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AS REDES POLÍTICAS DE RESISTÊNCIA AO AGRONEGÓCIO: IMPASSES E ALTERNATIVAS
Carlos Alberto Franco da Silva Universidade Federal Fluminense - UFF
Resumo O objetivo deste artigo é analisar as tensões entre as redes políticas territoriais promovidas pelos representantes do agronegócio e pelos movimentos sociais de resistência, em áreas do Cerrado sob o avanço e consolidação do complexo agroindustrial brasileiro. A conclusão a que chegamos revela a rede política do agronegócio como uma trama de estratégias de coordenação de fluxos de comando e de decisões entre diferentes atores, que compartilham a intenção de garantir a reprodução do complexo carne-grãos. Tal arena política configura o exercício de poder e aponta para a constituição de redes políticas de resistência, que defendem novos modelos de vida sustentável ambientalmente e livre dos reclamos da acumulação ampliada de capital. Tal campo de força resulta na requalificação de territórios e paisagens preexistentes do Cerrado. Introdução Em áreas do Cerrado, a recomposição de territórios e paisagens regionais tem sido parte
integrante das transformações e impactos do sistema capitalista, em escala internacional,
nacional, regional e local. A inserção do Cerrado na divisão internacional do trabalho
através do processo de industrialização da agricultura e constituição de complexos
territoriais produtivos, capitaneados pelo circuito grãos-carne, respondem, em parte,
pelas transformações ali presentes. O papel das políticas territoriais, mudanças
estruturais do padrão produtivo capitalista, ideologias geográficas de integração do
território brasileiro, e transformações das economias regionais são algumas das razões
dos impactos de uma nova racionalidade produtiva e discursiva que se projetou em
áreas do Cerrado. De qualquer modo, a expansão do complexo agroindustrial da soja-
pecuária ou do chamado agronegócio, no âmbito do processo de abertura e consolidação
da fronteira agrícola capitalista no Cerrado, está na ordem do dia da pesquisa científica
da Geografia Agrária.
As preocupações acadêmicas com a expansão do agronegócio nos biomas da Amazônia
e do Cerrado têm se concentrado nos estudos da geografia da violência pública e
privada contra populações tradicionais e campesinas, concentração de terras, grilagem,
desmatamento, logística, urbanização sem cidadania, relação homem-natureza,
modernização da agricultura, dentre outros. Há, por assim dizer, uma geografia do
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campesinato e outra do agronegócio, que, às vezes, parecem ser rotuladas de “esquerda”
e de “direita”, respectivamente.Um enfoque de destaque é a análise crítica da fronteira
agrícola e do agronegócio sob a ótica do espaço e da técnica, com forte apoio na obra de
Milton Santos.
Outro viés reside na análise do agronegócio sob o prisma da colonialidade-colonialismo
do poder, uma frente de crítica à modernidade imposta pelos capitalistas do “Norte” em
detrimento dos povos do “Sul”. Essa corrente é muito marcada pela crítica à epistême
eurocêntrica. É como se o eurocentrismo se projetasse no mundo como uma força
hegemônica de modo a alterar valores e modos de vida sob o viés do capitalismo.
Acredito que esse processo é inquestionável. Minha crítica a essa linha de pensamento
está no fato de que penso o eurocentrismo como um processo de mão dupla. Isto porque
a Europa também foi influenciada pelas diversas realidades dos lugares em que aquela
racionalidade se projetava. Um novo olhar interpretativo do mundo pela Europa se
afirmava a partir da “ocupação ou invasão” de novos lugares. Hábitos, costumes e
valores também foram repensados por intelectuais europeus, bem como por empresas e
população em geral. O processo é, portanto, de mão dupla. Hoje em dia, acredito numa
força menor do eurocentrismo. As migrações de africanos e latinos, a crie econômica, o
enfraquecimento do Estado de bem-estar e o fortalecimento das “chamadas economias
emergentes” sugerem um novo posicionamento da Europa e dos Estados Unidos diante
do mundo.
Há outra linha de investigação da Geografia Agrária que se apoia em clássicos do
marxismo, afirmando a importância política do campesinato na leitura do avanço do
capitalismo no mundo rural.
Diante dessas possibilidades interpretativas, vale lembrar que, não se busca neste texto
o confronto entre a “verdade territorial capitalista” com a “verdade territorial
campesina”. Há “verdades”nas duas propostas de racionalidade e modo de vida. Até
porque há mais contradições do que propriamente antagonismos entre ambas as
verdades. Há um conflito entre elas, e não propriamente um confronto. A verdade
capitalista se apropria de relação de produção não-capitalistas, valores, costumes e
símbolos do campesinato, mesmo que seja para ressingnificá-los sob novas bases de
valor. Por outro lado, a verdade territorial campesina busca romper com o capitalismo,
mas utiliza de suas bases reprodutivas para práticas de permanência na terra como meio
de produção, recurso natural e abrigo. Uma situação de confronto seria o fim da
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propriedade privada, seja camponesa, seja burguesa. O conflito assinala permanências
das relações sociais, mesmo que elas estejam sempre em tensão. No conflito há
possibilidade de algum consenso; mas no confronto um grupo social quer sempre
eliminar o outro, pois não tolera sua existência.
Assim sendo, a opção analítica sinaliza para os conflitos acerca das redes políticas de
resistências dos movimentos sociais em contraposição aos esquemas de acumulação do
agronegócio. Para tanto, é preciso definir aqui o entendo como rede política territorial.
Rede Política Territorial é uma arena de atores-redes que promove troca de
recursos de poder através de vínculos e alianças entre si, cujos efeitos de suas ações se
verificam no território, requalificando-o a partir de estratégias, interesses, conflitos e
resistências entre os atores. A resistência é parte integrante do sentido da rede politica,
pois sinaliza para o poder e contraposição a outras redes políticas. Na rede todos trocam
recursos de poder e projetam corporeidades espaciais e são afetados por territorialidades
distintas. Assim definida a rede política territorial, o atual arranjo capitalista do espaço
anuncia tensões entre valores éticos, ideológicos, simbólicos e culturais entre os
diferentes atores, que buscam se afirmar na diferença diante de processos hegemônicos
de reprodução de capital (SILVA, NASCIMENTO E SANTOS, 2011:25).
A operacionalização deste conceito sinaliza para os princípios, a saber:
1-A rede política é contingencial e temporária, pois a sua duração depende dos
interesses em jogo.
2-Na rede política nem sempre há uma nítida hierarquia de poder entre os atores. Mas
isso não implica a inexistência de um centro de decisões. A rede política do Movimento
dos Sem-Terra (MST) é reconhecida pelos seus membros e apresenta uma hierarquia
das decisões e controle. Há uma coordenação nacional das ações e as sedes regionais
com seus representantes. Todavia, a rede política que o MST constitui a partir das
parcerias e alianças com universidades, ONGs, Comissão Pastoral da Terra, sindicatos,
federações, partidos políticos não apresenta uma nítida hierarquia de poder entre os
atores. Cada um compartilha recursos de poder, a fim de atingir objetivos comuns. Mas,
se os interesses convergem para a luta pela terra, a centralidade da rede está no MST.
3-A rede política territorial é dialógica, pois a rede política define o território e é
definida por ele (LIMA, 2005).
4- Na rede política há uma assimetria de poderes, por conta dos diferentes recursos de
poder de que atores dispõem.
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5-A rede política pode ser territorial. Se for territorial, ela se reconfigura em função dos
interesses e estratégias, resistências e conflitos de territorialidade que dela decorrem;
6-Há ausência de visibilidade ou uma visibilidade parcial para os de fora da rede
política. A natureza da rede política não se revela para todos. Essa é uma estratégia de
defesa dos interesses e das ações pretendidas. A rede política é visível naquilo que se
quer fazer ver.
7-A rede política legitima um discurso de poder de caráter ético, simbólico, ideológico,
político,cultural e econômico. O discurso da rede pode revelar uma dizibilidade que
afirma aquilo que se quer fazer ver diferente do que se diz.
8-A rede política é rizomática, já que: 1) qualquer ator da rede pode ser conectado a
outros fora dela, 2) a rede se alimenta de determinações que mudam a sua natureza; 3) a
unidade da rede está na dimensão movediça da tomada de poder; 4) há um princípio de
ruptura em que a rede pode ser rompida e retornar segundo outros interesses em jogo,
abrindo novos recortes territoriais; 5) é um sistema aberto não hierárquico de múltiplas
entradas e saídas e linhas de fuga, e unida por um arranjo de interesses e estratégias.
9- Princípio da diferença. A rede está sempre no devir; está sempre se diferindo. Logo, a
diferença não é reconhecível. Somente, seus efeitos territoriais anunciam a diversidade
dos arranjos espaciais.
10-Por fim, todos os atores da rede política possuem recursos de poder. A troca de
recursos entre os atores é estratégica, para fins de atingir os objetivos pretendidos. Os
recursos de poder podem ser constitucionais, financeiros, tecnológicos, organizacionais,
jurídicos e simbólicos (PAULILLO, 2000).
Há, portanto, essa proposta teórica das redes políticas territoriais, devidamente
consciente dos erros e omissões. Não há obsessão pela verdade, apesar de afirmá-la
quase sempre, pois é um requisito do saber científico a busca por fundamentos gerais.
Logo, não assumo aqui compromisso como o niilismo. Apenas lembro que, o debate
científico depende mais do engano do que da verdade. Não apreendemos a realidade
social como ela é em si, mas como se apresenta com base em perspectivas
interpretativas, que, por sua, dependem do valor dos valores da interpretação subjetiva,
como nos adverte Nietzsche.
Desse modo, a opção analítica do estudo em tela assume um caráter de perspectiva, que
se liga às possibilidades de interpretação, conforme recomenda Nietzsche. A
interpretação proposta não desconhece as possibilidades das outras leituras (pelo
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contrário), apesar de sempre haver conflitos de interpretações. Isso porque qualquer
interpretação não é livre, pois se situa num de campo de valores específicos.
Assim posto, o viés analítico que aqui se coloca é o estudo do agronegócio e das
resistências a ele sob a perspectiva das redes políticas. Isso porque tal rede sinaliza para
uma arena formada por atores com estratégias definidas, que se confronta com valores e
interesses de grupos diversos, que também definem suas redes políticas de resistências e
afirmação de identidades territoriais. Logo, a existência das redes políticas aponta para
conflitos de territorialidades na Amazônia e no Cerrado. Uma das personagens desses
conflitos são as corporações do agronegócio. Grupos como CARGILL, BUNGE,
DREYFUS, AMAGGI e ADM são os principais agentes de des(re)territorialização de
grupos sociais e reorganização espacial, dada a dimensão multifuncional e a
multilocalização de seu sistema de objetos e de ações em escalas geográficas diversas.
Mas há as resistências a essas linhas de forças hegemônicas. É esse o ponto de partida
deste artigo: chamar a atenção para o enfoque das redes políticas de resistências ao
agronegócio. Vale lembrar que este artigo é parte integrante do projeto de pesquisa
financiado pelo Programa Bolsa Produtividade em Pesquisa do CNPq-2009-2012,
intitulado “As redes políticas das corporações do agronegócio da soja em áreas da
Amazônia”.
O campo de forças das redes políticas de resistência ao agronegócio Os pequenos produtores e as chamadas populações tradicionais dispersas em áreas da
Floresta Equatorial e do Cerrado são os atores-rede que resistem às práticas
socioespaciais das corporações, através de vários movimentos sociais (Movimentos dos
Sem-Terra, MST, Movimentos dos Trabalhadores Acampados e assentados, MTA,
Movimentos dos Atingidos por Barragens, MAB, dentre outros). Tais movimentos se
organizam em verdadeiras redes políticas em que o interesse comum de lutar contra o
capital pode unir grupos dissidentes ou não, quando se estabelecem os embates contra o
agronegócio. As parcerias entre esses movimentos sociais, CPT (Comissão Pastoral da
Terra), FETAG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura), professores e estudantes
universitários, ONG’s, sindicatos e partidos políticos constituem o recurso de poder que
anuncia redes políticas de resistências ao agronegócio, sobretudo contra a grilagem,
trabalho escravo, despejo, desapropriações e assassinatos, em áreas de expansão da soja,
pecuária, cana, algodão e eucalipto.
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O que se percebe é que, apesar de os interesses serem diversos e particulares, a ação
coletiva ratifica, legitima e viabiliza a realização de objetivos específicos. A CPT visa a
defender a reforma agrária e expandir a fé católica. Alguns professores e universitários
veem na defesa do campesinato um canal de expressão da ideologia socialista em
contraposição ao capitalismo. Os partidos políticos de esquerda parecem defender a
reforma agrária e os ideais socialistas, apesar de haver contradições entre ideias e ação
politica, quando o partido assume algum grau de hegemonia no cenário nacional.
Exemplo expressivo é o Partido dos Trabalhadores. Apesar da defesa da reforma
agrária, o Governo do Presidente Lula avançou muito pouco no apoio à distribuição de
terras e à pequena produção familiar. As ONG’s possuem interesses contraditórios que
escapam ao escopo deste trabalho. Ás vezes, elas estão do lado dos capitalistas e, em
outras situações, do lado das populações tradicionais. De qualquer modo, são as
parcerias entre esses atores que se constituem recursos de poder na luta contra a
expansão da fronteira capitalista da soja. Tais alianças lutam por direito à existência de
populações tradicionais. Como direito é poder, a luta se constitui em estratégias de
afirmação de poder, na forma de visibilidade de identidades territoriais e representações
simbólico-culturais dos grupos sociais envolvidos no conflito com os atores
representativos do grande capital.
A rede política assim constituída revela estratégia de coordenação das decisões
políticas, visto que as ações se inserem em escalas geográficas diversas. O Movimento
dos Sem-Terra é um bom exemplo, visto que suas alianças com professores, alunos,
sindicatos, ONG’s, federações, CPT, partidos políticos, agricultores e intelectuais
atingem o território brasileiro. A rede política do MST veicula instruções, disciplina
politico-ideológica, regras, preceitos e valores que são compartilhados pelas pessoas que
fazem parte dela. De fato, a natureza da rede do MST é política e capturada por diversos
atores quando animada pelas ações que o movimento realiza, de modo a ativar pontos
no território nacional onde há disputa pela terra. Enfim, as redes de resistência permitem
o intercâmbio e a negociação dos interesses em jogo, de modo a distribuir custos e
benefícios para que cada participante cumpra os compromissos contraídos, mesmo que
haja diferenças de linhas de ação política entre os participantes da rede.
No caso do MST, as redes políticas sinalizam estratégias em torno da Reforma Agrária,
enquanto parte de um projeto de transformação da sociedade em direção a um modo de
produção socialista. As ocupações realizadas pelo MST, para fins de implantação de
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assentamentos rurais, são o principal fato político que anuncia a permanência da questão
agrária no Brasil. Todavia, vale lembrar que, as contradições sociais também se
apresentam no âmbito dos assentamentos rurais, em áreas de avanço do agronegócio no
Cerrado. Há assentamentos onde a terra é arrendada para o agronegócio. Há também
assentados sem o sentido coletivo do uso da terra. Uso dos lotes rurais para fins de
residência de fim de semana e para a venda ilegal da terra também ocorre. Todavia, a
grande maioria dos assentados busca cumprir a função social da terra. Mas há diversas
dificuldades, após a fase de ocupação de terras.
A localização do assentamento, a qualidade dos solos e da água, o licenciamento
ambiental, a falta de apoio técnico e financeiro e de tradição com a terra podem ser
obstáculos à manutenção dos pequenos produtores. Mas os avanços dos assentamentos
na constituição de áreas de desenvolvimento local já são uma realidade. Há indicadores
demográficos dos dois últimos Censos do IBGE que mostram aumento da população
rural em alguns municípios onde a luta pela terra resultou em assentamentos rurais. O
fim do campesinato parece não se afirmar, apesar das teorias fatalistas que se destacam,
desde o século XIX.
A luta por um modelo de produção agroecológica para os pequenos produtores é uma
das estratégias que se coloca como alternativa ao agronegócio. Em alguns casos, a
urbanização da população rural também se revela como uma via de manutenção da
pequena agricultura familiar promovida pelas populações tradicionais. As articulações
em redes urbanas alteram valores e hábitos, mas podem desvelar estratégias-rede de
resistências ao agronegócio.
De qualquer modo, um dos maiores desafios dos movimentos sociais é a ideologia
geográfica a partir do discurso da sustentabilidade em disputa pelas corporações. Para
elas, sustentabilidade é a metáfora para legitimar o “progresso” com “responsabilidade
social”. No Cerrado, maior área potencial para o agronegócio do Brasil, os capitalistas
se apropriam do discurso de preservação da natureza, a fim de afirmar um
pertencimento aos reclamos ambientais impostos por movimentos ambientalistas e a
sociedade civil, em geral.
Os capitalistas do agronegócio da soja forjam um discurso ambiental através da defesa
da Pegada Ecológica, como indicador de sustentabilidade ambiental para medir e
gerenciar o uso de recursos naturais (terra e água) e estilo de vida, produtos e serviços
através da economia. A proposta de uma Economia Verde também se apresenta como
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mecanismo de mercantilização da natureza sob o discurso de responsabilidade
socioambiental. A proposta de substituição de tecnologias “sujas” por tecnologias ditas
“limpas” não é acompanhada por mudanças socioeconômicas do modo de produção
capitalista.
O discurso da “necessidade de aumentar a produção de alimentos para o mundo”
escamoteia a problemática da redução de áreas de produção da pequena agricultura
familiar de alimentos e da desigual distribuição da produção agropecuária, cujo
resultado se manifesta na fome a que estão submetidos milhões de indivíduos no
mundo.
Uma das questões que se coloca para o agronegócio é unir os reclamos da sociedade por
sustentabilidade socioambiental, a acumulação ampliada dos lucros e as políticas
públicas. A ação dos movimentos ambientalistas e de populações tradicionais interfere
nos interesses das corporações e grandes produtores do Cerrado. Apesar de o Estado ser
capitalista, as resistências se fazem presentes nas políticas públicas. As restrições
impostas pela Área de Reserva Legal dos biomas, o Zoneamento Ecológico-Econômico
e a criação de Territórios Indígenas, Reservas Extrativistas e Unidades de Conservação
e controle de poluentes direcionam as empresas para um processo chamado de “green
wash”, de modo a internalizar vantagens competitivas no âmbito de uma
mercantilização da sustentabilidade socioambiental. Assim sendo, alguns setores
industriais defendem a manutenção da biodiversidade com políticas em prol das
florestas, para fins de uso do potencial dos recursos naturais no consumo urbano. Na
indústria canavieira, há pesquisas para a redução do vinhoto transportado e jogado em
rios. Mas o Cerrado ainda é um dos principais biomas fornecedores de carvão usado
para produzir ferro e aço no Brasil. A relação entre trabalho escravo e siderurgia
avançou no Cerrado e na Caatinga, nos últimos dez anos, segundo dados da ONG
Repórter Brasil.
No que diz respeito ao trabalho escravo, informações da CPT, para o período de 2000 e
2010, revelam denúncias de trabalho escravo nas lavouras de soja do Cerrado. Foram
2.883 casos para um total de 26.800. Isto é, a produção de soja representa 10,7% das
denúncias de trabalho escravo. Mato Grosso, Maranhão e Tocantins são locais de maior
registro de casos (Dados obtidos do projeto PIBIC-CNPq do bolsista Vitor de Moura
Lima). De acordo com Cosandey (2011, p.146), o trabalho escravo na lavoura de soja se
situa na limpeza de antigos pastos quanto na derrubada da mata.
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Em suma, apesar das dificuldades, são as lutas em defesa de novos modelos de vida que
empurram as empresas para um discurso ambiental em termos de efetiva mudança de
padrão produtivo ou apenas enquanto discurso. A defesa do desenvolvimento
sustentável tem sido acompanhada por práticas pouco sustentáveis e não sustentáveis
pelas corporações, que se articulam em redes políticas para assumir o controle dos
recursos naturais. De qualquer modo é preciso reconhecer avanços no padrão produtivo
industrial em direção à redução de impactos ambientais. Se tal postura implica redução
de custos de produção, a sustentabilidade é bem-vinda. O que está no centro é sempre a
reprodução ampliada dos lucros. De qualquer forma, não dá para afirmar que nada tem
sido feito pelas corporações. As corporações precisam dar uma resposta à sociedade
civil, mesmo que seja parcial.
Nesse ponto, vale destacar que, a questão da segurança alimentar parece não fazer parte
dos interesses das corporações, preocupadas em expandir um modo global e
padronizado de se alimentar. A criação de um banco de sementes, que estão
desaparecendo por conta da monocultura de commodities, é uma boa estratégia de
resistência que vem sendo aplicada na Índia pela ativista ambiental Vandana Shiva.
Mas a luta pela afirmação do poder discursivo do agronegócio está em diversas frentes,
tais como no fomento aos “dias de campo”, evento em que são apresentadas as
inovações no modo de produzir e estratégias de defesa dos interesses de produtores e
corporações diante dos limites ambientais da legislação e a ação dos ambientalistas e
movimentos sociais.
Ao contrário do que pensam alguns intelectuais da Geografia Agrária, os capitalistas do
agronegócio não criam apenas um lugar-mercadoria, uma terra de negócio. As
estratégias discursivas e as ações sociais junto às localidades, através de políticas
assistencialistas, apoio à cultura e ao lazer, fazem parte da constituição de um lugar-
habitat do capital, para fins de afirmação de uma imagem de pertencimento territorial
com os lugares. Logo, é preciso repensar algumas afirmações, tais como o fato de o
capitalista ver os lugares apenas como base material, espaço vazio. O cotidiano, o
espaço vivido, as políticas públicas e os conflitos que se manifestam nos lugares são
percebidos pelos empresários, quando da decisão de investimentos locais. O discurso
dos movimentos sociais, que afirma a despreocupação dos capitalistas com os lugares
alvos de seus interesses, não me parece correto. Há sempre uma leitura prévia dos
lugares, mesmo que seja para destruir territórios preexistentes. No caso dos Cerrados, as
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comunidades locais são incorporadas no discurso e estratégias das corporações, mesmo
que isso se mostre de modo excludente ou via inserção precária nos mecanismos de
acumulação de capital.
Além disso, a história do lugar pode ser acionada, para fins de afirmação do ideário de
modernidade veiculado pelo agronegócio e de estratégias de pertencimento com os
lugares. Um bom exemplo é Blairo Maggi, paranaense, ex-governador de Mato Grosso
e ex-presidente do Grupo AMAGGI. Em um dos seus discursos, Blairo declara ser um
“bandeirante mato-grossense”.
No plano da paisagem geográfica, as áreas de Cerrado alteradas pelo agronegócio, o que
significa desmatamento e destruição da fauna e flora, revelam um espaço projetado,
construído e vivido por diversas comunidades distribuídas em áreas de campo e cidades.
A sensação de um contínuo espacial demonstra o grau de integração entre campo e
cidade. As cidades do agronegócio da soja tem seu espaço urbano organizado para
atender a demanda da produção agropecuária e, por sua vez, é afetada pelos ritmos de
produção de commodities e preços internacionais da cadeia grãos-carne.
Ao olhar as cidades e o uso intensivo das áreas agrícolas cria-se a sensação de uma
unidade produtiva acompanhada do discurso desenvolvimentista e do progresso. Nas
cidades do agronegócio da soja no Cerrado, a história é percebida pelos habitantes entre
antes e depois das transformações do agronegócio. A criação de empregos nas cidades,
o discurso da “melhoria dos indicadores sociais”, a implantação de empreendimentos
industriais, centros de pesquisa, armazéns e melhorias da logística de transporte
contribuem para legitimar junto à população a importância do agronegócio. Quem se
coloca contra é visto como inimigo do “progresso” e “estrangeiro”, já que não vivia em
tais cidades antes do “agronegócio moderno” chegar. Assim sendo, a própria população
urbana se coloca como parte da rede política de resistência criada pelos atores
hegemônicos para legitimar o agronegócio. Apesar da existência de áreas da cidade do
agronegócio, onde se distribuem casas precárias, invasões dos sem-teto, desempregados
e ausência de serviços básicos, de um modo geral, as populações urbanas do Cerrado
fazem política de afirmação do agronegócio. Nesse grupo participam professores
universitários, empresários, trabalhadores, donas de casa etc. Consolida-se uma
identidade e uma força cultural de resistência aos ambientalistas e movimentos sociais.
O desafio para os movimentos sociais é imenso: qual é a alternativa para essas cidades
que dependem do agronegócio? Agricultura familiar agroecológica? Expropriação dos
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meios de produção de grandes produtores e industriais? O que significa uma gestão
democrática e planificada dos recursos naturais pelos trabalhadores em geral? Qual é o
modelo de sustentabilidade ambiental urbana com justiça social e garantia das
diferenças entre os indivíduos? O que significa um modelo de equidade e justiça para
economias urbanas locais? Nós estamos pensando em modelo ou modelos alternativos
ao capitalismo? Os modelos propostos são tirânicos ou democráticos? Se for
democrático, qual são o sentido e valor da democracia que defendem os movimentos
sociais? A democracia conservadora pode ser tão tirânica quanto à ditadura. A
constituição de partidos revolucionários da classe dos trabalhadores também pode ser
autoritária. As populações urbanas serão chamadas para decidir sobre seu futuro? O que
os movimentos sociais acreditam ser o melhor para as populações urbanas e rurais é o
que elas querem como modo de vida? Devemos impor um novo contrato social que
equacione a relação entre vontade geral e vontade particular? Que valores isso significa,
de fato, para os movimentos sociais?
De minha parte, não saberia dizer qual é o melhor caminho. Não defendo qualquer
ideologia dominante, seja capitalista, seja socialista, seja anarquista. Penso apenas em
alguns princípios que devem nortear a vida em sociedade, a saber:
1) O fim da pobreza não do ponto de vista capitalista, mas do acesso às
necessidades básicas para a vida entre os homens;
2) Fim do modo de vida baseado no crescimento ampliado do consumo individual
através da dívida pessoal. Tal modelo cria desigualdades sociais e insustentabilidade
ambiental;
3) O fim do crescimento ampliado do PIB-Produto Interno Bruto- como indicador
de qualidade de vida e riqueza de um país. Tal situação é insustentável do ponto de vista
socioambiental, pois gera impactos ambientais e desigualdades entre lugares e
indivíduos. Se tal princípio significa fim do capitalismo, que esse fim seja bem-vindo.
4) Fim do capitalismo, pois tal sistema não tem compromisso com a vida. O
objetivo dos capitalistas é sempre a reprodução ampliada do capital sob os auspícios da
propriedade privada dos meios de produção.
5) Observar que, as ideologias de confronto com o capitalismo podem ter conteúdo
e práticas imperialistas autoritários e de desrespeito aos direitos humanos. A experiência
imperialista socialista soviética é um exemplo.
6) Direito à vida na sua diversidade de pensamento e modo de ser. Sei que isso é
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difícil, pois alguns modos de ser e viver são nocivos à vida para indivíduos que deles
não façam parte. Temos dificuldade de lidar com aqueles que defendem valores morais
e práticas que nos parecem nocivas à vida. A luta por justiça social pode caminhar junto
com a intolerância. Enfim, quaisquer que sejam as dificuldades, os problemas sociais
impostos pela ordem capitalista demandam reações e resistências de grupos diversos.
Durante a Conferência das Nações Unidas, chamada Rio+20, as tensões entre uma
defesa capitalista da Economia Verde e as alternativas ambientais sustentáveis
apresentadas por movimentos sociais foram marcas visíveis dos desafios em curso. Os
conflitos entre a racionalidade territorial do agronegócio e a racionalidade territorial
campesina foi um dos destaques da Conferência.
Do meu ponto de vista, defendo a transição do agronegócio para formas de ocupação e
manejo dos solos fundamentais à valorização da biodiversidade dos lugares e manejos
agroecológicos. Isso porque já está provado que um agroecossistema organizado em
bases agroecológicas possibilita articulações funcionais com os ecossistemas naturais
nos quais estão inseridos. Nesse caso, a força dos lugares se coloca por meio das
dinâmicas sociais, em termos de saberes e inovação, que atendam a requisitos locais. A
agroecologia implica manutenção de agroecossistemas complexos, o que significa
diversificação de culturas, rotação e sucessão de espécies. Quando se pensa em
sustentabilidade ambiental, a agroecologia possibilita redução do uso de energia fóssil e
de água. O manejo da agricultura sugere ainda conservar a fertilidade dos solos sem uso
de insumos externos e resistência à erosão dos solos. Assim sendo, o maior desafio à
sustentabilidade socioambiental não é técnico-cultural, mas político. O impacto do
agronegócio sinaliza para perda da cultura camponesa e introdução de soluções
universais para a agricultura baseadas em pacotes da Revolução Verde. O verde aqui
funciona como elemento simbólico de legitimação e pertencimento à afirmação de novo
modo de produzir no espaço agrícola. Logo, não poderia ser chamada de Revolução
Vermelha. De qualquer modo, a questão central está posta: quais são as condições para
superação do agronegócio pela Agroecologia, quando se pensa a organização da
sociedade capitalista globalizada por forte domínio da população urbana vis-à-vis a
população camponesa? Ainda não sei qual seria a melhor resposta.
No plano teórico, há a proposta de um metabolismo agrário, ou seja, a aplicação do
metabolismo socioecológico a agroecossistemas, para fins de sustentabilidade agrícola.
De acordo com o professor Manuel Gonzalez de Molina, pesquisador da Universidade
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Autônoma do México, e autor do livro “Metabolismo, naturaleza e historia: hacia uma
teoria de las transformaciones socioecológicas”, a abordagem metabólica na agricultura
permite uma alternativa produtiva que leva em conta a crise ambiental, as escalas
geográficas (do cultivo, da propriedade rural até aos mercados globais). De fato, a
proposta metabólica se afirma como ferramenta política à Agroecologia, de modo a
apontar para os movimentos sociais algumas linhas de ação e pontos críticos do sistema
agroalimentar. Isso porque a metodologia metabólica busca descrever os aspectos que
envolvem desde a lavoura até a mesa do consumidor. Nessa trajetória, verificam-se
problemas de insustentabilidade agroalimentar, os atores hegemônicos que se
beneficiam do modelo, e sinalizam-se para políticas públicas agroecológicas.
Diante de tantas questões, avanços, recuos e impasses para os movimentos sociais, os
capitalistas do agronegócio se antecipam e redirecionam suas estratégias-rede. As
corporações já estão mobilizadas a dar uma resposta à sociedade, em geral, e às redes
políticas de resistência aos seus interesses, em particular, mesmo que seja pela força.
Isso porque além do poder discursivo-ideológico da sustentabilidade e responsabilidade
social, há o exercício coercitivo do poder através da violência no campo. Informações
da Comissão Pastoral da Terra alertam para os casos de assassinatos, expulsão e
escravidão de produtores rurais e populações tradicionais, em geral.
Se situarmos tal debate no plano teórico, diríamos que a resistência promovida pelos
movimentos sociais é resultado de relações de poder engendradas pelo agronegócio. É
uma possibilidade de criar espaços de luta e de transformação social. Sendo também
poder, a resistência deve ser inventiva, móvel e produtiva, vir “de baixo” e se distribuir
estrategicamente, conforme assinala Foucault (2004: 240-42), no livro “ Microfísica do
Poder”.
Assim sendo, os movimentos sociais têm uma natureza coextensiva e contemporânea às
relações de poder no âmbito do capitalismo. Isso porque é sempre possível modificar a
dominação em determinadas condições a que ficam submetidos grupos sociais diversos.
De certa maneira, a resistência ao agronegócio desvela identidades (Povos do Cerrado,
Povos da Floresta), ideologias, discursos, geopolítica singular, normatização, estratégias
e rebatimentos territoriais, que se afirmam na constituição de reservas extrativistas, luta
por território quilombolas, demarcação de terras indígenas e assentamentos agrários,
criação de Unidades de Conservação, dentre outras conquistas de direitos e/ou poder.
A valorização das identidades comunitárias e a formação de redes comunitárias, para
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fins de distribuição e comercialização de produtos, são acompanhadas pela defesa de
saberes tradicionais destinados à agroecologia. A resistência também se verifica nas
festas, ritos e práticas educacionais que anunciam a existência de um rural transmissor
de valores geracionais. Daí os esforços na manutenção das raízes, memória e heranças
culturais das populações tradicionais como estratégia de resistência e valorização de
identidades territoriais, cuja racionalidade e valor da natureza estão contrários à
racionalidade imposta pelo agronegócio. A luta pela terra é o acesso à justiça e ao
reconhecimento de viver na diferença cultural através de modos de vida alternativos ao
capitalismo.
Dentre as redes políticas de resistência que defendem a biodiversidade do Cerrado e o
uso sustentável do bioma, destaca-se a Rede Cerrado. Criada em 1992, ela integra mais
de 300 entidades políticas envolvidas com a defesa socioambiental do Cerrado, tais
como indígenas, trabalhadores rurais, quilombolas, geraizeiros, quebradeira de cocos,
pescadores, ONG,s nacionais e internacionais, associação de trabalhadores rurais,
cáritas diocesana, Centro de Desenvolvimento Agroecológico do Cerrado (CEDAC),
Centro de Cooperativa Agroextrativista do Maranhão, Fundação Pró-Cerrado, Centro de
Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha, Centro de Estudos e Exploração
Sustentável do Cerrado etc. Há uma coordenação administrativa formada pelo Centro de
Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais, em Montes Claros, e o Grupo de
Mobilização dos Povos Indígenas do Cerrado. A maior preocupação da rede é enfrentar
as estratégias do agronegócio em áreas de expansão da fronteira agrícola e/ou áreas de
fronteira consolidada.
Outra rede política importante é a da Via Campesina,que é uma organização
internacional de pequenos e médios agricultores, criada em 1992, na Nicaraguá, no
contexto do Congresso da União Nacional de Agricultores e Pecuaristas (Unión
Nacional de Agricultores y Granaderos-UNAG. As ações políticas destacam estratégias
de defesa da soberania alimentar, biodiversidade, reforma agrária, ocupações de terras,
crédito e dívida externa, tecnologia, participação das mulheres, entre outros. A rede
política é formada, no Brasil, pelo MST, MPA-Movimento dos Pequenos Agricultores,
MAB- Movimento dos Atingidos por Barragens, MMC-Movimento de Mulheres
Camponesas, FEAB-Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil, CPT, PJR-
Pastoral da Juventude Rural, ABEEF- Associação Brasileira dos Estudantes de
Engenharia Florestal, CIMI- Conselho Indigenista Missionário, pescadores artesanais. A
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Via Campesina busca articulação e fortalecimento dessas parcerias constituídas, de
modo a promover linhas de ações, através de protestos contra empresas do agronegócio,
transgenia e capital financeiro global, e defesa de sistema alimentar local e modos
agroecológicos de produção agroalimentar.
Todavia, a luta por direitos, às vezes, se faz através de coalizões políticas entre sindicato
de trabalhadores rurais, ONG’s e corporações, como é o caso da Moratória da Soja.A
moratória da soja é mais um momento em que uma rede política se estabelece a partir
das resistências e pressões sociais. Em abril de 2006, o documento do Greenpeace,
“Comendo a Amazônia", alertava para o fato de a indústria internacional do setor
agroalimentar estar articulada ao desmatamento, à grilagem, ao trabalho escravo e à
violência no campo. Em julho do mesmo ano, as corporações se unem em torno de uma
estratégia para os impactos das denúncias junto à opinião pública. Através da ABIOVE-
Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais- e da ANEC- Associação
Nacional dos Exportadores de Cereais- as corporações se comprometeram em implantar
um programa de governança, que objetivasse não comercializar a soja da safra oriunda
de áreas que fossem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico, após outubro de 2006.
Assinaram o acordo as empresas associadas, tais como AMAGGI, CARGILL, BUNGE,
ADM, DREYFUS, ABC INCO e IMCOPA. A iniciativa tinha a duração de 2anos e
inaugurou o chamado “ambientalismo empresarial”, através de normas de conduta,
protocolos e acordos e regulações. Os acordos apontaram alguns impactos
subsequentes: 1) acordo entre agroindústria e ambientalistas; 2) constituição de uma
rede formada por corporações, movimentos sociais e ONG’s (Greenpeace, IPAM, TNC
e WWW Brasil, Amigos da Terra, IMAZON, IMAFLORA) e Sindicato dos
Trabalhadores Rurais.
A rede política em questão reflete um esforço entre produtores, processadoras,
fornecedores de soja e sindicato, de modo a atender os interesses dos atores que
participam da coalizão. Os interesses se resumem à manutenção de nichos de mercados
internacionais, em face das barreiras ambientais, e aos objetivos de criar limites à
expansão da soja e aos problemas sociais dela decorrentes. Todavia, as questões ligadas
à propriedade privada não foram abordadas e acordadas. As iniciativas resultaram ainda
na criação da Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS), sob a orientação
da legislação suíça. A diretoria da RTRS é formada pelo GRUPO AMAGGI,
WWF.Brasil, ABN AMRO, Fundapaz e Solidaridad. Apesar de qualquer crítica que se
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possa fazer a tais coalizões políticas, vale lembrar que essas redes políticas
institucionalizadas não estão deslocadas do conjunto dos conflitos e das pressões sociais
decorrentes dos impactos socioambientais do agronegócio.
Em direção as últimas considerações Em linhas gerais, a rede política dos movimentos sociais de resistência ao agronegócio
da soja é territorial e dialógica, pois se afirma a partir das forças dos lugares e das
territorialidades ali constituídas e é por elas afetada. É também rizomática, já que o agir
político demanda linhas de ação em que atores-redes são acionados nos mais dispersos
lugares, de acordo com os interesses e estratégias em jogo. A configuração da rede
territorial expressará o sentido das entradas e saídas de atores na rede em face dos
conflitos de territorialidades, temporalidades e racionalidades distintas. Neste ponto, tal
rede política está sempre no devir, se afirmando na diferença diante dos interesses e
impactos provocados pelo agronegócio. A rede política das resistências também
configura um quadro de assimetria de poderes, visto que as parcerias são feitas de
acordo com os recursos de poder disponíveis por cada um dos atores que da rede
participam. Exemplo claro é a organização em rede política do MST.
Na rede política, observa-se que o poder é menos uma propriedade de algum indivíduo
ou grupo social do que uma estratégia e seus efeitos são atribuídos às disposições, às
manobras, às táticas e aos funcionamentos, conforme assegura Deleuze (2005:41). A
forma como o poder é exercido pelas corporações do agronegócio e pelos movimentos
sociais de resistência é bem sinalizador para o campo de forças que se estabelece.
No entanto, apesar dos conflitos e tensões entre os movimentos sociais e o agronegócio,
a rede política do agronegócio tem se afirmado e também promove estratégias
individuais e coletivas mais inclinadas à busca de recursos de poder, pois são eles que
permitem a dominação no encadeamento e coordenação de um ou mais atores. A
organização estratégica contra os movimentos sociais é parte integrante das alianças
entre latifundiários, corporações, prefeitos, sindicatos patronais, etc. De fato, sempre
ocorre uma distribuição dos recursos de poder entre esses atores e intermediação dos
objetivos em jogo.
A rede política se revela, portanto, pela interação entre recursos de poder e
representação de interesses, conforme assinala Lechner (1996, p.54). Para ele, as redes
políticas são instâncias e procedimentos de coordenação horizontal e descentralizada.
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Configura-se, portanto, um arranjo, isto é, uma trama traçada por ordens e decisões, na
qual um grupo social compartilha recursos de poder e articula interesses coletivos e
particulares. O resultado é a recomposição dos lugares em novas bases territoriais e
temporais.
Assim sendo, a força dos lugares parece impactada pela ideologia do
desenvolvimentismo atribuído ao agronegócio e pelas alternativas colocadas pelos
movimentos sociais. A mobilização dos Povos da Floresta e dos Povos do Cerrado
constitui uma resposta política para a permanência de modos de vida alternativos e
tradicionais. Nesse campo de forças entre grandes produtores, corporações e
campesinato, o agronegócio da cadeia soja-grãos na Amazônia e no Cerrado tem
avanços e recuos, em face das territorialidades que resistem à corporatização dos
territórios. Porém, o processo está em curso. Daí a importância do debate acadêmico e
social sobre as formas de apropriação e produção capitalista de territórios em “áreas
frágeis, do ponto de vista socioambiental”, mas ricas de alternativas ao ordenamento
territorial das corporações e favoráveis às diversas possibilidades de vida.
Referências COSANDEY, José Victor Juliboni. A Cartografia da Violência no Campo em Mato Grosso. In: SILVA, Carlos Alberto Franco (org). Redes Políticas Territoriais: estratégia, conflitos e violência. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2011, pg.113-150. DELEUZE, Gilles. Foucault. Lisboa: Edições 70, 2005 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro:Graal, 1981/2004. LECHNER, N. Reforma do Estado e condução política. Revista Lua Nova, n.37. São Paulo: CEDEC, 1996. LIMA, Ivaldo. Redes Políticas Territoriais e Recomposição do Território. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Niterói: UFF, 2005. PAULILLO. Luiz Fernando. Redes de Poder & Territórios Produtivos. São Carlos: RIMA/UFSCAR, 2000. SILVA, Carlos Alberto Franco da; SANTOS, Arthur Pereira; NASCIMENTO, Luciano Bomfim. Ensaio sobre o conceito de rede política territorial. In; SILVA, Carlos Alberto Franco da (org). Redes Políticas Territoriais: estratégias, conflitos e violência. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2011, pg. 15-34.