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AS OPV'S 1 (Incursão histórica na macroeconomia portuguesa) 1 Justino Manuel de Oliveira Marques - Licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Mestre em Gestão, pela Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, Doutorando no Programa de Doutoramento em “Nuevas Tendencias en Dirección de Empresas”, da Universidade de Salamanca (Região de Castela e Leão, Espanha); professor no ISAG e no IESF (Região do Douro Litoral, Portugal).

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Page 1: AS OPV'S · AS OPV'S 1 (Incursão histórica na macroeconomia portuguesa) 1 Justino Manuel de Oliveira Marques - Licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade

AS OPV'S1

(Incursão histórica na macroeconomia portuguesa)

1 Justino Manuel de Oliveira Marques - Licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Mestre em Gestão, pela Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, Doutorando no Programa de Doutoramento em “Nuevas Tendencias en Dirección de Empresas”, da Universidade de Salamanca (Região de Castela e Leão, Espanha); professor no ISAG e no IESF (Região do Douro Litoral, Portugal).

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“Os que tudo arranjam, nada conseguem estruturadamente humano, tanto individual

como socialmente; de um modo geral, têm um grande futuro, atrás deles”

Manuel de Tormes, 2007.

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1. - Introdução2

O texto seguinte não pretende mais que formular algumas questões sobre o desempenho da sociedade

portuguesa, ao longo da sua história e, fundamentalmente, após a realização e consolidação do grande

desígnio histórico dos Descobrimentos.

Evidenciar-se-ão alguns pontos de contacto das diferentes fases históricas a analisar, na perspectiva de

os comportamentos históricos assinalados constituirem conteúdo imprescindível ao aperfeiçoamento

das decisões que é necessário tomar e das acções a implementar na sociedade portuguesa.

O título deste trabalho não pretende lançar quaisquer equívocos a respeito de factos recentes da

realidade empresarial portuguesa, nem lançar blocos de críticas sobre o desempenho de quem exerce

ou exerceu recentemente o Poder Político no nosso País.

Reconhece-se, com efeito, que os Orgãos de Soberania Portugueses têm tido problemas em quantidade

e qualidade para resolver, suficientes para lhes "tirar o sono", sendo por isso indesejável o exercício do

primado da crítica (pressão) permanente sobre tais Orgãos em benefício da análise sistemático-crítica

dos problemas da sociedade portuguesa e das decisões de desígnio nacional hoje e para sempre

exigídas pela complexidade dos problemas actuais e futuros.

É este o enquadramento pretendido com a elaboração do presente trabalho, sendo sempre certo que o

bom-senso da sociedade portuguesa propiciou e propiciará sempre a formação de maiorias políticas

adequadas aos seus interesses perenes, partindo do princípio que cada povo tem o governo que merece.

Por outro lado, também não deixará de sancionar os desvios negativos ao exercício equilibrado do

Poder e não hesitarà em homologar a divisão de Poderes, se encontrar neste instrumento a

complementaridade de competências nacionais exigidas pela formulação dos grandes desígnios como

Nação.

Definido o seu enquadramento, o presente escrito foi organizado segundo a cronologia dos fenómenos

económicos e sociais ocorridos na sociedade portuguesa, a partir do Século XV, sem perder a sua

interligação num ambiente de causa-efeito, isto é, sem deixar de relevar o "denominador comum" das

suas consequências, positiva ou negativamente extensivas às épocas seguintes.

Por isso, a análise dos fenómenos económico-sociais, a partir do século acima considerado, será

desenvolvida como a seguir se indica:

OPV 1 - Comércio de Escravos

OPV 2 - Comércio de Especiarias

OPV 3 - Comércio Oriental e Sistema Produtivo Interno

OPV 4 - O Comércio e o Ouro do Brasil

OPV 5 - As Reformas Estruturais (ou OPV Inversa)

OPV 6 - A Exportação de Mão-de Obra

2 Escrito em Março de 1993; actualizado em Julho de 2007.

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e aparece como um quadro de construção do elo de ligação histórica e sociológica do passado à

realidade actual da Sociedade Portuguesa; aplicar-se-à o método da verosimilhança para detecção e

identificação dos erros sucessivamente cometidos no passado, compará-los com os do presente e

levantar as questões associadas ao comportamento ou desempenho económico, social e cultural e

integrá-las num domínio de acção qualitativamente diferente.

Tal domínio é integralmente compatível e até exige um ambiente de desenvolvimento integral e

descentralizado (regionalizado ou autonomizado), embora coordenado das diferentes e culturalmente

ricas Regiões Naturais; também não é incompatível com o crescimento económico, mas nunca elegerá

apenas este como um objectivo exclusivo ou fundamentalista das diferentes naturezas de política.

Ao identificar as acções políticas verificadas no passado e as respectivas consequências, procurar-se-à

evidenciar as que devem ser adoptadas no quadro da implementação de uma autêntica política de

desenvolvimento. 2. A OPV nº. 1 - Comércio de Escravos

A 1ª. OPV da nossa história realizou-se numa época em que não existiam Bolsas de Valores com o

formato actual nem os Mercados de Capitais estavam tão sofisticadamente organizados como hoje,

graças às técnicas avançadas de comunicação à distância, associadas a desenvolvidos e sempre

desactualizados sistemas de informação, conhecido o actual ritmo frenético de inovação tecnológica.

Nem o protagonismo político era exercido por uma amálgama de nações concentradas em países, como

vai acontecendo ainda hoje e, infelizmente, com tendência para desaparecerem (ou se afirmarem)

apenas com o recurso a soluções litigiosas e violentamente indesejáveis, implicando elevados custos

humanos, sociais, económicos, culturais e políticos no decurso dessa desagregação ou afirmação.

Por outro lado, nessa época, os protagonistas a nível planetário eram outros, entre os quais se destacava

o nosso País, graças à grandeza e clareza dos objectivos de dimensão mais que nacional que o Príncipe

Perfeito e outros Reis antes dele decidiram estabelecer, posicionando-se como pioneiros do movimento

de globalização (nova colonização?).

Não sem que tais decisões tivessem a enfrentá-las a dualidade de comportamento de alguns nobres

dirigentes, rezando piedosamente o "sim" diante do Rei e, ao mesmo tempo, arreganhando

ostensivamente o não, na sua ausência.

Esta coerência de atitudes, perdurando ao longo dos tempos e tão peculiar neste povo de brandos

costumes, foi presenteada pelo distinto Rei com um acto de cirurgia directa e sem anestesia no Duque

de Viseu, sem necessidade de recorrer a outro "cirurgião".

Recurso provavelmente de duvidosa eficácia e que, a ajuizar pelos conceitos vigentes à época, teria o

inconveniente de tornar a operação mais problemática e demasiado cara face aos "honorários" então

vigentes e desvirtuar a então prestigiada estratégia política da Coroa.

A OPV nº. 1 teve o seu apogeu nos Séculos XV e XVI, através da captura (é este o termo exacto, não

outro) e comercialização de escravos, resultante da acção expansionista dos Descobrimentos, a nível

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planetário, e que povoaram mais ou menos intensamente os territórios por que ficaram conhecidos

como "Novo Mundo".

Não consta que os "bens" objecto desse comércio tivessem voluntariamente aderido às "propostas"

apresentadas pelos comerciantes ibéricos, resultando desta OPV o enriquecimento em mão-de-obra

gratuita de outros futuros países, a par do enriquecimento óbvio de quem tudo o que lhes passa pelas

mãos é objecto de compra e venda, com lucro especulativo (esta regra ainda permanece, nos tempos

actuais, como uma regra de ouro em algumas actividades económicas)

Tal enriquecimento teve por suporte um potencial produtivo humano intenso, muito embora nas mais

degradantes condições humanas de vida e que, na América do Norte, veio a constituir um obstáculo

sério ao desenvolvimento da economia americana, na segunda metade do Século XIX,

pragmaticamente resolvido com a derrota das forças militares dos estados sulistasn e alimentar as

necessidades em mão-de-obra das exigências que decorreram da revolução industrial que então se

iniciou e acabou por se consolidar.

Para o nosso País, os resultados culturais e materiais desse tráfico humano diluiram-se, ostensiva e

fundamentalmente, no consumo de bens supérfluos importados, prática característica de extractos

sociais então emergentes e, simultaneamente, culturalmente impreparados para compreender a

verdadeira finalidade da riqueza que repentinamente lhes entrou nos cofres e facilmente lhes percorria

os dedos das mãos sem provocar as calozidades deselegantes próprias das classes sociais menos

favorecidas.

Devido a este comportamento, foram desprezadas as condições de desenvolvimento proporcionado

pelas especificidades do território onde exerciam a respectiva actividade, os seus recursos endógenos, e

da época em que viveram, refugiando-se num absentismo estéril e/ou consumismo ostentatório, ambos

prejudiciais ao real desenvolvimento das diferentes Regiões Naturais e das inúmeras actividades

económicas, sociais e culturais do nosso País.

Presume-se ter sido perdida uma oportunidade autêntica para desencadear as acções necessárias ao

desenvolvimento cultural e à modernização das condições de afectação e combinação dos factores de

produção, as únicas capazes de garantir, nas condições vigentes à época um desenvolvimento de todos

os recursos internos num ambiente de equilíbrio entre regiões e entre classes sociais, tanto quanto as

mentalidades da época o permitiam.

A obtenção desta riqueza teve origem na implementação de uma política de transporte, isto é,

estimulação do crescimento da actividade económica a partir e com base no exterior, não havendo nada

de errado nela se os resultados dessa política tivessem sido utilizados no reforço e aprofundamento

alguns dos vectores de desenvolvimento: os recursos endógenos.

Reforço e aprofundamento, a concretizar num ambiente de coordenação e respeito pelas idiossincrasias

das Regiões Naturais (Províncias) e dos recursos internos existentes no nosso País e transformar,

assim, uma política de transporte numa política de fixação das gentes às suas terras de origem ou de

destino, à semelhança do que se fez durante as fases de repovoamento, alargamento e consolidação do

nosso território, em todo o período da 1ª. Dinastia.

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E seria esta política de fixação das gentes às diversas Regiões Naturais do nosso País a única solução

a garantir um corte definitivo nos fluxos migratórios do interior para o litoral e daqui para terras

estrangeiras (pelo menos, sempre madrastas) e a preservação profunda e permanente das raízes

culturais de cada uma das Regiões que integram o território nacional.

Eis, pois, em síntese o que constutuiu a 1ª. OPV a nível macroeconómico, numa época também

caracterizada por forte dinamismo na actividade científica, especialmente vocacionada para o

aperfeiçoamento da navegação por meios astronómicos e, posterior e progressivamente, inicialização

de uma autêntica base de dados científicos, a nível mundial.

Esta base de dados foi gradualmente transmitida para os restantes países europeus e que se

transformaram, posteriormente, no centro de desenvolvimento económico, científico, cultural e

artístico dessa época.

E que ficou de toda essa experiência cultural, científica e humanamente tão rica? Apenas o contributo

para o desenvolvimento dos instrumentos de navegação astronómica, do alargamento dos horizontes de

uma nova cartografia, da botânica e da zoologia?

Certamente que ficou a riqueza incomensurável de uma intervenção planetária de integração e/ou

intercâmbio cultural, económico e social; mas teriam ficado asseguradas as correspondentes condições

materiais ou efectivas de autosustentação desses impulsos tão característicos e geniais de um povo

ibérico como o nosso, para consolidar uma política de fixação e desenvolvimento?

Que se poderá pensar hoje, no quadro dessa política desejável de fixação, sobre o papel a desempenhar

pela resultante actual do projecto histórico gigantesco dos Descobrimentos Portugueses (tão

desproporcionado relativamente à dimensão "quantitativa" do nosso País) no aprofundamento dos

processos de desenvolvimento e de integração na União Europeia?

3. A OPV nº. 2 - Comércio de Especiarias

É propício o momento de nos debruçarmos sobre a que constituiu uma das mais importantes operações

de comércio internacional, a nível mundial, tendo em conta a dimensão física e humana dos mercados

e o nível de desenvolvimento tecnológico atingido na época (Séculos XV e XVI).

A operação de comércio internacional em causa podemos designá-la por OPV 2 - Comércio de

Especiarias e nunca a burguesia comercial nascente teve uma oportunidade tão óbvia de exercer, em

exclusivo, essa função comercial, reservando a Coroa para si própria um conjunto de prerrogativas.

Especificamente as indispensáveis não só ao enriquecimento rápido como também à manutenção das

condições de funcionamento de um "estado-maior" de nobres e respectivas "estruturas" de lazer,

suportes necessários à inércia de uma vida ociosa e/ou viciosa.

Esta filosofia de vida, tão característica dessa época, constituiu o maior impedimento ao exercício de

uma autêntica função directora das principais unidades de produção então existentes: explorações

pesqueiras, agrícolas e florestais pré-industriais.

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Independentemente das condições de rendibilidade facultadas pelas operações comerciais, a nível

internacional, dos produtos oriundos dos territórios orientais, sob controlo económico e/ou político-

administrativo-militar do nosso País, os excedentes financeiros foram obtidos não só pela Coroa como

pela burguesia que acedeu àquele comércio, no quadro das "normas de condicionamento comercial

então vigentes" ou, como actualmente se diz, no quadro das barreiras à entrada.

Tais excedentes não foram utilizados na criação de infraestruturas produtivas (agrícolas, piscatórias e

preindustriais), educativas e outras com carácter estrutural e permanente, mas contribuiram

negativamente para o reforço das condições de vida ociosas dos dirigentes económicos, políticos e

nobiliárquicos, deixando (ou abandonando) os meios de produção a uma depreciação (degradação)

temporal, física e produtiva, não só pela sua utilização ineficiente no processo de produção, mas

essencialmente pela sua inactividade.

Complementarmente, esta ineficiência dos recursos produtivos internos foi acompanhada por uma

excessiva tributação dos que efectivamente contribuiam para a utilização produtiva dos meios de

produção e as consequências não se fizeram esperar:

1ª. - Crescente pauperização da população

2ª - Desajustamento progressivo relativamente às tecnologias

de produção em evolução nos restantes países europeus.

Com efeito, também não se procedeu à implementação de (novos) processos tecnológicos industriais

ou preindustriais de utilização das especiaraias como matérias-primas de produtos altamente cotados

nos mercados dos países europeus e de elevado valor acrescentado.

Entre estes produtos podemos eleger os medicamentos, perfumes, colas, lacas, vernizes, tintas e

curtumes, apesar da contribuição excepcional do nosso País no estabelecimento de melhores

alternativas nos custos de transferência e de intermediação daquelas matérias, ao passar o

abastecimento da Europa das rotas do Golfo Pérsico e do Mar Negro para a Rota do Cabo e eliminar,

assim, a intervenção de Génova e Veneza.

Pelo exposto, pode concluir-se que se optou pela via mais simples e, sobretudo, mais rápida de

apropriação de parte do valor acrescentado dessa actividade económica que gradualmente transitava de

genoveses e venezianos para portugueses.

Contudo, essa parte nunca representou a mais significativa do ponto de vista do desenvolvimento

integral do nosso País (económico, social, educacional, tecnológico), mas mais pela ausência de uma

autêntica política de desenvolvimento e de fixação do que pela carência de meios financeiros

necessários à sua execução.

O resultado dessa ausência de política de desenvolvimento ou, melhor dizendo, da continuidade da

inércia mental e executiva dos dirigentes políticos portugueses de então e da excessiva tolerância no

exercício do supérfluo, da futilidade e da parasitagem dos nobres, consistiu no agravamento das

desigualdades regionais e no aumento das migrações internas e, depois, externas.

Tais migrações tiveram como destino a capital, onde era expectável, em princípio, o enriquecimento

rápido e prometido o paraíso eterno, com o dinheiro farte a percorrer as mãos como forma de alijeirar

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as saliências calejadas causadas por trabalho duro e longo que tardou a desaparecer, não sem pelo

caminho assistirmos ao crescimento de ordes humanas famintas, abandonadas à sua sorte nas unidades

de produção, a que estavam ligadas, pelos alisboetados dirigentes e/ou parasitas nobres.

Parte muito significativa do valor acrescentado do comércio mundial liderado pelo nosso País foi

apropriada, com mérito e desprezadamente facilitado por nós, pelos restantes países europeus, dado

que estes países elegeram correctamente como preocupação fundamental a implementação de políticas

de desenvolvimento integral das respectivas estruturas económico-sociais.

Aqui, merecem especial destaque as políticas implementadas no âmbito da educação e das técnicas

produtivas, capazes de valorizar as matérias-primas do Oriente, através da sua transformação pelos

processos produtivos então tecnologicamente mais desenvolvidos.

Alguns destes produtos, com elevado valor acrescentado para os países produtores e exportadores,

irão ser importados pelo nosso País, alimentarão os gostos supérfluos das classes dirigente e nobre,

classes estas historicamente incapazes de implementar uma política de desenvolvimento endógeno dos

recursos produtivos então sob domínio ou controlo dos portugueses e continuaram a dar oportunidade

à fragilização da estrutura produtiva, das contas externas e ao adiamento "sinae die" do

desenvolvimento cultural da sociedade portuguesa.

É esta ausência de uma estratégia de desenvolvimento ou, também deve dizer-se, é este desprezo pelo

esforço desenvolvido por um conjunto de dirigentes notáveis antes deles (uma dinastia de monarcas

para quem a coordenação das diferentes Regiões Naturais (Províncias), instituintes da unidade

nacional, constituía a trave mestra da política de desenvolvimento, povoando e utilizando plena e

eficazmente os recursos produtivos então disponíveis) e pelas gerações dessa época que marcará a

evolução futura do nosso País nos séculos seguintes.

Esse desprezo equivaleu a pôr nas mãos de outros países (no exterior) um valor que poderia ter sido

produzido, acrescentado e estratégicamente afectado ao desenvolvimento sustentado do País.

Concretizou-se, assim, uma autêntica OPV macroeconómica cujo produto foi aplicado no consumo de

bens supréfluos e na manutenção de uma mentalidade fútil e desprestigiante das classes dirigentes.

Ao mesmo tempo, permitiram manter na ignorância e na miséria uma larga maioria da população; esta

e a realidade anterior são reveladoras da mais medíocre mentalidade política cujas consequências se

fizeram sentir ao nível do abandono das condições internas e permanentes de desenvolvimento da

sociedade e economia portuguesas.

Tudo visto, será que hoje em dia, é possível estabelecer um paralelismo entre estes factos históricos e a

realidade actual? Ou, se se quiser, será que estamos actualmente a viver situações "essencialmente"

idênticas às verificadas 3 ou 4 séculos atrás, colocando desequilibradamente as nossas condições de

desenvolvimento debaixo da iniciativa de entidades exteriores?

Entidades essas, não se esqueça, exteriores (mas não estranhas) aos nossos interesses de identidade ou

Nação cultural e historicamente independente; e se tudo isto é verdade, que consequências, para além

das económicas e sociais já começadas a sentir, poderão ser perspectivadas para o exercício

permanente e endógeno das condições políticas de desenvolvimento (política de fixação), tendo como

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pressuposto as exigências crescentes de integração europeia e de globalização (colonização?)

económica a nível mundial?

4. A OPV nº. 3 - Comércio Oriental e Sistema Produtivo Interno

No século XVI, a principal actividade económica do nosso País residia no comércio, com especial

incidência no comércio marítimo, enquanto que outras actividades como a agricultura e a indústria,

esta ainda com carácter artesanal, permanecem mergulhadas na mais profunda crise.

Para um País, onde a agricultura representava o sector de actividade económica predominante, fácil é

admitir as consequências negativas no desenvolvimento da sociedade e, em especial, da população

activa que lhe estava consignada e das Regiões Naturais a que estavam tradicional e culturalmente

ligadas: a miserabilização por: (1) Paralização dos meios de produção agrícola e (2) Crescente carga

de impostos.

Ao mesmo tempo, o caminho próspero sem esforço facultado aos titulares do comércio marítimo

contrasta com o que até esse momento constituia a espinha dorsal da actividade económica e, também,

as características básicas das diferentes valências e culturas regionais, suporte insubstituível da

transmissão das tradições intrinsecas e identificadoras da nossa unidade nacional, em toda a sua salutar

diversidade.

Com efeito, o desenvolvimento do comércio como actividade económica principal aumenta a

vulnerabilidade das nossas tradições e cultura à influência de valores culturais que eram à época

totalmente estranhos à maioria da população (a propósito e ao contrário, como é que poderá

considerar-se universalista uma cultura que, independentemente dos meios, destrói, elimina ou

condiciona as homólogas de outras Nações, nos mais diversos pontos do Globo?), funcionalmente

impreparada para os receber no seu seio.

Por outro lado, começou no século XVI o grande movimento migratório dos portugueses em direcção

ás regiões objecto de descoberta nos decénios anteriores e o início de um período da mais perniciosa

ociosidade das classes dirigentes ou relacionadas com a principal actividade económica: o comércio

internacional, por via marítima.

Gerou-se também um movimento migratório, mas em sentido contrário, constituido por escravos,

destinados a suprir as carências de trabalhadores em determinadas actividades, não sendo certamente

as ligadas às de comerciante de especiarias e outros "produtos" exóticos, fenómeno que por razões

muito diversas das então verificadas se vai repetindo nos tempos actuais, caracterizado por uma

crescente pauperização dos povos africanos, originada por efeitos de má governação, corrupção e/ou

globalização da economia mundial.

Somente na cidade de Lisboa a percentagem de escravos relativamente à população citadina da época

era de 6,66%, tendo este enorme fluxo migratório agravado as condições de sobrevivência de extractos

da população daqui naturais, gerando níveis cada vez mais elevados de desemprego e miséria.

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Em termos financeiros, o nosso País assume uma notória capacidade de intervenção e liderança, como

nunca até então foi possível atingir; essa capacidade caracterizou-se pela entrada de ouro e prata em

grande quantidade, resultante das operações de intermediação e transporte de produtos orientais

destinados ao continente europeu, por via marítima.

A essa grande quantidade de materiais preciosos ou reservas foi dada uma utilização "pragmática",

como é habitual em pessoas impreparadas culturalmente para “lidar” com montantes elevados de

dinheiro, seja qual for a forma por que esteja representado: importação de produtos manufacturados de

luxo (alguns deles com matérias-primas vendidas por mercadores portugueses), produtos alimentares

destinados aos "frugais" banquetes da burguesia mercantil e dos nobres ociosos e viciosos; e, como

objectivo socialmente útil, a importação de cereais (?) e de materiais, necessários ao abastecimento do

País e ao comércio com os territórios descobertos, respectivamente.

Ao que se conhece, não consta terem as restantes actividades económicas, sociais e culturais sido

contempladas com projectos de desenvolvimento, especialmente as actividades que já então

começaram a enfrentar os sinais de crise estrutural, permanente.

Admitir incondicionalmente o primado da economia sobre todos os restantes vectores de

desenvolvimento poderá conduzir, como hoje é moda dizer-se, a um "fundamentalismo" político

estéril, mas não pode esquecer-se que é a economia que gera a parte mais substancial dos recursos a

afectar a programas ou projectos de desenvolvimento cultural, educacional e técnico.

E por isso, mesmo assim ainda foi possível às disciplinas científicas, artísticas e literárias apresentar

contributos ímpares para o respectivo desenvolvimento e o nosso País personificou alguns dos mais

notáveis, tais como: Pedro Nunes (matemática e cosmografia), Duarte Pacheco Pereira (geografia e

astronomia), Garcia de Horta (medicina e botânica) e Luís de Camões, Gil Vicente e Fernão Mendes

Pinto (literatura).

Tais contributos de natureza cultural e científica foram acompanhados de transformações na ordem

económico-social então vigente, destacando-se:

(a) Aprofundamento da crise da agricultura e fortes correntes migratórias dos campos para as

cidades.

(b) Desprezo absoluto pela indústria artesanal, já de si e então tutelada por estrangeiros

estabelecidos no nosso País.

(c) Exponencial desenvolvimento do comércio, crescimento das reservas do tesouro real e

mais que proporcional das importações parasitárias.

(d) "Encosto" da nobreza rural empobrecida ao tesouro real.

(e) Forte enriquecimento da burguesia comercial e início do período histórico de nascimento e

reforço da burguesia portuguesa.

(f) O clero acompanha as tendências de expansão marítima e territorial e empreende um

esforço de evangelização das populações contactadas.

(g) A população portuguesa, essa, encontra sucessivamente a miséria de vida, enfrentando

níveis elevados de desemprego, apesar dos esforços realizados na transferência de milhares de

portugueses para os novos territórios.

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Este movimento "transformador" e orientado para o exterior, esta OPV, materializada com:

(1) A entrada de mão-de-obra escrava para trabalhos menos (ou nada) qualificados,

(2) A saída de mão-de-obra mais qualificada para os novos territórios,

(3) A não utilização interna da riqueza gerada pelo comércio para debelar as crises na

agricultura e na indústria artesanal, mas utilizá-la parcialmente no "apetrechamento" dos novos

territórios,

(4) O crescimento da importação de produtos de luxo manufacturados por países aos quais o

nosso País vendeu as necessárias matérias-primas (o ouro, a prata e algo mais voltaram aos "cofres" de

origem),

gerou uma profunda debilidade estrutural interna, a todos os níveis, e teve igualmente como

consequência a posterior incapacidade política e militar para enfrentar as tentativas levadas a cabo,

com êxito por outros países europeus, de aniquilar o nosso monopólio do comércio com as regiões do

oriente.

A partir de uma situação económica e social com a debilidade estrutural atrás referida, a única solução

política adoptada consistiu, "pragmática" mais uma vez, numa solução assente predominantemente no

exterior, o Brasil, antes que fosse tarde para a exaustão das oportunidades que tão bem não sabemos

potenciar colectivamente a nosso favor.

E actualmente, estaremos a concretizar medidas para debelar a tradicional debilidade estrutural interna,

a miserabilização de extractos crescentes da sociedade e a iniciar um período de soluções (acções)

políticas de natureza estrutural, permanente, estratégica e de fixação, essenciais ao desenvolvimento

integral (estrutural) e complementar das Regiões Naturais que constituem a unidade nacional?

Será que somos actualmente capazes de ultrapassar as tradicionais fraquezas geradas por um

pragmatismo simplório, exibicionista (telemobilista?), superficial, provinciano e escandalosamente

conjuntural e operar transformações qualitativas nas acções e na mentalidade portuguesas?

5. A OPV nº. 4 - O Comércio e o Ouro do Brasil

O tema objecto deste texto não poderia ser escrito em data mais apropriada: 7 de Setembro. Com

efeito, foi neste mesmo dia do ano de 1822 que D. Pedro IV, Rei de Portugal, proclamou a

independência do Brasil.

Não foi, porém, preciso particularizar esta data para que este país ganhasse notoriedade, a nível

mundial, dado que a sua dimensão geográfica e a instalação de um autêntico laboratório humano, em

funcionamento desde a sua "descoberta", permitiram catalogá-lo como uma experiência humana

única3.

3 Se a experiência humana poderá ser considerada única, resultantes de uma nova convivência entre raças diferentes, não obstou a que este grande país tenha ainda por resolver problemas graves no domínio dos direitos humanos; e ainda pelo facto de tantos países continuarem a enfrentar problemas de toda a ordem, permanentemente graves, consequência de independências políticas prematuras, imaturamente concedidas e/ou assimiladas por força de circunstâncias políticas inultrapassáveis, da corrupção, de incompetência política, etc., etc.

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Com efeito, a capacidade de absorção e de síntese dos valores culturais e características rácicas de

civilizações diferentes das que identificavam as populações portuguesas transferidas para os novos

territórios foi um factor decisivo para o desenvolvimento de uma nova convivência interracial e de

novos valores sociais e humanos.

Contudo, esta diferente maneira de operar a intersecção de diferentes culturas, se é necessária, não é

suficiente para permitir o desenvolvimento sócio-cultural de uma comunidade, uma vez que é muito

importante a forma como se organizam os meios de produção necessários à criação da riqueza

material.

Sem esta ou algo que a compense não há equilíbrio socio-cultural que resista, entendido como uma das

bases fundamentais do desenvolvimento estrutural de uma dada sociedade, pondo em perigo a

respectiva autonomia em termos de médio e longo prazo.

O nosso País conseguiu, ao longo de 1,5 séculos assegurar um forte protagonismo no crescimento do

comércio mundial; mas, na perspectiva de perda de posição no mercado oriental, por incapacidade

estratégica própria face à sua extraordinária dimensão e/ou por maior capacidade organizativa e

interventiva de outros países nesses mercados, não logrou outra alternativa de apoio à actividade

económica interna senão acelerar a exploração dos recursos económicos de um grande território como

o do Brasil, na época ainda por desbravar.

E eis que produtos como o tabaco e o açúcar passaram a constituir o núcleo fundamental da actividade

comercial desempenhada pelos mercadores portugueses, cujo rendimento foi suficiente para financiar

as despesas provocadas pela participação na Guerra da Restauração.

E só assim não continuou porquanto o mercado assistiu à entrada de outros produtores (a Holanda, por

exemplo e fundamentalmente), elegendo como espaços produtores os do chamado "Novo Mundo" e

antes de o território brasileiro começar a sofrer os ataques dos principais países concorrentes e, por tal,

opositores do nosso País.

Desta dinâmica na produção, produzindo quantidades muito superiores à procura, resultou uma

redução dos preços daqueles dois produtos que, no espaço de 38 anos, sofreu uma variação negativa de

- 65,7% (açúcar) e de - 73,07% (tabaco).

E face à diminuição do rendimento proveniente da actividade principal (comércio) desempenhada pelo

nosso País e evitar mais drenagem de recursos financeiros para o exterior, que solução ou soluções

foram encontradas?

Claro que a solução de política económica foi excelente pela sua própria natureza, mas já

completamente desfazada no tempo: a introdução de indústrias, procurando um desenvolvimento

industrial que permitisse a produção e consumo de produtos manufacturados portugueses e, com esta

política económica, iniciar um ciclo económico em que a produção exportada fosse superior à

produção importada.

O aspecto dramático desta tomada de posição de política económica, válida pelo seu conteúdo e

objectivos a atingir, reside exactamente no desfazamento entre o momento adequado e o momento

real da decisão e sua implantação, permitindo concluir que também nessa época o nosso País já se

"atrasava" no acompanhamento e concretização das medidas de política associadas ao

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desenvolvimento estrutural, acabando por perder mais uma grande oportunidade para se desenvolver e

modernizar.

Partindo de uma posição qualitativa e concorrencial de desvantagem, relativamente aos restantes países

europeus ("perdendo mais um navio")4, o nosso País procedeu à implementação de um programa de

industrialização, através da criação de indústrias têxteis e de fundição.

Este programa constituiu o primeiro e importante passo para a concretização dessa política, nova

política económica, complementada por uma série de diplomas legais que chegaram mesmo a proibir

o uso de artigos de luxo importados.

Contudo, parece que estamos condenados a ver eliminadas precocemente as medidas de política

económica eficazes e estruturais, essenciais ao equilíbrio socio-económico e cultural do nosso País,

substituindo-as por outras que mais não representam do que uma parte desse conjunto, também

importante mas não igualmente estruturante.

Com efeito, a dependência dessa política apenas da visão e capacidade de um homem de envergadura

excepcional, como o Conde de Ericeira, transformou-a num vector de desenvolvimento vulnerável,

logo irresistível à primeira ameaça séria, sem ter havido a preocupação de preparar uma sucessão

governativa que tratasse de melhorar as condições de renovação e consolidação da política antes

iniciada por aquele estadista.

E assim aconteceu após a sua morte, com os novos e muito iluminados ocupantes das cadeiras do

poder a partir para o outro extremo da política económica, isto é, elegendo a actividade comercial

baseada na agricultura, à época totalmente depauperada e obsoleta na sua instrumentação, como a

directriz fundamental do crescimento económico, igualmente desfazada no momento da sua

implantação.

E é neste contexto político que vai nascer o Tratado de Methween, mediante o qual o nosso País

prometia autorizar a entrada livre de tecidos e outros produtos têxteis manufacturados, exactamente nas

condições anteriores à proibição decretada pelo Conde de Ericeira (isto é, sem limite), medida

governativa de política económica que só pode ser classificada como um “achado”.

Por seu turno, o Reino Unido, com a responsabilidade acrescida de "nação aliada", comprometia-se a

permitir a entrada de vinhos portugueses por tarifa alfandegária 1/3 inferior à cobrada sobre os vinhos

franceses sob pena de, no caso de menor infracção, a entrada em Portugal dos referidos artigos de lã

ser novamente proibida.

Com a entrada em vigor do referido tratado, fica claro que um dos sectores de actividade industrial

português, a indústria têxtil, fica efectivamente prejudicado, para além da grande potência europeia de

então, a França, no quadro das rivalidades franco-britânicas pelo domínio europeu.

Deste modo, a influência britânica no Norte do País, especialmente na cidade do Porto e na Região

Única do Douro, teve o seu ponto de partida na celebração daquele Tratado, passando os nossos mais

antigos e leais aliados a controlar corporativamente quase todo o comércio do Vinho do Porto até

aos dias de hoje.

4 Nesta época, os comboios ainda não tinham sido inventados.

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Era este o enquadramento fundamental em que se movia a política económica quando, no reinado de

D. Pedro II, começaram a chegar ao nosso País remessas importantes de ouro, cuja descoberta foi o

resultado de intensas pesquisas, desde o reinado de D. João IV.

Assim, se já existia um desinteresse manifesto na industrialização de algumas actividades económicas

e a actividade comercial baseada na agricultura apresentava a configuração atrás descrita, a entrada de

grandes quantidades de ouro vieram mesmo a propósito da implementação de uma política de total

liberalização das importações, medida de política económica que veio mesmo a calhar, não para os

interesses nacionais mas para os dos países com infraestruturas industriais já muito mais desenvolvidas

que as nacionais.

Deste modo, a aplicação de uma tal política conduziu, de novo, à importação sem controlo de produtos

de luxo, não produzidos obviamente pelas nossas estruturas produtivas, mas com arraiais bem assentes

para dar a machadada final nos esforços anteriores de industrialização do Reino.

Na verdade, só no ano de 1720 (reinava o aurífero D. João V, também cognomizado de "magnânimo"

(e quem o não era, assim com tanto ouro?), chegaram ao nosso País cerca de 25 toneladas de ouro

(para simples informação, a Coroa tinha o direito de arrecadar para si 20% de todo o ouro extraído - a

célebre quintalada).

Mesmo assim, com um potencial de riqueza substancialmente acrescido, os meios de produção então

existentes não foram reforçados. Ninguém teve a maturidade política de afectar parte dessa riqueza,

proveniente do ouro do Brasil e do ainda importante comércio do tabaco e do açúcar, ao investimento

estrutural da indústria, pesca e agricultura.

E porquê? Porque certa "tradição" no nosso País tem uma força invulgar e voltou, assim, a ostentação

da riqueza mundana e respectivas manifestações exteriores, a ostentação e luxo dos principais

dirigentes do Reino (família real, nobres, alta burguesia - qual República das Bananas actual).

Retomou-se a anterior e intensificada ligação dos nobres rurais e pauperizados às "correntes fortes" da

côrte, assistiu-se ao retorno dos banquetes "frugais", como se nada disto e as suas consequências já

conhecidas tivessem acontecido antes.

É também neste contexto que a classe dirigente ainda não se esquece de quem paga habitualmente os

impostos: os que não conseguiram emigrar para os territórios ultramarinos, nomeadamente o Brasil, e

que vivem do produto do trabalho miserabilizado pela desactualização e inoperacionalidade dos meios

de produção.

Produto esse também fragilizado pela persistente incapacidade das classes dirigentes de gerir e

organizar esses meios de produção, preferindo abandoná-los e optar por meios temporários e rápidos

de enriquecimento na capital do País ou encostar-se à protecção aurífera da Coroa, isto é, o farto

orçamento de então da monarquia.

Perante o exposto, será que ainda hoje, passados tantos séculos, ainda temos de continuar a cantar o

fado para sublimar as nossas incapacidades históricas e ancestrais, ou seja, para continuar a exercitar as

nossas originais capacidades para as soluções fáceis e socio-cultural-politicamente irresponsáveis?

Apesar de tudo, não havendo senão sem bela, o fluxo de tais meios de riqueza contribuiu para operar

importantes realizações no domínio da arquitectura e das artes plásticas (Torre e Igreja dos Clérigos,

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no Porto; Convento de Mafra; Solares; Talha Dourada), das letras (fundação da Academia Real de

História, da Biblioteca Real do Paço da Ribeira, da Biblioteca da Universidade de Coimbra) e da

música (são compositores desta época Carlos Seixas, João Domingos Bomtempo).

De qualquer modo, sendo interessante e estimulante todo este investimento no domínio da cultura,

nenhum impacto relevante teve na melhoria das condições de produção em sectores de actividade

como a agricultura, a indústria e a pesca.

Por isso, o nosso País, no final do reinado de D. João V, encontrava-se no centro de uma grande

crise económica, apesar dos esforços realizados na criação de algumas indústrias (tecidos, sedas,

papel, vidro), proporcionando uma produção reduzida e de má qualidade, consequência de um grau de

dependência excessiva do tesouro público.

A inadequada afectação dos meios de riqueza obtidos no comércio de produtos oriundos do Brasil,

utilizando o nosso País apenas como plataforma de trânsito desses meios para outros países, por via do

défice no comércio externo (por exemplo, em 1760, o montante das exportações era aproximadamente

5 vezes inferior ao das importações), não poderia ter outro resultado senão o aprofundamento da

crise relativamente a outras verificadas anteriormente e provocada pelas mesmas causas: são as

"causas estruturais" das nossas crises económicas e sociais.

Por isso, esses meios de riqueza transferiram-se irresponsavelmente para outros países mais capazes de

os afectar com eficácia ao desenvolvimento das respectivas estruturas produtivas, sociais e culturais.

Uma vez mais, "vendemos" a quem quis, pôde e soube comprar (talvez com uma parte significativa

dos nossos recursos anteriores) o que poderemos designar como um núcleo importante dos nossos

recursos e capacidades financeiras existentes à época, em dimensão suficiente para dar suporte e

garantir uma política de desenvolvimento da sociedade portuguesa: isto é, mais uma oportunidade

perdida (nesta época, ainda não havia comboios; descansem, que lá chegaremos).

Ocorre, agora, levantar a seguinte e mesma questão: na complexidade da realidade política, económica

e social actual, será que temos aproveitado eficazmente todos os recursos ou a parte mais significativa

deles que nos foi possível disponibilizar, para realizar o desenvolvimento estrutural do nosso País?

6. A OPV nº. 5 - As Reformas Estruturais (ou OPV inversa)

À medida que nos aproximamos de tempos históricos mais recentes cresce a dificuldade na apreciação

objectiva dos factos e de sua real incidência nos fenómenos que caracterizam e influenciam as

sociedades actuais.

No entanto, estamos, neste momento de análise, ainda longe de sermos condicionados pelo carácter

recente dos factos históricos, não os carregando de apreciações subjectivas, elementos suficientemente

perturbadores de uma correcta e objectiva análise da realidade histórica.

Com efeito, retomando a situação objecto de análise na última OPV, o enorme fluxo de riqueza

oriundo das actividades económicas associadas à exploração de recursos valiosos proporcionados pela

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economia brasileira, permitiu a D. João V fortalecer o seu poder real perante a generalidade dos grupos

sociais, tendência iniciada no século XV com o Rei D. João II.

Por isso, a convocação das Cortes constituiu uma atitude cada vez menos considerada e respeitada

pelos monarcas portugueses, preferindo rodear-se de pessoas da sua estrita confiança (a "entourage"

real), a quem entregavam o controlo e a administração do Reino.

O Rei detinha, assim, o exercício de todo o poder político, era o detentor absoluto desse poder,

dependendo este exclusivamente da sua régia e soberana vontade.

Contudo, este tipo de governação não impediu que o nosso País enfrentasse, mais uma vez, uma grave

crise económica e social e veio a encontrar a sua expressão máxima no reinado de Rei D. José I,

nomeando seu Primeiro Ministro, o Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, para a

debelar.

Este estadista adopta para a sua política económica as ideias base da teoria mercantilista,

implementando medidas que contribuiram para a redução de importações de produtos estrangeiros,

entre as quais se apresentou, como de excepcional relevo, o desenvolvimento e criação de indústrias.

Este conjunto de medidas, complementado por outros de conteúdo diferenciado mas plenamente

integrado nas correntes mais modernas da época, vão proporcionar uma OPV de conteúdo

qualitativamente oposto ao das OPV’s restantes, tendo por objectivo fundamental iniciar um período

de crescimento acompanhado de desenvolvimento o mais integral possível do nosso País, através da

mobilização de todos os seus recursos endógenos.

Não foi suficiente a modernização das indústrias existentes, mas fundamentalmente a criação de

condições para implementar indústrias de novo conteúdo que aproveitassem os recursos dos territórios

sob administração portuguesa; deste modo, nasceram as indústrias de tecidos, papel, vidros, louças,

sabões, cutelarias, tijolos, relógios e chapéus.

Simultaneamente, o Marquês de Pombal sabia que tanto ou mais importante que produzir e saber

produzir é criar condições funcionais e objectivas para colocar esses produtos nos mercados a que se

dirigem.

Deste modo, estava a reconhecer-se implicitamente o papel importante da função distribuição no

funcionamento de uma economia eficiente e moderna, operando com produtos de qualidade

inquestionável nos mercados de destino.

É assim que nascem as grandes Companhias Comerciais, controladas pelo Estado, mas também

participadas por comerciantes que afectavam os respectivos capitais à formação dessas Companhias e

iniciar, assim, a realização de negócios de grande dimensão com produtos de qualidade, garantidos por

uma espécie de certificação quando se tratasse de regiões demarcadas de produtos.

A constituição destas organizações que, hoje em dia se designam por empresas, era acompanhada pela

atribuição do comércio exclusivo de um ou vários produtos de uma dada região: o monopólio,

impedindo que outras organizações realizassem negócios com esses mesmos produtos e nessa mesma

região ou mercado.

Merecem destaque especial as seguintes Companhias:

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* Companhia do Grão Pará e Maranhão

* Companhia dos Vinhos do Alto Douro

* Companhia de Pernanbuco e Paraíba

* Companhia das Pescas do Algarve

das quais ainda hoje assume importância sectorial na actividade dos produtos vinícolas: a Companhia

dos Vinhos do Alto Douro, apesar das vicissitudes e polémicas que têm preenchido o seu percurso de

grande unidade económica daquele importante sector de actividade da Região Única do Douro.

Às medidas de política económica assim implementadas, acompanhadas de um reforço nem sempre

"consensual" do poder real, centralizador e absoluto, corresponderam resultados qualitativa e

quantitativamente diferentes dos que caracterizaram o reinado do monarca que antecedeu D. José I.

Com efeito, as novas medidas de política económica operaram uma viragem decisiva nas contas

externas do nosso País, de então, passando o saldo negativo a positivo e criando condições estáveis

para o equilíbrio do nosso comércio externo, as quais se viriam a repercutir duradouramente ainda no

reinado de D. Maria I.

A implementação de tais medidas de política económica só foi possível porque o Primeiro Ministro do

Rei D. José I teve a capacidade de compreender que somente a burguesia comercial reunia as

condições consideradas imprescindíveis para o desenvolvimento do comércio interno e externo, nos

parâmetros de protecção nacional dos recursos económicos mais importantes da época, de entre os

quais se destacavam os vinhos da Região Única do Douro5.

Nestes parâmetros se incluiam exigências de qualidade para os referidos produtos que até aí eram pura

e simplesmente ignoradas, introduzindo-se práticas de verificação das condições qualitativas de

produção (inspecção de lagares e cubas, destruição de cepas com capacidades produtivas medíocres,

etc) e não deixando deteriorar os sistemas de preços dos produtos cuja qualidade se sabia

absolutamente garantida.

Mesmo assim, a adopção destas medidas de desenvolvimento económico não colheram a unanimidade

de entidades que actualmente é comum designarem-se por "sociedade civil", começando a levantar

todo e qualquer obstáculo à sua concretização.

A forma como a aprovação "unânime" desta política acabou por ser implementada deixou marcas

profundas na sociedade portuguesa, particularmente entre os nobres mais históricos e o clero, pela

violência e rapidez dos métodos de "neutralização" utilizados.

Os mais de vinte anos de reinado de D. José I e de Governo do Marquês de Pombal não se

caracterizaram apenas pelo que acabamos de referir anteriormente, no âmbito limitado da política

económica; lembremos que tal período decorreu numa época de grandes descobertas científicas

europeias, iniciando-se então um dos de maior desenvolvimento científico e técnico e mais decisivos

da Idade Moderna.

5 Como Região Única do Douro, património Natural e da Humanidade terá de ser defendido a todo das incursões pós-modernas e utilitaristas dos tempos recentes.

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Estes acontecimentos de natureza científica e tecnológica, a nível internacional (descobertas do para-

raios, da pilha, da composição química do ar e da água, da máquina a vapor, da balança, do

microscópio, do telescópio, etc.) vêm permitir iniciar um período de desenvolvimento científico e

técnico suportado pela experimentação e pelo privilégio da inteligência ao serviço do bem-estar dos

homens, contribuindo para melhorar as respectivas condições de vida.

A combinação de novos métodos de investigação científica com as capacidades demonstradas pela

inteligência humana, prosseguindo objectivos muito concretos de auxiliar a melhorar as condições de

vida humana, fez surgir o iluminismo, rapidamente em expansão pelo território europeu do século

XVIII.

É ainda no reinado de D. José I e no Governo do Marquês de Pombal que se aprofunda a reforma do

sistema educativo português, medida de política estrutural da maior importância para o

desenvolvimento integrado da sociedade portuguesa, numa perspectiva de longo prazo.

Tais reformas implicaram um confronto, em termos de domínio e controlo por parte dos Jesuítas, dos

diferentes escalões de Ensino, desde o ensino primário até ao universitário, culminando com a sua

expulsão do território português.

Na sequência desta acção de exclusão, o Marquês de Pombal executa um plano de criação de escolas

primárias públicas por todo o território nacional, reforma a Universidade com a criação de Institutos de

Investigação para implementar, na prática, os então modernos métodos de ensino baseados na

experimentação.

Neste contexto, funda o Colégio dos Nobres e dá corpo a um estabelecimento de ensino de matérias

que então já correspondiam às práticas vigentes na actividade económica oficialmente reconhecida

como nobre: A Aula de Comércio.

Ao nível do Urbanismo e da Arte, este período da História do nosso País assume uma importância

decisiva no abandono do estilo barroco e na adopção de um estilo caracterizado por formas mais

simples, linhas direitas e verticais, o essencial de um novo estilo arquitectónico - estilo neoclássico -

esclarecidamente implantado na reconstrução da cidade de Lisboa, após o terramoto de 1755.

Entre nós e ainda no reinado de D. José I e Governo do Marquês de Pombal, é abolida a escravatura

somente no território continental, continuando a sua função "niveladora" nos territórios ultramarinos

sob administração portuguesa; por outro lado, a actividade comercial é incluida no que pode designar-

se por actividade nobre.

Neste período, é de salientar a coexistência da capacidade de entendimento das principais correntes

modernas de desenvolvimento integral, demonstradas no Governo do Marquês de Pombal e reinado de

D. José I e da implementação de medidas de política eficazes para prossecução dos objectivos políticos

de natureza económica, social, educativa, cultural e artística, com a manutenção de um sistema de

escravatura nos territórios ultramarinos sob administração portuguesa.

Esta dualidade conceptual e extemporaneidade de atitudes, em domínios sensíveis do

desenvolvimento das capacidades superiores do homem, da sua forma de integração na sociedade, na

assumpção responsável das suas tarefas individuais, sociais, políticas, familiares e religiosas, da

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necessária complementaridade das atribuições de cada indivíduo, parecem constituir um paradigma

de comportamento desencorajador das nossas iniciativas, ao longo da história.

De qualquer modo, o período histórico correspondente ao reinado de D. José I e Governo do Marquês

de Pombal foi dos poucos que seguramente proporcionou um vasto conjunto de reformas estruturais,

com implicações em todos os domínios da realidade política e social nacionais, apesar das medidas

políticas de exclusão, dualidade e extemporaneidade adoptadas.

No reinado reguinte, o de D. Maria, a medida de política económica mais relevante foi a concessão de

uma maior liberdade às actividades de produção e comércio, factor decisivo para um potenciamento

das reformas estruturais implementadas no reinado anterior e Governo do Marquês de Pombal.

Daqui resultou uma considerável melhoria das contas extenas respeitantes à economia portuguesa, com

um respeitável crescimento das exportações, nomeadamente para o mercado então reconhecidamente

mais importante para os produtos portugueses: a Grã-Bretanha.

Este período caracterizou-se também, do ponto de vista económico, pela manutenção de um saudável

equilíbrio, com incidências positivas no equilíbrio político nacional, até finais do século XVIII ou,

mais propriamente, até às invasões francesas.

Complementarmente e não menos importante, do ponto de vista do desenvolvimento, não se abrandou

o ritmo nem a profundidade das reformas, tendo o referido equilíbrio político-económico

proporcionado o aprofundamento da actividade cultural e científica, nomeadamente com a criação da

Academia Real das Ciências, da Academia Real da Marinha e da Casa Pia, ao aparecimento de locais

de convívio cultural e à construção de monumentos, com destaque para o Teatro de S. Carlos, o

Palácio de Queluz, etc.

Será que hoje em dia, estaremos a protagonizar, como consequência das medidas de política mais

recente, um período de profundas e necessárias reformas estruturais, admitindo a continuidade do

nosso País como unidade territorial e cultural autónoma, mas integralmente aberta aos fluxos de

natureza económica, financeira, social, cultural e política exigidos pelos normativos que regem a nossa

integração na União Europeia?

A ser verdade, será esse período capaz de potenciar e endogeneizar todos os recursos nacionais,

numa perspectiva de desenvolvimento integral de longo prazo, implementando definitivamente

uma política de fixação, em substituição da ancestral e ainda verificável política de transporte e

de diáspora?

Por poutras palavras, estaremos a localizar sob controlo exterior, mais uma vez, as condições de

funcionamento da economia e da sociedade portuguesas, subalternizando definitivamente as condições

internas e estruturais de desenvolvimento de longo prazo?

7. A OPV nº. 6 - A Exportação de Mão-de-Obra

Até finais do século XVIII, no nosso País, foram criadas condições para se operar um crescimento

económico acompanhado de desenvolvimento dos diferentes sectores da sociedade portuguesa.

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No entanto, como país europeu, Portugal não deixa de sofrer as influências da mais profunda das

revoluções dos tempos modernos, difundindo por todo o Mundo "três palavras de ordem"

fundamentais para o ordenamento jurídico-político dos séculos seguintes: Igualdade, Fraternidade e

Liberdade, bem como o estabelecimento do equilíbrio de poderes: legislativo, executivo e judicial.

Este novo ideário veiculado pela Revolução Francesa teve consequências imediatas no relacionamento

da França com as restantes Monarquias europeias, através de declaração de guerra, a qual se estendeu

por vários anos, mesmo e sobretudo após a subida de Napoleão Bonaparte ao poder.

Com efeito, o nosso País também recebeu o ultimato da França no sentido de encerrar os portos

portugueses ao tráfego dos navios ingleses, na sequência do Decreto do Bloqueio Continental à Grã-

Bretanha.

A negociação constituiu uma tentativa para Portugal não aderir àquele bloqueio, tendo em

consideração os interesses comerciais existentes à época com a Grã-Bretanha.

Tal tentativa não foi bem sucedida, a França não desiste de conquistar e subjugar a Grã-Bretanha, não

aceita a proposta de negociação portuguesa e, após acordo realizado com a Espanha, não hesita em

invadir Portugal, enviando um exército comandado pelo General Junot.

Mais duas expedições se seguiram, já com a família real portuguesa corajosamente refugiada e

instalada no Brasil e em seu lugar uma Junta de Regência, acompanhada de todo um rol de saques e

outros crimes de lesa património e cultura portuguesas.

Esta fase da história do nosso País seria ainda complementada pela presença militar inglesa, pelos

vistos então necessária para combater e derrotar os exércitos franceses que tiveram a cortesia de nos

“visitar”, também pragmática na retirada de benefícios comerciais que a omissão de governo efectivo

passivamente facilitou.

De tudo resultou um progressivo empobrecimento da sociedade portuguesa, conduzindo o Reino para

uma situação económica e social de muito difícil recuperação, no início do século XIX.

Ao tempo, a contrapartida consistiu num período de crescimento económico do Brasil, centralizado na

então capital, a cidade do Rio de Janeiro, através da criação de indústrias transformadoras, da

construção de escolas, hospitais e academias.

Por outro lado, para potenciar o comércio internacional, é facultado aos operadores marítimos

estrangeiros o acesso directo aos portos brasileiros, fazendo com que os produtos exportados pelo

Brasil sejam desembarcados directamente nos mercados de destino ou consumidores.

Por isso, os portos portugueses deixaram de ser a plataforma de trânsito dos produtos brasileiros, tendo

o porto de Lisboa registado quebras acentuadas de tráfego marítimo de mercadorias; por fim, permitia

o desembarque dos produtos concorrentes estrangeiros (especialmente ingleses e transportados nos

respectivos navios), lesando significativamente a economia portuguesa, especialmente as actividades

comercial, marítima e agrícola.

E permanece mesmo depois de D. João VI subir ao trono, decidindo continuar a residir no Brasil

contra a vontade dos dirigentes da Junta de Regência e da própria população que assistia à degradação

das condições de produção e de vida, agravada por pesados impostos sobre os agentes económicos,

com especial destaque para os produtos agrícolas.

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Este quadro evolutivo da economia e sociedade portuguesas conduziu novamente a um progressivo

empobrecimento, drenando novamente para o exterior recursos financeiros importantes e essenciais ao

investimento produtivo do nosso País, sendo especial beneficiado desta vez o Brasil e,

fundamentalmente, porque lá se encontrava a Coroa.

Em Portugal, o exercício do poder político por uma Junta de Regência, coadjuvado por oficiais

ingleses notabilizados no combate aos invasores franceses, e pragmaticamente eficazes nas tentativas

de controlo do exército e da administração portuguesa, não afasta a ideia de abandono ou, no mínimo,

de marginalização do País e dos seus recursos populacionais, culturais e económicos pelos principais

dirigentes políticos, a começar pelo próprio monarca.

Este exemplo, acompanhado de desprezo senil e da sobranceria relativamente à realidade nacional, é

demolidor da capacidade de mobilização dos esforços necessários e exigidos a todas as classes

sociais e instituições de natureza económica, social, cultural, religiosa e política, para a concretização

de um crescimento autosustentado e umbilicalmente ligado aos grandes desígnios nacionais que

demais tardam.

As consequências desta demolição não se reflectem em períodos de curto prazo, mas ao longo de

gerações que recebem das anteriores manifestações orais ou escritas deste tipo de exemplos, deixados

por aqueles que detiveram a maior responsabilidade nas decisões nacionais.

Com tal actuação criaram o espectro de uma mentalidade irresponsável e inimputável em quem deve

aderir à prossecução das grandes causas nacionais erigidas por quem foi "mandatado" para dirigir a

política nacional e o fez tão negativa e mediocremente.

Daqui resulta, muitas vezes, colocar interrogações cíclicas sobre a conveniência ou utilidade de

permanência dos nacionais ou nossos compatriotas no seu próprio território, decidindo no final por

colocar as respectivas capacidades produtivas e culturais ao serviço de outros países.

Ao acolher assim os emigrantes (numa situação de legalidade e nem sempre), aqueles países

procuraram e procuram proporcionar, sem distinções de nacionalidade ou outras, as condições de

fruição normais para um eficaz exercício das especialidades obtidas no nosso País, muitas vezes

conseguidas com excepcionais sacrifícios pessoais e materiais., num quadro que não raras vezes vai

raiando a escravatura.

Foi neste enquadramento que surgiram as sementes de revolta contra quem procurava deter e exercer

um poder político ilegitimado, plantadas nos terrenos então férteis das ideias liberais.

Mas depressa foram sufocadas pelos meios mais torpes desse poder; de qualquer modo novas sementes

brotaram, desta vez com êxito suficiente para eleger um Governo Provisório encarregado de organizar

e convocar as primeiras eleições em Portugal, para eleger as Cortes Constituintes e, daqui, elaborar

uma Constituição.

Estava assim terminado o Antigo Regime, iniciando-se em substituição da Monarquia Absoluta pela

Monarquia Constitucional, ainda hereditária, com o Rei D. João VI a jurar e a assinar a Constituição de

1822, já em Portugal.

Com a morte deste rei, a abdicação de D. Pedro IV ao trono de Portugal em favor da futura Rainha D.

Maria II, por se encontrar no Brasil e ser já seu Imperador e a entrega da Regência do Trono Português

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a D. Miguel, não demove este monarca de tentar reimplantar a monarquia absoluta com dois actos

políticos significativos: a dissolução do Parlamento e sua proclamação como rei absoluto.

As consequências destes actos são o deflegar de uma guerra civil devastadora para o já (e quase

sempre) depauperado País, contribuindo para aprofundar o nosso atraso económico, social, tecnológico

e cultural relativamente aos restantes países europeus.

O epílogo deste triste episódio da História de Portugal ocorreu em 1834 com a aclamação de D. Maria

II como Rainha de Portugal e a consolidação da Monarquia Constitucional ou Liberal, a qual vigorará

até final do Regime Monárquico.

Considerando a situação geral do País assim caracterizada, pareceria unânimemente necessário iniciar

um período, nesta fase de pacificação da sociedade portuguesa, de real desenvolvimento integrado

como forma de atenuar, pelo menos, o atraso relativamente aos restantes países europeus.

Assim, o posicionamento das principais correntes políticas da época, conservadores (através de

mudanças pouco significativas no regime vigente) e progressistas (adeptos de transformações mais

profundas, através da concretização de projectos inovadores capazes de imprimir progresso

rápido), encarregou-se de imprimir uma dinâmica e uma alternância de poder úteis à implementação de

medidas de política que ocasionaram grandes transformações económicas e sociais no decurso do

século XIX.

Com efeito, foram elaboradas e postas em prática leis que provocaram grandes transformações sociais

e económicas, suportadas nas correntes liberais da época difundidas pela Revolução Francesa,

destacando-se:

a) A libertação dos agricultores de alguns impostos, autênticos estranguladores da capacidade

de iniciativa, relativamente aos projectos de desenvolvimento agrícola.

b) Extinção dos morgadios, os quais tinham por objecto fazer o filho mais velho herdar a

quase totalidade dos bens da família, permitindo uma maior distribuição da terra e um aumento do

número de proprietários.

c) O confisco das propriedades do clero e dos nobres pelo Estado para posterior venda,

acabando por ser seus compradores a burguesia comercial e industrial.

d) Introdução das primeiras máquinas nas explorações agrícolas, experimentação da

exploração de novas culturas e utilização de novos adubos, tendo como consequência um aumento da

produtividade daquelas explorações.

e) Aumento significativo das indústrias, especialmente com a introdução da máquina a vapor,

em especial na produção de têxteis, cerâmica, vidros, etc. e mais tarde da electricidade.

f) Conscientes de que as vias de comunicação representam um factor decisivo para o

desenvolvimento das actividades económicas, executou-se um plano de melhoria das vias de

comunicação e dos meios de transporte, capazes de corresponder às novas exigências da produção e

dos mercados então em desenvolvimento: novas estradas, construção do caminho-de-ferro e a

utilização dos primeiros veículos automotores.

g) Implementação de medidas que conduziram a uma maior difusão do ensino, com a criação

de escolas técnicas, do ensino primário obrigatório e do ensino liceal; contudo, apesar destas medidas

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importantes de reforma e alargamento quantitativo e qualitativo do ensino, ainda se registavam

índices elevados de analfabetismo e apenas uma minoria com possibilidade de acesso ao ensino

superior.

h) Finalmente, inicia-se, durante o período da Monarquia Constitucional, a difusão dos jornais

e revistas, com a actividade jornalística a assumir uma importância decisiva na divulgação da

informação sobre os mais diversos temas da realidade económica, política, social, cultural, religiosa e

internacional.

As consequências da implementação de todas estas medidas de carácter estrutural, logo de

desenvolvimento e reorganização económica, social e formativa, teve consequências profundas ao

nível da organização social do País, diminuindo as prerrogativas e privilégios do clero e da nobreza e

consolidando as posições anteriormente assumidas pela burguesia comercial e industrial.

A consolidação destas posições passou pela atribuição de grandes privilégios e pela própria integração

dos seus mais importantes representantes nos Órgãos do Governo, com a atribuição de títulos de

nobreza pelos "serviços prestados" à Nação e foi acompanhada pelo aparecimento de uma classe

média constituida por pequenos comerciantes, industriais, oficiais do Exército, professores, intelectuais

e licenciados (bachareis).

Este surto de desenvolvimento foi igualmente acompanhado de um crescimento da população, da

melhoria das condições de vida de uma parte dela, do crescimento do consumo e, pasme-se mais, para

além da importação dos estrangeirismos tão populares da época, também a estrutura produtiva interna

não foi ainda capaz de o satisfazer.

Assim, este novo incremento de bens de consumo não foi satisfeito com produção interna adicional,

recorrendo-se mais uma vez à importação de bens objecto desse crescimento do consumo, à

semelhança do que tinha acontecido séculos antes, muito embora sem a elevada carga ostentatória,

irresponsável e de desperdício de então.

Paralelamente, as explorações agrícolas e as melhorias técnicas então introduzidas não foram

suficientes para melhorar definitiva e significativamente a vida das populações que, à semelhança do

que se passara também séculos atrás, começaram a intensificar a procura; nas principais cidades, dos

meios para minimizar as miseráveis condições de vida dos campos.

Pela grande dimensão do esforço de desenvolvimento realizado no século XIX, mesmo assim

reconhecidamente insuficiente, pode-se estimar o grau de subdesenvolvimento em que se encontrava o

País, para ainda resultarem as consequências a seguir descritas.

Com efeito, reuniram-se em redor das cidades de Lisboa e do Porto centros populacionais de grande

dimensão, cujos membros exerciam tarefas nas empresas que integravam os centros industriais destas

duas grandes cidades, auferindo baixos salários e horários de trabalho desumanamente extensivos (o

trabalho infantil já existia em Portugal, no século passado).

É neste contexto de crise e miséria, tanto em redor das grandes cidades como nos campos, que se

convocam as primeiras greves e que a continuidade da situação de miséria predominante, ancestral

ou, se quisermos minimiizar ou suavizar os termos, a ausência de perspectivas de melhoria de vida da

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larga maioria da população agrícola e industrial, à semelhança do que acontecera ciclicamente, a

partir do século XVI, determinou o início dos fluxos emigratórios, desta vez para o Brasil.

Mais uma vez, uma parte dos recursos humanos do nosso País foi obrigada a contribuir para a criação

de riqueza em países estrangeiros, dado que internamente não foram suficientes as medidas de

reestruturação económica e de reapetrechamento tecnológico das unidades de produção.

Assim, as unidades de produção agrícola e industrial tornaram-se incapazes de satisfazer a procura

interna adicional, a qual teve que ser satisfeita por produção importada, e de criar condições para a

melhoria das condições de vida das populações.

Daqui podemos concluir que são múltiplas e complexas as relações entre emigração, emprego e

estrutura da economia do nosso País (assumindo actualmente um elevado nível de interdependência no

quadro do projecto de integração europeia e do fenómeno de globalização, em intenso ritmo de

implantação) e que a permanente debilidade estrutural da nossa economia gerou os movimentos

emigratórios essenciais à satisfação das carências de mão-de-obra e ao cumprimento dos objectivos

dedesenvolvimento/crescimento económico dos países receptores.

Esta complexidade tem estado presente na sociedade portuguesa desde que os Descobrimentos

Portugueses constituíram para o nosso País um factor de expansão territorial e económica; isto é, desde

o século XVI até princípios da década de sessenta do século passado, com uma regularidade

assinalável na fase mais recente, ocorreram os movimentos emigratórios para um território tão vasto

como o Brasil.

Assim, entre os anos de 1950 e 1976, verificou-se um fluxo emigratório superior a 1 milhão e trezentas

mil pessoas, com uma quebra significativa a partir do ano de 1974 e a componente feminina daquele

fluxo ter ultrapassado, nos anos de 1974 e 1975, a fasquia dos 50%; os países da União Europeia, os

Estados da América e o Canadá constituiram os principais destinos emigratórios de então.

Mas a análise dos fluxos emigratórios tem a ver também com as condições de implementação de uma

política de fixação relativamente aos territórios africanos, sendo ainda hoje recordado o comentário de

ser então mais difícil para os portugueses deslocarem-se e radicarem-se nas colónias do que em países

estrangeiros.

Por exemplo, analisando os fluxos emigratórios para África, verifica-se que, em 1960, emigraram para

a República da Àfrica do Sul 668 cidadãos e 142 para outros países africanos. Ressalta aqui a dúvida

de saber se, nestas estatísticas, por países de destino, da Secretaria de Estado da Emigração estão ou

não incluidas as saídas de nacionais para os territórios então sob administração portuguesa.

Somos levados a concluir pela negativa, não só pelo reduzidíssimo volume de fluxos, como pelo

tratamento estatístico diferenciado reservado aos movimentos de nacionais para aqueles territórios.

Não se pense que não existiu preocupação de estancar os fluxos emigratórios de nacionais, destinados

aos países dos continentes europeu e americano; com efeito, através do Decreto-Lei nº. 36.199, de 29

de Março de 1947, procurou-se suspender a emigração, tendo por base os argumentos seguintes:

* Defesa dos interesses económicos do País

* Valorização dos territórios ultramarinos

* Protecção devida ao próprio emigrante

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No entanto, relativamente ao segundo dos argumentos, somente no final da década de 60, início da

década de 70 se procede a uma inflexão no sentido de incrementar os fluxos emigratórios para os

territórios ultramarinos de África, tendo como causa próxima a intensificação e continuidade da guerra

em algumas das possessões ultramarinas e como objectivo o povoamento por compatriotas habilitados

e mobilizados para auxiliar ao desenvolvimento global dessas possessões.

Não só como alteração dos conceitos subjacentes ao fenómeno emigratório, especialmente a que

implementa a acção social, cultural e intelectual junto dos emigrantes, como na sequência da

necessidade de valorizar (bastante tardia) e defender aqueles territórios também com o seu

povoamento.

Aquela tardia inflexão no tratamento e gestão da emigração incidiu também na alteração da perspectiva

de análise dos emigrantes clandestinos, sucessivamente retratados e amnistiados, com a finalidade de

os reorientar, civil ou militarmente, para aqueles territórios sob administração portuguesa.

Aqui chegados, haveria ainda que nos debruçarmos sobre três realidades próximas e que

condicionaram e ainda condicionam a realidade política, social, económica, cultural e religiosa do

nosso País:

* O isolamento e o condicionamento

* Os territórios ultramanarinos

* A integração europeia

cuja análise objectiva deverá ser desenvolvida em tempo posterior e mais próximo da verdade histórica

que a sua importância exige para um melhor conhecimento da nossa identidade e das condições

estruturais de desenvolvimento.

Por isso, é sempre pertinente questionar se estas experiências emigratórias, verificadas no nosso País

até finais dos séculos XIX e XX, foram ou estão a ser devidamente aproveitadas para não se cair nos

mesmos erros de natureza política, isto é, de não acompanhar a evolução dos tempos associada à

implementação de uma autêntica política de desenvolvimento, aproveitando endogenamente todos

os nossos recursos?

Por outras palavras, será que nos próximos tempos ou decénios, a exportação de mão-de-obra

constituirá ou continuará a ser um expediente (não uma solução) idêntico ao que foi adoptado em

épocas passadas, necessário à viabilização das unidades económicas do País e à estabilidade social,

privilegiando mais uma vez a política de transporte em detrimento de uma política de fixação?