as raízes do romantismo
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Isaiah Berlin
s
r zes
o
Ro antis o
EDIO
Henry
Hardy
TR DUO
lsa Mara Lando
4
TRS
STREL S
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
3/39
Primeir.
15-Q
I
JJ]
ndices para cati1ogo sistemtico:
t .
Romantismo: Artes
700
4 4
5
Este li
vro segue as regras do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa (1990),
em
vigor desde
1
de janeiro de 2009
T ~ S
J
STRELAS
AI. Barilo
de
Limei
ra
, 401,
6
andar
EP
01202-900,
So
Paulo,
SP
Tel.:(tt) J2242t86/2t87/l l97
editora}estrelas@editora]estrelas.com.
br
wwW.e
ditora}estre:las.com.br
Sumrio
8 Prefcio
enry ardy
22 Em busca de uma definio
48
O primeiro ataque ao Iluminismo
8o Os verdadeiros pais
do
Romantismo
l O
Os
rom
n ticos contidos
144
O Romantismo desenfreado
178 Os efeitos duradouros
2 8
Apndice Algumas cartas sobr e as conferncias
229 Notas
237 Sobre as referncias bibliogrficas
241
ndice remissivo
255 Sobre o autor
-
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refcio
Cada coisa
oque
no outra coisa
joseph Butler
Tudo
oque [ .. .
lsaiah
Berlin
2
A observao de Butler era urna das citaes favoritas de lsaiah
l
er
n, que lhe deu a rp
li
ca
em
um de seus ensai
os
mais importan
Tomo a frase como ponto
de
partida porque a primeira coisa
,, dita sobre este volume, a fim
de
dissipar qualquer equvoco,
( que ele no ,
em
grau algum, a nova obra sobre o Romantismo
que Berlin tinha a esperana de escrever desde
que
proferiu as
t onferncias
A.
W. Mellonsobreo assunto (falando de improviso,
10m base em anotaes), em maro e abril de 1965, na National
( 1
ll
cry of Art. em Washington. Nos anos seguintes, em especial
d r is que se aposentou da presidncia do Wolfson College, de
rd, em 1975, Berlin
continuou
a ler
muito
,
tendo
em
mente
um
livro sobre o Romantismo, e acumulou
grande
quantidade de
ti
lOta
es.
Em
sua ltima dcada de vida, colocou todas elas em
aposentoseparado da casa e se dedicou tarefa de reuni-las: fez
11111a lista de tpicos e comeou a gravar em fitas cassete uma sele
,,
lndas an otaes, que foi ordenando
sob
os respectivos tpicos.
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Berlin
tambm
considerou usa r
seu
material como
uma
longa
introduo a urna edio da obra de E. T. A. Hoffmann, e no como
um estudo independente. No entanto, essa nova sntese, t
o
pro-
curada,contnuou a lhe fugir, talvez, em parte, porqueele a deixou
para
muito
tarde na vida, e, que eu sai
ba
, nem uma s sentena
dessa obra idealizada jamais foi escrita.
Sem dvid
a,
lamentvel para seus leitores, tal como certa
mente foi para ele
mesmo
, que Berlin no tenha redigido seu texto
para edio. Essa falta, contudo, no constitui uma p
er
da: se ele o
tivesse escrito, este livro, que simplesmente uma transcrio edi
tada das palestras, nunca teria sido publicado; e aqui h um frescor
e uma sensaoda presena imediata do autor,
uma
intensidade e
uma emoo que inevitavelmente ficariam um tanto obscurecidos
em uma verso cuidadosamente ree aborada e ampliada. Vrias
outras palestras
min
istradas
por
Berlin sobrevivem como grava-
es
ou
transcries, e algumas p
ode
m s
er
comparadasdiretamen
te com
os
textos pubHcados
que
delas derivaram ou com
os que
foram previamente redigidos para lhes servir de fundamento. Essa
comparao mostra como as repetidas revises
que
Berlin costu
mava realizar no ca
minho
para a publicao, embora enriqueam
o
co
ntedo intelectual e a preciso de uma obra, podem
por
vezes
exercer um efeito moderador sobre a palavra fa lada de improvi
so; ou, ao contrrio, revela como um longo texto subjacente - um
"torso", como Berlin o c
hamava
pode adquiri r vida nova e car
ter
mais direto
quando
usado como fonte
para
uma palestra que
no lida de
um
texto preparado. A palestra proferida com
base
em anotaes e o livro cuidadosamente
co
nstrudo so, como se
poderia di
zer
na terminologia pluralista, incomensurveis. Nesse
caso, para o melhor ou para o pior,
s
existe a encarnao anterior
de um dos projetos intelectua is mais
ce
nt rais de Berlin.
lO
O ttulo que usei foi sugerido, em
um
estgio inicial, pelo pr
-
pl lo
Berlin. Foi substitudo por"Fontes
do
pensamento romntico"
ra
as palestras' porque nas pginas iniciais de rzog
de Saul
ll
ow, publicado em 96 o heri, um acadmico judeu chamado
Moi
ss Herzog,que passa por uma crise de autoconfiana, esfora
em vo para ministrar uma srie de palestras de educao
de
ud
ultos em uma escola noturna
de
Nova York palestras intitula
dn
s, ju
st
amente,
As
razes do Romantismo
.
Foi apenas uma coin
d dncia
notvel
Berlin negou haver
qua
lquer conexo, e Bellow
w nfirmou mais tarde que ele tinha razo:
Eu estava escrevendo um romance cmico; precisava de um ttulo
para s palestras e peguei um ssim, do ar, como comum fazer
quando se escreve um romance, nem sequer sonhando que esse
pargrafo, a sombra de um mero nada, exigiria pesquisas e vol
taria
mais
tarde para me assombrar.
Na
poca eu conhecia lsaiah
Ber
lin apenas
por
sua reputao. Ainda no o
ti
nha encontrado
pessoalmente.
Seja como fo
r,
o ttulo anterior era ce
rtam
ente mais altisso-
nonte , e, se na
poc
a havia motivos para abandon lo, hoje eles
de crto j desapareceram ...
mudana, feita por
Berlin
emuma carta de
28
de fevereiro de1965 (ver p.
223),
velo arde demais para constardo folheto com o calendrio de eventos de maro
dt1
965
da NationalGalleryofArt. Porm,o folheto de abril usou o novo ttulo.
arta para Henry Hardy, 8 de maro de 2001. Eu queria saber se por acaso os
d)IS haviam
se enco
ntrado
antes de Bellow
terminar
o romance e se d
isc
utiram
ll planos de Berlin .
Outrosttulos
avaliados
por
Berlin
incluem
Prometeu:
um estudo sob
re
a
1'ltcnso
do
Romantismo no sculo
xvm
(mencionadoapenas satiricamente
11
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Embora as observaes
introdutrias
de Berlin,
antes de
come
ar as
palestras
propriamente
ditas,
sejam demasiado
circunstanciais
para aparecerem
no
corpo do texto publicado
continuam
tendo
algum interesse em um
prefcio.
Assim
, eis a
maior parte
delas:
Estas palestras dirigem-se
sobretudo
a genunos especialistas
em
arte-
historiadoresda
arte
e especialistas
em
esttica, entre os quais
no
posso,de
modo
algum,
me
incluir. Minha nica desculpa vlida
para
escolher este tema
que
o movimento romntico , natural
mente relevante para asartes; e as artes embora eu no saiba muito
sobre elas,
no
podem
ser deixadas totalmente
de
fora, e
prometo
no
deix-las
de
fora alm
do
que seria razovel.
H um sentido em
que
a
conexo
entre o Romantismo e s artes
ainda mais forte. Se
eu
puder
apresentar alguma qualificao par a
falarsobre o assunto, porque
me proponho
lidar
com
a vida pol
tica e social, e
tambm com
a vida moral; e verdade, creio, dizer
sobre o movimento romntico que
no
apenas
um
movimento
que envolve s artes no pen s um movimento artstico m s tal-
vez o primeiro
momento
, decerto na histria
do
Ocidente,
em que
as artes
dominaram
outros
aspectos
da
vida,
quando
havia
uma
espcie
de
tirania da
arte
sobre a vida, o que,
em
certo sentido, a
essncia
do movimento
romntico-
ou
pelo
meno
s, o
que me
proponho
tentar demonstrar.
Devo acrescentar que o interesse
do
Romantismo no simples
mente histrico. Muitos fenmenos da
atualidade-
o nacionalismo,
o existencialismo, a admirao pelos grandeshomens, a admirao
e rejeitado de imediato), A ascenso do Romantismo , O impacto romntico ,
A
rebelio romntica' , A revolta romntica e A revoluoromntica
{usado
em 1960 para uma palestra).
12
pelas instituies impessoais, a democracia, o totalitarismo-
so
profundamente afetados pela ascenso
do
Romantismo,
que
entra
em
todos
eles. Por esse motivo
um
tema
no
de
todo
irrelevante,
mesmo
para noss os dias.
Tambm tem algum
interesse o
fragmento
a seguir,
que parece
ser
o
rascunho para uma introduo s palestras
,
escrito antes de
serem
proferidas.
o nico texto elaborado
por
Berlin para
este
projeto que encontrei entre suas anotaes:
No
me proponho
nem
sequer
tentar
definir o
Romantismo
em
termos
de
atributos e propsitos, pois,
como
Northr op Fryeadverte
sabiamente,
se
urna pessoa
tentar apontar
alguma
caracterstica
bvia
do
s poetas
romnticos- por
exemplo, a nova atitude em rela
o natureza
ou
ao
indivduo-
e dizer que isso
se
limita aos novos
escritores
do
perodo de
1770
a
1820
e contrastar
com
a atitude de
Pope
ou
de Racine, outra
com
certeza vai apresentar exemplos co n
trrios,
de
Plato
ou
Kalidasa, ou como Kenneth Clark) do impe
rador Adriano,
ou
como Seilliere) de Heliodoro, ou de um poeta
espanhol medieval, ou de
um
poema em rabe pr-islmico, e,
por
fim, dos p rprio s Racinee Pope.
Tampouco
desejo
dar
a
entender que
haja
casos
pur s um
sentido
em que
qua l
quer
artista
ou pensador ou
sujeito possa ser
consider do inteir mente romn
tico e nada
m is
ssim
como no
se pode dizer que um homem
inteiramente individual,
ou se
ja,
que no compartilha caractersticas com
nenhuma outra
coisa
no
mundo
,
ou
que tot lmente social,
ou
seja, que
no
possui nenhuma
propriedade
exclusivamente sua.
No entanto
essas palavras
no
so
sem sentido, e
de
fato n
o podemos
passar
sem
elas: indicam
atributos,
ou
tendncias,
ou
tipos ideais cuja aplicao
se
rve para
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esclarecer, identificar e talvez, se ainda no foram suficientemente
observadas antes, exagerar aquilo que, por falta de palavra melhor,
tem de ser chamado de
spectos
do carter de
um
homem, ou de
sua atividade, ou de uma viso geral,
ou
de
um
movimento, ou
de uma
doutrina.
Di zer que algum um pensador romntico
ou
um heri
romntico no di
ze
r qualquer coisa. s vezes, equi
va
le a dizer
que aquilo que ele ou faz precisa ser explicado em termos de um
propsito, ou de um conjunto de propsitos (talvez internamen
te contraditrios), ou de uma viso, ou talvez de vislumbres ou
sugestes,que podem apontar para algum estado ou atividade em
princpio irrealizve algo na vid
a
ou
um
movimento, ou uma
obra de arte que
faz
partede sua essncia, mas inexplicvel, talvez
ininteligvel. No mais que isso tem sido o objetivo da maioria dos
escritores srios
ao
falar dos muitos - dos incontveis- aspectos
do Romantismo.
Minha inteno ainda mais limitada. Parece-me que uma
radical mudana de valores oco rreu na segunda metade do scu
lo xvm- antes
do
que se chama propriamente de movimento
romntico que afetou o pensamento o sentimento e a ao no
mundo ocidental. Essa mudana exp
re
ssa mais vividamente em
boa parte do que parece ser mais caracteristicamente romntico
nos romnticos; no em tudo o que
romntico neles
nem no
que romn
ti
co em todos eles, mas em algo quintessenc
ial
, algo
sem o qual no teria sido possivel nem a revoluo sobre a qual
pretendo falar, nem as consequncias dela reconhecidas por todos
aqueles que admitiram que existiu o fenmeno chamado movi
mento romntico-a arte romntica, o pensamento romntico.
Se
algumargu.mentar que no inclu a caracterstica que se encontra
no cerne disso ou daquilo, ou mesmo de todas as manifestaes
do
Romantismo, justamente esse o caso, e concordarei pron
tamente. No meu objetivo definir o Romantismo, mas apenas
lidar com a revoluo da qual o Romantismo, pelo menos em
algumas de suas formas, a ma
is
forte expresso e o mais forte
sintoma no mais que isso. No entanto isso
mu ita coisa pois
espero mostrar que essa revoluo a mais profunda e a mais
duradoura de todas as mudanas na vida do Ocident
e
no menos
abrangente do que as trs grandes revolues cujo impacto no se
questiona - a industrial na Inglaterra, a poltica na Franae a social
e econmica na R ssi com as quais na verdade o movimento
de que me ocupo se conecta em todos os nveis.
Ao editar
a transcrio de
ssas
pa lestras (a partir
das gra
vaes da BBC),
tentei
restringir-me , de modo ge
ral
, a
fazer
o
mnimo de alteraes pa ra
gara
nt ir um t
exto
fluente;
conside
rei
a informalidade do estilo e as leves heterodoxias ocasion ais da
linguagem, que
so
naturais em palestras ministradas com base
em anotaes como pontos positivos a serem preservados, den
tro
de certos limites. Embora por vezes
tenha
sido necessria boa
dose
de c
or r
ees sintticas,
como
no
rm
al quando se tra
ns
cre
vem
sentenas proferidas de
maneira
espontnea, raramente h
alguma verdadeira dvida
sobre
o signifi
cado qu
e Berlin quis dar.
Pequ
enas mudanas
feitas
por
ele
s
transcries em
um
a fase
anterior foram inc
orporadas
e isso explica algumas das p
oucas
di
sc
repncias substanciais que sero percebidas pelo leitor que,
tendo este livro nas m
os
como um libr
eto
ouvir as gravaes
das palestras que esto disponveis.
A m neir de expressar-se de
Berlin
altamente sing
ular
e cativante
foi
um
ingrediente central em sua reputao e a experincia de ouvi lo palestrar
-15
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Como sempre
, no poupei esforos para encontrar a fonte das
citaes de Berlin e
fi
zas correes necessrias
em
trechos que foram
concebidos, claramente,
como
passagens
de uma
fonte
em
ingls
citadas
na
ntegra
ou como tradues
diretas
de outro
idioma, e
no
como
parfrases. H,
no
entanto,
outro
dispositivo
no
arsenal
de Berlin, intermedirio entre a citao ip
sis
literis e a parfrase,
que
poderia ser chamado
de
semicitao
.
As palavras semicitadas
por
vezes
so
apresentadas
entre
aspas, mas
trazem
o carter do que
um
autor
poderia dize
r,
ou o
que
ele de fato disse, em vez
de
buscar
reproduzir (ou traduzir) literalmente suaspalavras. um fenmeno
bastante recomendada. A srie completa pode ser ouvida (mediante agenda
mento prv io) na British Library, em Londres, ou na National Gallery of Art,
em Washington. Um co da ltima palestra foi fornecido com a edio britnica
deste livro em capa
dura, para
que os leitores pudessem ouvir como soavam
as
palestras quando proferidas. Essa edio no
es
t mais em catlogo, embora
muitas bibliotecas tenham cpias. A gravao da ltima palestra tambm est
disponvel em: http://berlin.wolf.ox.ac.uk/information/recordings.html.
Em
um mundo
perfeito, talvez, todas as fontes ser iam fornecidas, no s
das citaes e semicitaes, como tambm das parfrases e at
de
materiais
baseados mais vagamente em trabalhos identificveis. Contudo, o mundo no
pe
rf
eito, felizmente, e o tempo necessr
io
para rastrear tais fontes seria ex -
gerado em relao ao beneficio de especific-las, mesmo que a tarefa pudesse
ser concluda, o que bem duvidoso. De fato, se um processo to exaustivo de
anotaes fosse seguido at sua concluso lgica, o aparato seria maior que o
texto, e a
tr
ibulao do leitorseria ainda pior do que no caso deum
mapa
traado
em escala de 1:1, que, inutilmente, duplicaria aspectos da realidade represen
tada.
Alm disso, as prprias fontes muitas vezes necessitam de confirmao,
de modo que a tentativa de validar cada afirmao citando fontes
geraria
uma
regresso infindvel at chegar a observaes empricas primrias (as quais,
muitas vezes, se no sempre, so ambguas efou impossveis
de
confirmar) e,
portanto, na prtica, imp ediria aconcluso de qualquer trabalho de escrita ou
de edio de obra no ficcional.
16
fa
miliar em livros escritos antes
de
nossa
poca porm ta
lvez
no
seja mais bem-aceito
no
clima acadmico contemporneo. Nas cole
tneas de ensaios de Berlin
que
publiquei durante
sua
vida,
em
geral
me
limitei
citao direta, cotejada
com uma
fonte primria,
ou
parfra
se
declarada. Em
um
livro desse tipo,
porm
, pareceria artifi
cial e excessivamente intrusivo tentar esconder esse caminho inter
medirio perfeitamente natural e retoricamente eficaz, insistindo
Embora
seja
difcil diferenci-lo de puro desinteresse por aquilo
que,
pelos
padres atuais, seconsidera preciso . Como Theodore Bestermanobservou
na
in troduo a sua traduo do
Dicionrio ilosfico
de Volta ire (Harmondsworth,
1971, p.
14),
as noes modernas de fidelidade textual eram desconhecidas no
sculo
XVIII.
As palavras que Voltaire pe entre aspas nem sempreso citaes
precisas
ou mesmo
diretas
No caso
de Giambattista Vico,
as coisas foram ainda
piores, conforme registraram Thomas Goddard Bergin e Max Harold
Fisch
no
prefcio edio revisada de sua traduo de incia
nova
de Vico (Nova
York
,
968
pp.
v-vi): Vico cita de memria, sem exatido; suas referncias so
vagas;
sua lembrana muitas vezes no
da
fonte original, mas de uma citao feita
emalguma obra secundria; ele atribui a um autor o que foi dito por outro, ou
a uma obra o que foi dito em outra do mesmo autor[
..
] . No entanto, como
disseram Bergin e Fisch no prefcio primeira edio desua traduo da obra de
Vico (Nova
York,
1948, p.
viii),
uma exposio completa dos erros de Vico ( ..]
no atingiria o cerne de sua argumentao . No caso de
Berlin
, de todo modo,
h a agravante de que, na medida em que suas citaes no so estritamente
precisas, elas emgeralconstituem melhorias do original. Discutimos esse ponto
muitas vezes, e ele era deliciosamente autoirnico a respeito, mas costumava
insistir na correo se estivesse evidenteque havia alguma impreciso, embora
sua abordagem descontrada em relao s citaes quase nunca distorcesse
o significado do autor citado e por vezes at o esclarecesse melhor. claro que
as observaes sobre Vico feitas por Bergin e
Fisch
so um exagero se aplica
das a Berlin, porm, como Vico foi
um
dos heris intelectuais de Berlin, essa
analogia
(parcia
l) tem certa ressonncia. No entanto, Bergin e Fisch apontam,
apropriadamente
(1968,
p.
v1),
que Fausto Nicolini, o famoso editor
de Vico,
trata s deficincias acadmicas de Vico com amor e rigor - decerto uma
atitude editorial exemplar.
17
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em
usar aspas apenas em citaes exatas. Menciono isso para que
o leitor no seja induzido a erro e como pano
de
fundo para outras
observaes sobre as citaes de Berlin que fao
no
incio
da
nota
sobreas referncias bibliogrficas (p. 237).
As palestras foram transmitidas pela primeira vez pela emis
sora de rdio educativa W MU FM (sediada em Washington), em
junho
e julho de 1965. Depois, foram
ao ar no
Third Programme da
BBC, em agosto e setembro
de
1966 e em
outubro
e novembro
de
1967, e retransmitidas na Austrlia (sem autorizao) em
1975
e na
Gr-Bretanha, pela
BBC
Radio
3
em
1989,
quando Berlincomplet
ou
oitenta anos. Tambm foram includos trechos em programas de
rdio posteriores sobre sua
obra
.
Berlin se recusou
terminantemente
a permitir a publica
o
de
uma transcrio das palestras, n
o
s porque at seus ltimos
anos
de vida ele
ainda tinha
esperana
de
escrever
seu
almeja
do livro, como
tambm
talvez,
porque
acreditava ser um
ato
de
vaidade publicar uma transcrio direta
de
palestras profe
ridas espontaneamente sem empreender o trabalho de revi
so
e ampliao. Ele sabia muito
bem que
algum as coisas
que
tinha
dito eram provavelmente, demasiado genricas, especulativas,
um material em estado bruto- aceitvel se vindo da tribuna, ta
l
vez, mas no na pgina impressa. De fato, em uma carta a P. H.
Newby, ento diretor do Third Programme ele agradece ter tido a
possibilidade de
so
l
tar
esse
enorme
fluxo
de
palavras - mais de
se
is
horas de fala agitada,
em
certos
pontos
incoerente, apressada,
ofegante e at histrica a meus ouvidos .'
H os que acreditam que a transcrio no deveria ser publica
da nem mesmo postumamente,julgandoque, apesar deseu indiscu
tvel interesse,ela diminui o valor
da
obra de Berlin. Dessa viso eu
discordo, e j obtive apoio de diversos estudiosos cujo discernimen-
t8
to eu respeito,
em
particular do falecido Patrick Gardiner, o mais
exigente dos crticos, que leu a transcrio editada alguns anos antes
de eu public-la pela primeira vez e opinou, de maneira inequvoca,
que era a favor
da
publicao do material tal comoestava. Mesmo que
seja, de fato, um erro publicar materiais desse tipo durante a vida
do autor (no estou certo disso), parece-m e no s aceitvel mas
altamente desejvel faz-lo quando o autor to notvel e as pales
tras to estimulantes, como nesse caso. Alm disso, o prprio
Berlin admitia, claramente, que a transcrio fosse publicada aps
sua morte, referindo-se a essa eventualidade sem indicar
que
tinha
srias reservas. A publicao pstuma, acreditava ele, regida
por
critrios
bem
diferentes dos que se aplicam durante a vida de
um
autor e Berlindevia saber, embora jamais o tenha reconhecido, que
suas Conferncias Mellon eram uma faanha na arte de ministrar
palestras
de
maneira espontnea,
com
base em anota
e
s, e que
mereciam ficar disponveis per manenteme nte,
mesmo com
suas
fa
lhas. Era chegada a hora de essa opo-para citar as palavras
do
prprio Berlinsobre seu livro declaradamente polmicosobre J G
Hamann-
ser aceita ou refutada pelo leitor crtico .
Para esta edio fiz tambm uma srie de pequenas correes,
acrescentei algumas fontes que vieram tona depois da primeira
edio, algumas delas por meio
do
Google Books - ferramenta
profundamente falha, porm transformadora para a tarefa
do
pes
quisa
dor
literrio- , e compilei
um
adendo
com
uma seleo
de
car
tas sobre as palestras, escritas principalmente
por
Berlin. A maior
parte de
sua
correspondncia sobre esse tema sobrevive
em
seus
prprios papis e/ou na National Gallery o f Art, em Washington.
ou grato a Maygene Daniels, chefe dos Gallery Archives, por me
fornecer cpias dos originais ali abrigados. As cartas foram esco
lhidas para
dar
um sabor
da
atitude quase paranoica de Berlin em
19
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10/39
relao a proferir palestras
em
pblico, especialmente
uma
srie
to
conhecida e prestigiosa
como
as Conferncias Mellon.
Em meio correspondncia
h
duas cartas de Berlin sobre a
possibilidade
de
usar slides para ilustrar as palestras. Na primeira,
de 8 de fevereiro de 1965, ele observa com esplndida inconsistn
cia: Ainda no estou realmente pretendendo exibir slides, se puder
evitar; mas, ao mesmo tempo, quero muito, pelo menos em uma
das palestras.Na segunda, de 24 de fevereiro, escreve: Desdeque
a noo geral estivesse clara, eu no os explicaria [os slides)
em
detalhes; apenas
os
teria ali como uma espcie de pano
de
fundo
geral para mostrar de
que
tipo de coisa se trata .
H
muitasdvidas degratido a serem registradas- mais nume
rosas, sem dvida, do que consigo lembrar. As relativas ao
forneci
mento
de
ref
erncias esto mencionadas na pgina 239 . Excluindo
estas, meus maiores agradecimentos (basicamente os mesmos que
os
de volumes anteriores) so para com os generosos benfeitores
que financiaram minha bolsa como
ellow
do Wolfson College; ao
fa lecido Lord Bullock, po r garantir que eu tivesse benfeitores a
quem agradecer; ao Wolfson College,
por
abrigar a mim e a meu
trabalho; fa lecida Pat Utechin, secretria do autor, que
foi
minha
paciente amiga e defensora
por
cerca de
35
anos; a Reger Hausheer
e ao falecido Patrick Gardiner, pela leitura e aconselhamento sobre
a transcrio e
por
muitas outras formas de indispensvel ajuda; a
Jonn y Steinberg,
por
valiosas sugestes editoriais; aos editores que
tiveram de suportar
minhas numerosas
e especficas exigncias,
especialmente Will Sulkin e Rowena Skelton-Wallace, da Chatto
Windus, e Deborah Tegarden, da Princeton University Press; a
Samuel Guttenplan,
pe
lo
apoio
moral e
cons
elhos teis; e, final
mente (embora, com muita falta de considerao, eu
no os
tenha
mencionado antes), aos meus familiares, por
suportar
essa forma
2
um
tanto
estranha de obstinao que subjacente
profisso que
escolhi. Espero
que
seja
quase
suprfluo acrescentar
que
minha
maior d
vida para
com
o prprio Isaiah Berlin,
por
me confiar
a tarefa mais gratificante
que um
editor poderia ter esperanas de
receber e
por
me
dar
total liberdade para realiz-la.
Wo
lfson
College,
Oxford, maio de 1998
Heswall, maio de 2 12
enry ardy escritor ee
ditor
br
itn
ico,
organizador das obras de lsaiah
Berlin.
21
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
11/39
m busca
de
um
definio
Seria de esperar que eu comeasse com algum tipo
de
definio
do Romantismo, ou pelo menos alguma generalizao, a fim
de
deixar claro o que quero dizer com essa palavra. No entanto, no
me proponho entrar
nessa armadilha. O eminente e erudito
pro
fessorNorthrop Frye observaque quando algum se dispe a fazer
uma generalizao sobre o tema do Romantismo, mesmo algo to
incuo como, por exemplo, dizer
que
surgiu
uma
nova atitude
entre
os
poetas ingleses
em
relao
natureza-
em
Wordswor
th
e Coleridge, digamos, em contraste
com
Racine e Pope - sempre
haver aquele que apresentar provasem contrrio com base nos
escritos
de
Homero, Kalidasa, picos rabes pr-islmicos, poesia
da Espanha medieval... e
por
fim, at os
prprios
Racine e Pape.
Por essa razo,
no
me proponho generalizar, e sim transmitir de
alguma outra maneira o que creio que o Romantismo seja.
Na verdade,a literaturasobre o Romantismo maior
do
que o
prprio Romantismo, e, por sua vez, a literatura que define de que
se ocupa
a literatura sobr e o Romantismo tambm
bem grande.
Trata-se de uma espcie de pirmide invertida. um assunto confu
o e perigoso, no qual muitos j perderam, eu no diria
os
sentidos,
mas pelo menos o senso
de
direo.
como
aquela caverna escura
descrita
por
Virglio, onde todos os passos seguem em
uma
s dire
o,ou a caverna de Polifemo- quem entra parece que hunca mais
sair. Por isso, com alguma apreenso que
me
lano
no
assunto.
23
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
12/39
A importncia
do
Romantismo ter sido o
maior
movimento
recenteque transformou a vida e o pensamento
do
mundo ociden
tal. Creio ser ele a maior
mudana j ocorrida
na conscincia
do
Ocidente e todas
as
outras mudanas que acontecer
am
ao longo
dos
sculos
XIX
e
xx me
parecem
em
comparao
menos impor
tantes e de
todo modo
profundamente
influenciadas
por
ele.
A histria
no
s
do
pensamento mas da conscincia da opi
nio assim
como
da ao da moral da poltica
da
esttica
em
grandemedida
uma
histria dos modelos dominantes. Sempreque
olhamos para qualquercivilizao vamos descobr ir que seus escritos
e outros produtos culturaismais caractersticos refletem determinado
tipo de vida
qu
e domina os que
so
responsveis
por
esses escritos
ou
pintam esses quadros ou produzem essas msicas especficas. E
para identificar
uma
civilizao para explicar que tipo de civilizao
ela para compreendero mundo no qual aqueles homens pensavam
sentiam e agiam importante tentar ao mxim o possvel isolar o
padro
dom
inante a
que
essa cultura obedece. Consideremos
por
exemplo a filosofia grega
ou
a literatura grega da poca clssica. Se
lermos digamos a filosofia de Plato veremos que ele dominado
por um
modelogeomtrico
ou
matemtico. ntido que seu pensa
mento
funciona segundo linhas que so condicionadas pela ideia de
que
h certas verdades axiomticas irredutveis inquebrantveis que
permitem mediante
uma
lgica severa deduziralgumas concluses
absolutamenteinfalveis; que possvel atingir esse tipo de sabedo
ria absoluta
por
meio de
um mtodo
especial que ele recomenda;
que existe
uma co
isa que o conhecimento absoluto a ser obtido no
mundo
e se conseguirmos atingir esse conhecimento absoluto do
qual a geometria e de fato a matemtica em geral o exemplo mais
prximo o paradigma mais perfeito ento poderemos organizar nos
sa vida em termos desse conhecimentoem termos dessas verdades
24
de uma vez
por
todas de maneira esttica que no necessita de mais
mudana alguma; e ento se pode esperar que todo o sofrimento
toda a dvida toda a ignorncia todas as formas devcio e insensatez
humanos desapaream da face da Terra.
Essa
noo de
que existe
em
algum lugar
uma
viso perfeita
e que ela precisa apenas
de certo tipo de
disciplina severa
ou
de
ce
rto tipo de mtodo para atingir
essa verdade
que
anloga
de
todo modo
s
verdades frias e isoladas da
matemtica-
tal ideia
afeta muitos
outros
pensadores da era ps-platnica:
com
certeza
o Renascimento
que
tinha ideias semelhantes
com
certeza
pen
sadores
como
Spinoza pensadores
do
sculo XVIII e tambm pensa
dores do sculo
XIX
que acreditavam
ser
possvel alcanar
um
tipo
de conhecimento se
no
absoluto pelo
menos quase abso
lu
to
e
nesses
termos
organizar
o
mundo
criar alguma
ordem
racional
na
qua
l a tragdia o vcio e a estupidez
que
causaram
tanta
des
truio
no
passado pudessem finalmente
ser
evitados pelo uso de
informaes cuidadosamente adquiridas
e pela aplicao a elas
de uma
razo
universalmente inteligvel.
Esse
um
tipo de modelo que ofereo apenas
como
exemplo.
Tais modelos invariavelmente
comeam
por
libertar as pessoas
do
erro da confuso de algum
mundo
ininteligvel
que
elas
pro
cura
m explicarpara si mesmas
por
meio de
um
modelo
mas
aca
bam
quase sempre
por
escravizar essas mesmas pessoas
por no
explicarem o
todo
da experincia. Comeam como libertadores e
aca
bam em
algum tipo de despotismo.
Vejamos mais
um
exemplo: uma cultura paralela a da Bblia
a
dos judeus em um perodo
correspondente
ao
de Plato. Aqui
vamos
encontrar um outro
modelo
um conjunto
de ideias total
mente diversas que
teriam sido in
nteligveis para os gregos. A
c
ultura da
qual surgiu o judasmo e tambm o cristianismo
25
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
13/39
em
grandemedida, ada vida familiar, das relaes entre pai e filho,
talvez das relaes dos membros de uma tribo entre si. Relaes fun
damentais, segundo as quais a natureza e a vida so explicadas, tais
como o
amor dos
filhos pelo pai, a fraternidade entre os homens,
o perdo, os comandos emitidos por um superior a um inferior, o
senso de dever, a transgresso, o pecado e, portanto,a necessidade
de expil todo esse complexo de qualidades, com base nas quais
o Universo inteiro explicado poraqueles que criaram a Bblia e por
aqueles que foram, em grande parte, influenciados porela, teria sido
totalmente ininteligvel
para
os gregos.
Consideremosum salmo muito conhecido que diz: Quando
Israel saiu do Egito [ ..] O mar viu e fugiu; o
Jordo
voltou atrs.
Os montes
saltaram como carneiros, e as colinas como cordeiri
nhos , e aTerra recebe a
ordem
de
tremer
[ .. diante do Senhor .'
Isso teria sido totalmente ininteligvel para Plato ou Aristteles,
pois
toda
essa
concepo de mundo
que reage pessoalmente s
ordens do Senhor, a ideia de que
todos
os relacionamentos, tanto
animados como inanimados, devem ser interpretados segundo as
relaes entre os seres humanos
ou
pelo menos segundo as relaes
entre personalidades, em um caso divinas,no outro caso humanas,
muito
distante
da
concepo grega do
que era
um deus e quais
eram
suas relaes c
om
a
humanidade
. Vem da a ausncia entre
os gregos
da noo de obrigao, a ausncia da
noo
de dever,
que to difcil de
compreender
para
os que os
leem
com
lentes
parcialmente afetadas pelo judasmo.
Permitam-me tentardar uma ideia decomo diferentes modelos
podemser estranhos, pois isso import ante simplesmente para tra
ar a histria dessas transformaes da conscincia.Revolues con
siderveis ocorreram no panorama geralda humanidade,cujo rumo
por
vezes dific de traar, pois ns as engolimos como se fossem
26
bem conhecidas. Giambattista Vico, pensador italianoque floresceu
no incio do sculo xvm- se que se pode dizer que um .homem
totalmentepobree esquecido tenha florescido-, foi talvez o primeiro
o
c
hamar
nossa ateno para a estranheza das culturas antigas.
Ele
a
ponta
, por exemplo, que na citao '
}ovis omni
plena
3
(fudo
est
repleto de Jpiter), o final de um hexmetro latino
bem
conhecido,
algo dito que para ns
no
totalmente inteligvel. De um lado,
Jpiter uma divindade,um grande deus barbudo que desfecha raios
c troves. De outro, o verso diz que tudo - omnia -est repleto
desse ser barbudo, algo que no inteligvel diretamente. Vico ento
argumenta, comgrandeimaginaoe de maneira convincente, que a
viso desses povos antigos, to distantes de ns, deve tersido muito
diferente da nossa para que eles concebessem sua divindade
no
s
co
mo um gigante barbudo comandandoos deuses e os homens, mas
tambm como algo de que todo o firmamento pudesseesta r repleto.
Gostaria de dar um exemplo mais conhecido. Quando Arist
teles, na tiaJ aNicmaco, discute o tema da amizade, ele diz, de um
modo que
para
ns um tanto surpreendente, que existem vrios
tiposde amigos. Por exemplo,existe a amizadequeconsisteem uma
paixo ardorosa de
um
ser humano por outro, e tambm aquela
que
consiste nas relaes de negcios,
no
comrcio,
na compra
e
venda. O fato de que, para Aristteles, no haja nada de estranho
em dizer
que
existemdois tipos de amigos, de um lado pessoas cuja
vida inteira dedicada ao
amor ou
pelo menos cujas emoes so
ardorosa mente envolvidas pelo amor, e,de outro, pessoas que ven
dem sapatos para outras, e que ambas so espcies do mesmogenus
- tudo isso para ns difcil de entenderporcausado cristianismo,
ou do movimento romntico, ou do que quer que seja.
Dou
esses exemplos apenas
para mostrar que
essas culturas
antigas
so
mais
estranhas do
que pensamos e
que ocorreram
27
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
14/39
transformaes maiores na histria da conscincia humana do
que perceberamos fazendo uma leitura comum e acrtica dos
clssicos. H, naturalmente, muitos outros exemplos. O mundo
pode ser concebido de maneira orgnica, como uma rvore, em
que cada parte vive para todas as outras partese por meio de todas
as outras partes, ou de maneira mecanicista, talvez como resultado
de
algum modelo cientfico,
em
que as partes so externas umas s
outras e em que o Estado,
ou
qualquer outra instituio humana,
considerado um inst rumento destinado a promover a felicidade
ou a impedirqueas pessoas acabem umas com as outras. Essas so
concepes de vida muito diferentes, pertencem a tendncias
de
opinio diferentes e so influenciadas
por
consideraesdiferentes.
O que acontece,
em
regra,
que alguma
disciplina ganha
a ascendncia - digamos a fsica ou a qumica - e, em razo da
enorme influncia que exerce sobre a imaginao de sua gerao,
aplicada tambm a outras esferas. lsso aconteceu
com
a sociologia
no sculo XIX; isso aconteceu com a psicologia em nosso sculo.
Minha tese
que
o ~ o v i m n t o romnt ico foi
uma
transformao
to gigantesca e radical que depois dele nada mais foi o mesmo.
nessa tese
que
quero me concentrar.
Ondesurgiu o movimento romntico? Decerto no na Inglater
ra, embora tecnicamente, tenha sido l - o quediro todos os histo
riadores. Mas, de todo modo,
no
oi l que ele se deu em sua forma
maisdramtica.Aqui surge a pergunta: quando falo em Romantismo,
estou
me
referindoa algo que aconteceu em dado momento hist
rico,como parece que estou dizendo, ou, talvez, a uma mentalidade
permanenteque no exclusiva de umapoca, nem monopolizada
por ela? Herber t Read e Kenneth Clark adotaram a posio de que
Ambos assim como
Berlin
tambm proferiram Conferncias Mellon.
z8
o Romantismo um estado de esprito permanente, que pode ser
encontrado em qualquer lugar. Kenneth Clark o encontra em algu
mas linhas de Adriano; Herbert Read cita numerosos exemplos.O
baro Seillire: que escreveu extensamente sobre o assunto, cita
ato e Plotino, e tambm o romancistagrego Heliodoro e muitas
outras pessoas que, em sua opinio,
eram
escritores romnticos.
No desejo entrar nessa
questo
talvezseja verdade. O tema de que
cu, pessoalmente, desejo tratar confinado no tempo. No quero
ratar de uma atitude humana permanente, mas de uma transforma
o especial que ocorreu em dado momento da histria e que nos
afeta ainda hoje. Assim,proponhoconfinarminha ateno ao quese
passou
no
segundo tero
do
sculoXVIII. E se passou no na Ingla
terra nem na Frana, mas sim, em sua maior parte, na Alemanha.
A viso corrente da histria e das transformaes histricas
no
s
d
esse relato. Comeamos com o dix huitieme francs, um
sculo elegante
em
que
tudo
se inicia calmo e suave, as regras so
obedecidas na vida e
na
arte,
h
um avano geral da razo, a racio
nalidade est progredindo, a Igreja est recuando, a irracionalidade
vai cedendo aos grandes ataques feitos contra ela pelos
philosophes
r
anceses. Existepaz, existecalma, constroem-se edifcios elegantes,
h uma crena na aplicao
da
razo universal tanto s questes
humanas
como
prtica artstica, moral, poltica, filosofia.
Evem ento
uma
sbita invaso, aparen temente inexplicvel. De
repente h uma violenta erupode emoo,
de
entusiasmo. Surge
um
interesse pelos edifcios gticos, pela introspeco. As pessoas
subitamente se tomam neurticas e melanclicas; passam a admi
rar os voos inexplicveis do gnio espontneo. H uma debandada
geraldaquele estado de coisas simtrico, elegante,vtreo.Ao mesmo
Em francs no original sculo XVIII.
29
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
15/39
tempo ocorrem outrasmudanas. Edode uma grande revoluo h
descontentamento;
cortam
a cabea do rei; comea o Terror.
No
muito
claro o que essas duas revolues
tm
a ver
uma
com a outra. Ao lermos a histria
h
um sentimento geral de
que
algo catastrfico ocorreu
no
final do sculo
XVIII.
No incio as coisas
pareciam ir relativamente tranquilas e ento acontece uma reviravolta
repentina. Algunsa recebem bem outros a condenam. Os que a con
denam supem que essa antes da reviravolta vivia-se em uma poca
elegante e pacfica a qual
quem
no conheceu
no
saber jamais o
que o verdadeiroplaisirdev vr ,
como
disse Talleyrand.
5
Outros dizem
que essa poca foi artificial e hipcrita e que a Revoluo trouxe um
reinadode mais justia mais humanidade mais liberdade mais com-
preenso do homem pelo homem. Seja como
for
a questo : qual a
relao entre a chama da revoluo romntica a sbita irrupo nos
domnios da arte e da moral dessa nova e turbulenta atitude e a revo
luo normalmente conhecida como Revoluo Francesa? Ser que
as
pessoas que danaram sobreas runas da Bastilha as que cortaram
a cabea de Lus XVI eram as mesmas que foram afetadas
pe
lo sbito
cu
lto ao gnio ou pela sbita irrupo
do
emocionalismo
de
que nos
fa
lam ou pelas sbitas turbulncia e perturbao que inundaram o
mundo ocidental? Aparentemente no. Sem dvidaos principias em
nome dos quais se travou a Revoluo Francesa eram princpios da
razo da ordem da justia universais com pouca relao com o senso
de singularidade a profunda introspeco emocional o senso das dife
renas entre as coisas mais das dessemelhanas que das semelhanas
aspectos
com
que o movimento romntico em geral associado.
E o que
dizer
de Rousseau? Rousseau
claro
corretamente
associado
ao
movimento romntico
como
sendo
em
certo sentido
Prazerde viver s vezes citado como douaur devivre doura deviver).
30
um
de
seus pais. Mas o Rousseau q ue foi responsvel pelas ideias de
Robespierre o Rousseau que foi responsvel pelas ideias dos jaco-
binos franceses no o mesmo Rousseau parece-me que tem uma
conexo bvia com o Romantismo. Aquele Rousseau o que escre
veu O
contrato
social um tratado tipicamente clssico que fala sobre
o retorno do homem aos princpios originais primrios que todos
tm em comum; o reioado da razo universal. que une os homens
em contraste
com
as emoes que dividem os homens; o primado da
justia universal e da paz universal. oposto
aos
conflitos e s turbu-
lncias e s perturbaes que lanam o corao
humano
para longe
da mentee dividem os homens colocando-os uns contra os outros.
Assim dificil ver qual a relao dessa
grande
reviravolta
romntica com a revoluo poltica. Edepois
h tambm
a Revo
luo Industrial que no pode ser considerada irrelevante. Afinal
ideias no geram ideias. Certos fatores sociais e econmicos so
responsveis por grandes convulses na conscincia humana.
Temos um
problema
nas mos.
H
a Revoluo Industrial h a
g rande revoluo poltica francesa sob
os
auspcios clssicos e h
a revoluo romntica. Consideremos
at
mesmo a
grande arte
da
Revoluo Francesa. Olhando
por
exemplo para as grandes pin
turas revolucionrias
de
Jacques-Louis David dificil conect-lo
especificamentecom a revoluo romntica. Os quadros de David
tm uma espciede eloquncia a austera eloquncia jacobina de
um retorno a Esparta
um
retorno a Roma; eles comunicam
um
protesto contra a frivolidade e a superficialidade da vida que tem a
ver
com
as pregaes de homens como Maquiavel. ou Savonarola
ou Mably pessoa s que denunciaram a frivolidade de
sua
poca em
nome
de ideais eternos de tipo universal
enquanto
o movimento
romntico
segundo nos dizem todos os
seus historiadores foi
um
protesto apaixonado contra a universalidade
de
qualquer tipo.
Jl
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
16/39
Portanto, se coloca,pelo menos primeira vista, um problema para
compreender o que aconteceu.
Para
dar
uma ideia
do
que considero ter sido essa grande
rup
tura, e por que creio que nesses anos, entre 1760 e
1830
ocorreu
al
go
transformador,
um
forte rompimento na conscinciaeuropeia,
para dar pelo menos algumas provas preliminares de
por
que penso
que se pode dizer isso,gostaria de p artir de um exemplo. Suponha
mos que voc estivesse viajando pela Europa Ocidental na dcada
de 1820 e que conversasse, na Frana, com os jovens vanguardistas
que eram amigos de Victor Hugo, os Hugoltres Suponhamos que
fosse Alemanha e l conversassecom as pessoas que receberam a
visita de Madame de Stael, a escritora que interpretou a alma alem
para os franceses.Suponhamosque conhecesse os irmos Schlegel,
grandes tericos do Romantismo,
ou um
ou dois amigos de Goethe
em
Weimar, tal
como
o fabulista e poeta Tieck,
ou
outras pessoas
relacionadas
com
o movimento romntico e seus seguidores nas
universidades, estudantes, rapazes, pintores, escultores, que foram
profundamente influenciados pela
obra
desses poetas, dramatur
gose crticos.Suponhamos que voc conversassena Inglaterra com
algum que foi influenciado por, digamos, Coleridge ou, acima de
tudo, por
Byron-
com qualquer pessoa influenciada por Byron,
fosse na Inglaterra, ou na Frana, ou na Itlia, ou alm
do
Reno,
ou alm do Elba.
Suponhamos
que voc conversasse
com
essas
pessoas. Voc descobriria que para elas o ideal de vida era algo
prximo do que descreverei a seguir.
Os valores aos quais elas atr ibuam a maior importncia eram
integridade,sinceridade,disponibilidade para sacrificar a vida para
alguma chama interior, dedicao a algum ideal pelo qual valia a
Huglatras por anal
og
ia
com
idlatras .
32
pena sacrificar tudo aquilo que a pessoa , pelo qual valia a pena
viver e tambm morrer. Voc descobriria que elas no estavam
interessadas principalmente no
conhecimento
ou no avano da
cincia, no estavam interessadas no
poder
poltico, na felicidade,
no estavam interessadas, acima de tudo
em
se
adaptar
vida,
em encontrar seu lugar na sociedade, em viver
em paz com
seu
governo, at mesmo em lealdade a seu rei ou a sua repblica. Voc
descobriria que o bom-senso, a moderao, estava muito longe
de seus pensamentos. Voc descobriria que elas acreditavam na
necessidade
de
lutar porsuas crenas at o ltimo alento de seu ser,
e que acreditavam
no
valor do martrio como tal- martrio pelo
qu, isso no importava. Voc descobriria que elas acreditavam que
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
17/39
almas
humanas, e no
h
nada mais importante que isso;
mas
eles
so
to
sinceros,
to
prontos a
morrer
pela causa em que acreditam,
a integridade deles
to
esplnctida
que
preciso
conceder
alguma
admirao
pela ctignidade
moral
e pela sublimidade de pessoas que
esto dispostas a fazer isso . Tal
sentimento
seria in inteligvel. Qua l
quer
pessoa
que
realmente conhecesse,
que
achasse
que
conhecia a
verdade, digamos
um
catlico
que
acreditasse
nas
verdades pregadas
pela Igreja, saberia que as pessoas capazes de se colocar por inteiro na
teoria e na prtica da falsidade eram
simp
lesmente pessoas perigosas
e, quanto mais sinceras fossem, mais perigosas, mais loucas.
Nenhum
cavaleiro cristo teriasuposto,ao lutarcontraos muul
manos, que se esperava dele que
admirasse
a pureza e a sincerida
de com que esses pagos acreditavam em
suas doutrinas
absurdas.
Sem dvida,
se
voc fosse uma pessoa decente e matas e
um
inimigo
corajoso,
no
seria obrigado a cuspir sob re o cadver. Voc seguiria
o raciocnio
de que
era
uma
pena tanta coragem (uma qualidade uni
versalmente admirada),
tanta
capacidade, tanta dev
oo
serem apli
cadas a
uma
causa
to
palpavelmente absurda ou perigosa. Mas voc
no teria dito: Pouco
import
a no
que
essas pessoas acreditam; o
que
importa
o estado
de
esprito
em que
el
as
esto
quando
acreditam. O
que importa que no se venderam, que eram homens ntegros. So
homens que
eu
posso respeitar. Se el
es
tivessem passado para nosso
lado simplesmente para se salvar, isso teria sido uma forma de
ao
muitoegosta, muito prudente,
muito
desprezvel . Esse o estado de
esprito
em
queas
pessoas devem dizer: Se
eu
acredito
em uma
coisa
e voc acredita em outra, ento
import
ante
que
lutemos um contra o
outro . Talvez seja bom que voc
me
mate
ou que
cu mate voc; talvez,
em um duelo, o melhorseria que os dois mata sem
um
ao outro;
mas
a
pior
de
todas as
coisas possveis ser
ia
e
ntrar
em
um
acordo, pois
isso significaria que
ns
dois tramos o ideal que c
t{ dentro
de ns .
34
O martrio,
claro,
sempre
foi
admirado,
mas o
martrio pela
verdade.
Os cristos
admiravam os mrtires
porque eram
teste
munhas da
verdade.
Se
fossem
testemunhas da falsidade, no
haveria
nada
de admirvel
neles-
talvez algo
digno
de pena,
mas
decerto nada para admirar. Na
dcada
de
1820, o
estado mental
,
o
motivo
,
mais
important
e do
que
a consequncia, a
inteno
mais importante
do
que
o efeito.
Pureza de corao,
integridade,
devoo, dedicao-
todas
essas coisas que
hoje
admiramos sem
muita dificuldade, que entraram na prpria
textura
de nossas ati
tudes morais,
tornaram-se
mais ou menos comuns, primeiro
entre
as
minorias,
disseminando-se pouco a pouco.
Eis um exemplo
do
que quero dizer que ocorreu com essa
mudana. Vejamos a
pea
de Voltaire sobre Maom. Voltaire no
estava particularmente interessado em Maom, e a pea tencionava
ser,sem dvida,
um
ataque
contra
a Igreja. No entanto, Mao m apa
rece
como
um monstro
supersticio so, cruel e fantico,
que
esmaga
todos os esforos em prol da liberdade, da justia, da
razo
e, por
tanto, deve
ser
acusado
como
inimigo
de tudo
o
que
Voltaire
tinha
como
mais importante: a tolerncia, a justia, a verdade, a civilizao.
Cons
ideremos agora o
que
Carlyle
tem
a
dizer
,
muito
mais
tarde.
Maom descrito por Carlyle- que um representante altamente
caracterstico, ainda que um tanto exagerado, do movimento romn
t ico-
em
um livro chamado On Heroes Hero-Worship, and the Heroic in
istory [Sobre heris, a adorao ao heri e o heroico na histria], no
qual
muitos
heris
so
enumerados
e analisados.
Maom
descrito
como
uma
massa incandescente de Vida forjada do grande seio da
prpria
Natureza.
6
um
homem
de ardente sinceridade e poder e,
portanto, para ser admirado; a ele
se
contrape o sculo xvm, que
n
o admirado, que pervertido
e intil, que,
para
Carlyle,
um
sculo ressequido
,[ ..
] de
segunda
mo .
7
Carlyle no tem o
menor
35
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
18/39
interesse nas verdades
do
Alcoro
nem
supe,
de
modo algum, que o
Alcoro contenha algo em
que
ele,Carlyle, poderia acreditar. Maom
suscita
sua
admirao por
ser uma
fora el
eme
ntar, algum que vive
uma
vida intensa, tem consigo grande nmero de seguidores; na figura
de Maom ele identifica
um
fenmeno tremendo,
um
episdio grande
e comovente
na
vida
da
humanidade.
A importncia de Maom seu cartere
no
suas crenas. Saber
se
aquilo em
que
Maom
acreditava era verdadeiro ou fa lso teria
parecido para Carlyle perfeitamente irrelevante. Ele diz , no decurso
dos mesmos ensaios: O sublime catolicismo
de
Dante [
..
] tem de ser
dilacerado
por um
Lutero; o
nobre
feudalismo
de
Shakes peare [ .. ]
tem
de
acabar
em uma Revoluo Francesa
8
E por que
tem de ser
assim? Porque
no importa se
o catolicismosub l
ime de Dante
ver
dadeiro
ou
no.
Importa
que
um grande movimento
,
que j
esgo
tou seu tempo de vida, e agora algo igual
mente
poderoso, igualmente
srio, igualmentesincero, igualmente profundo, igualmente tremen
do deve tomar seu lugar. A importncia
da
Revoluo Francesa foi
o
grande
impacto que exerceu
sobre
a conscincia
da
humanidade;
foi
ter
sido feita por
homens
que
agiam
com
profunda
seriedade e
em
p
enho,
e
no eram simp
lesmente hi
pcritas
sorridentes,
que era
a
opinio de
Carlyle sobre Voltaire. Essa
uma
atitude,
eu no dir
ia
tota
l
mente
nova,
porque
muito
perigoso d izer isso,
mas,
de
todo
modo, nova o bastante para merecer ateno; e, seja l qual for a
sua causa, ocorreu, parece-me, em algum momento
entre
os
anos
1760 e 1830. Comeou na Alemanha e cresceu em ritmo acelerado.
Vejamos outro exemplo
do
que quero dizer: a atitude para
com
a tragclia. As geraesanteriores acreditavam que a tragdia
sempre
ocorria
em
razo de algum tipo
de
erro. Algum se equivocou, algum
cometeu um erro. Foi
um
erro
mora
l ou um
erro
intelectual.
Poclia
ter
sidoevitado ou podia ser inevitvel. Para
os
gregos, a tragdia era
um
erro
que
os
deuses lanavam sobre
os
homens, que ningumsujeitoa
eles talvez pudesseevitar; mas,
em
princpio, se esses homens fossem
oniscientes,
no
teriam cometido
os
graves erros que cometeram e,
portanto, no
teriam atrado a desgraa
sobre
si prprios.Se clipo
soubesse que Laioera
seu
pai,
no
o teria assassinado. Isso verdade,
atcerto ponto, mesmo nas tragdias
de
Shakespeare.
Se em
Otelo
o
mouro soubesseque Desdmona era inocente, o desfecho dessa tra
gclia
no
poderia ter ocorrido. Portanto, a tragdia fundada sobre
uma falta inevitvel,
ou
talvez evitvel,
de
algo
nos homens-
falta
de
conhecimento, de habilidade,
de
coragem moral, de capacidade
de
viver, de agir corretamente
quando
sabe qual a ao correta, ou
o que
quer que
seja.
Homens
melhores -
moralmente
mais fortes,
intelectualmente mais aptos e, acima
de
tudo, pessoas oniscientes,
ta
lvez
tambm com pode
r suficiente
-sempre
pocliam evitar aquilo
que de fato, a substncia da tragdia.
As coisas n
o
so assim no incio do sculo XIX ou
mesmo
no
final
do
XVIII.
Quem
ler a tragclia de Schiller
Os bandoleiro
s qual
voltarei mais adiante, vai descobrir
que
Karl Moor, o heri-vilo,
um
homem
que se
vinga
de
uma sociedade detestvel
tornando
-
se
bandido
e
cometendo
u
ma
srie de crimes atrozes. Ele
punido no
final,
mas-
caso se pergunte:
Quem
o culpado? o lado
de
on
de
ele provm? Sero seus valores totalmente
corruptos ou
totalmente
insanos?
Qual dos dois lados est certo? - no h
uma
resposta
que se possa obter nessa tragdia, e para Schillera prpria pergunta
teria parecido superficial e cega.
Aqui
h uma
coliso,
ta
lvez
uma
coliso inevitvel, entre
con
juntos
de valores incompatveis. As geraes anteriores supunham
que
todas as coisas
boas
podiam ser reconciliadas. Isso
no
mais
verdade. Se vocs lerem a tragdia
de
BchnerA
morte
e
Danton em
que Robespierre finalmente causa a
mortede
Danton e
de
Desmou-
37
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
19/39
Iins no transcurso da Revoluo, e perguntarem"Robespierreestava
errado ao fazer isso?", a resposta no; a tragdia tal que Danton,
embora fosse um revolucionrio sinceroque cometeu alguns erros,
no merecia morrer, e contudo Robespierre estava perfeitamente
certoao mand-lo para aguilhotina. Aqui h uma coliso entre o que
Hegel mais tarde chamou de
"o
bem contra o bem".
9
No se deve a
um erro, e sim a algum conflito
de
tipo
inevitvel.
deelementos soltos
vagando pela Terra, de valores que no podem ser reconciliados. O
que importa que as pessoas
devem
se dedicar a esses valores com
todo o seu ser. Se fizerem isso, serviro como heris para a tragdia.
Se no o fizerem, seroburgueses mediocres, membros da burguesia,
no serviro para nada e no valer a pena escrever sobre elas.
A figura que domina o sculo XIX como imagem a figura
desgrenhada de Beethoven em seu sto. Beethoven um homem
que expressa aquilo que est dentro del
e. Ele
pobre, ignorante,
grosseiro.No tem boas maneiras,sabe pouco e talvez no seja uma
figura
muito interessante,exceto pela inspirao que o impele para a
frente. Mas
ele
no se vende. Senta-seem seu sto e cria.
Ele
cria
de
acordo com a luz que est dentro dele, e isso tudo o que um homem
deve fazer; isso que faz de um homem um heri. Mesmo que ele
no seja um gnio como Beethoven, mesmo que, tal como o heri
do romance de Balzac A obra-prima ignorada seja louco e recubra a
tela com tintas, de modo que no final no haja nada de inteligvel,
apenas umaconfuso horrvel
de
borres incompreens
veis
e irracio
nais - mesmo assim
essa
figura digna de
algo
mais do que pena,
ele
um homem que se dedicou a um ideal, que ps de lado o mundo,
que representa as qualidades mais heroicas, mais abnegadas,
mais
esplndidas que um ser humano pode ter. Thophile Gautier, em
seu famoso prefcioa Mademoiselle deMaupin de
1835,
defendendo a
noo de arte pela arte, diz, dirigindo-se aos crticos emgeral e tam-
bm
ao
pblico: "No, imbecis
No
Tolose cretinos que vocs so,
um livro no vai fazer um prato de sopa; um romance no um par
de botas; um soneto no umaseringa; um drama no uma estrada
de ferro.[ .. No, duzentas mil vezes no".
10
A tese de Gautier que a
antiga defesa da arte (bem distinta da escola da utilidade social que
ele est atacando- Saint-Simon, os utilitaristas e os socialistas), a
ideia
de
que o propsito da arte dar prazer a um grandenmero
de
pessoas, ou mesmo a um pequeno nmero de conhecedores de
formao esmerada - no 'vlida. O propsito da arte produzir
beleza,
e,
se apenas o prprio artista percebe queseu objeto
belo,
essa j uma justificativasuficiente para sua existncia.
evidente que algo ocorreu para mudar a conscincia a esse
grau, afastando-ada noo de que existem verdades universais,cno
nes artsticos universais, que todasas atividades humanas tm como
fim
ltimo fazer as coisas direito, e que os critriospara fazer as coi
sas direito eram pblicos, eram demonstrveis, que todos
os
homens
inteligentes, aplicando seu intelecto, iriam descobri-los- afastando
a conscincia de tudo isso para adotar uma atitude completamente
diferente em relao vida e em relao ao.
Algo
ocorreu, sem
dvida. Quando perguntamos o qu, dizem-nos que houve uma
grande guinada para o emocionalismo, que houve um sbito inte
resse pelo primitivo e pelo
remoto
o remoto no tempo e o remoto
no espao-, que houve um surto de desejo de infinito.
Algo
foi dito
sobre "a emoo recolhida em tranquilidade";
11
algo foi dito mas
no est claro o que
isso
tem avercom qualquerdas coisas queacabo
de mencionar sobre os romances de Walter Scott, as canes de
Schubert,os quadros de Delacroix, a ascensodaadorao ao
Estado
e a propaganda alem em favor da autossuficincia econmica, e
tambm sobre as qualidadessobre-humanas,a admirao ao gnio
indmito,os fora da lei, os heris, o esteticismo,a autodestruio.
39
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
20/39
O que todas essas coisas tm em comum? Se tentarmos desco
brir veremos uma perspectiva
um
tanto surpreendente. Permitam
-me apresentar algumas definies de Romantismo que recolhi nos
escritos dealgumas das pessoas mais eminentes que j escreveram
sobre o assunto; elas mostram que o assunto no
nada fcil.
Stendhal
12
diz que o romntico o moderno e o interessante;
o classicismo o velho o maante. Isso talvez no
seja
to simples
quanto parece: o que ele quer dizer que o Romantismo uma tentati
va
de compreender as
foras
que
se
movem
na
prpria
vida
da pessoa:
e no uma fuga para algo obsoleto. Contudo o que ele realmente
dizno livro sobre Racine e Shakespeare o que acabei de enunciar.
Seu contemporneo Goethe porsua vezdiz que o Romantismo a
doena o fraco o doentio o grito deguerradeuma escola de poetas
tresloucados ede reacionrios catlicosao passo que o classicismo
forte novoalegre robusto como Homerocomo Acano dos
nibelun
-
gos.
Nietzsche
diz
que no uma doenamas uma terapiaa cura para
uma doena .Sismondi um critico suodeconsidervel imaginao
embora no to simpatizante do Romantismo apesar de ser amigo
de Madame de
Staeldiz que o Romantismo uma unio entreamor
religio e cavalaria andante. No entanto
Fr
iedrich von Gentz que era
o principal agente de Metternich nessa poca e um contemporneo
exato deSismondi diz que o Romantismo uma dascabeasde uma
hidra tricfalasendo as outras duas cabeas a
Reforma
e a Revoluo;
na verdade uma ameaa de esquerda uma ameaa
religio
tradio e ao passado que
deve
sererradicada. Os jovens romnticos
franceses les jeunes-France , ecoam isso dizendo: Leromantisme c est
la R
volution .
13
Rvolutioncontra o qu? Aparentemente contra tudo.
Diz Heine que o Romantismo a flor que brotou do sanguede
Cristo um novo despe
rtar
da poesia da sonmbula Idade Mdia
pinculossonhadoresque nos contemplam com os olhos profundos
40
e dolorosos de espectros de sorriso fixo. Os marxistas acrescenta
riam que foi de fato urna fuga dos horrores da Revoluo Industrial
e Ruskin concordaria dizendo q ue foi
um
contraste entre o belo
passado e o assustador e montono presente; isso uma modifica
o da viso de Heine mas nem to diferente assim. Taine porm
diz que o Romantismo uma revolta burguesa contra a aristocracia
aps
1789;
o Romantismo a expresso da energia e da fora dos
novos arrivistas- exatamente o oposto. a expresso do vigoroso
poder de propulso da nova burguesia contra os antigos valores
decentes e conservadores da sociedade e da histria. a expresso
no da fraqueza nem do desespero mas de um otimismo brutal.
Friedrich
Schlegel,
o maior precursoro maiorarauto e profeta
do
Romantismo que j existiu di z que h
no
homem um terrvel
desejo insatisfeito de alar voo para o infinito um desejo febril de
romper os estreitos vnculos da individualidade. Sentimentos
um
tanto semelhantes podem ser encontrados
em
Coleridgee tambm
em
Shelley. Mas Ferdinand Brunetiere no final do sculoXIX diz
que se trata de egosmo literriode um realce da individualidade em
detrimento do mundo mais amplo ao redor que o oposto da auto
transcendncia pura autoafirmao; e o baro
Se
illiere concorda
e acrescenta egomania e primitivismo; e lrving Babbitt faz eco.
O irmo de Friedrich
Schlegel,
August Wilhelm
Schlegel,
e Mada
me de Stael concordam que o Romantismo vem dos pases romni
cos ou pelo menos das lnguas romnica
s,
que vem
na
verdade de
uma modificao dos versos dos trovadores provenais; mas Renan
diz que o Romantismo celta.Gaston
Paris
diz que breto; Seilliere
diz que vemde uma mistura de Plato ePseudo-Dionsio Areopagita.
jo
seph Nadler um erudito crtico alemo diz que o Romantismo
na verdadea saudade daqueles alemes que viviam entre o Elba e o
Niemen-
sua saudade da velha Alemanha Central de onde tinham
4
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
21/39
vindo outrora, o devaneio de exilados e colonos. Eichendorff
iz
que
a nostalgia da Igreja Catlica por partedos protestantes.Mas Chateau-
briand, que no vivia entre o Elba e o Niemen e, portanto, no expe-
rimentava essas emoes,diz que o deleite secreto e inexprimvel
de uma
alma brincando consigomesma: Falo perpetuamente sobre
mim
mesmo josephAynard diz que avontade de
amar
alguma
coisa,
uma
atitude
ou
uma
emoo para
co
m os outros, e
no
para
consigo mesmo, exatamente ooposto
do
desejo de poder. Middleton
Murry
iz
que Shakespeare
foi
essencialmente
um
escritorromntico
e acrescenta que todos os grandes escritores desde Rousseau foram
romnticos. No entanto, o eminente crtico marxista Georg Lukcs
16
diz que
nenhum
grande escritor romntico, muito menos Walter
Scott, Victor Hugo e Stendhal.
Se considerarmos essas citaes de homens que, afinal, mere-
cem ser lidos, que so, em outros aspectos, escritores profundos e
brilhantes sobre muitos assuntos,
fica
claro que h alguma dificulda-
de em descobrir o elemento comum em todas essas generalizaes.
por essa razo que Northrop Frye foi to sbio ao alertar contra
isso. Todas essas definiesconcorrentes nunca,que eu saiba,foram
realmente
objeto de
protesto
de
ningum;
nunca
incorreram na
ira da crtica com a mesma intensidade
que
poderia
ser
desfechada
contra qualquer
um
que tivesse dado definies
ou
generalizaes
universalmente consideradas absurdas e irrelevantes.
O prximo passo ver quais caractersticastm sido chamadas
de
romnticas
pelos escritores
que abordaram
o
assunto
e pelos
crticos. Surge um resultado muito peculiar. A variedade dos exem-
plos que acumulei tanta que a dificuldade deste assunto que tive
a imprudncia de escolher parece ainda mais extrema.
O Romantismo o primitivo, o ignorante, a juventude,a exu-
berantesensao de vida do homem natural, mas tambm palidez,
42
febre,doena, decadncia,
la
maladie du
siecle
[a doena do sculo], La
Belle Dame Sans Merci [A bela dama sem misericrdia], a Dana da
Morte, na verdade a prpriaMorte.a cpula de vidro multicolo-
rido de Shelley, e tambm o esplendor branco da eternidade. a
plenitude vigorosa e confus a e a riqueza da
vida- Flle des Lebens-
a multiplicidade inexaurvel, a turbulncia, a violncia, o conflito, o
caos, mas
tambm
a paz,a unio
com
o grande
Eu
,
a
harmonia
com
a
ordem
natural, a
m
sica das esferas, a dissoluo no
eterno
esprito que tudo contm .
o estranho, o extico, o grotesco, o
misterioso, o sobrenatural, as runas, o luar, castelos encantados,
trombetas de caa, elfos, gigantes, grifos, cascatas, o velho
moinho
no
Floss, as trevas e os poderes das trevas, fantasmas, vampiros,
o
terror
sem
nome
, o irracional,o indizvel.Tambm o familiar, o
sentido da tradio particular de cada
um
, o jbilo com o aspec-
to sorridente da natureza de todo dia e as cenas e sons habituais
da
gente
simp
les e
contente
do campo
, a sabedoria
s
e feliz
dos
filhos da terra, com suas faces rosadas. o antigo, o histrico, so
as catedrais gticas, as nvoas da Antiguidade, as razes antigas
e a velha
ordem com suas
qualidades
no
analisveis,
suas
leal-
dades profundas
mas
inexprimveis, o impalpvel, o imponder
vel.
Tambm
a busca da novidade, a mudana revolucionria, a
preocupao
com
o presente fugaz, o desejo de viver no
momento
,
a rejeio
do
conhecimento, o passado e o futuro, o idlio pastoral
da feliz inocncia, a alegria
no
instante
que
passa,
uma
sensao
de
atemporalidade.
nostalgia, devaneio, so
sonhos
inebrian-
tes, a doce melancolia e a amarga melancolia, a solido, os sofri-
mentos do eXI1io, o sentimento de alienao, o vagar
em
lugares
remotos
, em especial o Oriente, e em tempos remotos, em espe-
cial a Idade Mdia. Mas tambm o prazer da cooperao em um
esforo criativo comum a sensao de fazer parte de uma igreja,
43
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
22/39
urna classe,
um
partido, urna tradio, urna grande hierarquia sim
trica e abrangente, cavaleiros e vassalos, as fileiras da Igreja,os laos
sociais orgnicos, a unio mstica, urna
s
f, urna s terra,
um s
sangue, "la terre
e les
morts [a terra e os mortos], como disse Bar
rs,
7
a grande sociedade dos mortos e dos vivos e dos ainda por
nascer.
18
o conservadorismo tory de Scott, Southey e Wordsworth,
e o radicalismo
de
Shelley, Bchner e Stendhal. o medievalismo
esttico de Chateaubriand, e a averso de Michelet Idade Mdia.
a adorao autoridade de que fala Carlyle, e o dio autoridade
de Victor Hugo. o extremo misticismo da natureza, e o extremo
esteticismo antinaturalista. energia, fora, vontade, vida,
talage
du
moi [ostentao do eu]; tambm autotortura, autoaniqua
o, suicdio. o primitivo, o no sofisticado, o seio da natureza,
campos
verdes, vaquinhas com sinetas, riachos murmurantes, o
cu azul
infinito. No
menos porm
tambm
o
dandismo
,
o desejo de se vestirbem, os coletes vermelhos, as perucas verdes,
os cabelos azuis, que os seguidores de pessoas como Grard de
Nerval usavam em Paris em certo perodo. a lagosta
que
Nerval
levava a passear pelas ruas
de
Paris presa por uma cordinha. o
exibicionismo selvagem, a excentricidade, a batalha de Ernni,
o enfado (ennui) , o taedium vitae [tdio da vida], a morte de Sarda
npolis (pintada por Delacroix, composta por Berlioz e narrada
por Byron). a convulso de grandes imprios, as guerras, a mor
tandade e a derrocada
dos
mundos. o heri romntico-o rebel
de,
homm e fatal,
a alma condenada, o corsrio, Manfred, Giaour,
Lara, Caim,
toda
a galeria de personagens
dos poemas
heroicos
de Byron. Melmoth, Jean Sbogar, todos os prias e os Ismais,
assim
como
as cortess de corao
de ouro
e os condenados
de
corao nobre
da
fico oitocentista. beber usando
como
taa
um
crnio humano, Berliozdizendo que queria escalar o Vesvio
44
para comungar com urna alma gmea. So celebraes satnicas,
a ironia cnica, o riso diablico, os heris negros, mas
tambm
a
viso
que
Blake tinha de Deus e seus anjos, a grande sociedade
crist, a ordem eterna e o cu estrelado , que mal pode expressar
os pensamentos e emoes infinitas que enchem a alma
de
um
cristo .
19
,
em suma, a unidade e a multiplicidade.
a fidelidade
ao
particular, nas pintur as da natureza, por exemplo, e tambm a
impreciso tentadora do contorno misterioso. beleza e feiura.
a arte pela arte, e a arte como um instrumento de salvao social.
fora e fraqueza, individualismo e coletivismo, pureza e
corrup
o, revoluo e reao, paz e guerra, amor vida e amor morte.
Talvez no surpreenda que, diante disso, A. O. Lovejoy,
20
cer
tamente o erudito mais escrupuloso e um dos mais esclarecedores
que j trataram da histria das ideias dos dois ltimos sculos, tenha
chegado perto do desespero.
Ele
deslindou muitas correntes
do
pen
samento romntico, tantas quantas conseguiu, e no
s
descobriu
que algumas contradizem as outras, o que evidentemente verdade,
e que algumas so totalmente irrelevantes para as outras, como
foi ainda mais longe. Lovejoy considerou duas caractersticas que
ningum negaria serem do Romantismo, como o primitivismo e a
excentricidade- o dandismo - , e perguntou o que elas tinham
em
comum. O primitivismo, que comeou
na
poesia inglesa e at certo
ponto na prosa inglesa no incio do sculo XVIII, comemora o bom
selvagem, a vida simples, os padres irregulares da ao espontnea,
contra a sofisticao corrupta e o verso alexandrino de uma sociedade
altamente refinada. uma tentativa de demonstrar que existe uma
lei
natural e que a melhor maneira de descobri-la no corao singelo,
ainda no instrudo, do ndio ou da criana no corrompidos. Mas,
pergunta Lovejoy, bem razoavelmente, o que isso tem em
comum
com
os coletes vermelhos, os cabelos azuis, as perucas verdes,
45
-
7/24/2019 As Razes Do Romantismo.
23/39
o absinto, a morte, o suicdio e a excentricidade geral dos seguido
res de Grard de Nerval e Thophile Gautier?
Ele
conclui dizendo
que realmente no
v
o que possa existir em comum entre as duas
coisas, e podemos simpatizar com esse raciocnio.
possvel dizer,
talvez, que h um
ar
de revolta nos dois, que ambos se revoltaram
contraalgum tipo
de
civilizao-um, a
fim
de
ir para uma ilha como
Robinson Crusoe, para ali comungarcom a natureza eviver entre as
pessoas simpl
es,
no corrompidas; e a outra, em buscade um violento
esteticismoedandismo.
No
entanto, a mera revolta,a mera denncia
da corrupo no pode ser romntica.No consideramos os profetas
hebreus, ou Savonarola, ou mesmo os pregadores metodistas parti
cularmente romnticos.
Isso
estaria muito longe
da
verdade.
Podemos, assim, simpatizar com o desespero de Lovejoy.
Gostaria de citar uma passagem de George Boas, discpulo de
Lovejoy
, que escreveu a respeito:
Depois da discriminao entre os vrios Romantismos
feita
por
Lovejoy
,
no
deveria haver
mais
nenhuma discusso sobre o que
o Romantismo realmente
foi. J houve
doutrinas
estticas
diversas,
algumas das quais
relacionadas
logicamente com outras, outras no
relacionadas, todas chamadas pelo mesmo nome.
Mas
esse fato
no implicaque tod s tivessem um essncia em comum ssim como
o fato de que centenas de pessoas se chamam John Smith
no
significa
que
todas
tm
a
mesma
filiao.
Esse ,
talvez
, o erro
mais
comum
e
enganoso decorrente da confuso de
ideias
e palavras. Poderamos,
talvez deveramos,
falar
durantehoras
apenas
sobre isso.
11
Gostaria de aliviar agora mesmo o temordos ouvintes, afian
ando que no pretendo fazer isso.
Ao
mesmo tempo, porm, creio
que tanto
Lovejoy
como Boas, embora sejam eminentes estudiosos
e tenham dado uma grande contribuio para iluminara reflexo,
no presente caso esto enganados.
Houve
de fato um movimento
romntico; ele teve algo que lhe era central; ele criou uma grande
revoluo na conscincia; e importante descobriro que .
Pode-se, claro, desistir do jogo todo. Pode-se dizer, como
Va
lry.
que palavras como
romantismo
e
classicismo
palavras como
humanismo
e naturalismo no so nomes com que se possa trabalhar, emabsoluto.
No se pode ficar bbado, no se pode matar asedecomos rtulos
das garrafas.
H
muito a dizer em favor desse ponto de vista. Ao
mesmo tempo, impossvel traar o curso da histria humana, a
menos que utilizemos algumas generalizaes. Portanto,
por
mais
dificil que seja, importante descobrir qual foi a causa da enorme
revoluo na conscincia humana que ocorreu naqueles sculos.
H pessoas que, confrontadas com essa abundncia de provas que
tentei coletar, podem sentir alguma simpatia pelo
falecido Sir
Arthur
Quiller-Couch,que disse com tpica animao britnica: Todo esse
alvoroo sobre
[a
diferena entre dassicismo e Romantismo] no
constitui nada que deva perturbar um homem saudvel .
Devo dizer que no compartilhodesse ponto de vista. Parece
-me excessivamente derrotista . Portanto, farei o mximo para expli
car a que veio, a meu ver, o movimento romntico. A nica maneira
s e sensata de se aproximar dele, ou pelo menos a nica maneira que
achei til at hoje, pelo mtodo histrico, lento e paciente: exa
minar o incio do sculo xvm, refletir sobre qual era a situao na
poca e ento considerar,
um por um
, quais fatores a abalaram e
qual combinao
ou
confluncia de elementos, mais para o final
do sculo, causou o que me parece ser a maior transformao da
conscincia do Ocidente, certamente em nossa poca.
7
-
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24/39
primeiro ataque
o luminismo
O Iluminismo do fim do sculo XV e incio do XV III necessita de
uma definio. H trs proposies
se
pud ermos reduzi ra isso que
so porassim dizer os rrs
alicerces
sobre os quais repousava toda a
tradio ocidental.
Elas
no se limiLavam ao Iluminismoembora o
Iluminismo tenha oferecido uma
vers
o
especia
l
delas qu
eas trans
formou de maneira particular. Exponho os trs princpios aseguir.
Em
primeiro lugar todas as perguntas autnticas podem ser
respondidas; se uma pergunta no pode ser respondida ento no
uma pergunta. Podemos no saber qual a resposta mas algum
saber. Podemos ser muito fracos ou muito es tpidos ou muito
ignorantespara conseguirmos descobrira resposla sozinhos. Nesse
casoa resposla talvez seja conhecida por pessoas mais sbias que
ns- os especialistas algum tipo de elite. Podemos ser criaturas
pecadoras e portanto incapaze