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    AS POLTICAS PBLICAS PARA PROMOVER E IMPLEMENTAROS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO E A INTEGRAOECONMICA INTERNACIONAL

    Maria Cristina Mattioli*

    A interdependncia econmica entre as naes aumentou consideravelmente na segunda metade

    do sculo passado e muito tem contribudo para a melhoria do padro de vida em vrios pases.

    Todavia, a vulnerabilidade das economias nacionais a eventos e polticas internacionais tem criado

    dilemas e dificuldades no gerenciamento da poltica nacional e da cooperao internacional.

    Ao mesmo tempo em que se busca a integrao econmica, as naes buscam sua autonomia

    poltica. A crescente integrao econmica entre as naes, com o objetivo de eliminar as diferen-

    as econmicas, surge como limitao dessa autonomia nacional, verificando-se, pois, verdadeira

    tenso. Essa tenso claramente sentida no mercado de trabalho quando da implementao e

    execuo de direitos fundamentais do trabalho, reconhecidos internacionalmente por intermdio

    da Declarao de 1998 da Organizao Internacional do Trabalho. A concluso que tais polticas

    somente podem ser implementadas pelo fortalecimento de regimes internacionais, como a Orga-

    nizao Internacional do Trabalho (OIT) ou a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), com a

    estipulao de que os pases signatrios de tratados e convenes relevantes sejam responsveis

    por sua implementao no mbito nacional. Isso, certamente, representa a derrogao da auto-

    nomia nacional em face do movimento global, como resultado de uma regulao harmonizada e

    que depende de execuo internacional, por meio de clusulas sociais inseridas nos acordos de

    comrcio internacional.

    1 INTRODUO

    1.1 Integrao econmica e polticas nacionais

    A interdependncia econmica entre as naes aumentou consideravelmentena segunda metade do sculo passado e muito tem contribudo para a melhoriado padro de vida em vrios pases. Todavia, a vulnerabilidade das economiasnacionais a eventos e polticas internacionais tem criado dilemas e dificuldadesno gerenciamento da poltica nacional e da cooperao internacional. Ao mesmotempo em que se busca a integrao econmica, as naes buscam sua autono-mia poltica. A crescente integrao econmica entre as naes, com o objetivode eliminar as diferenas econmicas, surge como limitao dessa autonomianacional, verificando-se, pois, verdadeira tenso.

    * Juza do Trabalho Titular da 4aVara do Trabalho de Bauru e professora-pesquisadora do Centro de Ps-Graduao e Pesquisas daUniversidade do Sagrado Corao.

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    Essa tenso aparente em termos de mercado de trabalho, na medida emque se busca uma padronizao internacional dos direitos que regem as rela-es de trabalho, porm, estimulam-se a sua promoo e implementao pormeio de polticas nacionais. Essa padronizao, vista como outra face daintegrao econmica o trabalho outra variante do custo do produto, juntocom o capital , fora os governos locais a adotar polticas domsticas compa-tveis com a exigncia do mercado internacional, mas que, na viso de muitos,configurariam protecionismo.

    A estreita relao entre as economias deve-se, basicamente, a dois fato-

    res: s transformaes tecnolgicas, sociais e culturais e reduo das barrei-ras econmicas por meio de polticas governamentais. Esta ltima foi facili-tada pela primeira, que colaborou na promoo de novas formas deconcretizao de transaes comerciais e tornaram a alterao legislativa na-cional, inclusive. Em especial, aps a Segunda Guerra Mundial, muitos go-vernos nacionais comearam a reduzir suas barreiras comerciais e tornaramsuas economias mais permeveis. As negociaes multilaterais, sob os auspciosdo General Agreement on Trade and Tariffs (GATT), desde a Rodada Kennedyna dcada de 1960, a Rodada Tquio nos anos 1970 e, mais recentemente,a Rodada Uruguai, emergem como exemplo mais proeminente de reduode barreiras para o comrcio internacional.

    Juntos, esses dois fatores contriburam para a transformao da economiamundial. Simultaneamente a essa realidade, outras transformaes ocorreramna estrutura poltica mundial. Primeiramente, a expanso do nacionalismo,por intermdio de decises governamentais, favoreceu a formao de Estadosindependentes.1Posteriormente, a perda gradual da hegemonia poltica e eco-nmica dos Estados Unidos cedeu lugar, entre outros, Unio Europia, vistoque as relaes passaram a ser de multilateralismo, ao invs do bipolarismoexistente at ento, em razo da Guerra Fria, Estados Unidos Unio Soviti-ca. Ainda, pode-se acrescentar a transformao poltica e econmica dos pasesdo Leste-Europeu que adotaram reformas com base nos princpios capitalistasocidentais. Esses fatores so essenciais na anlise dos dilemas das polticas na-

    cionais, posto que quanto maior a integrao e uniformizao de mercados,menor o poder de resistncia dos Estados nacionais.

    A separao entre poltica internacional e nacional era claramente visualizada.O cidado sabia que, em regra, a primeira se restringia s tarifas e cotas docomrcio internacional e a segunda era destinada a regulaes da concorrncia,

    1. The history of membership in international organizations documents the sharp growth in the number of independent states.For example, only 44 nations participated in the Bretton Woods conference of July 1944, which gave birth to the International MonetaryFund. But by the end of 1970, the IMF had 118 member nations. The number of members grew to 150 by the mid-1980s and to 178by December 1993 (Ehrenberg, 1994).

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    sociedades, padres de produo, segurana no trabalho, instituies financeiras,proteo ambiental, entre tantos assuntos. Todavia, medida que as barreiras fo-ram diminuindo e as inovaes tecnolgicas ocorrendo, as distncias econmicasencolheram e a poltica nacional ficou mais exposta s exigncias internacionais.

    Assim, governos nacionais e negociaes internacionais tiveram de lidar, cada vezde forma mais aprofundada, com a integrao de polticas. Por exemplo, se o pas

    A permite que uma companhia se utilize de trabalho forado na produo de umbem e o pas B no permite, o pas A gerar um custo mais baixo do produto.Desse modo, as companhias do pas A que competem internacionalmente com ascompanhias do pas B estaro se beneficiando de uma prtica desleal no comrcioe pressionaro pela elevao dos padres de trabalho.

    Assim, se se pretende a elaborao de uma poltica nacional de promoodo crescimento econmico e desenvolvimento social, deve-se levar em consi-derao a tenso que exsurge com o aprofundamento da integrao econmicadas naes, que leva diminuio da autonomia nacional e desafia a soberaniapoltica.2Este , pois, o foco do presente trabalho: apresentar a tenso existen-te entre a necessidade de integrao econmica e a perda de autonomia nacio-nal em face do movimento, cada vez maior, por padronizao de polticas edireitos, constituindo uma harmonizao de regulaes. Nesse sentido, aimplementao de direitos fundamentais no trabalho deve ser vista luz dessatenso, visto que polticas pblicas nacionais vo levar em considerao a gran-de variedade de normas internacionais ratificadas.

    A concluso que tais polticas somente podem ser implementadas pelofortalecimento de regimes internacionais, como a Organizao Internacionaldo Trabalho (OIT) ou a Organizao Mundial do Comrcio (OMC), com aestipulao de que os pases signatrios de tratados e convenes relevantessejam responsveis por sua implementao no mbito nacional. Isso, certa-mente, representa a derrogao da autonomia nacional em face do movimentoglobal, como resultado de uma regulao harmonizada e que depende de exe-cuo internacional, por meio, como se sustentar, de clusulas sociais inseridasnos acordos de comrcio internacional.

    1.2 A tenso entre polticas internacionais e nacionaise o mercado de trabalho

    Algumas atividades nacionais produzem conseqncias que atravessam fron-teiras e afetam outras naes. Isso acontece, por exemplo, com as instituies

    2. Como sustentam Montgomery e Glazer, ao discorrerem sobre o que chamam de globalismo, []there are newly-recognized moralclaims on the state that have displaced the head of government as its sole appropriate or legitimate source of sovereignty. It is no longerconsidered fanciful to argue that the ultimate rationale for sovereignty is derived from the obligation to pursue a states moral purposesrather than the right to guarantee its power, to protect its territorial integrity, or to advance the material interests of its citizens(Montgomery e Glazer, 2002, p. 4).

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    financeiras, por meio do impacto da moderna tecnologia, que permite transa-es internacionais instantneas e, muitas vezes, fraudulentas. O mesmo ocorrecom as polticas no mercado de trabalho. Polticas de trabalho tornam-seobjeto de considerao por outros pases, em funo da imigrao de trabalha-dores que buscam trabalho em outro contexto. Assim, polticas de um paspodem atingir o fluxo imigratrio, aumentando ou diminuindo o mercado detrabalho. Nesse sentido, a tenso existente entre a presso internacional para aliberao da mobilidade da mo-de-obra e a poltica domstica de proteo domercado de trabalho nacional pode gerar resultados passveis de serem vistoscomo concorrncia desigual. Basicamente, o pas que sofre as conseqnciasdessa poltica pressiona para que as restries sejam eliminadas. Nesse ponto,as tenses aumentam entre as naes. Quando, por exemplo, governos nacio-nais negociam resolues para questes como esta, que refletem no mercadode trabalho, e tentam acordar sobre a legitimidade do pas para efetivar suasescolhas polticas e o dano que possa ser causado em outras naes, o dilogo, invariavelmente, polmico, visto que as resolues dependem de circuns-tncias complexas do cenrio internacional e do peso do interesse particularde cada indivduo ou nao.3

    Essa polmica diminui a autonomia nacional, na medida em que o Estado,individualmente, tem de cooperar com a exigncia internacional do mercado,

    alterando seu regime legal, padres e instituies, muitas vezes em atendimentoa valores universais ou internacionais. Outras vezes, o prprio Estado, por inter-mdio de seus cidados, pressiona para essa modificao.

    Alguns grupos concentram-se nos direitos humanos, por exemplo, e pressio-nam para a universalizao de direitos trabalhistas considerados fundamentais etambm humanos. O movimento para essa padronizao internacional, mas, aomesmo tempo, polticas nacionais colidem com esses interesses. Um caso recentefoi a proibio de transao comercial imposta pelos Estados Unidos s empresasque negociavam com o estado de Myanmar (Burma), em razo do uso do trabalhoforado. Ou ainda, a manifestao dos pescadores americanos, que reclamaramacerca da importao de atum de pases que no utilizavam as mesmas regras de

    pesca, que afetou o Mxico e a Venezuela, em razo da proibio de importaopor no atenderem aos padres da comunidade ambientalista.

    Dessa forma, h necessidade de se estabelecer uma poltica de convergn-cia internacional, mas que respeite a autonomia nacional, objetivando explci-ta harmonizao de padres regionais ou globais.

    Considerando-se que o mercado de trabalho possui uma srie de caracte-rsticas que influenciam o fluxo comercial tanto de capital como de mo-

    3. Ehrenberg (1994).

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    de-obra, este vai ser influenciado, tambm, pelo processo de integrao eco-nmica, que pressiona por mudanas. Todavia, apesar das tenses, perfeita-mente possvel que a integrao econmica sobreviva entre pases com diferen-tes nveis de padres e polticas de trabalho. A tenso existe, mas pode seratenuada por meio de polticas domsticas convergentes com a necessidade deajuste da poltica econmica ao comrcio internacional.4

    1.3 O mercado de trabalho

    O mercado de trabalho e a relao de emprego envolvem muito mais fatores

    do que a simples troca da prestao de servios pelo salrio. Jornadas de traba-lho, por exemplo, so, freqentemente, objeto de legislao nacional ou nego-ciao coletiva e esto influenciadas por outros fatores pblicos, como feria-dos, frias, polticas de fixao de horrios para o comrcio, o setor bancrio eo industrial. Seja por legislao ou pelo processo da negociao coletiva, muitospases estabelecem os seus prprios padres para o mercado de trabalho, a fimde garantir aos trabalhadores condies minimamente desejveis de trabalho.Esses padres incluem: salrio mnimo, restries ao trabalho infantil, sadeocupacional e segurana no trabalho, polticas no-discriminatrias em razode gnero, raa, idade ou deficincia, por exemplo. Assim que muitos pasespossuem polticas que facilitam o ajuste do mercado de trabalho incluindoquem pode ingressar no pas (polticas de imigrao) e quais os direitos quevo determinar o contexto do trabalhador (direitos fundamentais no traba-lho). Muitos crticos da liberalizao do comrcio acreditam que seja injustocelebrar acordos comerciais com pases que possuem padres de trabalho muitoinferiores ou que no exigem o cumprimento dos padres j existentes.Nesse contexto, vale lembrar o debate quando da implantao do North

    America Free Trade Area (Nafta) em 1993. Seus opositores argumentaram queo tratado no poderia ser assinado a menos que um acordo anexo fosse firmadopara garantir que o Mxico atendesse a condies mnimas de trabalho, entreelas, salrio mnimo e legislao que proibisse o trabalho infantil e protegessea sade e segurana do trabalhador.5Esses padres, a toda evidncia, fazemcom que existam modificaes na poltica de trabalho, com base, precipuamente,

    na poltica econmica. Isso porque, normalmente, tais padres impem custospara os empregadores, que no podem ser realocados para o trabalhador.6

    4. Essa tenso bem retratada por Ronnie Lipschutz ao analisar a regulao e a poltica social separadamente e sob as condies da globalizao.Para o autor, de um lado, tem havido grandes modificaes na diviso internacional do trabalho associadas aos veculos de mercadoriatransnacional e, de outro, tm sido feitas mudanas nos regimes internacionais, mercados e Estados (Lipschutz, 2002, p. 292).

    5. A administrao Clinton negociou tal acordo em agosto de 1993 (cf. How..., 1993, p. 45).

    6. Salrio mnimo aumenta o custo para a maioria dos empregadores que se utilizam de mo-de-obra no qualificada no processo de produo.Leis que dispem sobre o trabalho infantil e sobre o trabalho forado tambm aumentam os custos para o mesmo grupo de emprega-dores. Igualmente, h aumento do custo quando o trabalho da mulher passa a ter a mesma remunerao que o trabalho masculino.

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    Dessa forma, as caractersticas do mercado de trabalho e de suas instituiesso diretamente afetadas pela integrao econmica, e vice-versa. Porm,observa-se que essa integrao, no necessariamente, exige a harmonizao dospadres de trabalho nacionais, como salrio mnimo, jornada de trabalho ouseguros para os desempregados. Todavia, quanto maior a integrao econmi-ca mais se pressiona para que direitos considerados fundamentais sejam obser-vados, no s porque influenciam, diretamente, os custos da produo, mas,principalmente, porque fazem parte de um leque maior, que so os direitoshumanos universais. A fixao desses direitos mnimos, contudo, em termosde legislao, pouco significado tem se no houver polticas nacionais para suaimplementao e posterior compromisso de torn-los eficazes e executados,seja por intermdio da legislao nacional seja por meio das sanes comer-ciais impostas pelos acordos comerciais internacionais.

    2 DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRABALHO

    2.1 O vnculo trabalho comrcio

    De uma forma geral, as escolhas polticas definem o modelo econmico a serseguido nacionalmente. Em conseqncia, em razo da forte influncia dasempresas e do comrcio internacional, evidente que esse modelo tem o poderde influenciar a ordem jurdica. No mbito das relaes do trabalho, esteatual modelo que privilegia a liberalizao do comrcio responsvel porformatar um novo modelo de relaes laborais. Por conseguinte, dele decorre anecessidade de regulamentao particular, dando origem, tambm, a um novoordenamento jurdico laboral.

    medida que essas relaes esto presentes e consolidadas, cada vez maisse comprova que trabalho e comrcio so elementos inseparveis. Muita discus-so acadmica existe acerca desse vnculo e da forma como se concretiza. A ten-tativa de elaborao desse vnculo pode ser transportada para desde quando o

    Japo obteve acesso International Trade Organization (ITO), predecessorado General Agreement on Trade and Tariffs (GATT)/World Trade Organization

    (WTO), durante a dcada de 1950, at o final do milnio, quando a China setornou membro dessa organizao internacional. A especulao acerca da exis-tncia desse vnculo varia entre dois eixos: poltica salarial e direitos humanos.

    O sistema de regulao do comrcio internacional foi desenhado parausar o salrio como a exata medida para determinar a violao de padres detrabalho, os quais, por sua vez, tm evidente impacto nos custos da produo.E, sem dvida, o valor do salrio elemento-chave no custo. Esse foi o principalargumento dos ingleses ao oporem-se adeso do Japo ao GATT. Os baixossalrios dos trabalhadores japoneses eram vistos como uma vantagem compa-

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    rativa desleal tambm pelos americanos, o que poderia prejudicar as relaescomerciais. Outras questes tambm foram levantadas, como a no-observnciadas leis sobre condies e jornada de trabalho, alm do desrespeito liberdadede associao e negociao coletiva. Tanto isso verdade que o secretrio-exe-cutivo do GATT respondeu a tais consideraes inglesas e americanas dizendoque o governo japons havia feito prova de no mais retornar ao sistema de mo-de-obra barata, modificado sua legislao e proibido prticas injustas no tra-balho. No obstante essas medidas, o medo sempre esteve presente nos pasesopositores, mas, de qualquer forma, o Japo tornou-se membro em 1955.7

    Como se percebe, claramente, a poltica salarial, quer dizer, o salrio,principal elemento das relaes industriais e reflexo do modelo econmico,teve participao importante na vinculao do trabalho ao comrcio. No en-tanto, essa orientao foi, mais recentemente, alterada com o ingresso da Chinana OMC, quando outro aspecto da questo foi levantado: a vinculao tam-bm com os direitos humanos. Na opinio de Raj Bhala, essa vinculao dotrabalho com o comrcio enseja duas questes e assim se manifesta: the economiccornerstones of the trade-labor link are wages and employment. The politicalcornerstone is the outrage against exploitation of workers rights (Bhala, 1998)(37 Colum. J. Transnatl L. 11, 19 (1998)).

    Assim que, quando a China pretendeu sua incluso no GATT/WTO,

    ao contrrio do Japo, no se questionou a prtica de mo-de-obra barata emrazo da inobservncia de condies de trabalho, mas em razo de violaes dedireitos trabalhistas fundamentais, considerados como direitos humanos, isto, o uso da mo-de-obra infantil, por exemplo.8Nessa esteira, o debate sobrecomo os padres de trabalho devem ser entendidos no contexto do comrcioteve seu rumo alterado. O desenvolvimento na rea de direitos humanos inter-nacionais, em especial no ps-guerra,9 teve papel importante na crescente n-fase dada aos direitos trabalhistas como direitos humanos. O acesso de pasesmenos desenvolvidos ao GATT/WTO intensifica esse debate, na medida emque o salrio, nesses pases, visto como uma vantagem comparativa. 10

    7. Como pontificado por Elissa Alben, In sum, during Japans accession process, the negotiators focused on production cost to generatestop-gap trade measures, including an enhanced safeguards deal and an Article XXIII plan, to prevent the influx of lower cost goodsproduced with lower labor standards. Their approach naturally comported with an understanding of labor standards as having an impacton wages. In fact, all proposals offered (other than the opt-out solution of Article XXXV) relied upon provisions that explicitly requireda showing of injury, and hence some production cost effect (Alben, 2001) (101 Colum. L. Rev. 1410).

    8. Certainly, another clear contrast is the extent to which human rights principles, rather than wages, have been invoked in the laborstandards debate over Chinas accession (Alben, 2001).

    9. After the Second World War, and especially in the last one or two decades, as the process of globalization gathered momentum andlabor and capital, began to move more freely across nations, the labor standards concern spilled beyond national and regional boundariesand became properly an international matter (Basu, 2001) (34 Cornell Intl L. J. 487).

    10. Na verdade, os pases em desenvolvimento acreditam que a incluso desses direitos bsicos na OMC vai diminuir sua vantagemcomparativa quando se trata de salrios, o que no verdadeiro, uma vez que a questo de e stabelecimento de salrio mnimo globalfoi deixada de fora do leque de direitos fundamentais.

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    E, assim, a linguagem dos direitos humanos serve como importante retrica natentativa de remover, desse debate, a discusso pautada na poltica salarial.11

    Essa aproximao de trabalho e comrcio implica no somente esta an-lise econmica e poltica, mas tambm uma anlise no mbito da concretizao.Em outras palavras, se existe esse vnculo, a questo que se coloca como elepode ser representado no mundo jurdico. Muitas medidas foram apresenta-das como o selo social, as declaraes de direitos e princpios, os sistemas depreferncia nos Estados Unidos e Europa , mas nenhuma outra teve, e aindatem, tanta repercusso como a denominada clusula social, por ser uma ao

    supranacional, com o intuito de impor sanes comerciais queles pases quedescumprem os direitos fundamentais no trabalho internacionalmente fixa-dos. E, nesse sentido, a primeira questo que exsurge diz respeito ao contedodessa fixao.

    2.2 A declarao de 1998 da OIT

    Pode-se dizer que existem duas formas de fixao coletiva desses direitos mni-mos, fundamentais e internacionais do trabalho: i) os direitos fixados pelas em-presas transnacionais, por intermdio de seus cdigos de conduta ou das nor-mas que incorporam quando da adeso ao Global Compact, Programa das NaesUnidas, com o objetivo de fixar direitos e impor responsabilidade social para

    as empresas; e ii) e os direitos e deveres impostos aos governos por meio dasconvenes e recomendaes da Organizao Internacional do Trabalho. Esses ins-trumentos so referncias essenciais dentro deste contexto.12

    A globalizao dessas referncias levaram codificao de padres. Basica-mente, foram classificados em quatro espcies de direitos: 1) direitos bsicos,que incluem o direito contra a prestao de servios involuntria e medidascontra o trabalho infantil e a discriminao; 2) direitos civis, aqui includo odireito do trabalhador de livremente associar-se e negociar coletivamente;3) direitos de sobrevivncia, que abrangem o direito a um salrio mnimo,

    11. A propsito, bastante esclarecedora essa anotao do professor William Gould, ao tratar da histria dos padres internacionais dotrabalho, tambm traando esta vertente entre poltica salarial e direitos humanos. Assim se manifesta: The idea of international laborstandards first gained momentum in early Nineteenth Century Great Britain with Robert Owen as their proponentand and It wascatalyzed by the expansion of the antislavery movement. Advocacy for this idea found strength in France, Switzerland and Germany, andproponents claimed that basic human rights were involved inasmuch as the benefits had their source in moralit y. But then as now, anargument for uniformity across nations, which can override the nation states sovereignty, was put forward on the grounds that nationsproviding improved wages and benefits would otherwise lose their competitive position. Thus, advocacy flourished, and continues toflourish, in the richer countries. Yet it is an argument that arises in the context of advanced countries competing amongst themselves whenthe question of comparative advantage enjoyed by developing countries, existing at a different economic state of development, isunknown (Gould IV, 2001) (80 Neb. L. Rev. 715).

    12. The important difference between these two voluntary schemes is that they place the primary responsibility of ILS on different agencies.The Global Compact places the responsibility on multinationals and big corporations while the ILO conventions place the responsibility on thenations, and primarily the Third World nations since these are the potential violators of the standards (Gould IV, 2001).

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    indenizao por acidente e direito a no ser exposto ao perigo; e 4) direitos desegurana, que impem restries s demisses e outorgam direitos a pensespor aposentadoria.

    Essa padronizao est presente em vrios documentos internacionais13

    e, de uma forma geral, todos se concentram em cinco condutas: 1) proibiodo trabalho forado; 2) proibio de discriminao no emprego; 3) direito deassociao; 4) direito negociao coletiva; e 5) proibio do trabalho infantil.

    Verifica-se, dessas condutas e dos documentos que as contm, um cres-cente consenso internacional sustentando que os chamados direitos traba-lhistas fundamentais so tambm direitos humanos fundamentais.14Em 1998,a Organizao Internacional do Trabalho aprovou a Declarao de Princpios eDireitos Fundamentais no Trabalho e Seu Seguimento,15a qual proclama qua-tro princpios bsicos, extrados de suas convenes e aplicveis a todas asnaes, independentemente de seu nvel de desenvolvimento econmico, eque colidem com os direitos supramencionados, quais sejam:

    1) liberdade de associao e de organizao sindical e reconhecimentoefetivo do direito de negociao coletiva;

    2) eliminao de todas as formas de trabalho forado ou obrigatrio;

    3) abolio efetiva do trabalho infantil; e4) eliminao da discriminao em matria de emprego e ocupao.

    Essa Declarao aplica-se a todos os membros da OIT, independente-mente da ratificao das oito convenes fundamentais que correspondem aesses princpios, que so: Conveno 2916(Trabalho Forado); Conveno 8717

    13. A OECD elaborou um estudo em 1996 (atualizado em 2000) sobre o elenco desses padres e o porqu dessa distino. Como salientao professor William Gould IV (2001), The OECD emphasizes its concern about uniformity by its distinction between core labor standardsand other labor standards. The OECD finds this distinction to be crucial inasmuch as working time and minimum wages can affect patternsof comparative advantage, e.g., higher minimum wages are likely to affect trade performance negatively. But core labor standards, unlikeminimum wages, will not necessarily affect comparative advantage negatively, and indeed may have a positive effect.

    14. Apesar de algumas diferenas, os princpios contidos nos instrumentos da OIT so considerados quase completamente consistentescom vrios textos das Naes Unidas, como o art. 23(4) da Declarao Universal de Direitos Humanos e o art. 22 da Conveno Internacionalsobre Direitos Civis e Polticos e art. 8oda Conveno Internacional sobre Direitos Econmicos, Sociais e Culturais.

    15. O programa In-FocusPromoo da Declarao inclui atividades de seguimento dos compromissos assumidos pelos Estados-Membrosda OIT, relatrios anuais dos Estados-Membros que ainda no ratificaram alguma das oito convenes e relatrios globais sobre oprogresso alcanado no mbito mundial em cada uma das quatro reas de princpios e direitos fundamentais.

    16. Trabalho forado (1930): dispe sobre a eliminao do trabalho forado ou obrigatrio em todas as suas formas. Admitem-se algumasexcees, tais como, o servio militar, o trabalho penitencirio adequadamente supervisionado e o trabalho obrigatrio em situaes deemergncia, como guerras, incndios, terremotos, etc.

    17. Liberdade sindical e proteo do direito de sindicalizao (1948): estabelece o direito de todos os trabalhadores e empregadoresde constituir organizaes que considerem convenien tes e de a elas se afiliarem, sem prvia autorizao, e dispe sobre uma srie degarantias para o livre funcionamento dessas organizaes, sem ingerncia das autoridades pblicas.

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    (Liberdade Sindical); Conveno 9818 (Direito de Sindicalizao e de NegociaoColetiva); Conveno 10019 (Igualdade de Remunerao); Conveno 10520

    (Abolio do Trabalho Forado); Conveno 11121 (Discriminao no Emprego);Conveno 13822 (Idade Mnima para o Trabalho); Conveno 18223 (PioresFormas de Trabalho Infantil).

    Como reconhecimento da importncia desses direitos e princpios funda-mentais, a OIT adotou a Declarao e imps a obrigao para os estados-mem-bros de respeit-la de boa-f e de acordo com sua Constituio. O desenvolvi-mento desse rol de direitos implica que esforos especiais sejam efetivados

    para garantir que estes e outros direitos reconhecidos nas convenes sejamaplicados pelos pases-membros. Tradicionalmente, a OIT tem tido papel fun-damental na elaborao dessas convenes, porm sua atuao tem sido menosefetiva na sua execuo. Na prtica, a adoo da Declarao no assegura, au-tomaticamente, que todos os estados-membros vo respeitar suas disposies.

    A OIT, na verdade, carece de mecanismo efetivo para exigir o cumprimento,pelos seus membros, das suas convenes ou da Declarao.

    Nesse sentido, embora o conceito de direitos ou padres fundamentaisno trabalho tenha obtido um consenso, ainda existe considervel debate emrelao aplicao e execuo desses direitos e quais os mecanismos maisapropriados para tanto. A OIT, como visto, por intemdio da Declarao de1998, estabeleceu um mecanismo de promoo ou seguimento e, basicamente,sua atividade est ligada orientao, assistncia tcnica e programas paraimplementao da Declarao. O cumprimento , no fundo, voluntrio, ine-xistindo sanes em caso de violaes. Logo, h necessidade de se discutir qualo melhor caminho e qual o rgo apropriado para que tais direitos fundamen-tais, quando implementados por meio de polticas nacionais, sejam, efetiva-mente, cumpridos.

    18. Direito de sindicalizao e de negociao coletiva (1949): estipula a proteo contra todo ato de discriminao que reduza a liberdadesindical, a proteo das organizaes de trabalhadores e de empregadores contra atos de ingerncia de umas nas outras, e medidasde promoo da negociao coletiva.

    19. Igualdade de remunerao (1951): preconiza a igualdade de remunerao e de benefcios entre homens e mulheres, por trabalho deigual valor.

    20. Abolio do trabalho forado (1957): probe o uso de toda forma de trabalho forado ou obrigatrio como meio de coero ou deeducao poltica, como castigo por expresso de opinies polticas ou ideolgicas; e a mobilizao de mo-de-obra como medida disciplinarno trabalho, punio por participao em greves ou como medida de discriminao.

    21. Discriminao (no emprego e na ocupao) (1958): preconiza a formulao de uma poltica nacional que elimine toda discriminao emmatria de emprego, formao profissional e condies de trabalho por motivos de raa, cor, sexo, religio, opinio poltica, ascendncianacional ou origem social, e a promoo da igualdade de oportunidades e de tratamento.

    22. Idade mnima para o trabalho (1973): objetiva a abolio do trabalho infant il, ao estipular que a idade mnima de admisso ao empregono dever ser inferior idade de concluso do ensino obrigatrio.

    23. Piores formas de trabalho infantil (1999): defende a adoo de medidas imediatas e eficazes que garantam a proibio e a eliminaodas piores formas de trabalho infantil.

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    2.3 A clusula social em acordos bilateriais e multilateriais do comrcio

    Uma das formas de imposio do cumprimento dos direitos fundamentais notrabalho a adoo de clusulas sociais nos acordos de comrcio internacional.O contedo dessa clusula pode consistir dos direitos reconhecidos pela Orga-nizao Internacional do Trabalho, por meio da Declarao de 1998. A imposi-o dessa clusula social estaria vinculada a acordos de comrcio internacionale sob os auspcios da WTO, que imporia sanes comerciais aos pases que aviolassem. Muita crtica se fez contra essa proposta e por essa razo que otema saiu da esfera de debates da WTO e passou para a OIT, culminando com

    a Declarao de 1998. H grande preocupao, nos pases menos desenvolvidos,de que uma medida como esta possa implicar protecionismo em relao aospases desenvolvidos.24

    At o momento, uma clusula como esta ainda no figura em contratos co-merciais supranacionais, dentro da WTO. Todavia, est presente em muitosoutros acordos bilaterais, celebrados entre os pases, especialmente quandoos Estados Unidos so parte,25amparados pelo General System of Preferences(GSP), ou ainda nos acordos celebrados com pases menos desenvolvidos, nombito da Unio Europia, como autorizado pelo Parlamento Europeu, em

    24. Como anota Kaushik Basu (2001), Perhaps the most potent form of supra-national action contemplated is to have a social clause inthe WTO provisions, which would allow the WTO to impose trade sanctions on an erring country. E alerta que The risk of empoweringthe WTO thus is that this will become a powerful instrument of protectionism in the North. Finalmente, exemplifica com um casobrasileiro: An interesting case in point is the use of the Sanders Amendment against the Brazilian company Sucocitrico Cutrale.The charge was that the company was using children to pluck oranges. However, as the Wall Street Journal pointed out this was probablyan act of reprisal headed by the Teamsters Union against Cutrale for downsizing some Minute Maid plants it had bought from Coca-Cola

    Co in Florida (Basu, 2001).

    25. Por exemplo, o acordo celebrado com a Jordnia, para estabelecimento de rea Livre de Comrcio, assinado em 24 de outubro de 2000e em vigor desde 17 de dezembro de 2001, cujo art. 6o explicitamente dispe: ARTICLE 6: LABOR 1. The Parties reaffirm their obligationsas members of the International Labor Organization (ILO) and their commitments under the ILO Declaration on Fundamental Principlesand Rights at Work and its Follow-up. The Parties shall strive to ensure that such labor principles and the internationally recognized laborrights set forth in paragraph 6 are recognized and protected by domestic law. [] 3. Recognizing the right of each Party to establish itsown domestic labor standards, and to adopt or modify accordingly its labo r laws and regulations, each Party shall strive to ensure thatits laws provide for labor standards consistent with the internationally recognized labor rights set forth in paragraph 6 and shall striveto improve those standards in that light. [] 5. The Parties recognize that cooperation between them provides enhanced opportunitiesto improve labor standards. The Joint Committee established under Article 15 shall, during its regular sessions, consider any suchopportunity identified by a Party. 6. For purposes of this Article, labor laws means statutes and regulations, or provisions thereof, thatare directly related to the following internationally recognized labor rights: (a) the right of association; (b) the right to organize and bargain

    collectively; (c) a prohibition on the use of any form of forced or compulsory labor; (d) a minimum age for the employment of children; and(e) acceptable conditions of work with respect to minimum wages, hours of work, and occupational safety and health. O mesmo ocorreucom o acordo celebrado com o Camboja, especificamente para o setor txtil, firmado em 12 de janeiro de 1999: 10. (A) The Parties seekto create new employment opportunities and improve living standards and working conditions through an enhanced trading relationship;

    affirm respect for each Partys legal system and seeking to ensure that labor laws and regulations provide for high quality and productiveworkplaces; and seek to foster transparency in the administration of labor law, promote compliance with, and effective enforcement of,

    existing labor law, and promote the general labor rights embodied in the Cambodian labor code. (B) The Royal Government of Cambodiashall support the implementation of a program to improve working conditions i n the textile and apparel sector, including internationallyrecognized core labor standards, through the application of Cambodian labor law. (C) The Government of the United States and the RoyalGovernment of Cambodia shall conduct not less than two consultations during each Agreement Year to discuss labor standards, specificbenchmarks, and the implementation of this program. Disponvel em: e. Acesso em: 27 maio 2003.

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    1994, e mencionado no documento Resolution on EU standards for EuropeanEnterprises operating in developing countriestowards a European Code of Conduct.26

    A diferena entre o sistema dos Estados Unidos e o sistema da UnioEuropia consiste em sanes, pelo primeiro, quando violadas tais clusulas eem incentivos, pelo segundo, quando cumpridas tais clusulas. H de mencio-nar-se, ainda, que no mbito da Unio Europia, as diretrizes emitidas para ospases-membros tambm contm certo efeito vinculativo, objetivando a padroni-zao mnima de direitos trabalhistas. Dessa forma, a tenso entre a necessidadede integrao econmica global e as polticas nacionais de trabalho seria mera-

    mente aparente, posto que estariam conjugadas num nico instrumento.Evidentemente, a questo no est pacificada e muitos pases ainda acredi-

    tam que a implementao desses direitos fundamentais um primeiro passopara a harmonizao e que a sua efetividade pode ser dada por meio de legislaonacional. Tal se d, por exemplo, no Direito Americano, por meio doAlien TortsClaim Act (ATCA), pelo qual se tem responsabilizado empresas americanas queviolem direitos trabalhistas fundamentais quando atuando em outros pases.27

    3 ELEMENTOS PARA ELABORAO DE POLTICA PBLICA

    3.1 Direitos fundamentais e os desafios da globalizao

    No por demais repetir que, enquanto a economia cresce internacionalmen-te, integrando mercados, a regulao do mercado de trabalho continua, larga-mente, sendo elaborada em esfera nacional. As instituies do trabalho aindaso produzidas e controladas por autoridades nacionais, mesmo que se atendas orientaes da Organizao Internacional do Trabalho, cuja cooperao voluntria. Nesse sentido, pode-se dizer que no h uma legislao internacio-nal do trabalho, no sentido estrito, isto , elaborada e com autoridade paraexecuo de suas disposies em termos globais.

    Apesar dessa soberania legal, as naes no so autnomas em termos deescolha da poltica de trabalho. A crescente mobilidade do capital e do produto

    26. having regard to its resolution of 9 February 1994 on the introduction of a social clause in the unilateral and multilateral tradingsystem. Disponvel em: e . Acesso em: 27 maio 2003. (OJ C 61,28.2.1994, p. 89).

    27. Em 18 de setembro de 2002, o United States Court of Appeals for the Ninth Circuit considerou a responsabilidade internacionalsubsidiria de empresas americanas em Myanmar, anteriormente chamado Burma. Os autores John Doe et al. propuseram ao contrao governo militar de Myanmar, contra a companhia estatal de petrleo e contra a companhia de petrleo americana (Government ofMyanmar, UNOCAL Corporation e TOTAL S.A.), alegando que, direta ou indiretamente, moradores locais foram submetidos a trabalhosforados, assassinatos, estupros e torturas, durante a construo de infra-estrutura petrolfera em Myanmar. Tais atos teriam sidopraticados por militares, com o conhecimento da empresa. O Tribunal entendeu que a responsabilidade pelas violaes decorre do princpio

    jus cogense, por conseguinte, implica violaes de Direito Internacional (law of nations). A responsabilidade decorre da aplicao do ATCA,um estatuto americano que pode sustentar a responsabilidade internacional de companhias estrangeiras.

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    no mercado impe restries a essa escolha poltica. Nesse sentido, como a ado-o de direitos fundamentais impe, muitas vezes, um custo, os governos relu-tam em pressionar por padres mais elevados. Assim, a abertura da economianacional e a intensa competitividade entre os pases provocam este debate acercada implementao de direitos fundamentais no trabalho por intermdio de po-lticas pblicas nacionais. Na verdade, a grande disparidade entre os custos dotrabalho entre os pases impulsiona para a eliminao de prticas consideradasinjustas no comrcio e que poderiam provocar o dumping social, por meio dodescumprimento de direitos fundamentais no trabalho. Nesse sentido, com oaumento do comrcio internacional e do investimento estrangeiro direto, a van-tagem comparativa de alguns pases tem diminudo e o custo do trabalho passaa ser um elemento a mais na reduo do custo do produto, de tal sorte que amo-de-obra barata possa ser um grande atrativo. Logo, a disparidade no custodo trabalho aumenta a controvrsia internacional.

    3.2 Execuo dos direitos fundamentais no trabalho

    Se, por um lado, a implementao de polticas pblicas para introduo dedireitos fundamentais no trabalho uma questo que, apesar do aparente con-flito, pode ser resolvida com a cooperao de organismos internacionais, comoa OIT, por outro, o mecanismo apropriado para executar e tornar esses direitoseficazes ainda uma questo intrigante para os governos nacionais.

    Como se sugere, a introduo de clusulas sociais em acordos de comr-cio internacional bilateriais ou multilarais um mecanismo eficaz e quegarante o efetivo cumprimento e a observncia dos direitos fundamentais notrabalho. Todavia, outros mecanismos podem ser adotados.

    Richard Freeman analisa o comportamento do consumidor no momentoda escolha de um produto e sugere que este seja o referencial para tais meca-nismos. Assim, no mbito domstico, dois mecanismos estariam disponveis: alegislao e o selo social, que funcionaria como um certificado de qualidade,atestando que o produto foi elaborado em consonncia com os direitos funda-mentais. Apesar deste segundo mecanismo mostrar-se, aparentemente, eficaz,

    o prprio autor reconhece que, em geral, a sociedade confia mais nas normasjurdicas do que em decises voluntrias de consumidores. Sustenta que [...]One rationale for the use of legal enactment over labelling is the potential ease of mislabelling products. The higher the cost of obtaining accurate information, theless desirable is a market-based labeling strategy for obtaining desired labourstandards (Freeman, 1994).28 Entretanto, tambm no se pode confiar demais

    28. Todavia, como sustenta Ronnie Lipschutz (2002, p. 314), campanhas feitas com vistas ao consumidor ou o chamado corporate

    market behaviourno vo, necessariamente, resultar em mudanas polticas ou sociais.

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    na regulao jurdica, posto que, por exemplo, muitos trabalhadores ainda tmnegado o direito negociao coletiva, embora a lei lhes garanta esse direito.

    Favorvel colocao dos direitos fundamentais no corpo da OMC,subordinados clusula social (social dumping clause) e sujeitos ao seu meca-nismo de soluo de conflitos, Alejandro Portes (1994) sustenta que umpasso fundamental para implementao efetiva desses direitos seria transferir asano para as empresas, em vez de aplic-las aos governos, que, em decorrncia,teriam reduzidos os incentivos para atrair investimentos estrangeiros combase na inobservncia de direitos mnimos. Transferir o nus para as empresas

    seria uma forma de diminuir o debate entre pases industrializados e pasesmenos desenvolvidos.

    Alm dessa medida, o autor sugere a adoo de outra poltica para forta-lecimento do trabalho de acordo com o modelo atual de desenvolvimento: apromoo de pequenas e independentes empresas. Para ele, o desenvolvimentode high-techpequenas empresas tem trs conseqncias positivas para o fortaleci-mento dos direitos fundamentais no trabalho. Primeiro, alivia a presso sobresalrios e condies de trabalho; segundo, trabalhadores em novas empresas sebeneficiam com as oportunidades de aprendizagem e treinamento; e terceiro, odesenvolvimento de comunidades de pequenos produtores d aos trabalhadoresde grandes empresas a oportunidade de mudar para esse novo setor. Em suas

    palavras The development of a dynamic small-scale sector can thus represent anefficient means to promote labour standards by giving workers the opportunity tomake independent use of their energies and ingenuity (Portes, 1994).

    4 CONCLUSO

    A formatao de polticas pblicas para implementao de direitos fundamen-tais no trabalho est no centro das discusses poltica e econmica internacio-nais e que separam o globo em pases do norte e pases do sul, variando suasopes entre as propostas neo-institucionalistas ou internacionalistas do nortee as propostas culturalistas do sul. A polarizao do debate pode ser retratadada seguinte forma: alm de um conjunto mnimo de direitos fundamentais, a

    viso neoclssica sugere que o governo deveria deixar a implementao dessespadres para o mercado de trabalho livre. De acordo com essa perspectiva,a elevao dos padres prematuramente introduz distores econmicas queretardam a criao de empregos e renda. A viso neo-institucionalista, ao con-trrio, v tais padres como instrumentos que podem influenciar o processosocial de desenvolvimento, de forma positiva ou negativa, dependendo de comoos formadores de polticas pblicas os aplicam (Herzenberg e Perez-Lopezapud Amsden, 1994).

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    Dessa forma, a adoo de direitos fundamentais como prioridade naimplementao de polticas pblicas no campo do trabalho deve sopesar asnecessidades das empresas de ter suficiente flexibilidade para competir nosmercados globais e a necessidade do trabalhador de ter certa proteo social.

    Assim, h necessidade de atender s exigncias internacionais e, ao mesmotempo, elaborar legislao ou outro mecanismo de controle nacional para que,efetivamente, direitos fundamentais no trabalho sejam cumpridos. H, pois,necessidade de um procedimento democrtico e institucionalizado, em cadapas, para determinar os resultados econmicos, por meio do comrcio in-ternacional contra o corrosivo impacto nos direitos fundamentais do traba-lho.29 Esse procedimento somente ser efetivo e eficaz por intermdio daintroduo de sanes comerciais aos pases que no cumpram ou no exi-

    jam o cumprimento, por parte de empresas localizadas no seu territrio, dedireitos fundamentais no trabalho, cuja premissa a adoo de clusulassociais no mbito dos acordos comerciais internacionais.30 Dessa forma,estar-se- integrando polticas pblicas nacionais s necessidades de ajuste poltica econmica internacional.31

    29. Segundo Rodrik (1999), [...]it is going to be national governments who are left with the enforcement. Governments are more andmore feeling the pressure to compete.

    30. Esta tambm a opinio de Ronnie Lipschutz, assim manifestada: [...] we might expect that activist campaigns may, first, lead to theincorporation of labor standards in international agreements and discourse and, subsequently, become a growing focus of interest groupactivities and public attention within countries themselves. Under Those circumstances, sovereignty will not be challenged; rather,standards will be expected to observe and enforce such regulations as a matter of course (Montgomery e Glazer, 2002).

    31. Normalmente, pol ticas nacionais de trabalho so desenhadas mais como instrumentos de poltica social do que como instrumentos paraassegurar eficincia na alocao e mobilidade da mo-de-obra e prover as necessidades de investimento em capital humano, segundoatesta Guash (1999). O que se pretende, aqui, reformular essa viso, buscando-se eficincia e, ao mesmo tempo, progresso social.Por isso que a implementao de direitos fundamentais no trabalho deve estar combinada a um ajuste de poltica educacional, inclusive.

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