as polÍticas do governo fhc (1995-2002) para a educaÇÃo

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AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO Zita Ana Lago Rodrigues RESUMO Trata das propostas e políticas de governo de FHC para Brasil, detectando fontes de orientação e características teórico-práticas para a educação desde o primeiro período de governo, para os três níveis de ensino, contidas no documento “Mãos à obra Brasil: propostas de governo (1994)”. Aparecem algumas dicotômicas e controvérsias, especialmente no tocante a questão da avaliação, da oferta de cursos e da expansão do ensino superior privado. Desvelam os pressupostos neoliberais presentes nas referidas propostas e políticas de ação, em acordo com os ditames dos organismos financeiros internacionais e as reestruturações do capitalismo internacional. PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Governo FHC. Neoliberalismo e educação.

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Page 1: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

Zita Ana Lago Rodrigues

RESUMO

Trata das propostas e políticas de governo de FHC para Brasil, detectando

fontes de orientação e características teórico-práticas para a educação desde o

primeiro período de governo, para os três níveis de ensino, contidas no documento

“Mãos à obra Brasil: propostas de governo (1994)”. Aparecem algumas

dicotômicas e controvérsias, especialmente no tocante a questão da avaliação, da

oferta de cursos e da expansão do ensino superior privado. Desvelam os

pressupostos neoliberais presentes nas referidas propostas e políticas de ação, em

acordo com os ditames dos organismos financeiros internacionais e as

reestruturações do capitalismo internacional.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas educacionais. Governo FHC. Neoliberalismo e

educação.

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ABSTRACT This article discusses about the proposals and politics of Fernando Henrique

Cardoso’s government to Brazil, detecting orientation sources and theoretical-

practical characteristics for the education since the first period of his government,

for the three levels of teaching contained in the document “Set to Work Brazil:

proposals of the government (1994)”. In it appeared some dichotomies and

controversies, especially about the question of evaluation, the offer of courses and

the expansion of higher education. It watches the neoliberals presupposition

presented in the said proposals and politics of action, in agreement with the

direction of international financial organizations and the restructure of the

international capitalism.

KEYWORDS: Politics of education – FHC’s government – Neo-liberalism and education.

1 AS PROPOSTAS DO PROGRAMA PARA O 1º GOVERNO: MÃOS À

OBRA BRASIL (1994-1998)

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No Programa de Governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) apresentado

à sociedade brasileira em 1994, denominado “Mãos à Obra Brasil: propostas de

governo”, com cerca de 300 p. proposto por 5 capítulos e 2 anexos são tratados

temas como:

Cap. I – Um novo projeto de desenvolvimento

Cap. II – A construção de um novo país

Cap. III – As cinco metas prioritárias e setores complementares: Agricultura,

Educação, Emprego, Saúde e Segurança (habitação, saneamento e turismo)

Cap. IV – A reforma do Estado

Cap. V – A parceria Estado-Sociedade.

A referida proposta de governo orienta-se por dois pontos determinantes:

- o processo de descentralização, com a redefinição de atribuições às 3 esferas do

Poder Público (Federal, Estadual, Municipal);

- novas formas de articulação com o setor privado e a sociedade civil, propondo o

estabelecimento de parcerias com o setor produtivo nacional.

No tocante à educação, a reflexão sobre o tema é abordada na parte

introdutória, contendo e considerações sobre o ensino básico, o segundo grau e o

ensino superior (p.107 - 116), apresentando algumas medidas urgentes de serem

efetivas para a educação nacional. Não há dúvidas que a grande ênfase se coloca na

educação básica, com a maior parcela de sugestões, embora a questão do ensino

superior seja bastante enfatizada, o que corrobora o proposto pelo Programa

Mundial Educação para todos, elaborado em Jontiem/Tailândia, em 1990, do qual o

Brasil, juntamente com outros 154 países, é signatário.

No referido documento é possível detectar 6 fontes principais de orientação,

no que diz respeito à educação, sendo elas:

1- a idéia, compartilhada por economistas de diversas correntes teóricas, da

urgente necessidade de melhorar e mudar a qualidade da escola brasileira,

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visando formar trabalhadores capazes de se adaptarem às inovações

tecnológicas e às ágeis mudanças que estão ocorrendo no mundo, pois entende

que “a competência em C&T1 é fundamental para garantir a qualidade do ensino

básico, secundário e técnico e aumentar a qualificação geral da população”

(p.76);

2- pesquisar as causas da evasão e repetência que estão ocorrendo em altíssimo

índice no ensino de 1º grau2, destacando o seu padrão caótico e ineficiente, com

taxas de repetência em torno de 50% na 1º série;

3- constituição e nomeação de um grupo de técnicos ligados ao Banco Mundial

(BM-Washington) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT-Genebra),

para coordenar o processo de rediscussão das diretrizes educacionais no país;

4- cumprir as recomendações do Banco Mundial (BM) para o ensino de 2º grau no

Brasil, tornando-o técnico, pesquisando as causas da alta seletividade do ensino

brasileiro, com desproporções antidemocráticas: 86% estão no ensino básico,

9,5% no ensino médio e apenas 4,5% no ensino superior;

5- seguir o modelo das Universidades Estaduais Paulistas para as Instituições

Federais de Ensino Superior, (IFES) aproveitando seu know-out de

produtividade, com ênfase na qualidade, na avaliação dos resultados e em

relação à sua vinculação com o estado, gerando mecanismos que estimulem e

facilitem o desenvolvimento de projetos de cooperação científica e tecnológica

entre universidades, institutos governamentais de pesquisa e o setor privado;

6- atender às recomendações do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) à respeito

da ênfase na pesquisa tecnológica e quanto a sua articulação com o setor

produtivo empresarial privado, propondo parcerias entre universidade e

indústria, tanto nas questões da gestão quanto no financiamento do sistema

1 C&T – Sigla referente à Ciência e Tecnologia 2 A terminologia adotada é ainda 1º, 2º e 3º graus, pois a LDB vigente no período é a de nº 5692/71, que assim os define. Após a LDB 9395/96, passa-se a denominá-los Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Superior.

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brasileiro de desenvolvimento da C&T, gerando uma estrutura adequada ao seu

desenvolvimento e incrementação.

A proposta educacional do então candidato FHC, para o período 1994/1998,

foi elaborada por técnicos e profissionais do planejamento governamental e vincula

as áreas afins às 5 prioridades do Programa de Governo: agricultura, educação,

emprego, saúde e segurança (complementadas por habitação, saneamento e

turismo).

No documento referido (p. 111), entende-se que:

A prioridade fundamental da política educacional no governo FHC consistirá

em incentivar a universalização do acesso ao primeiro grau e melhorar a

qualidade do atendimento escolar, de forma a garantir que as crianças tenham

efetivamente a oportunidade de pelo menos complementar as oito séries do

ensino obrigatório (1º grau) (p. 111).

Como uma das metas prioritárias da proposta de governo, a característica

mais marcante no tocante à educação, é o destaque para o seu “papel econômico”,

enquanto “base de um novo estilo de desenvolvimento” (p. 103). Essa base terá

dinamismos e sustentação provenientes de fora dela mesma, ou seja, vincula-se ao

desenvolvimento da área científica e tecnológica, cujo processo dependerá do tipo

do sistema educacional de nível superior (universitário), entendendo que sua

competência em C&T é fundamental para garantir a melhoria da qualidade do

ensino básico, secundário e técnico, aumentando com sua oferta e acesso a

qualificação da população, como exigência prioritária ao desenvolvimento nacional

e ao enfrentamento dos desafios do mundo globalizado. Trata da questão do ensino

profissionalizante, vinculando-o à problemática do emprego, sem que o capítulo

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sobre educação dê conta do tema de forma articulada e consistente, com ações e

proposições claras quanto as formas de desempenho e as fontes de manutenção.

Tais metas de governo deveriam ser atingidas através de parcerias entre setor

privado e governo, entre Universidades e empresas, tanto no tocante a formação de

gestores da educação, quanto no que concerne aos financiamentos para o sistema

educacional e acadêmico brasileiro. Este nível de financiamentos e parcerias com o

setor produtivo vem sendo perseguido há anos pelo CNPq. No tocante a

organização da educação a proposta de governo não traz uma visão dela enquanto

sistema, pois o termo só aparece ocasionalmente no documento.

Apresenta-se na proposta uma visão dual da economia brasileira, apontando

a existência de um Brasil moderno, que se ressente de mão de obra qualificada e de

um Brasil arcaico, com atraso tecnológico, milhões de subempregados ou

desempregados, cuja falta de qualificação dificulta sua incorporação no sistema

produtivo e no setor competitivo mundial, traçando duas estratégias prioritárias

para que o setor educacional possa sanar tais déficits:

a) a ênfase na transformação do atual quadro da educação básica, no ensino técnico

e profissionalizante;

b) a reorientação das políticas de capacitação de mão-de-obra, voltadas para o

treinamento e a organização dos trabalhadores de baixa renda, bem como para

desenvolver a iniciativa e a capacidade gerencial de pequenos e médios

empresários, incentivando sua autonomia e a busca das terceirizações de

serviços públicos e privados nos seus mais diversos setores.

A educação é vista como um elemento adicional para o desenvolvimento

econômico, como requisito para o exercício da cidadania e para a inserção dos

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sujeitos nos mercados de trabalho, plenamente em acordo com os ditames dos

organismos internacionais de fomento (entenda-se os financiadores das reformas

educativas internacionais na década de 80/90). Assim, a leitura que se apresenta do

que se fez até então no país, se dá pelo lado de seu fracasso, pois parece que nada

do que foi realizado pelos governos anteriores resultou em melhorias significativas,

desenvolvimento e progresso, à altura das necessidades nacionais, alegando que as

discussões feitas ao longo de décadas não trouxeram ações efetivas para resolver os

problemas apontados em níveis macro, meso e micro estruturais no País, de modo

especial com relação às questões educacionais, acentuando os índices deficitários

de resultados.

Os quatro itens que se salientam na proposta para a educação se dividem numa

espécie de diagnóstico sobre cada nível de ensino e, no último item, listam-se

medidas a serem adotadas em acordo com a necessidade das reformas institucionais

propostas como urgentes e emergenciais. Enfoca o ensino básico, o ensino de 2º

grau e o ensino superior, abordando a educação complementar e tratando da

reforma institucional com base em três dimensões:

- distribuição de competências

- distribuição de recursos

- estabelecimento de novos padrões de gestão para as instituições educativas de

modo especial aquelas do setor público.

Com relação ao ensino básico afirma-se no documento que não faltam nem

escolas e nem recursos para o 1º grau e que sua universalização está muito perto de

ser conseguida; o problema são os desperdícios de recursos e a má gestão da

educação e das escolas públicas que é de precária qualidade e leva à dispersão de

objetivos e esforços. Afirma-se que 44% de cada geração que termina o 1º grau

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leva em média 11,4 anos para cumprir os 8 anos de escolaridade obrigatória, na

contramão da história de países desenvolvidos, nos quais essa média é muito

inferior, o que agrava a situação nacional e deixa o país em sérias desvantagens se

comparado à outras realidades. Propõe ser necessário tratar das questões relativas

ao acesso, às mudanças na área curricular, a reestruturação nos sistemas de

avaliação, investimento e avanços nos programas de formação de professores e

melhoria nos processos de distribuição de material, equipamentos e merenda

escolar. Para que isto seja feito é preciso repensar o que está sendo feito e buscar

fazer melhor (p.108), com mais qualidade e eficiência.

Afirma-se que a responsabilidade direta pelo 1º grau não é da União, mas

sim dos Estados e Municípios, de acordo com a Constituição Federal de 1988,

sendo necessário “moralizar” o sistema de distribuição de competências

administrativas, evitando-se a dispersão e a duplicidade, a má da gestão e o mau

uso dos recursos. É necessário exigir dos Estados e Municípios planos educacionais

consistentes visando a melhoria qualitativa do sistema escolar, através da formação

e atualização de professores, de políticas salariais e de captação e destinação de

recursos humanos e financeiros adequados e condizentes com os desafios que se

colocam na sociedade globalizada. Ressalta ser necessário incentivar a participação

da comunidade civil e empresarial, envolvendo-a em políticas de atendimento às

minorias desprivilegiadas, através de parcerias e divisão de responsabilidades.

Assim seriam definidas as competências e as atribuições das responsabilidades

entre as diferentes esferas de governo, sempre associadas a padrões de

desempenho, de resultados de avaliações e prestação de contas sobre a qualidade

dos serviços oferecidos no campo educacional. Prevê-se a chamada “autonomia da

escola”, numa relação direta entre o governo federal e os municípios, driblando o

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poder dos Estados, em relação ao repasse de recursos e a gestão do processo

educacional.

Apoiando-se numa experiência do Estado de Minas Gerais, anuncia a

implantação de um Sistema Nacional de Avaliação de Desempenho das Escolas e

dos Sistemas Educacionais para acompanhar a consecução das metas de melhoria

efetiva da qualidade de ensino, mediante a “testagem” dos alunos. Os resultados

diretos deste procedimento levarão, nos moldes da Inglaterra de Tachter e do Chile

de Pinochet, à manutenção centralizada do controle de qualidade do ensino, à

determinação de um currículo nacional e à um sistema nacional de aferição de

aprendizagem, fatos estes que como se sabe, concretizarem-se efetivamente já na

primeira fase de governo. Como contrapartida à tais ações, surgiria a autonomia das

escolas, mesmo as públicas, estimulando-se sua co-gestão pela comunidade e as

possibilidades de escolha da escola pelos “consumidores dos serviços”, tendo-se

em vista a melhoria da qualidade do “produto ofertado”. Trata-se da introdução no

sistema educacional do princípio de mercado, com a prevalência da soberania do

consumidor, gerando assim a competição pela opção/ingresso na escola via

qualidade dos serviços ofertados e a afluência de maiores recursos àqueles que

melhor se desempenharem.

Apesar disto, não se aborda a questão de fontes de recursos, ou melhor, das

formas de obtenção e de destinação de recursos governamentais entre as escolas

públicas e privadas, ou mesmo a questão da diminuição de verbas para as

Universidades e o aumento dos dispêndios com o ensino básico. Não se abordam

claramente as formas de “financiamento compartilhado”, eufemismo que esconde

possibilidade de pagamento do ensino básico público, nos moldes das medidas

praticadas no Chile e sugeridas pelos assessores do Banco Mundial. Os rumos

propostos de modo claro nas propostas do então candidato FHC, direcionam para as

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modalidades presentes nas orientações externas dos organismos financeiros

internacionais, já efetivados em alguns países latino-americanos, como o Chile.

Com relação a questão do ensino de 2º grau ligam-se os fatos e percentuais

críticos ao baixo desempenho dos jovens matriculados nesse nível de ensino,

comparando-os aos dos jovens de países como o México, Taiwan e Japão. Afirma-

se que a questão não é falta de vagas, mas sim a falta de uma política bem

estruturada de demanda/oferta, com reestruturação dos encaminhamentos e

proposições, para este nível de escolaridade.

Considera-se no documento analisado que o 2º grau é um nível estratégico do

sistema educacional por possibilitar a preparação dos jovens para o mercado de

trabalho, propondo aumentar sua qualificação para que se diversifiquem suas

oportunidades de trabalho, via uma melhor qualidade de ensino e profissionalização

técnica. O espaço destinado às proposições para o ensino de 2º grau é exíguo e não

é conclusivo, mesclando-se não raro a questões referentes ao ensino básico.

Lamenta-se que o 2º grau não tenha uma fonte exclusiva de recursos e receita e diz-

se numa alusão dissimulada às diretrizes do Banco Mundial, que “cabe fazer um

remanejamento das verbas do MEC para o ensino de 2º grau, relocando ou criando

fontes alternativas de recursos”.

Faz-se clara alusão contrária à ampliação da rede de escolas técnicas

federais, considerando que estas somente são acessíveis à uma parcela ínfima da

população e implicam em grandes custos de manutenção. Refere-se a medidas de

melhoria da oferta de oportunidades de formação profissional e técnica, mas parece

vinculá-las ao processo de valorização das escolas técnicas federais, numa posição

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contrária ao processo de “cefetização”3 do 3º grau, tendência forte no contexto dos

2º graus federais à época. De modo subjacente, trata da necessidade de implementar

formas de avaliação dos secundaristas de modo seqüenciado, já visando seu

ingresso no ensino superior, numa espécie de internalização do vestibular, nos

moldes das escolas de 2º grau do Rio de Janeiro e Brasília, nas quais os resultados

obtidos pelo aluno no 2º grau são decisivos e computados nas formas de acesso à

Universidade. Nesse sentido surge posteriormente o Exame Nacional de Cursos do

Ensino Médio (ENEM).

Quanto ao ensino superior refere-se a maciça superioridade do setor privado

nesse setor e à necessária revisão do ensino superior federal e público, sendo

inaceitável que tal segmento consuma 70% a 80% de todas as verbas do Ministério

de Educação (MEC), para atender apenas 22% do alunado de 3º grau existente à

época no país. Considera urgente rever a destinação de recursos e relocando-os aos

cursos e às Universidades e Instituições de Ensino Superior (IES) que apresentem

melhor qualidade e produtividade, sejam elas federais, estaduais ou privadas, cujo

ranking de qualidade será mensurado através de processos avaliatórios (de ensino e

de condições institucionais de oferta) a serem implantados no governo em questão.

Na proposta de governo afirma-se que as políticas para o ensino superior

deverão promover “uma evolução administrativa”. considerando que “O Brasil não

é mais um pais subdesenvolvido. É um país injusto” (p.9) e que é preciso dar “o

salto para o desenvolvimento com justiça social”, com mais racionalidade na

destinação de recursos e melhor aproveitamento de capacidade ociosa da

universidade pública, melhorando o aproveitamento de vagas e matrículas sem

2 Cefetização: eufemismo usado para caracterizar a mudança pretendida por muitas Escolas Técnicas Federais e Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET, que responde por parcela significativa do ensino público de 2º grau, e que passaram a incorporar cursos de 3º grau em diversas regiões do país.

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custos adicionais, estimulando o aumento de vagas no setor de ensino superior

privado” (p. 15). A autonomia das Universidades públicas estaria vinculada à

qualidade dos serviços prestados, aos níveis qualitativos de organização e gestão,

sendo considerados determinantes o efetivo de estudantes formados, as pesquisas

realizadas e o nível de produção de conhecimento, em especial nas áreas

tecnológicas. A adaptação às novas exigências será progressiva. A expansão e a

destinação de recursos para o ensino superior público vincular-se-ia às cooperações

entre Estados, Municípios e comunidades locais, em parcerias com empresas e o

setor produtivo nacional, com vistas a produzir ciência e tecnologia de ponta,

gerando autonomia e auto-sustentação desses programas acadêmicos de pesquisa.

A grande novidade é a política para as Instituições de Ensino Superior

Privadas (IESP) que consiste em completa reformulação no sistema de autorização

para a criação (acreditação, autorização, credenciamento e recredenciamento)

estabelecimentos e cursos superiores com proposta de expansão e contenção severa

aos que não apresentarem níveis de qualidade almejados; fixação de critérios

transparentes e objetivos para a distribuição de auxílio federal às instituições

comunitárias, em especial às de cunho confessional; reformulações no crédito

educativo, mediante a implantação de um sistema de avaliação da qualidade de

ensino, analisando a relação custo-beneficio e estabelecendo-se novos critérios para

o ressarcimento dos empréstimos educacionais com mais eqüidade. (p.115)

A democratização pretendida no ensino superior estará vinculada ao controle

e avaliação da qualidade e à relação custo-benefício, referindo-se às Universidades

como “produtoras de tecnologia e espaços de formação de profissionais da mais

alta qualificação cuja finalidade seja a de modernizar a produção e aumentar o

desenvolvimento da Nação”. Tal formação de recursos humanos de elevada

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capacidade exigiria também uma reestruturação dos cursos de pós-graduação, lato e

stricto sensu, na linha defendida pela Comissão de Aperfeiçoamento dos

Profissionais do Ensino Superior (CAPES), no início dos anos 90: tornar os cursos

de Mestrado mais eficientes e voltá-los para o mercado de trabalho; reduzir a

duração e melhorar a capacidade de oferta dos cursos de Doutorado, estimulando a

criação de cursos intensivos, de especialização e extensão. Compromete-se a apoiar

a pesquisa e o desenvolvimento científico das Universidades e Institutos de

Pesquisa, estimulando seu potencial de contribuição para o conhecimento da

realidade brasileira e o avanço do país nas áreas tecnológico-científicas.

As medidas para o reforço do ensino aparecem no último item da proposta de

governo, afirmando-se o estímulo para o envolvimento dos Centros de Pesquisas

em programas para o ensino técnico e de 2º grau em geral, na preparação de livros

didáticos, programas de treinamento, material experimental e envolvimento direto

com o sistema de graduação, visando a seqüencialização qualitativa do processo

educacional.

Refere-se o documento a implantação de um sistema de avaliação das

universidades brasileiras, públicas e privadas, visando estimular a melhoria da

capacidade universitária, da qualidade do ensino e da produção acadêmica coletiva

e individual dos professores. Tal sistema avaliatório, institucional, de ensino e de

condições de oferta, seria opcional para as instituições particulares (participariam

aquelas que pretendessem capacitar-se e receber recursos do MEC e crédito

educativo) e obrigatório para as instituições federais de ensino superior.

No que concerne à educação complementar, as propostas de governo tratam

de questões da alfabetização de jovens e adultos (EJA) visando a compensação das

lacunas no domínio técnico da leitura, escrita e cálculos e da busca de

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complementação da educação em nível elementar – 1º grau e 2º grau – existentes,

com formação e atualização, em consonância com as exigências dos mercados,

através da educação profissional (a qual aparece posteriormente na LDB 9394/96).

Para tanto estabelece-se a necessidade de parcerias e de valorização das redes dos

sistemas S, como SENAC, SESC, SESI e SENAI, com vistas a aproveitar sua

capacidade de implementação da formação profissional, voltando-se de modo

especial para as áreas técnicas. Enfatiza-se o aumento da oferta do ensino à

distância, como forma de complementar a educação formal e contemplar demandas

emergenciais do país, em especial no campo de formação de professores para o 1º e

2º graus.

A avaliação institucional (AI) das IES/Universidades se caracteriza como

uma importante proposta de mudança no processo administrativo da educação sob

três aspectos: - redistribuição de competências-distribuição mais equânime de

recursos e estabelecimento de novos padrões de gestão para a instituição

educacional.

Toda a proposta de FHC para a educação parece ter sido elaborada numa

consistente formulação neoliberal (VIEIRA, 2000) respaldando-se em experiências

de outros países da Europa e América Latina e em consonância com as proposições

das agências internacionais de fomento, como o Banco Mundial, o BID, o FMI, em

especial no tocante ao financiamento para manutenção do ensino básico e técnico.

Com relação à Universidade, diverge em parte de tais formulações enquanto

considera e propõe a disponibilidade do ensino superior e da pesquisa científica e

tecnológica na Universidade como fator imprescindível para o avanço dos países

em desenvolvimento, afirmando que é a partir das Universidades que tal força será

fundamental na direção do aprimoramento da pesquisa e dos avanços tecnológicos

para o país, colaborando para retirá-lo do atraso e do arcaísmo em que se encontra.

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A proposta de governo apresenta medidas de certa forma dicotômicas e

controvertidas, com “muitas promessas e alguns silêncios” (VIEIRA, 2000, p.184),

especialmente no que toca à avaliação do ensino de 3º grau, gerando,

posteriormente, resistências em duas frentes: uma dos professores universitários e

outra das áreas privatistas do processo educacional. Tais setores mobilizaram-se

posteriormente, com relação à questão dos índices de produtividade no sistema

educacional privado, mensurado por número médio de estudantes por professor.

No tocante à proposta para que as Universidades busquem recursos junto a

parceiros públicos ou privados do setor empresarial produtivo visando

complementar seus orçamentos, reduzidos pelo enxugamento de verbas para o setor

há algumas décadas, entende que uma grande parte das Universidades brasileiras

públicas não terá condições para obter recursos e financiamentos para suas

atividades, de modo especial o ensino e a pesquisa, nem por parte da comunidade

empresarial e nem por parte das agências internacionais de fomento, em função da

inexistência da autonomia, universitária tendendo com isto a regredir para funções

de meros procedimentos de ensino, sem incrementar a pesquisa visando estimular e

proceder aos avanços tecnológicos que o país requer com urgência, o que o impede

de competir com as nações de primeiro mundo.

Sendo assim, o documento é explicito em alguns sentidos e silencia sobre

questões específicas (educação infantil, educação especial etc.), porém registra a

intenção de, após eleito, formular planejamento estratégico, com definição clara e

objetivos bem definidos, visando eqüalizar a integração entre as 5 prioridades

governamentais e direcionar ações para sua implementação. Surge, após a eleição

de FHC, o chamado “Planejamento Político-estratégico-1995/1998”, documento

que em suas 36 páginas relativas às ações propostas para o MEC no quadriênio,

divididas em uma apresentação dos princípios de Planejamento e o Plano de Ações,

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revela sintonia com as prioridades expressas no documento da proposta de governo

“Mãos à Obra Brasil-1994/1998” e acentuando a necessidade das “reformas

institucionais”, como base para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade da

educação nacional. Destaca 2 intenções bem definidas:

- aprovar uma nova Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional

(LDBEN);

- instituir um novo Conselho Nacional de Educação (CNE) mais ágil e menos

burocrático.

Nas políticas e propostas do governo FHC alguns programas foram

estabelecidos para contemplar a Educação Básica (compreendendo a Educação

Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio), a Educação Indígena, a

Educação Especial, a Educação Profissional, e a Educação Superior, as quais foram

posteriormente contempladas pela LDB 9394/96 e delineadas no PNE/2001

documento editado nos quais apresentam-se algumas linhas de ação visando

atender às necessidades e demandas dos programas educacionais nos próximos 10

anos, em consonância com o previsto no Documento do então candidato FHC –

“Mãos à Obra Brasil – 1994/1998”.

2 AS PROPOSIÇÕES EM AÇÃO E A EXECUÇÃO DAS PROPOSTAS -

O CAMINHO PARA A REELEIÇÃO

Entendendo conforme Marques (1991) que os desafios mundiais só poderão

ser superados com a adoção de decisivas medidas com vistas a ampliação da

educação básica, (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e da

implementação de alternativas inovadoras de ensino, com políticas públicas

eficazes e recursos adequados e suficientes, o delineamento de propostas para a

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educação no Brasil pelo então candidato ao governo federal, Fernando Henrique

Cardoso (1994-1998), configura suas proposições para o campo educacional numa

efetiva linha de mudanças e propondo a superação de estruturas institucionais

convencional e historicamente determinadas e determinantes no processo

educacional, falando da necessidade de “enfrentamento dos desafios da sociedade

globalizada e tecnologia”, a qual requer inovações e mudanças, dizendo situar-se

no caminho futuro.

Justificam-se tais proposições considerando-se que, às vésperas do séc. XXI,

o mundo a enfrenta desafios e oportunidades singulares e plurais e que o país não

pode furtar-se à tais enfrentamentos, sendo que o desenvolvimento social,

econômico, científico e cultural da nação deverá passar obrigatoriamente pela

educação entendendo como determinante a reestruturação da chamada “Educação

Básica”, nos moldes das diretrizes de Jontien (1990), com um novo conceito de

Educação Básica, a qual, segundo Marques (1991, p. 24-25) “[...] se constitui em

condição para o atendimento às outras necessidades básicas: nutrição, habitação e

vestuário, acesso a serviços de saúde, à participação na vida cultural, social e

econômica”, superando aquelas linhas tradicionais da escolarização como base para

“ler, escrever e contar”.

Tal conceito contido na proposta de FHC vem ao encontro da proposições da

Carta de Jomtien (1990) na qual surgem alguns determinantes e estratégias para o

enfrentamento dos desafios postos à partir da década de 90, para a população

mundial, necessitando-se que os países em desenvolvimento se voltem para:

- um novo enfoque para a educação básica,

- um mais amplo alcance para sua efetivação (universalização),

- a mobilização inusitada de novos atores e recursos humanos e financeiros,

- o estabelecimento de novas parcerias e alianças, entre atores locais e globais,

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- uma melhor contextualização dos meios e condições em que se dá a

aprendizagem,

- o entendimento do papel sócio-econômico da educação, no atual estágio de

desenvolvimento mundial/nacional.

Para que sejam contempladas as exigências dos tempos de ajustes, reajustes e

transição que se avizinham, entende-se que a educação básica melhorada e

ampliada é elemento necessário, porém não suficiente para abarcar as imbricações

de um sociedade cambiante. Senso assim, entende-se como urgente que se

combinem recursos nunca tão abundantes em escala mundial e global, com

vontade e ação política transformadora, visando o atendimento dos desafios,

criando e ampliando-se formas de desenvolvimento nacional, em nível macro,

meso e micro estrutural, para que se promova um desenvolvimento sustentável que

concilie a cultura nacional e as tecnologias de informação e comunicação (TIC)

com um projeto educacional inovador e ágil voltado ao crescimento econômico e

social do país e de sua gente.

De acordo com Vieira (2000) os tempos de transição que caracterizam a

política educacional do período pós ditadura, no Brasil, ou seja, 1985 a 1995,

revelaram idéias e propostas emergentes que se relacionaram à presença de atores

diversos e desempenho diferenciado de papéis no cenário de sua proposição e

elaboração.

Isto revela um quadro de diferentes atores efetivando a elaboração e a

implementação das políticas educacionais no país, até a posse de FHC, em 01 de

janeiro de 1995, passando pela presença de 3 (três) Presidentes da República com a

colaboração de 8 (oito) Ministros da Educação (vide quadro 1), os quais, apesar de

Page 19: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

discursos consonantes sobre a realidade nacional, apresentam propostas de

mudança que na prática, permaneceram distanciadas de uma efetiva execução.

QUADRO 1 – Brasil – Presidentes da República e Ministros da Educação

1985-1995.

PERÍODO PRESIDENTE MINISTRO

15/03/85 à

14/03/90

José Sarney Marco Maciel (15/03/85 à

14/12/86)

Jorge Bornhausen (14/02/86 à

05/10/87)

Hugo Napoleão (03/11/87 à

16/01/89)

Carlos Sant’Anna (16/01/89 à

14/03/90)

15/03/90 à

29/12/92

Fernando Collor Carlos Chiarelli (15/03/90 à

21/08/91)

José Goldenberg (22/08/91 à

04/08/92)

30/12/92 à

31/12/94

Itamar Franco Murílio Hingel (05/10/92 à

31/12/95)

01/01/95 –

31/12/02

Fernando Henrique

Cardoso

Paulo Renato Souza (01/01/95-

31/12/02)

Fonte: Vieira (2000)

Page 20: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

Transcreve-se a seguir, com base em Vieira (2000, p.220-221), significativo

quadro-resumo das prioridades desses atores e co-adjuvantes no cenário do

delineamento das políticas educacionais do período pós-ditadura militar no Brasil, a

partir de 3 categorias de análise utilizadas em seu estudo: 1) público/privado; 2)

centralização/descentralização; 3) qualidade/quantidade.

QUADRO 2 – Resumo Geral de Prioridades

CATEGORIA

Governo Público/Priva

do

Centralização/Descentraliz

ação

Qualidade/Quantid

ade

Sarney Anúncio de

reforma do

Estado – Setor

público e

privatização.

Constituição

de 1988 – foco

de conflito.

Recursos

públicos à

escola pública

com aberturas

ao setor

privado.

Crítica à centralização Universalização da

educação básica.

Page 21: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

Collor Reforma do

Estado

Programa

Nacional de

Desestatização

. Revisão da

gratuidade

indiscriminada

do ensino

superior

Crítica à centralização PNAC – erradicação

do analfabetismo e

universalização do

ensino Fundamental.

CIACs. Padrões

mínimos de

oportunidades.

Eqüidade. Eficiência.

Competitividade.

Itamar Reforma do

Estado.

Privatização.

Parcerias

Crítica à centralização.

Conclusão descentralizada

do Plano Decenal.

Descentralização da

merenda

Universalizar, com

eqüidade a qualidade

de ensino. Atenção

integral – CAICs.

Padrões mínimos de

qualidade. Projeto

Pedagógico. Piso

salarial profissional

nacional do

magistério.

Page 22: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

FHC Reforma do

Estado –

administrativa,

fiscal,

previdência

social e

privatização.

Parceria

Estado-

Sociedade.

Setor privado

– parceria em

C&T,

mobilização e

ensino médio

Processo de reformas

institucionais Escola – foco

de atuação prioritária.

Financiamento – eqüidade e

eficiência. Repasses diretos

à escola. Descentralização

da merenda e do livro

didático. União –

formulação e avaliação de

políticas educacionais.

Incentivar a

universalização do

acesso ao primeiro

grau e melhorar a

qualidade do

atendimento escolar.

Parâmetros

Curriculares. SAEB.

Plano de Valorização

do Magistério.

Fonte: Vieira (2000)

De modo surpreendente, pode-se perceber que, de uma ou outra forma,

todos os governos pós-64, entre eles FHC, partem de diagnósticos semelhantes

sobre os problemas educacionais do país. O que se modifica, em partes, são as

receitas para seu enfrentamento, algumas de cunho mais aprofundado, outras mais

superficiais, porém, todas a seu modo propondo mudanças estruturais,

acentuadamente as políticas traçadas por FHC, o qual parte da necessidade

premente de implementação de reformas estruturais do Estado, sob o prisma

administrativo, fiscal, previdenciário, econômico (privatista), nas formas de gestão

Page 23: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

e na questão das propostas de modelagem para a educação, a qual necessita “

atender aos ditames internacionais de cunho teórico e economista”.

De acordo com Arelaro (apud KRAWCZYK, CAMPOS e HADDAD, 2000,

p. 99):

A eleição do novo governo, para o período 1995/1998, traz modificações significativas na

concepção de democracia e do papel da sociedade brasileira no mundo globalizado. Ainda

que o presidente eleito – Fernando Henrique Cardoso – tenha tido intensa participação no

governo anterior, inclusive como ministro e “garoto-propaganda” da nova moeda lançada

em 1994, o Real, seu projeto político de governo vai-se delineando cada vez mais dentro

dos cânones da escola reformista – liberal (neoliberal).

É possível perceber-se neste período, de governo que os contornos

internacionais redesenhando novas distribuições no mundo do trabalho, e subjazem

à revolução cientifico-tecnológico e globalização/mundialização da economia no

séc. XX, se esboçam nos primeiros governos pós-revolução e se acentuam de forma

mais intermitente nos governos FHC, em seu primeiro período (94/98)

consolidando-se no 2º período de governo (99/2002). Paulatinamente, foram se

estruturando as reformas propostas, apesar de resistências da sociedade civil e de

parte do Congresso Nacional, através das quais foram sendo implementadas as

políticas de cunho neoliberal, cujo pano de fundo liga-se a integração do país, de

forma associada e dependente, ao novo modelo de globalização produtiva

internacional e à dependência ao capital externo, inclusive como forma de

financiamento as reformas de base, com a desregulamentação econômica e a

intensa privatização de diversos serviços públicos.

Alguns novos temas vão se delineando numa espécie de “ressemantização de

termos”, ou seja, formas novas para tratar velhos problemas, uma vez que o

Page 24: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

diagnóstico feito por todos os governos pós-ditadura se assemelham no tocante aos

problemas educacionais do país. Tais temas novos afirmam alguns modismos e

slogans que se corporificam a partir de então na escola, passando a fazer parte de

seu cotidiano, sem, no entanto “resolver as grandes crises da educação brasileira”.

Fala-se então de qualidade, eficácia e eficiência, eqüidade e cidadania,

transversalidades, parâmetros curriculares nacionais, parcerias, financiamento

direto aos municípios, Plano Nacional de Educação, Plano Estadual de Educação e

Plano Municipal de Educação, sem, no entanto, caracterizar ações concretas e

recursos para sua efetiva execução e implementação.

No sentido de melhor compreender tais propostas e programas de FHC para a

educação diz Arelaro (Apud KRAWCZYK, CAMPOS E HADDAD, 2000, p. 100),

que a partir do primeiro ano de governo, do primeiro mandato (95/98), explicitam-

se propostas e formulações claramente defendidas em discursos neoliberais e

globalizantes, tais como:

- redução do aparato do Estado;

- redução do financiamento aos programas das áreas sociais;

- privatização indiscriminada das empresas estatais, mesmo que rentáveis;

- clara preferência pela entrada de capital estrangeiro (capitais voláteis)

- financiamento público – via BNDES – para a compra de estatais por empresas

multinacionais estrangeiras, em detrimento de empresas nacionais;

- criação de sistema de proteção privilegiada para os bancos (PROER);

- redução dos direitos sociais dos trabalhadores assalariados;

- reformas de base (reforma da administração pública), para acentuar a

racionalidade, a eficácia e a eficiência dos setores públicos;

- avaliações constantes dos padrões de sucesso da escola/do aluno/da gestão,

através de programas nacionais de avaliação (ENC, ENEM, SAEB) e das

Page 25: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

IES/Universidades (Avaliação Institucional, Avaliação das condições de oferta),

da pós-graduação (avaliações sistemáticas da CAPES e do CNPq);

- estímulo indiscriminado à expansão da educação superior, em especial, aquelas

IES/Universidades de cunho privado;

- adoção de critérios para avaliar o sucesso das instituições de ensino com a:

democratização do acesso, estímulos à permanência do aluno, melhoria da

qualidade do ensino, estímulo à formas diversificadas de gestão (gestão

democrática/participativa), estímulo e melhoria de programas de educação de

EJA, incentivo à participação das comunidades na escola (pais na escola,

amigos da escola), implementação de programas de estímulo ao acesso e

permanência na escola (bolsa escola, bolsa gás, PETI, entre outros), aumento

dos percentuais de apoio financeiro ao Ensino Fundamental (FUNDEF),

institucionalização da nova LDBEN (1996) e do Plano Nacional de Educação

(2001), estímulos à formação e a capacitação continuada dos professores da

Educação Básica e dos docentes da Educação Superior, intervenção de projetos

de E a D, como o Telecurso (2000) e a TV Escola e o estímulo a programas de

correção idade-série;

- transferência a empresas privadas e a organizações não governamentais (ONGS)

das tradicionais responsabilidades do Estado, em especial na área social;

- reconceituação/ressemantização do público e do privado;

- transformação de instituições públicas estatais em organizações sociais, que

obedeçam a lógica de mercado;

- legislar através de medidas provisórias (MP), mesmo para assuntos banais, com

profundo despeito ao Poder Legislativo e ao sistema democrático e no campo da

educação, destacam-se proposições voltadas para a redefinição dos papéis da

escola, com novos padrões de eficácia, eficiência e qualidade no ensino e na

gestão/administração escolar,

Page 26: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

Apesar destes aspectos políticos e econômicos que perpassam o período do

governo de FHC, com fortes repercussões nas políticas educacionais, segundo

Durham (1999, p. 232):

A tarefa de coordenação deste sistema [de educação] fragmentado, que o Governo

Federal tenta exercer, depende de três instrumentos básicos. Em primeiro lugar, a

legislação. Em segundo, o estímulo à ação de Estados e Municípios, através de

auxílio financeiro e técnico. O terceiro instrumento permeia os demais – consiste na

constante interlocução com os secretários estaduais e municipais de educação, através

das organizações que os congregam: O conselho dos Secretários Estaduais de

Educação (CONSED) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).

Dentro desses limites, a política educacional do governo Fernando Henrique Cardoso

se distinguiu pelo fato de se fundamentar num diagnóstico prévio e compreensivo da

situação e dos principais problemas do sistema educacional. O diagnóstico permitiu o

estabelecimento de prioridades e a definição dos instrumentos de atuação a serem

utilizados.

O projeto do PNE, enviado pelo então Presidente FHC ao Congresso e

aprovado em janeiro/2001, expressa bem essas prioridades:

- a primeira consiste na garantia de oferta de EF obrigatório de oito séries,

assegurando o ingresso e a permanência de todas as crianças de 7 a 14 anos na

escola (com 3 pontos a considerar – esforço pelo acesso, permanência e

conclusão, com a formação mínima para o exercício da cidadania; adequação do

processo pedagógico às necessidades e carências da população escolar; a

promoção da formação inicial e continuada de professores);

- a segunda prioridade consiste no resgate da dívida social acumulada,

garantindo a educação fundamental a todos que não tiveram acesso a ela na

idade adequada ou não lograram concluí-la. Conjuga-se com a meta da

Page 27: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

erradicação do analfabetismo e na melhoria do nível da Educação de Jovens e

Adultos no país;

- a terceira prioridade reside na ampliação do acesso aos níveis educacionais

anteriores e posteriores ao Ensino Fundamental, envolvendo, desta forma, a

Educação Infantil, o Ensino Médio e a Educação Superior. (DURHAM, 1999, p.

232/233)

Coloca-se também no período como prioridade por constituir-se instrumento

indispensável para a gestão do sistema educacional, o desenvolvimento e

aperfeiçoamento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e

modalidades de ensino. Permeando tudo isto, surge a questão do montante e da

distribuição dos recursos para a educação, pois temas mais específicos são

incluídos na política de atuação do governo FHC (PNE, 2001), tais como a

Educação Indígena, a Educação Especial e a formação para o trabalho (Educação

Profissional), o que passa a demandar maiores e melhores recursos, exigindo

ampliar as fontes de financiamento para sua manutenção.

Para definir/atender tais prioridades a política educacional orientou-se no

sentido de definir as principais áreas de atuação, organizadas em programas de:

- ampliação do acesso para garantir a democratização do ensino;

- formação de professores, associada a uma política salarial e a planos de carreira

de forma a assegurar a melhoria da qualidade do ensino;

- utilização de novas tecnologias educacionais para suprir deficiências na

formação dos professores e para enriquecer o currículo escolar;

- racionalização na gestão dos sistemas escolares;

- priorização de investimentos para as áreas nas quais se concentram os maiores

déficits educacionais (DURHAM, 1999).

Ao analisar essas políticas e proposições Krawczyk, Campos e Haddad

(2000, p. 134-135) dizem que:

Page 28: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

O deslocamento da política como eixo estruturador da ordem social social em

favor do mercado e a ruptura da sociedade [...] colocam em crise o sistema de

cooperação social que organizava o espaço a partir da definição dos recursos, seus

padrões de distribuição e as metodologias de intercâmbio e luta. [ e entendem que]

As políticas neoliberais, ao colocar o mercado como eixo organizador da

sociedade, tiveram um efeito despolitizador da vida social e deslocaram para a

esfera privada boa parte da disputa pelos recursos

Na seqüência de tais análises, embasamos os referidos finais e, Gentili

(1995) afirmando que esta ofensiva neoliberal se organizou de duas formas

complementares:

- um conjunto de medidas concretas e medianamente regulares, com propostas de

reformas estruturais (nem todas consolidadas);

- estratégias culturais, orientadas a romper com o sentido que esta escola pública

tinha, ou tem ainda hoje, no imaginário político da maioria da população.

Pode-se depreender do que se expôs até aqui e pelo que se observou e

vivenciou na educação nos dois períodos de governo de FHC (1995-2002) que a

racionalidade a perpassar as propostas, programas e políticas educacionais do

período foi a da esfera do capital e do mercado e que, a qualidade propalada e

buscada, visou gerir novas formas e reformas, incluindo entre elas, a educacional,

com o objetivo de iniciar e consolidar as mudanças sociais nesse novo estágio da

ordem capitalista mundial, com a preeminência do mercado exigindo perfis

diferenciados dos profissionais de todas as áreas, os quais, certamente em seus

processos de formação, passaram pela escola.

Page 29: AS POLÍTICAS DO GOVERNO FHC (1995-2002) PARA A EDUCAÇÃO

Conclui-se, portanto, que as mudanças e alterações realizadas no campo

educacional no período em análise, não podem ou não devem ser compreendidas

sem o efetivo entendimento das contingências de ordem histórica, política e

econômica que embasaram as transformações societais no mundo globalizado

contemporâneo e visaram, acima de tudo, readequar a educação para estes “novos

tempos”, estabelecendo novos cenários, exigindo novos atores e configurando a

necessidade de novas ações.

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©Breve Currículo:

Doutora em Administração Universitária – FPA/UNICENP