as raízes do romantismo

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  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

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  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

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    Isaiah Berlin

    s

    r zes

    o

    Ro antis o

    EDIO

    Henry

    Hardy

    TR DUO

    lsa Mara Lando

    4

    TRS

    STREL S

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    3/39

    Primeir.

    15-Q

    I

    JJ]

    ndices para cati1ogo sistemtico:

    t .

    Romantismo: Artes

    700

    4 4

    5

    Este li

    vro segue as regras do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa (1990),

    em

    vigor desde

    1

    de janeiro de 2009

    T ~ S

    J

    STRELAS

    AI. Barilo

    de

    Limei

    ra

    , 401,

    6

    andar

    EP

    01202-900,

    So

    Paulo,

    SP

    Tel.:(tt) J2242t86/2t87/l l97

    editora}estrelas@editora]estrelas.com.

    br

    wwW.e

    ditora}estre:las.com.br

    Sumrio

    8 Prefcio

    enry ardy

    22 Em busca de uma definio

    48

    O primeiro ataque ao Iluminismo

    8o Os verdadeiros pais

    do

    Romantismo

    l O

    Os

    rom

    n ticos contidos

    144

    O Romantismo desenfreado

    178 Os efeitos duradouros

    2 8

    Apndice Algumas cartas sobr e as conferncias

    229 Notas

    237 Sobre as referncias bibliogrficas

    241

    ndice remissivo

    255 Sobre o autor

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    4/39

    refcio

    Cada coisa

    oque

    no outra coisa

    joseph Butler

    Tudo

    oque [ .. .

    lsaiah

    Berlin

    2

    A observao de Butler era urna das citaes favoritas de lsaiah

    l

    er

    n, que lhe deu a rp

    li

    ca

    em

    um de seus ensai

    os

    mais importan

    Tomo a frase como ponto

    de

    partida porque a primeira coisa

    ,, dita sobre este volume, a fim

    de

    dissipar qualquer equvoco,

    ( que ele no ,

    em

    grau algum, a nova obra sobre o Romantismo

    que Berlin tinha a esperana de escrever desde

    que

    proferiu as

    t onferncias

    A.

    W. Mellonsobreo assunto (falando de improviso,

    10m base em anotaes), em maro e abril de 1965, na National

    ( 1

    ll

    cry of Art. em Washington. Nos anos seguintes, em especial

    d r is que se aposentou da presidncia do Wolfson College, de

    rd, em 1975, Berlin

    continuou

    a ler

    muito

    ,

    tendo

    em

    mente

    um

    livro sobre o Romantismo, e acumulou

    grande

    quantidade de

    ti

    lOta

    es.

    Em

    sua ltima dcada de vida, colocou todas elas em

    aposentoseparado da casa e se dedicou tarefa de reuni-las: fez

    11111a lista de tpicos e comeou a gravar em fitas cassete uma sele

    ,,

    lndas an otaes, que foi ordenando

    sob

    os respectivos tpicos.

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    5/39

    Berlin

    tambm

    considerou usa r

    seu

    material como

    uma

    longa

    introduo a urna edio da obra de E. T. A. Hoffmann, e no como

    um estudo independente. No entanto, essa nova sntese, t

    o

    pro-

    curada,contnuou a lhe fugir, talvez, em parte, porqueele a deixou

    para

    muito

    tarde na vida, e, que eu sai

    ba

    , nem uma s sentena

    dessa obra idealizada jamais foi escrita.

    Sem dvid

    a,

    lamentvel para seus leitores, tal como certa

    mente foi para ele

    mesmo

    , que Berlin no tenha redigido seu texto

    para edio. Essa falta, contudo, no constitui uma p

    er

    da: se ele o

    tivesse escrito, este livro, que simplesmente uma transcrio edi

    tada das palestras, nunca teria sido publicado; e aqui h um frescor

    e uma sensaoda presena imediata do autor,

    uma

    intensidade e

    uma emoo que inevitavelmente ficariam um tanto obscurecidos

    em uma verso cuidadosamente ree aborada e ampliada. Vrias

    outras palestras

    min

    istradas

    por

    Berlin sobrevivem como grava-

    es

    ou

    transcries, e algumas p

    ode

    m s

    er

    comparadasdiretamen

    te com

    os

    textos pubHcados

    que

    delas derivaram ou com

    os que

    foram previamente redigidos para lhes servir de fundamento. Essa

    comparao mostra como as repetidas revises

    que

    Berlin costu

    mava realizar no ca

    minho

    para a publicao, embora enriqueam

    o

    co

    ntedo intelectual e a preciso de uma obra, podem

    por

    vezes

    exercer um efeito moderador sobre a palavra fa lada de improvi

    so; ou, ao contrrio, revela como um longo texto subjacente - um

    "torso", como Berlin o c

    hamava

    pode adquiri r vida nova e car

    ter

    mais direto

    quando

    usado como fonte

    para

    uma palestra que

    no lida de

    um

    texto preparado. A palestra proferida com

    base

    em anotaes e o livro cuidadosamente

    co

    nstrudo so, como se

    poderia di

    zer

    na terminologia pluralista, incomensurveis. Nesse

    caso, para o melhor ou para o pior,

    s

    existe a encarnao anterior

    de um dos projetos intelectua is mais

    ce

    nt rais de Berlin.

    lO

    O ttulo que usei foi sugerido, em

    um

    estgio inicial, pelo pr

    -

    pl lo

    Berlin. Foi substitudo por"Fontes

    do

    pensamento romntico"

    ra

    as palestras' porque nas pginas iniciais de rzog

    de Saul

    ll

    ow, publicado em 96 o heri, um acadmico judeu chamado

    Moi

    ss Herzog,que passa por uma crise de autoconfiana, esfora

    em vo para ministrar uma srie de palestras de educao

    de

    ud

    ultos em uma escola noturna

    de

    Nova York palestras intitula

    dn

    s, ju

    st

    amente,

    As

    razes do Romantismo

    .

    Foi apenas uma coin

    d dncia

    notvel

    Berlin negou haver

    qua

    lquer conexo, e Bellow

    w nfirmou mais tarde que ele tinha razo:

    Eu estava escrevendo um romance cmico; precisava de um ttulo

    para s palestras e peguei um ssim, do ar, como comum fazer

    quando se escreve um romance, nem sequer sonhando que esse

    pargrafo, a sombra de um mero nada, exigiria pesquisas e vol

    taria

    mais

    tarde para me assombrar.

    Na

    poca eu conhecia lsaiah

    Ber

    lin apenas

    por

    sua reputao. Ainda no o

    ti

    nha encontrado

    pessoalmente.

    Seja como fo

    r,

    o ttulo anterior era ce

    rtam

    ente mais altisso-

    nonte , e, se na

    poc

    a havia motivos para abandon lo, hoje eles

    de crto j desapareceram ...

    mudana, feita por

    Berlin

    emuma carta de

    28

    de fevereiro de1965 (ver p.

    223),

    velo arde demais para constardo folheto com o calendrio de eventos de maro

    dt1

    965

    da NationalGalleryofArt. Porm,o folheto de abril usou o novo ttulo.

    arta para Henry Hardy, 8 de maro de 2001. Eu queria saber se por acaso os

    d)IS haviam

    se enco

    ntrado

    antes de Bellow

    terminar

    o romance e se d

    isc

    utiram

    ll planos de Berlin .

    Outrosttulos

    avaliados

    por

    Berlin

    incluem

    Prometeu:

    um estudo sob

    re

    a

    1'ltcnso

    do

    Romantismo no sculo

    xvm

    (mencionadoapenas satiricamente

    11

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

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    Embora as observaes

    introdutrias

    de Berlin,

    antes de

    come

    ar as

    palestras

    propriamente

    ditas,

    sejam demasiado

    circunstanciais

    para aparecerem

    no

    corpo do texto publicado

    continuam

    tendo

    algum interesse em um

    prefcio.

    Assim

    , eis a

    maior parte

    delas:

    Estas palestras dirigem-se

    sobretudo

    a genunos especialistas

    em

    arte-

    historiadoresda

    arte

    e especialistas

    em

    esttica, entre os quais

    no

    posso,de

    modo

    algum,

    me

    incluir. Minha nica desculpa vlida

    para

    escolher este tema

    que

    o movimento romntico , natural

    mente relevante para asartes; e as artes embora eu no saiba muito

    sobre elas,

    no

    podem

    ser deixadas totalmente

    de

    fora, e

    prometo

    no

    deix-las

    de

    fora alm

    do

    que seria razovel.

    H um sentido em

    que

    a

    conexo

    entre o Romantismo e s artes

    ainda mais forte. Se

    eu

    puder

    apresentar alguma qualificao par a

    falarsobre o assunto, porque

    me proponho

    lidar

    com

    a vida pol

    tica e social, e

    tambm com

    a vida moral; e verdade, creio, dizer

    sobre o movimento romntico que

    no

    apenas

    um

    movimento

    que envolve s artes no pen s um movimento artstico m s tal-

    vez o primeiro

    momento

    , decerto na histria

    do

    Ocidente,

    em que

    as artes

    dominaram

    outros

    aspectos

    da

    vida,

    quando

    havia

    uma

    espcie

    de

    tirania da

    arte

    sobre a vida, o que,

    em

    certo sentido, a

    essncia

    do movimento

    romntico-

    ou

    pelo

    meno

    s, o

    que me

    proponho

    tentar demonstrar.

    Devo acrescentar que o interesse

    do

    Romantismo no simples

    mente histrico. Muitos fenmenos da

    atualidade-

    o nacionalismo,

    o existencialismo, a admirao pelos grandeshomens, a admirao

    e rejeitado de imediato), A ascenso do Romantismo , O impacto romntico ,

    A

    rebelio romntica' , A revolta romntica e A revoluoromntica

    {usado

    em 1960 para uma palestra).

    12

    pelas instituies impessoais, a democracia, o totalitarismo-

    so

    profundamente afetados pela ascenso

    do

    Romantismo,

    que

    entra

    em

    todos

    eles. Por esse motivo

    um

    tema

    no

    de

    todo

    irrelevante,

    mesmo

    para noss os dias.

    Tambm tem algum

    interesse o

    fragmento

    a seguir,

    que parece

    ser

    o

    rascunho para uma introduo s palestras

    ,

    escrito antes de

    serem

    proferidas.

    o nico texto elaborado

    por

    Berlin para

    este

    projeto que encontrei entre suas anotaes:

    No

    me proponho

    nem

    sequer

    tentar

    definir o

    Romantismo

    em

    termos

    de

    atributos e propsitos, pois,

    como

    Northr op Fryeadverte

    sabiamente,

    se

    urna pessoa

    tentar apontar

    alguma

    caracterstica

    bvia

    do

    s poetas

    romnticos- por

    exemplo, a nova atitude em rela

    o natureza

    ou

    ao

    indivduo-

    e dizer que isso

    se

    limita aos novos

    escritores

    do

    perodo de

    1770

    a

    1820

    e contrastar

    com

    a atitude de

    Pope

    ou

    de Racine, outra

    com

    certeza vai apresentar exemplos co n

    trrios,

    de

    Plato

    ou

    Kalidasa, ou como Kenneth Clark) do impe

    rador Adriano,

    ou

    como Seilliere) de Heliodoro, ou de um poeta

    espanhol medieval, ou de

    um

    poema em rabe pr-islmico, e,

    por

    fim, dos p rprio s Racinee Pope.

    Tampouco

    desejo

    dar

    a

    entender que

    haja

    casos

    pur s um

    sentido

    em que

    qua l

    quer

    artista

    ou pensador ou

    sujeito possa ser

    consider do inteir mente romn

    tico e nada

    m is

    ssim

    como no

    se pode dizer que um homem

    inteiramente individual,

    ou se

    ja,

    que no compartilha caractersticas com

    nenhuma outra

    coisa

    no

    mundo

    ,

    ou

    que tot lmente social,

    ou

    seja, que

    no

    possui nenhuma

    propriedade

    exclusivamente sua.

    No entanto

    essas palavras

    no

    so

    sem sentido, e

    de

    fato n

    o podemos

    passar

    sem

    elas: indicam

    atributos,

    ou

    tendncias,

    ou

    tipos ideais cuja aplicao

    se

    rve para

    3

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    7/39

    14

    esclarecer, identificar e talvez, se ainda no foram suficientemente

    observadas antes, exagerar aquilo que, por falta de palavra melhor,

    tem de ser chamado de

    spectos

    do carter de

    um

    homem, ou de

    sua atividade, ou de uma viso geral,

    ou

    de

    um

    movimento, ou

    de uma

    doutrina.

    Di zer que algum um pensador romntico

    ou

    um heri

    romntico no di

    ze

    r qualquer coisa. s vezes, equi

    va

    le a dizer

    que aquilo que ele ou faz precisa ser explicado em termos de um

    propsito, ou de um conjunto de propsitos (talvez internamen

    te contraditrios), ou de uma viso, ou talvez de vislumbres ou

    sugestes,que podem apontar para algum estado ou atividade em

    princpio irrealizve algo na vid

    a

    ou

    um

    movimento, ou uma

    obra de arte que

    faz

    partede sua essncia, mas inexplicvel, talvez

    ininteligvel. No mais que isso tem sido o objetivo da maioria dos

    escritores srios

    ao

    falar dos muitos - dos incontveis- aspectos

    do Romantismo.

    Minha inteno ainda mais limitada. Parece-me que uma

    radical mudana de valores oco rreu na segunda metade do scu

    lo xvm- antes

    do

    que se chama propriamente de movimento

    romntico que afetou o pensamento o sentimento e a ao no

    mundo ocidental. Essa mudana exp

    re

    ssa mais vividamente em

    boa parte do que parece ser mais caracteristicamente romntico

    nos romnticos; no em tudo o que

    romntico neles

    nem no

    que romn

    ti

    co em todos eles, mas em algo quintessenc

    ial

    , algo

    sem o qual no teria sido possivel nem a revoluo sobre a qual

    pretendo falar, nem as consequncias dela reconhecidas por todos

    aqueles que admitiram que existiu o fenmeno chamado movi

    mento romntico-a arte romntica, o pensamento romntico.

    Se

    algumargu.mentar que no inclu a caracterstica que se encontra

    no cerne disso ou daquilo, ou mesmo de todas as manifestaes

    do

    Romantismo, justamente esse o caso, e concordarei pron

    tamente. No meu objetivo definir o Romantismo, mas apenas

    lidar com a revoluo da qual o Romantismo, pelo menos em

    algumas de suas formas, a ma

    is

    forte expresso e o mais forte

    sintoma no mais que isso. No entanto isso

    mu ita coisa pois

    espero mostrar que essa revoluo a mais profunda e a mais

    duradoura de todas as mudanas na vida do Ocident

    e

    no menos

    abrangente do que as trs grandes revolues cujo impacto no se

    questiona - a industrial na Inglaterra, a poltica na Franae a social

    e econmica na R ssi com as quais na verdade o movimento

    de que me ocupo se conecta em todos os nveis.

    Ao editar

    a transcrio de

    ssas

    pa lestras (a partir

    das gra

    vaes da BBC),

    tentei

    restringir-me , de modo ge

    ral

    , a

    fazer

    o

    mnimo de alteraes pa ra

    gara

    nt ir um t

    exto

    fluente;

    conside

    rei

    a informalidade do estilo e as leves heterodoxias ocasion ais da

    linguagem, que

    so

    naturais em palestras ministradas com base

    em anotaes como pontos positivos a serem preservados, den

    tro

    de certos limites. Embora por vezes

    tenha

    sido necessria boa

    dose

    de c

    or r

    ees sintticas,

    como

    no

    rm

    al quando se tra

    ns

    cre

    vem

    sentenas proferidas de

    maneira

    espontnea, raramente h

    alguma verdadeira dvida

    sobre

    o signifi

    cado qu

    e Berlin quis dar.

    Pequ

    enas mudanas

    feitas

    por

    ele

    s

    transcries em

    um

    a fase

    anterior foram inc

    orporadas

    e isso explica algumas das p

    oucas

    di

    sc

    repncias substanciais que sero percebidas pelo leitor que,

    tendo este livro nas m

    os

    como um libr

    eto

    ouvir as gravaes

    das palestras que esto disponveis.

    A m neir de expressar-se de

    Berlin

    altamente sing

    ular

    e cativante

    foi

    um

    ingrediente central em sua reputao e a experincia de ouvi lo palestrar

    -15

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    8/39

    Como sempre

    , no poupei esforos para encontrar a fonte das

    citaes de Berlin e

    fi

    zas correes necessrias

    em

    trechos que foram

    concebidos, claramente,

    como

    passagens

    de uma

    fonte

    em

    ingls

    citadas

    na

    ntegra

    ou como tradues

    diretas

    de outro

    idioma, e

    no

    como

    parfrases. H,

    no

    entanto,

    outro

    dispositivo

    no

    arsenal

    de Berlin, intermedirio entre a citao ip

    sis

    literis e a parfrase,

    que

    poderia ser chamado

    de

    semicitao

    .

    As palavras semicitadas

    por

    vezes

    so

    apresentadas

    entre

    aspas, mas

    trazem

    o carter do que

    um

    autor

    poderia dize

    r,

    ou o

    que

    ele de fato disse, em vez

    de

    buscar

    reproduzir (ou traduzir) literalmente suaspalavras. um fenmeno

    bastante recomendada. A srie completa pode ser ouvida (mediante agenda

    mento prv io) na British Library, em Londres, ou na National Gallery of Art,

    em Washington. Um co da ltima palestra foi fornecido com a edio britnica

    deste livro em capa

    dura, para

    que os leitores pudessem ouvir como soavam

    as

    palestras quando proferidas. Essa edio no

    es

    t mais em catlogo, embora

    muitas bibliotecas tenham cpias. A gravao da ltima palestra tambm est

    disponvel em: http://berlin.wolf.ox.ac.uk/information/recordings.html.

    Em

    um mundo

    perfeito, talvez, todas as fontes ser iam fornecidas, no s

    das citaes e semicitaes, como tambm das parfrases e at

    de

    materiais

    baseados mais vagamente em trabalhos identificveis. Contudo, o mundo no

    pe

    rf

    eito, felizmente, e o tempo necessr

    io

    para rastrear tais fontes seria ex -

    gerado em relao ao beneficio de especific-las, mesmo que a tarefa pudesse

    ser concluda, o que bem duvidoso. De fato, se um processo to exaustivo de

    anotaes fosse seguido at sua concluso lgica, o aparato seria maior que o

    texto, e a

    tr

    ibulao do leitorseria ainda pior do que no caso deum

    mapa

    traado

    em escala de 1:1, que, inutilmente, duplicaria aspectos da realidade represen

    tada.

    Alm disso, as prprias fontes muitas vezes necessitam de confirmao,

    de modo que a tentativa de validar cada afirmao citando fontes

    geraria

    uma

    regresso infindvel at chegar a observaes empricas primrias (as quais,

    muitas vezes, se no sempre, so ambguas efou impossveis

    de

    confirmar) e,

    portanto, na prtica, imp ediria aconcluso de qualquer trabalho de escrita ou

    de edio de obra no ficcional.

    16

    fa

    miliar em livros escritos antes

    de

    nossa

    poca porm ta

    lvez

    no

    seja mais bem-aceito

    no

    clima acadmico contemporneo. Nas cole

    tneas de ensaios de Berlin

    que

    publiquei durante

    sua

    vida,

    em

    geral

    me

    limitei

    citao direta, cotejada

    com uma

    fonte primria,

    ou

    parfra

    se

    declarada. Em

    um

    livro desse tipo,

    porm

    , pareceria artifi

    cial e excessivamente intrusivo tentar esconder esse caminho inter

    medirio perfeitamente natural e retoricamente eficaz, insistindo

    Embora

    seja

    difcil diferenci-lo de puro desinteresse por aquilo

    que,

    pelos

    padres atuais, seconsidera preciso . Como Theodore Bestermanobservou

    na

    in troduo a sua traduo do

    Dicionrio ilosfico

    de Volta ire (Harmondsworth,

    1971, p.

    14),

    as noes modernas de fidelidade textual eram desconhecidas no

    sculo

    XVIII.

    As palavras que Voltaire pe entre aspas nem sempreso citaes

    precisas

    ou mesmo

    diretas

    No caso

    de Giambattista Vico,

    as coisas foram ainda

    piores, conforme registraram Thomas Goddard Bergin e Max Harold

    Fisch

    no

    prefcio edio revisada de sua traduo de incia

    nova

    de Vico (Nova

    York

    ,

    968

    pp.

    v-vi): Vico cita de memria, sem exatido; suas referncias so

    vagas;

    sua lembrana muitas vezes no

    da

    fonte original, mas de uma citao feita

    emalguma obra secundria; ele atribui a um autor o que foi dito por outro, ou

    a uma obra o que foi dito em outra do mesmo autor[

    ..

    ] . No entanto, como

    disseram Bergin e Fisch no prefcio primeira edio desua traduo da obra de

    Vico (Nova

    York,

    1948, p.

    viii),

    uma exposio completa dos erros de Vico ( ..]

    no atingiria o cerne de sua argumentao . No caso de

    Berlin

    , de todo modo,

    h a agravante de que, na medida em que suas citaes no so estritamente

    precisas, elas emgeralconstituem melhorias do original. Discutimos esse ponto

    muitas vezes, e ele era deliciosamente autoirnico a respeito, mas costumava

    insistir na correo se estivesse evidenteque havia alguma impreciso, embora

    sua abordagem descontrada em relao s citaes quase nunca distorcesse

    o significado do autor citado e por vezes at o esclarecesse melhor. claro que

    as observaes sobre Vico feitas por Bergin e

    Fisch

    so um exagero se aplica

    das a Berlin, porm, como Vico foi

    um

    dos heris intelectuais de Berlin, essa

    analogia

    (parcia

    l) tem certa ressonncia. No entanto, Bergin e Fisch apontam,

    apropriadamente

    (1968,

    p.

    v1),

    que Fausto Nicolini, o famoso editor

    de Vico,

    trata s deficincias acadmicas de Vico com amor e rigor - decerto uma

    atitude editorial exemplar.

    17

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    9/39

    em

    usar aspas apenas em citaes exatas. Menciono isso para que

    o leitor no seja induzido a erro e como pano

    de

    fundo para outras

    observaes sobre as citaes de Berlin que fao

    no

    incio

    da

    nota

    sobreas referncias bibliogrficas (p. 237).

    As palestras foram transmitidas pela primeira vez pela emis

    sora de rdio educativa W MU FM (sediada em Washington), em

    junho

    e julho de 1965. Depois, foram

    ao ar no

    Third Programme da

    BBC, em agosto e setembro

    de

    1966 e em

    outubro

    e novembro

    de

    1967, e retransmitidas na Austrlia (sem autorizao) em

    1975

    e na

    Gr-Bretanha, pela

    BBC

    Radio

    3

    em

    1989,

    quando Berlincomplet

    ou

    oitenta anos. Tambm foram includos trechos em programas de

    rdio posteriores sobre sua

    obra

    .

    Berlin se recusou

    terminantemente

    a permitir a publica

    o

    de

    uma transcrio das palestras, n

    o

    s porque at seus ltimos

    anos

    de vida ele

    ainda tinha

    esperana

    de

    escrever

    seu

    almeja

    do livro, como

    tambm

    talvez,

    porque

    acreditava ser um

    ato

    de

    vaidade publicar uma transcrio direta

    de

    palestras profe

    ridas espontaneamente sem empreender o trabalho de revi

    so

    e ampliao. Ele sabia muito

    bem que

    algum as coisas

    que

    tinha

    dito eram provavelmente, demasiado genricas, especulativas,

    um material em estado bruto- aceitvel se vindo da tribuna, ta

    l

    vez, mas no na pgina impressa. De fato, em uma carta a P. H.

    Newby, ento diretor do Third Programme ele agradece ter tido a

    possibilidade de

    so

    l

    tar

    esse

    enorme

    fluxo

    de

    palavras - mais de

    se

    is

    horas de fala agitada,

    em

    certos

    pontos

    incoerente, apressada,

    ofegante e at histrica a meus ouvidos .'

    H os que acreditam que a transcrio no deveria ser publica

    da nem mesmo postumamente,julgandoque, apesar deseu indiscu

    tvel interesse,ela diminui o valor

    da

    obra de Berlin. Dessa viso eu

    discordo, e j obtive apoio de diversos estudiosos cujo discernimen-

    t8

    to eu respeito,

    em

    particular do falecido Patrick Gardiner, o mais

    exigente dos crticos, que leu a transcrio editada alguns anos antes

    de eu public-la pela primeira vez e opinou, de maneira inequvoca,

    que era a favor

    da

    publicao do material tal comoestava. Mesmo que

    seja, de fato, um erro publicar materiais desse tipo durante a vida

    do autor (no estou certo disso), parece-m e no s aceitvel mas

    altamente desejvel faz-lo quando o autor to notvel e as pales

    tras to estimulantes, como nesse caso. Alm disso, o prprio

    Berlin admitia, claramente, que a transcrio fosse publicada aps

    sua morte, referindo-se a essa eventualidade sem indicar

    que

    tinha

    srias reservas. A publicao pstuma, acreditava ele, regida

    por

    critrios

    bem

    diferentes dos que se aplicam durante a vida de

    um

    autor e Berlindevia saber, embora jamais o tenha reconhecido, que

    suas Conferncias Mellon eram uma faanha na arte de ministrar

    palestras

    de

    maneira espontnea,

    com

    base em anota

    e

    s, e que

    mereciam ficar disponveis per manenteme nte,

    mesmo com

    suas

    fa

    lhas. Era chegada a hora de essa opo-para citar as palavras

    do

    prprio Berlinsobre seu livro declaradamente polmicosobre J G

    Hamann-

    ser aceita ou refutada pelo leitor crtico .

    Para esta edio fiz tambm uma srie de pequenas correes,

    acrescentei algumas fontes que vieram tona depois da primeira

    edio, algumas delas por meio

    do

    Google Books - ferramenta

    profundamente falha, porm transformadora para a tarefa

    do

    pes

    quisa

    dor

    literrio- , e compilei

    um

    adendo

    com

    uma seleo

    de

    car

    tas sobre as palestras, escritas principalmente

    por

    Berlin. A maior

    parte de

    sua

    correspondncia sobre esse tema sobrevive

    em

    seus

    prprios papis e/ou na National Gallery o f Art, em Washington.

    ou grato a Maygene Daniels, chefe dos Gallery Archives, por me

    fornecer cpias dos originais ali abrigados. As cartas foram esco

    lhidas para

    dar

    um sabor

    da

    atitude quase paranoica de Berlin em

    19

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    10/39

    relao a proferir palestras

    em

    pblico, especialmente

    uma

    srie

    to

    conhecida e prestigiosa

    como

    as Conferncias Mellon.

    Em meio correspondncia

    h

    duas cartas de Berlin sobre a

    possibilidade

    de

    usar slides para ilustrar as palestras. Na primeira,

    de 8 de fevereiro de 1965, ele observa com esplndida inconsistn

    cia: Ainda no estou realmente pretendendo exibir slides, se puder

    evitar; mas, ao mesmo tempo, quero muito, pelo menos em uma

    das palestras.Na segunda, de 24 de fevereiro, escreve: Desdeque

    a noo geral estivesse clara, eu no os explicaria [os slides)

    em

    detalhes; apenas

    os

    teria ali como uma espcie de pano

    de

    fundo

    geral para mostrar de

    que

    tipo de coisa se trata .

    H

    muitasdvidas degratido a serem registradas- mais nume

    rosas, sem dvida, do que consigo lembrar. As relativas ao

    forneci

    mento

    de

    ref

    erncias esto mencionadas na pgina 239 . Excluindo

    estas, meus maiores agradecimentos (basicamente os mesmos que

    os

    de volumes anteriores) so para com os generosos benfeitores

    que financiaram minha bolsa como

    ellow

    do Wolfson College; ao

    fa lecido Lord Bullock, po r garantir que eu tivesse benfeitores a

    quem agradecer; ao Wolfson College,

    por

    abrigar a mim e a meu

    trabalho; fa lecida Pat Utechin, secretria do autor, que

    foi

    minha

    paciente amiga e defensora

    por

    cerca de

    35

    anos; a Reger Hausheer

    e ao falecido Patrick Gardiner, pela leitura e aconselhamento sobre

    a transcrio e

    por

    muitas outras formas de indispensvel ajuda; a

    Jonn y Steinberg,

    por

    valiosas sugestes editoriais; aos editores que

    tiveram de suportar

    minhas numerosas

    e especficas exigncias,

    especialmente Will Sulkin e Rowena Skelton-Wallace, da Chatto

    Windus, e Deborah Tegarden, da Princeton University Press; a

    Samuel Guttenplan,

    pe

    lo

    apoio

    moral e

    cons

    elhos teis; e, final

    mente (embora, com muita falta de considerao, eu

    no os

    tenha

    mencionado antes), aos meus familiares, por

    suportar

    essa forma

    2

    um

    tanto

    estranha de obstinao que subjacente

    profisso que

    escolhi. Espero

    que

    seja

    quase

    suprfluo acrescentar

    que

    minha

    maior d

    vida para

    com

    o prprio Isaiah Berlin,

    por

    me confiar

    a tarefa mais gratificante

    que um

    editor poderia ter esperanas de

    receber e

    por

    me

    dar

    total liberdade para realiz-la.

    Wo

    lfson

    College,

    Oxford, maio de 1998

    Heswall, maio de 2 12

    enry ardy escritor ee

    ditor

    br

    itn

    ico,

    organizador das obras de lsaiah

    Berlin.

    21

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    11/39

    m busca

    de

    um

    definio

    Seria de esperar que eu comeasse com algum tipo

    de

    definio

    do Romantismo, ou pelo menos alguma generalizao, a fim

    de

    deixar claro o que quero dizer com essa palavra. No entanto, no

    me proponho entrar

    nessa armadilha. O eminente e erudito

    pro

    fessorNorthrop Frye observaque quando algum se dispe a fazer

    uma generalizao sobre o tema do Romantismo, mesmo algo to

    incuo como, por exemplo, dizer

    que

    surgiu

    uma

    nova atitude

    entre

    os

    poetas ingleses

    em

    relao

    natureza-

    em

    Wordswor

    th

    e Coleridge, digamos, em contraste

    com

    Racine e Pope - sempre

    haver aquele que apresentar provasem contrrio com base nos

    escritos

    de

    Homero, Kalidasa, picos rabes pr-islmicos, poesia

    da Espanha medieval... e

    por

    fim, at os

    prprios

    Racine e Pape.

    Por essa razo,

    no

    me proponho generalizar, e sim transmitir de

    alguma outra maneira o que creio que o Romantismo seja.

    Na verdade,a literaturasobre o Romantismo maior

    do

    que o

    prprio Romantismo, e, por sua vez, a literatura que define de que

    se ocupa

    a literatura sobr e o Romantismo tambm

    bem grande.

    Trata-se de uma espcie de pirmide invertida. um assunto confu

    o e perigoso, no qual muitos j perderam, eu no diria

    os

    sentidos,

    mas pelo menos o senso

    de

    direo.

    como

    aquela caverna escura

    descrita

    por

    Virglio, onde todos os passos seguem em

    uma

    s dire

    o,ou a caverna de Polifemo- quem entra parece que hunca mais

    sair. Por isso, com alguma apreenso que

    me

    lano

    no

    assunto.

    23

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    12/39

    A importncia

    do

    Romantismo ter sido o

    maior

    movimento

    recenteque transformou a vida e o pensamento

    do

    mundo ociden

    tal. Creio ser ele a maior

    mudana j ocorrida

    na conscincia

    do

    Ocidente e todas

    as

    outras mudanas que acontecer

    am

    ao longo

    dos

    sculos

    XIX

    e

    xx me

    parecem

    em

    comparao

    menos impor

    tantes e de

    todo modo

    profundamente

    influenciadas

    por

    ele.

    A histria

    no

    s

    do

    pensamento mas da conscincia da opi

    nio assim

    como

    da ao da moral da poltica

    da

    esttica

    em

    grandemedida

    uma

    histria dos modelos dominantes. Sempreque

    olhamos para qualquercivilizao vamos descobr ir que seus escritos

    e outros produtos culturaismais caractersticos refletem determinado

    tipo de vida

    qu

    e domina os que

    so

    responsveis

    por

    esses escritos

    ou

    pintam esses quadros ou produzem essas msicas especficas. E

    para identificar

    uma

    civilizao para explicar que tipo de civilizao

    ela para compreendero mundo no qual aqueles homens pensavam

    sentiam e agiam importante tentar ao mxim o possvel isolar o

    padro

    dom

    inante a

    que

    essa cultura obedece. Consideremos

    por

    exemplo a filosofia grega

    ou

    a literatura grega da poca clssica. Se

    lermos digamos a filosofia de Plato veremos que ele dominado

    por um

    modelogeomtrico

    ou

    matemtico. ntido que seu pensa

    mento

    funciona segundo linhas que so condicionadas pela ideia de

    que

    h certas verdades axiomticas irredutveis inquebrantveis que

    permitem mediante

    uma

    lgica severa deduziralgumas concluses

    absolutamenteinfalveis; que possvel atingir esse tipo de sabedo

    ria absoluta

    por

    meio de

    um mtodo

    especial que ele recomenda;

    que existe

    uma co

    isa que o conhecimento absoluto a ser obtido no

    mundo

    e se conseguirmos atingir esse conhecimento absoluto do

    qual a geometria e de fato a matemtica em geral o exemplo mais

    prximo o paradigma mais perfeito ento poderemos organizar nos

    sa vida em termos desse conhecimentoem termos dessas verdades

    24

    de uma vez

    por

    todas de maneira esttica que no necessita de mais

    mudana alguma; e ento se pode esperar que todo o sofrimento

    toda a dvida toda a ignorncia todas as formas devcio e insensatez

    humanos desapaream da face da Terra.

    Essa

    noo de

    que existe

    em

    algum lugar

    uma

    viso perfeita

    e que ela precisa apenas

    de certo tipo de

    disciplina severa

    ou

    de

    ce

    rto tipo de mtodo para atingir

    essa verdade

    que

    anloga

    de

    todo modo

    s

    verdades frias e isoladas da

    matemtica-

    tal ideia

    afeta muitos

    outros

    pensadores da era ps-platnica:

    com

    certeza

    o Renascimento

    que

    tinha ideias semelhantes

    com

    certeza

    pen

    sadores

    como

    Spinoza pensadores

    do

    sculo XVIII e tambm pensa

    dores do sculo

    XIX

    que acreditavam

    ser

    possvel alcanar

    um

    tipo

    de conhecimento se

    no

    absoluto pelo

    menos quase abso

    lu

    to

    e

    nesses

    termos

    organizar

    o

    mundo

    criar alguma

    ordem

    racional

    na

    qua

    l a tragdia o vcio e a estupidez

    que

    causaram

    tanta

    des

    truio

    no

    passado pudessem finalmente

    ser

    evitados pelo uso de

    informaes cuidadosamente adquiridas

    e pela aplicao a elas

    de uma

    razo

    universalmente inteligvel.

    Esse

    um

    tipo de modelo que ofereo apenas

    como

    exemplo.

    Tais modelos invariavelmente

    comeam

    por

    libertar as pessoas

    do

    erro da confuso de algum

    mundo

    ininteligvel

    que

    elas

    pro

    cura

    m explicarpara si mesmas

    por

    meio de

    um

    modelo

    mas

    aca

    bam

    quase sempre

    por

    escravizar essas mesmas pessoas

    por no

    explicarem o

    todo

    da experincia. Comeam como libertadores e

    aca

    bam em

    algum tipo de despotismo.

    Vejamos mais

    um

    exemplo: uma cultura paralela a da Bblia

    a

    dos judeus em um perodo

    correspondente

    ao

    de Plato. Aqui

    vamos

    encontrar um outro

    modelo

    um conjunto

    de ideias total

    mente diversas que

    teriam sido in

    nteligveis para os gregos. A

    c

    ultura da

    qual surgiu o judasmo e tambm o cristianismo

    25

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    13/39

    em

    grandemedida, ada vida familiar, das relaes entre pai e filho,

    talvez das relaes dos membros de uma tribo entre si. Relaes fun

    damentais, segundo as quais a natureza e a vida so explicadas, tais

    como o

    amor dos

    filhos pelo pai, a fraternidade entre os homens,

    o perdo, os comandos emitidos por um superior a um inferior, o

    senso de dever, a transgresso, o pecado e, portanto,a necessidade

    de expil todo esse complexo de qualidades, com base nas quais

    o Universo inteiro explicado poraqueles que criaram a Bblia e por

    aqueles que foram, em grande parte, influenciados porela, teria sido

    totalmente ininteligvel

    para

    os gregos.

    Consideremosum salmo muito conhecido que diz: Quando

    Israel saiu do Egito [ ..] O mar viu e fugiu; o

    Jordo

    voltou atrs.

    Os montes

    saltaram como carneiros, e as colinas como cordeiri

    nhos , e aTerra recebe a

    ordem

    de

    tremer

    [ .. diante do Senhor .'

    Isso teria sido totalmente ininteligvel para Plato ou Aristteles,

    pois

    toda

    essa

    concepo de mundo

    que reage pessoalmente s

    ordens do Senhor, a ideia de que

    todos

    os relacionamentos, tanto

    animados como inanimados, devem ser interpretados segundo as

    relaes entre os seres humanos

    ou

    pelo menos segundo as relaes

    entre personalidades, em um caso divinas,no outro caso humanas,

    muito

    distante

    da

    concepo grega do

    que era

    um deus e quais

    eram

    suas relaes c

    om

    a

    humanidade

    . Vem da a ausncia entre

    os gregos

    da noo de obrigao, a ausncia da

    noo

    de dever,

    que to difcil de

    compreender

    para

    os que os

    leem

    com

    lentes

    parcialmente afetadas pelo judasmo.

    Permitam-me tentardar uma ideia decomo diferentes modelos

    podemser estranhos, pois isso import ante simplesmente para tra

    ar a histria dessas transformaes da conscincia.Revolues con

    siderveis ocorreram no panorama geralda humanidade,cujo rumo

    por

    vezes dific de traar, pois ns as engolimos como se fossem

    26

    bem conhecidas. Giambattista Vico, pensador italianoque floresceu

    no incio do sculo xvm- se que se pode dizer que um .homem

    totalmentepobree esquecido tenha florescido-, foi talvez o primeiro

    o

    c

    hamar

    nossa ateno para a estranheza das culturas antigas.

    Ele

    a

    ponta

    , por exemplo, que na citao '

    }ovis omni

    plena

    3

    (fudo

    est

    repleto de Jpiter), o final de um hexmetro latino

    bem

    conhecido,

    algo dito que para ns

    no

    totalmente inteligvel. De um lado,

    Jpiter uma divindade,um grande deus barbudo que desfecha raios

    c troves. De outro, o verso diz que tudo - omnia -est repleto

    desse ser barbudo, algo que no inteligvel diretamente. Vico ento

    argumenta, comgrandeimaginaoe de maneira convincente, que a

    viso desses povos antigos, to distantes de ns, deve tersido muito

    diferente da nossa para que eles concebessem sua divindade

    no

    s

    co

    mo um gigante barbudo comandandoos deuses e os homens, mas

    tambm como algo de que todo o firmamento pudesseesta r repleto.

    Gostaria de dar um exemplo mais conhecido. Quando Arist

    teles, na tiaJ aNicmaco, discute o tema da amizade, ele diz, de um

    modo que

    para

    ns um tanto surpreendente, que existem vrios

    tiposde amigos. Por exemplo,existe a amizadequeconsisteem uma

    paixo ardorosa de

    um

    ser humano por outro, e tambm aquela

    que

    consiste nas relaes de negcios,

    no

    comrcio,

    na compra

    e

    venda. O fato de que, para Aristteles, no haja nada de estranho

    em dizer

    que

    existemdois tipos de amigos, de um lado pessoas cuja

    vida inteira dedicada ao

    amor ou

    pelo menos cujas emoes so

    ardorosa mente envolvidas pelo amor, e,de outro, pessoas que ven

    dem sapatos para outras, e que ambas so espcies do mesmogenus

    - tudo isso para ns difcil de entenderporcausado cristianismo,

    ou do movimento romntico, ou do que quer que seja.

    Dou

    esses exemplos apenas

    para mostrar que

    essas culturas

    antigas

    so

    mais

    estranhas do

    que pensamos e

    que ocorreram

    27

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    14/39

    transformaes maiores na histria da conscincia humana do

    que perceberamos fazendo uma leitura comum e acrtica dos

    clssicos. H, naturalmente, muitos outros exemplos. O mundo

    pode ser concebido de maneira orgnica, como uma rvore, em

    que cada parte vive para todas as outras partese por meio de todas

    as outras partes, ou de maneira mecanicista, talvez como resultado

    de

    algum modelo cientfico,

    em

    que as partes so externas umas s

    outras e em que o Estado,

    ou

    qualquer outra instituio humana,

    considerado um inst rumento destinado a promover a felicidade

    ou a impedirqueas pessoas acabem umas com as outras. Essas so

    concepes de vida muito diferentes, pertencem a tendncias

    de

    opinio diferentes e so influenciadas

    por

    consideraesdiferentes.

    O que acontece,

    em

    regra,

    que alguma

    disciplina ganha

    a ascendncia - digamos a fsica ou a qumica - e, em razo da

    enorme influncia que exerce sobre a imaginao de sua gerao,

    aplicada tambm a outras esferas. lsso aconteceu

    com

    a sociologia

    no sculo XIX; isso aconteceu com a psicologia em nosso sculo.

    Minha tese

    que

    o ~ o v i m n t o romnt ico foi

    uma

    transformao

    to gigantesca e radical que depois dele nada mais foi o mesmo.

    nessa tese

    que

    quero me concentrar.

    Ondesurgiu o movimento romntico? Decerto no na Inglater

    ra, embora tecnicamente, tenha sido l - o quediro todos os histo

    riadores. Mas, de todo modo,

    no

    oi l que ele se deu em sua forma

    maisdramtica.Aqui surge a pergunta: quando falo em Romantismo,

    estou

    me

    referindoa algo que aconteceu em dado momento hist

    rico,como parece que estou dizendo, ou, talvez, a uma mentalidade

    permanenteque no exclusiva de umapoca, nem monopolizada

    por ela? Herber t Read e Kenneth Clark adotaram a posio de que

    Ambos assim como

    Berlin

    tambm proferiram Conferncias Mellon.

    z8

    o Romantismo um estado de esprito permanente, que pode ser

    encontrado em qualquer lugar. Kenneth Clark o encontra em algu

    mas linhas de Adriano; Herbert Read cita numerosos exemplos.O

    baro Seillire: que escreveu extensamente sobre o assunto, cita

    ato e Plotino, e tambm o romancistagrego Heliodoro e muitas

    outras pessoas que, em sua opinio,

    eram

    escritores romnticos.

    No desejo entrar nessa

    questo

    talvezseja verdade. O tema de que

    cu, pessoalmente, desejo tratar confinado no tempo. No quero

    ratar de uma atitude humana permanente, mas de uma transforma

    o especial que ocorreu em dado momento da histria e que nos

    afeta ainda hoje. Assim,proponhoconfinarminha ateno ao quese

    passou

    no

    segundo tero

    do

    sculoXVIII. E se passou no na Ingla

    terra nem na Frana, mas sim, em sua maior parte, na Alemanha.

    A viso corrente da histria e das transformaes histricas

    no

    s

    d

    esse relato. Comeamos com o dix huitieme francs, um

    sculo elegante

    em

    que

    tudo

    se inicia calmo e suave, as regras so

    obedecidas na vida e

    na

    arte,

    h

    um avano geral da razo, a racio

    nalidade est progredindo, a Igreja est recuando, a irracionalidade

    vai cedendo aos grandes ataques feitos contra ela pelos

    philosophes

    r

    anceses. Existepaz, existecalma, constroem-se edifcios elegantes,

    h uma crena na aplicao

    da

    razo universal tanto s questes

    humanas

    como

    prtica artstica, moral, poltica, filosofia.

    Evem ento

    uma

    sbita invaso, aparen temente inexplicvel. De

    repente h uma violenta erupode emoo,

    de

    entusiasmo. Surge

    um

    interesse pelos edifcios gticos, pela introspeco. As pessoas

    subitamente se tomam neurticas e melanclicas; passam a admi

    rar os voos inexplicveis do gnio espontneo. H uma debandada

    geraldaquele estado de coisas simtrico, elegante,vtreo.Ao mesmo

    Em francs no original sculo XVIII.

    29

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    15/39

    tempo ocorrem outrasmudanas. Edode uma grande revoluo h

    descontentamento;

    cortam

    a cabea do rei; comea o Terror.

    No

    muito

    claro o que essas duas revolues

    tm

    a ver

    uma

    com a outra. Ao lermos a histria

    h

    um sentimento geral de

    que

    algo catastrfico ocorreu

    no

    final do sculo

    XVIII.

    No incio as coisas

    pareciam ir relativamente tranquilas e ento acontece uma reviravolta

    repentina. Algunsa recebem bem outros a condenam. Os que a con

    denam supem que essa antes da reviravolta vivia-se em uma poca

    elegante e pacfica a qual

    quem

    no conheceu

    no

    saber jamais o

    que o verdadeiroplaisirdev vr ,

    como

    disse Talleyrand.

    5

    Outros dizem

    que essa poca foi artificial e hipcrita e que a Revoluo trouxe um

    reinadode mais justia mais humanidade mais liberdade mais com-

    preenso do homem pelo homem. Seja como

    for

    a questo : qual a

    relao entre a chama da revoluo romntica a sbita irrupo nos

    domnios da arte e da moral dessa nova e turbulenta atitude e a revo

    luo normalmente conhecida como Revoluo Francesa? Ser que

    as

    pessoas que danaram sobreas runas da Bastilha as que cortaram

    a cabea de Lus XVI eram as mesmas que foram afetadas

    pe

    lo sbito

    cu

    lto ao gnio ou pela sbita irrupo

    do

    emocionalismo

    de

    que nos

    fa

    lam ou pelas sbitas turbulncia e perturbao que inundaram o

    mundo ocidental? Aparentemente no. Sem dvidaos principias em

    nome dos quais se travou a Revoluo Francesa eram princpios da

    razo da ordem da justia universais com pouca relao com o senso

    de singularidade a profunda introspeco emocional o senso das dife

    renas entre as coisas mais das dessemelhanas que das semelhanas

    aspectos

    com

    que o movimento romntico em geral associado.

    E o que

    dizer

    de Rousseau? Rousseau

    claro

    corretamente

    associado

    ao

    movimento romntico

    como

    sendo

    em

    certo sentido

    Prazerde viver s vezes citado como douaur devivre doura deviver).

    30

    um

    de

    seus pais. Mas o Rousseau q ue foi responsvel pelas ideias de

    Robespierre o Rousseau que foi responsvel pelas ideias dos jaco-

    binos franceses no o mesmo Rousseau parece-me que tem uma

    conexo bvia com o Romantismo. Aquele Rousseau o que escre

    veu O

    contrato

    social um tratado tipicamente clssico que fala sobre

    o retorno do homem aos princpios originais primrios que todos

    tm em comum; o reioado da razo universal. que une os homens

    em contraste

    com

    as emoes que dividem os homens; o primado da

    justia universal e da paz universal. oposto

    aos

    conflitos e s turbu-

    lncias e s perturbaes que lanam o corao

    humano

    para longe

    da mentee dividem os homens colocando-os uns contra os outros.

    Assim dificil ver qual a relao dessa

    grande

    reviravolta

    romntica com a revoluo poltica. Edepois

    h tambm

    a Revo

    luo Industrial que no pode ser considerada irrelevante. Afinal

    ideias no geram ideias. Certos fatores sociais e econmicos so

    responsveis por grandes convulses na conscincia humana.

    Temos um

    problema

    nas mos.

    H

    a Revoluo Industrial h a

    g rande revoluo poltica francesa sob

    os

    auspcios clssicos e h

    a revoluo romntica. Consideremos

    at

    mesmo a

    grande arte

    da

    Revoluo Francesa. Olhando

    por

    exemplo para as grandes pin

    turas revolucionrias

    de

    Jacques-Louis David dificil conect-lo

    especificamentecom a revoluo romntica. Os quadros de David

    tm uma espciede eloquncia a austera eloquncia jacobina de

    um retorno a Esparta

    um

    retorno a Roma; eles comunicam

    um

    protesto contra a frivolidade e a superficialidade da vida que tem a

    ver

    com

    as pregaes de homens como Maquiavel. ou Savonarola

    ou Mably pessoa s que denunciaram a frivolidade de

    sua

    poca em

    nome

    de ideais eternos de tipo universal

    enquanto

    o movimento

    romntico

    segundo nos dizem todos os

    seus historiadores foi

    um

    protesto apaixonado contra a universalidade

    de

    qualquer tipo.

    Jl

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    16/39

    Portanto, se coloca,pelo menos primeira vista, um problema para

    compreender o que aconteceu.

    Para

    dar

    uma ideia

    do

    que considero ter sido essa grande

    rup

    tura, e por que creio que nesses anos, entre 1760 e

    1830

    ocorreu

    al

    go

    transformador,

    um

    forte rompimento na conscinciaeuropeia,

    para dar pelo menos algumas provas preliminares de

    por

    que penso

    que se pode dizer isso,gostaria de p artir de um exemplo. Suponha

    mos que voc estivesse viajando pela Europa Ocidental na dcada

    de 1820 e que conversasse, na Frana, com os jovens vanguardistas

    que eram amigos de Victor Hugo, os Hugoltres Suponhamos que

    fosse Alemanha e l conversassecom as pessoas que receberam a

    visita de Madame de Stael, a escritora que interpretou a alma alem

    para os franceses.Suponhamosque conhecesse os irmos Schlegel,

    grandes tericos do Romantismo,

    ou um

    ou dois amigos de Goethe

    em

    Weimar, tal

    como

    o fabulista e poeta Tieck,

    ou

    outras pessoas

    relacionadas

    com

    o movimento romntico e seus seguidores nas

    universidades, estudantes, rapazes, pintores, escultores, que foram

    profundamente influenciados pela

    obra

    desses poetas, dramatur

    gose crticos.Suponhamos que voc conversassena Inglaterra com

    algum que foi influenciado por, digamos, Coleridge ou, acima de

    tudo, por

    Byron-

    com qualquer pessoa influenciada por Byron,

    fosse na Inglaterra, ou na Frana, ou na Itlia, ou alm

    do

    Reno,

    ou alm do Elba.

    Suponhamos

    que voc conversasse

    com

    essas

    pessoas. Voc descobriria que para elas o ideal de vida era algo

    prximo do que descreverei a seguir.

    Os valores aos quais elas atr ibuam a maior importncia eram

    integridade,sinceridade,disponibilidade para sacrificar a vida para

    alguma chama interior, dedicao a algum ideal pelo qual valia a

    Huglatras por anal

    og

    ia

    com

    idlatras .

    32

    pena sacrificar tudo aquilo que a pessoa , pelo qual valia a pena

    viver e tambm morrer. Voc descobriria que elas no estavam

    interessadas principalmente no

    conhecimento

    ou no avano da

    cincia, no estavam interessadas no

    poder

    poltico, na felicidade,

    no estavam interessadas, acima de tudo

    em

    se

    adaptar

    vida,

    em encontrar seu lugar na sociedade, em viver

    em paz com

    seu

    governo, at mesmo em lealdade a seu rei ou a sua repblica. Voc

    descobriria que o bom-senso, a moderao, estava muito longe

    de seus pensamentos. Voc descobriria que elas acreditavam na

    necessidade

    de

    lutar porsuas crenas at o ltimo alento de seu ser,

    e que acreditavam

    no

    valor do martrio como tal- martrio pelo

    qu, isso no importava. Voc descobriria que elas acreditavam que

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    17/39

    almas

    humanas, e no

    h

    nada mais importante que isso;

    mas

    eles

    so

    to

    sinceros,

    to

    prontos a

    morrer

    pela causa em que acreditam,

    a integridade deles

    to

    esplnctida

    que

    preciso

    conceder

    alguma

    admirao

    pela ctignidade

    moral

    e pela sublimidade de pessoas que

    esto dispostas a fazer isso . Tal

    sentimento

    seria in inteligvel. Qua l

    quer

    pessoa

    que

    realmente conhecesse,

    que

    achasse

    que

    conhecia a

    verdade, digamos

    um

    catlico

    que

    acreditasse

    nas

    verdades pregadas

    pela Igreja, saberia que as pessoas capazes de se colocar por inteiro na

    teoria e na prtica da falsidade eram

    simp

    lesmente pessoas perigosas

    e, quanto mais sinceras fossem, mais perigosas, mais loucas.

    Nenhum

    cavaleiro cristo teriasuposto,ao lutarcontraos muul

    manos, que se esperava dele que

    admirasse

    a pureza e a sincerida

    de com que esses pagos acreditavam em

    suas doutrinas

    absurdas.

    Sem dvida,

    se

    voc fosse uma pessoa decente e matas e

    um

    inimigo

    corajoso,

    no

    seria obrigado a cuspir sob re o cadver. Voc seguiria

    o raciocnio

    de que

    era

    uma

    pena tanta coragem (uma qualidade uni

    versalmente admirada),

    tanta

    capacidade, tanta dev

    oo

    serem apli

    cadas a

    uma

    causa

    to

    palpavelmente absurda ou perigosa. Mas voc

    no teria dito: Pouco

    import

    a no

    que

    essas pessoas acreditam; o

    que

    importa

    o estado

    de

    esprito

    em que

    el

    as

    esto

    quando

    acreditam. O

    que importa que no se venderam, que eram homens ntegros. So

    homens que

    eu

    posso respeitar. Se el

    es

    tivessem passado para nosso

    lado simplesmente para se salvar, isso teria sido uma forma de

    ao

    muitoegosta, muito prudente,

    muito

    desprezvel . Esse o estado de

    esprito

    em

    queas

    pessoas devem dizer: Se

    eu

    acredito

    em uma

    coisa

    e voc acredita em outra, ento

    import

    ante

    que

    lutemos um contra o

    outro . Talvez seja bom que voc

    me

    mate

    ou que

    cu mate voc; talvez,

    em um duelo, o melhorseria que os dois mata sem

    um

    ao outro;

    mas

    a

    pior

    de

    todas as

    coisas possveis ser

    ia

    e

    ntrar

    em

    um

    acordo, pois

    isso significaria que

    ns

    dois tramos o ideal que c

    t{ dentro

    de ns .

    34

    O martrio,

    claro,

    sempre

    foi

    admirado,

    mas o

    martrio pela

    verdade.

    Os cristos

    admiravam os mrtires

    porque eram

    teste

    munhas da

    verdade.

    Se

    fossem

    testemunhas da falsidade, no

    haveria

    nada

    de admirvel

    neles-

    talvez algo

    digno

    de pena,

    mas

    decerto nada para admirar. Na

    dcada

    de

    1820, o

    estado mental

    ,

    o

    motivo

    ,

    mais

    important

    e do

    que

    a consequncia, a

    inteno

    mais importante

    do

    que

    o efeito.

    Pureza de corao,

    integridade,

    devoo, dedicao-

    todas

    essas coisas que

    hoje

    admiramos sem

    muita dificuldade, que entraram na prpria

    textura

    de nossas ati

    tudes morais,

    tornaram-se

    mais ou menos comuns, primeiro

    entre

    as

    minorias,

    disseminando-se pouco a pouco.

    Eis um exemplo

    do

    que quero dizer que ocorreu com essa

    mudana. Vejamos a

    pea

    de Voltaire sobre Maom. Voltaire no

    estava particularmente interessado em Maom, e a pea tencionava

    ser,sem dvida,

    um

    ataque

    contra

    a Igreja. No entanto, Mao m apa

    rece

    como

    um monstro

    supersticio so, cruel e fantico,

    que

    esmaga

    todos os esforos em prol da liberdade, da justia, da

    razo

    e, por

    tanto, deve

    ser

    acusado

    como

    inimigo

    de tudo

    o

    que

    Voltaire

    tinha

    como

    mais importante: a tolerncia, a justia, a verdade, a civilizao.

    Cons

    ideremos agora o

    que

    Carlyle

    tem

    a

    dizer

    ,

    muito

    mais

    tarde.

    Maom descrito por Carlyle- que um representante altamente

    caracterstico, ainda que um tanto exagerado, do movimento romn

    t ico-

    em

    um livro chamado On Heroes Hero-Worship, and the Heroic in

    istory [Sobre heris, a adorao ao heri e o heroico na histria], no

    qual

    muitos

    heris

    so

    enumerados

    e analisados.

    Maom

    descrito

    como

    uma

    massa incandescente de Vida forjada do grande seio da

    prpria

    Natureza.

    6

    um

    homem

    de ardente sinceridade e poder e,

    portanto, para ser admirado; a ele

    se

    contrape o sculo xvm, que

    n

    o admirado, que pervertido

    e intil, que,

    para

    Carlyle,

    um

    sculo ressequido

    ,[ ..

    ] de

    segunda

    mo .

    7

    Carlyle no tem o

    menor

    35

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    18/39

    interesse nas verdades

    do

    Alcoro

    nem

    supe,

    de

    modo algum, que o

    Alcoro contenha algo em

    que

    ele,Carlyle, poderia acreditar. Maom

    suscita

    sua

    admirao por

    ser uma

    fora el

    eme

    ntar, algum que vive

    uma

    vida intensa, tem consigo grande nmero de seguidores; na figura

    de Maom ele identifica

    um

    fenmeno tremendo,

    um

    episdio grande

    e comovente

    na

    vida

    da

    humanidade.

    A importncia de Maom seu cartere

    no

    suas crenas. Saber

    se

    aquilo em

    que

    Maom

    acreditava era verdadeiro ou fa lso teria

    parecido para Carlyle perfeitamente irrelevante. Ele diz , no decurso

    dos mesmos ensaios: O sublime catolicismo

    de

    Dante [

    ..

    ] tem de ser

    dilacerado

    por um

    Lutero; o

    nobre

    feudalismo

    de

    Shakes peare [ .. ]

    tem

    de

    acabar

    em uma Revoluo Francesa

    8

    E por que

    tem de ser

    assim? Porque

    no importa se

    o catolicismosub l

    ime de Dante

    ver

    dadeiro

    ou

    no.

    Importa

    que

    um grande movimento

    ,

    que j

    esgo

    tou seu tempo de vida, e agora algo igual

    mente

    poderoso, igualmente

    srio, igualmentesincero, igualmente profundo, igualmente tremen

    do deve tomar seu lugar. A importncia

    da

    Revoluo Francesa foi

    o

    grande

    impacto que exerceu

    sobre

    a conscincia

    da

    humanidade;

    foi

    ter

    sido feita por

    homens

    que

    agiam

    com

    profunda

    seriedade e

    em

    p

    enho,

    e

    no eram simp

    lesmente hi

    pcritas

    sorridentes,

    que era

    a

    opinio de

    Carlyle sobre Voltaire. Essa

    uma

    atitude,

    eu no dir

    ia

    tota

    l

    mente

    nova,

    porque

    muito

    perigoso d izer isso,

    mas,

    de

    todo

    modo, nova o bastante para merecer ateno; e, seja l qual for a

    sua causa, ocorreu, parece-me, em algum momento

    entre

    os

    anos

    1760 e 1830. Comeou na Alemanha e cresceu em ritmo acelerado.

    Vejamos outro exemplo

    do

    que quero dizer: a atitude para

    com

    a tragclia. As geraesanteriores acreditavam que a tragdia

    sempre

    ocorria

    em

    razo de algum tipo

    de

    erro. Algum se equivocou, algum

    cometeu um erro. Foi

    um

    erro

    mora

    l ou um

    erro

    intelectual.

    Poclia

    ter

    sidoevitado ou podia ser inevitvel. Para

    os

    gregos, a tragdia era

    um

    erro

    que

    os

    deuses lanavam sobre

    os

    homens, que ningumsujeitoa

    eles talvez pudesseevitar; mas,

    em

    princpio, se esses homens fossem

    oniscientes,

    no

    teriam cometido

    os

    graves erros que cometeram e,

    portanto, no

    teriam atrado a desgraa

    sobre

    si prprios.Se clipo

    soubesse que Laioera

    seu

    pai,

    no

    o teria assassinado. Isso verdade,

    atcerto ponto, mesmo nas tragdias

    de

    Shakespeare.

    Se em

    Otelo

    o

    mouro soubesseque Desdmona era inocente, o desfecho dessa tra

    gclia

    no

    poderia ter ocorrido. Portanto, a tragdia fundada sobre

    uma falta inevitvel,

    ou

    talvez evitvel,

    de

    algo

    nos homens-

    falta

    de

    conhecimento, de habilidade,

    de

    coragem moral, de capacidade

    de

    viver, de agir corretamente

    quando

    sabe qual a ao correta, ou

    o que

    quer que

    seja.

    Homens

    melhores -

    moralmente

    mais fortes,

    intelectualmente mais aptos e, acima

    de

    tudo, pessoas oniscientes,

    ta

    lvez

    tambm com pode

    r suficiente

    -sempre

    pocliam evitar aquilo

    que de fato, a substncia da tragdia.

    As coisas n

    o

    so assim no incio do sculo XIX ou

    mesmo

    no

    final

    do

    XVIII.

    Quem

    ler a tragclia de Schiller

    Os bandoleiro

    s qual

    voltarei mais adiante, vai descobrir

    que

    Karl Moor, o heri-vilo,

    um

    homem

    que se

    vinga

    de

    uma sociedade detestvel

    tornando

    -

    se

    bandido

    e

    cometendo

    u

    ma

    srie de crimes atrozes. Ele

    punido no

    final,

    mas-

    caso se pergunte:

    Quem

    o culpado? o lado

    de

    on

    de

    ele provm? Sero seus valores totalmente

    corruptos ou

    totalmente

    insanos?

    Qual dos dois lados est certo? - no h

    uma

    resposta

    que se possa obter nessa tragdia, e para Schillera prpria pergunta

    teria parecido superficial e cega.

    Aqui

    h uma

    coliso,

    ta

    lvez

    uma

    coliso inevitvel, entre

    con

    juntos

    de valores incompatveis. As geraes anteriores supunham

    que

    todas as coisas

    boas

    podiam ser reconciliadas. Isso

    no

    mais

    verdade. Se vocs lerem a tragdia

    de

    BchnerA

    morte

    e

    Danton em

    que Robespierre finalmente causa a

    mortede

    Danton e

    de

    Desmou-

    37

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    19/39

    Iins no transcurso da Revoluo, e perguntarem"Robespierreestava

    errado ao fazer isso?", a resposta no; a tragdia tal que Danton,

    embora fosse um revolucionrio sinceroque cometeu alguns erros,

    no merecia morrer, e contudo Robespierre estava perfeitamente

    certoao mand-lo para aguilhotina. Aqui h uma coliso entre o que

    Hegel mais tarde chamou de

    "o

    bem contra o bem".

    9

    No se deve a

    um erro, e sim a algum conflito

    de

    tipo

    inevitvel.

    deelementos soltos

    vagando pela Terra, de valores que no podem ser reconciliados. O

    que importa que as pessoas

    devem

    se dedicar a esses valores com

    todo o seu ser. Se fizerem isso, serviro como heris para a tragdia.

    Se no o fizerem, seroburgueses mediocres, membros da burguesia,

    no serviro para nada e no valer a pena escrever sobre elas.

    A figura que domina o sculo XIX como imagem a figura

    desgrenhada de Beethoven em seu sto. Beethoven um homem

    que expressa aquilo que est dentro del

    e. Ele

    pobre, ignorante,

    grosseiro.No tem boas maneiras,sabe pouco e talvez no seja uma

    figura

    muito interessante,exceto pela inspirao que o impele para a

    frente. Mas

    ele

    no se vende. Senta-seem seu sto e cria.

    Ele

    cria

    de

    acordo com a luz que est dentro dele, e isso tudo o que um homem

    deve fazer; isso que faz de um homem um heri. Mesmo que ele

    no seja um gnio como Beethoven, mesmo que, tal como o heri

    do romance de Balzac A obra-prima ignorada seja louco e recubra a

    tela com tintas, de modo que no final no haja nada de inteligvel,

    apenas umaconfuso horrvel

    de

    borres incompreens

    veis

    e irracio

    nais - mesmo assim

    essa

    figura digna de

    algo

    mais do que pena,

    ele

    um homem que se dedicou a um ideal, que ps de lado o mundo,

    que representa as qualidades mais heroicas, mais abnegadas,

    mais

    esplndidas que um ser humano pode ter. Thophile Gautier, em

    seu famoso prefcioa Mademoiselle deMaupin de

    1835,

    defendendo a

    noo de arte pela arte, diz, dirigindo-se aos crticos emgeral e tam-

    bm

    ao

    pblico: "No, imbecis

    No

    Tolose cretinos que vocs so,

    um livro no vai fazer um prato de sopa; um romance no um par

    de botas; um soneto no umaseringa; um drama no uma estrada

    de ferro.[ .. No, duzentas mil vezes no".

    10

    A tese de Gautier que a

    antiga defesa da arte (bem distinta da escola da utilidade social que

    ele est atacando- Saint-Simon, os utilitaristas e os socialistas), a

    ideia

    de

    que o propsito da arte dar prazer a um grandenmero

    de

    pessoas, ou mesmo a um pequeno nmero de conhecedores de

    formao esmerada - no 'vlida. O propsito da arte produzir

    beleza,

    e,

    se apenas o prprio artista percebe queseu objeto

    belo,

    essa j uma justificativasuficiente para sua existncia.

    evidente que algo ocorreu para mudar a conscincia a esse

    grau, afastando-ada noo de que existem verdades universais,cno

    nes artsticos universais, que todasas atividades humanas tm como

    fim

    ltimo fazer as coisas direito, e que os critriospara fazer as coi

    sas direito eram pblicos, eram demonstrveis, que todos

    os

    homens

    inteligentes, aplicando seu intelecto, iriam descobri-los- afastando

    a conscincia de tudo isso para adotar uma atitude completamente

    diferente em relao vida e em relao ao.

    Algo

    ocorreu, sem

    dvida. Quando perguntamos o qu, dizem-nos que houve uma

    grande guinada para o emocionalismo, que houve um sbito inte

    resse pelo primitivo e pelo

    remoto

    o remoto no tempo e o remoto

    no espao-, que houve um surto de desejo de infinito.

    Algo

    foi dito

    sobre "a emoo recolhida em tranquilidade";

    11

    algo foi dito mas

    no est claro o que

    isso

    tem avercom qualquerdas coisas queacabo

    de mencionar sobre os romances de Walter Scott, as canes de

    Schubert,os quadros de Delacroix, a ascensodaadorao ao

    Estado

    e a propaganda alem em favor da autossuficincia econmica, e

    tambm sobre as qualidadessobre-humanas,a admirao ao gnio

    indmito,os fora da lei, os heris, o esteticismo,a autodestruio.

    39

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    20/39

    O que todas essas coisas tm em comum? Se tentarmos desco

    brir veremos uma perspectiva

    um

    tanto surpreendente. Permitam

    -me apresentar algumas definies de Romantismo que recolhi nos

    escritos dealgumas das pessoas mais eminentes que j escreveram

    sobre o assunto; elas mostram que o assunto no

    nada fcil.

    Stendhal

    12

    diz que o romntico o moderno e o interessante;

    o classicismo o velho o maante. Isso talvez no

    seja

    to simples

    quanto parece: o que ele quer dizer que o Romantismo uma tentati

    va

    de compreender as

    foras

    que

    se

    movem

    na

    prpria

    vida

    da pessoa:

    e no uma fuga para algo obsoleto. Contudo o que ele realmente

    dizno livro sobre Racine e Shakespeare o que acabei de enunciar.

    Seu contemporneo Goethe porsua vezdiz que o Romantismo a

    doena o fraco o doentio o grito deguerradeuma escola de poetas

    tresloucados ede reacionrios catlicosao passo que o classicismo

    forte novoalegre robusto como Homerocomo Acano dos

    nibelun

    -

    gos.

    Nietzsche

    diz

    que no uma doenamas uma terapiaa cura para

    uma doena .Sismondi um critico suodeconsidervel imaginao

    embora no to simpatizante do Romantismo apesar de ser amigo

    de Madame de

    Staeldiz que o Romantismo uma unio entreamor

    religio e cavalaria andante. No entanto

    Fr

    iedrich von Gentz que era

    o principal agente de Metternich nessa poca e um contemporneo

    exato deSismondi diz que o Romantismo uma dascabeasde uma

    hidra tricfalasendo as outras duas cabeas a

    Reforma

    e a Revoluo;

    na verdade uma ameaa de esquerda uma ameaa

    religio

    tradio e ao passado que

    deve

    sererradicada. Os jovens romnticos

    franceses les jeunes-France , ecoam isso dizendo: Leromantisme c est

    la R

    volution .

    13

    Rvolutioncontra o qu? Aparentemente contra tudo.

    Diz Heine que o Romantismo a flor que brotou do sanguede

    Cristo um novo despe

    rtar

    da poesia da sonmbula Idade Mdia

    pinculossonhadoresque nos contemplam com os olhos profundos

    40

    e dolorosos de espectros de sorriso fixo. Os marxistas acrescenta

    riam que foi de fato urna fuga dos horrores da Revoluo Industrial

    e Ruskin concordaria dizendo q ue foi

    um

    contraste entre o belo

    passado e o assustador e montono presente; isso uma modifica

    o da viso de Heine mas nem to diferente assim. Taine porm

    diz que o Romantismo uma revolta burguesa contra a aristocracia

    aps

    1789;

    o Romantismo a expresso da energia e da fora dos

    novos arrivistas- exatamente o oposto. a expresso do vigoroso

    poder de propulso da nova burguesia contra os antigos valores

    decentes e conservadores da sociedade e da histria. a expresso

    no da fraqueza nem do desespero mas de um otimismo brutal.

    Friedrich

    Schlegel,

    o maior precursoro maiorarauto e profeta

    do

    Romantismo que j existiu di z que h

    no

    homem um terrvel

    desejo insatisfeito de alar voo para o infinito um desejo febril de

    romper os estreitos vnculos da individualidade. Sentimentos

    um

    tanto semelhantes podem ser encontrados

    em

    Coleridgee tambm

    em

    Shelley. Mas Ferdinand Brunetiere no final do sculoXIX diz

    que se trata de egosmo literriode um realce da individualidade em

    detrimento do mundo mais amplo ao redor que o oposto da auto

    transcendncia pura autoafirmao; e o baro

    Se

    illiere concorda

    e acrescenta egomania e primitivismo; e lrving Babbitt faz eco.

    O irmo de Friedrich

    Schlegel,

    August Wilhelm

    Schlegel,

    e Mada

    me de Stael concordam que o Romantismo vem dos pases romni

    cos ou pelo menos das lnguas romnica

    s,

    que vem

    na

    verdade de

    uma modificao dos versos dos trovadores provenais; mas Renan

    diz que o Romantismo celta.Gaston

    Paris

    diz que breto; Seilliere

    diz que vemde uma mistura de Plato ePseudo-Dionsio Areopagita.

    jo

    seph Nadler um erudito crtico alemo diz que o Romantismo

    na verdadea saudade daqueles alemes que viviam entre o Elba e o

    Niemen-

    sua saudade da velha Alemanha Central de onde tinham

    4

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    21/39

    vindo outrora, o devaneio de exilados e colonos. Eichendorff

    iz

    que

    a nostalgia da Igreja Catlica por partedos protestantes.Mas Chateau-

    briand, que no vivia entre o Elba e o Niemen e, portanto, no expe-

    rimentava essas emoes,diz que o deleite secreto e inexprimvel

    de uma

    alma brincando consigomesma: Falo perpetuamente sobre

    mim

    mesmo josephAynard diz que avontade de

    amar

    alguma

    coisa,

    uma

    atitude

    ou

    uma

    emoo para

    co

    m os outros, e

    no

    para

    consigo mesmo, exatamente ooposto

    do

    desejo de poder. Middleton

    Murry

    iz

    que Shakespeare

    foi

    essencialmente

    um

    escritorromntico

    e acrescenta que todos os grandes escritores desde Rousseau foram

    romnticos. No entanto, o eminente crtico marxista Georg Lukcs

    16

    diz que

    nenhum

    grande escritor romntico, muito menos Walter

    Scott, Victor Hugo e Stendhal.

    Se considerarmos essas citaes de homens que, afinal, mere-

    cem ser lidos, que so, em outros aspectos, escritores profundos e

    brilhantes sobre muitos assuntos,

    fica

    claro que h alguma dificulda-

    de em descobrir o elemento comum em todas essas generalizaes.

    por essa razo que Northrop Frye foi to sbio ao alertar contra

    isso. Todas essas definiesconcorrentes nunca,que eu saiba,foram

    realmente

    objeto de

    protesto

    de

    ningum;

    nunca

    incorreram na

    ira da crtica com a mesma intensidade

    que

    poderia

    ser

    desfechada

    contra qualquer

    um

    que tivesse dado definies

    ou

    generalizaes

    universalmente consideradas absurdas e irrelevantes.

    O prximo passo ver quais caractersticastm sido chamadas

    de

    romnticas

    pelos escritores

    que abordaram

    o

    assunto

    e pelos

    crticos. Surge um resultado muito peculiar. A variedade dos exem-

    plos que acumulei tanta que a dificuldade deste assunto que tive

    a imprudncia de escolher parece ainda mais extrema.

    O Romantismo o primitivo, o ignorante, a juventude,a exu-

    berantesensao de vida do homem natural, mas tambm palidez,

    42

    febre,doena, decadncia,

    la

    maladie du

    siecle

    [a doena do sculo], La

    Belle Dame Sans Merci [A bela dama sem misericrdia], a Dana da

    Morte, na verdade a prpriaMorte.a cpula de vidro multicolo-

    rido de Shelley, e tambm o esplendor branco da eternidade. a

    plenitude vigorosa e confus a e a riqueza da

    vida- Flle des Lebens-

    a multiplicidade inexaurvel, a turbulncia, a violncia, o conflito, o

    caos, mas

    tambm

    a paz,a unio

    com

    o grande

    Eu

    ,

    a

    harmonia

    com

    a

    ordem

    natural, a

    m

    sica das esferas, a dissoluo no

    eterno

    esprito que tudo contm .

    o estranho, o extico, o grotesco, o

    misterioso, o sobrenatural, as runas, o luar, castelos encantados,

    trombetas de caa, elfos, gigantes, grifos, cascatas, o velho

    moinho

    no

    Floss, as trevas e os poderes das trevas, fantasmas, vampiros,

    o

    terror

    sem

    nome

    , o irracional,o indizvel.Tambm o familiar, o

    sentido da tradio particular de cada

    um

    , o jbilo com o aspec-

    to sorridente da natureza de todo dia e as cenas e sons habituais

    da

    gente

    simp

    les e

    contente

    do campo

    , a sabedoria

    s

    e feliz

    dos

    filhos da terra, com suas faces rosadas. o antigo, o histrico, so

    as catedrais gticas, as nvoas da Antiguidade, as razes antigas

    e a velha

    ordem com suas

    qualidades

    no

    analisveis,

    suas

    leal-

    dades profundas

    mas

    inexprimveis, o impalpvel, o imponder

    vel.

    Tambm

    a busca da novidade, a mudana revolucionria, a

    preocupao

    com

    o presente fugaz, o desejo de viver no

    momento

    ,

    a rejeio

    do

    conhecimento, o passado e o futuro, o idlio pastoral

    da feliz inocncia, a alegria

    no

    instante

    que

    passa,

    uma

    sensao

    de

    atemporalidade.

    nostalgia, devaneio, so

    sonhos

    inebrian-

    tes, a doce melancolia e a amarga melancolia, a solido, os sofri-

    mentos do eXI1io, o sentimento de alienao, o vagar

    em

    lugares

    remotos

    , em especial o Oriente, e em tempos remotos, em espe-

    cial a Idade Mdia. Mas tambm o prazer da cooperao em um

    esforo criativo comum a sensao de fazer parte de uma igreja,

    43

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    22/39

    urna classe,

    um

    partido, urna tradio, urna grande hierarquia sim

    trica e abrangente, cavaleiros e vassalos, as fileiras da Igreja,os laos

    sociais orgnicos, a unio mstica, urna

    s

    f, urna s terra,

    um s

    sangue, "la terre

    e les

    morts [a terra e os mortos], como disse Bar

    rs,

    7

    a grande sociedade dos mortos e dos vivos e dos ainda por

    nascer.

    18

    o conservadorismo tory de Scott, Southey e Wordsworth,

    e o radicalismo

    de

    Shelley, Bchner e Stendhal. o medievalismo

    esttico de Chateaubriand, e a averso de Michelet Idade Mdia.

    a adorao autoridade de que fala Carlyle, e o dio autoridade

    de Victor Hugo. o extremo misticismo da natureza, e o extremo

    esteticismo antinaturalista. energia, fora, vontade, vida,

    talage

    du

    moi [ostentao do eu]; tambm autotortura, autoaniqua

    o, suicdio. o primitivo, o no sofisticado, o seio da natureza,

    campos

    verdes, vaquinhas com sinetas, riachos murmurantes, o

    cu azul

    infinito. No

    menos porm

    tambm

    o

    dandismo

    ,

    o desejo de se vestirbem, os coletes vermelhos, as perucas verdes,

    os cabelos azuis, que os seguidores de pessoas como Grard de

    Nerval usavam em Paris em certo perodo. a lagosta

    que

    Nerval

    levava a passear pelas ruas

    de

    Paris presa por uma cordinha. o

    exibicionismo selvagem, a excentricidade, a batalha de Ernni,

    o enfado (ennui) , o taedium vitae [tdio da vida], a morte de Sarda

    npolis (pintada por Delacroix, composta por Berlioz e narrada

    por Byron). a convulso de grandes imprios, as guerras, a mor

    tandade e a derrocada

    dos

    mundos. o heri romntico-o rebel

    de,

    homm e fatal,

    a alma condenada, o corsrio, Manfred, Giaour,

    Lara, Caim,

    toda

    a galeria de personagens

    dos poemas

    heroicos

    de Byron. Melmoth, Jean Sbogar, todos os prias e os Ismais,

    assim

    como

    as cortess de corao

    de ouro

    e os condenados

    de

    corao nobre

    da

    fico oitocentista. beber usando

    como

    taa

    um

    crnio humano, Berliozdizendo que queria escalar o Vesvio

    44

    para comungar com urna alma gmea. So celebraes satnicas,

    a ironia cnica, o riso diablico, os heris negros, mas

    tambm

    a

    viso

    que

    Blake tinha de Deus e seus anjos, a grande sociedade

    crist, a ordem eterna e o cu estrelado , que mal pode expressar

    os pensamentos e emoes infinitas que enchem a alma

    de

    um

    cristo .

    19

    ,

    em suma, a unidade e a multiplicidade.

    a fidelidade

    ao

    particular, nas pintur as da natureza, por exemplo, e tambm a

    impreciso tentadora do contorno misterioso. beleza e feiura.

    a arte pela arte, e a arte como um instrumento de salvao social.

    fora e fraqueza, individualismo e coletivismo, pureza e

    corrup

    o, revoluo e reao, paz e guerra, amor vida e amor morte.

    Talvez no surpreenda que, diante disso, A. O. Lovejoy,

    20

    cer

    tamente o erudito mais escrupuloso e um dos mais esclarecedores

    que j trataram da histria das ideias dos dois ltimos sculos, tenha

    chegado perto do desespero.

    Ele

    deslindou muitas correntes

    do

    pen

    samento romntico, tantas quantas conseguiu, e no

    s

    descobriu

    que algumas contradizem as outras, o que evidentemente verdade,

    e que algumas so totalmente irrelevantes para as outras, como

    foi ainda mais longe. Lovejoy considerou duas caractersticas que

    ningum negaria serem do Romantismo, como o primitivismo e a

    excentricidade- o dandismo - , e perguntou o que elas tinham

    em

    comum. O primitivismo, que comeou

    na

    poesia inglesa e at certo

    ponto na prosa inglesa no incio do sculo XVIII, comemora o bom

    selvagem, a vida simples, os padres irregulares da ao espontnea,

    contra a sofisticao corrupta e o verso alexandrino de uma sociedade

    altamente refinada. uma tentativa de demonstrar que existe uma

    lei

    natural e que a melhor maneira de descobri-la no corao singelo,

    ainda no instrudo, do ndio ou da criana no corrompidos. Mas,

    pergunta Lovejoy, bem razoavelmente, o que isso tem em

    comum

    com

    os coletes vermelhos, os cabelos azuis, as perucas verdes,

    45

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    23/39

    o absinto, a morte, o suicdio e a excentricidade geral dos seguido

    res de Grard de Nerval e Thophile Gautier?

    Ele

    conclui dizendo

    que realmente no

    v

    o que possa existir em comum entre as duas

    coisas, e podemos simpatizar com esse raciocnio.

    possvel dizer,

    talvez, que h um

    ar

    de revolta nos dois, que ambos se revoltaram

    contraalgum tipo

    de

    civilizao-um, a

    fim

    de

    ir para uma ilha como

    Robinson Crusoe, para ali comungarcom a natureza eviver entre as

    pessoas simpl

    es,

    no corrompidas; e a outra, em buscade um violento

    esteticismoedandismo.

    No

    entanto, a mera revolta,a mera denncia

    da corrupo no pode ser romntica.No consideramos os profetas

    hebreus, ou Savonarola, ou mesmo os pregadores metodistas parti

    cularmente romnticos.

    Isso

    estaria muito longe

    da

    verdade.

    Podemos, assim, simpatizar com o desespero de Lovejoy.

    Gostaria de citar uma passagem de George Boas, discpulo de

    Lovejoy

    , que escreveu a respeito:

    Depois da discriminao entre os vrios Romantismos

    feita

    por

    Lovejoy

    ,

    no

    deveria haver

    mais

    nenhuma discusso sobre o que

    o Romantismo realmente

    foi. J houve

    doutrinas

    estticas

    diversas,

    algumas das quais

    relacionadas

    logicamente com outras, outras no

    relacionadas, todas chamadas pelo mesmo nome.

    Mas

    esse fato

    no implicaque tod s tivessem um essncia em comum ssim como

    o fato de que centenas de pessoas se chamam John Smith

    no

    significa

    que

    todas

    tm

    a

    mesma

    filiao.

    Esse ,

    talvez

    , o erro

    mais

    comum

    e

    enganoso decorrente da confuso de

    ideias

    e palavras. Poderamos,

    talvez deveramos,

    falar

    durantehoras

    apenas

    sobre isso.

    11

    Gostaria de aliviar agora mesmo o temordos ouvintes, afian

    ando que no pretendo fazer isso.

    Ao

    mesmo tempo, porm, creio

    que tanto

    Lovejoy

    como Boas, embora sejam eminentes estudiosos

    e tenham dado uma grande contribuio para iluminara reflexo,

    no presente caso esto enganados.

    Houve

    de fato um movimento

    romntico; ele teve algo que lhe era central; ele criou uma grande

    revoluo na conscincia; e importante descobriro que .

    Pode-se, claro, desistir do jogo todo. Pode-se dizer, como

    Va

    lry.

    que palavras como

    romantismo

    e

    classicismo

    palavras como

    humanismo

    e naturalismo no so nomes com que se possa trabalhar, emabsoluto.

    No se pode ficar bbado, no se pode matar asedecomos rtulos

    das garrafas.

    H

    muito a dizer em favor desse ponto de vista. Ao

    mesmo tempo, impossvel traar o curso da histria humana, a

    menos que utilizemos algumas generalizaes. Portanto,

    por

    mais

    dificil que seja, importante descobrir qual foi a causa da enorme

    revoluo na conscincia humana que ocorreu naqueles sculos.

    H pessoas que, confrontadas com essa abundncia de provas que

    tentei coletar, podem sentir alguma simpatia pelo

    falecido Sir

    Arthur

    Quiller-Couch,que disse com tpica animao britnica: Todo esse

    alvoroo sobre

    [a

    diferena entre dassicismo e Romantismo] no

    constitui nada que deva perturbar um homem saudvel .

    Devo dizer que no compartilhodesse ponto de vista. Parece

    -me excessivamente derrotista . Portanto, farei o mximo para expli

    car a que veio, a meu ver, o movimento romntico. A nica maneira

    s e sensata de se aproximar dele, ou pelo menos a nica maneira que

    achei til at hoje, pelo mtodo histrico, lento e paciente: exa

    minar o incio do sculo xvm, refletir sobre qual era a situao na

    poca e ento considerar,

    um por um

    , quais fatores a abalaram e

    qual combinao

    ou

    confluncia de elementos, mais para o final

    do sculo, causou o que me parece ser a maior transformao da

    conscincia do Ocidente, certamente em nossa poca.

    7

  • 7/24/2019 As Razes Do Romantismo.

    24/39

    primeiro ataque

    o luminismo

    O Iluminismo do fim do sculo XV e incio do XV III necessita de

    uma definio. H trs proposies

    se

    pud ermos reduzi ra isso que

    so porassim dizer os rrs

    alicerces

    sobre os quais repousava toda a

    tradio ocidental.

    Elas

    no se limiLavam ao Iluminismoembora o

    Iluminismo tenha oferecido uma

    vers

    o

    especia

    l

    delas qu

    eas trans

    formou de maneira particular. Exponho os trs princpios aseguir.

    Em

    primeiro lugar todas as perguntas autnticas podem ser

    respondidas; se uma pergunta no pode ser respondida ento no

    uma pergunta. Podemos no saber qual a resposta mas algum

    saber. Podemos ser muito fracos ou muito es tpidos ou muito

    ignorantespara conseguirmos descobrira resposla sozinhos. Nesse

    casoa resposla talvez seja conhecida por pessoas mais sbias que

    ns- os especialistas algum tipo de elite. Podemos ser criaturas

    pecadoras e portanto incapaze