as muletas

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As Muletas Crônica de um homem que não conseguia andar e precisou de muletas

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Health & Medicine


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Page 1: As Muletas

As Muletas

Crônica de um homem que não conseguia andar e precisou de

muletas

Page 2: As Muletas

Ontem elas ainda não estavam em meu pensamento, mas hoje acordei pensando

nelas.

O corpo dolorido, parecendo mesmo que iria quebrar na altura do quadril; as pernas

fracas, moles, como se os ossos estivessem soltos no corpo.

Page 3: As Muletas

Ao me levantar da cama, pressenti que não poderia caminhar, que não conseguiria

firmar o corpo sem a ajuda de um apoio. Foi quando peguei o telefone e liguei para

uma farmácia.

Page 4: As Muletas

− Alô!

─ Alô!

─ Bom Dia! Vocês alugam muletas?

─ Não, não alugamos.

Mas deram o telefone de uma que alugava.

─ Alugamos, sim – foi a resposta que me deram.

Page 5: As Muletas

Combinamos o preço. Dei-lhes o endereço. Logo após desci para o café da manhã,

apoiando-me muito molemente na parede; que sacrifício!

Explicando melhor: moro num sobrado e durmo na parte de cima.

Page 6: As Muletas

Logo após o café, fui-me sentar no sofá da sala e fiquei no aguardo das muletas,

enquanto escrevia este relato.

Page 7: As Muletas

Dentro de instantes elas chegaram. Não sei se ficava alegre ou triste. Alegre por saber que teria apoio para meu corpo. Triste por saber que necessitava de apoio e por não

saber por quanto tempo precisaria usá-las.

Page 8: As Muletas

Enfim, admirei as muletas. Eram diferentes das que conhecia quando menino.

Naquela época elas eram de madeira, grossas e feias, com uma borracha na

ponta.

Tomei o peso. Além de bonitas são leves, pensei.

Page 9: As Muletas

Li atentamente o contrato de locação. Caso as perdesse pagaria uma nota pelo preço que estava ali declarado. Que valiam isso,

sinceramente, creio que não.

No entanto... Não, não contestei o contrato. Assinei-o e imediatamente o entreguei ao

rapaz da farmácia, que me animou:

Page 10: As Muletas

─ Se devolver antes dos quinze dias, devolvemos metade do dinheiro do

aluguel.

Sorri animado. Então as pessoas não usam muletas por muito tempo, e, sendo assim, eu também não as usarei. E as devolverei

em dois ou três dias, pensei.

Page 11: As Muletas

Se bem que, lá dentro de mim um anjinho maldoso e safado soprou: “E se você tiver de usar a vida inteira?” Vira sua boca pra

lá, ó seu... Me arrepiei inteirinho.

Com fé em Jesus Cristo, claro, as devolverei rapidinho. Vou usá-las somente

alguns poucos dias.

Page 12: As Muletas

O rapaz saiu e eu permaneci sentado. Depois, tirei o a fita adesiva que as

prendia e ensaiei na sala os primeiros passos, tal qual uma criança que se

agarra em móveis a fim de se firmar. Eu me firmei com certa desconfiança, porém,

me senti protegido.Sim, descobri que as muletas nos servem

de proteção.

Page 13: As Muletas

As Muletas

Autor: José Guimarães e Silva

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Pouso Alegre, 27 de outubro de 2014