as muletas
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As Muletas
Crônica de um homem que não conseguia andar e precisou de
muletas
Ontem elas ainda não estavam em meu pensamento, mas hoje acordei pensando
nelas.
O corpo dolorido, parecendo mesmo que iria quebrar na altura do quadril; as pernas
fracas, moles, como se os ossos estivessem soltos no corpo.
Ao me levantar da cama, pressenti que não poderia caminhar, que não conseguiria
firmar o corpo sem a ajuda de um apoio. Foi quando peguei o telefone e liguei para
uma farmácia.
− Alô!
─ Alô!
─ Bom Dia! Vocês alugam muletas?
─ Não, não alugamos.
Mas deram o telefone de uma que alugava.
─ Alugamos, sim – foi a resposta que me deram.
Combinamos o preço. Dei-lhes o endereço. Logo após desci para o café da manhã,
apoiando-me muito molemente na parede; que sacrifício!
Explicando melhor: moro num sobrado e durmo na parte de cima.
Logo após o café, fui-me sentar no sofá da sala e fiquei no aguardo das muletas,
enquanto escrevia este relato.
Dentro de instantes elas chegaram. Não sei se ficava alegre ou triste. Alegre por saber que teria apoio para meu corpo. Triste por saber que necessitava de apoio e por não
saber por quanto tempo precisaria usá-las.
Enfim, admirei as muletas. Eram diferentes das que conhecia quando menino.
Naquela época elas eram de madeira, grossas e feias, com uma borracha na
ponta.
Tomei o peso. Além de bonitas são leves, pensei.
Li atentamente o contrato de locação. Caso as perdesse pagaria uma nota pelo preço que estava ali declarado. Que valiam isso,
sinceramente, creio que não.
No entanto... Não, não contestei o contrato. Assinei-o e imediatamente o entreguei ao
rapaz da farmácia, que me animou:
─ Se devolver antes dos quinze dias, devolvemos metade do dinheiro do
aluguel.
Sorri animado. Então as pessoas não usam muletas por muito tempo, e, sendo assim, eu também não as usarei. E as devolverei
em dois ou três dias, pensei.
Se bem que, lá dentro de mim um anjinho maldoso e safado soprou: “E se você tiver de usar a vida inteira?” Vira sua boca pra
lá, ó seu... Me arrepiei inteirinho.
Com fé em Jesus Cristo, claro, as devolverei rapidinho. Vou usá-las somente
alguns poucos dias.
O rapaz saiu e eu permaneci sentado. Depois, tirei o a fita adesiva que as
prendia e ensaiei na sala os primeiros passos, tal qual uma criança que se
agarra em móveis a fim de se firmar. Eu me firmei com certa desconfiança, porém,
me senti protegido.Sim, descobri que as muletas nos servem
de proteção.
As Muletas
Autor: José Guimarães e Silva
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Pouso Alegre, 27 de outubro de 2014