as reflexoes do poeta - lusiadas

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AS REFLEXÕES DO POETA N’OS LUSÍADAS: CRÍTICAS E CONSELHOS AOS PORTUGUESES A epopeia de Camões tem como título Os Lusíadas – o povo português – herói impessoal protagonista de várias façanhas. No entanto, o olhar glorificador e o tom de exaltação eufórica de Camões não impedem que o poeta, homem lúcido, experiente e amante da vida, revele o seu desencanto face a uma pátria progressivamente “mergulhada numa austera apagada e vil tristeza”. A euforia é sincopada por momentos de disforia, geralmente situados no final dos cantos, mas aparecendo igualmente o propósito de alguns episódios da narrativa. Com efeito, esses momentos de reflexão apresentam uma estrutura semelhante, resultante do facto de aparecerem situados após um acontecimento que os motiva. Para além disso, a linguagem utilizada é própria de um discurso de natureza judicativa (expressão de juízos de valor) e valorativa (expressão de juízos críticos e subjectivos) que se traduz no emprego de adjectivação valorativa, anáforas, apóstrofes, construções negativas, enumerações, frases apelativas e exclamativas, interjeições e interrogações retóricas. Esses momentos constituem não só um reflexo da mentalidade do homem renascentista (pela sagacidade e análise crítica evidenciadas) mas também contêm (pela intemporalidade que veiculam) uma intenção didáctica e interventiva. Com efeito, o espírito humanista de Camões não podia subestimar uma meditação sobre os valores, baseada nas suas experiências de vida e nas suas preocupações. É assim que, num texto de natureza épica, somos regularmente confrontados com momentos de reflexão e intervenção que desinstalam o leitor. RAMOS, Auxília e BRAGA, Zaida, 2010 Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa, Porto, Ideias de Ler

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Page 1: As reflexoes do Poeta - Lusiadas

AS REFLEXÕES DO POETA N’OS LUSÍADAS: CRÍTICAS E CONSELHOS AOS PORTUGUESES

A epopeia de Camões tem como título Os Lusíadas – o povo português – herói

impessoal protagonista de várias façanhas.

No entanto, o olhar glorificador e o tom de exaltação eufórica de Camões não

impedem que o poeta, homem lúcido, experiente e amante da vida, revele o seu

desencanto face a uma pátria progressivamente “mergulhada numa austera apagada

e vil tristeza”. A euforia é sincopada por momentos de disforia, geralmente situados no

final dos cantos, mas aparecendo igualmente o propósito de alguns episódios da

narrativa.

Com efeito, esses momentos de reflexão apresentam uma estrutura

semelhante, resultante do facto de aparecerem situados após um acontecimento que

os motiva. Para além disso, a linguagem utilizada é própria de um discurso de natureza

judicativa (expressão de juízos de valor) e valorativa (expressão de juízos críticos e

subjectivos) que se traduz no emprego de adjectivação valorativa, anáforas,

apóstrofes, construções negativas, enumerações, frases apelativas e exclamativas,

interjeições e interrogações retóricas.

Esses momentos constituem não só um reflexo da mentalidade do homem

renascentista (pela sagacidade e análise crítica evidenciadas) mas também contêm

(pela intemporalidade que veiculam) uma intenção didáctica e interventiva.

Com efeito, o espírito humanista de Camões não podia subestimar uma

meditação sobre os valores, baseada nas suas experiências de vida e nas suas

preocupações. É assim que, num texto de natureza épica, somos regularmente

confrontados com momentos de reflexão e intervenção que desinstalam o leitor.

RAMOS, Auxília e BRAGA, Zaida, 2010 Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa, Porto, Ideias de Ler