível do próprio plano comsobreposições de duas ou mais imagens, fusão deimagens ou mesmo com a criação dc canelas no interiordo plano oferecendo inúmeros pontos de vista.

O conflito é operado no seio d' . próprio plano cominterferências, cncavalarnento dc' imagens, sob reposições,divisão do plano em partes su})prior c mferior c atravésdc espelhamentos de uma mesma imagem. a exemplo daimagem triplicado de /\riel adolescente enquanto cantatrecho de uma ária. A sobreposição de fragmentos, oupor assim dizer a colisão de qualidades significantes, étambém aplicada ao diagrama sonoro, conformer)bscrvaremt)s no tópico seguinte, havendo uma espéciede correspondência audiovisual que enriquece aconcepção polifónica da obra fílmica.

Trata se então da justaposição de fragmentos numúnico plano através da edição eletrânica. para marcar aheterogeneidade da obra ou, de certa forma, paraevidenciar a singularidade conceitual do plano onde oselementos significantes estão amarrados por associacõeslivres, ritmadas pela sua duração temporal (métrica).pelas eli})ses lio interior do plano e também pelascorrespondências cromático-sonoras.

Essa anão composicional da edição atuando sol)reo próprio plano é a tónica do filme. Pode ser identificadalogo no prólogo onde janelas abrem-se no interior do

plano com imagens superpostas No Livro da Agua,vemos uma janela central com plano aproximado na mãode Próspero e um pingo de água que cai. Essa imagemestá em fusão com as páginas de um livro, tendo ao fundodessa janela, com duas imagens, outra imagem. Ou ainda,um pouco mais adiante, quando Próspero experimenta a

sonoridade d;l palavra "contYamestrc". unl pl:iiio (It-l;ilh(de mão que escrcxre. {)cupando toda a tela ctll fusão. [)racom uil\ plano aberto ctc Pr(lspcro na pisciníl cm fora).tdc janela, .)ra cm ó/a.If ou altcrnacl') com a imageiti dcAnel criança. Ein vários momentos do filme é possívclvisualtzarmos inúmeros planos num único plano,evidenciando uma cera- desordem proposital, mas quedc certa forma c'labora uma coesão conccitual native raid ad e

XÍas os planos seqüé'ncias taml)ém pos)uem csscfâlcgr) c parecetn c{)nstituir-sc' (lc víirios planos, cotncortinas que se abrem ou fcchitm. entrada e saída depcrson:tgcns ti{) climpo c c')iil t) proprir) clt slacarnentoda câmara. Assim (;rccii;lway utiliza um outro tipo dclustapr)siçãí) lií) processo dc cdtção. Estabelccc o cr)nflití)criativo entre platit)s dc nalurcza distinta, curtos clongos, com -c' sem sobrem)osições, ou ainda longos1)1anos-scqüêiicias quc se articulam) com seqüênciasrito;das quc possuem a velocidade de vidcoclip, A

exemplo da seqüência da destruição dos livrosconstit\lida basicatTlcnte por planos curtos sobrepostoscontr;l o longo plano-seqüencia das estações, onde' alnontagctn no inlcní)r do plano é operada com cxtrernaacuidadc composictonal. O cheque de proltferações scarticula ainda entre seqüências dc tom dar') ou escuro,scqüências com atmosfera dratnática suave que secontrai)õem a sequências com climas [cnsos, planosestáticos ou em movimento, ou ainda a combinaçãoclássica do slgnific;ante como a utilização do /lraíó&arÊ

com a ideia arrojada de edição montagem quc engloba aclássica. No entanto, mesmo ao visualizarmos pontosdc contrapasições, o filme escapa das meras dualidadesA conjunção dessas antíteses também integram o corpofílmico, formando assim um jogo paradoxal desimultaneidades promovidas por uma nova concepçãode montagem-edição eletrânica

Greenaway çda nma napa ideia de montagem e

tle projt+ndidadc de campo. Além da montagemclássica. corte entre aras imagens s cessou'is, jaR.i4ma motiLagem interna no próprio qi4adro, abrittdojanelas Laterais ot{ centrais que trazem Rodas

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rPI'lyns on antas ae vista, s etpotido iaaXensílbre imagens, britlçanào çom t ansParênçia! e

reetiqucidramentos. .\ letal quadro é repartida,fanada e !faR. uáàas imagens si«i4ttatleamente,imag,etts polençiciLs ou tirtüüis que d qunLqttermomento l)idem uir a atKaLIQlr-se, tomando todo

o quadro. "\o'

nu por ruídos diversos, o que gera uma igualdad( c nalivüentre os elementos significantes que compõem a imagcnisom. Assim, a arquitetura sonora não existe de form"submissa ao diagrama imagético, nem tampouco ocnnlunto de imagens híbridas existentes no hlme scarticulam de maneira superior aos significantes sonorosAmbos. com suas especificidades estéticas e dearticulação sintética, formam um território autónomo,sem fronteiras e sem espaços para o lugar comum

É então ncste território cinematográfico autónomoque a arquitetura sonora mostra toda a sua facetapoética, mobilizando diferentes estratégiasintersemióticas e se caracterizando como um espaçoestocástico onde coexistem diversidades, irregularidadese a cvidcnciação de atonalidades sonoras. A grosso modo.a banda sonora de A Ültima Tempestade, constitui-sepor um campo de flutuações e impacto de eventossonoros que ora estão em consonância com o desenrolardas cenas ou crivam a dissonância qualitativa. A colisãodos dois. imagem e som, desenha o inesperado eestabclece um desafio cerebral ao intérprete. RetornandoÍLO longo plano-sequência claro-escuro dos letreiros, líem sua parte final, ouvimos sons distintos de aves,batidas industriais, toques de diferentes sinos, uivos deanimais, sonoritlade de tempestade com trovões, risos evozes humanas. Essc agregado tle sonoridades e ruídosdíspares e simultâncos é superposto continuamente porurna batida metálica quc se repete sem qualquer varigLÇãoe quc sc funde a uma [núsica para, enfim, finalizar aparte dos letrenos.

De um lado, então, a trilha sonora, que é composta})or um« estrutura rítmica especializada, povoada porinstabilidades, descomp sãos, oposições e quebras como sistema tonal. l)e outro, a sequência imagética, tambémfragmentária, que estabelece um diálogo dissonante coma b anda sono ra

Na seqüêilcia nnterinrmente recortada.quc integral parte referente aos letreiros. podemos visualizar ainfluência das novas tecnologias que também vai operarcm tí)da aquitetura sono)ra do filme. Neste trecho cm(lueslão, é possível identificarmos ruído)s produzidos;artificialmente pela via digitíil. sonoridades acústic;ls

Essa nova idéia de edição montagem, resulta natlaboraçiio dc lim moz'/me /a e#/remar/ado'o' produzindodesta forma significantes esteticamente estercofõnicos.Em outras palavras, ao trabalhar com intensidade osignificante ])romovcndo a sincronização na estruturainterna da obra artística, Grcenaway elabora um cantopoltfânico, cujo processo dc construção e edição-montagem privtlegtam a arquitetura sonora e as relaçõesc ro m abc as.

A arquitetura sonora

hluito embora o tema seja destacadoseparadamente, é preciso antes de tudo reforçar a idéiade que a arquitetura sonora, as relações cromáticas e oprocesso de edição-montagem formam uma espécie detotalidade fragmentária indissolúvel. Uma parteestrutural tem uma íntima conexão com a outra.traduzindo a própria concepção relacional do processocriativo clnemíLtográíico. Há, (cessa forma, uma espéciede elo ou mesmo uma intrínseca correspondência quese revela por conjunção ou antítese, harmonia oudcsarmonia, simetria ou assimctria entre a imagem e osom. A cor, por vezes, associa-se a uma qualidade sonora,as imagens são pontuadas ou sincronizadas por um canto

/04 /rama .Benres. A Enciclopédia Digital. /h.:Ci?tema n.l, p.í.18.05 Expressão utilizada por Sergei Eisensteinem O Sentido do Filme.

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utilização de sons naturais, ruídos humanos e recursossonoros tradicionais dispostos em diferentes bandassonoras e miradas eletronicamente. O filme explora emtoda a sua totalidade orgânica as novas dimensões dapercepção sonora por meio da utilização das novastecnologias eletrânicas que permitem manipulaçõesprecisas do significante e enriquecem o processacombinatório da arquitetura sonora.

A fim de visualtzarmos esse processo articulatóriodo significante sonoro e a própria proposição de umanova dimensão da percepção, vamos destacar a palavrafalada, ou melhor dizendo, o verbal oral. No princípiodo filme, Próspero experimenta a sonoridade da palavraboatswain". Essa palavra é pronunciada em diferentes

entonações, seja de forma breve ou alongada, grave ouaguda. Para cada nuance da palavra, empossada oito vezespor Próspero, há um eco sonoro que se repete de formadiferenciada ou mesmo deformada eletronicamente.perfazendo um total de quinze vezes. Nesta repetiçãooral variante há uma espécie de gozo por parte dePróspero, que sorri enquanto materializa verbalmente apalavra e ouve a sua repetição acústica modificada.

Assim, a palavra oralizada "contramestre", estámarcada por matizes sonoras e também é exibidavisualmente em sua forma escrita. Texto e som. nestecaso, produzem um movimento estético intersígnico,onde a palavra oral caminha em direção à poesiasono ra. '''

:Contramestre" é então a primeira fala do romanceshakeasperiano(ato 1, cena 1) pronunciada pelocomandante. A voz reverberada eletrõnicamente na tela

é a voz de Próspero que, por sua vez, assume na maiorparte do filme, a fala dos personagens. SÓ ao final dofilme que determinados personagens falam por si

A voz de Mirando, por exemplo, sc car«clcti/ 4 l-''ium duplo sonoro de voz masculina c voz lciniiiiiisuperpostas Somente ao final cla cena quc rt'tfalü as

quatros estações é que Mirando, iá com trajes de nobrcz;iem tons preto e branco, fala com a sua sensual vozfeminina. O plano seqüência culmina com o quadr(,pintura da primavera que se aproxima das mãos dcMirando e Ferdinando tendo ao fundo um nu frontalmasculino e que se funde ao livro: Um Livro dos Jogos

Aliás, esse jogo de caracterização cambiante dafala de Mirando é um detalhe significativo do diagramasonoro que enriquece a obra cinematográfica em seuconjunto. Caliban, o espírito perverso que teme aPróspero pelos seus poderes mágicos de dominar anatureza, está associado ao elemento feminino terra. Suavoz grave e metalizada é também superposta por váriasoutras vozes de Próspero. Na cena do primeiro encontrode Próspero e Nliranda com Caliban, o escravo medulasua áspera voz cam estranhos movimentos corporais quedão força expressiva ao seu personagem anfíbio. Caliban,ora estrebucha-se sobre rochedos, ora joga-se sobre aágua com insultos dirigidos à Próspero. Trata-se dedetalhes sutis que apenas sãn captados a partir de umolhar bem atento, ou a partir de sucessivas leituras daobra fílmica

O clima tenso dessa cena, na qual, com apredominíincia de tons escuros, faz se latente, é rí)mpidacom o canto suave de Anel e a voz sussurante dcPróspero, que repete o canto, enquanto imagc'ns {lc'corpos de náufragos, exibidas em c:imera lenta c c'm tonssuaves, movimentam-se no plano.

O filme constitui-se organicamentc por essasdiferentes gradações dn significante sonoro c da imagc'mDo ponrn de vista da cdição-montagem, ternos um filmcsintaticamente fragmentado cnm matizes sonorasmultiplic;Idas. Xa arquiterura sonora coc'xistemcletncntos significantes os mais díspares e lustaposfos-Podcmos ainda destacar uma cnfâse que simula t) snmambiente. sons de diferentes ordens, como relinchar dccavalos, v(3o dc pássaros, o latir de cachorros, sussurosgritos dc dnr e ainda ruídos de quc não sc pode prccis;irr) rcferentc, lodos eles pontuados ct)m tcmas dc flacndc-l

loó R;chato Costelanetz no artigo N À.rte doTexto-Som: l.Jm Panorama. ao d/scur// a

abrangência da expressão que não se lin)ita apoesia sonora endossa qtle: "No texto-som, omaterial verbal pode ser constituído por sonsque formam palavras identificáveis, ou porunidades fonéticas quc não aludem asignificados." /n., Poeiz.z .tomara. rorg)Philadelpho Menezes- p.75.

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e a música minimalista de Michael Nyman'", que

propositalmente rompe com as estruturas temporais damúsica tradicional ao enfatizar a simultaneidade deeventos sonoros que se repetem e gradualmente setransformam.

A articulação minuciosa desses elementos dísparesimprime o /om aPerú//ro de A IJltima Tempestade. Issotambém se comprova pelas próprias palavras deGreenaway ao conceituar o seu cinema: "C/.ííílfa 'inovador. Vertiçat e horizontal. Artificial, caótico e ordenado

por um elemento apoLíReo. Muito l)içtó ico e çom um lom)t)eHstico. 'na&

Esse tom operístico é então formado pelaconjunção das antíteses aqui ressaltadas ou ainda pelaorganização do significa-ite apolíneo de que falaGreenaway ao conceit'uar o seu próprio trabalho

Assim. o cineasta esculpe a face estrutural de suaobra fílmica com significantes sonoros que poeticamentenos trazem a idéia de um referente preciso, deformafalas. cria sons inexistentes com o apoio de processadoresanalógicos e digitais e conjuga diferentes estilos dediferentes épocas, como as árias em sop'ano e contraltoque valorizam todo o potencial instrumental da voz emcontraposição à música de natureza eletrânica

4 tecnologia (associada sobretudo à acuidade dodiretor e a sua equipe). neste caso, foi a responsável pelaproeza polifónica do diagrama sonoro, visto que produz,inlcgra e recria significantes sonoros oriundos dediversas fontes. numa escala que vai de sons naturais asons puramente tecnológicos. Com o potencial dastecnologias cletrónicas e digitais, foi possível explorar a

complexidade do som a partir cla manipulação- (llict;i ll

elemento sonoro.:''' Essa intermediação das tcciiol.,}:i;i-(nos diversos níveis de criação que englobam procluçã.-e pós-produção sonora) resulta numa nova dimensão cl;t

percepção sonora. Evidentemcnte que essa modificaçii'-não se restringe à percepção sonora. As tecnologiaseletrânicas analógicas e digitais nos conduzem a umanova percepção da imagem-som-movimento, porque ocinema, como objeto artístico que sofre influência dessesprocessos eletrânicos, altera sobretudo a sua face dcprodução e pós produção. conforme já discutimos emcapítulos anteriores.

No caso específico da arquitetura sonora de AUltima Tempestade, percebemos que o diretor seliberta das concepções arreigadas e modela um universofílmico povoado de novas sonoridades e agregadossonoros distintos que se entrecruzam através de açõesda tecnologia.

Por nim, o que destacamos é que entre a arquiteturasonora e o universo da imagem propriamente dito existeuma unidade audiovisual organizada por Greenaway, a

partir de correspondências estéticas não absolutas. E esseé um postulado básico de Eisenstein, queo denominoude filme polifónico, tenha ou não o diretor essaconsciencla

Para criação dessa unidade audiovisual que fitabrotar a polifonia de A ultima Tempestade, um outroaspecto deve ser analisado como parte integrante dessatotalidade: as relações cromáticas que nos transportamindubitavelmente ao universo intricado da pintura.

#

]uv Ferrando lazzeta ao discutir o impacto dasnovas terno.logias na esfera musical afirma queEspecialmente com o sut'gimento, neste

século, de novas tecnologias tornaram-sepossíveis elaborações mais densas de outrospatâmetios sonoro-musicais. Com apossibilidade de manipulação direta doelemento sonoro através destes novos meiostecnológicos, o som passa, de matét'ia-prima,a elemento formal dentro da música. A atençãoantes era voltada para as cadeias sonorasseqtlênciais -os motivos, frases e temas- , agorase envolve com a complexidade do som. Esseredimensionamento não se limita ao nívelsintético, mas se estende à significação e àapreciação musical." In: Música: Processo eDinâmica. p.]92.

/oz Pau/o ,Roberro P//es, e.rn Afogando emGveena'wa.ys , faz a seguinte revelação acerca dotrabalho do músico que sempre acompanha asempreitadas poéticas de Greenaway: "N. müsi,ca.onipresente de Michael Nyman dramatiza otempo nos filmes de Greenaway como mais umpersonagem conceptual da desagregação e dairreversibilidade."/n; C'/ ema n./. P.40Í08 reter Greenaway, citado pot Pauta RobertoP'/'fes er]] Afogando em Greenaways. /n; (:'/Bfm'z7

n.l. p.36.

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As relações cromáticasmais adoça! ão file a clnemci. t) çi cmCi €

çonsertpador Poro;4e grandes somas dc Itn})oiro sào

ncçessánas para jaRÊ lo. E. é conservador parque é[lm Rrattde int,estimento. Se você olhar para asitiipcnções do século XX na pttitura. do çt+bismoem diante, não existe ctbso! temente nadacomi)aráL'el em cinema. Portanto a cinema, veja,parece ser tina oPortu ntdade de expandir na ruelascoisas qite meu talettto bastante pequeno de pintor

E.i+ dose \peras-mente acho que o cinema prensa denm golpe se! agem tia braço.

Ninguém melhor do Greenaway para realizar corrieficiência o cruzamento entre diferentes imagens e

buscar na pintura os elementos ncccssários par:' " seutrabalho de composição fílmica. A cor, dessa forma,assume a condição de um elemento meticulosamentepensado em toda sua obra, estabelecendo relações coma arquitetura son',ra e as diferentes formas artísticas.Basta observarmos obras como O Cozinheiro, o

Ladrão, a Mulher e o Amante(1989) ou Afagandoem Números (1988), em que esse desafio corri ;lutilização da cor e, mais especificílm(nte, o diálogo quctrava com a pintura se materializa com uma intensidadeestética hiper-detalhista.

Esse detalhismo da utilização cromática cm suasdimensões visuais (m-tiz, tom, intensidade c logos dcluz e sombra) estão quase sempre associados à históriada pintura ou mesmo tem como fonte de inspiraçãodiferentes pintores que marcaram a história dahumanidade cotl] suas contribuições inventivas, queimpulsionaram o próprio conhecimento- lesseprocedimento dc recuperação é expressíldo porGreenaway da seguinte forma

Aliás. é exatamcnle esse golpe de braço que oprol)rio Greenaway aplica ao cmcma, jogando comdiferentes intcrações, exercitanclo polifonicamentepassagens e, sobretudo, extraindo .) peso do cinema aocruza-lo com a eletrânica

A cletrânica interliga assitn espaço e tempo,tornando o encontra) com a pmtura muito mais dinâmicoe sedutor. Tal posicionamento nos leva a afirmar que ofim)c é perpassnclo ou mesmo é profundameíltecontaminado pela pintura, em seus diferentes momentos.O plano já é prcviamente concebido como uma tela/quadro de pintura animada com profundidade, volume,profusão de cores e movimentos sonoros, reunindoimagens de procedência diversa. Como lá vimos, elas semostram aglutinadas e recriadas formando um só tecidoTrata-se de entre-cruzamentos que, conforme expressãode Lyotard, caracterizatn-se como aRDa df ZzHK aEf#i, oumesmo de movimentos que segundo acepção deRaymond Bellour, enunciam-se como P iía2f i f /rf}m ag,ens.

L4 pintara é como um banco de dados çuyas imagensbistõriças sãn atKaLiRadas e restauradas pelo

cinema. 'Tod«s os problemas do cinema se resolvem

fom p/ / ra"ilo. Ou ainda " E# 'omPfe/ aminha carreira como pitilor. E ainda acredito q:ie

a pintura é, para mim. o meio supremo decomunicação visual. Sna Liberdade, sinas atitudes,ina história, seu potencial, e se t'oçê olhar para apino ra do séçtlLo X)(, eLa tem sido deR. mil veres

no Peter Greenaway citado por Paulo R. Piõesno arfiko Afogando em Greenaways. /n.: CT#ema.P.39.

/// .liowa/d.,4. Rodman. Anatomy of a WizardIn: Fila .American. p.37.

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Para evidenciar essas articulações entre imagens,

podemos destacar um logo que aparece constantementeno filme: o m(3vel c o imóvel. Grc'enaway faz a fusão

desses dois })rocedimentos de linguagem de diferentesmíu\eiras. Em várias sequências dos livros, onde vemosa gravura/desenho de animal, um inseto sempre aparececnm o ;animal vivo correspondente ao desenho. No Livroda Mitologia, enquanto a deusa Íris canta trecho de ária,sua imagetil está fundida com desenhos fotografias deinúmcros rostos. Esse logo de oposições prossegue coma alternância de planos fixos ou planos em movtmcnto,letras estáticas ou letras em movimento. No própriointerior do plano observamos esta preocupação plásticatlc setnprc ter presente corpos estáticos qut' secvidcnctam entre corpos que trafegam cm diferentesselitid.s. (.) móvel e o imóvel, podem ser vistos comuma certa frequência em planos onde o corpo emolduraA caia. Na cena eiii que F'erdinando está submerso naágua e ladeado por ninfas, temos um plano que um corpofeminino estático diante do espelho agua como moldura,tendo ao fundo os corpos flutuantes. Todo esse foguetect\tre as oposiçf)es móvel e imóvel evidenciancccssíiriamcnte as relações entre cinema e pintura, ondeí) estático da pintura ganhít força estética no cmema ouadquire rnohtlidadc

Assim, (;reenaway promove através dc A tlltimaTcmpestadc, um Í)asseio não linear pela história da arte.aproximando-se cle diferentes pintores também dediferentes épocas. Isso é o que poderemos destacar emalguns segmentos do hlme aqui destacados

Na seqüência logo após a tempestade, em quePróspero caminha por entre folhas de papel quç: caem,ot)servimos planos intercalados de espíritos que soprama poeira dos livros. Esses planos aludem ao detalhe(espíritos que sopram) da tela O Nascimento de Vênus(1485) de Sandro Botticelli. No conjunto da seqüênciaem que engloba essa referência a Botticelli, há umapredominância de tons vermelhos e a profundidade decampo que é realçada com relâmpagos que revelamdetalhes da cenografia.

t#'b

''+

Na seqiiência ein ./7aió&dr'é. uni exercício de montagem nointerior do quadro. Relações nielallngüísticas entre cinemap'ntura e as tecnologias de alta definição.

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Há ainda referências mais viscerais. como aanimação computadorizada do livro Anatomia doNascimento, de Versalius evocando também os estudosde anatomia de Leopardo da Vinca, particularmenteEmbrião no Útero (IStOy':

O passeio pela renascença prossegue comreferências que remetem o espectador à tela Pietà (1498)de Michelângelo (cena de Ferdinando e Mirando nasescadas, antes da chegada de Próspero que concederá a

mão da filha em casamento), ou ainda o vestuário detoda nobreza do filme parece ter saído diretamente detelaO Enterro do Conde de Orgaz(1586) de EI Grego,e por fim, os anjos cupidos como uma referência forteda mitologia grega são transpostos do afresco Galatéia(1513) de Rafael para o cinema eletrânico dc Greenaway.

Mas o percurso de A Ultima Tempestade é umtrajeto complexo porque funciona como uma caixa deressonância que se desloca da Renascesça até a fasecomtemporânea, alundindo por exemplo, a Botticelli e

ao pintor contemporâneo Kital. Assim, esse trajeto deremissões engloba estados da arte''' moderna econtemporânea que estão espalhadas pelo corpo

significante do filme. Essas remissões podem scridentificadas na totalidade de uma seqüência ou planoem um aspecto da composição do plano uu ainda empequenos detalhes de um plano que podem transportarpara realidades extra-fílmicas.

Então, a partir de sua ossatura totalizante,podemos afirmar que A Ultima Tempestade é uma redede registros que se caracteriza por um movimento defigurações, desfigurações e pela instauração de conteúdosfugidios, tendo como espelhamento a pintura. Cinema,pintura e as novas tecnologias estabelecem um diálogorecíproco de correspondências sensoriais, que do pontade vista estético, imprimem uma nova dimensão ancinema eletrânico

objeto e construção de espaços descontínuos(Cézanne, Picasso, Bíaque). 4. MovimentoSurrealista, que ptocutou explorar estadosoníricos e processos n)estais da loucura erazão (Dali, !Wagritte, Maré Eínst). Trata-sede diferentes movimentos, aqui no caso,vanguardas históricas que marcam diferentesépocas e que, ao lado de outros movimentos,fazem parte de um estado de arte, a figurativa.No caso, o 6tgutativismo aparece em diferentesmomentos destes dois últimos séculos e

sobretudo do século XX, sendo retomado comforça pelo movimento figurativo neo-exptessionista, que surge nos anos 80. Alémda face complexa de cada um desses estadosda arte e o aparecimento de movimentosvinculados a cada um desses estados en)diferentes momentos da história. há tambémo diálogo entre estados, como é o caso daTransvanguarda nos anos 70, que transita entrea Arte Figurativa e a Arte Conceptual. Outroexemplo desse diálogo entre estados é omovimento Arte Cinética, que centra o seufeixe de discussões em torno do movia)ratovirtual e real (meados dos anos 5Q e anos 60),fundindo aspectos do Consttutivisnlo, daí atla sintonia com o n ovlnlento op A.rt e com

o estado Tecnológico. Dessa foínla, Gíeenawayvai pinçlit referências esparsas nestes diversosttton)c'ritos (li)s esta(!os (la arte" (ia pl!'ittlriSobre estados da arte. (:f. Frederico Nlorals.t't:flor(i»iíz dfls .Artes t)láslicas sec. }\l:\. e }\:\. SãoPalito. ]CT, ]989.

''' Essa mesma cena que envolve o livroAnatomia do Nascimento é também umareferência metalingtiística ao filme Proptdence(1977) dirigido por Aiain Resnais eprotagonizado porJonhn Gielgud.''' Grosso modo, podemos a(/orar aclassificação vigente que subdivide os estadosda arte aa seguinte ordem decrescente:iecllç!!eglEe, conceitua!, per!:arzl3áttce,çibje&llal, ab&!rata, waauJllüç e !!g!!zadvu.Esses diferentes estados da arte relacionadosa pintura encontlam+se situados ente.e o finaldeste século XX e o final do século XIX, e nãoaparecem de forma estanque ou isolada. Sãoconstituídos por diferentes movimentos entresi, a exemplo do estado figurativo, onderecortamos quatro movimentos de naturezadistinta: ]. Movimento Impressionista afinal dosec. XIX), onde a figura é reduzida à abstfação(Monet, Delas, Renoir); 2. MovimentoExpressionista, con) investidas noinconsciente e atuação poiít ica {Picasso, AfeitaMafalti, Pf rtinari); 3. Nlovimento Cubísla, quevai operar cara a fragmentação da figura/

B

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As cores. bem ao sentido de Eisenstein, não

possuem no filme um significado absoluto. Sãoambivalentes em sua significação e sempre estãoarranjadas de forma composicional para acentuar oscontra,s te s .

As telas moventes (sequências) são em geralpintadas por cores fortes (primárias) predominando overmelho, azul e preto, que plasticamente dialogamcom cores mais suaves como o branco. Essas telas, ern

determinadas cenas, encontram-se demarcadas pormolduras constituídas pelo próprio corpo dos atires,como ií salientamos, por cortinas que se abrem para umanova cena ou n( vas informações no mesmo plano ouainda por cortinas que si fecham como passagem da

própria cena, mudança de fundo ou para anunciar novacena

O impacto tias cores, bem como o exercício demontagem no interior do plano, podem ser verificadosno plana)-sequência das quatro estações. As telas de cadaestação vão sendo apresentadas com a abertura decortinas e o movimento contrário dos corp"s'esp'r'toscm relação an movimento de comera. Nesta sequênciaúnica, que parece ser constituída pnr vários planos,identtfic:tinas a variação de escalas cromáticas com amud:taça dc cada estação. Na estação verão, que começacom a abertura de cortinas por Anel (adulto eidolesccnte), todo quadro é vermelho e se transfiguracom a entrada da estação seguinte, outono, na qual tons!Dais suaves tendem a recriar a atmosfera cromática dos

corpo)s l)inlados dc branco. (:oin o avanço da comera, odcslocnmcnto dos corpo)s nus quc compõem cada estaçãoc as mudanças cromáticas. passar\os pelo inverno echcgatnos a pnmavc'ra, co]]] r:torno a cor vermelhalgl)ríl não dc fora);i prcclnminantc devido a presença dacor verde quc integra o cenário c o preto e branco dasroupas n')l)rcs tlc) c;tsal. 'l'ocl;is as t'sl;lçoes estíií)tlcmarcad;is pt)r umn Iransp;'rê"cia eletrânica quc simulairtificialmcnte chu\a. ncvc, folhas quc caem ... aludindo,tle certa forma, às características de cada estação, aras

quatro elementos da natureza c à passagem de tempo.'''A variabilidade rítmica das cores de cada estação,materializando tonalidades internas, denotam um espéciede jogo musical que o autor experimenta com passagenscromáticas distintas, realizadas em um único plano. Essamusicalidade da cor também está presente cm toda obraonde ÍLS associações flexíveis visam provocar o impactovibratório da cadeia significante e funcionar como umaespécie de energia que aviva e estimula o espectador.Greenaway, ao lidar pormenorizadamente com as cores,misturando pigmentos, alterando a dimensão da cor comincidência da luz, criando gradações sutis de brilho econtrastes de luz e sombra, aplica ao filme não sófundamentos da ótica (relações entre luz e cor) comotambém explora aspectos ligados às principais idéias deautores que tomaram a cor como objeto de estudo.::'

R

''' Este plano-sequência das estações guardauma certa relação com o diagrama chinêsreproduzido por Sergei Eisenstein eni À.

Sincronização dos Sentidos, paizrado noprincípio gang e Yia, onde há uma correlaçãoentre os elementos (fogo, metal, água emadeira), as estações do ano e as cores. In: OSentido do Filme. p.64.

Uma das grandes conta'ibuições ao estudoda cor o devemos a Wolfang Goethe. Goethe,em um certo sentido, se contrapõe aos estudosde lsaac Newton publicado no livro aplica.Newton identiGtca as cores do espectro comosendo vermelho, laranja, amarelo, verde, azul,anil e violeta. Essas Goles, em um processo derecombinação, produziriam a luz branca. ParaGoethe) as Goles sao somente seis e comi)õemse basicamente de luminosidade ou sombra.Ao realizar o experimento da luz passando porum prisma, Goethe chega à seguinte conclusãodas cores: }atanja, verde, violeta, azul,vermelho {purpúra) e amarelo. Apoiado nestaexperiência, Goethe elaborou em 1810 umcírculo formado por pares de cores: amarelo eazul, vermelho feio (laranja), vermelhoazulado {violeta) e vermelho e verde;estudando ainda os efeitos "positivos" e"negativos" da cor aa mente. Antecedendo aosestudos de Goethe, temos uma importanteinvestigação do cientista Woscs }iaíris (]770),

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Com esse amplo connecimçnto de domínio (la cor peloviés da pintura, e que também se revela cm outros filmesGreenaway em A Ultima Tcmpestade amplialiteralmente as possibilidades de arranjo cromático comà utilização da paleta eletrânica digital. Portanto, graçasa intervenção da tecnologia, a cor é um elementoenriquecido neste filme, assumindo) uma dinâmica quese diferencia de seus trabalhos anteriores

Essa mudança dc paleta para uma paletacontaminada pela cletrónica, permitiu ao cineasta jogarcom as cores, alterar padrões cromáticos, além de corrigirou mesmo distorcer elementos da imaginação pictóricae, cnnseqüentementc. criar um d ?ma fxP d/da''' que

que elabora um circulo de cores a partir de trêscores primárias (amarelo, vermelho e azul).Hattís mostra a relação entre tons que resultanuma escala in6nita de matizes que vão doclaro ao escuto e da saturação ao acinzentado.Já Eugêne Chevreu1 {1839), pautado em Goethee Da Virei, elabora suas idéias sobre aharmonia e a cor fundada em contrastes. IWaistarde (186!), comprova suas teorias elaborandoum círculo de cores onde, a partir de dozecores, chega a 1440 derivadas. Mas, em meioaos inúmeros estudos da cot', podemos citaras atenções de Wassaly Kandinski e Paul Kleepata as associações entre cor e música. O tomprocurou ser associado ao timbre sonoro,matiz com a tonalidade sonora e saturação como voluale sonoro. Para Kandisnki, a cor possuiuma espécie de acorde, poder espia'igual eemocional sendo a expressão mais puta dosentimento. É interessante ressaltar qucestudos das relações entre a cor e a músicafot,am desenvolvidos já na Renascença, comotambém pelo próprio Newton, ao associar ascores do espectro com parte da escala musical.Cf. Alisou Cole. Cor . São Paulo. EditoraZWonole Ltda, .1994.

''' Sobre cinema expandido, Greenawaydcc7a/a;' "0 que eu queria fazer em Prospero'sBooks era experimentar os primeiros passos emdireção a um cinema expandido que usavocabulário de televisão, mas ainda se apoiana idéia cinematográfica de criar imagens quesão maiores, mais barulhentas, com volumemais alto, mais devoradoras do que você é.n ATule of Two Magicians. Zn.: J'z8ó/ aHd J'e«Hd. p.

b.

&&à:. ,= :, Ass..Nas duas cenas, o jogo contrastantede cores suaves e fortes, linhas eformas na materialização das relaçõesesté tidas no filme.

150 151

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sc al)('ia cm antigos c no\os suportes criativos. No itemcguintc, será possíx-el dcstacarmos mais algun s aspectos

relativos as relações cromáticas, visto quc o problemacia cor estai presente ein todos os níveis relativos aosprocessos dc criação e produção ftlinica.

No filme, na maior parte do tempo Mirando estáde roupas brancas em contraponto aos corpos nus ouseminus que compõem determinadas sequências. A corbranca pode ser entendida com uma alusão direta ao seuestado virginal, a sua pureza, ingenuidade e jovialidade,conforme propõe Shakespeare. A cor branca, emborapossua um simbolismo oposto na China, visto que paraaquela cultura representa o luto, para o ocidente, emgeral, pode significar vibração, energia, o novo e ointocável, além de conter todas as cores. A mudança dacor de suas vestes só ocorre mesmo por ocasião do ritualpré nupcial . Sua roupa passa a ser vermelha e os váriosplanos que compõem essa complexa sequência possuemcomo dominante tonalidades dessa mesma cor, podendoser associadas ao logo da paixão, do desejo e do mundofí s ic o

Esta cxliberante cena da cerimónia composta poronze planos-sequência e sos planos aproximados inicia-se com n fala (it Próspero "-'Va#/r // m p /d/-ra. Re/}r/empx /aKC'x '/mar'2ia.r." e tem a duração de nove minutos equinze segundos. Também predomina o vermelho nascortinas que integram o cenário onde se desenvolve essacena. Somente Ferdinando e as dcusas ( Íris, Ceras e.junte) que cantam árias da celebraçlí{) do amor estão comroupas na cor preta e branca. O vermelho aparece emdiferentes matizes seja nos cn rpns pintados. na incidênciade luzes em diferentes ângulos que domina toda a cena,nos adcrcçns dl)s corpos das bailarinas que executamcurcografia coil\ m'lvimentos qucbradr)s acornpanhandno movimento circular da comera. nos estandartesalegóricos com plumagens, ou se destaca como detalhenas oferendas dos espíritos atires como flores, frutas ein s t rumcn tos musicais

.A cor que está associada à sensualidade, ao desejoe aLMa nr) sentido dc mitigar a percepção visual. estátambém desrefereiicializítda, pí)rque sugere í)ulrns níveisde interpretação. ,\ sua dominância indica mudanças c[ransfrlriTi;içàes. halo visto qiic' .) próprio ]'r(ásperotambém está cle vermelho. Esse ritual de celebração dn}itnnr embalado por Árias e que exemplifica muito bem asensualidade do signo estético e as operações de ediçãom')fitarem. cstíí precedida) por ITm Livro da Nfitologia e

.Á khdedo

(;rcenawa) acrescenta ao seu processo de múltiplastraduções uma nova ideia que marca toda a obracinematogr:ífica em relação ao texto original: asensualidade. F.sse toque lapidar da sensualidade ouinesino do crotisnlo que povoa '4 C/7r//27a Zeizl/)esta(/edo princípio ao fim, inexiste explicitamente em -4Tempestade. " Sllakeaspere Kão efa Pari çi Larmet te ço bebidopor ser a tcimente erótiçí] o!{ se era. Fof conclusão e Kão por fatoalteia. Tqóx. entretanto. diremos im tratamento ãa obra de;})ak.easp { re onde existe íim número onsideráve{ ãe pessoas

ssc olhar lascivo, que choca aos desavtsados:::)rtodoxos, é um contraponto dialógico que não fere a

ficção shakcspcariana do ponto de vista da criaçãoestética, tanto que n diretor mantém determinadascaracterísticas imanentes ao texto original. Isso pode serexplicado e visualizado no personagem Mirandit. Apesarcle possuir uma educação privilegiada ao desfrutar detodo o conhecimento avançado do pai, Mirando guardaa sua virgindade, devendo TPefm'r#eref p/rXfm a/á g e aifer/md z i xaKrada.r ra /ef,zm", isso segundo palavrasenérgicas de Próspero.

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lz/ /7oward..4. Rodman. Anatomy of a Wizard.In: Fiam .A.merican. p.37.''' Não há uma concordância dos críticosquanto a utilização da nudez por Greenawayde maneira frequente. O crítico Luiz Cat'los.A/e/"ren ezll Greenaway: Um Novo Gutemberga/7r.zela.: ÍTalvez seja essa fixação na pintura queexplique um dos aspectos mais controvertidosde A Ultima Tempestade: o excesso de nus. "Zn.;Cinema. p.109.

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Page 26: As Relações Estéticas no Cinema Eletrônico | 1996 | Pedro Nunes | Parte 3

il' í iia ( i)m as palavras de Próspero: "Jomoí/ei/aí da-nr'm.i «Idlén'l que os sonhos. E a nossa vida pequena é cercada

É interessante frisar ainda que esse traço dasensualidade, materializado em A Última Tempestade,não segue um padrão estético de beleza dominante.Corpos nus ou seminus de jovens, crianças, adultos,idosos, magros, gordos, pretos e brancos trafegam nesteespaço filmico composto por inúmeras pinturasmoventcs. Essa nudez desbragada, sem qualquer rançomoralista, parece ter saído dos quadros de TicianoVecelli, a exemplo de Bacanais (1518) ou mesmo seInspiram nas pinturas e esculturas de Michelângelo

A sensualidade tanto pode estar nessa diversidadede corpos nus ou vestidos, no ambiente cenográficomajestoso, no trabalho criativo com as novas tecnologiase nas correspondências audiovisuais

Examinando as seqüências aquáticas do naufrágio.percebemos todo um balé sensual em torno do jovemmancebo Ferdinando ladeado por ondas-ninfas. Essemesmo princípio estética da sensualidade se repete comseu pai Alongo, que também é envolvido por ondasninfas. Esse jogo sensual pode ser apontado ainda nacena em que Ferdinando declara amor para Mirando, emmeio a Inúmeros cavalos brancos agitados e que aospoucos ocupam o espaço cenico.

A sensualidade do filme é então formada por essavariedade de jogos de corpos: mulher grávida, ninfas.homens gordos que entram na piscina. velhos estáticos,sensualidade clo próprio protagonista que se transmutana luxúria de suas vestes ou mesmo em sua nudezbelamente composta na piscina no momento em queexperimenta sonoramente a palavra "contramestre". Asensualidade se faz presente tanto em um aspectoestrutural míiis amplo como a edição-montagem, comotambém se anuncia especificamente na própria letra dePróspero, que materializa o seu passado em imagens.Enfim, essa sensualidade tecno-poética, em A UltimaTempestade, se caracteriza enquanto um espaçosemiótico de interseções de suportes tecnológicos,conjunções de linguagens e por transformações do queé considerado grotesco em sublime

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