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AS PROPOSIÇÕES DA CEPAL NOS ANOS DE 1990 E A SUA RELAÇÃO COM AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO ENSINO MÉDIO: O CASO DO BRASIL Claudimara Cassoli Bortoloto Predolim/UNIOESTE 1 Liliam Faria Porto Borges/UNIOESTE 2 Resumo: Este trabalho pretende analisar as reformas educacionais do Ensino Médio nos anos 1990 e a sua vinculação com as proposições da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe – CEPAL, com base em dois documentos que entende-se serem norteadores das políticas educacionais dos governos latinos americanos. Esses documentos colocam a educação como estratégia central do desenvolvimento econômico e social e para isso os países devem promover a cidadania moderna, que seria o desenvolvimento produtivo através da incorporação do progresso técnico pela industria, assimilação dos códigos da modernidade pela educação, além da ampliação da democracia e efetivação da equidade social. Contudo, esse trabalho pretende apontar que as proposições da CEPAL não foram seguidas pelo governo do período, pois as condições para a sua viabilidade manifestadas nos esforços externos e internos contrariam a lógica da divisão internacional do trabalho e a constituição de um mundo que compreende capitalismo central e periférico com tarefas definidas que viabiliza a hegemonia dos países centrais sobre os países periféricos, assim como garante a submissão da burguesia interna aos interesses externos. Assim a cidadania moderna não se constituiu, pois ela se limitou a assimilação dos códigos da modernidade, fundamentais para a adaptação dos sujeitos às novas relações de trabalho, dadas com a acumulação flexível. A equidade social, criticada por muitos autores, não foi viabilizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, contrariamente à redistribuição pontual de renda, o que houve no país foi a sua maior concentração com maior empobrecimento da classe trabalhadora. Portanto, evidenciamos que as proposições da CEPAL não se efetivaram na década de 1990 ou não influenciaram as reformas por dois motivos, primeiro pela posição que ocupam os países latinos americanos na divisão internacional do trabalho, e a irrealizável cooperação entre os países, já que a dominação desses é uma condição para a manutenção da hegemonia dos paises centrais, e pela subserviência e ausência de um projeto nacional pela burguesia interna, que naquele período estava muito mais preocupada em manter seu cosmopolitismo e status quo, que garantir qualquer forma de desenvolvimento autônomo ou com menos dependência. Palavras-chave: política educacional; ensino médio; CEPAL. 1 Mestranda do PPGE – UNIOESTE/Cascavel – PR e membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS. Email: [email protected] 2 Doutora em Educação, docente do PPGE - UNIOESTE/Cascavel – PR e membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS. Orientadora do trabalho. Email: [email protected]

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AS PROPOSIÇÕES DA CEPAL NOS ANOS DE 1990 E A SUA

RELAÇÃO COM AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DO ENSINO

MÉDIO: O CASO DO BRASIL

Claudimara Cassoli Bortoloto Predolim/UNIOESTE1

Liliam Faria Porto Borges/UNIOESTE 2

Resumo: Este trabalho pretende analisar as reformas educacionais do Ensino Médio nos anos 1990 e a sua vinculação com as proposições da Comissão Econômica Para a América Latina e o Caribe – CEPAL, com base em dois documentos que entende-se serem norteadores das políticas educacionais dos governos latinos americanos. Esses documentos colocam a educação como estratégia central do desenvolvimento econômico e social e para isso os países devem promover a cidadania moderna, que seria o desenvolvimento produtivo através da incorporação do progresso técnico pela industria, assimilação dos códigos da modernidade pela educação, além da ampliação da democracia e efetivação da equidade social. Contudo, esse trabalho pretende apontar que as proposições da CEPAL não foram seguidas pelo governo do período, pois as condições para a sua viabilidade manifestadas nos esforços externos e internos contrariam a lógica da divisão internacional do trabalho e a constituição de um mundo que compreende capitalismo central e periférico com tarefas definidas que viabiliza a hegemonia dos países centrais sobre os países periféricos, assim como garante a submissão da burguesia interna aos interesses externos. Assim a cidadania moderna não se constituiu, pois ela se limitou a assimilação dos códigos da modernidade, fundamentais para a adaptação dos sujeitos às novas relações de trabalho, dadas com a acumulação flexível. A equidade social, criticada por muitos autores, não foi viabilizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, contrariamente à redistribuição pontual de renda, o que houve no país foi a sua maior concentração com maior empobrecimento da classe trabalhadora. Portanto, evidenciamos que as proposições da CEPAL não se efetivaram na década de 1990 ou não influenciaram as reformas por dois motivos, primeiro pela posição que ocupam os países latinos americanos na divisão internacional do trabalho, e a irrealizável cooperação entre os países, já que a dominação desses é uma condição para a manutenção da hegemonia dos paises centrais, e pela subserviência e ausência de um projeto nacional pela burguesia interna, que naquele período estava muito mais preocupada em manter seu cosmopolitismo e status quo, que garantir qualquer forma de desenvolvimento autônomo ou com menos dependência.

Palavras-chave: política educacional; ensino médio; CEPAL.

1 Mestranda do PPGE – UNIOESTE/Cascavel – PR e membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS. Email: [email protected] 2 Doutora em Educação, docente do PPGE - UNIOESTE/Cascavel – PR e membro do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais – GPPS. Orientadora do trabalho. Email: [email protected]

Essa pesquisa procura analisar possíveis interferências das proposições da Comissão

Econômica para América Latina e o Caribe - CEPAL nas políticas educacionais para o Ensino

Médio nos anos 1990. Tendo por referência o conjunto de bibliografias que tomam as

reformas do Ensino Médio como objeto de estudo, destacamos que elas elencam como as

principais reformas a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 e o Decreto 2208/97. Para além dessas

legislações esse trabalho se constitui pela análise daquelas reformas com documentos emitidos

pela CEPAL nos anos 1990 e que foram, ao nosso ver, fundamentais para nortear o conjunto

de reformas desenvolvidas nos países Latinos Americanos.

A CEPAL é um organismo de grande importância e influência na determinação das

políticas da região e assim como outros organismos multilaterais ela também recomenda

proposições que podem ser seguidas pelos governos, apesar de não ser um organismo

financiador. Foi criado especificamente para produzir conhecimento sobre a realidade latino

americana e caribenha tendo, na composição de seu quadro, intelectuais dos diversos países,

para então disponibilizar análises sobre nossa realidade. Esse conjunto de conhecimentos tem

como objetivo principal contribuir para impulsionar o desenvolvimento do capitalismo e

superar os problemas socioeconômicos que assolam os países da América Latina, ou em outras

palavras produzir desenvolvimento econômico e superar os problemas sociais.

O ponto de partida para o entendimento da contribuição da CEPAL à história das idéias econômicas deve ser o reconhecimento de que trata-se de um corpo analítico específico, aplicável a condições históricas próprias da periferia latino-americana. (...) Uma característica adicional das idéias geradas e divulgadas pela CEPAL é o fato de que nunca foi uma instituição acadêmica, e que seu público-alvo são os policy-makers da América Latina. (BIELSCHOWSKY,2000, p. 16-17)

É com esse propósito que a CEPAL divulga dois documentos que pretenderam ser

norteadores das ações desenvolvidas pelos Estados desses países na década de 1990:

Transformação produtiva com equidade: a tarefa prioritária do desenvolvimento da América

Latina e do Caribe nos anos 1990 (CEPAL, 1990) e Educação e Conhecimento: Eixo da

Transformação produtiva com equidade (CEPAL, 1995).

A prioridade em analisar esses dois documentos divulgados na década de 1990 e não

outros, se dá por eles compreenderem o período estudado nesse trabalho, e principalmente,

porque pretendemos, observar a sua vinculação com as políticas educacionais voltadas para o

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Ensino Médio no período, visando constatar em que medida essas políticas estão ou não

atreladas as proposições da CEPAL.

Quando da divulgação de “Transformação produtiva com equidade” este primeiro

documento ressalta que o período que se finalizava quando de sua publicação é compreendido

como década perdida ( expressão cunhada pela CEPAL) porque manifestava, sobretudo, a

supressão do desenvolvimento econômico, e maior empobrecimento da população. A década

de 1990 herdava, portanto, um desequilíbrio econômico pelo retrocesso experienciado.

Na publicações analisadas não são evidenciadas quaisquer associação com a crise

mundial disseminada pelo processo de acumulação de capital, como aponta Harvey (1989) ao

analisar as transformações políticas econômicas do capitalismo no século XX. Segundo este

autor, com a consolidação do fordismo-keynesianismo no período entre-guerras, ocorre

concentração de renda e superacumulação, a estratégia de superação da crise é a ampliação

espacial da produção. Porém, a expansão da superacumulação foi tolhida com o crescimento

da industrialização dos países subdesenvolvidos, dada pela necessidade de estimular a

produção para sanar as demandas do consumo interno no período entre guerras, e com a

reestruturação econômica dos países europeus que tiveram suas economias destruídas com a

guerra.

Diante da crise de 1973, não mais contornada com a ampliação de mercados

consumidores, inicia-se a transição do modelo fordista-Keynesiano para a Acumulação

Flexível segundo Harvey (1989) e os trabalhadores tiveram como resposta o aumento do

desemprego e subemprego, além das políticas de arrocho salarial e conseqüentemente a

precarização das relações de trabalho.

Esse processo de reestruturação produtiva terá características nefastas para os países de

economia dependente, é nesse contexto que entramos na década de 1990, fase de

desenvolvimento que, segundo a CEPAL, deveria superar a década de 1980, em virtude dos

países latino americanos não terem desenvolvido meios e ações que viabilizassem o

crescimento econômico.

Em síntese, a década de 1980 constituiu, em termos históricos, um ponto de inflexão entre o padrão de desenvolvimento anterior na América Latina e no Caribe, e uma fase ainda não completamente perfilada, mas sem dúvida diferente, que marcará o futuro desenvolvimento da região. Essa década de desenvolvimento perdido, de aprendizagem dolorosa equivaleu, possivelmente, a conjunturas históricas que tiveram que ser vivenciadas em todas as experiências bem sucedidas, de industrialização tardia.

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Talvez seja essa base a partir da qual a região poderá tomar o caminho do crescimento, com modalidades distintas quanto as instituições e políticas, desta vez acompanhadas de um esforço contínuo de superação dos atrasos no âmbito da competitividade e da equidade internacional e um contexto sustentável em termos ambientais (CEPAL, 2000, p. 891)

Ao não vincular diretamente a crise dos anos 1980 com a crise estrutural do capital, a

CEPAL trata as economias dependentes com resultado de escolhas internas e parece

secundarizar a divisão internacional do trabalho, quando ressalta que esses países podem ter

crescimento econômico e superar suas crises, pois isso já foi experienciado por outros países

de industrialização tardia, que tiveram sucesso e êxito na superação de suas crises e

dinamização da economia. Certamente ela se refere aos países chamados tigres asiáticos como

Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong Kong, além do Japão que foi um exemplo de

dinamismo econômico que impulsionou e influenciou esses países.

Contudo, a realidade Latino Americana se diferencia dos países de capitalismo

avançado. Florestan Fernandes (1981) ao discutir sobre a formação de classes sociais dentro

do capitalismo dependente, revela que há uma conciliação de interesses das elites nacionais

com os interesses da dominação externa. Para o autor a burguesia brasileira se esquivou de

desenvolver aqui a revolução burguesa ou o que viabilizaria um capitalismo moderno.

Com interesses específicos de dar continuidade à acumulação, concentração de renda e

poder, a burguesia brasileira abriu mão da autonomia interna pautada em projetos

nacionalistas e deu continuidade a uma herança histórica de submissão aos interesses externos.

Essa dependência Florestan (1981) classifica de imperialismo total, que consiste no fato do

imperialismo organizar a dominação externa a partir de dentro, em todos os níveis da ordem

social.

Como ocorre com os interesses privados externos, os interesses privados internos estão empenhados na exploração do subdesenvolvimento em termos de orientações de valor extremamente egoístas e particularistas. Quando o assim chamado estágio de “ decolagem” parecia aproximar-se, a expansão iniciava-se com um processo impulsionado pelos interesses mais poderosos e, portanto, controlado a partir de fora. A ilusão de uma revolução industrial liderada pela burguesia nacional foi destruída, conjuntamente com os papéis econômicos, culturais e políticos estratégicos das elites no poder latino americanas (FERNANDES, 1981, p. 19).

A submissão dos interesses internos aos interesses externos e a compatibilidade de

interesses já foi estudada por vários autores como Xavier ( 1999) que expressa a adaptação da

modernização produtiva a formas estruturais arcaicas, Marine (2000) que ressalta o duplo

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domínio ou dependência, Cunha (2002) que denuncia o pacto existente entre a burguesia

nacional e internacional. Tais autores concordam em atribuir a subserviência da burguesia

nacional aos interesses externos como especificidade da realidade latino americana com o

estabelecimento de um consenso que visa acima de tudo interesses particulares, externos para

impulsionar a lógica da dominação, e também interesses internos para conservação do statu

quo, a centralização das relações de poder e a concentração de renda.

O crescimento econômico é o foco priorizado pela CEPAL, assim esses países terão,

segundo esse organismo, que encontrar o caminho para impelir o desenvolvimento, mas para

isso é necessário cumprir algumas exigências ou desafios como, fortalecer a democracia,

ajustar e estabilizar as economias, incorporá-las numa mudança tecnológica mundial

intensificada, modernizar os setores públicos, associar essas medidas à sustentabilidade

ambiental.

É fundamental o cumprimento de algumas pré-condições para a transformação

produtiva, que segundo a CEPAL não ocorrerá sem a participação das economias externas,

que, além de possibilitar a abertura do mercado, terão que dispensar a continuidade de

transferência de recursos financeiros ou excedentes dessas economias para o exterior.

A orientação e os resultados dos esforços internos para superar a crise dependerão, de maneira não desprezível da situação externa, que continuará a influir decisivamente no desempenho das economias da região. Entre os diferentes elementos que deverão condicionar esse desempenho destacam-se o grau de abertura que houver no comércio internacional, a maneira de lidar com o excesso de endividamento, que limita tanto a capacidade de importação quanto a capacidade de investimento de numerosas economias da região, e a possibilidade que houver de aceder a tecnologia e conhecimento em condições que facilitem uma transformação produtiva baseada na competitividade internacional. (CEPAL, 2000, p. 892-893).

Sobre essas pré condições, pensando no caso específico do Brasil, sua modernização

econômica com a industrialização, anterior à acumulação flexível, foi impulsionada pela

contração de capital financeiro externo. Conforme Harvey (1989) a acumulação flexível se dá

ancorada no capital financeiro, o que intensifica os riscos de crises. No caso do Brasil, o

processo de industrialização é caracterizado por uma dupla dependência, pois além de contrair

financiamentos para viabilizá-lo, financia-se tecnologia considerada retrograda ou anacrônica

para os países de capitalismo central. Não há a criação, desenvolvimento tecnológico, ou

progresso técnico, mas apenas a transferência de tecnologia anacrônica para potencializar o

desenvolvimento do país.

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Sob essa característica de dependência ressalta Xavier:

A modernização econômica dependente implicou uma modernização cultural e institucional que, assim como a econômica, tendeu a se dar dentro dos limites necessários à incorporação da economia nacional ao conjunto da economia capitalista mundial a que se subordinava. Nas formações sociais periféricas, em que o avanço do capitalismo se dá pela incorporação de novas formas de produzir, a possibilidade de emergência e consolidação do que se poderia denominar processo de modernização autônomo dependente, entre outros fatores, de uma base científica e educacional mínima, que dê aos países a capacidade de adquirir uma progressiva autonomia de conhecimentos científico-tecnológico. Caso contrário permanece condenado a uma produção de “segunda mão”, adaptada a fins secundários, de realização definida, imposta e comercializada a partir de fora. (XAVIER, 1999, p. 58).

Por isso, é inconcebível pensar na solidariedade dos países dominantes para com os

países da América Latina e do Caribe, pois o que alimenta a lógica da acumulação é essa

dependência, ela torna-se dessa forma uma condição para a preservação desses países no

centro da hegemonia do domínio capitalista.

Segundo Fernandes (1981), os países centrais dependem, sobretudo, da vigilância e

controle contínuos da expansão das grandes empresas corporativas e da intensificação

crescente das relações econômicas com os mercados externos. Esse autor ressalta que uma

superpotência não pode resolver os problemas de seus parceiros menores, quiçá os problemas

das economias dependentes, pois isso vai contra a lógica de acumulação. Entretanto, essa

proposta é contraditória, pois aumentar as condições de competência dos países latino

americanos e do Caribe significa diminuir a margem de lucro que os países centrais obtém

através da exploração desses.

A situação heteronomica é redefinida pela ação recíproca de fatores estruturais e dinâmicos, internos e externos. Os setores sociais que possuem o controle das sociedades latino americanas são tão interessados e responsáveis por essa situação quanto os grupos externos, que dela tiram proveito. Dependência e subdesenvolvimento são um bom negócio para os dois lados (FENARNDES, 1981, p. 26)

Para o autor isso explica o fracasso da Aliança para o Progresso na América Latina,

além de explicar o nível mais complexo de padrões de fluxo de capital das economias latino

americanas para os EUA.

A proposta da CEPAL em relação à cooperação internacional é inviabilizada conforme

a discussão acima, já que a solidariedade é algo que não determina relação de acumulação. De

forma diversa à este traço idealista da CEPAL, os países de capitalismo central não vão abrir

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mão de cobrar as dívidas externas contraídas, bem como não financiarão o desenvolvimento

dos países latinos americanos via cooperação3, além dessa proposição que norteia o papel dos

países centrais, há outra condição para ser cumprida por esses países, que também colocam

como algo inviável ou irrealizável, por contrariar a lógica da acumulação.

Essa proposição é a necessidade de transferência de tecnologia e conhecimento por

parte dos países centrais para a América Latina e o Caribe. A CEPAL ao propor as condições

que devem ser desempenhadas pelos países centrais, tenciona viabilizar a transformação

produtiva dos países latino-americanos, e parece acreditar numa relação harmoniosa entre os

diversos países, sejam eles dominantes ou dominados.

Nessas circunstâncias, é fundamental conceber e por em prática uma estratégia para dar impulso à transformação da educação e da capacitação e para aumentar o potencial científico-tecnológico da região, com vistas a formação de uma cidadania moderna, vinculada tanto à democracia e à equidade quanto à competitividade internacional dos países, que possibilite o crescimento sustentado, apoiado na incorporação e na disseminação do progresso técnico. ( CEPAL,2000, p. 914 - 915)

A transferência de conhecimento e tecnologia precisa ser compreendida como um

processo de luta de classes, já que nesse caso envolve os interesses antagônicos próprios à

apropriação do conhecimento e suas decorrências produtivas. Sobre a apreensão da tecnologia,

Martorano (2002) ao estudar sobre as experiências socialista da extinta União Soviética e a

Revolução Chinesa, identificou que a burocracia foi um grande empecilho para a transição

socialista. Esse autor nos revela que o domínio da técnica e do conhecimento não era algo

passado de forma passiva pelos especialistas aos trabalhadores, mas constituía, sobretudo num

dos pontos agudos do processo de luta de classes no interior da revolução.

Para Martorano (2002) os especialistas trabalhararam – no processo revolucionário -

para preservar suas posições no interior do mundo produtivo, que é fonte de autoridade e

prestígio social, como mostraram as experiências socialistas:

A persistência da divisão entre o trabalho mental e o trabalho físico, por um lado, produz, efeitos sobre as forças produtivas, especialmente no sentido de retardar o seu desenvolvimento, e portanto, de impedir o atendimento das necessidades sociais. Por outro lado, se o produtor direto não tem acesso à educação e à cultura, não poderá ir

3 Evidentemente temos visto crescer o movimento mundial de cooperação, porém afirmamos serem eles mais confirmadores que relativizadores da lógica da acumulação. Os níveis cada vez mais acirrados de acumulação podem produzir ações cooperadas nas situações extremadas de miséria e exclusão, o que de forma alguma implica a diminuição das intenções acumulativas do capital.

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assumindo funções de direção no processo de produção social, permanecendo como simples executor das tarefas produtivas, determinadas por outros agentes. A passagem para a segunda fase da sociedade comunista pressupõem uma luta consciente contra a antiga divisão do trabalho, caso contrário ela não se realizará. Particularmente contra a sua característica de especialização parcelar de tarefas no processo produtivo. Essa especialização impede que o produtor direto venha a ter uma visão de conjunto do processo de trabalho e de produção, que é condição necessária e indispensável para coletivamente, e não individualmente, exercer seu domínio sobre tal processo (MARTORANO,2002, p.40).

O autor recupera que a transição para o socialismo não se fará com a estatização dos

meios de produção apenas, mas é fundamental a supressão da ruptura entre trabalho manual e

trabalho intelectual. Nesse sentido a transferência desse conhecimento é parte da tensão das

classes antagônicas, ademais, no caso da América Latina a burguesia nacional não tem

interesse em desenvolver a luta, haja visto que seus interesses limitam-se a preservação de sua

situação de classe dominante e concentradora de poder e renda.

Se a burguesia nacional não está preocupada, quiçá a classe trabalhadora. Isso não

significa que estamos caracterizando-a como passiva, subserviente, mas são as condições

históricas de domínio que sempre a excluiu de qualquer forma de participação das decisões,

que as colocaram na condição de reprodutoras das demandas do progresso técnico, sem que,

para isso, haja qualquer possibilidade de criação e de domínio tecnológico.

Por outro lado uma organização aristocrática, oligárquica ou plutocrática da sociedade sempre concentrou extremamente a riqueza, o prestígio social, e o poder em alguns estratos privilegiados. Em conseqüência, a institucionalização política do poder era realizada com a exclusão permanente do povo e o sacrifício consciente de um estilo democrático de vida. A integração nacional, como fonte de transformações revolucionárias e de desenvolvimento econômico, sociocultural e político, tornou-se impossível (FERNANDES, 1981, p.12).

A separação entre trabalho manual e intelectual é fundamental para a manutenção da

dominação. O que há de desenvolvimento intelectual no Brasil, se restringe ao acesso de uma

elite que não possui o menor interesse de tornar-se criadora do desenvolvimento técnico e

científico, apenas o utiliza para perpetuar suas relações de dominação.

Assim, o que foi aludido até aqui é um dos aspectos levantados pela CEPAL para

viabilizar a transformação produtiva e a concorrência dos países latino-americanos, que estão

expressas nos dois documentos emitidos pela CEPAL nos anos 1990. Levantemos outras.

Medidas internas de perseguir o desenvolvimento têm se consolidado também por

meio de políticas de equidade social, proporcionada com a redistribuição pontual de renda e o

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acesso dos excluídos ou setores marginalizados às atividades produtivas. Além da

complementação de medidas redistributivas como, serviços técnicos, financeiros e de

comercialização, programas maciços destinados à qualificação de micros empresários,

trabalhadores autônomos e agricultores, reformas de diversos mecanismos de regulação que

impedem a formação de micro empresas, adequação dos serviços sociais as necessidades dos

setores mais pobres, fomento de organização para contribuir para ajuda mútua e a

representação adequada das necessidades dos mais pobres.

A integração latino americana e caribenha e a cooperação inter-regional caracterizam-

se assim como essenciais e contribuem de maneira vital para a garantia da transformação

produtiva, da democratização e da justiça distributiva.

As condições internas são sinônimos de revolução burguesa, dadas com a

transformação nas relações produtivas com menos dependência, e desenvolvimento do

progresso técnico autônomo. Como historicamente isso não faz parte dos interesses da

burguesia latino americana, assim como as condições externas não puderam ser efetivadas,

conforme preestabeleceu a CEPAL, menos ainda as condições internas.

Nos anos 1990, ao contrário de redistribuir renda, o que houve foi o aumento da sua

concentração, isso colocou em cheque qualquer alternativa de equidade social. O Brasil

passava por uma profunda crise dada não só com a reestruturação produtiva, mas

principalmente, com a ausência de financiamento externo que se colocava como condição para

viabilizar a reestruturação produtiva.

Fiori (2001) ressalta que a conjuntura dos Estados de economia periférica tem o seu

sistema cambial subjugados aos domínios do sistema monetário internacional. Quanto a

abertura de mercados como forma de complementaridade comercial, mesmo com a

diversificação da estrutura produtiva e da pauta de exportação, é limitada pela concorrência,

competição e barreiras protecionistas norte americana, sobretudo.

Se já não bastasse a histórica dependência do processo de transformação das forças

produtivas, dada por um modelo anacrônico e subordinado, o protecionismo dos países

centrais, principalmente dos EUA limitava a concorrência e o corte de financiamento externo,

com intensificação da exploração e precarização das condições de vida da classe trabalhadora,

o capital tinha que encontrar uma resposta para superar a sua crise estrutural, que se

manifestava de forma nefasta nos países periféricos.

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O neoliberalismo foi uma alternativa de reorganização do capital para superar a crise

dos anos 1980, através da privatização das empresas públicas, tornando dessa forma o Estado

máximo para o capital, e a imposição do Estado mínimo para as políticas sociais. Na década

de 1990 ocorre o retorno do país ao mercado internacional de capitais, que se deu através da

renegociação da dívida externa e com a intensificação de financiamentos estrangeiros:

Obviamente o marco mais importante para a reversão total desse quadro foi o lançamento do Plano Real de estabilização monetária em 1994. Mas o fato decisivo para o sucesso do programa de estabilização posterior foi o retorno do país ao mercado internacional de capitais, a partir de 1991, viabilizado pela renegociação da dívida e pela liberalização no controle de fluxo de capital externo. Foi assim que o Brasil chegou a sua metade dos anos 90 sob a égide de um pensamento e de uma política de corte neoliberal, cuja aposta fundamental era no acesso a mais um ciclo de inserção financeira internacional e crescimento acelerado (FIORI, 2001, p. 23).

Essa realidade, somada a concentração de renda e poder mundial intensifica a

dependência, e junto com ela o aumento das desigualdades sociais. Por isso Fiori (2001) ao

discutir sobre a posição ou o lugar que ocupam os países de economia periférica dentro da

ordem de transição para a acumulação flexível e reestruturação produtiva, ressalta que esses

continuaram a reproduzir sua situação de países periféricos sem romper com ela.

Contudo, diante da realidade de intensa concentração de renda e desigualdades sociais,

a CEPAL reafirma a necessidade do cumprimento das medidas internas para que as

transformações possam ser possíveis. Para condicionar essas medidas internas, principalmente

no que se refere à equidade social, assimilação do progresso técnico e inserção dos setores

marginalizados na esfera produtiva, a CEPAL lança outro documento de profunda relevância

na década de 1990: Educação e Conhecimento: Eixo da Transformação produtiva com

equidade.

Ao colocar a Educação e a industrialização como eixo principal da transformação

produtiva, a CEPAL reforça o ideário pedagógico construído historicamente no Brasil, que

visa atribuir à educação o papel para a superação das mazelas sociais, bem como o que leva e

impulsiona o desenvolvimento econômico, conforme Xavier (1999).

Esse organismo relaciona o caráter central da educação para o desenvolvimento ao

tomar novamente nesse documento o exemplo de outras economias de países desenvolvidos e

de algumas experiências bem sucedidas de países de capitalismo tardio. Coloca a educação e a

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produção do conhecimento como fundamentais para o desenvolvimento de qualquer país,

conforme expressa o documento:

A estratégia proposta coloca a educação e o conhecimento no eixo da transformação produtiva com equidade, como campos necessários para impulsionar o desenvolvimento da região e como objetivos atingíveis mediante a aplicação de um conjunto coerente de políticas. (CEPAL, 2000, p. 919)

Já mencionamos aqui a característica específica da América Latina e do Caribe quanto

à compatibilidade de interesses entre a burguesia interna e externa. Também ressaltamos que

no Brasil, diferentemente de outros países a educação não tem cumprido o papel de ser

difusora do desenvolvimento científico, político e cultural.

Xavier (1990) destaca a relação entre escola e capitalismo no Brasil, especificamente o

período 1931 – 1961, compreende que o desenvolvimento do capitalismo herdou elementos da

estrutura econômica social do período colonial quais foram acomodados e agregados a formas

mais complexas de dominação capitalista. A modernização econômica deu-se apoiada na

acomodação de velhos elementos e agregação de novas configurações. O Brasil tem, por essa

razão, características singulares como a concentração de renda e poder por um grupo

privilegiado, em detrimento de um tímido avanço cultural. Para a autora o desenvolvimento e

modernização da indústria se fez a partir de um processo exógeno de acesso a ciência e

tecnologia, associado à rejeição da força de trabalho nacional, que era considerada anacrônica

para lidar com as novas tecnologias.

Se a industrialização ocorreu associada à incorporação de uma tecnologia avançada, e

dispensou a absorção de outros mecanismos de mão de obra, a força produtiva também será

exógena, através do processo migratório, para Xavier: “Isso sem dúvidas revela uma

contradição particular da revolução das forças produtivas representada pela industrialização no

Brasil. Uma revolução que se viabilizou pela importação das formas de produzir e da própria

força de trabalho”. (XAVIER, 1990, p. 146). Esse processo, segundo a autora faz parte da

dinâmica de desenvolvimento capitalista, que viabiliza a acumulação em escala mundial,

criando simultaneamente condições para sua expansão.

Ao mesmo tempo em que há a expansão do capitalismo, expande juntamente uma

maior exploração associada à dependência econômica. Esse descompasso entre

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desenvolvimento econômico e desenvolvimento cultural, acarretou a manutenção da

dependência para o progresso:

Foi assim que “ educar para o progresso” se traduziu em “educar para o comando”. E a escola brasileira se viu solicitada a reforçar a sua função de preparar as “elites condutoras” para absorver e administrar a dependência e garantir internamente o seu domínio, pela direção eficiente da máquina estatal, e a sua hegemonia, pelo monopólio dos instrumentos de elaboração e expansão de idéias e valores. (XAVIER, 1990, p. 146-147)

A autora conclui que a dependência tecnológica e científica leva à dependência cultural

e educacional, nesse sentido destaca a reforma cultural e educacional como condição

fundamental para a autonomia e independência científica e tecnológica. Porém no Brasil, o

sistema educacional ao reformular-se tendeu a permanecer nos marcos conservadores

adaptando ou adequando novos progressos aos velhos elementos. As políticas educacionais

passaram, portanto a estar atreladas ao avanço do sistema capitalista. A educação se subordina

apenas como preparadora de mão de obra, fundamental para fazer a classe trabalhadora aceitar

as transformações do mundo do trabalho dadas com a sua racionalização: Fordismo,

Taylorismo e Toyotismo, a e a formação de uma classe consumidora com novos valores

condicionados ao desenvolvimentismo.

Xavier (1999) demonstrou que a escola foi negada ou dispensada para a produção do

desenvolvimento técnico, cultural e tecnológico, sendo que as massas de trabalhadores

desenvolviam a produção sem passar pelos bancos escolares. A escola foi dispensada desse

processo em virtude da nossa dependência econômica. As elites não romperam com a

dependência e se utilizaram da educação apenas como meio de conservar e manter o poder. A

importação, tanto de tecnologia como de mão de obra, dispensou a escola de produzir os

conhecimentos necessários para a autonomia e o desenvolvimento do progresso técnico. Ela se

restringiu à formação do trabalhador passivo e conformado com as novas relações de trabalho.

Ao mesmo tempo em que a CEPAL coloca como fundamental a assimilação dos

códigos da modernidade, possíveis através de uma educação compatível com as exigências das

novas relações de trabalho, percebe-se que a escola continua sendo negada, ou dispensada

enquanto formadora de mão de obra. Pois quanto mais tecnologia e incorporação do progresso

técnico nas máquinas ou processo produtivo, mais simplificado torna-se o trabalho. Harvey

(1989) revela que a medida em que as novas relações de trabalho se configuraram, houve a

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flexibilização e precarização dessas relações, associadas a elevados índices de desemprego,

maior controle da força de trabalho e fragilidade dos sindicatos.

A descentralização produtiva, ao contrário do que mencionaram alguns autores como

Offe (1994) e Habermas (1994), que caracterizam esse período como desorganização do

capital e perda da centralidade do trabalho, demonstra a maior organização do capital quanto

às relações de trabalho, o que há de desorganizado é o que se refere à classe trabalhadora. As

novas relações de trabalho pautadas na terceirização e subcontratação deixam de abrigar os

trabalhadores num mesmo ambiente produtivo, e simultaneamente desloca-se a produção para

ambientes familiares e domésticos.

A produção concentrada nesses ambientes retorna as antigas relações de produção fundadas

nas complexas relações de parentesco, semelhantes a um clã. Conforme Harvey:

Isso sugere que a tensão que sempre existiu no capitalismo entre monopólio e competição, entre centralização e descentralização de poder econômico, está se manifestando de modos fundamentalmente novos. Isso, porém, não implica necessariamente que o capitalismo esteja ficando mais “desorganizado”, como sugerem Offe (1985) e Lash e Urry (1987). Porque mais interessante na atual situação é a maneira como o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho e nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado por pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional. (HARVEY, 1989, p. 150)

Esse deslocamento e as vantagens dessas antigas formas de processo de trabalho e produção é

o solapamento da organização da classe trabalhadora e a transformação da base objetiva da luta de

classes. A consciência de classe já não deriva da clara relação de classe entre capital e trabalho, mas

das complexas relações de parentesco. É diante desse contexto de simplificação das relações de

trabalho, que estão mais suscetíveis do que nunca o emprego da mão de obra de todos os membros

familiares, que estão cada vez mais subjugados ao trabalho alienado, este se mistura e interpenetra nas

relações familiares, sob o domínio do cumprimento da meta produtiva e do poder patriarcal, conforme

Harvey (1989).

Diante dessa realidade, não há nada de desorganizado nessas novas relações de produção, o

que está desorganizada é o conjunto dos trabalhadores, cada vez mais atacado pela flexibilização,

controle do trabalho e intensificação da exploração da força de trabalho.

A análise da atual conjuntura da realidade latino americana e caribenha, nos permite inferir

sobre o papel da escola e da educação nesses países, que não passou do que classifica Mészáros

13

(2005), de uma instituição cuja a finalidade é produzir o conformismo e a aceitação dos indivíduos

quanto à posição que ocupam na esfera produtiva da sociedade.

As instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos participem ou não – por mais ou menos tempo, mas sempre em um número de anos bastante limitados – das instituições formais de educação, eles devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignadas) dos princípios reprodutivos orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social, de acordo com as tarefas produtivas que lhes foram atribuídas. (...) Uma das funções principais da educação formal em nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou consenso quanto for capaz, a partir de dentro e por meio de seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados (MÉSZÁROS, 2005, p. 44 – 45).

A CEPAL ao definir que a cidadania moderna se concretiza em aspectos tais como a

assimilação dos códigos da modernidade, ressalta o sentido da escola em contribuir para a formação de

sujeitos compatíveis com as novas relações de trabalho e com a instabilidade empregatícia e

desemprego. Ela contribui para naturalizar as relações dadas com a flexibilização e reestruturação

produtiva. Os sujeitos tomam para si a culpa pelo desemprego, ou por não corresponderem às

exigências impostas pelo mercado.

Portanto, a cidadania moderna não se concretiza em virtude de estar condicionada não

só ao enquadramento dos sujeitos sociais ao dinamismo das demandas exigidas pelo

desenvolvimento do capitalismo, a competitividade, mas também pela efetivação da equidade

social.

Ela se restringe, como já dissemos, à adaptação dos sujeitos às novas relações de

trabalho, mas não viabiliza a competitividade pelos diversos motivos que já elencamos, como

a dependência econômica e a inviabilidade de solidariedade ou efetiva cooperação dos países

centrais para estimular o crescimento e a concorrência dos países periféricos, seja através da

retenção dos excedentes produzidos por esses países, da transferência de conhecimento e

progresso técnico, e da acomodação dos interesses da burguesia interna aos interesses da

burguesia externa, além da equidade, que não se efetivou conforme as preposições da CEPAL.

Segundo Fernandes (1981) os países latinos americanos carregam o fardo da

acumulação de capital, e as economias centrais, principalmente os Estados Unidos absorvem a

sua produção econômica excedente, essa é a realidade que se encontram esses países dentro da

divisão internacional do trabalho, que preestabelece os países que serão produtores de

conhecimento e tecnologia e os países que serão meros consumidores e produtores de matéria

prima.

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O conceito de equidade vem sendo rechaçado por inúmeros pesquisadores marxistas do

campo da educação como Moraes (2003), Shiroma, Moraes, Evangelista (2000), Nagel (2003),

entre muitos outros que o interpretam como um conceito compatível com o sistema capitalista,

porque substitui o conceito de igualdade social. Fernandes (1981) também concorda que o

termo equidade social é compatível com a lógica do capitalismo, porém o que esse autor não

concebe em suas discussões é que haja a substituição do conceito de igualdade por equidade.

Nesse sentido, inferimos que a equidade não substitui a igualdade social em função

dela não existir nessa sociedade. A sociedade capitalista sustentada no antagonismo de classe

tem apenas a igualdade jurídica como única concessão daquilo que se aproxima da igualdade

social. Como sabemos a igualdade jurídica na sociedade capitalista serve apenas como uma

ideologia que camufla as desigualdades sociais, já que numa sociedade de classes é impossível

a igualdade social. Dizer que todos são iguais perante a lei, não significa que haja igualdade

material entre os homens que compõem essa sociedade. Nesse sentido, tanto Fernandes (1981)

como a CEPAL estão corretos quando discutem a necessidade de equidade social para os

países latino americanos.

Fernandes (1981), apesar de considerar a dependência desses países e o caráter

histórico de subordinação dos interesses internos aos externos, não aponta um pessimismo em

relação a transformações. Ao contrário ele coloca algumas alternativas para a superação da

dependência, podendo ocorrer segundo ele seja através da consolidação do capitalismo

moderno ou da revolução social. Essas duas alternativas estão, segundo o autor, relacionadas

ao papel das classes sociais no Brasil. No que tange a burguesia enquanto classe dominante

fica o desafio de desenvolver antes de tudo um projeto nacionalista, seguido da revolução

burguesa, que significaria desenvolver o capitalismo com menos contradições, o que o autor

denomina de capitalismo de Estado. No caso da classe trabalhadora, Fernandes ressalta o que

já foi dito por Marx e Engels (1999), em relação ao papel histórico do proletariado e a sua

condição enquanto classe revolucionária, de transformar a sociedade capitalista em sociedade

socialista por meio da revolução. Caso contrário haverá a continuidade desse modelo

dependente.

A CEPAL ao mencionar o desenvolvimento econômico pautado na modernização das

relações de produção e desenvolvimento do progresso técnico, tendo como condicionante a

equidade social, é idealista porque coloca a cooperação e a solidariedade dos países centrais

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para com os países latino americanos como viabilizadores do desenvolvimento, como se esses

países tivessem qualquer interesse de abrir mão do que os coloca como países dominantes.

Fernandes (1981) diferentemente da CEPAL, rompe com essa lógica de compreensão, pois ela

vê na industrialização ou no desenvolvimento das forças produtivas o meio fundamental para

se consolidar a transformação produtiva, pois a indústria é a grande incorporadora do

progresso técnico.

Contudo, para os países centrais transmitir conhecimento e desenvolvimento técnico

significa, criar os meios que vão ameaçar a sua hegemonia. Nesse sentido, a indústria não será

incorporadora do progresso técnico conforme recomenda a CEPAL, por que os países

dominantes não vão propiciar as condições para isso, ou pelo próprio limite de estar ela presa

mais uma vez aos interesses dos países hegemônicos.

A tranferência desses saberes será sempre pautada pelo descompasso que garante aos

países centrais serem os detentores daquilo que, no mercado, ocupa destaque na possibilidade

de acumulação. Aos países periféricos, continua a tarefa de produção de produtos primários ou

de agroindustriais. Quando ocorre a exportação de produtos industrializados de ponta,

normalmente se referem a produção periférica de uma cadeia internacionalizada de indústrias

cuja acumulação se fará num dos países centrais, ou seja, a lógica da multinacional.

A transformação e o desenvolvimento, apesar de estarem atrelados a subordinação

externa, têm a educação e a industrialização como seus eixos condutores, mas se não houver a

garantia de algumas condições internas que estão ligadas a redução das contradições sociais e

intensificação da participação social, os países da América Latina e o Caribe estarão

condenados a permanecer na situação de economias incipientes, dependentes, sem qualquer

possibilidade competir e concorrer internacionalmente.

Por isso, é constante a reafirmação da necessidade de coesão e equidade social,

ampliação da participação, aprofundamento da democracia, como elementos condicionantes

para a competitividade internacional.

Entretanto, quanto às proposições da CEPAL e a análise das suas influencias nas

políticas educacionais do Ensino Médio na década de 1990, podemos ressaltar que o Estado

nesse período agiu de forma contrária as proposições desse organismo.

O conjunto de pesquisa que tomaram o Ensino Médio como objeto de estudo

evidenciaram que as principais políticas voltadas para o Ensino Médio efetivadas nesse

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período se manifestaram em duas grandes reformas, sendo a LDB 9394/96, que universalizou

a educação ao mesmo tempo em que incorporou o Ensino Médio como educação básica e o

Decreto 2208/97 que regulamentou o retorno do Ensino Médio desintegrado e

conseqüentemente a separação entre educação geral e educação profissional.

A LDB 9394/96 ao viabilizar a universalização do acesso à educação, priorizou os

investimentos na educação básica, deixando de desenvolver investimentos em pesquisa e

extensão nas universidades. Essa priorização das reformas em relação à educação básica não

se limitou ao Brasil, mas foi uma característica da maioria dos países latinos americanos. É o

que demonstra Gajardo (1999) ao fazer um balanço sobre as reformas educativas na América

Latina e no Caribe nos anos 1990, a autora constatou que as reformas privilegiaram as séries

iniciais, que há entre esses países a necessidade de superar o desafio de vincular a educação as

necessidades do mundo do trabalho e da sociedade.

Observando-se o que foi realizado na última década, fica evidente que a prioridade das reformas centrou-se no nível primário, ou básico de ensino. No nível médio, ainda que existam alguns esforços nacionais, tanto a resposta como os reflexos são fracos, particularmente no que tange à relação educação/emprego. O diagnóstico vale para a maioria dos países: uma cobertura que se amplia para atender aos que saem do primário, combinada com estruturas e currículos que em pouco correspondem às necessidades do mundo do trabalho e da sociedade em geral. (GAJARDO, 1999, p. 34)

A priorização das séries iniciais em detrimento das demais modalidades de ensino,

principalmente a redução dos investimentos nas universidades, vai contra as proposições

manifestas no documento que ressaltava a utilização mais eficiente da capacidade instalada

nas universidades da articulação entre ensino, pesquisa e extensão. O Governo de Fernando

Henrique Cardoso – FHC priorizou segundo Frigoto e Ciavatta (2003) o ensino fundamental.

Nesse contexto, na nova LDB que é aprovada no Governo Cardoso, a educação básica tem “por finalidades desenvolver o educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, e fonecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Lei nº 9.394/96, art. 22) e organiza-se nos níveis fundamentais e médio (art. 24). A segunda finalidade, expressa no artigo 22 da Lei, “fornecer ao educando meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, apresenta-se como instância complementar a cidadania no sentido de realizar, pela educação, algumas das condições básicas para o exercício consciente da cidadania política (FRIGOTO e CIAVATTA, 2003, p. 100).

Contudo a CEPAL não é contrária à universalização da Educação, mas prescreve que

não pode haver a priorização de uma modalidade de ensino em detrimento de outra.

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Nesses campos distintos da política, formulam-se propostas que influem nos diversos componentes da educação formal ( pré- escolar, primária, secundária e superior), na capacitação e no esforço científico tecnológico e, muito especialmente, nas ligações entre eles e com o setor produtivo. (BIELSCHOWSKY,2000, p. 19)

Em relação à extinção do Ensino Médio integrado consolidado com o Decreto 2208/97,

também é uma medida que vai contra as preposições da CEPAL, a formação específica para o

trabalho afasta qualquer possibilidade de assimilação do progresso técnico, limitando a

aprendizagem dos trabalhadores ao aprender a aprender, reduzida ao desenvolvimento de

operações simples como operacionalizar a máquina.

Diante das discussões que já estabelecemos, sobre a inviabilidade da transferência de

conhecimento e desenvolvimento técnico dos países centrais para a América Latina e o Caribe,

a educação integrada viabilizava à classe trabalhadora uma formação que lhe permitia acesso a

fragmentos dos saberes produzidos e historicamente acumulados pela humanidade. A extinção

dessa modalidade de ensino e a sua especificidade voltada para a formação geral, ou

profissional, conduzia a grande parte da classe trabalhadora a optar em direcionar seus estudos

para a preparação de mão de obra. Haja visto que a Educação geral se restringia as classes

mais abastadas, em detrimento dos trabalhadores que teriam a continuidade dos estudos

limitadas as condições materiais de sobrevivência.

O retorno do Ensino Médio desintegrado como resultante do decreto 2208/97, retoma a

dualidade educacional dada com a separação entre educação geral e educação profissional,

essa dualidade reforça o aumento da desigualdade social, da concentração de renda e poder.

No caso da educação geral reservada para as elites dominantes, o conhecimento é utilizado

para reproduzir a lógica da dominação, sem com isso romper com o cosmopolitismo que

conseqüentemente se traduz em perda da soberania nacional e aumento da fragilidade do

Estado.

Como a burguesia interna não tem um projeto de autonomia nacional, e nesse

movimento contribui para a manutenção do subdesenvolvimento, a universalização do ensino

sem qualidade, e a separação da educação manual e intelectual que alimenta e reforça as

desigualdades sociais, são compatíveis aos seus interesses. A compatibilidade dos interesses

da burguesia brasileira aos interesses do capital externo, refletida na sua total subserviência e

ausência de um projeto nacionalista, não significa que não haja entre as frações da burguesia,

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aqueles que defendem os interesses internos, ou mesmo que tenham projetos voltados para o

desenvolvimento nacional. Conforme Faleiros (1980), o Estado não é neutro, mas uma

relação que expressa a disputa de poder entre as diferentes frações da burguesia. O que tem

ocorrido no Brasil é a perda das disputas e hegemonia pela burguesia nacionalista. Esta foi

uma marca bastante clara durante os governos Fernando Henrique Cardoso.

Cunha (2002) ao analisar as reformas educacionais, revela que essas não são resultado

somente de interesses externos, ressalta que há escolhas e interesses internos que norteiam a

elaboração e implantação das políticas educacionais. O Governo de Fernando Henrique

Cardoso, na década de 1990 já tinha um projeto definido para a educação que correspondia aos

interesses dos organismos multilaterais, e a composição de consultores desses organismos em

seu governo só veio a garantir a consolidação de seus interesses.

As reformas do Ensino Médio na década de 1990, como já dissemos só se aproxima

das proposições da CEPAL, quando ressalta a importância da cidadania moderna associada a

assimilação dos códigos da modernidade, ou seja, no interesse de formação do trabalhador

compatível com as novas relações de produção, adaptado a instabilidade do trabalho e a

ameaça suscetível do desemprego.

Mas essa cidadania não se realiza quando se coloca como condição à equidade social.

No caso do Brasil, ocorre um acirramento dessas desigualdades associado a acumulação e

concentração de renda.

O decreto 2208/97 que determina a separação entre educação geral e educação

profissional, afasta a classe trabalhadora de mínimo acesso e possibilidades de criação e

desenvolvimento técnico, e simultaneamente contribui para que esse conhecimento seja

apropriado por uma minoria que o utiliza com objetivos de manutenção da sua posição de

classe dominante. Esse decreto ao fortalecer a dualidade educacional existente, afasta

inclusive a possibilidade de contribuir para fomentar um projeto de nacionalização que poderia

ser desencadeado pela burguesia caso ela rompesse com a sua total subserviência aos países

centrais.

Como conclusão desse trabalho, podemos ressaltar as relevantes propostas da CEPAL

para a transformação produtiva da América Latina e do Caribe, porém as condições que ela

sugere ou recomenda são irrealizáveis numa sociedade que tem a lógica da acumulação

pautada na exploração dos países periféricos pelos países centrais. Se a condição de país

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periférico já impõem limites para que isso ocorra, a presença de uma burguesia nacional

destituída de qualquer projeto nacional faz cair por terra qualquer tentativa de

desenvolvimento na direção de nos aproximarmos dos níveis próprios ao capitalismo central.

Infere-se dessa forma, que as proposições da CEPAL em relação à Educação se

limitaram a desenvolver os códigos da modernidade, adaptando os sujeitos as novas

imposições no mundo do trabalho ditadas pela reestruturação produtiva e acumulação flexível.

Mas considerando que a cidadania moderna, como ela mesmo classifica não se limita a

assimilação dos códigos da modernidade, mas a equidade social, o desenvolvimento do

progresso técnico e da concorrência, pode-se inferir que ela não se efetivou na América

Latina, as reformas do Ensino Médio tão pouco se aproximaram das recomendações da

CEPAL.

Portanto, considera-se a educação como a forma pela qual a sociedade prepara os

indivíduos para nela viver, historicamente as sociedades de capitalismo dependente tendem a

utilizá-la para reproduzir a dependência, porém é fundamental nesse contexto, uma educação

que atue na contradição, é preciso começar a construir a consciência de rompimento da

dependência, e isso passa pela consciência de classe que pode ser construída em algumas

possibilidades dentro da escola, e em outras fora dela, a partir das experiências vivenciadas

pelos sujeitos sociais nas relações de enfrentamento entre capital e trabalho.

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