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As melhores historias 1001 noites

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T E X T O D E

C A R L O S H E I T O R C O N Y

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Coordenação editorial | SHEILA KAPLAN

Preparação de originais | MARIA JOSÉ DE SANT’ANNA E JORGE AMARAL

Produção editorial | CRISTIANE MARINHO

Assistentes de Produção | CHRISTIANE CARDOZO, FELIPE SCHUERY,

GILMAR MIRÂNDOLA E JULIANA FREIRE

Revisão | RICARDO BENEVIDES, SANDRA PÁSSARO E JACQUELINE GUTIERREZ

Capa, Projeto Gráfico | FOLIO DESIGN – CRISTIANA BARRETTO E FLÁVIA CAESAR

Editoração Eletrônica | DTPHOENIX EDITORIAL

Produção Gráfica | JAQUELINE LAVÔR

Copyright © by Carlos Heitor Cony

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998.É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização

prévia, por escrito, da editora.

EDITORA NOVA FRONTEIRA PARTICIPAÇÕES S.A.

R. Nova Jerusalém, 345 – Bonsucesso – RJCep.: 21042-230 – Rio de Janeiro – RJ

Tel.: (21)3882-8200 – Fax: (21)3882-8212 / 8313

CIP-BRASIL. Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

C784m2.ed.

CDD 028.5CDU 087.5

Cony, Carlos Heitor, 1926-As melhores histórias das mil e uma noites / texto em português de

Carlos Heitor Cony. — 2.ed. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

ISBN 978-85-209-2797-7

1. Literatura infantojuvenil. I. Título. II. Título: Mil e uma noites.

01-1579

Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico

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S U M Á R I O

Introdução 7

O Autor 11

SSSSSINDBÁINDBÁINDBÁINDBÁINDBÁ, , , , , OOOOO M M M M MARUJOARUJOARUJOARUJOARUJO 13Prólogo 15Primeira viagem 18Segunda viagem 24Terceira viagem 30Quarta viagem 39Quinta viagem 49Sexta viagem 55Sétima viagem 64

AAAAALLLLLADIMADIMADIMADIMADIM EEEEE AAAAA L L L L LÂMPÂMPÂMPÂMPÂMPADAADAADAADAADA M M M M MARAARAARAARAARAVILHOSAVILHOSAVILHOSAVILHOSAVILHOSA 73O menino vadio 75O falso tio 78O mágico 81O tesouro escondido 85A lâmpada maravilhosa 90A mina de prata 95A princesa Badrulbudur 99A proposta de casamento 104O sultão falta à palavra 109O rapto dos noivos 112O presente de casamento 119O príncipe Aladim 124

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O palácio encantado 128A janela inacabada 133A volta do mágico africano 137O roubo da lâmpada 141A cólera do sultão 144A ajuda providencial 148O fim do mágico 153O retorno 158

O CO CO CO CO CALIFAALIFAALIFAALIFAALIFA DEDEDEDEDE B B B B BAGDÁAGDÁAGDÁAGDÁAGDÁ 163História do cego Baba-Abdala 168História de Sidi Numan 176História de Codja Hassan 186

AAAAALILILILILI B B B B BABÁABÁABÁABÁABÁ EEEEE OSOSOSOSOS Q Q Q Q QUUUUUARENTARENTARENTARENTARENTAAAAA L L L L LADRÕESADRÕESADRÕESADRÕESADRÕES 207A caverna 209A inveja 212O castigo 215O enterro 218O espião 222O plano 225O mercador 228A surpresa 232O impostor 235Morgiana 239

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O OURO E O AMOR

Desde os primeiros momentos de sua história, o ser humano ado-tou a ficção como meio de expressar o sonho e a reflexão sobre o mundo esobre si mesmo. Das remotas civilizações que marcaram o começo literárioda humanidade, três relatos se destacaram e sobrevivem até hoje. Apesar defragmentários, e quase sempre fantásticos, eles constituem o núcleo histó-rico mais importante do pensamento que acompanha o homem desde ascavernas ao mundo digital em que hoje vivemos.

Ao contrário da Bíblia, notadamente em seu primeiro testamento, eda mitologia grega ampliada de alguma forma pela cultura latina, os extraordi-nários relatos de As mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noites, que genericamente podem ser conside-rados como a mitologia da cultura árabe, não têm como base, princípio, meioe fim, a relação entre Deus (ou os deuses) e o homem. No relato atribuído aSherazade, a mulher que adiou a morte por mil e uma noites, encantando osultão com suas histórias, a relação é exclusivamente humana, e o próprio des-tino que nela intervém é também um destino humano e nunca divino. É oDestino.

Daí a diferença essencial entre os três relatos, dos mais antigos dacultura universal. No Velho Testamento, os personagens principais são umSenhor e seu povo. Na mitologia greco-latina, os senhores se misturamcom o povo. Nos dois casos, o destino da humanidade e de cada homemem particular é condicionado por sua relação com o elemento superior, adivindade, monoteísta na Bíblia, politeísta na mitologia.

As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites se diferem e até certo ponto agridem estaconcepção religiosa dos dois relatos anteriores. É uma rapsódia profana, emque os homens, em si mesmos, cumprem um papel divinatório, pois su-

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A S M E L H O R E S H I S T Ó R I A S D A S M I L E U M A N O I T E S

bordinados estão ao Destino — que não chega a ser um Deus, pois nadaexige dos homens, fazendo deles o que bem entende.

Escapa a esta apresentação, que agora a fazemos, de alguns doscontos mais famosos de As mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noites o tradicional estudo sobre asorigens, os autores, a técnica e a influência dos mesmos no imaginário dohomem de todas as épocas. Temos, em língua portuguesa, o texto de AlbertoDiniz e a maravilhosa apresentação de Malba Tahan, que foi o maior e maisbem-sucedido divulgador da cultura árabe entre nós. Este texto pode serencontrado na luxuosa edição que a Nova Fronteira acaba de lançar e quepermanece como um dos best-sellers tradicionais da literatura universal.

(Aproveito a oportunidade de citar o professor Júlio César de Melloe Souza, a quem conheci pessoalmente. Pude expressar-lhe a admiração eaté mesmo o carinho que as suas obras me inspiraram, obras que todosconhecemos e amamos, escritas sob o pseudônimo mais famoso de nossaliteratura: Malba Tahan.)

Como na Bíblia e na Mitologia alguns personagens e episódios sedestacam, entrando em nosso cotidiano e sendo lembrados a qualquer ins-tante pelas recorrências que a experiência de cada um encontra nas histó-rias bíblicas e mitológicas. Assim, também, alguns contos de As mil e umaAs mil e umaAs mil e umaAs mil e umaAs mil e umanoites noites noites noites noites tornaram-se mais conhecidos do que outros, funcionando como en-cantadoras metáforas da aventura humana em busca de dois elementosque, afinal, condicionam o destino do homem: o amor e a fortuna.

Enquanto a Bíblia e a mitologia não podem ser analisadas sem seatentar para caráter teocrático de seus episódios, em As mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noiteseste aspecto religioso ou confessional está ausente. São homens que se en-volvem com homens, e o caráter mágico de alguns deles não se deve anenhuma divindade, mas ao Destino, que funciona não como um deus,mas como um homem insensível e poderoso, dono de tudo e de todos, quenão precisa ser adorado nem bajulado para reger desta ou de outra forma avida de cada um ou de todos.

Os contos de As mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noites da presente edição, narrados pormim, foram publicados pela então Edições de Ouro, Edições de Ouro, Edições de Ouro, Edições de Ouro, Edições de Ouro, em volumes separa-dos, na forma de livros de bolso. São talvez dos mais conhecidos da litera-

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I N T R O D U Ç Ã O

tura universal, penetrando de diversas formas no fabulário da humanidadecomo um todo.

Têm em comum a mesma obsessão dos demais contos, direcionadosquase sempre para o ouro e o amor. Enquanto os relatos bíblicos e mitoló-gicos estão voltados para a relação com a divindade, criando um conjuntode regras morais, e cuja finalidade última é a glória celestial ou o poderterreno, no caso dos contos que agora republicamos prevalece a busca (ou aluta) pela riqueza e pelo amor. São dois objetivos precisos que regem asaventuras extraordinárias dos contos orientais.

Há que vestir os amantes com roupas cobertas de pedrarias, há quehabitar palácios que brilham como diamantes, leitos incrustados de pérolas,diamantes e rubis, cavernas abarrotadas de tesouros. O imaginário árabe nãoentende a felicidade na miséria, não aceita o amor em cenário esquálido.

Para isso, dominando os caminhos de acesso ao ouro e ao amor, oDestino funciona não como um Deus bíblico ou mitológico, mas comoum poderoso senhor que nada pede em troca. Basta-se, ao exercer o poderde forma arbitrária, insensível à prece, à moral, a qualquer interesse cons-ciente. Neste particular, os contos de As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites As mil e uma noites reduzem a aven-tura humana ao próprio homem, condenando-os ou exaltando-os.

Apesar do colorido oriental, da paisagem encharcada de areia, ca-melos, palmeiras, tâmaras e beduínos, as fábulas de As mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesAs mil e uma noitesnos acompanham há séculos. Nada desejam nos ensinar, nada nos cobrama não ser o direito de sermos felizes, seja a custa do ouro ou do amor.

CARLOS HEITOR CONY

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Carioca, Carlos Heitor Cony fez Humanidades e curso de Filosofia no Se-minário de São José. Estreou na literatura ganhando por duas vezes conse-cutivas o Prêmio Manuel Antônio de Almeida (em 1957 e 1958). Suacarreira no jornalismo, iniciada em 1952, no Jornal do BrasilJornal do BrasilJornal do BrasilJornal do BrasilJornal do Brasil, foi continua-da no CorrCorrCorrCorrCorreio da Meio da Meio da Meio da Meio da Manhãanhãanhãanhãanhã, do qual foi redator, cronista, editorialista e edi-tor. Atualmente, é colunista diário da FFFFFolha de S.Polha de S.Polha de S.Polha de S.Polha de S.Pauloauloauloauloaulo..... Suas colunas sãoreproduzidas em diversos jornais do país. Recebeu também os seguintesprêmios: Machado de Assis (1996) — “Quase Memória”; Nestlé de Lite-ratura Brasileira (1997) — “O Piano e a Orquestra”; Jabuti (1996, 1998 e2000); Livro do Ano (1996 e 1998) — “Quase Memória” e “A Casa doPoeta Trágico”. É membro da Academia Brasileira de Letras.

O A U T O R

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P R Ó L O G O

No reinado do califa Harun al-Rachid, entre os anos de 768 e809, existia em Bagdá — a mais importante cidade do Oriente Médio naépoca, hoje capital do Iraque — um humilde carregador chamado Hindbá.

Num dia de intenso calor, com o sol no meio do céu, ia Hindbá deporta em porta transportando pesada carga. Chegando a uma rua ondesoprava uma brisa, resolveu parar um pouco para refazer as forças, poisainda lhe restava longa caminhada. Colocou a carga no chão e sentou-sesobre ela, defronte a uma grande e magnífica residência.

Mal havia sentado, Hindbá notou que o ar tocado pela brisa estavaimpregnado de diferentes aromas. O calçamento da rua, diante da casa,fora banhado com água de rosas. Do seu jardim vinha um delicioso perfu-me de aloés e de cravos. E das suas janelas saía o cheiro apetitoso de váriasespécies de iguarias. Além disso, o carregador ouvia uma música tocada pordiversos instrumentos, e acompanhada, do lado de fora, pelo harmoniosoconcerto dos rouxinóis.

Da música e das iguarias, Hindbá concluiu que naquela casa serealizava um banquete. Desejou saber quem vivia ali, pois não passava comfrequência por aquela rua. Para satisfazer a curiosidade, aproximou-se deum criado bem-vestido que estava à porta, e perguntou-lhe quem era odono de tão bela e rica moradia.

— Como? — estranhou o criado — Você mora em Bagdá e nãosabe que esta é a casa de Sindbá, o famoso viajante que percorreu todos osmares iluminados pelo sol?

O carregador, que já ouvira falar da fabulosa fortuna de Sindbá, oMarujo, não pôde deixar de sentir inveja de um homem cuja situação eratão invejável quanto a sua própria era deplorável. Amargurado por aquelecontraste, ergueu os olhos para o céu e disse alto o bastante para ser ouvido:

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S I N D B Á , O M A R U J O

— Poderoso criador de todas as coisas! Considerai a diferença entreSindbá e eu. Sofro todos os dias mil fadigas e mil necessidades, e sabeiscom que esforço sustento a mim e a minha família, a pão de cevada, en-quanto o venturoso Sindbá esbanja fortunas em banquetes e leva uma vidade nababo. Que fez ele para merecer de vós destino tão privilegiado? E quefiz eu para merecer destino tão cruel?

E Hindbá bateu várias vezes com o pé no chão, dominado pelodesespero. Estava ainda remoendo a sua amargura quando da casa saiu umcriado que se encaminhou para ele e o pegou pelo braço.

— Siga-me — disse o criado. — Sindbá, meu senhor, quer falar-lhe.Hindbá mostrou-se surpreendido e atemorizado. Após as palavras

que pronunciara, receava que Sindbá o chamasse para tomar-lhe satisfaçõese maltratá-lo. Por isso tentou esquivar-se dizendo que não podia abandonaro fardo no meio da rua. Mas o criado assegurou que cuidariam da suacarga. E tanto insistiu em cumprir a ordem recebida que o carregador viu--se obrigado a ceder e a acompanhá-lo.

Foi introduzido numa grande sala, onde se encontravam muitaspessoas em volta de uma mesa coberta de iguarias. No lugar de honra, via--se um grave personagem, de imponente aspecto, com longa e venerávelbarba branca. Atrás dele, de pé, uma profusão de criados ocupava-se emservi-lo. Era Sindbá.

A perturbação do carregador cresceu à vista de tanta gente e de tãosoberbo banquete. Trêmulo, curvou-se em saudação aos convivas. Sindbápediu-lhe que se aproximasse e ofereceu-lhe o assento à sua direita. Em se-guida, mandou que lhe servissem dos melhores pratos e dos melhores vinhos.

Quando todos terminaram de comer, Sindbá dirigiu-se a Hindbá,a quem tratou de irmão (segundo o costume dos árabes quando desejamdemonstrar simpatia), perguntando-lhe como se chamava e qual era a suaprofissão.

— Chamo-me Hindbá, senhor, e sou carregador.— Estou contente de tê-lo à mesa entre meus convidados, Hindbá.

Antes de sentar-me aqui, por acaso passava perto da janela e ouvi o que vocêdisse na rua.

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Embaraçado, Hindbá baixou a cabeça, e desculpou-se:— Senhor, confesso que o cansaço me pôs mal-humorado e deixei

escapar palavras inconvenientes, pelas quais peço perdão.— Oh, não creia que eu seja homem de ressentimentos — disse

Sindbá. — Compreendo a sua situação. Não o censuro pelas queixas quefez, fique certo de que me compadeço de você. Mas é preciso que eu escla-reça um engano de sua parte. Imagina, sem dúvida, que adquiri, sem sofri-mento e sem trabalho, todo esse conforto de que me vê rodeado. Pois saibaque somente cheguei onde estou depois de passar por todas as provações efadigas de corpo e de espírito concebíveis pela imaginação humana.

E, voltando-se para todos os convidados, continuou:— Sim, senhores, afirmo-lhes que as experiências que sofri foram

tão extraordinárias que seriam capazes de tirar ao homem mais ávido deriquezas o desejo de possuí-la. Talvez os senhores só tenham ouvido falarconfusamente das minhas estranhas aventuras nas sete viagens que realizeiatravés dos mares. Como a ocasião é oportuna, vou contar-lhes fielmentecomo tudo aconteceu. Tenho certeza de que a minha narrativa não os abor-recerá.

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P R I M E I R A V I A G E M

1. Grande cidade da Ásia, situada abaixo da confluência do Tigre e do Eufrates, no Iraque. (N. do E.)2. Segundo os árabes, essas ilhas situavam-se além da China. São, provavelmente, as ilhas do Japão,

e tiraram seu nome de um fruto. (N. do E.)

“Da minha família herdei uma considerável fortuna, cuja maiorparte dissipei em extravagâncias na mocidade. Um dia, entretanto, caí emmim e percebi que as riquezas são perecíveis, e que logo as minhas acaba-riam se continuassem sendo consumidas daquela maneira. Refleti tambémque, com aquela vida desregrada, eu gastava pessimamente, além do meudinheiro, o tempo, que é o bem mais precioso de todos. Raciocinei aindacomigo que devia ser a última e mais deplorável das misérias ser pobre navelhice. A este respeito, lembrei-me das palavras do grande Salomão, queouvi certa vez da boca do meu pai: ‘É menos triste estar no túmulo do que naindigência.’

Impressionado com todas essas reflexões, decidi mudar de vida. Fizum balanço do que restava de minhas riquezas e vendi em leilão, em plenomercado, tudo o que podia ser vendido. Em seguida, procurei alguns mer-cadores que negociavam por mar e ouvi seus conselhos, decidido a investirnessa atividade o dinheiro que me sobrava. Rumei então para Bassorá,1

onde embarquei com vários outros mercadores num navio fretado por nós.Zarpamos e seguimos a rota da Índia Oriental pelo golfo Pérsico,

formado pelas costas da Arábia Feliz, à direita, e da Pérsia à esquerda, ecuja maior largura, segundo me disseram, era de setenta léguas. Alémdesse golfo, começa o vastíssimo mar do Levante, o mesmo que banha aÍndia, e que se estende por quatro mil e quinhentas léguas até as ilhas deVakvak.2 Ali paramos em diversas ilhas, onde vendemos ou trocamos nos-sas mercadorias.

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Um dia, quando navegávamos, fomos atingidos por uma calmariaem frente a uma ilhota quase à flor da água, que parecia um pequeno pra-do. O capitão mandou recolher as velas e permitiu que os que quisessemfossem à terra. Fiz parte dos que desembarcaram. Mas, quando estávamos acomer e a beber, e a repousar da fadiga do mar, a ilha de repente estreme-ceu, e nos sacudiu com força.

Do navio nos gritaram que voltássemos imediatamente para bordo,pois o que nos parecera uma ilha não passava do dorso de uma baleia. Osmais espertos apoderaram-se logo da chalupa, outros lançaram-se ao mar etentaram se salvar a nado. Quanto a mim, estava ainda na ilha, ou antes emcima da baleia, quando ela mergulhou, só me dando tempo de agarrar umpedaço de madeira que havíamos trazido do navio para fazer fogo.

Entretanto, o capitão, após recolher os que tinham ido na chalupae alguns dos que tinham ido a nado, julgando os demais mortos, e queren-do aproveitar a súbita brisa favorável, deu ordem de içar as velas, tirando--me a esperança de alcançar o navio.

Fiquei, pois à mercê das ondas. Contra elas disputei a minha vidao resto do dia e a noite inteira. Na manhã seguinte, já não me sobravamforças, e estava quase a me dar por vencido, aguardando a morte, quando omar me lançou a uma ilha, de costa alta e escarpada. De nada me adiantaria,pois não conseguiria subir, se não fosse o auxílio de algumas raízes de árvores,que a sorte parecia ter colocado ali para a minha salvação. Ao chegar lá emcima, estendi-me sobre a terra, onde fiquei semimorto por várias horas.

Então, embora enfraquecido pela luta contra o mar, e por estar semalimento há várias horas, arrastei-me à procura de ervas comestíveis. Acheialgumas, e tive a sorte de encontrar também uma fonte de excelente água,que ajudou a me recuperar mais depressa. Recobradas as forças, entrei pelailha adentro, caminhando ao acaso, e cheguei a uma bela planície, onde vi delonge um cavalo. Para ele me dirigi, entre o temor e o júbilo, pois não sabiase estava indo ao encontro de minha perdição ou da minha salvação.

Ao me aproximar, notei que se tratava de uma égua, e que ela esta-va amarrada a uma estaca. Olhei em todas as direções, temeroso, e aindahesitava sobre se devia ou não avançar quando ouvi a voz de um homem.

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Após um instante, ele apareceu na entrada de uma gruta, veio em minhadireção e perguntou-me quem eu era. Contei-lhe a minha aventura, e ele,pegando-me amistosamente pelo braço, levou-me para dentro da gruta,onde se encontravam outras pessoas que se espantaram ao ver-me, tantocomo eu me espantei de vê-las ali.

Ofereceram-me comida. Perguntei-lhes o que faziam em um lugaraparentemente tão ermo. Responderam que eram palafreneiros do rei Mihrage,soberano da ilha. Todos os anos, na mesma estação, tinham por costumetrazer as éguas do rei àquele lugar e as prendiam como eu havia visto, paraque as cobrisse um cavalo-marinho saído do mar. E o cavalo--marinho, depois de cobri-las, tentava devorá-las, o que eles impediam comgritos, forçando-o a voltar para a água novamente. Em seguida, levavam devolta as éguas, e os cavalos que nasciam destinavam-se ao rei e eram chama-dos de cavalos-marinhos. Disseram que partiriam no dia seguinte, e que seeu tivesse chegado um dia mais tarde, estaria irremediavelmente perdido,pois a aldeia ficava distante e seria impossível a ela chegar sem guia.

Enquanto conversávamos, o cavalo-marinho saiu do mar, como mehaviam contado, cobriu a égua e quis, depois, devorá-la. Mas, diante doenorme barulho feito pelos palafreneiros, abandonou a presa e mergulhououtra vez no mar.

No dia seguinte tomaram o caminho de volta à aldeia, e eu osacompanhei. À nossa chegada, o rei Mihrage, a quem fui apresentado, per-guntou-me quem eu era e por que me encontrava no seu país. Quando lherelatei tudo o que me havia acontecido, disse que lamentava o meu infortú-nio. Acolheu-me como seu hóspede, reservando aposentos para mim e or-denando que nada me faltasse. Agradeci sensibilizado a hospitalidade dorei e do seu povo.

Sendo eu mercador, procurei entrar em contato com os compa-nheiros de profissão sediados no lugar. Tentei localizar especialmente osestrangeiros, tanto para saber notícias de Bagdá como para ver se encontra-va algum com o qual pudesse retornar à minha cidade, pois a capital do reiMihrage estava situada à beira do mar e possuía um belo porto, onde iamter navios dos mais diversos pontos do mundo.

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Procurei também a companhia dos sábios da Índia, pois gostava de

ouvi-los, o que não me impedia de visitar regularmente o rei e de me entre-

ter com governadores e pequenos reis, seus tributários, que viviam em tor-

no dele. Faziam-me mil perguntas sobre meu país. E, quanto a mim, que-

rendo instruir-me nos seus costumes e nas suas leis, perguntava-lhes tudo

que despertava a minha curiosidade.

Um dia vi chegar um navio ao porto. Quando ancorou, começou-

-se imediatamente o trabalho de descarregamento das mercadorias. Os mer-

cadores a quem pertenciam mandavam transportá-las para armazéns.

Relanceando o olhar por alguns fardos e pelos rótulos que indicavam a

quem pertenciam, li o meu nome. Após examiná-los detidamente, não tive

mais dúvida de que eram os mesmos que eu embarcara no navio em Bassorá.

Reconheci também o capitão. Mas, como estava certo de que ele me julga-

va morto, acerquei-me dele e perguntei-lhe a quem pertenciam os fardos

que eu acabava de ver.

— Existia a bordo — respondeu-me ele — um mercador de Bag-

dá, chamado Sindbá. Um dia fomos atingidos por uma calmaria perto do

que nos pareceu uma pequena ilha, na qual ele desembarcou com outros

companheiros. Mas a suposta pequena ilha não passava de uma enorme

baleia adormecida à flor da água. Mal foi despertada pelo fogo que haviam

acendido sobre o seu dorso para cozinhar alimentos, sacudiu fora os que

lhe vinham perturbar o sono e começou a mergulhar. A maioria dos desem-

barcados afogou-se, e entre eles o infeliz Sindbá. Estes fardos lhe perten-

ciam, e resolvi vendê-los para, quando encontrar algum membro da sua

família, entregar-lhe o capital e o lucro.

— Capitão — disse eu então —, sou o Sindbá que julga morto, e

que, pelo contrário, está bem vivo. Estes fardos me pertencem.

Quando o capitão me ouviu falar assim, exclamou:

— Por Deus, não se pode confiar hoje em mais ninguém! Já não há

boa-fé entre os homens. Vi Sindbá morrer, com meus próprios olhos, e

você ousa dizer que é Sindbá! Que audácia! Dei-me ao trabalho de contar-lhe

essa história porque acreditei que fosse um homem de bem. No entanto,

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paga-me a boa-fé tentando iludir-me com essa descarada falsidade, no in-tuito de se apoderar do que não lhe pertence.

— Se tem dúvida, escute então a minha história — repliquei.— Pois bem, fale que eu escuto.Contei-lhe, então, como me havia salvado, e as circunstâncias que

me levaram a encontrar os palafreneiros do rei Mihrage. As minhas palavraso convenceram de que eu não era um impostor. Além disso, alguns tripu-lantes do navio me reconheceram e vieram ao meu encontro, testemunhan-do sua satisfação de rever-me são e salvo.

Finalmente, o próprio capitão me reconheceu, e abraçando-me disse:— Deus seja louvado por ter conseguido escapar de tão grande

perigo. Não posso exprimir a alegria que sinto. Eis os seus bens. Tome-os,e faça deles o que quiser.

Agradeci-lhe, louvei a sua honestidade e, para demonstrar o meureconhecimento, roguei que aceitasse algumas mercadorias, mas ele recusou.

Escolhi o que havia de mais precioso entre os meus fardos e oferecide presente ao rei Mihrage, depois de explicar-lhe a maneira pela qual euos recobrara. O rei teve a bondade de se alegrar com a minha sorte e aceitouo meu presente, em troca do qual me deu outros mais valiosos. Despedi--me e embarquei no navio. Antes, porém, troquei as minhas mercadoriaspor outras do lugar. Levei comigo aloés, sândalo, cânfora, noz-moscada,cravo-da-índia, pimenta e gengibre.

Passamos por várias ilhas, e chegamos finalmente a Bassorá, de ondeatingi Bagdá, trazendo uma fortuna de cem mil cequins. Minha famíliachorou de alegria ao me ver, mal acreditando nos seus olhos, e foi tambémemocionado que os revi. Comprei terras, escravos de ambos os sexos, emandei construir uma grande casa. Enfim, estabeleci-me novamente, re-solvido a esquecer os dissabores pelos quais havia passado e a gozar os pra-zeres da vida.”

Sindbá deteve-se nesse ponto da sua narrativa e ordenou que amúsica recomeçasse. A festa continuou até o anoitecer. Quando os convi-dados se retiraram, Sindbá mandou que lhe trouxessem uma bolsa de cemcequins e estendeu-a ao carregador, a quem disse:

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T E X T O D E C A R L O S H E I T O R C O N Y

— Tome, Hindbá, vá para casa, e volte de novo amanhã para ouvira continuação da minha história.

O carregador retirou-se, confuso com a honra e o presente quemarcaram o seu dia. Chegando em casa, contou tudo à mulher e aos filhos,e juntos agradeceram a Deus o auxílio que lhe concedia por intermédio deSindbá.

No dia seguinte, trajado muito mais decentemente do que na vés-pera, Hindbá voltou à casa do grande viajante, que o acolheu com a mesmaboa vontade e gentileza. Quando chegaram os outros convidados, iniciou--se o banquete, findo o qual Sindbá tomou a palavra e disse:

— Senhores, ouçam a narração das aventuras que me aconteceramna segunda viagem. Posso garantir que são ainda mais extraordinárias edignas da sua atenção.

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