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*Graduada em história pela Faculdade de Filosofia e Letras de Alegre – FAFIA. Aluna do Programa de Pós-Graduação Mestrado em História Social das Relações Políticas. E-mail: [email protected] ** Prof ª Dr ª Maria Beatriz Nader - Pós-Doutora em Sociologia (UENF) - Doutora em História (USP)
AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: NA SAÚDE E
NA DOENÇA, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA
Renata Alves da Silva
RESUMO
Este trabalho retoma discussões sobre o controle dos corpos como centro das relações
de poder, enfatizando a reincidência de casos da violência doméstica sofrida pela mulher por
parte de seus esposos, companheiros ou amásios. A proposta deste estudo é analisar os
boletins registrados na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Vitória
(DEAM/VITÓRIA), problematizando conceitos culturais, sociais, familiares e individuais,
que serviram de base para formação da sociedade brasileira. Como método para análise,
utilizei o estudo de caso, o campo conceitual será análises das relações de poder, intrínseca no
cotidiano das mulheres que sofrem violência. É preciso buscar na pesquisa, os possíveis
motivos que mantém a mulher nessa relação após sofrer violência doméstica. A análise das
fontes nos possibilitou identificar que, “As Relações de Poder e a Violência contra a mulher”,
estão atrelados a práticas e posturas passíveis de construções sociais e conceitos culturais
diante do sistema patriarcal.
Palavras chave: Relação, Poder, Patriarcado, Violência
INTRODUÇÃO
Para que se possa apreender a trajetória que conduziu a mulher ao círculo da violência
doméstica, é preciso analisar na historiografia a construção social dos papéis estereotipados
para o homem e para a mulher, papéis historicamente elaborados com bases no sistema
patriarcal defendido por correntes tradicionais e fundamentalistas, que tende a justificar o
poder masculino por sua virilidade e força. A pesquisa tem como objetivo identificar as
razões que permeiam essas relações, nas quais mulheres demonstram o enfrentamento sobre
seu algoz, ao procurarem as delegacias da mulher para efetivarem denúncias, porém
permanecem dentro do círculo da violência.
O Espírito Santo é um dos primeiros estados do Brasil, em índices de violência contra
a mulher, esta constatação se faz presente em pesquisas acadêmicas, dentre elas, a realizada
pela equipe do Laboratório de Estudos de Gênero, Poder e Violência, da Universidade Federal
do Espírito Santo (LEG/UFES), que mapeia e analisa empiricamente os Boletins de
Ocorrência registrados na Delegacia da Mulher (DEAM – Vitória), tornando disponível várias
publicações com dados que confirmam, o quanto as mulheres sofrem com a violência
doméstica no Estado. Em se tratando de pesquisas com parâmetro nacional, citamos a
realizada no ano de 2014, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, intitulada,
“Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”. A pesquisa, apresentou quadros
preocupantes sobre o entendimento dos papéis sociais nas relações de gênero, uma das
perguntas realizadas e analisadas foi a seguinte: Mulher que é agredida e continua com o
parceiro gosta de apanhar. 24% discordam, porém 42,7% concordam. Estes números atestam
a necessidade de estudos sobre a construção cultural dos valores que permeiam a sociedade.
Diante desse quadro se faz necessário um aprofundamento de estudos nos Boletins de
Ocorrência registrados na Delegacia da Mulher (DEAM – Vitória), para que a pesquisa possa
evidenciar os porquês da reincidência de violência doméstico contra as mulheres,
especificamente as moradoras do município de Vitória ES no período de 2004 a 2008.
AS RELAÇÕES DE PODER E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
No Brasil, os estudos sobre a violência contra a mulher, ganha espaço no mundo
acadêmico a partir do final da década de 1960 quando se inaugura a teoria feminista com
trabalhos de Betty Friedman (Mística Feminina, 1963), Kate Millet (Política Sexual, 1969),
Heleieth Saffioti (A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, 1979) dentre outros (as)
pesquisadores (as). A partir dessa década até a década de 1980 considerada a Segunda Onda
do feminismo, em seus temas de discussões, é incorporado outras frentes de reivindicações
voltadas para as raízes culturais da violência contra a mulher, oportunizando a publicidade das
opressões e violências que as mulheres estavam submetidas. (ALVES; PITANGUY, 1983).
Soma-se a perspectiva de mudança no cenário nacional, o crescimento de estudos
acadêmicos no Brasil à partir da década de 70 que incorporam a mulher. Percebe-se nesse
contexto, um aprofundamento em pesquisas sobre o cotidiano da sociedade e o mundo
doméstico familiar, além de estudos da categoria de gênero para produções historiográficas.
As pesquisas sobre relações de gênero permitiram dar visibilidade às mulheres e
problematizar os padrões pré-estabelecidos nas construções sociais e culturais, com bases no
sistema patriarcal, que centraliza o poder nas mãos dos homens. Nessas construções são
observados casos de culpabilização da mulher pela agressão sofrida por parte de seus
companheiros, transferindo para as vítimas as responsabilidades que neste caso, pertence aos
algozes.
O movimento acadêmico entra em consonância com as movimentações sociais com
maior profundidade, possibilitando a reavaliação das teorias tradicionais e introdução dos
excluídos da história, dentre outros as mulheres. Conforme Maria Izilda S. de Matos (2000),
essa nova percepção e interferências historiográficas, possibilitam a reestruturação dos
paradigmas que estabeleciam a continuidade dos estudos centrados nas elites e nos heróis
masculinos. As novas perspectivas articulam com ganhos em se tratando das construções
acadêmicas de estudos de gênero e com a desnaturalização dos papéis estereotipados por
homens e mulheres. Os questionamentos sobre as relações de gênero, colaboraram para
emancipação das mulheres, que buscam no mercado de trabalho, sua autonomia financeira,
que por vezes a coloca como responsável pela garantia do sustento familiar.
CONQUISTAS IMPORTANTES, PERMANÊNCIA DAS LUTAS
Uma grande conquista ao que se refere à violência doméstica contra a mulher no
Brasil, foi a promulgação da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria
da Penha. Que instituiu mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a
mulher. A lei surge como resposta a várias ações de movimentos sociais, dentre eles o
movimento feminista, que exigiam políticas públicas em defesa da mulher, a lei também
representou uma ação corretiva diante da recomendação da Comissão Internacional de
Direitos Humanos (OEA), em resposta a uma ação de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima
de violência doméstica, que lutou por 20 anos para ver seu agressor preso.
Estudar os Boletins observando os relatos das vítimas, no período de agosto de 2004
até agosto de 2008, é delimitar um espaço tempo, para um aprofundamento nas análises, em
vista de alcançar os objetivos propostos. Diante dos casos de reincidência de violência
doméstica, noticiados diariamente por vários canais de comunicação, dando visibilidade as
mulheres que não conseguem sair do ciclo da violência. Diante de informações
disponibilizadas por instituições, ONGs e movimentos sociais sobre a violência de gênero,
que tornam públicas o aumento da violência doméstica, além da onda de conservadorismo que
tende a desconstruir algumas conquistas estabelecidas em prol das relação de gênero,
retomam a importância da permanência de análises em prol das possíveis interferências da lei
junto ao poder público e ao cotidiano das mulheres vítimas da violência. Investigar as razões
que geram a violência de gênero no âmbito conjugal tendo em vista as mulheres que não
conseguem romper com o círculo da violência doméstica, é elencar as motivações da
permanência nessa relação.
Nos estudos de gênero, o termo patriarcado aparece como sistema que articula a
dominação masculina, ao colocar o homem no topo do poder familiar e social, vê-se uma
possível explicação para os formatos dos papéis sociais construídos para a mulher e o homem,
atrelando os estereótipos do sexo biologicamente definido. O patriarcado surge como uma
categoria de análise nesta pesquisa, tanto para demostrar as construções sociais que tendem a
definir os papéis sociais e os controles dos corpos femininos, quanto diante da superioridade
masculina que minimiza a mulher no mundo privado e doméstico.
GÊNERO E SEXUALIDADE
Para estudar a violência contra a mulher é fundamental o entendimento do conceito de
gênero. Conforme Scott, (1995. p. 15) o gênero é um primeiro campo no seio do qual, ou por
meio do qual, o poder é articulado. A adoção da perspectiva de gênero implica o
estabelecimento de uma relação de poder entre o homem e a mulher nas sociedades de classe.
“Vale dizer que a dominação constitui uma forma de poder que, em maior ou menor grau,
envolve violência de ordem moral, psíquica e física” (XAVIER, 2003. p. 197). Há uma
naturalização nas práticas discriminatórias com relação à mulher, “no caso da violência
praticada por homens contra mulheres, esta é, na maioria das vezes encarada como um
fenômeno natural. Sofrer violência passa a ser, assim, o destino natural da mulher” (XAVIER,
2003. p. 197). Dentre as formas de violências cometidas contra as mulheres têm-se as
violências física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Destas, convêm destacar a
violência física devido à escassez de estudos históricos e pela dificuldade de se mensurar tal
fenômeno, sabendo-se que muitas mulheres não registram a violência doméstica que sofrem,
permanecendo no silêncio do âmbito conjugal. No art. 7. Da lei 11.340 encontra-se a
definição da violência física com as seguintes descrições: “I – a violência física, entendida
como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.” (BRASIL. Lei n°
11.340, 2006. art. 7).
A violência física, não ocorrem isoladamente conforme Saffioti (2004), dentre as
várias formas de agressão assumida, a violência moral e psicológica está sempre presente; O
que se observa de difícil aceitação é o conceito de violência como ruptura de diferentes tipos
de integridade, seja ela, física, sexual, psicológica. Sobretudo em se tratando de violência de
gênero, e mais especificamente a doméstica, são muito tênues os limites entre quebra da
integridade e obrigação de suportar o destino de gênero desenhado para as mulheres. No ano
de 2013 quando a Lei Maria da Penha completou sete anos de vigência, uma pesquisa de
opinião inédita, realizada pelo “Data Popular e Instituto Patrícia Galvão”, revelou
significativa preocupação da sociedade, com a violência doméstica e os assassinatos de
mulheres pelos parceiros ou ex-parceiros no Brasil. Das pessoas entrevistadas 7 em cada 10
relatam que as mulheres sofrem mais violência dentro de sua residência do que nos espaços
públicos, 50% avalia ainda que as mulheres se sentem de fato mais inseguras dentro da
própria casa. As estatísticas apuradas demonstram que o problema está inserido no cotidiano
da maior parte das mulheres brasileiras: o perfil dos entrevistados foram homens e mulheres,
inseridos em todas as classes sociais que relataram: “54% conhecem uma mulher que já foi
agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira. E 69%
afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres”.
(COMPROMISSO E ATITUDE, 2013).
Com um título bem contemporâneo e provocador, Saffioti relata em seu texto “Já se
mete a colher em briga de marido e mulher” a ausência de consenso e confusão entre
violência doméstica e outras formas de violência. Também aborda os errôneos entendimentos
de gênero, mas que por sua vez não poderia deixar de esclarecer ao seu entendimento;
“gênero não se resume a uma categoria de análise; como, numa certa instância, uma gramática
sexual, regulando não apenas homem-mulher, mas também relações homem-homem e
mulher-mulher” (SAFFIOTI, 1992 1997; Saffioti e Almeida, 1995). Em sua descrição ainda
esclarece que, cada feminista enfatiza determinado aspecto do gênero, havendo um campo,
ainda que limitado, de acordo: o gênero é a construção social do masculino e do feminino.
Embora aqui se interprete gênero também como um conjunto de normas modeladoras dos
seres humanos em homens e em mulheres, que estão expressas nas relações destas duas
categorias sociais, ressalta-se a necessidade de ampliar este conceito para as relações homem-
homem e mulher-mulher. Conforme Saffioti fica assim patenteado que a violência de gênero
pode se perpetrada por um homem contra outro, por uma mulher contra outra. Todavia, o
vetor mais amplamente difundido da violência de gênero caminha no sentido homem contra
mulher, tendo a falocracia como caldo de cultura.
Conforme Lia Zanotta Machado “os conceitos de gênero e de patriarcado não se
situam no mesmo campo de referência. Patriarcado se refere a uma forma, entre outras, de
modo de organização social ou de dominação social.” (MACHADO, 2000. p. 3). Para
problematizar as condutas sociais que moldam a sociedade é fundamental entender o sistema
patriarcal que possibilita um discurso normativo de papéis familiares. Engels (1991) nos
possibilita identificar que as organizações familiares torna-se patriarcal no decorrer da
história. No seu entendimento a derrocada da família como subsistia nos moldes primitivos e
enquanto célula-mater de uma economia de subsistência, cai em declínio quando muda sua
estrutura familiar primitiva. Neste contexto foi se formando a sociedade moderna.
A supremacia efetiva do homem na casa tinha posto por terra a última barreira que
se opunha a seu domínio exclusivo. Esse domínio exclusivo foi consolidado e
eternizado pela queda do direito materno, pela introdução do direito paterno e pela
transição gradual do casamento pré-monogâmico para a monogamia. Com isso,
porém, abriu-se uma brecha na antiga ordem gentílica: a família individual se
tornou um poder e se ergueu ameaçadoramente perante gens. (ENGELS, 1991, p.
200).
Conforme Martha G. Narvaz e Sílvia H. Koller, a família não é algo natural, mas fruto
de uma organização histórica, Neste modelo de família moderna observa-se a interferência do
sistema patriarcal. “Cabe destacar que patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder
dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social”. (NARVAZ; KOLLER, 2006. p.2).
Esclarecem que o patriarcado é uma ordem social administrada por dois princípios: “as
mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e os jovens estão
hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos”. (NARVAZ; KOLLER, 2006. p.2).
O papel da mulher, na família e na sociedade brasileira desde início do processo “civilizador”,
foi definido a partir das concepções e controles definidos pelo sistema patriarcal. A
desigualdade e à opressão encontrados no patriarcado, possibilitam diversos tipos de violência
contra as mulheres elencados nas relações de poder.
Mediante este quadro de violência contra a mulher, estudar a construção social,
cultural e familiar de uma região do Espírito Santo, neste caso, a cidade de Vitória e tentar
trazer à tona as razões que geram a violência contra a mulher dentro de um marco temporal de
2004 a 2008. E para tanto torna-se necessário alçar mão de outra categoria intrínseca nas
relações de poder existentes no núcleo familiar. Falamos da categoria medo, como um dos
condutores de comportamentos que impossibilitam tomadas de decisões para desconstrução
do círculo da violência. Jean Delumeau em sua obra História do Medo no Ocidente, obra
pioneira em que analisa diversas manifestações sociais deste sentimento nos séculos XIV a
XVIII, questiona o entendimento sobre essa categoria medo ao descrever: “por que esse
silêncio prolongado sobre o papel do medo na história? Sem dúvida, devido a uma confusão
mental amplamente difundida entre medo e covardia, coragem e temeridade.” (DELUMEAU,
2009. p. 14). O autor constrói uma abordagem sobre a história das mentalidades nos
possibilitando reformular e repensar conceitos de amor e ódio sobre o prisma da antropologia.
Por se tratar de um historiador da religião identifica-se em suas descrição que o medo é
inerente a todos, porém as construções criadas à partir da punição de Deus, recai sobre a
mulher no que diz respeito ao pecado original. Com esse peso cultural e religioso a mulher
vive sobre o julgo do medo. Assim, o medo da mulher não é uma invenção dos ascetas
cristãos. Mas é verdade que o cristianismo muito cedo o integrou e em seguida agitou esse
espantalho até o limiar do século XX.
Outros fatores devem ser levado em conta na premissa dos estudos de violência contra
a mulher, e a questão do desenvolvimento demográfico e populacional das cidades interfere
nessas construções. Com este olhar Nader (2009) no artigo “Cidades, aumento demográfico e
violência contra a mulher: o ilustrativo caso de Vitória – ES”; descreve o quanto o
crescimento populacional da cidade de Vitória afetou a sociedade após os anos de 1970, com
ocupação desordenada de morros e mangues e o aumento da violência contra as mulheres. Os
padrões de comportamento eram; família hierárquica e estável economicamente, sendo
obrigação do homem sustentar sua casa e a função da mulher manter a virgindade até o
casamento e a fidelidade depois. Com a expansão devido à industrialização, os padrões sociais
se modificam, inclusive os papéis sociais previamente definidos pelo sistema patriarcal. Os
homens tiveram dificuldades para atualizar seu papel, culturalmente definido como provedor
da família. Neste contexto, quantidades crescentes de mulheres viram-se incorporadas ao
mercado de trabalho na cidade de Vitória.
Segundo Badinter (1993), este tipo de mulher problematiza pela primeira vez o papel
masculino, produzindo ecos que podem ser ouvidos hoje, por nós, por meio da crise da
identidade masculina. Com isso, considera-se que mesmo com a efetivação de políticas para
as mulheres, violência contra a mulher, sobretudo a violência doméstica é posta como um
desafio para governos e sociedade e ainda carecem de enfrentamento pelo seu fim.
NA SAÚDE E NA DOENÇA, NA ALEGRIA E NA TRISTEZA
Embora a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) tenha surgido como instrumento
legal de combate à violência contra a mulher e oportunizado significativos avanços em defesa
da mesma, contabilizamos um grande número de registros de violência doméstica encontrados
nos Boletins de Ocorrência e um número assustador e alarmante de óbitos nos Mapas da
Violência que tem como base de elaboração o Sistema de Informações (SIM), da secretaria de
Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde. Aponta-se como problema, que gera a
manutenção dos índices de violência, as relações de poder, questões culturais, econômicos e o
controle social constituído na sociedade patriarcal. Neste contexto, observa-se que ainda
existe um grande percentual de mulheres que sofrem com a violência doméstica, porém não
denunciam. Com bases no conceito machista que articulam as relações doméstica, muitas
mulheres não conseguem sair da invisibilidade diante da violência, sendo vítima diária de
vários tipos de violência, dentre elas, encontramos a violência psicológica e moral. A primeira
tem como característica desenvolver-se no núcleo doméstico com requintes de palavras que
machucam e agridem a mulher, de início, disfarçada como uma crise de ciúme de seu
parceiro, que pode ser confundido por zelo ou sinônimo de amor com caracterização de
atitudes comuns e naturais aos olhos da sociedade. As humilhações podem soar como
brincadeiras, e apesar da mulher se sentir com sua autoestima baixa e sem ações de reação, ela
prefere calar-se, ou se denunciam não conseguem sair do círculo da violência, mantendo-se
presas aos relacionamentos com registros de violência. É importante levar em consideração
informações disponibilizadas pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério
da Justiça ao declara que a mulher sofre, em média dez agressões antes de buscar ajuda.
Dentre as análises elencadas, busca-se nas fontes, possíveis esclarecimentos dos
porquês de reincidência de violência doméstica contra a mulher. O relatos descritos nos
boletins de ocorrência já demonstra a permanência de muitas mulheres com seus algozes no
mundo doméstico. Para elucidar parte da pesquisa realizada, trarei alguns relatos de vítimas
da violência doméstica registradas nas Delegacias da Mulher de Vitória – ES.
Caso 1. Registro realizado em 04 de janeiro de 2005, a vítima tem as seguintes
características: branca, 20 anos, solteira. Tipo de agressão: palavras e mãos. Relato: A
noticiante relata que convive com o autor a dez anos e tem 3 filhos com o mesmo, e que o
mesmo já a agrediu várias vezes e que já foi denunciado por ela. O autor e a vítima tem
problemas financeiros, e no mesmo dia do fato, a xingou, quebrou as coisas dentro de casa e
jogou as coisas da vítima fora.
Caso 2. Registro realizado em 01 de fevereiro de 2007, a vítima tem as seguintes
características: parda, 32 anos, solteira. Tipo de agressão: chutes, tapas e xingamentos. Relato:
A vítima relatou que na convivência de quatorze anos com o autor da qual tem três filhos, foi
agredida, ofendida e injuriada em presença dos filhos, chegando a separar-se. Na data do fato,
a agressão deu-se por meio de socos, chutes e puxões de cabelo.
Caso 3. Registro realizado em 01 de fevereiro de 2007, a vítima tem as seguintes
características: parda, 25 anos, solteira. Tipo de agressão: Chute, tapas, soco e xingamentos.
Relato: A noticiante narrou que foi agredida por motivo fútil, com socos e chutes, tendo sido
socorrida por sua mãe e irmã, chegando a ficar internada em observação no Hospital São
Lucas. A vítima relata que o autor estava alcoolizado, ameaçando ela e seu filho de morte.
Conforme o BO:180/06, data 27/02/06, Plantão DEAM, não foi a primeira agressão.
REINCIDÊNCIA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Para analisar com profundidade os relatos utiliza-se o método estudo de caso, por se
tratar do estudo que analisa a fundo os fatos. Conforme Izequias Estevam dos Santos no livro
“Manual de Métodos e Técnicas de Pesquisa Científica”, este método possibita um olhar com
profundidade para obter um grande conhecimento dos dados estudados. Quanto aos objetivos,
a pesquisa pode ser exploratória que se caracteriza pela existência de poucos dados
disponíveis. Buscaremos nos do estudo de caso analisar os dados coletados por meio dos
relatos descritos nos boletins de ocorrência na expectativa de identificar as motivações que
mantém essa mulher no círculo de violência conjugal. Mirian Goldenberg descreve sobre
estudo de caso detalhando as seguintes informações:
Este método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenómeno estudado a
partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica, o
estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de pesquisa qualitativa
em ciências sociais. O estudo de caso não é uma técnica específica, mas uma
análise holística, a mais completa possível, que considera a unidade social estudada
como um todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade,
com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos. O estudo de caso reúne
o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas de
pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma situação e descrever a
complexidade de um caso concreto. Através de um mergulho profundo e exaustivo
em um objeto delimitado, o estudo de caso possibilita a penetração na realidade
social, não conseguida pela análise estatística. (GOLDENBERG, Mirian, 2004. p.
33 – 34).
Entende-se que fazer pesquisa constitui um trabalho complexo, e que neste caminho
podem ocorrer obstáculos, mas este é o desafio do pesquisador, que se propõe a compreender
novos conhecimentos científicos.
Com um olhar sobre a questão biológica e o homem socialmente elaborado, a alta
afirmação que se faz necessário no mundo masculino, é fortalecida por construções que
oportunizam no homem, não se enxergar como um ser individual quando se olha no espelho,
mas como um ser humano que faz parte de um grupo. O homem ainda acredita que o falo é a
caracterização do poder masculino, o pênis ereto, é o emblema de masculinidade e através
dele a masculinidade é definida. O Falo é o ponto de referência do homem. Sócrates Nolasco,
(1993. p. 21.), em “O Mito da masculinidade” traz a abordagem de questões em relação à
masculinidade com um contra ponto em relação ao controle dos corpos visto até meados do
século XX, utiliza-se das posições sociais e do trabalho para descrever a mudança no
comportamento masculino.
Com uma visão divergente em relação à influência dos movimentos sociais nas
mudanças comportamentais do homem ele descreve que os homens estão revendo a condição
masculina, como também para os grupos que sofrem discriminação racial e de escolha sexual,
como é o caso de negros e homossexuais. “Contudo caracterizar a organização dos Grupos de
Homens por meio do que aconteceram as mulheres, negros e homossexuais é cometer um
engano de reduzi-la às características de um movimento político”. (NOLASCO, 1993).
Apesar das mobilizações para mudanças na postura e ações dos homens, ainda vivenciamos
em uma sociedade ocidental com vários conflitos que acontecem por disputas de poder.
Consideramos que este estudo, servirá como pressuposto diante das análise das fontes,
na busca por melhor entendimento das posturas humanas individuais e coletivas. É importante
ressaltar que estas características observadas ao longo do estudo sobre construção dos
controles e relações de poder, são apenas aspectos inter-relacionados. De fato, o observável é
que atuando sobre as massas confusa e insegura de seu papel, o processo disciplinador faz
surgir uma multiplicidade ordenada, que por sua vez gera o indivíduo.
VII - BIBLIOGRAFIA
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