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As Joias de Kinfarlie

01 - A Noiva DeKinfairlie

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Resumo

Escócia, 1421.

Lady Madeline foge de casa — depois de ter sua mão leiloada contra a sua vontade por seu irmão para que houvesse uma boca a menos a alimentar em Kinfairlie durante o difícilinverno que se aproxima — a fim de não ser obrigada a casar com um homem que sequer viraantes. Mas o noivo desconhecido a resgata e casamento se realiza.

Rhys FitzHenry é um misterioso cavalheiro galês, atraente, generoso e com talento paracontar histórias encantadoras – mas sua cabeça está a prêmio por traição contra a Coroa.

Lentamente, Madeline passa a acreditar na inocência de Rhys e entre eles emerge oamor... Um amor que em breve será posto à prova, já que a jovem senhora terá que salvar a vidade seu amado, frente a um antigo inimigo...

Nota da Revisora:

O livro é muito gostoso. A história se passa nos fins da IdadeMédia. Mocinho e mocinha são uns encantos. Fortes, corajosos echeios de recursos. A história é enriquecida com contos da IdadeMédia e uma travessa fada.

Disponibilização e Tradução PRT

Revisão: Edith Suli

Revisão Final: Daniela Rochae Carminha

Formatação: Ana Paula

Arte e Logo: Iara

Projeto Revisoras Traduções

Livro revisado da Lista Global da qual fazem parte os seguintes grupos:

Projeto Revisoras Traduções

Adoro Romances em Ebooks

Traduções Digitalizações – TeD

PDL

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Prólogo

Kinfairlie, costa oriental da Escócia, abril de 142.

Alexander, magnificente Lorde de Kinfairlie, cravou um olhar ardente em sua irmã.Não houve efeito imediato.De fato, Madeline brindou—o com um sorriso cativante. Era uma mulher formosa,

de cabelo escuro e olhos azuis; essa combinação de cores fazia sua beleza tão chamativaque os homens costumavam olhá—la com espantada admiração. Além disso, eraabsolutamente encantadora e inteligente. Isso, somado à vintena de homens desejosos deobter a mão dela, não faziam mais que aumentar a irritação do irmão por ela recusar—se acasar.

— Não há motivos para essa cara de aborrecimento, Alexander – disse Madeline,em tom irônico — Minha objeção é razoável.

— Não há nada razoável no fato de uma mulher, aos vinte e três anos, insistir empermanecer solteira — grunhiu ele — Não posso entender o que papai tinha na cabeça,para não tê—la casado decentemente há dez anos.

Os olhos de Madeline cintilaram.— Papai levava em consideração que eu amava James e me casaria com ele no

momento certo.

— James está morto. — replicou Alexander, com mais aspereza do que desejava.Já tinham discutido isso dezenas de vezes e ele estava farto da teimosia da irmã em aceitar o óbvio — Morreu há quase um ano.

A face de Madeline ficou sombria e ela ergueu o queixo.— Não há nenhuma certeza disso.— Morreram todos aqueles que participaram do ataque inglês aos franceses em

Rougemont. O fato de não haver nenhum sobrevivente para contar como tudo aconteceunão muda as coisas. – Alexander suavizou o tom de voz ao ver que ela afastava o olhar piscando para conter as lágrimas – Ambos teríamos preferido outro destino para James,mas você deve aceitar que ele não retornará.

Alexander notou com alívio que Madeline erguia as costas e o fogo ressurgia nosolhos dela. Era um bom sinal vê—la com ânimo para discutir com ele.

— Compreendo que as feridas do coração demoram a cicatrizar, Madeline, mas otempo está passando para ti.

Ela arqueou uma sobrancelha.— Para todos nós, meu irmão. Por que você não se casa primeiro?— Porque não é necessário. — Alexander voltou a fulminá—la com o olhar,

novamente sem resultado. Sabia que falava como se Madeline fosse cinquenta anos mais

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velha, mas não podia evitar. Aborrecia—se com a resistência dela emobedecer as suas

ordens — Case—se, nem que seja por consideração às suas quatro irmãs mais novas, paraque elas também possam fazê—lo.

— Eu não estou impedindo as núpcias delas.— Elas não querem se casar antes de você, como bem sabe. Assim me informaram

Vivienne, Annelise e Isabela. Só estou tentando fazer o que é mais conveniente, mas estãotodas contra mim! — Alexander ergueu bruscamente as mãos e se levantou a fim decaminhar pelo aposento, frustrado. Madeline, a muito malvada, olhava divertida para ele.Como sempre, encontrava consolo aborrecendo—o! Girou—se para enfrentá—la.

— Não é pouca coisa converter—se em Lorde de uma Fortaleza – ela comentou,aprofundando a expressão dos olhos. — E, além disso, encarregar—se de todos nós. Masvocê era muito mais alegre há apenas um ano, Alexander.

— É compreensível! Isso é um inferno! – ele gritou para sentir—se melhor — Nenhuma de vocês faz nada para aliviar minhas responsabilidades! Por acaso é absurdopedir que se casem? Tento assegurar o futuro de todos, mas me desafiam a cada passo!

Madeline inclinou a cabeça de lado; seus olhos começaram a faiscar, um sorrisoerguendo os cantos dos lábios.

— Você não imagina como é doce a vingança pelas brincadeiras de mau gosto quevocê nos preparou todos esses anos. Quão delicioso é desbaratar os seus planos, agoraque, repentinamente, você se tornou tão severo e decoroso. Lembre—se de todas as rãs

que pôs em meus lençóis, de todas as serpentes que encontrei em minhas sapatilhas!— Não permitirei isso! — rugiu ele, golpeando a mesa que se interpunha entre

ambos.Madeline estalou a língua, como se reprovasse o arrebatamento dele.— E eu não me casarei. — O tom suave da voz dela não combinava com a

determinação em seu olhar. – Ainda mais assim, tão repentinamente. Seja como for, emnossos cofres não há dinheiro suficiente para um dote; então, podemos perfeitamenteadiar essa discussão até que o dízimo seja cobrado, no outono.

Alexander voltou—se para a janela a fim de ocultar a expressão transtornada.Sentia—se como se houvesse uma tira de aço rodeando seu peito, pelos fatos que suacrédula irmã ignorava: segundo informara o governador do castelo, os dízimos daqueleano seriam muito escassos. As chuvas da primavera tinham sido torrenciais, as poucassementes que as águas não haviam levado apodreciam na terra.

Era incrível que ele, Alexander, jamais se preocupasse com isso antes. Aquantidade de questões que agora precisava saber resolver era espantosa. Como seu paitinha conseguido lidar com tantos problemas? Como é que pudera ser um homem tãoalegre e risonho, carregando tal peso nos ombros?

Alexander sentia—se quase esmagado sob o fardo da súbita responsabilidade. Seuolhar vagou pelo mar que batia abaixo das torres de Kinfairlie; uma vez mais, lamentou a

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perda dos pais. Sabia que o desafio de suas irmãs era uma forma de negar a cruelrealidade da perda repentina deles, mas sabia igualmente que, no Inverno vindouro, não

poderia alimentar todos os moradores atuais da fortaleza. Assim fora informado pelogovernador, em termos definitivos.

Portanto, suas irmãs deviam se casar. E ao menos as duas mais velhas tinham quefazê—lo imediatamente, nesse mesmo verão. Todas já estavam em idade casadoira: entredoze e vinte e três anos. O único obstáculo para seus planos era a teimosia de Madeline.

Alexander virou—se para a irmã e detectou a preocupação que ela imediatamentetentou ocultar. Sem dúvida, ela devia perceber como estava sendo difícil para ele ter queconverter—se em uma pessoa responsável. Madeline tinha que saber que ele assumia essedever pelo bem de todos. E, mesmo assim, ela o desafiava.

— Você poderia ao menos fingir que me obedece – argumentou Alexander, com araiva palpitando em suas palavras — Poderia procurar aliviar o meu fardo, Madeline, emvez de, juntamente com nossas irmãs, insistir em me contrariar.

Ela se aproximou um pouco mais. — E você poderia ao menos perguntar – replicou; o brilho de safira nos olhos revelando que não concederia a vitória facilmente — Na verdade, Alexander, você ultimamente tem sido tão autoritário, que até um santoficaria tentado a contrariá—lo, apenas pelo prazer de arruinar seus planos. Desde que setornou umlorde , você se converteu em outro homem e nada faz para ser simpático.

— É meu dever tomar decisões pensando no bem estar de todos – ele insistiu — Evocê não faz mais que tentar me enfurecer.

Madeline sorriu com segurança insuportável.— Você não está realmente zangado. Apenas irritado, talvez.— Aborrecido — contribuiu outra voz feminina.A cabeça de Vivienne surgiu na entrada, dando a entender que ela escutara toda a

conversa.Vivienne tinha o cabelo avermelhado e os olhos verdes escuros. Ademais,

compartilhava as virtudes de Madeline e não poucos de seus defeitos, agravados pelo fatode que também devia casar—se antes da colheita. Alexander apertou os dentes ante aremota possibilidade de vencer o duplo desafio.

Três garotas mais jovens espiavam da entrada, com as pupilas brilhando decuriosidade. Annelise tinha dezesseis anos; seu cabelo era louro avermelhado e seusolhos, azuis como as gencianas; Isabela, de quatorze anos, era uma ruiva de olhos cor deesmeralda e nariz sardento; Elizabeth, assim como Alexander e Madeline, tinha cabeleiracor de ébano e olhos verdes de uma rara tonalidade.

Ao ver tantas cabeleiras descobertas – como era costume entre as donzelas solteiras– as entranhas do jovemlorde se retorceram. Elas já não eram mais apenas as suas irmãs,suas companheiras de folguedos ou vítimas de suas brincadeiras: era responsável pelobem estar de cada uma delas, bem como por seus destinos.

— Você não está realmente zangado, Alexander – insistiu Vivienne, sorrindo.

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Madeline acrescentou: — Alexander grita quando estáverdadeiramente enfurecido. Vocês, Annelise, Isabela e Elizabeth, precisam saber que sóestarão vendo—o realmente zangado quando estiver rugindo a ponto de rachar o teto.

As cinco mulheres soltaram risinhos.Já era suficiente.— Pois é claro que estou zangado! — uivou o irmão.O resultado dessa explosão traduziu—se nos gestos afirmativos das três irmãs

menores.— Agora sim, ele está zangado de fato. — advertiu Annelise.— Nota—se pelo jeito dele gritar. — confirmou Elizabeth.— Assim é. — concluiu Madeline, com o mesmo sorriso zombador curvando seus

lábios — Mas ele não deixa de ser um homem honrado, no qual todas nós podemosconfiar. — ela se levantou para depositar um rápido beijo nas faces de um Alexander muito irritado. A segurança com que sorria, fez com que ele sentisse vontade deestrangulá—la por estar certa.

— Portanto, nunca levantará a mão contra uma mulher. — Madeline concluiu comum empurrãozinho no ombro do irmão, como se ele não fosse mais perigoso que umgatinho inofensivo, e acrescentou: – Casar—me—ei quando eu decidir, Alexander... Nemum só dia antes. Mas não tema, tudo acabará por se resolver bem.

Depois dessa última declaração, Madeline abandonou a sala tranquilamente,levando consigo suas irmãs, tagarelando sobre saias, camisas e sapatos novos. Elizabethpediu uma estória e enquanto Vivienne a satisfazia, as vozes foram se afastando.Alexander sentou—se pesadamente, com a cabeça entre as mãos.

O que poderia fazer?~~

Nesse exato momento, começava um alvoroço nas cavernas sob Ravensmuir, umadas fortalezas vizinha.

Ravensmuir fora construída encarrapitada no topo da encosta. Com o passar dosséculos as pessoas que habitaram o local haviam ampliado a rede de cavernas naturais sobas altas muralhas. Em tempos não tão remotos, a família Lammeirgeir, que negociavarelíquias sagradas, tinha reclamado a fortaleza e enchido suas cavernas de tesouros. Dizia—se que tais cavernas não podiam ser invadidas, e menos ainda roubadas, por almaalguma sem que olorde de Ravensmuir imediatamente soubesse do fato.

Isso poderia explicar a presença, placidamente adormecida, de certaspriggan nacaverna das relíquias – que segundo a mitologia celta, é uma espécie de fada –, já quetodos sabem que as fadas não têm alma.

Sabe—se que asspriggans – para o caso de você jamais ter visto uma, fada, comoé altamente provável — são particularmente pequenas, na verdade, diminutas o suficiente

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para dormir em uma mão em concha. Ademais, são muito pouco atraentes. EDarg — aspriggan em questão – podia ser até mais feiosa que a maioria.

Darg aparentava ser inteiramente escura e como se estivesse coberta por uma cascade árvore velha e retorcida; sua cabeça lembrava bastante um cardo, com a forma longa ebicuda de seu nariz e as penas arrepiadas que compunham seu cabelo. Os olhos eram

pequenas contas escuras e os dedos, rápidos e diminutos, deixava óbvio que, por

trás da aparência esquisita, Darg era uma ambiciosa ladrazinha. Não havia como adivinhar qual o seu sexo, mas isso não importava, já que era improvável que alguém pudesse vê— la.

E, no entanto, ali estava ela — nas cavernas de Ravensmuir.O fato é que há muitos anos, Darg tinha convertido um belo relicário de ouro em

sua cama. Inicialmente havia intrusões constantes em sua bela alcova, mas, apesar desseincômodo, o brilho dourado do relicário era atrativo o suficiente; inclusive por conter umcacho macio de louros cabelos – Darg não tinha como saber que estes eram,supostamente, três fios da sagrada cabeleira de Santa Úrsula canonizada por salvar dezmil virgens, cujas melenas cacheadas chegavam aos tornozelos; mas ela tampouco seinteressaria por isso. O relicário também agradava à Darg porque, quando ela olhavaatravés dos cristais redondos incrustados nas laterais da joia, todas as coisas adquiriamformas absurdas. E sendo uma pequena talentosa quando se trata de criar problemas,como toda fada, Darg gostava bastante de figuras ilusórias fantásticas; pessoalmente, eracapaz de criar algumas muito impressionantes.

De fato, asspriggans são famosas pela faculdade de se converterem em aparições

incríveis, quando surpreendidas ou zangadas. Infelizmente, quando estão assim tambémsão visíveis para a maioria dos mortais, que frequentemente as tomam por espectrosvingativos. E asspriggans , embora vingativas, certamente não são espectros.

O mencionado alvoroço à entrada das cavernas foi suficientemente ruidoso paradespertar aspriggan que dormia pacificamente sob essas muralhas há décadas. Tudo alihavia se mantido calmo por muito tempo — na verdade, desde que certolorde chamadoMerlin tinha abandonado o comércio da família —, de forma que Darg passara aconsiderar o brilhante tesouro como sendo seu. Apenas um mortal vinha regularmenteassaltá—lo: uma mulher, de longa cabeleira vermelha e maneiras audazes, que Dargnunca conseguira deter.

A spriggan despertou com um bocejo ao ouvir as vozes humanas; espreguiçou—secom uma careta e olhou através de um grande cristal de rocha. Estava certa de que setratava da mulher ruiva e esperava ter uma oportunidade de se vingar. Já estava pensandoqual das tenebrosas formas dentre as que podia assumir seria a mais efetiva, quando foisurpreendida pela espantosa realidade.

Os intrusos eram homens.Dez ou doze homens, pelo menos.O que eles planejavam fazer?Darg entrecerrou os olhos para melhor observá—los.

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— Sim, a maior parte deve ser levada para o salão – estava dizendo umhomem moreno, que parecia familiar àspriggan – e uma vez lá, Rosamunde vai decidir oque deve ser vendido. – ele completou.

— Há uma fortuna fabulosa aqui! – exclamou outro.— E nem a metade da riqueza está à vista – o primeiro acrescentou, apontando para

a escuridão que as lanternas brilhantes não conseguiam iluminar – Dizem que há nichossecretos nas cavernas repletos de relíquias. Suspeito que nunca as desocuparemos

totalmente, pois o mais provável é que uma boa parte desses locais tenha caído noesquecimento.

Os três homens que acompanhavam o moreno lançaram assobios apreciativos. Essaforma de avaliação das relíquias não era desconhecida por Darg, mesmo assim,incomodava a fada o fato de que alguém apreciasse assim o tesouro que considerava seu.

— Será melhor que comecemos – falou o primeiro homem.Os outros, com um grunhido de assentimento, passaram a encher cestos e caixas

com artefatos de ouro. Trabalhavam depressa, recolhendo a mercadoria aos montes sempreocupar—se com o que era apanhado.

Darg ficou verdadeiramente indignada com isso, mas não tão indignada comoquando eles finalmente recolheram os fardos e se voltaram para a escada que levava àfortaleza.

Estavam levando as relíquias embora.Estava roubando o seu tesouro!— Aeeeeeeeeeeeeiiiiiiiiiiiiiiiii!Darg saltou de seu esconderijo, chiando a plenos pulmões. Sem ter planejado nada,

transformou—se numa nuvem enorme, de um matiz violento de púrpura. A nuvemcintilou no meio da caverna, uivando, e tinha a altura de seis homens. Parecia refletir—senas paredes e teto da caverna. Darg terminou por extinguir as lanternas que os homenslevavam. Depois gritou um pouco mais.

Fazia séculos que aspriggan não se divertia tanto. Os homens, em troca, ficaramapavorados. Alguns deixaram cair seus fardos e correram para a escada, entrechocando—

se pela pressa em fugir.— Alto! Acalmem—se! — gritou o homem moreno que parecia ser o líder. Mas

ninguém prestou atenção nele.— Que tipo de homem são vocês, para se assustarem com a escuridão? – bradou

ele. Mas suas palavras mal eram ouvidas sob o trovejar das botas masculinas nos degraus.Vendo—se sozinho, ele voltou a acender sua lanterna, com expressão desgostosa. Deixouescapar um suspiro e se agachou para erguer uma caixa com relíquias.

Darg voltou a uivar, pensando que aquele homem realmente tinha uma coragemincomum, mas ele não prestou qualquer atenção nela. Com o cenho franzido, limitou—sea acrescentar mais duas peças de ouro à caixa.

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Darg superou a si mesma ao envolvê—lo na nuvem furiosamentepúrpura e iniciou outro alarido ao mesmo tempo. O homem, depois de calmamenteexperimentar o peso da carga, apenas endireitou as costas para partir. Darg retrocedeuestupefata. Ele não podia vê, nem sob uma forma, nem sob outra. Então ela reduziu a simesma às dimensões e formas habituais, já que não havia nenhum sentido em expandir— se quando não podia obter nada com isso. Na verdade, sentia—se um pouco desencantadapor não ter conseguido aterrorizá—lo.

A spriggan observou aquele mortal bronzeado empenhada em descobrir por queele era diferente dos outros, mas não chegou à conclusão alguma, pois sabia muito poucosobre os mortais.

Ele virou para a escada, carregando uma caixa.Não! Não ele podia fugir com o seu tesouro!Darg iniciou uma corrida pela caverna, saltou ao ombro do ladrão e se instalou na

argola de ouro que balançava na orelha dele a fim de viajar até a raiz do problema. Estavacerta de que a mulher ruiva estava por atrás daquela diabrura. Também tinha certeza deque essa mortal ignorava as diabruras das quais a própria Darg era capaz. Divertia—sesaboreando antecipadamente o caos que provocaria, com a malícia tão característica dasspriggans . A defesa do seu tesouro seguramente poderia acabar sendo divertida.Felizmente, sentia—se bem descansada.

~~

Quando os visitantes chegaram a Kinfairlie, Alexander ainda estava sentado com acabeça entre as mãos, embora o céu estivesse mais escuro.— Ah, sim, ele parece realmente sombrio — disse uma voz conhecida, com o riso

oculto sob o tom — Tal como nos advertiram.Alexander levantou a vista, enquanto sua tia, Rosamunde, se instalava no banco

que Madeline tinha abandonado minutos antes. Com impaciência característica, foiretirando os grampos do cabelo e, com um suspiro de alívio, deixou a espantosa cabeleirachamejante cobrir os ombros. O simples fato de vê—la animou o jovem, pois amboshaviam arquitetados muitas brincadeiras juntos, ao longo dos anos. Rosamunde possuía

uma alma travessa e não hesitava em desafiar as regras ou a aceitar os riscos. Nessemomento, piscava um olho para ele e se dirigia ao outro visitante: — Atrevo—me aopinar, Tynan, que ele sofre assim por culpa das suas irmãs.

— Tal atrevimento não é grande coisa – Tynan, o tio, replicou enquanto tirava omanto para apoiar—se na beira da janela. Era um homem sóbrio, que sempre sopesavascustos e aconselhava cautela. – A alegria delas tornava óbvio que recentemente triunfaramsobre Alexander. – Então ele sorriu ao acossado sobrinho – Você está em inferioridadenumérica e, além disso, carrega o impedimento da honra. Essas cinco usarão qualquer meio disponível contra você.

Há poucos anos, esse improvável casal descobrira não ter parentesco consanguíneoentre si; desde então, tinham algum tipo de aliança. Rosamunde — todos sabiam — havia

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sido adotada por Gawain e Evangeline, mas não era uma filhabastarda, como acreditara por muito tempo. Já Tynan era filho de Merlin, irmão deGawain. E sempre houvera muitas faíscas entre os primos, mas, julgando—se parentes,ambos mantiveram—se a distancia. Ao final, a revelação de que não era necessáriosurpreendera—os mais que a qualquer outro. Recentemente, havia algo diferente comambos.

Algo que Alexander preferia não explorar. Quem poderia saber o que acontecia emRavensmuir, a fortaleza de seu tio, enquanto o navio de Rosamunde estava ancorado nabaía?

Considerando que a tia negociava relíquias religiosas algumas autênticas, outrasnem tanto, o rapaz preferia, prudentemente, não fazer perguntas. Ante esse pensamento,moveu a cabeça com uma careta.

— Já eu gostaria de estrangular Madeline.Rosamunde prontamente descartou a ideia: — Então teria que enfrentar um

tribunal e a justiça do Rei, além das angústias do cárcere.— Para não mencionar o Purgatório, ou o próprio inferno. — acrescentou Tynan.— Não acredito que valha a pena – ela completou, com um ar sábio. Logo voltou a

piscar o olho para Alexander. — E o que fez Madeline agora... Ou o que se nega a fazer?— Ela se recusa a casar. Pensa que está fazendo o favor de economizar o dinheiro

de meus cofres, — Alexander suspirou. Logo acrescentou em voz mais baixa: — mas nãohá dinheiro, nem haverá por um tempo. O governador diz que a colheita será má. Receio

não poder alimentar a todos que vivem entre estes muros, neste inverno.— E as outras meninas? — inquiriu Tynan, inclinando—se interessado para frente.— Seguramente se recusam a casar antes de Madeline — arriscou Rosamunde,

com suavidade.Carrancudo, Alexander apenas assentiu.Seus hóspedes trocaram um olhar; depois a tia pigarreou. — Não sente saudades

daquele tempo em que ninguém causava mais escândalos que você, com sua maneira deagir, meu sobrinho?

— Agora tenho responsabilidades. Estou obrigado a isso pela confiança de meu pai— disse o jovem. Até seu tom de voz era incrivelmente abnegado.— E por isso, seus dias e atos perdem a faísca. — Rosamunde apoiou—se no

espaldar, meneando a cabeça; seus olhos dançavam com um ar travesso. — Acredito quedeveria fazer uma surpresa à Madeline. Afinal, tentou, sem êxito, fazê—la raciocinar.

— Rosamunde... — disse Tynan, soando carregado de advertências. Ela se inclinoupara Alexander sem se intimidar.

— Viemos informá—lo de que resolvemos nos desfazer de todas as relíquiasguardadas em Ravensmuir. Tynan já não suporta mais tê—las sob seu teto, está farto deminhas visitas noturnas para saquear seu tesouro...

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Tynan se limitou a bufar, sem dizer nada.— Não me diga que está abandonando o comércio! — exclamou Alexander,

surpreso. Estava seguro de que era uma atividade extremamente lucrativa.Rosamunde deu de ombros; seu olhar deslizou para Tynan, depois ela voltou—se

para o sobrinho com um rubor feiticeiro nas faces.— Já tenho certa idade, Alexander, e o risco dos mares não me atrai tanto como em

outros tempos. É possível que eu vire uma monja. — Ante essa perspectiva, os doishomens soltaram uma gargalhada estrondosa; ela própria também riu entre dentes. —

Ambos estamos de acordo com o fato de que o negócio da família tem que chegar ao fim — continuou depois, com mais sobriedade. — E também que até a última relíquiadeve sair de Ravensmuir, para que Tynan possa viver em paz.

— Mas o que farão com elas? — perguntou o jovem — Acaso pensam doá—las?

Tynan soltou uma fraca risada sombria: — Seria um presente muito generoso, por certo.

— Nossa intenção é leiloá—las em meados de maio, quando todos estão desejososde distrações — declarou Rosamunde, com os olhos brilhando – Convidaremos todos osaristocratas, bispos e cavalheiros da Cristandade para disputarem as peças. Será umagrande festa e um final digno para minha empresa.

— Madeline bem poderia achar um marido nessa ocasião — murmurou Alexander.Mas sua tia riu com vontade, declarando: — Poderia ser mais audaz, sobrinho! Fala

como um avô.— Rosamunde... — advertiu Tynan outra vez, sem receber mais atenção do que

antes; ao contrário, ela baixou a voz e bateu um dedo contra o joelho de Alexander.Exalava travessuras por todos os poros.

— E se leiloássemos a Joia de Kinfairlie? Você disse que precisa muito dedinheiro...

Alexander alternou o olhar entre os tios. Tynan escondera a fronte entre as mãos esacudia a cabeça com visível desespero. Rosamunde parecia tão encantada consigomesma, que o sobrinho ponderou se teria perdido algum detalhe importante da conversa.

— Mas não há nenhuma Joia de Kinfairlie! – começou a dizer, cauteloso. A risadada tia o fez finalmente compreender. – Ah...! Mas se leiloarmos a mão de Madeline, elame odiará pelo resto de sua vida.

— Sssh...! – Rosamunde aconselhou silêncio.Tynan, com óbvia resignação, fechou a porta e se apoiou contra ela. Alexander

passeava o olhar entre ambos com o sangue acelerado pela antecipação. Já imaginavacomo ficaria furiosa sua irmã... E, na verdade, a perspectiva lhe dava certo prazer.

— Não me atrevo — disse, precavido.

Rosamunde pôs—se a rir, dizendo: — Em outros tempos, você se atreveria a muitomais, para burlar Madeline — Ela apoiou os cotovelos nos joelhos — Acaso devo desafiá

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—lo para que o faça? O que aconteceu com você, homem? Suponhoque no fundo ainda seja o gaiato do qual tanto gostávamos.

Isso bastou. Alexander levantou um dedo.— Está bem, mas com uma condição. Farei uma lista com os candidatos mais

adequados e só a eles avisaremos que a Joia de Kinfairlie estará à venda.— Não há nada de errado em celebrarmos um leilão privado, desde que todos os

convidados tragam a bolsa bem cheia — concedeu Rosamunde.— Não acredito que participarei de uma loucura dessas — grunhiu Tynan.

— Pois é claro que participará — ela assegurou secamente — você estáencarregado de divulgar a notícia. — E deu um empurrãozinho no braço dele, o queprovocou uma faísca tão ardente que Alexander se sentiu obrigado a afastar o olhar — Não há ninguém mais capaz de assegurar, discreta e habilmente, que todas as

necessidades de nossa sobrinha sejam devidamente asseguradas.A sombra de um sorriso passou pelos lábios de Tynan, antes que este mudasse de

assunto: — Também tenho uma proposta oportuna para você, Alexander. É comum umtio iniciar os sobrinhos na arte da cavalaria e, se você concordar, eu levarei seu irmão,Malcolm, para Ravensmuir; ele tem idade suficiente para isso.

— Sua oferta é muito amável, tio. E sei que Malcolm estará completamente deacordo. Sente muito apreço por você e está ansioso para iniciar o treinamento militar.

— E se quiser — continuou o parente – também posso enviar uma mensagem aoFalcão de Inverfyre. Não duvido que ele aceite o treinamento de Ross, o que será muitobom, pois tem muitos filhos com os quais seu irmão poderá praticar.

— E haveria uma boca a menos para alimentar durante o Inverno — completouRosamunde, com serenidade.

Alexander sentiu que sua carga se aliviava.— Vocês são muito gentis por me ajudar com isto.— Para que existe família? – indicou a tia, com firmeza. — Temos o dever sagrado

de ajudar—nos mutuamente. E nesse momento, você precisa de mais ajuda que qualquer outro.

— Agradeço—lhes o conselho e o apoio – respondeu Alexander, consciente de quesua gratidão era evidente.

— Você deve planejar como fazer Madeline estar em Ravensmuir para o leilão – Rosamunde mudou de assunto, resolvida. — Se ela adivinhar a verdade antes queocorram as núpcias, estaremos com problemas. Para ter êxito, devemos agir depressa eaudaciosamente.

— Este plano acabará mal — advertiu Tynan, lúgubre.Rosamunde respondeu, rindo: — Você sempre diz isso. Mas tenho a intuição de

que Madeline poderia achar o homem ideal.

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— Você sempre disse que pode perceber as coisas melhor que aspessoas comuns — seu companheiro reconheceu.

— Entretanto, algumas vezes não percebo aquilo que é evidente para todos — elaadmitiu, rindo — Se pudesse escolher, não sei com certeza o que preferiria. Mas não tiveessa oportunidade.

O bate—papo jocoso fez com que tudo parecesse estar bem. Pela primeira vez emmuitos meses, Alexander sentiu que poderia sorrir. Esse plano podia resolver muitascoisas. E, na verdade, seu lado matreiro ansiava irritar Madeline, como tinha feito por tantos anos; era o que correspondia a um irmão mais velho.

— Quero realmente me assegurar de que Madeline encontre o homem ideal. — Alexander riu entre dentes imaginando a indignação da moça, enquanto compilava

mentalmente uma lista de candidatos que indubitavelmente a tratariam bem. No decursode um ano, ela teria se esquecido de seu noivo perdido, James, e seu coração ferido teriacicatrizado. Tinha absoluta certeza de que, uma vez casada e com um bebê no ventre,Madeline seria feliz. Antes que completasse um ano inteiro, ela agradeceria sinceramentea ele pela decisão audaz. Era, por certo, a melhor das soluções.

— Mas que cabeça, a minha! — Exclamou, com um vigor que não esperava sentir tão cedo. — São meus convidados e não lhes ofereci vinho ou cerveja. Venham ao salão,devem celebrar conosco. A presença de ambos é sempre bem—vinda em Kinfairlie.Agradeço a vocês, tios, pois realmente me trouxeram boas notícias e conselhos muitoacertados.

~~Enquanto isso, em frente ao Mar do Norte, a certa distância dali, um guerreiro se

avistava com um sacerdote. O guerreiro era desconhecido por todos de Kinfairlie eRavensmuir, mas sua investigação logo o levaria às suas portas. Ele procurava por umaMadeline: Madeline Arundel, que possivelmente tinha o dobro da idade de MadelineLammergeier, de Kinfairlie. A fortaleza em que se encontrava era Alnwyck. E nesse dia, oguerreiro esclareceria um mistério.

Rhys FitzHenry apoiou a ponta do dedo num nome inscrito no registro. Depois demuitos meses de busca, acabava de localizar sua prima, Madeline Arundel. Ela falecera noinverno de 1398, há cerca de vinte e três anos. Rhys olhou pela janela da capela semrealmente enxergar a costa varrida pelo vento, além das muralhas de pedra. Chovia; umconstante repicar no teto lançava um reflexo prateado ao mar costeiro. Mas, em suamente, era um dia de verão e ele podia ver a prima, com margaridas entrelaçadas noscabelos escuros, de mãos dadas com Edward Arundel. Ambos eram jovens, belos eestavam imensamente felizes.

Seu tio, Dafydd, dissera que Madeline fora uma noiva—tributo: alguém cujomatrimônio destinava—se a selar o tratado entre dois novos aliados; mas ninguémacreditaria que ela se casaria com Edward apenas por dever, pois tinha estrelas nos olhos erisos na voz; até mesmo os dois velhos guerreiros responsáveis pelas núpcias, Dafydd e

Owain Glyn Dwr, sorriam diante de sua alegria. Na época, Rhys era só um menino, masrecordava bem o júbilo desse dia.

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Madeline tinha vivido apenas um ano mais. Parecia inconcebível queninguém tivesse ficado sabendo disso, mas isso não era tão surpreendente assim, dado ocaos que tomara conta de Gales naqueles anos. O coração de Rhys encolheu—se ante arecordação das risadas do casal ao partir rumo a Northumberland, a fim de se reunir com afamília do cavalheiro. Um ano: isso era todo o tempo que haviam podido aproveitar juntos. Parecia muito pouco para a felicidade que tinham descoberto.

— Que Deus a tenha, em Sua Glória — murmurou o padre. E Rhys repetiu abênção, percebendo que estava irracionalmente desencantado, pois mesmo guardandoapenas uma vaga lembrança de Madeline e ciente de que ela poderia atrapalhar seusplanos, lamentava que a busca não tivesse outra conclusão. Mas em tempos tãolamentáveis, não teria considerado ruim se tivesse encontrado um parentes são e salvo. Arebelião de Gales contra a coroa inglesa tinha ceifado a maior parte de sua família;

poucos, dentre a multidão que fizera parte de sua infância, tinham sobrevivido. E comoMadeline já não existia, ele era o novo proprietário de Caerwyn.Rhys fechou por um instante os olhos; a intensidade de seus sentimentos afrouxava

—lhe os joelhos. Tinha crescido em Caerwyn; ali aprendera a brandir a espada e paradefender suas muralhas, se unira muito jovem às fileiras de combatentes. Amava afortaleza mais do que a própria vida e possuí—la era a realização de seu maior sonho.Jamais ousara esperar por isso. Mas, pelo visto, Caerwyn seria sua contra todas aspossibilidades.

Rhys acariciou o nome da prima, despedindo—se; repentinamente, viu uma palavra

antes despercebida.— De parto? – questionou o padre, agitando—se pelo medo. — Madeline morreu

de parto?O sacerdote assentiu e respondeu: — Sinto muito, meu filho, mas não é incomum

perder uma mulher assim. Dizem que o marido, Edward, amava—a com devoção; nãoduvido que tenha procurado os serviços da melhor parteira...

— Mas o que foi feito da criança? — Rhys temia que sua busca só estivesseparcialmente terminada. A criatura seria descendente direta de Dafydd e poderia herdar Caerwyn, em seu lugar. Era necessário conhecer o seu paradeiro!

O sacerdote sorriu.— É incomum um simples primo ser tão caridoso, meu filho. Que bondade a sua,

preocupar—se assim pelo filho de sua parenta.Rhys repetiu com os dentes apertados — O que foi feito da criatura? – Era

provável que também estivesse morta.O padre apenas encolheu os ombros.— Possivelmente o pai a criou sozinho. Ou talvez tenha voltado a casar—se.

— Preciso saber a verdade! — gritou o cavalheiro. O religioso sobressaltou—sediante de tanto vigor; isso provocou nele um arrependimento imediato. — Perdoe—me,

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padre, mas este assunto é muito importante para mim — Rhys engoliu emseco. – Essa criança seria meu único parente vivo.

— É claro, é claro. Sua devoção é muito admirável, meu filho. — O padre deslizoua ponta do dedo pelo registro. Logo franziu o cenho. — Aqui não há nenhum outrofalecimento no mesmo ano. Se o sacerdote registrou a morte da mãe, não acredito que o

bebê tenha morrido sem sacramentos. Não se menciona nenhum batismo, mas meupredecessor nem sempre registrava tudo. Não houve nenhuma criança devolvida à famíliade Lady Madeline?

— Não. – disso Rhys estava seguro.— Que estranho. Possivelmente tenha ficado aqui com o pai... — murmurou o

sacerdote, enquanto desenrolava o pergaminho. Rhys mal podia conter—se para nãoarrebatá—lo de suas mãos.

— Ah! — O padre o obsequiou com um sorriso. – Aqui está em 1403 há uma notainteressante. Lady Catherine de Kinfairlie assistiu à missa fúnebre celebrada em honra

do cavalheiro Edward Arundel, morto em combate com Henry Percy – ele levantou avista – Conta—se que o velho conde de Northumberland chorou um rio de lágrimas pelamorte prematura de Henry Hotspur, seu filho e herdeiro...

— É o que dizem todas as lendas que conheço — interrompeu—o Rhys.—... mas voltando ao relato, Lady Catherine levou o bebê de Edward sob custódia,

já que os pais estavam mortos. — Ele moveu afirmativamente a cabeça – Podemos supor que as duas senhoras eram amigas, pois Lady Catherine se encarregou do pequeno. – o

sacerdote tirou os óculos e encarou Rhys pensativamente — É possível que encontre seuparente em Kinfairlie, meu filho.— Talvez. — O cavalheiro pôs as luvas, já seguro de que sua busca não tinha

terminado. – Em que direção fica Kinfairlie, padre?

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Capítulo 1

O leilão de relíquias de Ravensmuir prometia ser o acontecimento da

década. Madeline e suas irmãs passaram o breve intervalo entre o anúncio e ofato preparando—se para brilhar como nunca. Tio Tynan tinha declaradoimprescindível que a família parecesse não necessitar de dinheiro e suassobrinhas fizeram o possível por cumprir. Por conveniência, cada uma passavasuas saias à seguinte, mas algumas alterações eram inevitáveis. Por mais quefossem irmãs, não tinham a mesma silhueta. Era necessário levantar ou descer bainhas, colocar ou soltar as costuras. Alguns bordados eram fundamentaispara que o traje apresentasse um aspecto renovado à sua nova proprietária.

Invariavelmente, havia alguns desacordos entre a próxima dona e aanterior, já que tinham o gosto muito diferente em matéria de adornos.Madeline preferia os trajes sem enfeites, enquanto Vivienne ansiava por generosos bordados nas barras, de preferência com fios de ouro. As duas nãodiscutiam mais, embora o tenham feito com muito fogo em outros tempos, poisquando jovem, Madeline, que detestava bordar, considerava injusto ver—seobrigada a suportar essa odiosa tarefa só para agradar sua irmã.

Agora, com as cabeças juntas, ambas trabalhavam para que as saiasdescartadas pela mais velha assentassem melhor em Vivienne, enquanto que arápida agulha da outra despachava rapidamente qualquer novo adornodestinado a Madeline. Além disso, Vivienne era mais alta, apesar de mais

nova, o que exigia que soltasse as pregas. Como Annelise era ainda mais baixaque Madeline, essas mesmas pregas se rendiam duas vezes quando a saiapassava para ela. Frequentemente isto fazia com que os bordados mais finosficassem escondidos, coisa que satisfazia o gosto austero de Annelise.Infelizmente, Isabela era quase tão alta como Vivienne, mas não tolerava osbordados de ouro. Como sua cabeleira tinha a tonalidade mais avermelhadadentre todas as irmãs, estava convencida de que os fios dourados davam ao seucabelo uma ferocidade muito pouco atraente. Quando lhe tocava herdar o traje,as irmãs dissimulavam o ouro com fios prateados e outros tons; na verdade assaias ficavam esplendorosas.

Elizabeth era a última a usá—los. Isso nunca tinha sido problema, poisparecia feita sob medida para repetir a estatura de Isabela e não tinhapreferências muito marcantes. Era uma moça sonhadora; frequentemente achateavam por dar mais importância às coisas insubstanciais do que àquelasdiante de seus olhos. Mas esse ano havia um novo desafio, pois Elizabeth játinha doze anos e, com a chegada das regras femininas, sua silhueta tinhamudado radicalmente: ganhara um busto muito mais generoso que o de suasirmãs mais velhas. Isso fazia com que ela ruborizasse cada vez que um varãolançava—lhe um simples olhar.

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Além disso, as saias da Isabela deixaram de lhe assentar bem. Até comas costuras totalmente soltas, não havia tecido suficiente para lhe dar umaspecto gracioso. Lágrimas correram até que Madeline e Vivienne idealizaramum aplique bordado em ambos os lados das saias em questão. Isabela, a maishábil com a agulha, bordou—as em toda sua longitude, com um desenho tãoparecido ao da barra que o aplique parecia ter formado parte do traje desde oprincípio.

Providenciar sapatos, meias e cintos para todas, foi algo igualmentetrabalhoso, mas ninguém poderia criticar a aparência de nenhuma delas,quando, chegando a Ravensmuir, foram admitidos no recinto do leilão.Tinham, inclusive, costurado casacos para os irmãos. O cintilante escudo dekinfairlie brilhava no peitilho de Alexander, como era agora direito dele. Deforma que todos cruzaram as portas de Ravensmuir trazendo seus melhoresornamentos. Atrás deles entrou rapidamente um cavaleiro solitário, montado

em um cavalo malhado. Vestia—se de preto e levava o capuz jogado sobre oelmo. Madeline reparou que, embora estivesse montado num cavalo de batalha,não se fazia acompanhar por um escudeiro e tampouco tinha o rosto rude dosmercenários.

Estranhamente, Rosamunde não o dirigiu para o salão, apenas saudou orecém—chegado em voz alta e depois se inclinou para ouvi—lo murmuravaalgo. Madeline, mordida pela curiosidade, imaginou se ele seria ummensageiro em busca de sua tia; por outro lado, um simples mensageiromontaria um animal mais veloz; já este homem misterioso trazia um cavalo debatalha e tinha um cão por companhia.

— As cores de Kinfairlie lhe assentam bem — comentou Vivienne,puxando afetuosamente o casaco de Alexander.

— O trabalho ficou maravilhoso! — declarou ele, dedicando a suasirmãs um sorriso brilhante. – Conseguiram muito, com o esforço de suasagulhas. — E beijou a cada uma em ambas as faces; seu comportamento eramais digno de um velho cavalheiro que ao tratante ao qual elas conheciam equeriam. Tanto afeto deixou às irmãs inquietas e com suspeita.

— Quando lhe entregamos isso, em Kinfairlie, não parecia tão

encantado. — Observou Vivienne.— Mas aqui há muitas pessoas que podem apreciar a habilidadeexcepcional das minhas belas irmãs. — Depois de tantos anos de trapaçassofridas nas mãos desse mesmo jovem, as cinco olharam por cima do ombro.

— Esperava que nos fizesse cócegas – Elizabeth se queixou.— Ou caretas — acrescentou Isabela.— Ou que assinalasse algum erro nos detalhes da insígnia — contribuiu

Annelise.

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— Um elogio seu é algo muito estranho — concluiu Vivienne.Alexander sorriu como um anjo.

— Como poderia eu me queixar, se foram tão bondosas? — As irmãsretrocederam em uníssono, preparadas para o pior.

— Não confiem nele — aconselhou Madeline. As duas mais velhastrocaram um gesto.

— Alexander só se diverte a custa dos outros — confirmou Vivienne.— Eu? — Protestou ele, com falsa inocência e encanto.— Pois ao menos não o enfeitaram como se fosse uma duquesa –

queixou—se Malcolm, assinalando os bordados em seu casaco. Isto é muitoluxuoso para um aprendiz de cavalheiro.

— Você não tem que usar este verde horroroso. — Ross sacudiu o

próprio casaco. — Não me atrevo a definir este matiz.— Combina com seus olhos, idiota — informou Annelise, irritada.— Levamos vários dias para escolher a fazenda perfeita — acrescentou

Isabela.— Essa fazenda era minha e eu a cedi para suas vestes, Ross —

protestou Vivienne. — Lamentaria muito ouvi—lo dizer que é mais adequadopara uma saia que para uma túnica.

Ross, com uma careta, puxou a bainha, como se ansiasse jogar o traje aum lado.

— Os outros escudeiros de Inverfyre zombarão de mim; dirão que estouenfeitado como uma donzela presunçosa. — Voltou a puxar seu casaco,ofendido. — Bem poderia ser que o Falcão não me aceitasse em sua corte!

— Não tem nada que temer. Nosso tio é muito justo e Tynan já lheenviou uma missiva — Madeline o tranquilizou. Seu olhar seguiu ao forasteirojunto de Rosamunde, à entrada do torreão; o pouco que vira dele não satisfizerasua curiosidade.

— Está tão elegante, Ross, que é até possível que alguma donzela repare

em você — insinuou Elizabeth, tímida. Ross ficou escarlate, coisa que nãofavorecia o feroz matiz de seus cabelos.— Sangram—nos os dedos, doem—nos os olhos — protestou Vivienne,

agitando a cabeleira. — E esta é a gratidão que recebemos! Esperava algumacompensação de meus agradecidos irmãos.

— Uma rosa de Inverno. — exigiu Annelise.— Isso não existe! — zombou Malcolm.— Deveriam assumir um compromisso — propôs a mais nova – de

partir em busca de uma relíquia para cada uma de nós.

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— Ah, as irmãs! — Ross exclamou, revirando os olhos. Depois partiupara a cavalariça mais próxima. Madeline não teve tempo para pensar noforasteiro que tinha sido chamado por Rosamunde. A movimentação habitualde toda chegada já se iniciava: cavalariços corriam para encarregar—se doscavalos, escudeiros e pajens estorvavam a passagem, as apresentações e antigasrelações eram renovadas. A taça de boas—vindas tinha que ser passada. Asirmãs deviam trocar—se e era preciso reunir—se aos presentes. Logo chegariao momento: o leilão que todos esperavam. O leilão que fazia vibrar o ar emRavensmuir!

— Pode—se dizer que a Cristandade inteira está aqui! — sussurrouVivienne a Madeline, entrando no salão, seguidas de Alexander. Dezenas dehomens presenciaram seu ingresso e se puseram cortesmente de lado, enquantoa família continuava a marcha para o frente da multidão.

— Não seja exagerada — disse Madeline. Desde a chegada se sentiadesconfortável, pois os homens pareciam observá—la com interesse incomum.

— Pode ser que você consiga um marido aqui. — Sua irmã lhe dedicouuma piscada alegre — Alexander está muito decidido a fazer com que escolhalogo.

— Escolherei quando considerar que chegou o momento e não antes. — replicou a mais velha, com suavidade. Em seguida achou um recurso paradistrair Vivienne. — Suponho que Nicholas Sinclair estará aqui. — acrescentou, em tom provocador. Ao ouvir a menção ao seu antigopretendente, a outra agitou a cabeleira.

— Esse! Esse não tem dinheiro para estar aqui.Alexander se pôs de lado para que suas irmãs o precedessem. Parecia

rígido e estranhamente sério.— Sorria meu irmão. — Madeline sussurrou ao passar por ele. — Com

esse rosto tão azedo não atrairá os olhares de nenhuma alegre donzela.— E o Lorde de Kinfairlie necessita de um herdeiro! — acrescentou

Vivienne, com uma risada insinuante.Ele se limitou a desviar o olhar.— Felizmente essa atitude sombria nunca durou muito tempo. –

Observou Vivienne, enquanto se sentavam no banco. — Olhe! Ali estáReginald Neville.

Madeline dedicou um olhar fugaz ao vaidoso jovem que se achavaapaixonado por ela. Como de costume, além de vestir roupas muito finas, seesforçava em conseguir que todos as vissem. Até enquanto a saudava agitandouma mão, a outra segurava a capa aberta, para que todos pudessem admirar melhor os seus bordados.

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— Não o recusei mais que doze vezes. — O tom de Madeline erasarcástico. – Ele ainda pode ter esperanças de me cortejar.

— Que pesadelo será a vida de sua esposa!— E o que ele fará quando acabar a fortuna que herdou?— Você, sempre tão prática, Madeline. — Vivienne se aproximou um

pouco mais e reduziu a voz a um sussurro conspirador. — Ali está Gerald deYork. — As irmãs mais velhas trocaram um olhar, pois os intermináveisrelatos desse homem, lúgubre e aborrecido, provocavam—lhes uma sonolênciairresistível.

— Sua esposa viverá bem descansada; disso não há dúvidas. — Vivienne riu como uma garotinha. — Então, vai me contar o que a preocupadatanto?

— Não percebe? Logo Alexander porá o olhar em você e exigirá que secase o quanto antes.

— Mas, sem dúvida, não antes de você.— E por que não? Ele parece decidido a casar a todas nós da noite para

o dia. — A outra jovem mordeu o lábio e seu regozijo desapareceu.— Ali está Andrew, que é aliado de nosso tio.— E também quase tão velho como o Falcão de Inverfyre.— Uma múmia! — concordou Vivienne, horrorizada. Depois deu uma

cotovelada em Madeline. — Mas se casar com ele, logo poderia ser uma jovemviúva.

— Isso não me parece um atributo desejável num marido. Seja comofor, não me casarei com nenhum deles.

Os clãs Douglas Red e Douglas Black chegaram, instalando—se emlados opostos do salão para melhor trocarem olhares fulminantes. Madelinesabia que Alexander preferia aliar—se com os Black, como tinha feito seu pai,mas ela não suportava a presença de Alan Douglas, o único descendente aindasolteiro. Era de um louro quase sobrenatural. Fitou—a com bastante lascívia, ocanalha, e ela virou o rosto.

Do outro lado do salão, Roger Douglas, tão moreno quanto era louro seuprimo, pareceu divertido e dedicou a ela uma reverência cortês. Madelineafastou a vista de ambos e seu coração deu um salto: em um canto, um homemmantinha o olhar fixo nela. Era alto e bronzeado, de atitude serena; estavafortemente armado. Tinha o cabelo escuro, assim como aos olhos. Mantinha— se tão imóvel que seu olhar bem poderia ter passado despercebido.

Mas uma vez que ela o viu, já não era fácil desviar os olhos dele. Era odesconhecido do caminho de ronda, sem dúvida alguma.

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E estava observando—a. À boca de Madeline ficou seca. Seu cabeloparecia molhado, pois se frisava na testa, como se tivesse viajado a todo galopepara chegar ali. Estava apoiado contra o muro; vestia um traje tão escuro queera impossível saber onde terminava a capa e começavam as sombras. Dequando em quando seu olhar feroz percorria os presentes, sem perder nenhumdetalhe, mas voltava sempre para ela. Ali, de pé, ele observava tudo com aimobilidade de um predador à espreita. O único ponto colorido de sua roupaera o vermelho do dragão rompante bordado no peitilho de seu casaco.

Ela sentiu o olhar dele sobre si como se fosse um contato físico, e ficouruborizada.

— Olhem! — falou Elizabeth, aparecendo de repente entre as duasirmãs mais velhas. — Há ali uma pessoa pequenina!

— Este salão está cheio de pessoas de todos os tamanhos. — Observou

Madeline, agradecida pela distração que a fazia afastar a vista do tenebrosodesconhecido.— Não, é uma pessoa realmente pequena. — A menina desceu a voz. —

Quase como uma fada.Vivienne meneou a cabeça.— Você é muito fantasiosa, Elizabeth. As fadas só existem nas velhas

lendas.— Pois aqui há uma! — insistiu ela, com veemência. — Está sentada no

ombro de Madeline.Sua irmã mais velha examinou os ombros; como não havia neles fada

alguma, perguntou com um sorriso:— Já não está muito velha para acreditar nesses contos?— Mas ela está ali sim! — assegurou Elizabeth, enfaticamente. – Está

ali, rindo. Mas não é uma risada muito agradável.As outras trocaram um olhar.— O que mais ela faz? — perguntou Vivienne, decidida a lhe seguir o

jogo.— Está amarrando uma fita. — Elizabeth observou o outro lado do

salão, como se realmente percebesse algo que os outros não viam. — Há umafita dourada, Madeline, por toda sua volta. Mas não recordo que tenhamosposto isso em sua saia.

— Não pusemos nada assim — sussurrou Vivienne, baixando a voz,pois seu tio Tynan tinha elevado uma mão para pedir silêncio. — Madeline nãogosta de fitas douradas em suas roupas.

Elizabeth enrugou a frente.

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— Ela está entrelaçando a fita dourada com outra prateada – falou amenina, com ar ausente. – Trançando uma em volta da outra para formar umaespiral, uma espiral que tem uma face de ouro e outra de prata.

— Senhoras e senhores, cavalheiros e duques, duquesas e criadas. —

começou Tynan.— Uma fita prateada? — inquiriu Madeline, em voz baixa. A menina

fez um gesto afirmativo e indicou ao outro lado do salão.— Está vindo dele.

A irmã maior seguiu a direção de seu gesto. Seu olhar cravou—se no dohomem sombrio. Seu coração se acelerou de uma maneira muito estranha,embora não soubesse nada dele.

— Não diga tolices, Elizabeth. — Aconselhou com suavidade. Depois,enquanto a menina lançava uma exclamação de desgosto, concentrou suaatenção no tio. Entretanto, seu coração batia com força, na certeza de que odesconhecido observava—a, embora lhe desse as costas.

— Como todos sabem, a maior parte dos tesouros será leiloada amanhã— disse Tynan, depois de saudar a todos e apresentar sua família. A seu ladoestava Rosamunde, ricamente vestida e radiante. – Durante a manhã, terãooportunidade de examinar os objetos que os interessem; a disputa se iniciará aomeio—dia. Claro que pela manhã chegarão muitos mais. Os presentes agitaram—se, inquietos, e as irmãs trocaram um olhar de confusão. — Mas esta noite,cavalheiros, vocês estão convidados para um leilão muito especial: o da Joia deKinfairlie.

— Não sabia que havia uma Joia de Kinfairlie. — sussurrou Vivienne,carrancuda.

— Nem eu. — Madeline observou Alexander, que as ignoravateimosamente.

— Obrigado, tio. — disse ele, obviamente desconfortável por ser ocentro das atenções de todos os presentes. — Como sem dúvida sabem, a Joia

de Kinfairlie é irrepreensível.— Onde está ela? — inquiriu Vivienne.Madeline deu de ombros, para indicar que não sabia. Alguns homens

sorriam com lascívia. Então começou a sentir algo horrível na boca doestômago. Como podia existir semelhante joia sem que as irmãs soubessem?Alexander se voltou para ela e a indicou com um gesto.

— Beleza indiscutível, caráter irrepreensível, linhagem impecável:minha irmã Madeline honrará o salão do cavalheiro que tenha a sorte de ganhar sua mão esta noite.

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Vivienne afogou uma exclamação. Madeline empalideceu. As irmãs seagarraram fortemente pelas mãos. Alexander se virou para os presentes;Madeline suspeitou que ele já não aguentasse os olhares.

— Cavalheiros! Vocês foram selecionados com esmero por seus méritos

e convidados para se reunirem aqui esta noite. Proponho que analisem osméritos da Joia de Kinfairlie e façam suas ofertas.— Esta deve ser mais uma de suas travessuras — sussurrou Vivienne.Madeline, porém, sentia calafrios. Havia muitos cúmplices para ser uma

simples travessura. E se fosse mesmo uma diabrura de Alexander, dificilmentedeixaria de comprometer a reputação dele entre os vizinhos. Mesmo assim, erainconcebível que seu irmão tivesse intenções reais de leiloá—la.

Para horror de Madeline, Reginald fez o primeiro lance sem dissimular seu entusiasmo.

— Alexander! — exclamou ela, horrorizada.Mas o irmão lançou—lhe um olhar tão frio que congelou o sangue dela.

Depois fez um gesto afirmativo, para que a disputa prosseguisse. Por suaatitude rígida, Madeline compreendeu que ele não retiraria suas palavras.Mesmo assim, vendê—la! O olhar de Madeline, cheio de terror, percorreuvelozmente a assistência. E se um desses homens chegasse a comprar sua mão?

Eles pareciam empenhados em fazê—lo. Reginald superava todos oslances, erguendo o preço com despreocupação tão temerária que sua bolsadevia ser realmente gorda. A luta era acalorada, a ponto de não passar muitotempo antes de Gerald de York lhe fazer uma reverência e retroceder entre aconcorrência, ruborizado pelo vexame de não poder continuar. Madelineparecia convertida em pedra, horrorizada pela ação de seu irmão. ReginaldNeville fez outra oferta entusiasmada. Haveria entre essa gente alguém quepudesse igualar sua riqueza? Andrew, o ancião, fez uma careta e voltouoferecer um lance, mas foi prontamente superado por Reginald. Ele o fulminoucom o olhar e meneou a cabeça.

— Isso é tudo? — Gritou Reginald, obviamente apreciando a situação.Girou em seu lugar, fazendo ondular a capa bordada atrás de si. — Acaso

nenhum de vocês pagará um centavo mais por tão belo adorno?Os homens se revolveram inquietos, mas ninguém ergueu a voz.— Reginald Neville — sussurrou Vivienne, em tom incrédulo. Seus

dedos frios estreitaram compassivamente os de sua irmã. Madeline ainda nãopodia acreditar que essa loucura fosse real.

— É a última oportunidade, cavalheiros! — exclamou Alexander — Antes que a Joia despose Reginald Neville.

Madeline precisava fazer alguma coisa!

Ela ficou de pé.

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Todos os homens se viraram para ela.— É hora de revelar que isto é apenas uma brincadeira, Alexander. – Ela

falava com uma graça serena anormal, pois tinha o coração acelerado.— Assim seria, se isto fosse uma brincadeira – respondeu ele. — Mas

asseguro que não é o caso.O coração dela afundou. Imediatamente, a ira voltou a inundá—la com

renovada intensidade. Ergueu as costas, sabendo que sua irritação era visível, eviu que o moreno desconhecido sorria. Em seu sorriso havia algo de secreto esedutor, algo que lhe acelerava o pulso e lhe esquentava as faces.

— Como se atreve a me exibir com tanta desonra! Não permitirei queenvergonhe assim a nossa família sem motivo algum! Alexander a encarou,mostrando o aço em sua resolução.

— Tenho bons motivos para isso. Teve a oportunidade de se casar por própria vontade e se negou a aproveitá—la. Seu próprio capricho nos trouxe aisto.

— Só lhe pedi tempo!— Não há tempo para lhe dar.— Isso é inconcebível! É um escândalo!— Madeline, você aprenderá a cumprir com o seu dever, tal como eu

aprendi. — Alexander baixou a voz. — Não será um destino tão árduo,Madeline. Você verá.

Mas ela não se tranquilizou. Ela seria desposada por meio de um lance,como se fosse uma vaca leiteira oferecida em uma feira. Pior ainda: para todos,aquilo era muito divertido. E para cúmulo do azar, o melhor lance erajustamente de Reginald Neville. Madeline não podia resolver se prefeririaassassinar seu irmão, ou seu ardoroso pretendente.

Lançou um impropério não muito elegante, pensando que isso talvezdissuadisse Reginald, mas os homens presentes se limitaram a rir.

— Vocês todos são um bando de bárbaros! – gritou ela.

— Ah, eu gosto das mulheres com espírito! — comentou Alan Douglas,recontando suas moedas. Imediatamente fez outra oferta, prontamente superadapor Reginald.

— Esta farsa não resultará em um matrimônio bem sucedido! — declarou Madeline.

Mas ninguém lhe prestou atenção. Os lances subiram ainda mais,enquanto ela tremia de raiva. Vivienne rezava silenciosamente ao seu lado, semdúvida temendo ter, muito em breve, que enfrentar uma cena similar. Poderiahaver algo pior?

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Reginald sinalizou outra vez, para espanto de Madeline.Repentinamente, sentiu o sobre si o peso do olhar do forasteiro; a pele ardendocom essa percepção. Qualquer que fosse o lance oferecido, Reginald o rebatia.Isso fazia com que o preço continuasse subindo, com entusiásticadespreocupação; quando começou a haver demora na resposta aos lances, elepiscou audazmente um olho a jovem.

— Você vale até o meu último centavo, Madeline — exclamou. — Nãotema, minha amada, pois eu me manterei firme até o final!

— Enquanto puder obter vitórias com o dinheiro de seu pai. — comentou Vivienne, em voz baixa.

Só restavam cinco concorrentes; os lances se tornavam mais e maislentos. Madeline mal respirava.

— Ficou sem dinheiro? — perguntou alegremente Reginald, ao ver queum dos homens corava e inclinava a cabeça, abandonando a luta.

Quatro homens.Madeline tinha a boca mais seca que pescado salgado.Roger Douglas revolveu sua bolsa; depois superou o lance de Reginald.

O outro virou bruscamente e disse uma cifra maior, como que o desafiando asuplantá—lo. Roger inclinou a cabeça, derrotado.

Três homens.A atitude de Neville se tornou efusiva, seus gestos, mais amplos; ele já

dava a vitória por certa. — Vamos, vamos! — gritou. — Não há nenhumdentre vós que esteja disposto a pagar essas migalhas pela Joia de Kinfairlie?Agora só ficavam dois: Reginald e Alan Douglas, mais pálido do que

nunca. O desespero de Madeline era tal que, mesmo odiando Neville, começoua desejar que fosse ele o vitorioso. Pelo menos não a assustava, mas Alan sim.

Cada vez que Alan dava o lance, Reginald imediatamente o superavacom entusiasmo, exibindo—se; estava claro que não se importava muito com asoma que teria que pagar.

Obviamente Vivienne estava certa: era o dinheiro de seu pai; mesmoque gastando tudo ficaria sem recursos, o jovem não via problema algum emdesfazer—se dessa carga. Alan, com um gesto carrancudo, adiantou—se e fezoutro lance. A assistência continha o fôlego coletivamente. Reginald, rindo,superou a oferta em tom triunfal.

Houve uma densa pausa. Alan fulminou seu competidor com o olhar;logo encurvou os ombros e deu um passo atrás, em derrota; sua atitude diziatudo.

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— Ganhei, ganhei, ganhei! — gritou Reginald, tal qual um menino quevencera uma partida de damas. E percorreu o salão em pequenos saltos,abraçando—se, cheio de jubilo.

Madeline observava—a horrorizada. Esse era o homem com quem teria

que casar—se. Precisava encontrar alguma forma de escapar desse louco planode Alexander.Reginald gargalhou: — Eu, eu, eu! Ganhei!— Você ainda não ganhou. — disse alguém cuja voz grave tinha um

ritmo sedutor. — O vencedor só pode reclamar o prêmio quando o leilãotermina.

O coração de Madeline quase se deteve: era o moreno desconhecido quesaía dentre as sombras. Embora não muito mais velho que Alexander, eleparecia ser muito mais experiente. A jovem não duvidava do fato de que essehomem se destacaria em qualquer duelo, ou que sua espada já tinha provadosangue. Movia—se com a segurança dos guerreiros; os outros homens saiamde seu caminho, como se fosse impossível agir de outro modo.

— Que loucura, usar essa insígnia abertamente... — murmurou alguém.— Quem é ele? — perguntou Madeline.A voz de Rosamunde, justo atrás dela, fez com que se sobressaltasse.

Sua tia se aproximara enquanto Madeline estava concentrada no leilão. Elarespondeu à indagação:

— Sua cabeça está a prêmio, sob a acusação de traição à Coroa.Qualquer caçador de recompensas inglês reconhece o nome de RhysFitzHenry.

— Eu me atrevo a dizer que todos os homens da Cristandadereconhecem meu nome, senhora Rosamunde — replicou altivamente o homemdo qual elas estavam falando — ao menos esse mérito, devem me conceder. — Ele dedicou um olhar à Madeline, como se a desafiando. Ela sustentou o olhar com determinação, embora seu coração revoasse como as asas de um pássaroenjaulado. Em seguida, Rhys dobrou o lance de Reginald, com a tranquilidadeprópria de alguém com muito dinheiro.

Lady Madeline era perfeita. Sua idade correspondia à do filhosobrevivente de Madeline Arundel, a prima de Rhys, e parecia ter herdado delao nome, assim como a cor dos cabelos e dos olhos. Seus supostos familiaresestavam desejosos de se livrar dela sem pagar um dote a ponto de recorrerem àvulgaridade desse leilão nupcial — algo que nenhum homem honrado fariacom uma irmã consanguínea. E, Rhys tinha que admitir, ele realmenteapreciava o fogo nos olhos dela. Além disso, era uma jovem alta e esbelta,embora não lhe faltassem as curvas femininas. Seu cabelo era tão escuroquanto o ébano e pendia solto sobre os ombros; quando furiosa, seus olhos

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cintilavam como estrelas. Rhys, que havia conhecido muitas mulheres, nuncaconhecera uma tão feiticeira quanto essa beleza irada.

Bastara um olhar para ele decidir que comprar a mão de Lady Madelineseria a solução mais efetiva para todos os seus problemas. Ao fim e ao cabo,

quando Caerwyn estivesse sob sua autoridade, ele necessitaria de uma esposaque lhe desse um herdeiro. E se ela fosse, realmente, a filha de Madeline, era aúnica herdeira a competir com Rhys por Caerwyn – de forma que seucasamento com essa mulher garantia que ninguém mais poderia disputaria comele a propriedade desses bens.

Rhys não se enganava: sabia que não tinha charme suficiente para, deoutra forma, conquistar a mão uma mulher como ela. Ele tampouco viainconveniente em desposar a filha de sua prima, se é que Madeline era suaprima. Casamentos entre primos eram comuns em Gales, assim, ele nãodedicou sequer um pensamento fugaz ao vínculo consanguíneo entre eles.

O fato é que Madeline seria obrigada a casar com um dos homens alipresentes. E Rhys duvidava que algum lhe fizesse uma proposta tão justa comoa que ele estava disposto a oferecer. No entanto, ele precisava acreditar quepodia dar a essa mulher uma vida melhor que a oferecida por sua família oupor esse fastidioso Reginald.

O matrimônio era a solução perfeita para ambos.Por isso deu o lance.E o salão ficou silencioso.

Foi simples assim.Madeline era sua.

~~Rhys se adiantou para pagar a soma acordada, plenamente satisfeito com

o desenrolar dos acontecimentos.O jovemLorde de Kinfairlie, responsável pelo absurdo leilão, escolheu

justo esse momento para reagir energicamente: — Protesto! Ele não estavaconvidado para o leilão. Não lhe entregarei minha irmã.

Antes que Rhys pudesse responder, Tynan lançou ao jovem um olhar venenoso, dizendo: — Adverti a você que as coisas podiam não sair conformeos seus planos, não foi assim, Alexander?

O sobrinho corou e disse: — Mesmo assim...— O assunto escapou de suas mãos — Tynan interrompeu—o, decidido,

mas Rhys compreendeu que o dono da casa o teria expulsado se Rosamundenão tivesse se oferecido para responder por ele. Aparentemente, lady Madelinetinha algumas almas preocupadas com seu futuro, afinal.

— Ele não a levará — exclamou Alexander — Não permitirei isso!

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Rhys esboçou um sorriso glacial e deixou seu olhar percorrê—lo antesde responder: — Não há como me impedir disso. Ninguém superou meu lance.

O jovem lorde , ruborizado, recuou vários passos e murmurou umadesculpa para a irmã, certamente pensando que devia isso a ela. Depois se

virou para Reginald Neville, que bufava, e perguntou: — Ficou sem recursos?O rapaz corou violentamente. Depois jogou as luvas no chão.— Não é possível que alguém traga consigo tanto dinheiro!Rhys arqueou uma sobrancelha e devolveu: — Porque você não o tem?A raiva cintilou nos olhos de Neville, que gritou: — Antes de continuar,

mostre—nos sua bolsa. Exijo isso! — E voltou—se para os outros com umgesto amplo — Como podemos confiar que um homem de tão má reputaçãopague sua dívida?

Um murmúrio correu entre os participantes. Rhys encolheu os ombros e,aproximando—se da alta mesa, tirou do colete de peles uma bolsa de camurça.Depois se deteve junto à dama, estudando—a por um momento. Ela conteve ofôlego; tinha os olhos grandes, de um glorioso azul cintilante; embora suaincerteza fosse claramente perceptível, mantinha—se firme.

Não era ruim, que ele a afetasse assim. Rhys apreciou o brilhointeligente das pupilas dela, assim como do fato de ter tentado deter aquelaloucura. Estava familiarizado com mulheres que diziam o que pensavam e sesua noiva fizesse o mesmo, entender—se—iam bem. Sorriu para ela, esperandotranquilizá—la, mas fazendo—a engolir em seco. Ele deteve o olhar naplenitude vermelha daqueles lábios; a vontade de prová—los fez com quesoubesse exatamente como celebrariam sua vitória.

Mas primeiro, selaria o contrato.— Não tema, cavalheiro. – disse serenamente – Não deixarei qualquer

dívida pendente, pela mão da dama.Havia em sua bolsa mais moedas de ouro do que precisaria, mas Rhys

não queria expor sua fabulosa riqueza. Cautelosamente, retirou apenas a somanecessária e empilhou as moedas cuidadosamente sobre a mesa. Tynan se

inclinou e mordeu uma a uma, a fim de provar sua qualidade; depois assentiu.— Pois bem, fique. Reginald cuspiu no chão, indignado, e saiutempestuosamente. Na opinião de Rhys sua elegância deixava a desejar.

O forasteiro estendeu uma mão para agarrar a de Madeline, em meio atal silêncio que a sobressaltada respiração da moça se tornou audível. Sua mãoera muito maior que a dela, tremente entre seus dedos. Mas Madeline não aafastou; além disso, sustentava firmemente seu olhar. Uma vez mais, eleadmirou a coragem dela ao respeitar os termos do acordo. Quando se inclinoupara roçar os suaves dedos com os lábios, ela estremeceu ligeiramente.

Alexander lhe pôs uma mão no braço.

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— Não me importa se estou quebrando as convenções ao romper oacordo. Não pode desposar minha irmã. É acusado de traição!

Rhys, falou em voz baixa, sem soltar a mão da dama.— Não me diga que oLorde de Kinfairlie não é um homem de palavra!Alexander ficou escarlate. Seu olhar caiu sobre a pilha de moedas. Rhys

compreendeu que necessitava desesperadamente desses recursos. Inclinou—separa o moço, com a mão de Madeline ainda bem segura na sua, e desafiou onovo herdeiro de Kinfairlie. Quando menos, mostraria a essa dama que classede homem era seu irmão.

— Concedo—lhe a oportunidade de anular sua oferta, embora você nãomereça isso. Pode recusar meu dinheiro, mas só com a condição de que a damanão será vendida a nenhum outro homem.

Era evidente que o jovem lutava com a decisão. Suplicou a sua irmãcom o olhar:

— Madeline, bem sabe que se fiz isso, foi por bons motivos.E estendeu a mão para as moedas.— Infame! — ela exclamou com o mesmo desdém mostrado pelo

forasteiro.Rhys se voltou para ela; a fúria que lhe acendia a expressão deixou—a

sem fôlego. – Pega o ouro então, Alexander! Agarra—a e paga as dívidas quetiver! E joga aos cães a lealdade que papai acreditou que devia aos seusirmãos!

A mão de Alexander tremia um pouco ao recolher as moedas.— Você não compreende mulher. Tenho o dever de pensar no bem estar

de outros...— Compreendo tudo o que há para compreender — replicou ela, com

extrema frieza — Deus proteja às minhas irmãs, se você pensar nelas comopensou em mim.

— Madeline!

Mas a dama deu às costas ao irmão. Seu porte era o de uma rainha.Quando seu olhar se fixou no de Rhys, ele percebeu que ela se esforçava paradissimular sua dor. E ele sentiu que algo os unia, pois também fora traído por quem parecia lhe ter muita estima.

— Creio que há um banquete preparado em celebração de nossasnúpcias iminentes, senhor — disse ela.

Suas palavras se ouviram claramente em todo o salão.

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Sim, essa noiva viria bem a calhar. Rhys levou a mão da jovem aoslábios e roçou—as de maneira de saudação. Sorriu, ao sentir que elaestremecia; sem dúvida a noite de núpcias seria muito apaixonada.

— Bem dito, minha senhora – murmurou ele, satisfeito por ver que ela

não se deixara intimidar. – Talvez devamos selar nosso acordo de modo maisadequado.Pelo rosto da dama se estendeu um rubor feiticeiro e seus lábios se

entreabriram como num convite. Rhys puxou sua mão ligeiramente, enquantoos presentes aclamavam, e ela se aproximou um passo. O calor de suarespiração, o rubor de seu rosto, era claramente perceptível. Mas inclusive coma respiração acelerada pela incerteza, ela não afastou o olhar.

Rhys entrelaçou seus dedos aos dela; depois ergueu a outra mão até orosto de Madeline. Movia—se com lentidão para não alarmá—la, consciente

de que ela não sabia a que se ater. Sem dúvida era donzela; devia cuidar de nãolhe inspirar temor com seu contato. Elevou—lhe o queixo com a ponta dosdedos. Sua pele era incrivelmente suave; sua coragem, admirável. Sorriu—lhee viu em seus olhos uma faísca que o tranquilizou como nada mais poderiafazer. A mulher diante dele não era uma virgem frágil, das que se assustamcom a própria sombra. Inclinou—se para capturar os doces lábios de Madelinesob os seus. Notou com satisfação que ela não se sobressaltava, nem fugia dele.

Sim, ela seria uma esposa muito conveniente.

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Capítulo 2

O beijo de Rhys foi mais suave do que Madeline esperava. Na realidade,seu beijo parecia derreter os ossos dela. Um calor intenso percorreu—a; apressão daqueles lábios contra os seus fez com que ela ansiasse por algo mais.Ele cheirava a vento, chuva e couro, algo masculino e sedutor. Não obstante,foi suave com ela. E paciente. Madeline compreendeu que insistia em acariciá—la, julgando—a inocente. E até adivinhando que era calculado, o medo queele inspirava nela se esfumou como a noite diante da alvorada.

Na verdade esse homem podia derreter o juízo de qualquer uma,beijando desse jeito. Madeline nunca tinha suspeitado que uma carícia tão levepudesse provocar tanto prazer; tampouco imaginara que pudesse se converter numa participante voluntária desse abraço.

Claro que as circunstâncias eram totalmente incomuns. Ela estavafuriosa e magoada; não sabia para quem se voltar. O fato de que um perfeitodesconhecido a consolasse, o mesmo desconhecido com quem a obrigariam acasar contra sua vontade, era incrível. Como o era também o fato de que ele aconsolasse com um beijo.

O coração dela quase parara quando entendeu o que ele faria; logo haviase acelerado, ao sentir seu contato no queixo. Parte da resistência delaevaporara ao ver que ele abrandava a expressão. E sem dúvida ele sabia. Eentão aqueles lábios se apropriaram dos seus e ela descobriu—se enfeitiçada. Airritação que Alexander provocara ficou esquecida em questão de segundos;sua estranheza ante a súbita necessidade de dinheiro se perdeu em um nada. Aúnica coisa que importava era o beijo de Rhys, terno e persuasivo. Madelinenunca teria imaginado que um homem de aspecto tão severo pudesse fazer umacarícia tão sedutora. Bastava isso para perguntar—se que classe de homem eleera, se na verdade, seu traje e sua atitude tinham algo a ver com seu verdadeirocaráter.

Quando Rhys afastou a cabeça, havia em seus olhos escuros uma faíscatão atrativa quanto seu beijo. Ainda retinha os dedos dela com força, parecendo

tenso; esperava a reação dela tal como a flecha espera que o arco a impulsione.Como se a ele importasse saber se a agradava ou não.Madeline ficou sem fôlego, enfraquecida. Ela percebeu que sua mão

estava pousada sobre o tórax do forasteiro, os dedos enredando—se noscordões do colete de couro. Não entendia o que acontecia com ela.

Ao encontrar o desconcertante olhar desse homem, compreendeu o quãoperigoso era ele. Rhys tinha enterrado as objeções que ela pudesse apresentar contra essa aliança incomum. E tinha feito isso apenas com um beijo. O perigonão estava em sua reputação, mas em sua capacidade de induzi—la a ignorar oque sabia dele.

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Era um traidor procurado pelo Rei. Um homem de atividades escusas eriqueza considerável, que dificilmente fora obtida com trabalho honesto.Madeline não se atrevia a ceder novamente à paixão que ele conjurara tãofacilmente.

Precisava ganhar tempo. De algum modo, tinha que escapar tanto doplano de Alexander como das intenções de Rhys. Mas com a mente tãonublada, não podia pensar.

Obrigou—se a sorrir.— Eu realmente preferiria que a cerimônia de núpcias se realizasse

amanhã – disse ela, com a esperança de que a serenidade da voz dissimulassesua intenção de fugir dos votos matrimoniais. Deixou as pestanas baixas contraas faces, como se fosse muito mais recatada do que realmente era, eacrescentou – dessa forma, teria uma noite para me preparar.

— Parece—me um pedido muito razoável. — Tynan declaroufirmemente, antes que Alexander pudesse protestar — Madeline suportou hojemais surpresas do que qualquer um poderia esperar.

Madeline mal respirava muito consciente do penetrante olhar de Rhys,que parecia poder descobrir seus pensamentos até a raiz de sua hesitação. Elateve o estranho impulso de confessar a ele que não desejava um casamentoentre ambos. Que teria se recusado de imediato a desposá—lo, mas quehesitara devido à incerteza quanto aos motivos pelos quais Alexander necessitava tanto de dinheiro, bem como pela possibilidade do irmãoaproveitando a presença de competidores tão dispostos para, simplesmente,leiloar a mão de Vivienne no lugar da sua.

— Convido todos que aqui estão para celebrarmos o contrato decasamento à mesa! — declarou Tynan.

Os homens lançaram um grito jubiloso e se dirigiram ao grande salão; oaroma de carne assada lhes acelerava os passos. Já se ouvia o ruído de taças devinho. Uma serva anunciou da que havia cerveja em abundância para todos.

— Não faça isso! — Elizabeth gritou repentinamente, assinalando umponto acima de Madeline e Rhys. Mas não parecia haver nada ali.

— Basta já dessas tolices, Elizabeth — ordenou a irmã mais velha, comfirmeza. Nesse momento, não tinha paciência para ridículas infantilidadessobre fadas.

— Não são tolices! — Elizabeth moveu a mão para afastar uma mosca,com tanta energia que esteve a ponto de golpear Madeline. — Essa fada estáatando suas fitas!

— Que fitas são essas? — perguntou Rhys.— As fitas que ela entrelaçou antes, não é óbvio?! — explicou a

mocinha, com impaciência. — A sua é a prateada e a de Madeline, a dourada.

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Mas agora ela está armando uma confusão terrível com as duas. E rindo. – Agarota fitou Rhys com ar sombrio — Não é uma risada simpática.

— Suponho que não — replicou ele, igualmente solenidade.Madeline compreendeu que devia pensar que sua irmã era louca.— Já chega! — Elizabeth voltou a lançar o punho contra a inimiga

invisível. Rhys agachou a cabeça bem a tempo. – Pare já de fazer diabruras,pequena fada! Não sei o que significam essas fitas, mas sem dúvida você nãotem boas intenções.

— Elizabeth, pare você de fazer diabruras! — replicou Vivienne,enquanto pegava a menina por um braço. As outras pessoas começavam a olhá—la de soslaio; mais de um casal falava em sussurros, sem dúvida,comentando a estranha conduta da garota.

Madeline abriu a boca para apoiar Vivienne, mas de repente teve umaideia. Se Rhys acreditasse que ela também estava louca, insistiria em casar—secom ela? Homem algum quereria uma esposa que pudesse lhe dar filhosdesmiolados. Perfeito! Ali estava o recurso para romper o compromisso.

— Ela está certa, menina — disse ela, sem pensar muito no assunto. – Desse jeito, você acabará por fazer mal à fada. E isso não seria nada prudente,não é verdade? Dizem que quando lhes fazem mal elas se tornam vingativas.

Elizabeth ficou boquiaberta, obviamente atônita ao ver que alguémapoiava sua causa.

— Você também a vê?— Sente—se bem, Madeline? — perguntou Vivienne.— é claro que me sinto bem. E é claro que a vejo! — Madeline sorriu

para sua família estupefata. Rhys a observava atentamente, entrecerrando osolhos. — Acaso não têm olhos? Ali está ela, ali! — E gesticulou para a suadireita, assinalando algum ponto justo acima deles. Todos se voltaram paraolhar; logo viraram novamente para ela.

— Está enganada, ela está lá! — Elizabeth corrigiu—adesdenhosamente, indicando a direção contrária. Depois lançou um olhar ao

restante da família, e voltou a estudar suas irmãs mais velhas com francoceticismo.— Tem razão. Ela move—se depressa, para uma coisinha tão pequena.

— Madeline riu alegremente. Logo deu umas batidinhas no ombro da irmãmais nova, como se as duas compartilhassem alguma travessura. – Deve ser por causa dessas asas douradas que é tão veloz.

— Mas ela não tem asas! — protestou Elizabeth, quase grunhindo. — Olhe, não acredito que veja coisa alguma!

Quão pouco a ajudava, a pequena!

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Madeline apertou o ombro da menina.— Parece—me que não reparou bem nela. — assegurou pacientemente.

— Não está vendo suas pequenas asas douradas? E os guizos na ponta dossapatos? É uma fadinha preciosa, por certo. Talvez pudessem se tornar amigas,

Elizabeth, se você deixasse de tentar estapeá—la.A irmã cravou um olhar sombrio em Madeline.— Nunca vi criatura tão feia em toda a minha vida. E é cruel, ainda por

cima. Você deveria saber disso, já que ela está atando sua fita em você comtanta malícia.

Dito isso, a mocinha empinou o nariz e partiu para o grande salão.Madeline seguiu—a com o olhar por um momento. Depois mostrou um sorrisoluminoso.

— Ah, sim, por certo, tinha esquecido as fitas – declarou alegremente àsua família.

— Talvez porque não pode vê—las? — insinuou Vivienne.— Por acaso não dizem que as fadas se apresentam com aspectos

diferentes aos olhos de cada mortal? – rebateu ela, lamentando que os de seupróprio sangue não soubessem lhe prestar ajuda num dia como aquele. — Quem sabe o que está planeja, mostrando à Elizabeth um aspecto tãohorripilante.

— Quem sabe, realmente — murmurou Rhys. Logo a pegou pelo

cotovelo. — Passemos ao salão, minha senhora?— Olhe! A pequena fada está montada na ponta do seu nariz! – Madeline riu, apontando para a fronte de Rhys. — Não a vê?

— Não, não a vejo. Possivelmente porque tenho fome.— Oh, ela já voou! Como cintilam essas asas diminutas! — Ela riu

como uma lunática. Todos, menos Rhys, apressaram—se a se afastarem umpouco dela — E agora se enredou nas fitas. Que divertido!

Ele fez menção de conduzi—la ao salão, como se sua atitude não lheinspirasse preocupação. Madeline se arrancou de sua mão para olhá—lo nosolhos.

— Não considera preocupante que eu veja criaturas que você não vê?Rhys meneou a cabeça.— Fadas são vistas apenas por aqueles a quem escolhem aparecer. Na

verdade, dizem que esse é um dom. É possível que ele seja um sinal da boafortuna, minha senhora.

Madeline apertou os dentes, irritada pelo fato de ele encontrar mérito emseu ardil.

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— Nunca soube que uma esposa louca trouxesse boa sorte ao marido.Muito pelo contrário, senhor.

— Você bem pode estar certa — ele reconheceu com desenvoltura — mas o fato é que você está tão louca quanto eu.

— Mas a minha irmã...—... tem um dom incomum, pelo que vejo. – Rhys completou, em tom

definitivo. — E é possível que você também o tenha. Eu não me incomodo deter parentes que possam ver fadas. Isso até me alegra. Agora vamos, a comidaestá a nossa espera.

Madeline fitou o noivo, boquiaberta, sem saber como interpretar suaatitude. Acaso o guerreiro acreditava em fadas? Ele a fitou subitamente, comum lampejo alegre no olhar; não parecia aquele homem severo que tinhacomprado sua mão. O coração da jovem voltou a deter—se. O que maisignorava sobre Rhys FitzHenry?

Entretanto, o grupo partiu ruidosamente para o grande salão, as irmãsem volta de Madeline, separando—a de Rhys. Vivienne lhe segurou a mãodireita; sua alegria característica tinha desaparecido. Annelise lhe apertavafirmemente a outra mão, em um silêncio anormal até nela, que era tão calada.Madeline supôs que seu noivo teria continuado rumo ao salão. Na verdade,alegrava—se por ter um momento a sós com suas irmãs.

— Nós providenciaremos para que suas vestes estejam perfeitas – declarou Vivienne, em tom falsamente jubiloso. Madeline compreendeu que o

fazia pelo bem das menores. — Acho que a saia azul necessita outra fileira depérolas na barra.— Vestes de noivas devem ser ostentosas – Isabela concordou — E

você será a primeira noiva da família, Madeline. Acha que poderemos visitá— la em sua nova residência?

— É claro — disse ela. Logo se perguntou qual seria essa residência.Teria Rhys um torreão ou uma choça? Ou acaso viajava constantemente? Ondeestaria seu novo lar? Se Alexander se comportara com responsabilidade, a estashoras todos saberiam esse detalhe tão importante.

— Você vai ter bebês? — perguntou Annelise, tímida.— Suponho que sim. – respondeu Madeline— Poderíamos convencer o tio Tynan de abrir seus cofres e te

presentear com mais pedrarias — disse Isabela — Para fazer de você umanoiva gloriosa.

Rosamunde riu suavemente. Sua mão voltou a pousar sobre o ombro deMadeline.

— Isso realmente seria uma façanha – disse ela.

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— Então você, tia Rosamunde? — inquiriu Isabela. — Não pode cobrir Madeline de rubis e safiras na noite anterior às bodas, para que brilhe radiantecomo o próprio sol?

— É verdade, Rosamunde – adicionou Tynan, sombrio. — Em seus

depósitos há tesouros de sobra. Bem poderia se desprender de alguns. — Cravou nela um olhar expressivo.— Madeline ficará radiante com joias ou sem elas, mas aquilo com que

a brindarei será algo mais duradouro.— O que? O que é? — As moças rodearam a tia, com olhos arregalados.— Será um segredo entre Madeline e eu — disse Rosamunde,

misteriosa.Isso não satisfez a curiosidade das irmãs. Madeline não sabia do que se

tratava, mas suspeitava que o presente fosse um conselho. Sabia algo do queacontecia entre o homem e a mulher tinha visto os animais que se acoplavamno campo, chegada a Primavera, mas sentia a necessidade de ter maisinformação. E não duvidava que Rosamunde soubesse muito mais dessascoisas.

— De qualquer modo passaremos a noite acordadas — resolveu Isabela,feliz ante a perspectiva das celebrações.

E correu atrás de Tynan, enquanto a calada Annelise permanecia junto àirmã maior. Madeline quase podia farejar a preocupação das duas irmãs que aseguiam, o medo por seu próprio futuro. Devia fazer algo para que Alexander não repetisse essa loucura. É preciso reconhecer que o jovem parecia bastanteinquieto pelo que tinha feito.

— Sinto muito, Madeline. Quero que saiba que não era este o resultadoque eu esperava.

Se seu irmão julgava que poderia resolver tudo com Madeline por meiode um simples pedido de desculpas — depois de ter moldado temerariamente oresto da sua vida! — estava tremendamente equivocado:

— Pois a mim pareceu aceitar o dinheiro com muito gosto! — observou

Madeline, sem se incomodar em dissimular seu desagrado.Alexander corou.— Você não aceitava se casar por vontade própria, de forma que eu tive

que tomar a decisão por você. Estará feliz dentro de um ano, quando tiver umfilho no ventre.

— Você acha que é tão simples assim? — Madeline ficou espantada.Alexander apertou os lábios com teimosia.

— Eu não tinha alternativa. Você não tem ideia dos problemas queenfrento.

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— Não, com efeito. – Ela encarou—o com a mesma teimosia. — Poderia me explicar quais são.

— Não posso. – O irmão lançou um olhar de soslaio às outras moças,muito atentas à conversa, e resmungo: — Aqui não. E nem agora.

A reticência dele convenceu Madeline de que Alexander não tinhamotivos reais que alegar... Ou talvez esses motivos não o mostrassem de formamuito favorável.

— Para você foi tudo apenas uma travessura — ela o acusou. — Masterá que me jurar, irmão, que não envergonhará nossas irmãs como fez comigo.

— Minha intenção era boa, Madeline. Posso assegurar isso!— Sua intenção importa menos que os fatos. Você sempre se deixou

levar por suas ideias, por mais descabeladas que fossem. — Madeline falavaagora com a firmeza que seu pai frequentemente empregara. — Mas nem todomundo encara seus planos da mesma firma, Alexander, e esse era o caso denossos próprios pais. Então tenha muito cuidado para não brincar com a vidadas suas outras irmãs como fez com a minha.

Alexander apertou os lábios numa linha implacável que ela conheciamuito bem.

— Não pode me impor sua vontade, Madeline. Eu sou oLorde deKinfairlie.

— Jure—me isso! — exclamou Madeline, com uma veemência tão

incomum que as irmãs mais novas ficaram olhando—a alarmadas — Nãotolerarei que esta loucura se repita! Como resultado da traição de hoje, temdinheiro suficiente para saldar quaisquer dívidas. Portanto, exijo essejuramento, Alexander.

Ele parecia resistir à ideia de empenhar a palavra. As irmãs mais jovensapertavam as mãos de Madeline, desamparadas.

— Eu o aconselho a fazer o que a dama pede — disse Rhys, que aindaestava perto o bastante para acompanhar toda a conversa — Sua irmã fala commais juízo do que você demonstrou até agora.

— Pensava estar apenas entre meus parentes – reclamou o jovemLorde ,carrancudo — Você deveria ter revelado sua presença imediatamente!— E vocês deviam olhar ao seu redor antes de falar impensadamente. —

Rhys voltou a agarrar a mão de Madeline, afastando Annelise suavemente – Para se mantiver como senhor de um castelo, um homem precisa usar a cabeçamelhor do que o fez esta noite. Além disso, deve cuidar de seus outros tesouroscomo não fez com esta Joia. Muito em breve seremos parentes,Lorde deKinfairlie.

Alexander ruborizou—se até ficar escarlate; obviamente reconhecia

alguma verdade nas palavras de Rhys. Madeline ficou assombrada por ser

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justamente seu noivo indesejado a defender sua postura. As irmãs dela oencaravam com admiração.

Rhys se aproximou mais dela, como que insinuando que ambos falavamcom uma só voz.

— Dê a minha senhora a promessa que ela quer. E faça isso agora.Sua senhora... Madeline voltou a sentir o calafrio traidor no ventre. O

contato de Rhys a emocionava. E seu apoio surpreendera—a tanto que ela nãoconseguia dizer uma palavra.

Seu irmão os observou com ar carrancudo.— Juro, Madeline. Não leiloarei nossas irmãs.O juramento fora feito de forma tal que ela tinha a estranha sensação de

que Rhys cuidaria para que fosse respeitado. Era um alívio, mas teria preferido

não sentir—se em dívida para com ele.— Isso a satisfaz? — perguntou o cavalheiro.— Sim, por certo.— Pois então este assunto acabou bem. — Rhys pousou a mão de

Madeline em seu cotovelo. — Venha, minha senhora, o festim de compromissonos espera.

Ela obedeceu como se estivesse realmente disposta a ser uma esposadócil para esse renegado. Não ousava deixá—lo entrever a rebeldia que seagitava nela. Ajustou seu passo ao dele e até conseguiu obsequiá—lo com umpequeno sorriso. Embora agradecesse sua intervenção, desconfiava dosmotivos que o tinham induzido a isso. Suas irmãs também agradeceramcortesmente; obviamente, o conceito que dele tinham melhorava de momento amomento. Madeline estava segura de que Rhys cultivava deliberadamente aaprovação das moças... E isso inspirava sua desconfiança.

Qualquer um poderia ser encantador durante uma noite, mesmo umhomem de má reputação, e com isso obter uma esposa para sempre. E no caso,seria Madeline a suportar o resultado por toda a vida. Rhys parecia tãodecidido a eliminar seus temores e a pensar bem dela que até isso parecia

suspeito. E o fato de ele ser um traidor da Coroa redobrava a decisão da moça,de não entregar—se definitivamente a esse perfeito desconhecido. Fosse comofosse, essa noite não importava, já que pela manhã Madeline teria partido deRavensmuir, sem que ninguém soubesse onde encontrá—la, pois ela mesmanão tinha a menor ideia de onde ir.

Rhys quase podia cheirar a rebeldia de sua noiva. Na verdade, não podiaculpá—la por resistir que a casassem em circunstâncias tão estranhas, sobretudo com um homem desconhecido. E com uma reputação de vilão. Mas elesse casariam sim, pela manhã. Rhys queria ser o dono de Caerwyn sem maisdelongas. A solução era tranquilizar a dama no pouco tempo restante entre esse

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banquete e a troca dos votos matrimoniais. Tinha começado por tranquilizar assuas irmãs e assim continuaria. Por certo, a presença alegre das moçasdespertava nele certa nostalgia, pela lembrança de suas próprias irmãsperdidas, que tanto costumavam atormentar ao único varão, mais jovem queelas. Ao ver—se entre essas meninas, sentia uma ternura incomum, pois osarcasmo delas evocava seu próprio passado, já meio perdido.

O grupo foi acomodado na mesa principal, sob a direção do governador de Tynan. O tio ocupava o assento central, com Rosamunde à sua esquerda eum garoto à direita. O menino tinha o cabelo escuro, como Madeline eAlexander, mas seus olhos eram de cor verde intensa; sem dúvida era outro dosirmãos. Mais à frente, à direita de Tynan, sentou—se Alexander; logo, duas dasirmãs menores. Rhys estava à esquerda de Rosamunde, com Madeline àprópria esquerda, seguida de Vivienne. Elizabeth, a que via fadas, ocupava oextremo da mesa e parecia abatida pelo fato de que ninguém tivesse acreditado

nela.A jovem não parava de lançar olhadas dissimuladas em volta da mesa,

frequentemente em direções estranhas; Rhys se perguntava o que estaria vendo.A primeira mesa em frente a eles era ocupada por vários bispos e duques comsuas esposas e acompanhantes, todos com seus melhores ornamentos.Sentavam—se mais ou menos por ordem de posição, embora a cerveja játivesse corrido suficientemente abundante para que ninguém se ofender—sepor algum erro inevitável.

Rhys se encarregou de instalar às mulheres e encher suas taças; depois

piscou um olho à abatida Elizabeth. Ela corou; depois, brincando com sua taça,cravou nele um olhar flamejante.— Não zombe de mim – disse a garota.— Não me ocorreria fazê—lo. A senhorita tem um poder considerável,

pois vê a fada com tanta clareza.— Pensa isso?— Este é um dom muito invulgar.A expressão da menina se iluminou, mas Rhys sentiu que Madeline, ao

seu lado, ficava rígida. Então lhe ocorreu que podia abrandar a resistência desua prometida por meio das irmãs.— A fada está puxando uma de suas orelhas e fazendo uma careta

horrível — revelou Elizabeth.— Pois então, me alegro de não vê—la e, sobre tudo, de não sentir a dor

que me causa.A garota riu e disse: — Por que acredita em fadas?— Porque existem, certamente.

— Mas como sabe isso se não pode vê—las?

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— Dizem que a família de minha mãe descende de uma fada da águaque se casou com um mortal, meu antepassado direto. — Rhys viu que amenina dilatava os olhos, e Vivienne se virava para escutá—lo. — Nãoconhecem a lenda de Gwraggedd Annwn?

As duas moças negaram com a cabeça, enquanto Madeline dedicava umsúbito interesse à chegada do assado. Mas sem dúvida ela também estavaescutando—o. Rhys alegrou—se por ter escolhido justo esse conto. Eledescrevia perfeitamente sua própria reação ante a dama ao seu lado; erapossível que ela percebesse a semelhança oculta em suas palavras. Ele sentiaintensamente a presença dela: o roçar de sua saia, tão perto de sua própriaperna, o suave aroma de sua pele, o calor da coxa junto à dele. A mão deladescansava na mesa, fina e suavemente formada, e embora ele ansiasse capturá—la entre seus dedos, temia assustá—la. Um conto podia enfraquecer aresistência dela.

Pigarreou antes de começar.— Em Gales, onde nasci, há muitos lagos, quase todos envoltos em

mistérios. Dizem que sob a superfície deles vivem seres mágicos emesplêndidos palácios, que os mortais só podem vislumbrar muito raramente.Também dizem que suas filhas têm uma beleza incrível e que são sábias eimortais. E que uma dessas donzelas aquáticas gostava de se sentar em certarocha da costa e pentear os cabelos sob o sol.

— Certamente algum mortal a viu ali — adivinhou Vivienne, com olhoscintilantes.

— Por certo, assim foi — reconheceu Rhys. — E como vocês podemimaginar, ele ficou cativado pela visão de uma beleza tão incomum. Algunsdizem que ela estava cantando e que sua linda voz deixou—o enfeitiçado.Outros asseguram que apenas a formosura dela o deslumbrou. Conta—se que abela tinha o cabelo negro como asas de um corvo e que seus olhos cintilavamcomo safiras. Ouvi contarem que bastou um único olhar para o rapaz perder por completo o coração.

Madeline jogou uma olhadela a Rhys, ante a descrição tão semelhante aela própria. Rhys devolveu—lhe o olhar, antes de prosseguir.

— A verdade é que a dama em questão era de uma beleza inigualável,com o caráter igualmente atraente. E, assim, o mortal ficou cativado. Com aesperança de atrair sua atenção, ofereceu—se para dividir com ela o pão quelevava.

Rhys olhou para o extremo da mesa, seguro de que Madeline faria omesmo, e estudou a bandeja cheia de pão já cortado e à espera de ser compartilhado. Repentinamente, as faces da jovem e tingiram—se pelo rubor;ela afastou a vista para o outro lado do salão.

— E o que aconteceu? — inquiriu Elizabeth.

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— A formosa donzela disse que o pão que ele oferecia era muito duro.Talvez o desconcerto do mortal a divertisse. Então desapareceu sob a água,sem deixar mais que uma imperceptível ondulação na superfície.

— Oh... — murmurou Elizabeth, obviamente desencantada, pensando

que o relato se acabara. Mas Vivienne ergueu a voz.— Não acredito que ele tenha se dado por vencido, sem mais nem

menos.— Não, por certo, pois o amor é um poder prodigioso. Ele sabia que era

necessário ganhar o favor da donzela e não lhe importava quão difícil era essatarefa. Nenhum homem de valor se rende com facilidade, se sua dama desejar algo dele.

Um pajem depositou fatias de carne ao lado dos pães. Rhys selecionouas mais suculentas para Madeline. Ela lançou—lhe uma rápida olhada e logodesviou o olhar, sem pegar nenhum pedaço, mantendo as costas muito retas.Rhys não se deixou intimidar.

— O homem voltou para casa e pediu conselho à mãe, que, na manhãseguinte, entregou a ele um pão levemente assado. Então ele retornou ao lugar do encontro e teve a alegria de novamente ver ali a donzela do lago. Voltou aoferecer a ela uma parte do pão, mas a dama respondeu, rindo, que aquele pãoestava muito macio. Então desapareceu uma vez mais, dentro do lago.

— E no terceiro dia? — insistiu Elizabeth.— No terceiro dia ele levou um pão medianamente assado. E a formosa

donzela gostou muito dele. Imagino que, na verdade, ela gostava do fato de elese esforçar tanto para ganhar seus favores. Ante isso, Vivienne riu. Madeline,ao contrário, afastou—se ligeiramente.

Por sentir—se suscetível ao seu encanto ou, antes, por rejeitá—lo? Elenão podia adivinhar, mas prosseguiu com o relato:

— Mesmo assim, tão logo comeu o pão a dama desapareceu novamenteno lago. O homem ficou inconsolável, pensando que a fada realmente odesdenhara.

As moças escutavam encantadas.Até Madeline o observava disfarçadamente. — E dessa vez eleabandonou sua busca? – perguntou ela.

Rhys se permitiu um sorriso.— Não mencionei que ele era prisioneiro desse amor? Enquanto ele

ainda lamentava a fuga de sua amada, surgiram das profundidades do lago trêsesplêndidas figuras que caminhavam para ele por sobre a superfície da água,usando vestes e joias fulgurantes sob a luz do sol. Havia duas donzelasigualmente belas e tão parecidas entre si que bem poderiam ser a mesma

mulher ocupando dois lugares diferentes. E entre elas, um cavalheiro mais

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velho finamente trajado, que logo informou ao rapaz ser ele o Rei das fadas dolago. Então ofereceu a mão de sua filha, desde que ele identificasse qual delastinha aceitado seu pão.

Rhys franziu os lábios antes de continuar:

— Não era uma tarefa fácil. Ao olhar para as irmãs, ele sentiu medode fracassar, pois não conseguia distinguir diferença alguma entre as duas. Masquando já achava que tudo estava perdido, a jovem da direita deslizouligeiramente um dos pés para frente. Pois vejam só, a donzela fada seapaixonara pelo mortal e não queria perdê—lo.

Rhys capturou a mão de Madeline e deslizou o polegar sobre a sua pele.Ela estremeceu e o brilho azul de seus olhos se tornou mais febril, mas a mãonão foi afastada.

— O enamorado reconheceu imediatamente a sapatilha de sua amada e,cheio de júbilo, compreendeu que ela também estava disposta a essa aliança.Então indicou corretamente sua noiva.

— E eles se casaram. — incitou Vivienne.— E eles se casaram, mas o rei das fadas impôs uma última condição: se

o mortal golpeasse três vezes a sua fada, perderia a esposa para sempre, poisela estaria obrigada a retornar ao reino de seu pai, sob o lago, se issoacontecesse.

— E ele aceitou? — quis saber Madeline.

— É claro que aceitou. — Rhys sustentou o olhar dela. — Nenhumhomem que se preze golpeia sua esposa, por motivo algum. — Dos ombros dajovem pareceu desprender—se uma parte da rigidez presente. — O mortalconcordou com a exigência do futuro sogro, pois não pretendia maltratar suabela noiva jamais. Casaram—se, tiveram filhos varões e boa fortuna; foramabençoados com colheitas abundantes e muitas novilhos em seus rebanhos.Todos os vizinhos diziam que o rapaz era bendito desde que se casara comaquela dama.

Rhys bebeu um gole de sua cerveja, consciente de que Madeline nãotinha provado bocado e apenas bebera um pouco. Sentia a mão dela tremendosob a sua, como se ele tivesse apreendido um pássaro silvestre; então a deixouir, quando tentou separar—se dele. Madeline estaria compreendendo que aintenção desse relato era tranquilizá—la?

— Não é possível que a lenda termine assim — protestou Vivienne.— Realmente não, pois havia algo estranho na esposa fada. Talvez por

ser imortal ou por interpretar as coisas de forma diferente, às vezes, eladestoava—se das pessoas comuns. A primeira vez foi quando ela riu duranteum funeral com tanto entusiasmo, que seu marido se sentiu obrigado a mandá—la ficar em silencio, com um leve golpe no ombro dela. A esposa

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imediatamente se calou, e disse: - Este foi o primeiro golpe. — O marido,horrorizado pelo que tinha feito, prometeu ser mais cauteloso no futuro.

— Mas não foi — adivinhou Elizabeth.— Ela chorou durante um casamento — reconheceu Rhys, com um

gesto afirmativo. – Soluçava como se aquela aliança fizesse o mundo perder todo sentido. E como as pessoas ali reunidas ficavam olhando—a de soslaio,incomodadas, o marido se impacientou e voltou a perder as estribeiras: deu umligeiro empurrão no ombro de sua esposa e ordenou que ela se acalmasse. Elase calou por um momento, e então disse: - Este foi o segundo golpe—. Epassou vários dias sem dirigir a palavra ao marido, por que o amava tantoquanto era amada e temia que ele acabasse por separá—los por toda aeternidade. Mas tudo continuou bem por vários anos; seus filhos cresceram eseus rebanhos se tornaram mais numerosos.

— E então? — perguntou Vivienne.— E então? — somou—se Elizabeth.— E então aconteceu que um menino se afogou no mesmo lago em que

a fada habitara. Um rapazinho, que o casal conhecia bem, era encantador e bemquisto por todos. Quando as pessoas souberam do ocorrido, se reuniram àsmargens do lago e se lamentaram, mas a fada começou a cantar; não umacanção fúnebre, mas um hino triunfal, como se aquela fatalidade fosse algopara ser celebrado, ao invés de causar dor.

Rhys fez uma pequena pausa a fim de conferir o interesse de sua plateia,

e logo continuou:— As pessoas se afastaram dela consternadas, e seu marido voltou a

impacientar—se, dando uma palmada em seu ombro ao admoestá—la de queaquela canção não era adequada e ordenando que ela silenciasse. Ela calou—sepor um instante e depois disse: - Este foi o terceiro golpe—. Deu um beijo emcada um de seus filhos, então acariciou a face de seu marido e caminhou paraas águas, desaparecendo sob a superfície, perdida para sempre, surda àschorosas súplicas do seu desconsolado marido. E assim, eles se separaram, talcomo havia predito o rei das fadas.

As duas moças pareceram claramente desencantadas com o final, masRhys ergueu um dedo para indicar que ainda não terminara:— Mas dizem que ela jamais esqueceu seus filhos, nem seu amado.

Alguns dizem também que, nas noites de luar, ela retornava àquela rocha paraencontrar—se com seu marido e que ambos se sentavam bem juntinhos econversavam. Outros asseguram que ela visitava seus filhos em sonhos e quelhes transmitiu todos seus conhecimentos sobre as ervas curativas. Assim, elesconverteram—se numa família de médicos famosos; e até hoje ela ainda osencontra junto ao lago.

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Vivienne suspirou satisfeita: — Que sorte a sua, Madeline! Casar—secom um homem que sabe narrar estórias tão bem!

— E que descende de fadas! — entusiasmou—se Elizabeth.Rhys jogou uma olhada ao longo da mesa e acreditou detectar o

assentimento das outras duas irmãs. Annelise tinha se aquietado ao ouvi—loexigir que Alexander não repetisse esse leilão insano, enquanto Isabela pareciacontente com o fato das bodas serem resultado do lance de Rhys. Só Madelinecontinuava a duvidar de seus méritos. Rhys tinha encantado às cunhadas, masnão à sua noiva.

— Acredito que é uma lenda trágica — disse ela, com ar dedesaprovação r as mãos cruzadas com força no colo.

Aparentemente, a má sorte de Rhys não tinha mudado. Mas, assim comoo herói de sua narrativa, ele não se renderia facilmente ante o desafio deconquistar a boa vontade de sua dama.

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Capítulo 3

Madeline teria podido gritar de tanta impaciência. Aparentemente,passaria a metade da noite antes que os participantes se cansassem do vinho eda cerveja de Tynan. Ela fazia o possível por dissimular seu desejo de fugir.

Rhys não voltou a lhe falar diretamente, mas sua coxa esquentava a suae quase era possível perceber como escutava a respiração de sua noiva. Emboraseu olhar passeasse por todo o salão, sem que parecesse interessar—se por ela,Madeline sabia que concentrava toda sua atenção. Era mais quedesconcertante.

Pior ainda, desde o relato da fada do lago, Elizabeth e Viviennepareciam cativadas pelo Rhys. Isabela, que costumava preferir às celebraçõesaos momentos tranquilos, esperava essas bodas com regozijo. Até Annelise,sempre lenta em simpatizar com os desconhecidos, olhava—a com bons olhosdesde que ele tinha insistido com o Alexander para que não leiloasse a maisnenhuma irmã. Só Madeline parecia conservar a vista e o miolo. Escaparia tãolonge que ninguém voltaria saber dela.

—Sente—se bem, Madeline? — perguntou Vivienne, possivelmentepela sétima vez. — Está muito calada. Madeline, muito consciente de que Rhysescutava a conversa, lamentou que sua irmã não deixasse o assunto em paz.

— Sempre sou muito reservada — disse, com uma doçura que teriadevido alertar Vivienne. Mas a outra se pôs a rir.

— Você? Não acredito!Ela apertou os dentes e a chutou por debaixo da mesa. Vivienne lhe

devolveu o chute com força suficiente para lhe deixar um hematoma na tíbia.

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— Que divertida você é, Vivienne! — comentou Madeline, comfirmeza. — Todos sabem que eu sou a mais calada da família.

Sua irmã, ignorando alegremente a mensagem que ela tentava lheenviar, riu com tanta vontade que mal pôde replicar:

— Você? Mas se você fala mais que todas as outras juntas! Recorda—seo que dizia nossa velha babá?

— É claro que não me lembro da conversa daquela maluca — elaafirmou.

— Como é possível? Ela dizia que você tinha a audácia de oito homense até sobrava. Elizabeth lançou uma gargalhada.

— Lembra—se de quando tratou de amordaçá—la para mantê—lacalada durante toda uma manhã? Madeline sentiu que corava ante o olhar queRhys lhe dirigia de soslaio.

— Não, não lembro.— Como pôde esquecer? Francamente, Madeline, esta noite não parece

você mesma. – Para desgosto de sua irmã, a menina tocou Rhys no braço comose fossem antigos camaradas. – Você deve estar atônito, senhor.

— Certamente, as circunstâncias desta noite escapam do normal — elereconheceu. Vivienne sorriu.

— Pois lhes asseguro que minha irmã costuma ser muito mais vivaz. Éprática, mas também franca. Pode ter certeza, senhor, de que Madeline lhe diráo que pensa, sem, no entanto, deixar de ajudá—lo.

— Vivienne!Rhys bebeu um gole de cerveja. Madeline teria podido jurar que ele

sorria.— Não há nada como as brincadeiras entre irmãs — disse, em voz tão

baixa que Vivienne não o ouviu. A Madeline surpreendeu descobrir nomelancólico afeto de seu tom o perfeito eco de seus pensamentos.

—sem dúvida você também tem irmãs — disse. Por seu rosto passou

uma sombra. Ela se descobriu intrigada.— Tive quatro, em outros tempos — admitiu o cavalheiro, apartando a

vista.— Como é que já não as têm? Rhys examinou o outro lado do salão por

um longo instante, como se não tivesse escutado.— Todas morreram minha senhora.Madeline ficou impressionada. Ele não disse mais, mas o sombrio de

sua expressão bastava para rasgar o coração.

— Sinto—a muito.

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— Também eu. — Lhe roçou a mão com a ponta dos dedos. Madelinesentiu um calor em seu baixo ventre, sem saber se isso ocorria devido ao ternocontato ou à sua confissão. Ao perceber que o rubor lhe coloria a face, baixouos olhos para dissimular o efeito que ele causava nela. Logo se perguntou seessa confissão era verdade ou uma mentira destinada a enfraquecer suaresistência. Vivienne havia tornado subitamente a prestar atenção, como sepercebesse que perdera algo.

— Pode ser que eu esteja algo mais calada que de costume — elareconheceu. – mas é a primeira vez que vivencio a véspera de minhas bodas.

Ante a lembrança, Vivienne voltou a ficar séria.— OH, mas você não deve se afligir Madeline. Estou certa de que será a

noiva mais bela que se viu em Ravensmuir, embora o tio Tynan não estejadisposto a desprender—se de mais pérolas para a barra de sua saia. O azul lhe

assenta tão bem... Rosamunde tem razão quando diz que tudo será perfeito.Madeline mordeu a língua para não dizer que essas bodas não era o quemais a preocupava. Acima de tudo, tinha intenção de induzir Rhys a pensar queela se prestava a essa loucura.

— Pois então posso ficar tranquila — disse, ficando direita. E bebeu umgole de cerveja para não dizer mais.

— Reservada, você! — murmurou Vivienne, meneando a cabeça. — Tenho que contar essa piada a Alexander.

— Talvez seja o temor de desposar um desconhecido o que lhe atou alíngua — insinuou Rhys.

Madeline sentiu que se ruborizava ao ver seu temor tão claramenteidentificado. E justamente por quem menos a conhecia.

— Além de ser um desconhecido com péssima reputação — eleacrescentou.

E Madeline adivinhou que suas faces estavam coradas. Viviennearregalou os olhos.

— É verdade que há um preço por sua cabeça? — perguntou, com uma

admiração imprudente.Ele se limitou a fazer um gesto afirmativo.— É claro que foi condenado injustamente. – ela declarou perfeitamente

convencida do que dizia — Então o Rei perdoará você e terá que pedir seuperdão. E tudo será tão romântico como nas velhas lendas. Afinal, tiaRosamunde o conhece bem!

O fato de Rosamunde conhecer todo tipo de trapaceiros fazia com queesse respaldo não fosse tão convincente quanto Madeline gostaria. MasVivienne seguiu tagarelando, apaixonada pela história que ela mesma tecia.

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— É até possível que Madeline precise se apresentar na corte e implorar ao Rei por clemência. — Elizabeth estremeceu de prazer: — Isso não seriamaravilhoso?

Rhys parecia estar contendo outra vez um sorriso.

— Também poderia ser uma loucura. — Madeline não pode maiscontinuar em silêncio.

Vivienne franziu o sobrecenho.— E por quê?— É possível que o Rei não tenha se enganado ao qualificar o crime.— É possível. — Rhys reconheceu com leveza, como se o assunto não

lhe interessasse o bastante.— Nesse caso, eu seria muito insensata se não experimentasse algum

receio por estar ligada pelo casamento com um homem assim – ela completou,com mais aspereza do que tinha planejado deixar transparecer. Logo, fez umesforço para dominar—se — Poderíamos conversar de outro tema? Da chuva,talvez?

— Chove como sempre, na primavera — disse Vivienne, sem dar importância ao tema. Depois se inclinou novamente para Rhys. — É culpadode traição, senhor?

— Vivienne!— Suponho que você também deseja saber a verdade! – Vivienne

retrucou com todo o sarcasmo que as irmãs reservam para usar entre si – apesar de tudo, vai casar—se com ele.

Madeline mordeu a língua para não soltar um insulto ao noivo. Sentindoque ele a observava, fingiu—se fascinada por seu guardanapo. O olhar dele eratão penetrante que ela temeu que tivesse adivinhado seus planos de fuga.

— Talvez a senhora duvide que eu reconheça a verdade — disse Rhys,com prudência – Afinal, contar uma mentira é um delito muito menor quetraição.

Vivienne pareceu muito impressionada por esse raciocínio, enquantoMadeline se esforçava por dissimular a surpresa. Como era possível que essedesconhecido adivinhasse seus pensamentos com tanta facilidade, quando suaprópria família parecia incapaz de compreendê—la?

— Um traidor entre nós — murmurou sua irmã, novamente com umaadmiração imerecida — Mas por que existem essas acusações contra você? Por acaso, tem intenções de destronar o Rei? Eles virão para capturá—lo no meioda noite, a fim de arrastá—lo ao patíbulo?

Rhys apenas entrecerrou os olhos.

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— Não deve temer que sua irmã corra qualquer perigo em minhacompanhia. Quanto às acusações que pesam contra mim, descobri que umareputação perigosa mantém os lobos longe de minha porta.

— Que tranquilizador — disse Madeline, e bebeu um bom gole de

cerveja. Vivienne se voltou para responder uma pergunta de Alexander e adeixou arrepiada sob o peso de toda a atenção de Rhys.— Tem medo? — perguntou ele, em voz tão baixa que só ela pode ouvi

—lo. Irritava—a que fosse ele a demonstrar compaixão por ela. Oaborrecimento se apoderou de sua língua, apesar do esforço para parecer recatada.

— Você acha isso surpreendente? Um homem que compra uma esposaem um leilão pode não se interessar pelos medos dessa mulher. – Ela queriafulminá—lo com o olhar, mas foi brindada com um sorriso. Ficou olhando—o

fixamente, pois essa expressão o transformava: fazia—a parecer mais jovem ebonito.— Por fim a senhora se digna a expressar o que pensa — murmurou ele.Esse sorriso iluminava a escuridão em seus olhos. Ele tinha erguido a

taça para lhe render homenagem. Bebeu um gole de vinho sem separar dela oolhar. Madeline controlou—se, pois sempre tinha sido reprovada por expressar seus pensamentos com muita clareza.

— E o que você pensa disso?Ele não pareceu se importar.— Que estava à espera de ser incinerado pelo fogo de sua ira.Madeline teve que se obrigar a recordar que devia ganhar sua confiança

e se esforçou por esboçar um sorriso.— Ah, já tornou a dissimular seus pensamentos — ele se limitou a

observar suavemente.Ela ergueu as costas.— Talvez o prazer de finalmente me casar seja maior que o medo.

— O prazer de se casar com um traidor? Sua família teria que ser muitodada ao engano, por certo. Os lábios de Rhys ainda se curvavam em um sorrisoque aliviou a ardência de suas palavras. Madeline teve a sensação de que ele aprovocava. E na verdade sortia efeito, mas ela renovou sua decisão de ocultar oque pensava.

— Mas a reputação de um homem e a realidade nem sempre coincidem– ele acrescentou, com tanta doçura que os dentes dela quase doeram.

— Certamente suas ações foram mal compreendidas ou distorcidas por seus inimigos – respondeu então.

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Rhys se apoiou na mesa, inclinando—se até ficar perigosamente pertodela. Madeline sentiu seu aroma; pior ainda foi ver as faíscas nos olhos dele.

— Concede—me muito crédito, senhora, apesar de eu ter feito muitopouco para ganhar essa devoção.

Madeline lhe tocou a mão, mais fugazmente do que era sua intenção.— Comprou uma noiva, senhor, e não há nada que eu possa fazer,

exceto me alegrar por isso.Ela pretendia retirar a mão, mas ele a segurou. A jovem estremeceu ao

sentir o calor da carne dele apertada à sua.— Nada? – Rhys perguntou tão suavemente, que ela desconfiou que

soubesse que estava mentindo. Madeline apenas sorriu com os dentesapertados, pois faltava pouco para ela retorcer—se sob a intensa observaçãodele.

— Não duvido de que seremos felizes – ela respondeu, tentando desviar a atenção dele.

— Tampouco eu – ele disse baixinho – Entretanto, não esperava quechegássemos a pensar do mesmo modo tão rapidamente. Celebremos nossoacordo com paixão, então.

Nos olhos de Rhys havia um brilho perigoso que pôs a jovem desobreaviso. Antes que ela pudesse responder, ele segurou—lhe a nuca comuma mão, com tranquila confiança, e sua boca voltou a fechar—se com decisão

sobre a dela. Os presentes gritaram de alegria e começaram a golpear a mesacom as taças. Madeline teve a sensação de que Rhys tentava provocá—la outravez, incitá—la para induzir alguma reação da parte dela. Teria gostado deafastá—lo com um empurrão e esbofeteá—lo diante de todos, como represáliapor tanta audácia. Ele não merecia outra coisa. E sem dúvida sabia. AtéVivienne ficou pasma e boquiaberta junto a eles.

Madeline precisou logo recordar seu plano de aplainar as suspeitas dessehomem. Suspirou como se estivesse muito satisfeita e lhe apoiou as mãos nosombros. Não custava tanto. Rhys não necessitou mais incentivos paraaprofundar o beijo, aproximando—a de si com a facilidade de alguémhabituado a compartilhar abraços audazes. Não obstante, agia com suavidade,face à surpresa desse ataque amoroso.

Então era muito tarde para voltar atrás. Esse beijo foi diferente doprimeiro. Não porque fosse menos apaixonante ou despertasse em seu ventremenos calor, mas sim por ser mais possessivo e exigente. Exigia dela não arendição, mas que se unisse a ele na busca de prazer. O sangue lhe acelerou;seus lábios se entreabriram. Ouviu sua própria exclamação abafada ao sentir que a língua de Rhys disparava entre seus lábios, provocadora, degustando—a.

E quis mais. No meio do beijo Madeline compreendeu uma espantosaverdade: James a tinha beijado, sem dúvida, mas nunca com ardor tão

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Rhys soprou.— Sabe tão bem como eu que sempre se pode mudar o destino.— Mas não necessariamente para obter um final melhor — Madeline

notou que tinha capturado sua atenção — Já deve conhecer a raiz de minhadisputa com meu irmão. Negava—me a casar com alguém, pois meu coração jánão me pertence. Ele guardou silêncio, mas sem afastar a vista.

— Meu noivo morreu.Para surpresa de Madeline, nos olhos de Rhys voltou a brilhar a mesma

compaixão.— Sinto muito, senhora.Ela sorriu com melancolia.— Agradeço—lhe o sentimento, embora não possa lamentar tanto

quanto eu — disse, impondo um tom recatado. — Mesmo que James estejamorto, meu coração sempre pertencerá a ele. Ante a perspectiva de oferecer aum marido algo menos que todo meu ser, teria preferido não contrair matrimônio... – ela suspirou — porém, meu irmão vê as coisas de outra forma.

— Talvez se possa concluir que ele se preocupa com seu futuro.— Talvez se possa concluir que, se foi capaz de se desfazer de mim por

meio deste leilão, é porque não estava disposto a me deixar em paz nem a meprovidenciar um marido de forma adequada. – Ela disse isso com mais paixãodo que esperava; esse homem vigilante sem dúvida não teria passado por cimadisso. Então tratou de sorrir com muita resignação.

— Posso me casar com você ou esperar o próximo estratagema deAlexander. Minhas opções são poucas. E me casar com você parecia a melhor opção.

— Estou certo de que amanhã as coisas parecerão melhores — afirmouele, com cautela — Depois de tudo, hoje suportou muita indignidade.

A última coisa que Madeline desejava era a solidariedade dele. De fato,Rhys era capaz de abrandar sua resistência com cada palavra que pronunciavae a cada coisa que fazia. Ela precisava afastar—se de Ravensmuir antes detrocarem os votos, antes de esquecer o passado desse homem. Sabia quequalquer um podia mostrar—se encantador uma única noite. E ela desejava, dohomem com quem se casasse, muito mais que consideração por algumas horas.

— Isso parece muito razoável – ela concedeu, pensando que logo estariabem longe. — Uma boa noite de sono diminui os desafios mais infranqueáveis.

Ele voltou a sorrir, como a insinuação de que representava um desafio odivertisse. Antes que Madeline pudesse se retratar, Rhys ergueu a taça e deuum toque na de sua noiva.

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— Às nossas núpcias, minha senhora. Queira Deus que o amanhecer deum novo dia assinale um recomeço para nós. — Madeline aceitou o brinde,sentindo—se mais dissimulada do que considerava justo.

A dama tinha um plano. Rhys teria apostado seu precioso cavalo de

batalha nisso. Era incrível que, depois de ter se indignado tanto pelo fato doirmão leiloá—la, ela fizesse as pazes com seu destino tão facilmente. Por certo,esforçava—se por disfarçar a raiva a cada comentário que fazia, mas o brilhode seus olhos revelava que não era absolutamente submissa.

Rhys, que conhecia a extensão de seu encanto e de sua reputação, tinhacerteza de que nenhuma mulher se teria apressado a aliar—se com ele por todaa eternidade. Muito menos alguém com um intelecto tão estupendo comoMadeline. Por certo, a dama o intrigava ainda mais pelo fato de que tentassedesarmá—lo, enganá—lo, persuadi—lo de que não lhe convinha como esposa.Era sagaz e não estava habituada a medir seu engenho com alguém que seequiparasse a ele. Isso prometia um bom matrimônio.

Rhys aguardava atento, bebendo pouco. Por fim se fingiu exausto.Estava mais acordado que gato depois da presa, mas nenhum dos presentes nosalão de Ravensmuir tinha por que suspeitar. Pouco a pouco a assistência se foisossegando; os bocejos se fizeram mais longos e as fogueiras se reduziram abrasas cintilantes. As damas se retiraram a um quarto da torre; Rhys selevantou para reclamar a mão de Madeline, que abandonava a mesa principal.Ela o observou por um momento, com os olhos cheios de sombras; depois seinclinou para ele, deixando—a estupefato:

— É verdade que é acusado de traição contra o rei? — sussurrou.Rhys teria querido mentir, pois sabia que só assim poderia acalmar seus

temores. Em troca assentiu.— É verdade.Então acreditou ouvir que o coração da jovem batia as asas, lhe fazendo

pensar de novo em um pássaro cativo. Depois ela virou em redondo e seafastou. O medo que Rhys tinha visto brilhar em seus olhos não era imaginaçãosua. Mas não havia homem vivente que pudesse mudar seu passado. Rhys seobrigou a recordar que era mais admirável confessar a verdade, embora seucoração o pontuasse de tolo. Notou que Madeline, ao subir a escada, voltava alançar um último olhar ao salão. E não duvidou de que ela estava certa de nãovoltar a vê—lo jamais. Fugiria essa mesma noite. E ele a perseguiria. E secasariam, de qualquer maneira. Teria podido lhe dizer que não era tão fácildesfazer—se de Rhys FitzHenry.

Notou que Reginald observava a Madeline até perdê—la de vista e logoapertava os lábios em um gesto de desgosto, lançando um olhar venenoso emdireção a Rhys. Ele o sustentou com firmeza, como se o desafiasse a objetar oque tinha presenciado. Rhys voltou—lhe as costas para convocar seus

escudeiros, tal como uma galinha que reunisse seus frangos, e exigiu que se

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efetuassem os preparativos necessários para seu descanso. Rhys ocupousilenciosamente um catre e se envolveu em sua capa, em um lugar de ondepudesse vigiar as escadas. Apagaram—se as velas e em todo o salãocomeçaram a ressoar os roncos.

Em seu catre ele fingia dormir, com um olho entreaberto, e esperava.Sabia que o último beijo de Madeline, essa inesperada entrega a seu exigenteabraço, manter—lhe—ia o sangue em ebulição durante toda a noite. Não teveque esperar muito. Madeline poderia ter respeitado a sinceridade de Rhys se elehouvesse dito uma verdade menos inquietante. Mas como ela bem sabia, ostraidores tinham um destino horroroso; seus cônjuges, filhos e propriedadesnão o passavam muito melhor. Ainda lhe zumbia até a medula dos ossos pelobeijo tentador desse homem; sabia que, com seu contato feiticeiro, muito embreve lhe anularia o bom tino.

Embora escapar sozinha em meio da noite lhe dava medo, mais medoainda lhe inspirava Rhys FitzHenry. Quando Rosamunde a puxou pela manga,sobressaltou—se, pensando que talvez sua perceptiva parenta tivesseadivinhado suas intenções.

— Me acompanhe um momento — disse Rosamunde, com voz baixa eatitude misteriosa.

As irmãs de Madeline continuaram a marcha para o quarto das damas,sem perceber que ninguém as custodiava.

— Não lhes acontecerá nada — assegurou a tia, ao ver que a jovemvacilava. — Devo cumprir com o juramento que fiz a sua mãe.

Ela não necessitou mais que isso para segui—la. Rosamunde estavavestida com uma esplêndida saia de cor safira intensa, com a barra carregadade bordados de ouro, cujo corte sentava bem às esbeltas curvas de sua silhueta.O corpete, incrivelmente rico, era bordado com pedras preciosas; o cabelopendia solto até os quadris, como uma cascata de ouro mate. Embora vestissecom esplendor feminino, a firmeza de seu passo não era própria de uma dama.

Conduziu a sua sobrinha até o solário dolorde , com inesperadafamiliaridade. Madeline dilatou os olhos, esforçando—se por manter silêncio.Tinham—lhe chegado rumores sobre a intimidade do amadurecido casal,certamente, mas sempre os tinha acreditado falsos. Rosamunde se voltou comum sorriso.

— Aqui estaremos sozinhas. Esta é uma responsabilidade que devoatender em privado. O quarto de Tynan era luxuosamente decorado e, para suacomodidade, a lareira sempre era mantida acesa. O fogo flamejavaalegremente, enchendo o quarto de uma luminosidade acolhedora. A donzela esua tia se encaminharam ao uníssono para o par de tamboretes instalados juntoà lareira. Rosamunde estremeceu.

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— Jamais me acostumarei ao frio deste país — murmurou. Logo tiroude entre suas generosas saias um saquinho de veludo.

— Isto é para você.E o pôs nas mãos de Madeline com um sorriso.O saquinho era quadrado, não mais largo que os dois primeiros dedos da

mão. Podia—se ocultar facilmente na palma. Madeline se maravilhou ante ariqueza de seu matiz purpúreo. Estava bordado em ouro, tão espessamente queera um tesouro por si; o fio dourado formava uma estrela radiante contra oveludo. O cordão de fios de ouro retorcidos que o mantinha fechado erabastante largo para que fosse possível pendurá—lo no pescoço, como umagema. Pesava tão pouco que ela acreditou estar vazio.

— É veludo de seda? — perguntou, sobressaltada. Rosamunde pôs—sea rir.

— Indubitavelmente, mas isso é apenas o recipiente. O verdadeiropresente está dentro. Madeline observou a sua tia por um momento; depoisafrouxou o cordão.

— Tenha cuidado! — aconselhou—lhe sua parenta, inclinada para ela.A jovem o pôs para baixo; a sua palma caiu uma esfera do tamanho de

uma unha. Poderia ter sido uma gota de água, mas era dura e refulgia à luz dofogo.

— Chama—se Lágrima da Virgem — sussurrou sua tia. — E dizem que

Maria a verteu durante a crucificação. Madeline, maravilhada, contemplouaquela gema. Rosamunde continuou falando.— Ela sabia que Jesus morria para salvar a toda a humanidade; mesmo

assim era seu único filho: como toda mãe, chorou—a. E se diz que Deuscontemplou do alto a essa mulher, cujas lágrimas sofridas caíam como pedraspreciosas, e compadeceu—se por ela, que suportava semelhante perda em prolde seu próximo. Diz—se que, como tributo a sua dor, Ele converteu vinte equatro dessas lágrimas em outras tantas gemas.

— Há mais destas maravilhas?

Rosamunde deu de ombros.— Não sei. Esta é a única que vi, em toda minha vida. E nunca escutei

alguém além de seu avô Merlin contar sua lenda.— Não diziam que o avô não apreciava relíquias religiosas?— Sem dúvida, ele sentia desgosto pelo fato de a família negociar com

elas, mas reverenciava as relíquias autênticas. — A tia indicou a pedra queMadeline segurava na palma da mão e sorriu à lembrança. — Está lheinspirava um afeto especial. Entregou—a para sua mãe no dia anterior às suasnúpcias. Madeline ergueu o olhar, surpresa, e Rosamunde inclinou a cabeça.

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uma má notícia. Talvez seja a própria Maria quem adverte ao portador. Nãosei.

Madeline então sentiu receio de que a intuitiva mulher estivesseadivinhando seus planos de fugir de Ravensmuir e evitar a cerimônia de

núpcias; talvez a intenção dela fosse dissuadi—la. Mas Rosamunde, com osobrecenho franzido, apenas olhava o punho de sua sobrinha fechado sobre agema.

— Dizem que esta pedra refulge quando tudo corre bem para seuportador, mas torna—se negra quando a má sorte o ameaça.

— Você acredita nisso?Rosamunde sorriu.— Há muitas coisas que têm pouco sentido, muitos mistérios que talvez

não entendamos jamais. Talvez este seja um deles; talvez esta pedra não sejamais que um belo pedaço de quartzo, com uma lenda ao fundo. Seja como for,você tem nas mãos uma mostra da boa vontade de sua mãe, um legado defamília. E apenas isso já lhe confere muito valor.

Madeline acariciou a pedra que segurava. Disse:— Devo entregá—la à minha filha mais velha, na véspera de suas

bodas?Sua tia respondeu com um sorriso:— Merlin certamente estaria de acordo com isso.A jovem virou o rosto piscando, para conter as lágrimas, e acariciou o

cordão do pequeno invólucro de veludo.— Mamãe a levava posta?Rosamunde assentiu.— No dia de suas bodas a levava ao seio. Eu não estive presente, mas

ouvi dizer que a Lágrima refulgia brilhante como o sol.— Pois então, é possível que seu poder seja autêntico.

A moça sentia os dedos arderem pelo desejo de abrir o saquinho edescobrir o matiz da pedra, mas queria vê—la a sós.— É possível. Seus pais compartilhavam um grande amor, que apenas

cresceu com o decorrer dos anos. Lembre—se da felicidade deles, Madeline. Éa melhor forma de honrá—los.

Ambas se calaram por um momento. A jovem se esforçou para seguir oconselho da tia, mas a morte dos pais parecia tão recente que Madeline aindanão suportava sequer pensar na alegre risada de Catherine ou no brilho dosolhos do Roland, enquanto brincavam com os filhos.

Sua tia pigarreou.

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— Catherine costurou pessoalmente este saquinho, para que a pedra nãose perdesse. Escondida ou à vista, ela levava—a consigo dia e noite, até quevocê nasceu. — Rosamunde levantou—se; lágrimas não derramadas brilhavamem seus olhos. – Então me confiou à guarda da gema, mas nunca imaginei quea entregaria a você sem que ela estivesse ao meu lado.

— Rosamunde, dentre todas as pessoas presentes no salão, só vocêadmitiu conhecer Rhys FitzHenry — observou a sobrinha, em voz baixa.

A tia assentiu com os olhos brilhantes, e esperou.— Alexander afirmou que ele não havia sido convidado.— Ele realmente não o convidou. Rhys chegou mais cedo, para tratar de

um assunto próprio, e fez com que me chamassem. Perguntou o motivo dareunião; quando eu contei, confessou que sentia curiosidade. — Rosamundedeu de ombros. – Então concordei com sua permanência, sem que meocorresse que também ele precisava de uma esposa. Rhys sempre foi muitosolitário.

— Mas então, você não o proibiu de participar.Rosamunde voltou a sorrir.— Pareceu—me, Madeline, que o casamento com alguém escolhido por

Alexander a mataria de tédio.— E casada com um traidor, eu não correria o risco de morrer de

alguma outra enfermidade?

Sua tia riu suavemente; o que, aos olhos da moça, pareceu uma estranhareação por parte da tia.— Mas nem sempre coincidem, Madeline, a reputação de um homem e

o que é verdadeiro sobre ela, Madeline. – Rosamunde se levantou para alisar assaias desnecessariamente; depois voltou a pigarrear. – Agora preciso meocupar de suas irmãs. O salão está cheio de homens que se encharcaram devinho. Devo cuidar para que todas continuem virgens pela manhã.

— Ficarei aqui um momento mais. — Madeline levou aos lábios opunho que apertava a pedra. A Lágrima parecia palpitar entre seus dedos.

Rosamunde lhe tocou o ombro, com afeto.— Não ponha muita fé em velhas lendas, Madeline. O matrimônio é o

que o casal faz dele. E considerando o valor que Rhys lhe atribuiu no leilão,certamente cuidará bem de você.

Não era a coisa mais tranquilizadora a ser dita, mas ela retirou—se, numredemoinho de seda, antes que Madeline pudesse pedir mais detalhe sobreRhys. Mas não importava. Partiria antes do amanhecer, antes das núpcias, antesque ele pudesse reclamar sua mão para sempre. Mas antes, olharia dentro da

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gema, na esperança de acalmar seus temores. Conteve o fôlego e abriu osdedos pouco a pouco, deixando que a luz do fogo tocasse a pedra.

A Lágrima estava tão escura quanto uma obsidiana: totalmente negra,sem uma única faísca de luz em suas profundezas. O coração de Madeline

falhou uma batida, logo, se pôs a galopar. Com dedos trêmulos, a moçaguardou novamente a pedra no saquinho de veludo e depois de ajustá—lo,passou o cordão ao redor do pescoço.

Tinha que fugir. Tinha tomado à decisão correta, pois até a gemaanunciava um triste destino caso permanecesse em Ravensmuir para casar—secom Rhys FitzHenry.

Capítulo 4

Ravensmuir estava silenciosa, exceto pelos roncos de homens e cães.Madeline ouviu o repicar da chuva nas pedras e o marulho das ondas contra apraia. O vento tinha cessado, embora ainda chovesse com força. Suas irmãsdormiam profundamente, em catres que rodeavam o seu. As mais jovenstinham ficado excitadas pela perspectiva de um casamento e demoraram umaeternidade em acomodar—se para dormir. Elizabeth, em especial, insistia emfalar sozinha, como se conversasse com a tal fada invisível. Madeline receouque a irmã jamais adormecesse.

Mas agora, no silêncio da noite, o único obstáculo à sua partida eraRosamunde, que se havia autodeclarado guardiã de todas elas. Madelineremexeu—se para espiar a tia por entre as pestanas. A mulher estava sentadaem uma cadeira posicionada junto à porta. Viu que ela bocejava longamente edepois cruzava os braços; seus olhos

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cintilando na escuridão. A jovem mordeu os lábios, tentando imaginar umaforma de levar seus planos adiante.

Nenhuma delas viu aspriggan , Darg, dançando em volta de Rosamundecom vingativo prazer. Nenhuma delas escutou a fada vociferando ao enredar a

fita dourada que emanava de Rosamunde — fita esta que tampouco podiamver.Nenhuma delas ouviu a canção rancorosa da fada.Talvez fosse melhor assim.Darg não tinha uma voz melodiosa.No momento em que Madeline já se decidia a mentir para a tia dizendo

que tinha visitar a latrina, um leve toque soou à entrada. Foi um toque tãosuave que ela mal notou, mas sua tia se virou e a pesada porta de madeira seentreabriu.

— Está pensando em ficar toda a noite sentada aqui, sem dormir? — perguntou alguém, aos sussurros.

A voz era masculina, mas Madeline não podia ver a quem pertencia. Amoça viu apenas o sorriso de Rosamunde e recordou ter visto a mesmaexpressão anteriormente. Poderia apostar que era seu tio Tynan.

Sem que os mortais presentes reparassem nela, Darg lançou—se contraa fita chapeada de Tynan e começou a destroçá—la; também fez nós dignos deum ninho de ratos.

— E o que mais eu poderia fazer? — murmurou Rosamunde, em tomtravesso. — Não tenho mais nada com que preencher as horas noturnas.— Que tragédia — murmurou Tynan – Que péssimo anfitrião seria eu,

se não oferecesse melhores distrações a uma convidada.Ela riu com leveza e estendeu a mão para ele através da abertura da

porta.— E o que tem para me oferece,Lorde de Ravensmuir?— Uma cama macia, suficientemente larga para ser confortavelmente

compartilhada.— E com quem eu teria que compartilhá—la, me diga? – respondeu ela,

com um amplo sorriso.Rosamunde afogou uma exclamação enquanto alguém obviamente

puxava Rosamunde pela mão, fazendo—a desaparecer com uma revoada desaias. Madeline fechou os olhos ante o ruído de um abraço claramenteafetuoso. Ao recordar que Rhys a beijara com entusiasmo similar, seu rostoincendiou—se.

— Mas as meninas... – a tia protestou sua voz soando estranhamentesufocada.

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— Podem dormir muito bem sem você.— Mas...Tynan a interrompeu com decisão: — Eu, em troca, não posso.

— Não tem qualquer intenção de dormir, senhor — aduziu Rosamunde.A risada entregando a falsidade de sua indignação.— Você tampouco, senhora — replicou ele.— Oh, os homens! Sempre teimam em impor sua vontade!— Esta é uma vontade que até agora foi muito satisfatória para você.Rosamunde suspirou. Aos ouvidos de Madeline chegaram mais sons

amorosos. Ela cravou a vista no teto; agora compreendia melhor a relação deseus tios, mas não estava segura de que isso a alegrasse. A porta se fechou comum firme estalo. Logo as pisadas de Tynan se afastaram pelo corredor e ossussurros de Rosamunde foram se esfumaçando. Por fim, soou o ruído de outraporta sendo fechada, com um eco retumbante.

Aí estava sua oportunidade.Madeline se levantou da cama e calçou as botas com as mãos trêmulas

pela pressa. Tinha—se deitado sem tirar as meias e a camisa, queixando—se defrio para sossegar o comentário de suas irmãs. Pôs pela cabeça a mais grosa desuas saias de lã, saqueou as bolsas de suas irmãs em busca de moedas perdidase se apoderou também da capa nova de Vivienne, que tinha forro de peles.Depois de colocar sua própria faca sob o cinturão, deslizou até a porta. Seucoração palpitava com tanta força que temia despertar a todos os da casa.Engoliu saliva e, bem erguidos os ombros, enviou um beijo de despedida a suasirmãs; depois escapou pelo corredor em sombras.

Poderia ter levado a uma criada ou a uma de suas irmãs, mas temia pôr desnecessariamente em perigo a qualquer companheira. Se fosse sozinhapoderia passar por uma moça aldeã; com uma criada, em troca, despertariasuspeitas. Sentia um medo intenso, mas ao mesmo tempo também estavaexcitada. Nunca antes tinha viajado sozinha, mas tinha suficiente inteligênciapara cuidar de sua segurança. Depois de tudo sempre tinha sido a mais prática.

Em primeiro lugar devia atravessar o salão lotado. Depois teria que roubar umcavalo. Finalmente deveria cruzar os portões fechados de Ravensmuir, sem queas sentinelas percebessem sua partida.

Na verdade sua empresa tinha muitas probabilidades contra. Madelineergueu uma muda prece e continuou a marcha pelo corredor, tão furtivamentecomo pôde. Por sorte, uma vez que tivesse cruzado as portas de Ravensmuir disporia de bastante tempo para refletir aonde, exatamente, devia encaminhar sua fuga. E nem a própria Darg reparou na partida de Madeline. QuandoMadeline chegou às quadras tinha as palmas pegajosas de suor. Tinha cruzadocautelosamente o salão, com o coração palpitante, passando entre os homens

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A jovem decidiu confiar nele.— Preciso fugir Kerr. E devo fazê—lo esta mesma noite.O cavalheiro franziu os lábios.

— Quer evitar as núpcias. — Não era uma pergunta. Ela ia dar explicações, mas Kerr levantou uma mão. — Não é preciso que me diga mais,Lady Madeline. Sempre a considerei uma moça sensata, e agora demonstra quenão me equivoquei. Rhys FitzHenry é um homem perigoso; tem a cabeça aprêmio por traição. Não se pode criticar ninguém, por querer evitar se casar com ele.

— Na verdade, Kerr... — Ele agitou novamente o dedo, com intençãorepreendê—la.

— Mas está cometendo uma tolice ao partir sozinha. Não sabe o quê oucom quem se encontrará no caminho, nem quais perigos terá que enfrentar. Emtempos como esses nenhuma dama deveria viajar só.

— Mas, Kerr, não posso pedir a uma criada ou mesmo a uma de minhasirmãs que me acompanhe. E Rosamunde não aceitaria fazê—lo. — Madelinesuspirou. — Ao que parece, ela gosta de Rhys, o quê não posso explicar.

— Me diga com quem andas... — Insinuou Kerr, sombrio. — Se não seofende que eu fale sem rodeios, sua tia passou tanto tempo fora da lei que, anteum malandro como ela própria já o foi, vê sua bondade e nada de sua maldade.— Madeline voltou—se para sua montaria, agradecida por ter prática na tarefade selá—la.

— Agradeço—lhe pelo conselho, Kerr, mas devo partir antes quedescubram minha ausência.

— Mas não irá sozinha — insistiu o corpulento escocês.Madeline ergueu a vista, surpreendida por seu tom.— Se insistir em partir, minha senhora, eu irei acompanhá—la até que

esteja segura. Não devo menos, à memória de seu pai.Ela sorriu, aliviada com o oferecimento.

— Meu tio e meu irmão não lhe agradecerão isso, Kerr.Ele deu de ombros.— Não são os únicoslorde s da Cristandade com dinheiro para contratar

um combatente. — Depois lhe cravou um olhar sereno. — E às vezes, minhasenhora, alguém tem que fazer o que deve, quaisquer sejam as consequências.

— Agradeço—lhe, Kerr.— Dê—se pressa — grunhiu ele, dando uma olhada por cima do ombro,

com a atitude típica de quem não está habituado à gratidão das damas. — Estanoite há em Ravensmuir muita gente que tem o sono leve.

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Quando a aurora tocava já o horizonte oriental, Kerr ordenou por fimum alto. Madeline estava exausta, pois não tinha por costume passar a noitesem dormir. Por sorte tinha deixado de chover pouco depois de sua partida;embora o caminho estivesse enlameado, ao menos não se empaparam. Ocavalheiro indicou uma ravina; ela dirigiu Tarascon para ali. Ao ouvir o rumor do riacho que corria por ali, o palafrém avançou com decisão.

Tinha sido um golpe de sorte, encontrar Kerr no estábulo. De algummodo, ele tinha convencido o guarda a abrir os portões duplos de Ravensmuir.E também tinha encontrado um atalho dentre os arbustos de páramos.

Havia um caminho, visível apenas para quem soubesse onde buscá—lo,para se evitar as cidades e as abadias. Só precisaram se aproximar do povoadode Galashiels, e este permanecera profundamente adormecido.

O sol nascente mostrou algumas colinas e pouca coisa mais; eram

colinas mais verdes e mais suaves que as que rodeavam Kinfairlie. Madeline jánão percebia o aroma do mar; calculou então que tinham viajado rumo sul,desviando—se um pouco para o oeste. Mas não tinha nada a objetar. Agorapercebia que jamais teria conseguido escapar sozinha, pois sua experiêncianesse tipo de viagens era muito limitada.

Durante a ronda noturna ela resolvera para onde dirigir—se; trataria dedescobrir pessoalmente a verdade sobre o falecimento de James. Mas não tinhacerteza de que conseguiria dinheiro para contratar a ajuda de Kerr, já que teriaque ir até França. Tinham cavalgado em total silêncio toda a noite, sem que elativesse oportunidade de pedir isso a ele.

Kerr não falava muito, mas Madeline confiava em sua habilidade.Embora talvez fosse apenas dez anos mais velho que ela, tinha levado umavida muito mais rude, sem dúvida alguma. Alegrava—se de contar com suadestreza. E alegrou ainda mais ao ver que logo poderiam se deter. Apesar dachuva já ter cessado, sentia—se úmida, congelada e dolorida. Não estavahabituada a essas exigências, mas não se queixava, pois estava a muitosquilômetros de Rhys FitzHenry. As pessoas de Ravensmuir logo começariam adespertar; e só então sua ausência seria descoberta.

Graças a Kerr, ninguém a acharia, por um tempo. Madeline obsequiou— o com um sorriso, mas ele não o devolveu; limitou—se a dar uma olhada nela econtinuou escrutinando o horizonte com os olhos semicerrados. Ali, pelaravina, os tojos cresciam abundantemente. Madeline compreendeu o temor deseu acompanhante: esse lugar poderia ser o refúgio de muitos animaisselvagens, que ficariam irritados pela intrusão. Talvez fosse tolice, masMadeline estava muito cansada para se preocupar. Que viessem os lobos, setivesse essa ousadia. Queria muito lavar o rosto. Então desmontou, agradecidapela mudança de posição, e esticou as costas. Depois seguiu Tarascon ravina

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abaixo, então sentou em uma rocha e inclinou—se para recolher um pouco deágua entre das mãos.

Estava abençoadamente fria. Madeline ouviu que Kerr e seu cavalo debatalha desciam pela encosta atrás dela. A égua vadeava no arroio, bebendo

ruidosamente e agitando o rabo. Madeline se inclinou outra vez, mas suas mãosnão chegaram à superfície da água. Uma mão enluvada se plantou contra suaboca. Kerr apertou bruscamente suas costas contra ele. O aço frio de umaadaga tocou—a no pescoço. Tratou de gritar, mas o fio da faca foi ainda maispressionado.

— Se fizer um só ruído, moça, cortarei sua língua antes de desfrutar devocê. — Madeline gemeu contra a luva, completamente atônita, mas a pressãodo aço fez com que se calasse. — Assim eu gosto mais. – disse o homem,afastando a mão da boca dela e virando—a para ele. Depois rasgou seu corpetecom um só movimento. Madeline abafou uma exclamação ao sentir o ar frionos seios nus. Retrocedeu um passo, mordendo os lábios para conter os gritos,temendo irritá—lo ainda mais.

— Faz anos que quero ver—te assim — disse ele, devorando—a com oolhar. Um sorriso cruel repuxava seus lábios. — E agora a terei para mim,embora não tenha pagado o preço que pedia seu irmão.

— Mas... Mas você... Meu pai...— Seu pai suspeitava de minhas intenções. — Kerr pôs—se a rir — Por

que acha que abandonei Kinfairlie, ano passado? Mas ele cometeu a tolice denão justificar—se com o filho. E depois que ele morreu Alexander voltou a mecontratar. – ele riu entre dentes, zombador – E os aristocratas se julgam tãosagazes... — Madeline notou que ele já desatara as calças de montaria eexpunha o membro. Não podia haver dúvidas quanto às suas intenções. — Venha aqui, que já esperei muito tempo. Agora terei o que desejo, uma e outravez, até me fartar — disse Kerr, estendendo a mão para ela.

Madeline disparou a correr. O homem lançou um pedaço de pau ao chãoe foi atrás dela, conseguindo agarrar um punhado de seus cabelos, contendo—adolorosamente. Tarascon soltou um relincho e veio socorrer sua dona, masKerr lançou a adaga ao ar em um arco, contra o lombo do animal. O golpe foi

brutalmente efetivo: a égua fugiu, enquanto a ferida, longa e profunda,começava a sangrar profusamente. Madeline gritou. Ele deu—lhe umabofetada.

— Disse que se cale!— Mas minha égua!... Feriu—a de propósito! Kerr lhe puxou com mais

força a cabeleira e a enroscou ao punho.— É só um cavalo — disse, com uma careta desdenhosa. Madeline

temia ter apenas vislumbrado sua crueldade e não duvidava de que teria que

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suportar a pior parte. Seu coração deu um salto de terror. Não se atreveu aemitir o menor protesto. Kerr sorriu com frieza.

— Levo muito tempo esperando este momento. Agora não tolerareiinterrupções.— Deu—lhe uma sacudida— Você sabia que a observava lá na

casa de seu pai. Sentia sobre você o peso de meu olhar e me tentavadeliberadamente, pois desejava isto tanto como eu.— Não! Eu nunca...— Silêncio! — Moveu em uma onda a adaga sob o nariz da jovem.—

Agora recolhe suas saias, mulher, e se ofereça a mim.— aproximou—se umpouco mais; agora lhe lançava o arquejo na face.— Com doçura, minhaMadeline. Nos olhos dele havia fúria e lascívia; também uma decisão que nãoprometia nada bom para Madeline.

Sairia com vida dessa ravina? Parecia que não. A ira ardia dentro dela aponto de desalojar o medo. Como ousava esse homem culpá—la por suapecaminosa luxúria? Como se atrevia a declarar que ela o tinha tentado? Dealgum jeito tinha que escapar. Para que ele não adivinhasse sua intenção,baixou os olhos como se estivesse envergonhada.

— Diz a verdade, Kerr — reconheceu mansamente.— Nenhum outrohomem teria sido capaz de adivinhar meus pensamentos, como você.

— Já sabia! Diga—me que sonhava com este momento. Madelineengoliu a bílis que lhe subia à boca.

— Sim... sonhava com este momento.– Madeline não conseguiu dar muita convicção às suas palavras, mas ele pareceu ficar contente. Ela engoliuem seco e começou a recolher obedientemente as saias— Só sonhei com você.

Quando os joelhos dela ficaram à vista, Kerr riu entre dentes; o membrodele dançava entusiasmado. Madeline tomou fôlego, trêmula, e levantou abarra da saia um pouco mais; suas mãos tremiam, tanto pela cólera como pelanecessidade de enganá—lo. O tecido descobriu as meias e as ligas. Kerr ficousem fôlego, esperando ver suas coxas nuas. Ela calculou que ele teria que estar tão desatento quanto possível, a fim de que seu plano desse certo. Entãodeslizou uma mão até a cintura, enquanto com a outra recolhia as saias um

pouco mais, para manter ao homem distraído.Subitamente, Madeline extraiu a pequena faca presa em seu cinto e

arremeteu contra a mão de Kerr. Para seu deleite, o aço achou a carnedescoberta entre a luva e a manga; ali mordeu profundamente. Kerr lançou umrugido, enquanto Madeline aproveitava para chutá—lo entre as coxas comtodas suas forças. Ele lançou uma maldição e lhe soltou o cabelo. Era sua únicaoportunidade! A jovem se afastou de um salto e caiu no riacho, com a água atéos joelhos. Pôs—se a correr. Kerr cuspia maldições. Com o coração trovejandono peito, Madeline cruzou o regato aos saltos, estorvada pelo peso da saiamolhada. Engatinhou pela ribeira oposta, soluçando cada vez que suas botas

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escorregavam no lodo. Ia às cegas, sem rumo; só pensava em distanciar—sedele. Kerr se apressou a segui—la; seus pés aterrissaram pesadamente noriacho, entre os juncos barulhentos.

Madeline, sem lançar um só olhar para trás de si, aferrou—se a uma

árvore para subir pela colina tão velozmente quanto era possível. Respirava emofegos e lhe doía o flanco, mas não se atrevia a diminuir o passo.— Rameira! — gritou Kerr.— Cadela ingrata! Já receberá seu castigo!

E esta desobediência o fará mais duro! — A jovem tinha chegado ao topo. Semdeter—se para tomar fôlego, correu para o brejo.— Não irá muito longe! — bradou Kerr.

Madeline ouviu que a seguia; cada um de seus passos cobria o dobro dedistância que um dela. Ao perceber sua forte respiração se voltou para olhar por cima do ombro. O furioso de sua expressão esteve a ponto de paralisá—la.

Já estava muito perto, muito perto. Ele deu um salto e lhe deu um tapa.Madeline se agachou para esquivar seus dedos no último instante; quase ossentiu deslizar por entre seu cabelo. Kerr voltou a amaldiçoar. Ela apertou opasso, cheia de pânico, segurando as saias por cima dos joelhos. De repenteescorregou no lodo e caiu. Soube que não poderia recuperar o equilíbrio por muito que se esforçasse. Ali terminava sua fuga. Agora Kerr a jogaria no chãoe a possuiria; sua crueldade seria tanto maior pelo fato de que ela lhe tivesseescapado.

Madeline ouviu seu grito de triunfo. Depois, um assobio estranho. Ecaiu violentamente ao chão. O impacto lhe arrancou uma careta de dor. Kerr aterrissou sobre ela, tão pesadamente que ela ficou sem fôlego. Tinha a cabeçado homem junto à sua; seus lábios quase lhe tocavam a orelha; todo o peso deseu corpo estava diretamente sobre ela, esmagando—a. Mas essa era a menor de suas preocupações. Madeline rogou que acabasse logo com seu crime.Apertou os olhos com força, pois já não restava nada por fazer, e esperou opior.

~~

Rosamunde despertou no solário de Ravensmuir, muito satisfeita. Nãoabriu os olhos de imediato, pois gostava de saborear a comodidade que arodeava. A cama de Tynan era ampla; seu colchão, fofo; seus cortinados,bastante suntuosos para satisfazer seus refinados gostos. O quarto estava tãoquente quanto era possível, nesse maldito clima setentrional; sorriu ao pensar que talvez ele tivesse jogado lenha ao fogo especialmente para ela. Não tinhafeito tão má aposta ao trocar sua vida no mar por uma existência junto a Tynan.Mesmo que sentisse falta das viagens aos portos estrangeiros, seria um alíviopoder dormir profundamente, sem temer que a atacassem durante a noite.

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Rosamunde esticou a ponta de um pé para o outro lado da cama,disposta a celebrar novamente o acordo de ambos, mas só achou os lençóisfrios. Estremeceu e abriu um só olho. Estava sozinha na cama, mas não noquarto. Tynan já se vestira, de azul anil, conforme costumava. Tinha o cabeloúmido e estava de costas para ela, em frente às chamas da lareira, com osbraços cruzados contra o peito. Suas belas feições se recortavam em perfil. Aover a prata de suas têmporas, a expressão risonha de seus olhos, o coração deRosamunde enterneceu—se com a certeza de que ele era seu amor e seucompanheiro.

— Deveria retornar à cama para terminar o que começamos — disse.Tinha falado em voz baixa; mesmo assim ele deu um pulo. Quase como sefosse culpado por algo. Rosamunde despertou instantaneamente. Endireitou— se na cama, sem se preocupar em cobrir os seios nus; não pôde deixar deperceber que Tynan limitava—se a olhar carrancudo o fogo.

Ele pigarreou como costumava fazer quando sabia que suas palavras nãoseriam bem recebidas.

— Se me fizer o favor... Preferiria que não estivesse aqui quandodespertarem as pessoas da casa.

Um calafrio percorreu as costas de Rosamunde, mas ela fingiu não ter compreendido e disse: — Mas não há motivo para se preocupar — Elaabandonou com relutância a cama quente, esticando—se como um gato, esacudiu a cabeleira sobre os ombros, ciente de que ele a observavadissimuladamente. Depois de tudo, o desejo mútuo era impossível de ignorar — Afinal, todos sabem que não somos primos. Fofocou—se muito sobre o fatode eu não ter o sangue dos Lammergeier — rindo suavemente, ela vestiu umacamisa de gaze, seguida por um chambre de seda suntuosamente bordado – pelo simples fato de parecer incrível que Gawain Lammergeier tenha sidobastante piedoso para criar um bebê desconhecido.

— É verdade— reconheceu Tynan, serenamente.— Mesmo assim, eupreferia que você retornasse ao quarto das mulheres.

Ela sustentou o olhar dele, certa de que poderia lhe ocultar o medo queagora sentia.

— Que importância tem que me encontrem em seu leito? Quase todossabem que o compartilhamos muitas vezes nestes últimos doze anos.— Rosamunde fez uma pausa; depois foi ao ponto crucial: — E muito em breveaqueles que o ignoram saberão disso, quando anunciarmos nossas núpcias.

Tynan virou—se novamente para o fogo, com os ombros rígidos, e elasoube exatamente o que ele ia dizer.

— Não haverá núpcias entre nós.Rosamunde surpreendeu—se com a própria fúria, mas só pela

intensidade.

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— O que significa isso? Faz anos que nos amamos. E sempre foi claroque o único obstáculo entre nós era o fato de eu traficar relíquias.

— É verdade.— Mas agora aceitei renunciar a esse comércio para agradar a ti.

Concordamos em leiloar o melhor das relíquias restantes.— É verdade.— Eu me despedi de minha tripulação. Vendi meu navio! Desfiz—me

de tudo que fazia parte do meu ofício para me instalar em Ravensmuir. Comvocê.

Tynan pareceu nervoso.— Você compreendeu mal minhas intenções. Não temos um futuro em

comum nem aqui, nem em lugar algum.

— Seu canalha! Por que não me disse isso ontem à noite? — Rosamunde cruzou o quarto, segurou—o pelo ombro e obrigou—o a olhá—lano rosto.— Poderia ter pensado nisso antes de procurar novamente o prazer comigo!

Ele teve a decência de corar, mas seus olhos demonstravam que nãotrocaria de atitude.

— Reconheço que a tratei indignamente, Rosamunde.A ternura na admissão tirou um pouco da força da irritação dela. Era

detestável que ele pudesse manipulá—la assim.Tynan esfregou entre os dedos uma mecha de cabelo vermelho dourado

e fitou—a nos olhos.— Você é uma loucura que levo nas veias. Não pude resistir à tentação

de passarmos uma última noite juntos.— E também sabia que, se agisse com dignidade de bem e me dissesse a

verdade, não a teria.— Sem ocultar sua amargura, ela arrebatou o cacho dasmãos dele.— Tínhamos um acordo!

Ele negou com a cabeça, uma só vez.— Nunca jurei que me casaria com você.Era verdade. Ao relembrar suas discussões, Rosamunde sentiu suas

entranhas se congelarem; de fato, ele nunca tinha expressado o desejo de umcompromisso; mas ela estivera certa de que um homem como Tynan nuncaprolongaria tanto uma tórrida relação amorosa sem ter em vista os votosnupciais. Tampouco tinha lhe ocorrido que ele pudesse renunciar ao prazer com que ambos se brindavam.

Pelo visto, enganara—se. Exatamente como diziam frequentementesobre ela, era capaz de antecipar o futuro e perceber coisas que para outros

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eram intangíveis, mas, às vezes, deixava de perceber algo que era evidente paratodos.

— Nesse caso, quero minha parte do legado guardado nas cavernas deRavensmuir – insistiu ela.— Hoje, antes do leilão, retirarei parte da

mercadoria.Tynan recusou com a cabeça.— Aqui, em Ravensmuir, você não tem nenhum legado — seu olhar se

encheu de fria decisão – pois você não tem vínculos sanguíneos com a famíliaLammergeier.

A raiva que Rosamunde sentiu foi tanta, que ela o encarou em silenciopor um longo instante, boquiaberta.

— Que miserável! Como você pode exigir que eu renuncie a tudo o quetem valor em minha vida e depois me pôr na rua a chutes, como se eu fosselixo!

— Você ficará bem. Ambos sabemos que é assim.— Ele voltou—lhe ascostas. Rosamunde conteve o impulso de cuspir nele por tamanha deslealdade.

— Apresse—se. Em qualquer momento virá alguém para atender o fogo.— Você ao menos poderia me dizer o por que. O que é o que mudou,

afinal?Tynan jogou nela uma olhada por sobre o ombro, seus olhos a

percorrendo em uma dança. Rosamunde teve a pequena satisfação de notar queele não conseguia dissimular a admiração; Tynan sempre a observava como seela fosse uma estranha maravilha, e era assim que ela se sentia sob suascarícias. Ao menos, até essa manhã.

— Você não poderia ser a senhora de Ravensmuir, Rosamunde. Nãoseria adequado.

Ele se afastou, possivelmente porque temia não poder conter o desejo detocá—la.

— Por quê?

O olhar de Tynan foi rápido e impaciente.— Ninguém se casa por prazer, mas sim para obter alianças. Casar—me

com você não me ajudaria a assegurar minhas fronteiras, nem reforçaria alealdade de meus vizinhos.

— E agora que essas relíquias que manchavam sua reputação serãovendidas, tampouco contribuirei com riquezas – ela indicou apaixonadamente,para fazê—lo ver como sua decisão a feria.

— Rosamunde...

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saber que estava tirando conclusões precipitadas. Que passasse vergonha,quando a verdade fosse revelada!

— Exigirei que adiem as bodas. Madeline se casará, mas não com umhomem procurado por traição. É o mínimo que devo a meu irmão Roland. Não

posso permitir que converta o futuro de seus filhos em semelhante brincadeira.— Tynan balançou a cabeça. — Não compreendo como permiti que me fizesseparticipar de semelhante loucura! Que homem respeitável consente no leilão deuma sobrinha sua?

— Diz isso porque seus vizinhos irão criticá—lo? — Então ele virou detodo, furioso como nunca o tinha estado.

— Não zombe de mim, Rosamunde! Eu devo viver entre estas pessoas eme apoiar em sua lealdade nos maus tempos!

— Não tem obrigação de permanecer aqui. Diz isso só porque apreciaRavensmuir mais do que a qualquer ser vivo.

— Não posso navegar tranquilamente para um porto mais acolhedor.Não posso aceitar cada desafio da vida como se fosse uma brincadeira. Nemcriar minhas próprias regras contra as leis de país, quando não condizem commeus desejos.

— Assim é como você vê minha vida?— Não é evidente?— Pois ao menos eu vivo! Ao menos aceito o risco, apostando em algo

que talvez me favoreça. É você quem manda em Ravensmuir ou Ravensmuir équem manda em você?— Jamais abandonarei esta casa.— Mas se desprenderá de todo o resto, e de todos, se for necessário. De

quem é a maior loucura, Tynan?Ele não disse nada. Isso foi resposta suficiente. Rosamunde avançou

para ele.— Julgava—o mais homem, Tynan. Pensei que estava acima das

fofocas dos vizinhos.— Ele a fulminou com os olhos.— Considerava—o umfilho digno de seu pai.

Olharam—se intensamente. Ambos sabiam muito bem que o pai deTynan se casara com uma mulher nada convencional, apenas por amor. Por fim, ele afastou a vista com um suspiro. Parecia tão desalentado, queRosamunde sentiu o impulso de lhe apoiar uma mão no ombro.

— Venho descobrindo o peso das decisões de meu pai. E não recebo debom grado carga sobre meus ombros — disse, como se sobre ele pesassem milanos. Mas Rosamunde endureceu seu coração. Desse momento em diante,Tynan teria que aguentar sua própria carga sozinho. Afinal, era a decisão dele.

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Alguma alma despreparada tocou à porta.

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Capítulo 5

Tynan cravou em Rosamunde um olhar penetrante, mas ela se mantevefirme.

— Estou aqui,Lorde de Ravensmuir, e aqui permanecerei — disse,desdenhando sua evidente desaprovação. — Se os rumores que possam correr em seu próprio salão têm tanta importância para você, então está muito longede ser quem eu imaginava.

— Rosamunde! — rugiu ele.Mas a mulher não lhe permitiu continuar. — Bem podem procurar o

caminho para o inferno, você e suas pretensões de que eu denegue a verdade doque tenho feito. — E instalou—se na poltrona preferida de Tynan, com aspernas pendendo de um lado, como se o desafiasse a objetar à visibilidade desuas panturrilhas nuas e seus pés descalços. Sobre a poltrona caía um raio desol, que sem dúvida faria flamejar sua cabeleira.— Penso em permanecer aqui,a plena vista de quem quer que seja que venha perturbar ao seu senhor, tãocedo. Que ele imagine as coisas feitas neste quarto e nesta cama nas horaspassadas.

— Não pode fazer isso.— Pois o farei, a menos que me expulse à força.— A tentação é grande — disse Tynan, dando um expressivo olhar à

janela.Rosamunde sorriu o coração frio como o gelo.— Não esqueça senhor, que uma cortesã morta provoca mais fofocas

que viva. Ao seu alcance estava uma taça de vinho, que Rosamunde recolheucom um gesto elegante, sem afastar os olhos do furioso olhar de Tynan,bebendo—a com prazer. Depois passou a língua pelos lábios e abriu mais odecote do roupão, deixando exposta a curva dos seios. Por fim, bateu aspestanas para o irritadíssimo cavalheiro que tinha ante si.

— Não pretende abrir a porta, senhor?Ele apertou os dentes e apontou um dedo para ela, com os olhos

cintilando de fúria. Ao menos ficava um pouco de fogo espreitando em suasveias. Mas isso não a conformava, já não. Queria tudo dele; queria que areconhecesse ante todos como sua companheira; queria a segurança de umamoradia permanente. Tynan o tinha dado, e sabia perfeitamente que, aochegarem a um acordo, ela tinha lido nas entrelinhas. Ele tinha dado o que elamais desejava só para arrebatar—lhe depois, em nome das convenções sociais.Rosamunde se vingaria, sem dúvida. Embora não levasse o sangue de Gawain,seu pai adotivo, nas veias, só ela tinha honrado o legado desse homem, o maior

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ladrão da Cristandade. Só ela tinha rogado a Gawain que lhe ensinasse ostruques, os ardilosos recursos para enganar — a arte do roubo.

Tynan podia acreditar que sua herança estava fora de perigo, masRosamunde sabia que a lei servia tanto para herdar um legado como para roubá

—lo.A perspectiva de estrangular Rosamunde oferecia a Tynan mais prazer

que qualquer uma dentre as muitas tarefas que ele enfrentara ultimamente. Aúnica exceção era a noite que acabava de passar com ela. Sabia que enganá—laassim era uma traição da pior classe, mas essa mulher possuía um atrativo aoqual ele não podia irresistível. Não podia dormir sabendo que ela estava ali,entre os muros de Ravensmuir. Mas tampouco podia deixá—la entrever o quãoperto estivera de renunciar a Ravensmuir simplesmente para tê—la ao seu lado.Se ela não tivesse convidado a esse traidor para o leilão, Tynan talvez tivesseperdido completamente o juízo.

A solução era óbvia: Rosamunde devia partir. E Tynan devia pensar com clareza, pois as coisas se complicavam. Os Douglas Red e os DouglasBlack se mostravam cada vez mais agressivos em sua busca de poder eRavensmuir estava bem no meio das terras ancestrais de ambas as famílias.Bem logo ele se veria obrigado a escolher um dos bandos. E provavelmenteseria necessário assegurar essa aliança mediante um matrimônio.Preferivelmente, o seu. Tynan não aceitava esse fato com agrado. Mesmoassim, era provável que Ravensmuir fosse atacado pelo bando oposto ao queele escolhesse, mas ao menos teria aliados para ajudar na defesa. Não podia

permitir a destruição de sua moradia familiar; Rosamunde jamaiscompreenderia essa fidelidade àquilo que frequentemente denominava - ummontão de pedras velhas—, mas ele não podia esquecer.

Tampouco podia esquecer sua responsabilidade para com seusantepassados. Não era agradável ignorar os desejos de seu coração. Tinha nopeito uma pedra enorme, que parecia tornar—se maior quanta maior era aveemência com que afastava Rosamunde de si mesmo. Para ambos, seriamelhor que ela abandonasse Ravensmuir para não mais retornar.

Ouviu—se novamente o toque à porta. Tynan soltou um palavrão.

Depois gritou: — Entre!A porta se abriu lentamente. Ele cruzou o quarto para puxá—la, tãoabruptamente que Alexander entrou aos trambolhões. O olhar do jovem vooude Tynan a Rosamunde, que realmente se parecia com uma cortesã, e ficouescarlate. Tratou, gaguejando, de dizer aquilo ao qual ia, com a vista fixa norosto de seu tio, enquanto se avermelhava mais e mais. Maldita Rosamunde!

— O que acontece, homem? O que o aflige, Alexander? Tynan seobrigou a recordar que seu sobrinho já tinha vivido vinte e cinco verões. Separecia mais jovem era só porque Roland o tinha mimado em excesso. Mas aofim e ao cabo, quem podia adivinhar que tinha que morrer jovem?

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— É que... James esta aqui!Tynan não reconheceu o nome.— James? Quem é James?

— O noivo de Madeline — interveio Rosamunde, azeda.— Só vocêpode esquecer um vínculo assim. Alexander jogou uma olhada a sua tia eassentiu, com a cabeça.

— James retornou da França e deve reclamar a mão de Madeline.Acompanha—a seu pai; pois os estábulos já estão cheios, armou—se umverdadeiro alvoroço para alojar os cavalos e os cavalheiros.

— Pode—se dizer que as coisas estão se resolvendo bem por si mesmas.Tynan dedicou a Rosamunde um olhar penetrante, sem dissimular que asnovidades o agradavam muito.

— Por certo. Qual a necessidade de se preocupar com o que pensaMadeline — ela comentou, com amargura.Depois partiu para o quarto das mulheres.Seu perfume perdurava no quarto, tentando Tynan e testemunhando para

quem entrasse que ela tinha estado ali durante a noite. Ninguém mais usavaperfumes tão exóticos.

— Mas e quanto ao dinheiro, tio Tynan? — inquiriu Alexander comcerto nervosismo.— Se Madeline não se casar com Rhys FitzHenry, terei quedevolver o que foi pago. E o governador continua assegurando que a colheitade Kinfairlie será muito pobre.

— Assim no inverno terá uma boca menos que alimentar — comentou otio. — E se poderia convencer à família do James de que pagasse um preçopela noiva. Depois de tudo demorou bastante em vir a casar—se. Poderíamosexigir alguma compensação pelo insulto.— Apoiou uma mão no ombro dojovem.— Verei o que se pode fazer.

Mas Tynan deveria ter adivinhado que, com Rosamunde envolvida,nada se resolveria com tanta simplicidade. Ela voltou a passo lento pelocorredor, meneando os quadris, e ele teve a intuição de que trazia notícias

desagradáveis.— Madeline se foi — disse ao chegar, com não pouco prazer.Tynan quase soltou uma acusação da qual teria se arrependido, pois

embora Rosamunde estivesse responsável por velar pela virgindade dassobrinhas na noite anterior, o olhar cortante dela recordou—o de que tinha sidoele quem a fizera abandonar a vigília.

Alexander os olhava alternativamente.— Mas aonde pode ter ido?

— Poderia estar no salão ou na cozinha — insinuou o dono de casa.

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— Madeline não seria capaz de descer sozinha a um salão cheio dehomens — aduziu o irmão.

— Ao menos se eles estivessem acordados— esclareceu Rosamunde.— É muito possível que tenha fugido. Afinal, confia muito em si mesma e ontem

à noite os dois lhe deram desgosto de sobra.— Como pode ter fugido? — Alexander deu um passo atrás.— Mas se

nunca viajou sozinha! Não tem armas. Poderia estar em perigo!—Se fugiu certamente a buscaremos — disse Rosamunde.— Iniciem uma busca em toda a fortaleza — ordenou Tynan ao

governador, que acabava de entrar.— Minha sobrinha Madeline não esta emseu leito.

O homem assentiu com a cabeça e correu a iniciar a tarefa.

— Não a acharão.— Rosamunde tirou o roupão. A camisa de seda seaderia amorosamente a suas curvas, embora sua atitude distasse de ser sedutora.— Digam a esse tal James que se prepare para montar em seguida. Euencabeçarei a marcha.

— Você? — assombrou—se Tynan.A mulher lhe jogou um olhar desdenhoso que ele recebeu bem como

castigo.— É claro. Não se pode pretender que você abandone Ravensmuir nem

por um instante.— E quanto a mim? — Interpelou Alexander.— Eu também irei! Se

acontecer algo a Madeline será minha culpa.— Poderá vir se assim deseja. De um modo ou de outro, irei atrás de

Madeline. — Rosamunde se sentou no canto oposto do leito para vestir meiasmasculinas feitas sob medida para ela; claro que poucos cavalheiros usavammeias feitas de pele tão fina.

— Acredito que você realmente deve ir — disse Tynan a Alexander,considerando a segurança de Rosamunde. — Ambos causaram este problema eme parece que cabe aos dois resolvê—lo. Eu me ocuparei de Kinfairlie em suaausência.

O sobrinho ergueu as costas: — Necessitaremos de cavalos velozes.— Levaremos seis cavalos negros, os melhores potros dos estábulos de

Ravensmuir – interpôs Rosamunde em tom seco, enquanto fechava sobre acamisa um casaco negro forrado de peles e adornado com bordados de ouro. Jáhavia calçado as botas negras e levava no braço uma capa forrada de pele.Tynan ficou estupefato ante essa ordem, não menos que ante seu sorriso triste.

— É o preço que tem que pagar por se desfazer de mim para sempre,

Tynan. E bem sabemos que não deseja menos — acrescentou ela.

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Depois passou ao seu lado, sem dizer uma palavra mais, sem umacarícia de despedida, sem um último olhar. A pedra que ele carregava no peitose tornou pesada a ponto de quase fazê—lo cair de joelhos. Compreendeuentão que Rosamunde jamais retornaria a Ravensmuir, que jamais esquentariaseu leito novamente, que sua risada não voltaria a ressoar em seu salão.Embora fosse o que tinha exigido, a perspectiva era mais sombria do queesperava. Provavelmente levaria anos inteiros para habituar—se à ausênciadela.

— Algo acontece, tio? — perguntou Alexander, apertando—lhe umombro.

— Prepare—se para cavalgar, Alexander. Duvido que Rosamundeatrase sua partida por homem algum.

Ao final foram seis os que montaram os potros requeridos por

Rosamunde. Ela encabeçava o grupo, acompanhada pelo único homem querestara de sua tripulação: um homem chamado Padraig, que trazia um pendentede ouro e mal falava. Alexander ia com eles; James também. Viviennesolicitou permissão para acompanhá—los, assegurando que se encarregaria dobem—estar de sua irmã mais querida, embora Tynan suspeitasse que naverdade a moça queria participar de uma gesta que recordava as lendas antigas.

Sobrava apenas um corcel sem cavaleiro; Elizabeth exigiu ser a sextaintegrante do grupo. Tynan quis negar permissão, mas sempre tivera umafraqueza pela encantadora menina; assim, argumentou que, com apenas dozeverões, ela ainda era muito jovem. Elizabeth ruborizou—se, ergueu o queixo einformou—o de que tinha idade suficiente para casar—se e ter filhos — detalhe que ele teria preferido ignorar, mas cuja verdade era inegável. Elatambém declarou que a spriggan acompanhava o grupo pendurada na cauda deum dos cavalos, e ninguém mais podia vê—la. Nem sequer Tynan teve comorebater esse argumento, assim, rogou a Alexander que cuidasse bem de suasirmãs.

Em um abrir e fechar de olhos a partida desapareceu; os corcéiscruzaram quase voando as portas de Ravensmuir; suas caudas de ébanoondulavam como estandartes escuros. Tynan os observou até que o pó da

estrada engoliu todas as silhuetas, mas sua amada não se voltou para olhá—lonem uma única vez.No mesmo instante em que Ravensmuir entrava em atividade para

procurar Madeline, ela jazia no brejo, muito ao sul da fortaleza, sob o corpoimóvel do mercenário. Kerr não emitia um só som. Era uma estranha maneirade atacar. Madeline abriu os olhos com cautela, ainda estava presa embaixodele, com a face e o peito contra a lama fria. Escutou. Kerr não pareciarespirar. Algo quente gotejava do pescoço dele, parecendo uma mancha desangue. Ela gritou e afastou—se, então Kerr se moveu. Ela fitou rapidamentepor cima do ombro, temendo as represálias.

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O homem tinha os olhos muito abertos e fixos na distância. Havia umaadaga cravada no seu pescoço, ao que, obviamente, se devia o sangue. Kerr nãoa tinha atacado, pois estava morto. Havia um cadáver em cima dela e era seusangue ainda quente que caía sobre a pele de Madeline.

Madeline perdeu por completo a compostura. De sua garganta surgiu umsom abafado, horrível. Lutou, em pânico, sob o peso morto; só queria fugir para tão longe quanto fosse possível. Ao ver que não podia tirar—se de cima ocorpo de Kerr, rompeu em soluços, mas esse frenesi só serviu para afundá—laainda mais no barro.

— Não grite. — ordenou Rhys. Suas palavras severas causaram tantaestupefação em Madeline que ela ficou petrificada e trêmula. — Se você gritar jamais acharemos os cavalos, senhora. Já estão bastante assustados.

Madeline abafou o grito ao sentir que ele arrancava Kerr de suas costas.

Rhys retirou a adaga do pescoço do homem e, como se a questão não tivessenenhuma importância, degolou—o um pouco mais. Depois afastou o cadáver com um chute, limpou o aço e, depois de embainhá—lo novamente, ofereceu àmoça a mão enluvada. Fez tudo com uma habilidade que para Madelinepareceu ao mesmo tempo tranquilizadora e um pouco preocupante. Ela teveque se esforçar por engolir o grito, embora o espanto apenas lhe permitissedizer uma palavra.

— Você... você...— Ao que parece, sou bastante bem no lançamento de facas.

Rhys falou com tanta serenidade, como se estivesse reconhecendo quegostava de cerveja. Logo se agachou para agarrá—la pela mão, pois elademorava a aceitar sua ajuda. Colocou—a de pé com um movimento firme elhe reteve fortemente as mãos entre as suas. Vestia—se como antes, roupasescuras como a meia—noite, e sua atitude era severa. Embora suas luvasfossem de pele grossa, o uso as tinha amaciado até tomarem a forma de suamão: uma mão forte que segurava a sua. Madeline se descobriu agradecida por esse firme apoio. Rhys encarou—a com atenção.

— Está ferida?

Ela moveu a boca e descobriu que estava tremendo até a medula dosossos. A falta de palavras sacudiu a cabeça; Rhys pareceu aliviado. Ela fez umesforço por dominar—se. Era o menos que ele merecia depois de tê—laajudado tão oportunamente. Seu olhar caiu sobre o morto; embora o afastasseimediatamente não pôde deixar de estremecer.

— Faz isso frequentemente, isto de degolar as pessoas? — cravou umolhar duro nele.

— Faz—se o que é preciso. Teria preferido que lhe permitisse continuar vivendo? Ante essa perspectiva a Madeline lhe afrouxaram os joelhos ao ponto

de lhe fazer temer que já não sustentassem seu peso.

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— Resista senhora.Rhys lhe apertou a mão com mais firmeza, embora sem tocá—la de

outra maneira, e lhe ofereceu um pano com que limpar o sangue do pescoço.— Queria me violar.— Ela sabia que não era necessário dizê—lo, mas

não pôde se conter. Sentiu que corava.— Não deveria ter confiado nele. Semdúvida pensa que sou uma idiota. Não deveria ter fugido de Ravensmuir, muitomenos com um homem que conhecia tão pouco. Para estupefação dela, Rhys selimitou a lhe estreitar com mais força, como se compreendesse que isso eraexatamente o que ela necessitava. Era como uma rocha a que ela se aferrava,enquanto o terror ia cedendo.

— Penso que é uma mulher de recursos nada comuns. A prova de suavalentia é que não foi fácil impor—se.— Pela decisão com que falava, ela tevea certeza de que cada uma de suas palavras era sincera.— Aplaudo sua rapidez

mental e sua fortaleza. Esta ilesa?— Estou assustada, na verdade.Madeline inspirou profundamente e se deu uma olhada. Tinha a saia

rasgada e cheia de lodo; a pele sulcada de arranhões. Quebrara três unhas eestava coberta de barro dos pés a cabeça. Horrorizou—a descobrir que ocorpete rota pendia aberto, deixando ver seus seios. Segurou as extremidadesdo tecido para cobrir—se, ruborizada até o carmesim. Mas o olhar de Rhys, por certo, não descia além de seu rosto. Seu cavalheirismo a fez sorrir tremulante.

— Pelo resto, acredito estar bastante bem.

— São muito poucas as mulheres que podem manter—se de pé depoisde ser atacadas deste modo.— Ofereceu um breve sorriso que lhe enfraqueceuo coração.— Em Gales apreciamos muito às damas fortes. Ouviu falar deGwenllian?

Madeline negou com a cabeça, embora o resto de sua pessoa tremesse.— Era a mãe de Lorde Rhys, o último rei de Gales. Em mil cento e

trinta e seis ele se rebelou contra os normandos. Gwenllian era tão valorosa quearmou um exército próprio e o conduziu contra o inimigo para ajudar a seufilho. Ante seus próprios olhos um de seus filhos foi morto e outro, feitoprisioneiro, mas ela continuou combatendo com tanta valentia que esse campode batalha, em Cydweli in Dyfed, ainda leva seu nome. Enquanto ele falavaMadeline descobriu que suas palavras e a firmeza de sua mão lhe deram força.

— Não sabia. Ignorava que uma mulher tivesse combatido à cabeça deum exército.

— Pois agora já sabe.— Rhys voltava a mostrar—se solene.— Devome desculpar pelo tardio de minha ajuda. Enquanto estavam entre os tojos nãopodia lhe dar assistência, pois à distância não me permitia ver com clareza essevilão. Seu esforço de fugir me ofereceu a oportunidade necessária.

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—Se não tivesse sido tão idiota não teria necessitado de sua ajuda. Elaganhou fôlego, ainda trêmula.

— Não seja tão dura com você mesma.— Um sorriso tocou os lábios deRhys. — Compreendo que a perspectiva de se casar comigo a tenha

amedrontado ao ponto de induzi—la a correr tanto perigo. Ela corou. Além deperceber seus temores ele devia ter previsto sua fuga. Como, se não, poderia tê—los seguido, a ela e ao Kerr?

— Meu pai empregou por muitos anos os serviços do Kerr — disse, poisprecisava explicar—se.— Por isso confiei nele, embora, obviamente, tinhaplanos tenebrosos que eu não suspeitava.

— Suponho que aprendeu a ser mais cautelosa ao escolher companheiros.— Em vez de prolongar essa lição, soltou—lhe a mão assim queela fez um gesto de assentimento. A jovem se sentiu abandonada. Depois ele

emitiu um assobio. Seu cavalo de batalha, que ao que parecia estava escondidoentre os tojos, foi a trote para seu amo. Era um fino animal cinza pintalgado,com a cauda e as crinas escuras como o carvão. Junto ao corcel trotava umgalgo peludo, que era um animal de tamanho formidável. Depois de observar aMadeline com olhos sagazes, recostou—se contra Rhys balançando o rabo.

— Chama—se Gelert — ele apresentou, enquanto ordenava ao cão, comum gesto, que se aproximasse da jovem. Ela estendeu uma mão, cativada pelaatitude amistosa do galgo. Sua pelagem revolta parecia prata à altura dassobrancelhas, que movia de uma maneira muito expressiva. Depois de lhefarejar a mão se sentou a seu lado e apoiou o peso contra sua perna. Madelineafundou os dedos na pelagem densa e quente do pescoço; sua presença eratranquilizadora. Na verdade, ante seu aspecto e o calor de seu contato sentiavontade de sorrir.

— E este é Gwynt Arian. Rhys pegou as rédeas do cavalo, que sacudiu acauda e dilatou os olhos, como se reconhecesse seu nome.

— É um nome galês?Rhys assentiu com a cabeça, enquanto esfregava ofocinho da besta.

— Significa - vento de prata—.

— É muito adequado para um corcel tão régio— comentou Madeline,reconfortada por essa conversa tão mundana.— Mas viajam sem escudeiro?Ele fez um gesto negativo.— Estes dois presenciam tudo e não contam nada.A jovem se perguntou quem o teria traído em outros tempos. Mas era

claro que ele não tinha interesse em lhe fazer confidências.— Vista bem a capa — ele aconselhou enquanto se aproximava com o

cavalo. Madeline obedeceu, agradecida por não ver—se obrigada a tomar decisões nesse momento. Rhys a montou no cavalo com um só movimento.

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Depois murmurou algo ao animal e revolveu o conteúdo do alforje, enquantoGelert se plantava junto ao estribo para custodiar a moça. O cavalheiro lheofereceu um odre de couro junto com um olhar penetrante.

— Beba um gole disto.

— O que é?— É conhaque.— Outra vez aquele sorriso provocador lhe curvou os

lábios por um segundo. Madeline lamentou que não sorrisse maisfrequentemente, pois com esse gesto parecia menos temível.— A convenceráde que ainda não esta no reino dos mortos. Beba.

Ela sorveu aquilo com cautela. O conteúdo do odre lhe queimou agarganta como fogo e abriu passagem até suas entranhas. Lacrimejavam—lheos olhos; tossiu para cuspir até o fígado. Quando limpou a vista Rhys lhe disse,com uma expressão divertida nos olhos:

— Beba um pouco mais. Madeline fez o que ele indicava, embora osegundo gole não descesse com mais facilidade que o primeiro.

Melhor? Notou perplexa, que na verdade se sentia melhor. O líquido lhetinha esquentado as carnes e acalmado os tremores. Ante seu gesto afirmativoRhys voltou a pegar o odre. Ao fazê—lo seus dedos se roçaram, recordando àmoça aqueles beijos possessivos, o que despertou dentro onda de calor.

— Dois goles pequenos são suficientes para uma dama— disse ele. Epor sua vez bebeu um longo trago. Pela primeira vez Madeline se perguntou seo ataque do Kerr o tinha afligido. Parecia tão pouco preocupado como seauxiliar a mulheres ultrajadas nos ermos fosse uma tarefa rotineira, como sefrequentemente matasse a mercenários em altares do bem comum. O consumodo conhaque insinuava que talvez ele compartilhasse um pouco de seu medo.Madeline meneou a cabeça, certa de estar vendo nesse guerreiro umavulnerabilidade inexistente. Sem dúvida se sentia responsável por ela. Afinal,tinha pagado por ela. Talvez fosse do tipo que protegia vigorosamente todos osseus pertences. Madeline não tinha como saber ao certo, mas erasuficientemente inteligente para alegrar—se, no momento, desse sentido daresponsabilidade.

Rhys fez uma careta ao tragar a bebida, mas não tossiu. Logo se voltoupara observar os ermos com os olhos entreabertos. Assinalou com a cabeça asilhueta distante de um palafrém:

— É a sua montaria? — Ela assentiu.— Tarascon. — Kerr a feriu no flanco para obrigá—la a fugir. Não sei

se a ferida é profunda.— Seus dedos se estenderam para a sela.— Espero quenão esteja ferida gravemente.

— Se ainda pode galopar não deve ser tão grave. — Aquilo era tãológico que Madeline lamentou não havê—lo pensado ela mesma. Pareciacondenada a dar uma pobre imagem de si a esse homem. Rhys pegou as rédeas

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e conduziu o cavalo de batalha para a égua. Depois assobiou com suavidade.Tarascon se voltou para observá—los, agitando as orelhas com nervosismo.

O sangue deve tê—la assustado — disse ele. Até o tom de sua voz eratranquilizador. — Monta—a frequentemente?

— Quase todos os dias.— Nesse caso é provável que também tenha farejado seu medo. E isso a

alterou mais.— Posso chamá—la. Sempre acode. Ao seu chamado, o palafrém só se

aproximou um passo, mas logo retrocedeu quatro, agitando a cauda.— De maneira que acode... — disse Rhys com tom de humor. Madeline

ergueu as costas. Acaso não podia fazer nada bem na presença desse homem?— Em geral, sim.

— Estas circunstâncias não são normais, minha senhora. Não a culpepor esta incerteza. Espere que esteja mais perto e ela se certifique de que setrata de você.

— Poderia fugir antes. Madeline voltou a chamá—la e viu, horrorizada,que a égua dançava em direção oposta. Rhys se deteve. Tarascon ainda seafastou três passos mais. A jovem nunca a tinha visto tão nervosa, embora nãopudesse culpar à égua por sentir medo ante os homens.

— Procure no alforje — ele aconselhou em voz baixa. — acho queainda tenho ali algumas maçãs.

Madeline se alegrou de poder colaborar. As maçãs estavam ali, masTarascon não se deixou tentar, como teria feito algumas horas antes. O sol já seaproximava do zênite quando conseguiram que o palafrém lhes permitisseaproximar—se. Madeline ficou impressionada pela suave persistência com queRhys continuava atrás do animal assustado. Foram—se aproximando pouco apouco; era óbvio que seus murmúrios acalmavam Tarascon. Tambémcolaborou o fato de que Gelert, a um sinal de seu amo, corresse finalmenteatrás dela, ladrando agressivamente para desviá—la para ele. Uma vez queRhys a capturou, Madeline segurou as rédeas e lhe falou com suavidade,

acariciando seu focinho. Enquanto isso lhe examinava a ferida com dedoscautelosos. Nesse homem havia bondade, mas também muitas coisas mais quea jovem não teria podido nomear. A égua se agitou, mas Madeline a acalmoucom sussurros, confiando em que o cavalheiro lhe daria um bom conselho.

— Por sorte não é tão brutal como poderia ter sido. Acredito quecicatrizará logo — disse ele, erguendo as costas. — Pena não contarmos comum cavalariço mais experiente do que eu.

— Poderíamos retornar a Ravensmuir...Ele a encarou com firmeza, sem que Madeline pudesse adivinhar seus

pensamentos.

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— Acredito que a distância é excessiva para sua égua — disse,precavido. — um pouco mais ao norte há uma abadia a qual poderíamos chegar ao cair da tarde, se estiver disposta. Em outras ocasiões me deram ajuda, pois aabadessa é minha tia.

Madeline se acovardou ao pensar que deveria cavalgar com ele, pois suaégua estava muito ferida para carregar seu peso. Não achava poder viajar, essedia, apertada contra o calor de um homem, muito menos contra Rhys, queacendia nela esse fogo estranho. Seus olhares se encontraram; entre elesrelampejou um entendimento que assustou a moça no mais fundo. Antes queela pudesse protestar, Rhys deu—lhe as costas e se dedicou a atar metodicamente as rédeas de Tarascon à parte traseira da sela. Depois desussurrar algo a seu cavalo se afastou a grandes passos, sem uma palavra deexplicação. Gelert se sentou junto a ela, como lhe tinha indicado. Madeline,intrigada, viu que ele desaparecia entre os tojos. Pensaria abandoná—la ali? Ou

acaso se preparava para lhe exigir algum tipo de retribuição? Era claro que adesejava; ela tinha percebido em seus beijos. Durante sua ausência as suspeitasde Madeline se alimentaram mutuamente até multiplicar—se. Era verdade queele se mostrara amável, mas também Kerr tinha atuado com amabilidade atéque acreditou tê—la onde não poderia pedir ajuda.

Teria escapado da frigideira para cair no fogo? Talvez não tivesseconseguido mais que adiar a violação? O que podia obrigar a um homem comoRhys, de reputação tão perigosa, a tratá—la com honra, agora que estavam asós nos brejos?

Essa podia ser sua única oportunidade de escapar! Madeline cravou oscalcanhares nos flancos do cavalo, incitando—a para avançar. A besta não semoveu nem um passo. Com indiferença suprema, mordiscava uma flor silvestre. O cão lhe lançou um olhar, como sim a repreendesse, e reatou suavigília. Madeline sentiu pânico. Mas se o próprio Rhys lhe tinha aconselhadoque fosse mais cuidadosa ao escolher seus companheiros! Deu umas palmadasao cavalo, falou—lhe em sussurros, deu—lhe ordens, puxou as rédeas. Feztudo o que lhe ocorreu para persuadi—lo que desse um passo.

Tudo era inútil. Os cascos da besta pareciam ter criado raízes. Maisêxito teria tido se tivesse tratado de convencer a uma pedra. Quando estava por desmontar para fugir, aos seus ouvidos chegou à voz de Rhys.

— Arian não obedece a ninguém senão a mim, senhora. Aproximava— se a grandes passos, trazendo pelas rédeas o cavalo de Kerr. Tampouco destavez expressava surpresa, a não ser diversão. Madeline sentiu uma pontada deirritação. Acaso esse homem não se assombrava por nada? Era impossívelagarrá—lo despreparado?

— De verdade? — respondeu, como se não o tivesse comprovado por simesmo— Não é frequente conseguir um corcel tão leal.

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— Por certo. Já deve considerar—se afortunado se alguém nos servir com tanta lealdade seja homem ou besta. Madeline não pôde evitar acuriosidade ante essa nova referência à traição. O que lhe teria acontecido? Oque se escondia atrás dos encargos do Rei contra ele? Mas não achava queRhys respondesse a suas perguntas. Viu—o retirar o alforje de Kerr com umgesto de concentração, e revistar solenemente seu conteúdo. Por fim retirou sóas moedas que o morto tinha na bolsa; depois jogou o alforje com o resto dascoisas ao outro lado do brejo. Madeline o observava, surpreendida.

— Quem encontrar este cadáver pensará que foi atacado por bandidos— explicou ele, simplesmente. Depois montou o outro cavalo e pegou asrédeas do dele, que Madeline segurava entre os dedos intumescidos. — Vamosbuscar esse cavalariço, então?

Ela se limitou a assentir com a cabeça. Rhys a observou por ummomento antes de açular ao cavalo.

— Acredito que lhe viria bem um conto — disse. — E conheço ummuito apropriado. Madeline pensou que nesse momento necessitava muitascoisas, a última das quais era um conto, mas dizer isso teria sido uma grosseria.Resignada a escutar, permitiu que ele conduzisse o cavalo pelas rédeas. Nãoesperava se descobrir entretida, muito menos cativada, mas não demorou adescobrir que se equivocava. Rhys pigarreou.

— Existe em Gales um lugar chamado Pen Dinas. Quem sabe destascoisas dizem que ali as fadas concedem audiência. Pen Dinas é uma rocha altae estranhamente aplanada, perto de um rio. Ali a erva é de um tom verde muitointenso, mais que em nenhum outro lugar, como se a tivessem benzido os pésde muitos bailarinos mágicos. Madeline sentiu que seus ombros afrouxavam atensão. Era fácil escutar aquela voz; na verdade o ritmo estranho de suaspalavras era feiticeiro. Fazia pensar nas lendas que seu pai costumava narrar quando ela e seus irmãos eram pequenos; bastava isso para tranquilizá—la.

— Aconteceu que um menino acudiu ali para esconder—se. Dizem quese chamava Elidorus, mas como esse não é nome galês, nós o chamamos deLlewelyn ap Alan. Madeline não pôde evitar a risada. A substituição era tãodiferente que a tinha tomado de surpresa; além disso, era um nome muito

estranho.— Ao qual não podem repeti—lo doze vezes rapidamente!Rhys lhe jogou um olhar irônico e o fez, por certo, fazendo que aquilo

soasse como uma música. A jovem acreditou ver em seus olhos um brilhotravesso, mas ele reatou seu relato com tão repentina sobriedade que elaacreditou tê—lo imaginado.

— Contam que Llewelyn ap Alan decidiu fugir de seu preceptor, poisnão queria estudar métrica e não gostava que o repreendesse por sua poucaaplicação.

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— Métrica?— A métrica da poesia. As crianças aprendem com seus preceptores as

rimas e repetições que devem calcular. Madeline não sabia nada disso, masassentiu como se compreendesse. Não queria interromper a narração. E como

ele parecia considerar esse assunto da métrica como algo muito claro, preferiunão passar por ignorante.— Pois bem, Llewelyn ap Alan se escondeu perto desse lugar, Pen

Dinas, para que ninguém pudesse achá—lo. Nessa mesma noite, quandoapareceu a lua, redonda e brilhante, ouviu música. Por pouco aplicado quefosse, Llewelyn ap Alan não era tolo, sabia evitar a música das fadas e não unir —se nunca a suas rondas, sou pena de passar cem anos fora do mundo dosmortais. Tapou os ouvidos com os dedos e se manteve oculto até que, aochegar à manhã, cessou a música das fadas.

Não obstante, na matinal luz do amanhecer, quando teria podido dormir,Llewelyn ap Alan viu ante si dois homenzinhos que o convidaram a suamorada, onde poderia ver maravilhas. Depois de lhes haver feito prometer quelhe permitiriam partir quando ele assim o quisesse, o curioso moço osacompanhou. Conduziram—no a uma passagem secreta, habilmentedissimulada atrás de um trio de pedras, e por ali a um reino escondido sob acolina do Pen Dinas. Embora o país fosse sombrio, pois ali não brilhava o sol,o lugar era belo e as pessoas, mais ainda. Todos tinham uma cabeleira tão loiracomo escura era a dele; todos pareciam sempre a ponto de romper em risadas.Possuíam riquezas incalculáveis, taças de ouro, pedras preciosas em todos os

dedos. Seus cavalos eram velozes e encantadores, elegantes seus galgos.Aquilo era um verdadeiro paraíso.Llewelyn ap Alan foi recebido pelo Rei em pessoa, quem lhe explicou

os costumes de seu povo e pediu a Llewelyn ap Alan que não voltasse a exigir um juramento. As fadas raras vezes prometem algo, muito menos aos homens,pois cumprem sempre com sua palavra ao pé da letra. O Rei disse a Llewelynap Alan que ele e seu povo desprezavam, por sobre todas as coisas, o engano ea infidelidade. Ante essa nova referência à traição Madeline observou seucompanheiro. Começava a lhe inspirar muita curiosidade, embora suspeitasseque mostrar—se inquisitiva podia resultar perigoso.

— Llewelyn ap Alan afirmou que isso lhe parecia admirável e lheautorizou a brincar com o filho do Rei. Apesar de seus temores, não perdeu amemória e não passou muito tempo sem que pedisse autorização para partir.Seus guias lhe indicaram a maneira de voltar para o lar e ele retornouprontamente à morada de sua mãe, quase temendo que tivesse passado muitotempo. Mas não existia engano algum. As fadas tinham respeitado o trato: suaausência tinha durado só três dias, tal como ele esperava. Algumas semanasdepois procurou o portal secreto e o achou, para grande prazer do filho do Rei.Assim foi que Llewelyn ap Alan se habituou a viver parte do tempo em cada

um dos dois mundos e a desfrutar dos méritos de ambos.

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Rhys jogou um olhar por cima do ombro, sem que Madeline seincomodasse em dissimular quão cativada estava pelo relato. Sorriu para insisti—lo a continuar, mas Rhys afastou o rosto tão abruptamente que ela temeuhavê—lo insultado sem querer. Não obstante, ele se limitou a continuar.

— O segredo começava a lhe arder, como costuma a acontecer quandose tem um segredo; o fato de que ninguém soubesse o que ele sabia oentristecia cada vez mais. Um dia o revelou a sua mãe, quem pareceu tãoencantada com sua aventura como ele mesmo. Por um tempo bastou com essaconfidência. Em cada oportunidade lhe descrevia as maravilhas que tinha visto.

Agora bem, as maravilhas desse reino eram infinitas. Em cada visitaLlewelyn ap Alan via algo ainda mais extraordinário que na anterior. E com otempo, segundo seus relatos se tornavam mais e mais fantásticos, maismagníficas suas descrições das riquezas que havia no reino das fadas, sua mãese foi impacientando. Começava a pensar que o filho a enganava, comocostumam fazer os rapazes. E acabou por lhe exigir alguma prova de que essasviagens eram reais.

Assim foi como, em sua visita seguinte ao reino, Llewelyn ap Alanroubou a bola de ouro com que jogava com o filho do Rei. Quando ia para oportal foi clamorosamente açoitado. Chegou à porta, mas a achouhermeticamente fechada... Até que entregou a bola aos dois homenzinhos que otinham conduzido até ali a primeira vez. Mostravam—se carrancudos, surdos asuas desculpas. Em um abrir e fechar de olhos, Llewelyn ap Alan se achou naerva de Pen Dinas. Sozinho. Nunca mais pôde achar a entrada ao reino das

fadas, embora digam que andou longamente em sua busca. E emborafrequentemente ouvisse de longe a música das fadas, nas noites em que oclarão da lua era mais intenso, jamais pôde vê—las dançar nem aproximar—sede suas celebrações.— Rhys fez uma pausa, para dar maior interesse ao finaldo conto, e depois continuou— Llewelyn ap Alan tinha demonstrado ser desleal e mau hóspede; por isso perdeu o que devia ter apreciado a princípio.

A moral era poderosa. Madeline se perguntou se Rhys teria escolhidoesse relato deliberadamente, mas não teve tempo de perguntar—lhe, pois eleapontou ao horizonte com um dedo.

— Ali esta! Vê essa voluta de fumaça que surge da chaminé? A abadianão esta longe, senhora. Logo estará entre mulheres e atrás de altos muros.Atrevo—me a dizer que também haverá uma sopa quente sobre o fogo.Madeline viu o fio de fumaça e se envergonhou de suas anteriores suspeitas.Rhys a levava a uma abadia onde estaria a salvo. Não, na verdade tinha estadoa salvo desde o momento mesmo de sua partida, pois Rhys cavalgava atrásdela, olho alerta para cuidá—la, apesar de seu próprio engano. E sem dúvidaestava duplamente segura desde que ele a tinha salvo de Kerr. Sorriu—lhe,sorriu—lhe sinceramente pela primeira vez desde que o conhecia.

— Obrigada, Rhys. Fiz pouco para merecer sua ajuda e a cortesia queme brinda, mas lhe agradeço de todo coração. O estranho foi que o homem não

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respondesse a seu sorriso. Antes piscou, como se tivesse olhado diretamente aocentro do sol, e franziu o sobrecenho. Logo voltou às costas, como se apenasestivesse atento à marcha para a abadia.

— Será melhor que nos apressemos— disse resmungão.— As feridas

cicatrizam melhor se forem rapidamente atendidas. Chamou Gelert com umassobio e o galgo apertou o passo para acompanhar o trote do cavalo. Rhys nãovoltou a dirigir a palavra a Madeline. Sua concentração era tão absoluta comose cavalgasse só. E para Madeline foi uma surpresa descobrir quanto a afligia osilêncio desse homem e sua indiferença à companhia dela.

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Capítulo 6

Na verdade, Rhys estava muito longe de ser indiferente à presença dadama que o seguia tão de perto. A beleza de Madeline o afetava como nuncaantes o tinha afetado mulher alguma. Só mediante um esforço considerável seconteve para não tranquilizá—la com seu contato. Em seu alívio ao encontrá—

la intacta tinha necessitado de uma fortaleza que não achava possuir para nãobeijá—la profundamente.O fato de que Kerr se metesse entre os tojos o tinha assustado. Ficara

aterrorizado pela possibilidade de que esse ardiloso mercenário a violasse antesque ele pudesse ajudá—la. Decidido como estava a não deixar—se detectar,tinha—as deixado adiantar—se muito e sua dama parecia condenada a pagar opreço de seu engano. Não exagerava ao expressar o alívio que tinha sentido aover que ela tentava escapar. A bebida não chegava a acalmar suas inquietações.Pelo contrário, azedava—lhe o ventre. Ter—lhe—ia assentado melhor umsonoro beijo; até melhor, as mãos da rapariga enredadas em seu cabelo. MasRhys tinha visto o terror de Madeline e não queria duplicá—lo. Ela já tinhasuportado muitos insultos, muitos dissabores.

Pareceu—lhe muito respeitável que ela se reprovasse de ter tomado umadecisão imprudente. Rara é a pessoa que admite sua própria parte nas desgraçassubsequentes. Por certo, Rhys também tinha parte da culpa. Depois da fuga deMadeline estava o medo a acompanhá—lo ante o altar, e ele se recriminava por não ter sabido eliminar suas incertezas. Não era culpa da dama que a tivessemeducado sem lhe ensinar as perversões do mundo, sobre tudo o tipo deperversão que tinha demonstrado Kerr. Era muito compreensível que ela

confiasse nesse homem se ele tinha trabalhado para seu pai.Conteve o impulso de lhe dar uma olhada, por temor a que ela voltasse a

lhe sorrir e o nublar de tudo. Essa dama demonstrava uma coragem admirável,sem dúvida. Nessa hora, qualquer outra mulher estaria chorando; ela, em troca,mantinha—se bem erguida na sela. Mesmo assim, desalinhada, possuía umabeleza que podia enlouquecer aos homens. Tinha—lhe desfeito a trança e acabeleira escura lhe caía livremente sobre os ombros. Tinha um arranhão naface e outros quantos nas mãos, mas Rhys não ousava oferecer—se a atendê— los. Com toda segurança, essasmanchas de lodo ocultavam hematomas.

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A dama era muito suave, sua doçura muito tentadora; tinha bastado a brevevisão da curva de seu seio para que ele chegasse quase a esquecer de suasintenções cavalheirescas.

Entretanto, não estava tão enredado na luxúria para não compreender a

verdade, Madeline estava tão assustada que o menor contato seu a teriaespantado como a sua égua. Ele não queria aproveitar—se desse medo parasaciar seus próprios desejos. Não era essa a maneira de ganhar sua confiança,de estabelecer uma aliança perdurável. Não era nada habitual que Rhysexperimentasse um anseio tão potente por mulher alguma. E nunca tinhaimaginado que o sentiria pela mulher que finalmente escolhesse como esposa.Estava certo de que essa reação era consequência da falta de sono,possivelmente do medo que lhe tinha inspirado a possibilidade de perder Caerwyn.

Quando chegaram à comunidade murada acharam os portões da abadiafechados. Rhys não deu mostra alguma de preocupação; Madeline supôs queele preferia seu silêncio e não fez comentários. As portas eram de madeiragrossa e pesada, sem custosos restelos nem detalhes ornamentais; seu únicomérito residia no peso e tamanho. Madeline viu a cruz da capela e percebeu umaroma de sopa de hortaliças, mas nada mais. Depois de desmontar, Rhys pegoua corda que pendia junto ao portão e puxou—a. Atrás dos muros ressoou umasérie de rangidos potentes que fez sorrir a moça. Era uma sequência alegre, umarpejo glorioso que lhe alegrava o coração. Bastou essa música para que quaseesquecesse o que tinha suportado durante esse dia.

— Que deleite! — sussurrou.As lágrimas lhe nublaram a vista, pois recordava com muita clarezacomo a ligava a música ao James. Recordava—a inclinado sobre o alaúde,compondo uma balada. Voltava a ver o jogo da luz em seu cabelo loiro. E a dor lhe apertou a garganta. Era possível que tivesse morrido? Se o homem queamava com toda a alma tinha morrido não deveria ela adivinhá—lo? Mas seJames ainda tivesse estado com vida, nesses dez longos meses lhe teria feitochegar alguma mensagem, para não duvidar. Madeline limpou bruscamente aslágrimas, lamentando não ter a audácia necessária para pedir mais um gole debebida. Rhys a observava. Sua expressão havia tornado a ser cautelosa. Nessemomento lhe importava muito pouco o que ele pudesse pensar.

— Poderia fazê—la soar uma vez mais? — perguntou com vozinsegura. — É um som tão jubiloso que é como se os próprios anjosanunciassem nossa chegada.

Rhys, sem dizer nada, puxou outra vez à corda, impassível a expressão.Madeline escutou com os olhos fechados e as mãos fortemente cruzadas,deixando—se envolver pelo bálsamo curador dos sinos. Era um som tão beloque a dor de sua perda se acalmou um pouco. Enquanto o escutavaexperimentou a plenitude de seu amor perdido. E foi uma desagradável

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que faria ele a respeito. Rhys corou até o pescoço e sua atitude se tornou atémais severa que de costume.

— Hoje é a senhora quem necessita de sua ajuda. Eu não faço mais queacompanhá—la.

— Uma senhora! — Thomas, subitamente sério, endireitou as costas epuxou inutilmente sua batina, enquanto se voltava para Madeline.— Bom dia,minha senhora, e bem—vinda à nossa humilde porta. Fez—lhe uma reverência,com tal esforço que a calva da cabeça, emoldurada pela tonsura, assumiu umtom carmesim.

— Apresento—lhe Lady Madeline de Kinfairlie. — Rhys falava comcautela. Ela compreendeu que tinha intenções de oferecer uma versão umpouco alterada de sua aventura. Sustentou—lhe o olhar, tratando de fazê—loentender que não o desmentiria. – Ela foi assaltada por bandidos no caminho.

Felizmente cheguei a tempo para lhe prestar ajuda.— Deus do Céu! — Thomas fez o sinal da cruz. — Em que temposvivemos! Foi uma sorte que a encontrasse a tempo em situação tão difícil.

— Não foi exatamente por sorte, velho amigo. — Rhys esboçou um levesorriso e Madeline sentiu uma súbita tibieza sob seu olhar. — A senhora éminha noiva. Pensei reconhecer seu corcel de longe.

— Agradeçamos a misericórdia de Deus por lhe dar tão boa visão! — Thomas fitou ambos, com perplexidade.— Mas como é que não soubemosantes desse compromisso, Rhys? Que você, justamente você, tenha se decidido

a tomar uma esposa já é algo digno de comentar—se. E faz apenas quinze diasque esteve aqui. Madeline piscou. Ela mesma tinha sabido do leilão deRavensmuir apenas quinze dias antes, Rhys devia ter vindo de Gales comalgum outro objetivo. Qual podia ser? E por que tinha decidido assistir aoleilão, mais ainda, comprar sua mão?Rhys pigarreou com intenção.

— Não divulguei esta notícia porque pensava que não os preocupavamas coisas do mundo mortal. Thomas, ruborizado, sorriu de orelha a orelha.

— Isso não significa que não nos interesse a fofoca. Rhys FitzHenry,comprometido para casar—se!— Entre risadas, agitou um dedo para Madeline.

— Deve ser uma dama muito intrépida para aceitar ao seu lado um tratantecomo este!— Thomas...— grunhiu Rhys. Mas o monge, sem lhe prestar atenção,

inclinou—se um pouco mais para ela com ares de conspirador.— Ou talvez Lady Madeline seja dessa classe incomum de mulheres que

reconhece o ouro onde o olho despreparado só vê escória? — disse, e lhe deuuma piscada travessa. Madeline conteve um sorriso, embora já observandoRhys novamente.

O que quereria dizer esse monge?

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— Neste mundo não costuma acontecer que o mérito revele todo seuvalor à primeira vista — disse. Thomas lançou uma exclamação gostosa.

— Pois claro, pois claro! Já teria devido imaginar que Rhys não temeriacasar—se com uma mulher de muitas luzes.

— Durante a viagem para cá me contou uma bela lenda. Avalia muitosua bondade.

— Uma lenda? Onde achaste uma língua tão ágil, Rhys? — O mongedeu uma cotovelada a seu amigo. Depois disse algo que Madeline nãocompreendeu. Ante sua expressão desconcertada ele piscou um olho.— É umantigo provérbio galês: - O melhor galês é o que esta longe da pátria—. Cai— lhe muito bem, não é, Rhys? Não é frequente que deixe ver uma medida desseseu fino encanto.

O guerreiro o fulminou com o olhar. Parecia haver ficado sem palavras.Thomas se aproximou um pouco mais de Madeline, com a atitude típica dealguém habituado a vender mercadorias a quem não necessita nem deseja.

— Na verdade, Lady Madeline, este poderia contar lendas sobre simesmo, embora nunca o faça.

Apelidamo—lo - Discrição—.— Enquanto que seu apelido é —Enganador— — murmurou Rhys.Madeline riu, pois esse intercâmbio de graças lhe aliviava o coração. O

monge grunhiu, mas seus olhos ainda faiscavam.

— Pois olhe, não há ser vivente que possa me confundir com umaestátua de pedra, que é o que você finge ser neste momento.— Como não o confundisse com uma estátua falante...— replicou Rhys.

— Mas eu supunha que nestas portas se oferecia hospitalidade a quem anecessita.

— Claro que sim, claro que sim. — Thomas levantou as mãos, rindo. — Me Perdoe! Entre, Lady Madeline, entre no círculo de nossas portas.Imediatamente pegou ao cavalo de Rhys pelas rédeas e lhe falou. A besta lheobedeceu imediatamente.

— Que estranho! — ela comentou— Achava que Arian só obedecia aRhys. O cavalheiro não disse nada, embora parecesse apertar os lábios.

— Esse é o logro que lhe contou? — inquiriu Thomas, jubiloso. — Quetolice! Depois de empurrar jocosamente ao amigo, pôs—se a andar a grandespassos.

— Que prazer é, quando alguém fala, saber que se pode acreditar em suapalavra — comentou Madeline, em voz tão baixa que só Rhys pôde ouvi—la.Para satisfação dela, ele pareceu evitar seu olhar e a face posterior de seupescoço corou marcadamente.

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— Os delinquentes chegaram ao extremo de atacar seu palafrém — contou ao monge, assinalando a ferida de Tarascon.

— Ah, que maldade! Thomas se dedicou imediatamente à égua; falava—lhe em murmúrios e a acariciava.

— É o cavalariço que lhe mencionei — explicou o guerreiro paraMadeline, sem olhá—la. É conhecido por seu talento.

O monge levou o palafrém para o estábulo, tão concentrado no animalque parecia ter esquecido por completo ao resto do grupo. Tarascon pareciaentender que estava em mãos capazes de atendê—la, pois quando lhe falavamovia as orelhas com menos vigor; por fim se tranquilizou, com uma últimasacudida da pele. Essa habilidade do religioso parecia tão deslocada ali queMadeline não pôde conter—se. Por certo não havia outro cavalo à vista nemsinais de que existisse algum entre esses muros.

— Mas suponho que a abadia tem pouco dinheiro para manter cavalos.Rhys acendeu esse sorriso que fazia saltar o coração da jovem.— Antes de pronunciar seus votos, nosso amigo Thomas era ladrão de

cavalos.— E foi então que se conheceram? — Ele fez um gesto afirmativo, com

toda a atenção posta em seu amigo.— Na verdade, esbanjamos juntos nossa juventude.Madeline ficou intrigada por seu tom afetuoso. Teria pedido mais

detalhes, mas ele ergueu a voz.— Ouça Thomas, temos outros hóspedes, além desse corcel — anunciou. — E não acredito que essa ferida seja tão grave.

O monge deu um pulo culpado.— A lesão mais grave é o medo que tem— reconheceu, enquanto sorria

à Madeline para tranquilizá—la.— Sarará em uma semana, minha senhora.— Agradeço—lhes a ajuda. É uma besta leal e me afligiu muito vê—la

ferida, sobretudo por simples capricho.

— Diz bem, senhora. Só um malvado pode fazer isto a um cavalo.Thomas chamou um moço para que o ajudasse. O moço conduziu

Tarascon para uma pequena baia vazia, sem deixar de acariciá—la.O palafrém coxeava, mas seu terror tinha desaparecido. Madeline caiu

na conta de que seus próprios medos também se acalmaram. Observou Rhys,que seguia com a vista à égua, e se reconheceu intrigada. Talvez não fosse tãomau destino casar—se com um homem tão protetor e competente como RhysFitzHenry. Ou acaso era isso, justamente, o que ele desejava fazê—laacreditar? Satisfeito com os esforços do moço, Thomas dirigiu o olhar para o

resto do grupo. Ao ver o outro cavalo franziu o sobrecenho.

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— E este outro corcel? Para que necessita outro cavalo, Rhys? — perguntou, enquanto apoiava uma mão sobre a cavalgadura do Kerr. — É aprimeira vez que vejo este animal. Madeline não disse nada, pois não sabia oque Rhys pretendia fazer com o outro cavalo. Obviamente ele tinha um plano,pois sua atitude se tornou mais alerta, mais rígida. Teria notado o monge essamudança de postura? O guerreiro deu de ombros com fingida indiferença.

— Não o necessito, por certo.— Não o comprou? Ele negou com a cabeça.— Deve ter pertencido a algum dos bandidos. Encontramo—lo vagando

pelo lugar onde atacaram à senhora.Madeline estremeceu.— Esse vilão já não o necessitará.

— E eu não podia deixar o animal perambulando pelos páramos, paraservir de pasto aos lobos.Thomas fez um gesto de assentimento e percorreu com as mãos o

animal.— Não é mau cavalo. Alimentaram—no e cuidaram—no bem. — Por

cima do lombo do corcel jogou a seu amigo um olhar ardiloso. — Parece muitobom para montaria de bandidos. É um cavalo de batalha, mais apto a umguerreiro, pois o ladrão necessita de velocidade.

Madeline ergueu as costas, segura de que surgiria a verdade, mas Rhysnem sequer piscou.

— Pois então deve tê—lo roubado a outra vítima.— Por certo. — O monge o observava com olhos brilhantes — Pensa

ficar com ele?Rhys sacudiu a cabeça.— Devo—lhe uma compensação, Thomas, por esta visita e a anterior.

Venda—o e use o dinheiro em sua comunidade.Madeline ficou estupefata ante esse ato de generosidade. Um cavalo de

batalha valia uma soma considerável. Thomas franziu os lábios.— Poderíamos conservá—lo para a abadessa, que é aficionada às

montarias boas.— Venda—o — repetiu Rhys, com aço na voz. — E também os arreios.O monge ergueu as costas, com um cálculo reflexivo espreitando em seu

olhar.— Em Newcastle há um bom mercado para cavalos — disse com

cautela, sem deixar de acariciar ao animal nem de observar ao seu amigo. — E

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no fim do mês devo ir ver uns arrendatários por conta da abadessa. Rhys voltoua falar com a mesma decisão.

— Dizem que se consegue melhor negócio em Carlisle.— Não, não! — protestou Madeline, com intenção unicamente de

ajudar. Depois de tudo, Rhys não era da zona; sem dúvida quereria que aabadia obtivesse o melhor preço possível pelo cavalo do Kerr. Deviamaproveitar ao máximo esse presente tão generoso! — Sei que os cavalos decombate alcançam melhor oferta em Newcastle que em Carlisle. O próprio reienvia seus homens ali para comprar corcéis. O mercado é muito competitivo.Rhys pareceu apertar os dentes e lançou em Madeline um olhar tenebroso.Depois afirmou com energia:

— Não obstante, por uma besta deste tamanho e cor se obterá melhor preço em Carlisle.

Ela negou com a cabeça, segura do que dizia.— Não, Rhys. Com sua licença, não é desta zona. Em Carlisle, meu pai

só comprava pôneis, ou eventualmente um palafrém, pois dizia que osgaranhões de lá não eram bons.

Ele a fulminou com o olhar.— Possivelmente seu pai estava errado, minha senhora.A jovem entreabriu os lábios para discutir, mas Rhys lhe sustentou o

olhar com uma intensidade que só podia ser uma advertência. Então fechou a

boca, chateada, e devolveu—lhe um olhar flamejante. O que lhe passava?Acaso não queria que seu presente fosse bem aproveitado?— Sei que Carlisle é o melhor mercado para este animal — repetiu ele,

com firmeza.— Então a Carlisle irá. — decidiu Thomas, olhando—as a ambos com

interesse — Seu conselho sempre é bom, Rhys, embora na verdade levá—lopara Carlisle seja mais complicado.

— Acredito que valerá bem a pena. — Rhys parecia estar contendo aexasperação. O que teria contra Newcastle? De repente Madeline compreendeu

a verdade. Newcastle estava mais próximo de Ravensmuir e Kinfairlie. Rhysnão queria que o cavalo fosse reconhecido, pois nesse caso a vingança pelamorte do Kerr podia cair sobre a abadia. Era muito possível que ninguémacreditasse que o mercenário tinha sido assassinado por ladrões; os camaradasdo mercenário se reconhecessem o cavalo, podiam pôr em dúvida essaconclusão. Se suspeitassem que a abadia tivesse alguma participação em suamorte ou pior, se seus companheiros executassem pessoalmente a vingançaseria uma triste maneira de pagar aos seus ocupantes qualquer favor quetivessem feito a Rhys. Antes de tudo, sua tia era a abadessa.

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E Madeline tinha estado a ponto de estragar sua intenção protetora. Aténesse momento Thomas suspeitava das origens desse cavalo. E tudo porque elanão tinha sabido manter a boca fechada. Com o tanto que se equivocava napresença de Rhys, ele devia considerá—la uma idiota descerebrada!

O cavalheiro franziu o sobrecenho.— Mas talvez os arreios se vendessem melhor em York.— Sempre é mais vantajoso vender o cavalo com seus arreios —

objetou o monge, em tom de diversão. Rhys se inclinou para ele em atitudemuito firme.

— Talvez seja mais conveniente levá—los a Lincoln ou a Winchester.O outro sorriu de orelha a orelha; um ar travesso lhe dançava

abertamente nos olhos.

— Por que não leva o cavalo e o vende em Gales, Rhys? Sem dúvida, láobterá o melhor preço.— Possivelmente é maior o risco que o ganho.Thomas, rindo entre dentes, deu—lhe uma palmada no ombro.— Agradeço—lhe o conselho, Rhys. Não tema, velho amigo, que tudo

será tal como recomenda. Ocupar—me—ei de que este animal não possa ser reconhecido. Madeline viu que tinha compreendido desde o começo asintenções de Rhys e não tinha feito outra coisa que brincar.

— Pode me dizer algo mais sobre quem poderia reconhecê—lo?— Quanto menos souber, melhor — assegurou o guerreiro, com tanta

decisão que Thomas se limitou a assentir, sorridente.— Sim, você sabe proteger a quem considera amigo. Sobre isso não há

dúvidas. Espero Lady Madeline, que tenha percebido o verdadeiro caráter destehomem e não se deixe enganar por suas más maneiras.

Ela assentiu. Nesse dia que passara com ele, tinha visto muito mérito emseu companheiro. Rhys cruzou os braços contra o peito.

— Pois então seria melhor chamar à abadessa para que esta senhoratambém receba auxílio.

— Esta ferida, minha senhora? — inquiriu o monge, horrorizado.— É valente, mas sofreu um golpe — explicou Rhys, vendo que

Madeline se mostrava reticente. – Chame a abadessa, por favor. – Elecontemplou a jovem com súbita decisão — E ainda tenho que pedir outro favor à abadia, pois quero que nossas núpcias se celebrem aqui, hoje mesmo.

Madeline piscou. Era possível que Rhys ainda quisesse casar—se comela? E nesse mesmo dia?

— Aqui? — repetiu Thomas, atônito. — Mas e a família da senhora?

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— Enquanto a égua não cicatrizar, não podemos continuar a viagem aRavensmuir.

— Mas eles poderiam vir — insinuou Madeline. — Por que não esperar que venham de Ravensmuir?

Ele sacudiu a cabeça.— O que aconteceu hoje prova que não podemos esperar mais.

Casaremos antes do cair da noite, senhora, e pela manhã, depois de consumar omatrimônio, enviaremos um aviso a Ravensmuir.

Dito isso, ele dirigiu—se abruptamente para o estábulo, deixandoMadeline furiosa por seu tom autoritário. Bem poderia ter pedido opinião, aoinvés de impor sua vontade como se ela fosse um cão adestrado. Sua irritaçãodevia ser evidente, pois Thomas lhe tocou o braço com a ponta de um dedo.

— Devo recordar—lhe, Lady Madeline, que não é aconselhávelassassinar alguém dentre os muros de uma comunidade dedicada à obra deDeus.

— Pois então terei que esperar que partamos — replicou ela, com doceferocidade. — O caminho à casa do senhor meu marido deve ser longo etranquilo, sem dúvida. O monge riu.

— Frequentemente eu digo a mim mesmo que matar certos patifes élhes dar um destino muito bom, minha senhora. Deixe que tenham uma vidalonga; assim poderão lamentar melhor seu destino.

Madeline aplaudiu, sorrindo, o conselho do monge.— Isso! — exclamou ele. — Sempre é melhor presságio que a noivaesteja alegre.

Esse lembrete a devolveu à total seriedade. Ia casar—se. E Rhys tinhadeixado claro que a aliança se consumaria nessa mesma noite. Depois dasexperiências vividas nesse dia, a perspectiva a enchia de um medoconsiderável. Possivelmente não tinha sido a melhor maneira de declarar aMadeline seu desejo e intenção de casar—se com ela.

Rhys escovava seu corcel, amaldiçoando—se por não ter a habilidade de

escolher palavras doces para os ouvidos femininos. Por que não estava dotadode uma lábia de ouro? Por que era incapaz de dizer as tolices que as mulheresgostavam de ouvir? Assim poderia ter acalmado os temores de Madeline, masnão, tinha duplicado—os. Brilhante, sua atuação!

Tão concentrado ele estava em sua tarefa e suas recriminações que nãoreparou na chegada de Thomas, até que seu amigo pigarreou. Então, com umpulo, virou em redondo para ele, que estava apoiado contra a porta da baia.Gelert observava a cena com interesse, embora o cão já escolhesse um leito napalha. Ultimamente, estava habituado a esse estábulo.

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— Está empenhado em fazer com que ela mude sua maneira de pensar?— perguntou Thomas.

— Não preciso recordá—lo que não sei cortejar as mulheres da nobreza— disse Rhys, enquanto reatava sua tarefa.

— Possivelmente convenha recordar que, enquanto não pronunciem osvotos, ela ainda pode rejeitá—lo. — Thomas sorriu ante a expressão alarmadado guerreiro. — Poderia tomar o hábito aqui, você bem sabe.

Essa perspectiva trouxe a Rhys uma nova centelha de receio. Não tinhaconsiderado essa possibilidade.

— Minha noiva jamais desposará a Cristo. Não combina com seutemperamento. – Mas ele não estava tão convencido. Na verdade, com seuintento de fuga a dama já tinha expressado seu desejo de evitar as bodas e aabadia era uma opção mais tentadora do que Kerr representava. Uma mão friase fechou em volta de seu coração, fazendo com que ele escovasse ao cavalocom renovado vigor. Era possível que Madeline fizesse algo assim? Rhys nãosabia e não ousava julgar.

— Não esteja tão seguro de seu jogo, velho amigo — aconselhouThomas, sem lhe oferecer o menor consolo. — As mulheres são caprichosas eimprevisíveis. À abadessa adoraria acrescentar à comunidade outra mulher danobreza — afirmou, e moveu afirmativamente a cabeça, com o qual aperspectiva soou perigosamente factível aos ouvidos de Rhys. — Nunca édemais aumentar o dinheiro das arcas e a influência dentro da corte.

— Pois então eu deveria revelar à abadessa que a família da senhora nãotem dinheiro nem influência. Isso não era de completamente certo, pois o clãKinfairlie dispunha agora da soma que ele tinha pagado pela mão de Madeline.

— Kinfairlie não tem dinheiro? Está louco? — Thomas deixou ouvir umleve assobio. — Mas se são parentes dos de Ravensmuir, que esta semanaleiloam um considerável tesouro de relíquias religiosas, não é assim?

— Assim é — ele reconheceu, entendendo a direção para a qual sedirigia a conversa. Thomas lhe arrancou amigavelmente a escova.

— Deixa um pouco de carne a essa besta, Rhys. — Agitou—a ante ele.— Sabe do que seria capaz sua tia por obter uma relíquia mais importante paranossa capela? O cavalheiro baixou para o chão do estábulo um olhar carrancudo.

— Não me atrevo a pensar.Sua tia tinha tomado os hábitos depois de enviuvar pela terceira vez.

Não só tinha sobrevivido a três maridos, mas também ao nascimento de onzefilhos e a uma guerra civil. Miriam sempre se dera bem com ele, mas nuncatinha tido que escolher entre seus próprios objetivos e os de seu sobrinho. Rhysnão duvidava de que, se soubesse que Caerwyn estava em jogo, burlariaalegremente seus desejos em altares de suas próprias ambições.

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— Aconselhá—lo— ia que pense bem e depressa, se não quiser que suanoiva seja trocada por uma falange —a avisou Thomas. Depois ergueu asmãos. — Como lhe ocorreu trazê—la aqui? Deveria passar ao longe. MasMadeline estava assustada e seu palafrém, ferido. Rhys sabia que elanecessitava consolo e um lugar onde repor—se da dura prova sofrida. Nãotinha pensado mais à frente. Não era habitual nele subestimar uma ameaçacomo a que apresentava a abadia para uma mulher que não desejasse casar— se. Rhys arquejou e se dedicou a passear ao longo do estábulo; sequer para simesmo devia admitir que, em sua mente, as necessidades de Madelinepareciam ter apagado qualquer outro detalhe. Na verdade ela não era a únicaque precisava recuperar—se depois do ataque de Kerr.

— Sua tia dirigirá a esta senhorita a seu desejo — insistiu Thomas. — Se na verdade deseja se casar com ela, sua chegada aqui não terá bom fim.Rhys sabia bem.

— Talvez convenha que eu também saúde a abadessa — disse. Seu tomrevelava muito pouco entusiasmo.

— Desde que ela lhe permita entrar em seus aposentos. Rhys levantou avista, zangado pela perspectiva.

— Não me deterá. Hoje não.— Esse é o espírito que necessita! — Thomas, com um grande sorriso,

escovou—lhe o colete, tal como um escudeiro que prepara seu senhor para ocombate. Rhys não pôde senão reparar no exagerado regozijo do monge;parecia prever que Rhys perderia essa batalha. — Necessita um escudeiro,homem; parece um rufião — repreendeu.

— Os escudeiros falam muito. Quero reserva para meus segredos.— Possivelmente tenha razão, mas eu o aconselho a não continuar

ocultando seus desejos de sua noiva. Às mulheres gostam das confissões doces,Rhys. Neste caso o beneficiaria revelar algo assim. Rhys, carrancudo, afastou avista.

— Que um monge me diga como cortejar a uma mulher! Thomasconcordou, rindo:

— Não nasci monge. Você sabe melhor que ninguém.— É certo. Tomou os hábitos para evitar as reclamações de todos seus

filhos bastardos. Thomas voltou a rir, embora o comentário de Rhys não caíssemuito longe da verdade.

— Quando se propõe a isso, Rhys, sabe mostrar certo encanto viril — insistiu. — Se tanto te interessa casar com esta mulher, poderia utilizar umpouco. Para burlar as ambições de nossa abadessa necessitará o apoio da dama.Isso era muito certo.

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— Conte uma história de amores redimidos. Ou burlados e reclamados.Dá—se melhor com os contos que com os elogios. Isso também era verdade.Mas Rhys sabia que não havia amores entre ele e Madeline. Tinha compradosua mão e isso era tudo. Se confessasse sentimentos ternos não acreditaria nele.Não era tola. Por desgraça sua tia Miriam tinha uma vista muito aguda; elatambém repararia nessa falta de afeto. Baixou a vista, carrancudo, sem saber oque dizer em defesa própria.

— Fale de Caerwyn — insinuou Thomas para ajudá—lo.— Mulheresgostam de conhecer as intenções do homem.

Caerwyn! Se Miriam adivinhasse a verdade, e se Madeline fosserealmente filha de sua prima e, por fim, a possível herdeira do imóvel por direito próprio, não seria uma simples falange de santo o que estaria em jogo.Miriam podia exigir a doação de Caerwyn; então Rhys perderia o castelo prasempre. A possibilidade congelou seu sangue. Lançou um pau e, com os dedosenredados no cabelo partiu para o quarto da abadessa com nova decisão. Por Caerwyn, pronunciaria as palavras necessárias para que Madeline se casassecom ele. Já se arrumaria para achá—las.

Não se atrevia a fazer menos.

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Capítulo 7

O silêncio da abadia se fechou em volta de Madeline como um sudário.Tudo ali dentro tinha sido feito em diferentes matizes de branco; as paredesestavam caiadas; as monjas vestiam hábitos idênticos de linho sem tingir.Levavam o cabelo coberto de véus e o pescoço escondido atrás de uma touca;só lhes viam as mãos e o rosto, também pálidos. Da capela brotava um levecântico melódico que corria pelos tranquilos corredores; não soava festivo, masapagado e triste. Até a luz do sol, que entrava em diagonal pelas altas janelas,parecia clara como o leite. As campainhas da porta pareciam fora de lugar.Madeline se perguntou se o responsável por sua presença seria Thomas.

Enquanto seguia a uma monja rumo a um pequeno quarto onde poderiarefrescar—se, a jovem teve a espectral sensação de que caminhava entre osmortos. Na verdade essas mulheres tinham morrido para suas famílias e para omundo que se estendia além desses muros. Tinham ingressado no serviçodivino para aproximar—se de Deus, isoladas das múltiplas distrações da vidamundana. Ao entrar do pátio pela primeira vez, a serenidade do lugar tinhaacalmado o aborrecimento que lhe provocava Rhys. Mas depois de lavar obarro e recortá—las unhas, uma vez que teve penteado e trancado suacabeleira, o silêncio começou a chateá—la.

Madeline estava habituada ao caos mal contido de Kinfairlie e aovolume de sete irmãos buliçosos. O silêncio era suspeito, pois significava que

alguém podia estar planejando uma brincadeira pesada contra ela. Assim tinhasido sempre em Kinfairlie, a ausência de ruído anunciava a necessidade deandar com cautela. Em qualquer momento Malcolm podia saltar de algumesconderijo para fazê—la gritar de surpresa. Ou Ross correria a suas costas,enquanto ela se vestia, para lhe colocar algum animalzinho rastejante pelacamisa. Depois de passar apressadamente a saia sem tingir pela cabeça,Madeline deu uma olhada por cima do ombro. Mas Ross não estava ali.

A mansa monja que obviamente agia como sua acompanhante mantinhao olhar perdido no espaço, sem mostrar curiosidade alguma por Madeline nempor suas atitudes. Assim, plantada na porta, bem teria podido ser um cadáver.Voltou—lhe as costas. Alexander sempre tinha planejado balbúrdias maiscomplexas, como naquela ocasião em que, depois de lançar fumaça para oquarto que compartilhavam suas irmãs, tinha gritado: - Fogo!—. Madelinesorriu ao imaginar o espetáculo: as cinco em camisa, correndo para o caminhode ronda, a grito alto. A travessura tinha encantado aos escudeiros e oscavalariços de Kinfairlie; Alexander, por sua parte, estava muito contraídopelas gargalhadas para apreciar de todo o que tinha feito. Isso foi até que seupai se inteirou do fato. Então passou a semana seguinte sentando—se commuita prudência.

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— Bom dia. Saúdo—a e agradeço sua hospitalidade de hoje— disse,entrando no quarto.— Sou Madeline Lammergeier de Kinfairlie. Sem dúvidajá esta inteirada de minha presença aqui. O sorriso da abadessa não foiimediato. Em realidade, parecia estar avaliando a visitante sem dar—se pressa.

— Ouvi o relato, é claro — disse ao fim. E ficou de pé com a graça deuma duquesa, disparando um olhar breve para a jovem monja.— Nada mais,irmã Theresa. Recomendo—lhe retornar a suas orações. A monja se afastoucom um sussurro de sapatilhas de couro contra o chão de pedra; logo essemaldito silêncio voltou a assaltar os ouvidos de Madeline.

A abadessa inspecionou a sua visitante com um olhar tão ardiloso queMadeline se perguntou se haveria alguma notícia que não lhe chegasse. Osângulos esbeltos de sua silhueta eram evidentes pese ao corte pleno de seushábitos e a touca que lhe emoldurava o rosto. Seus olhos eram de um azuldesbotado, embora esse olhar ávido parecesse não perder nem o detalhe maiscorriqueiro. Não seria conveniente tê—la como inimiga.

— Esta longe de Kinfairlie, filha – disse a abadessa, enquanto cruzava asal com a serenidade de um gato espreitando a presa. Deteve—se anteMadeline, o olhar parecendo ainda mais incisivo pela curta distância.

— Sim, tem razão. – a moça conteve o impulso de piscar, mas deu umpulo quando a outra afastou bruscamente o tecido que cobria seu pescoço.

— Rhys FitzHenry fez isso? – perguntou à Madeline, deslizando umdedo pela pele cuja ardência indicava a presença de um machucado.

— Pelo contrário. Fui atacada por um bandido. — Madeline estavasegura de que, ao falar com essa mulher, era preferível pecar por menos quepor mais — Sobrevivi ao ataque desse vilão apenas porque Rhys FitzHenry omatou.

A abadessa não se mostrou absolutamente surpreendida por essedetalhe, embora arqueasse uma sobrancelha prateada.

— E o preço dessa intervenção é o matrimônio?Madeline sentiu—se ruborizar.

— Não. Já estávamos comprometidos.— É estranho que eu não me inteirasse.— É que nos comprometemos apenas ontem.Um leve sorriso de triunfo tocou os lábios da religiosa; logo se virou e

foi para o outro lado do quarto.— Não obstante, esta mesma manhã estava longe de Kinfairlie, sozinha

ou indefesa, já que um bandido pôde colocar sua vida em perigo. – Contemplou—a por cima do ombro, com olhos cintilantes. — O Rhys que euconheço dedica mais cuidado ao que valoriza.

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O rosto de Madeline ardeu ainda mais, pois não sabia mentir.— Não acredito que os detalhes de minhas desventuras tenham

importância.A abadessa a estudou por um momento; depois, com um gesto, indicou

—lhe que tomasse assento. Deslizou os dedos pela superfície da mesa, falandocom tanta lentidão que sua pergunta não podia menos que ser importante.

— Conhece bem o Rhys?— Não, absolutamente.— Madeline sorriu cortesmente.— Mas isso é

bastante normal entre donzelas comprometidas.A mulher inclinou a cabeça em sinal de assentimento.— Sim, certamente. Eu, em troca, conheço Rhys bastante bem, já que

ele é meu sobrinho. Estranho que tenha decidido casar—se com tanta...

impaciência. Segundo minha experiência, ele é daqueles que estudam cadapasso com muita atenção.— Mesmo assim, não disse nenhuma falsidade sobre nosso

compromisso. — A abadessa a observava, mas ela, resolutamente, não dissenada mais.

— Murmura—se que em Ravensmuir houve ontem um leilão estranho.As pessoas desse clã não são aparentadas com a família Kinfairlie?

— Olorde de Ravensmuir é meu tio. A superiora assentiu.— O mesmolorde que permitiu leiloar a mão de uma de suas sobrinhas.

O mesmo cuja sobrinha, sentada diante mim, afirma que não conhecia ohomem com quem a comprometeram abruptamente em matrimônio.

Madeline calou—se, pois não podia adivinhar as intenções dessamulher. Só sabia que não confiava nela. A abadessa pareceu divertida por suaresposta, ou melhor, seu silêncio.

— Pode guardar seus segredos, filha, mas lhe farei uma aposta.— Apoiou as mãos na mesa, os olhos brilhantes.— Sem dúvida sabe que esta noúnico lugar onde poderiam acolhê—la ao sagrado. Não acredito que queiradesposar um desconhecido, muito menos se estiver acusado de traição pelopróprio Rei.— aproximou—se um pouco mais, com os olhos resplandecentes.— Se expressar sua vontade de se incorporar a esta abadia, não terá que trocar votos com Rhys FitzHenry. Escolha ser esposa de Cristo, Madeline, em vez deesposa de um guerreiro, e salve sua alma imortal.

A perspectiva de ficar sob a autoridade dessa mulher não pareciatentadora, mas Madeline não achou imediatamente uma maneira diplomáticade rechaçá—la. Pelo contrário, maravilhou—a notar que a abadessa lheinspirava mais medo que Rhys.

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— Tia Miriam, não é descortesia de sua parte que tente dissuadir aminha prometida de casar—se comigo?— Madeline virou—se. Ao ver Rhysapoiado contra a porta o coração lhe deu um salto de estranho júbilo. Ele tinhaos olhos mais escuros que antes e parecia de mau humor. Nesse santuário, entreas paredes brancas e o tecido sem tingir, parecia maior, mais moreno eperigoso. Tinha os braços na cintura e sua expressão era formidável. Madelinesentiu o súbito impulso de saborear outro de seus exigentes beijos. Mas não erasó pela cor de seu traje, nem sequer por seu sexo, que parecia tão deslocado ali.Sua mera presença rompia a tranquilidade presente. Levava consigo umabaforada do mundo exterior, de guerra, morte e paixão, que vivificava o quartomais que a música serena e os raios de sol. Madeline compreendeu que por issoacolhia de tão bom grado sua presença. Ao recordar seu pedido de filhosvarões soube que não se conformaria com um ou dois, o lar de Rhys estariacheio do mesmo bulício ao que ela estava habituada.

Nesse momento teve a certeza de qual devia ser sua decisão. Nãoconseguia imaginar destino pior que passar o resto de seus dias e noitesencerrada entre esses muros. Preferia viver cada momento em plenitude,embora isso significasse aceitar a incerteza, antes que passar sua existência emuma reclusão tão serena. Se entregasse sua mão a Rhys FitzHenry, tinhacerteza de gozar de aventuras e paixão em abundância, assim como do amparode um homem formidável. Talvez a ideia de Vivienne não fosse tãodescabelada, talvez pudesse limpar o nome de seu marido. Pelo que tinha vistode Rhys, não podia acreditar que ele tivesse traído o seu senhor, pois para elenão havia delito pior que a deslealdade. A abadessa sorriu por um instante.

— Não deveria se sentir tão à vontade para entrar em meu quarto,sobrinho. Consenti—lhe muito neste lugar.

— Pois neste momento teria entrado, com sua indulgência ou sem ela.Minha noiva e seu bem—estar têm para mim mais importância que qualquer condenação sua.— Rhys sorriu para Madeline; esse simples gesto acelerou opulso da jovem.— Como esta, minha bela dama? Mais calma dosacontecimentos desta manhã? Ao vê—lo subitamente tão cortês e encantador Madeline não soube o que dizer.

— Mas você se sente bem? — sussurrou.Ele riu entre dentes e pegou—a pela mão para beijar seus dedos.— Agora melhor, pois tornei a vê—la.Quem era esse homem? Alguém lhe teria dado um golpe na cabeça? Ele

a fitou por cima de sua mão. Madeline o fitou com o sobrecenho franzido. Por que ele não dizia, simplesmente, qual era o problema? Estreitou—lhe os dedose apertou os lábios com possível desgosto.

— É tão custoso acreditar que eu tenha sentido falta do seu sorriso,durante sua ausência?

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Madeline entreabriu os lábios para confessar que sim, mas nessemomento notou que a abadessa observava o diálogo com marcante interesse.Então apoiou uma mão sobre a de Rhys e sorriu.

— Só me surpreende que faça confissões tão doces na presença de outra

pessoa. Rhys ergueu as costas e a atraiu para si. Ela ficou virtualmente nocírculo de seus braços, embora só segurasse sua mão.

— Eu adoro que seja tão tímida. Entretanto, nosso afeto não poderá ser sempre um assunto privado entre você e eu.— Acariciou—lhe a mão com aponta dos dedos.— Uma vez que estejamos casados todos quererão presenciar nosso gozo ante a mútua companhia.

E se inclinou para lhe roçar inexplicavelmente a fronte com os lábios.Madeline não sabia o que dizer ou fazer, tal era sua surpresa ante essa atitudecortesã. A abadessa lhe falou em tom firme embora seu olhar não se afastassede seu sobrinho.

— Não permita que Rhys a obrigue a uma aliança que não deseja filha.Já fugiu dele uma vez e agora têm refúgio aqui. Não nego que seja convincentenem que, como todos os homens, tenha seu atrativo.— Depois examinou amoça. — Mas a tentação terrestre e suas satisfações são fugazes. E eu seidefender quem está sob meu cuidado com tanta determinação quanto qualquer homem. Escolha o hábito, e eu a defenderei até mesmo de meu sobrinho.

— E fará tudo isso pela mais ínfima das relíquias de Ravensmuir, como

recompensa — acrescentou Rhys em voz baixa. Tinha entrecerrado os olhosem sua habitual atitude cética, mas não soltava a mão de Madeline.Os olhos da religiosa relampejaram. — Não ponha preço à boa vontade!

– afirmou.— Embora ela o tenha?As narinas da religiosa se dilataram.Madeline interferiu com cautela: — Não seria a primeira a me oferecer

algum favor em troca de uma relíquia de Ravensmuir. Mas deve saber que não

tenho acesso a esses tesouros.A abadessa grunhiu, respondendo: — Mas sem dúvida poderiaconvencer seu tio a fazer uma doação pelo bem de sua alma imortal.

— E o sustento da superiora desta abadia por toda a vida— acrescentouRhys, irônico.

— O que faz meu tio com sua herança é decisão dele, não minha.— Bem dito, senhora.A abadessa, corada, perdeu os estribos: — Continua tão impertinente

como sempre, Rhys! Faça o favor de abandonar esta abadia!

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— Irei pela manhã — replicou ele, com serenidade.— Depois de trocar os votos nupciais com minha noiva e consumar nossa união.

— Pois não será dentro das paredes desta abadia!— Há um sacerdote e uma capela; é só o que necessito.A religiosa agitou um dedo para ele: — É um patife que vive metido em

problemas, busque—os ou não. Levará esta mulher à desgraça; bem sei.Rhys meneou a cabeça, sem afligir—se pela condenação.— Esquece tia, que conheço seu costume de reservar as palavras mais

duras para aqueles que se opõem à sua vontade.— Dedicou à Madeline umolhar penetrante, avisando—a:— Prepare—se para uma inundação devocábulos cruéis, minha senhora, assim que declinar seu oferecimento.

— Nenhuma mulher em seu são julgamento declinaria isso! — A

superiora moveu violentamente a mão.— O que pode oferecer a uma mulher,Rhys? Uma vida junto a um homem sem moradia, açoitado pelo próprio rei?— Caerwyn — corrigiu Rhys com suavidade, estreitando de novo a mão

da jovem. Pronunciou esse nome com a reverência de uma bênção.— Minhaesposa será a senhora de Caerwyn, pois eu sou o senhor.

— Caerwyn? Pode sonhar o quanto quiser a fortaleza não é sua! — Eleparecia esculpido em pedra. Falou com serena firmeza, embora em olhossaltassem fogo. — Claro que é. E por isso tenho necessidade de uma esposa. Epor isso escolhi uma.

— Não tem por que aceitar isto— disse a abadessa a Madeline, furiosa.— Não tem por que acreditar nesse conto fantástico. Escolhe filha! Escolheentre o pecado ou o hábito!

Mas as palavras de Rhys tinham brindado a Madeline uma ideia sobrecomo podia ter sido declarado traidor pelo rei da Inglaterra, sempre faminto deterras.

— Essa propriedade é realmente sua? — perguntou. Ele assentiu.— Segundo a lei e os costumes de Gales, ficará totalmente em minhas

mãos depois de nossas núpcias.A abadessa enrugou o sobrecenho, em atitude mais atenta. — Mas se...Madeline a interrompeu com firmeza, pois não confiava no que ela

pudesse dizer. Compreendia a opção que tinha ante si e compreendia que, naverdade, não havia opção alguma. Não estava em seu caráter retirar—se domundo para converter—se em esposa de Cristo. Não poderia retornar aKinfairlie, pois durante esse dia tinha estado a sós tanto com Kerr quanto comRhys. Os rumores que isso geraria destruiriam sua reputação e não poderiacasar com um homem que ela mesma escolhesse.

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Rhys tinha pagado por sua mão e demonstrado sua intenção de defendê—la. Tinha um lar e um título. Julgá—la—ia não por sua reputação suja, maspor seus atos.

— Farei um trato com você, Rhys. — Ele inclinou a cabeça.

— Diga.— Disse que só necessita filhos varões.— Madeline sentia o potente

olhar da abadessa, que ia do um à outra.— Entre nós deve haver mais que isso.Ofereço—lhes minha lealdade em troca de sua franqueza. Ocorra o que ocorra,Rhys, jamais trairei sua confiança. Em troca só lhe peço que não me ocultesegredos.

— E quanto aos filhos varões?Ela assentiu, seca a boca. — Tantos quantos Deus tenha a bondade de

nos enviar.O sorriso de Rhys foi tão resplandecente que a fez piscar.— Eis aqui um

trato que nenhum homem poderia rechaçar. — Antes que ela pudesse dizer algo, segurou—lhe a nuca com a mão e se inclinou para beijá—la, tão a fundoque a deixou enjoada.

Seu beijo provocava e tentava, incitando—a a participar. Madelinefechou os olhos e entregou—se ao contato, mesmo questionando se a paixãodele se devia ao alívio ou ao desejo de tranquilizá—la com respeito à noite debodas.

Na verdade não importava. Quando Rhys ergueu a cabeça, a religiosaemitiu uma exclamação de desgosto. Madeline não podia afastar o olhar dele,nem inspirar fundo. Os olhos de seu noivo cintilavam de satisfação e humor;seu sorriso levantava a comissura dos firmes lábios.

— Chame o sacerdote, tia — disse Rhys, com decisão.— Não fará isso em minha abadia!— Claro que o farei.— Jogou—lhe um olhar sombrio.— Nem

perguntas nem suspeitas, tia. Nosso matrimônio se consumará esta mesmanoite, com sua bênção, e você será testemunha do sinal deixado nos lençóis.

Ao vê—lo tão decidido, Madeline se perguntou por que interessavatanto que a aliança não pudesse ser anulada. Algo tinha mudado Miriam nãotinha dúvidas. Antes de retirar—se para o convento, tinha visto do mundo osuficiente para saber que homens como o sobrinho não alteravam subitamenteseus planos. Há quinze dias, Rhys não tinha intenções de casar—se. Não tinhasentido que agora expressasse um desejo tão forte por essa noiva. Emborativesse comprado sua mão num leilão, Miriam não entendia o que o tinhaimpulsionado a fazê—lo. Madeline era uma beleza, sem dúvida, mas Rhys nãoera dos que se deixam levar por um sorriso bonito... e não conhecia tão bem amulher para estar seguro de seu caráter.

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E quanto a Caerwyn? Se quinze dias atrás fosse seguramente oproprietário dessa propriedade, sem dúvida teria grasnado seu triunfo do altodos telhados. Ela sabia o muito que ele desejava tê—la, e quantas vezes se virafrustrado em seus esforços de assegurar—se disso. O que poderia ter mudadonaqueles dias perto da fronteira escocesa? O que tinha estado procurando? E oque tinha achado?

Ao quebra—cabeças faltava uma peça. Miriam gostava de entender como encaixavam as coisas, por que as pessoas tomavam as decisões quetomavam. Dizia—se que precisava sabê—lo para guiar melhor a suas pupilas,mas a verdade era que as fofocas eram as únicas coisas que sentia falta domundo mortal. Contemplava o pôr— do— sol, tamborilando com os dedoscontra o parapeito da janela. A cerimônia de bodas tinha sido muito simples: ointercâmbio de votos mais nu que se podia oferecer a esse casal. Isso não tinhadissuadido a nenhum dos dois; claro que Miriam tampouco o esperava.

Eram teimosos, esses dois. Meneou a cabeça ao recordar a atitude francada moça. Teria sido má monja. Talvez ela e Rhys se merecessem mutuamente.

Era possível que Rhys se apaixonasse assim, abruptamente, como osloucos dos quais falavam as canções dos trovadores? Miriam, que o conheciacomo sério guerreiro, não conseguia imaginar semelhante coisa. Tamboriloucom os dedos outra vez, segura de que lhe escapava algum detalhe, que podialhe dar uma pista. Sem dúvida Thomas sabia mais do que lhe tinha confessado,mas esse monge ardiloso era difícil de interrogar. Incitava—a com seu maior conhecimento, mas ao fim de contas não lhe soltava nenhuma migalha de

informação. De repente deteve os dedos. O que havia trazido seu sobrinho aoconvento, quinze dias atrás? Tinha dado refúgio a ele esperando obter notícias,mas Rhys estava em uma espécie de missão e calava os detalhes, tal como eracaracterístico nele.

Rhys e Thomas eram dois pássaros da mesma pena, sem dúvida alguma.Mas a irmã de Miriam estaria inteirada. Ou a podia incitar a desenterrar averdade. Entre ambas as irmãs não havia laços muito fortes além dos vínculosde sangue, pois a diferença de idades entre ambas era muito notável, mascompartilhavam a curiosidade pelos assuntos alheios. Adele concordaria emarrancar a verdade de Rhys, de um modo ou outro, se não o tivesse feito ainda.Miriam sorriu, prevendo que sua irmã provavelmente ignorava o casamento deseu filho como podia saber? e que seria ela quem lhe ofereceria essa deliciosainformação. Não seria de mais, por certo, deixar a sua irmã em dívida emquestões de informação compartilhada.

Depois de escolher uma folha de pergaminho relativamente sem usar,afundou a pena no tinteiro e começou a escrever uma missiva a sua irmã. Se omensageiro partisse ao amanhecer logo, muito em breve saberia a verdade. Asreservas de encanto que Rhys podia possuir se esgotaram, obviamente, duranteessa entrevista em presença de sua tia. O intercâmbio de votos nupciais foi

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muito rápido e superficial; o sacerdote estava distraído; Rhys temia queMadeline estivesse muito desencantada com os ritos que lhes tinham brindado.

Agora Rhys estava de pé no quarto que lhes tinha sido atribuído; pareciaincrível que ela realmente tivesse aceitado ser sua esposa e se sentia muito

inseguro sobre como proceder. Sabia o que devia acontecer, naturalmente, ecomo efetuar sua parte, mas nunca antes se deitara com uma virgem.Tampouco tinha dado tanta importância à relação com uma mulher. Madelineainda podia rechaçá—lo. Podia sentir repugnância por suas amostras de afetoou seu contato.

Podia mostrar—se temerosa ou frígida. Podia achá—lo rude edesagradável, mal educado ou tosco. Esse encontro amoroso podia acabar muito mal.

Sua própria necessidade de que tudo partisse bem ajudava muito pouco

a acalmar seu nervosismo. Quanto ela saberia destes assuntos? O que lheteriam dito? Observou—a enquanto ela acendia as velas; o aprumo com que elaagia lhe parecia difícil de interpretar. Pareceu—lhe que levava a chama de umavela a seguinte com desnecessário cuidado; talvez ela também vacilasse.Depois de acender todas as velas do quarto, Madeline apagou com idênticaminúcia a isca que tinha empregado na tarefa. Apagou a chama, mergulhou opavio em um balde de água e depois o afundou na areia. Por fim percorreu oquarto com a vista, como se procurasse alguma outra tarefa que realizar, masnão havia ali quase nada.

Só então se voltou para Rhys, pois não tinha alternativa. Cruzou as mãosdiante do corpo, mas não antes que ele as visse tremer. Depois pareceu inspirar muito fundo antes de lhe oferecer um débil sorriso. Então Rhys soube o quedevia fazer. Começou por dar um olhar decidido ao conteúdo desse quartocaiado, esperando que sua atitude fosse como a de um homem completamentetranquilo. Só havia um estreito catre no chão, as velas e, pendendo da parede,um Cristo crucificado esculpido em madeira. O artista havia posto supremointeresse nos detalhes mais horripilantes; sem dúvida sua tia tinha escolhidoesse quarto com toda deliberação, pensando no crucifixo. Mas ele não sedeixaria intimidar por um ardil tão claro. Meneou a cabeça, fingindo estranhar.

— Nunca imaginei que me casaria em uma abadia. Madeline riu, massua alegria foi de pouca duração.— Tampouco eu — disse, alongando os olhos ao olhá—lo. Logo

engoliu a saliva visivelmente e fez virar o simples anel de prata que tãorecentemente tinha passado do dedo de Rhys ao seu. Era como se esse novopeso a assediasse, como se só agora essa carga imposta a seu dedo recordasse aque a comprometia seu juramento.

Rhys sentiu então um impulso protetor por sua flamejante esposa eredobrou seu propósito de fazer com que essa noite fosse prazenteira para ela.Cruzou o quarto para deter—se ante o crucifixo.

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— Para falar a verdade, isto de ter público me faz sentir como seestivesse pecando na igreja. – Fitou Madeline em busca de aprovação.— Estápendurado por um prego, minha senhora. Se compartilhar minha maneira depensar poderíamos pô—lo por um momento no batente. Ela se apressou aassentir.

— Sim, preferiria isso.— Enquanto Rhys retirava a escultura da paredeela fez o sinal da cruz; pareceu exalar um suspiro de alívio ao vê—lo posto aum lado.— Sei que têm direito a fazer esta noite sua vontade, Rhys, mas...

Ele cruzou o quarto, notando que a respiração da jovem se acelerava aocortar a distância, e lhe pôs um dedo contra os lábios para sossegá—la.

— Esta noite meu direito importa menos que meu dever.Madeline o encarou com ar intrigado e disse: — Não compreendo.— Um homem tem muitos deveres para com sua desposada; o mais

importante não está escrito nas leis de nenhum país.— Qual é?Rhys pegou o extremo de sua trança e se concentrou plenamente em

desatar o nó que a segurava.

— Nesta, a noite de todas as noites, devo—lhe o prazer do leito. Postoque nós não compartilhemos outra noite de núpcias, esta deixará lembranças.— Fitou—a nos olhos.— E quero que sejam lembranças gratas.

— Também eu.Ele passou os dedos por entre a seda escura de sua cabeleira, encantado

ao ver que se curvava em torno de seus dedos como brincos de uma vinhapossessiva. Depois a espalhou com cuidado sobre os ombros. Ela pareciaconter a respiração. Para tranquilizá—la disse em voz baixa e serena:

— O que sabe deste ato, minha senhora? Não quero surpreendê—la.— Bem pouco — ele admitiu, encolhendo os ombros — além dos

relatos lascivos que se ouvem nas cozinhas. Também vi aos cavalos, é claro.

Rhys desfez o resto do trançado sob sua nuca e lhe deu um beijodebaixo da orelha. Ela conteve o fôlego, mas não se afastou. Em uma suavecarícia, lhe deslizou a ponta de um dedo pelo pescoço; depois se dedicou aoslaços que fechavam os lados da saia.

— Disseram—me que na primeira vez há dor — acrescentou Madelinede repente. Rhys assentiu.

— O mesmo ouvi.— depois de desatar o cordão o extraiu das casas;enquanto isso pensava em como proceder. Não podia comprometer—se a parar se fizesse dano; essa noite não.— Temos que fazer o possível para que nãoseja assim — disse, enquanto retirava o segundo cordão. Agora a saia pendia

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aberta pelos lados. Ele deslizou as mãos por debaixo, a tirou pela cabeça e adeixou cair a um lado.

A tosca roupa, embora um pouco entalhada, não lhe tinha feito a menor justiça. Sob o fio fino da camisa se distinguiam umas curvas que o deixaram

sem fala. Era alta, essa sua esposa, e estava forjada com esbelta força. Tinha osseios plenos e os mamilos escuros, audazmente eretos sob o tecido de linho.— É formosa — sussurrou, percebendo a admiração sobressaltada em

sua própria voz. Encerrou um dos seios com a mão; o fio era uma molestabarreira para chegar a sua carne. Depois de afrouxar o laço que rodeava a golado traje, afastou—a a um lado. Madeline levava algo pendurado no pescoço,dentro de um saquinho de veludo, e ele não se atreveu a tirar—lhe Quem sabiao que podia ser... Em troca deslizou a mão sob a camisa, onde achou umasuavidade incrível.

— Como uma pétala de rosa — murmurou, enquanto se inclinava paralhe beijar o mamilo. Madeline conteve o fôlego. Ele procedeu com suavedecisão até que ela relaxou com um suspiro e o aferrou pelo cabelo. Rhys seconteve com esforço e apoiou a fronte no ombro da jovem.

— Não quero apressá—la. Não quero que me compare com Kerr — disse, com voz rouca.

— Duvido que possa — sussurrou ela. Ele levantou a vista e viu estrelasem seus olhos. — É tão suave, Rhys...– acrescentou, sorrindo— Você nãoexige, pede. E nisso há uma grande diferença.

Compartilharam um sorriso que esquentou o sangue ao guerreiro.Decidiu então que continuaria pedindo, que pediria durante toda a noite, se elapermitisse. Agachou—se para beijar o outro mamilo; gostava muito que elacontivesse assim o fôlego, como se pega de surpresa pelo prazer que isso lhedava. Ela arqueou as costas com um gemido suave. Isso, e a dureza do mamilo,indicaram a Rhys que ela estava contente.

Madeline sussurrou seu nome, coisa que ele interpretou como umconvite a estender uma réstia de lentos beijos no pescoço, rodeando a orelha,tomando—se mil anos para chegar a seus lábios. Madeline, com umaexclamação abafada, começou a esfregar os seios contra ele. Agradou—lhe queela enredasse os dedos em seu cabelo, com esses pequenos gemidos de prazer...Deslizou o polegar sobre o pulso palpitante de sua garganta e a estreitou comforça.

Quando ao fim capturou—lhe os lábios, ela abriu imediatamente a boca.Rhys ficou encantado e atônito ao sentir que sua língua tocava a dele, vacilantea princípio, depois mais e mais exigente. Com os dedos enredados em seucabelo, atraiu—o mais para ela. Isso o perdeu. A participação voluntária deMadeline, sua doce suavidade somada à paixão, acabaram com seuautodomínio. Desaparecida sua intenção de agir com cautela, estreitou—a com

força contra seu peito. Madeline respondeu às carícias com beijos tão ferventes

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quanto os dele. Rhys segurou as nádegas femininas e atraiu seu calor contraseu corpo, erguendo—a um pouco para fazê—la sentir o efeito que estavacausando nele.

Madeline interrompeu o beijo repentinamente, e Rhys, envergonhado,

percebeu que tinha estado próximo de possuí—la subitamente. Não obstante,ela não parecia desgostosa. Tinha as faces avermelhadas, os olhos faiscantes eo fôlego acelerado.

— Não sabia que os beijos pudessem dar tanto prazer.— E não viu mais que a metade. Ele voltou a depositá—la sobre os pés

e inspirou fundo. Madeline lhe cravou um dedo brincalhão no colete de couro.— E ainda não vi nada de você, senhor. Pensa compartilhar meu leito

com uma armadura?— Isso é um convite? Ela levantou o queixo com admirável espírito.— Sinto curiosidade, Rhys, e estamos bem casados. Não quer saciar

minha curiosidade?A proposta de seus olhos de safira era algo que não teria rechaçado

nenhum homem que tivesse sangue nas veias, e Rhys FitzHenry o tinha.

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Capítulo 8

Rhys se despiu com ímpia pressa, sem deixar de olhar Madeline nosolhos. Tomara que ela não mudasse de opinião. Tirou o cinturão e depositoucuidadosamente a espada no chão; logo desatou o colete e o fez a um lado. Asfaces de Madeline se acendiam mais e mais com cada objeto descartado, masnão afastava a vista. Pelo contrário, observava—a com tal curiosidade que elese atreveu a confiar em que tudo sairia bem. Tirou as botas altas, arrancou acamisa por cima da cabeça e depois a roupa interior, só se deixando as calças.Ela arqueou uma sobrancelha com súbita malícia.

— Parece—me que também terá que tirar isso.— Pois já é hora de que receba alguma ajuda. Ela ficou escarlate, mas

não se acovardou. Era o que Rhys esperava; com o coração quase arrebentandode orgulho, viu—a cortar a distância entre ambos e apoiar a mão no cordão desuas meias. Era intrépida, a noiva que havia desposado; enfrentava—se a seusmedos com uma coragem muito apreciável.

— Alguns não gostam das mulheres audazes — observou Madeline.— Alguns gostam das mulheres valentes.— Rhys lhe sorriu.— Me

conto entre estes últimos. Ela sorriu também, embora o rubor de suas faces nãodiminuísse.

— Nesse caso é possível que façamos bom casal, Rhys FitzHenry. Atéagora minha atitude franca costumava passar por defeito. Aproximou—se umpasso mais; ele conteve o fôlego ao vê—la agarrar o extremo de um laço. Semdeixar de olhá—lo nos olhos safiras violentas, os seus, puxou lentamente atéretirar os cordões. A ereção de Rhys afastou o grosso tecido de lã, tal era odesejo que lhe inspirava essa tentadora mulher. Ela olhou para baixo e acoragem pareceu abandoná—la.

— Não há por que precipitar—se. Com a ponta de um dedo suave, Rhyslhe enganchou o cabelo detrás da orelha.Madeline engoliu em seco e conseguiu sorrir;depois deslizou as mãos dentro das calças

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para deslizá—las quadris abaixo. O contato de seus dedos sobre a pele ergueuo calor que bulia na carne de Rhys até convertê—lo em chama furiosa. Chutouo objeto a um lado, impaciente, e se ergueu ante ela, nu, quase seguro de queperderiao domínio de si sob seu olhar.

Nesse momento temeu que ela fugisse, pois parecia lhe custar umgrande esforço manter—se firme. Ele se perguntou até onde teriam chegado àscoisas com Kerr, temendo que tivessem sido muito para ela. Mas sua senhoraergueu os ombros; seus olhos expressaram tal decisão que, sem dúvida, não erapreciso lhe explicar a importância desse ato.

— Escolho isto — disse com entusiasmo, olhando—a nos olhos.— Escolho a você, Rhys, como legítimo marido. Ele se sentiu orgulhoso, mas nãoteve oportunidade de dizer—lhe, pois a dama, contra tudo o que cabia esperar,tocou—a.

Rhys sentiu o sangue nos ouvidos de tão estupefato e excitado comoestava. Parecia haver—se convertido em pedra; não ousava mover—se por medo a assustá—la. Ela o explorou timidamente; depois, com mais audácia,lhe acariciou, provocando—a. Ele não sabia se ela tinha consciência damaneira em que o estava atormentando, mas se isso continuava acabaria por verter a semente em suas mãos.

— Madeline — disse, quase rugindo ao pronunciar seu nome.— Isto lhe dá prazer — observou ela, outra vez com aquele brilho

malicioso no olhar.— Terei que recordar. Rhys não pôde resistir mais.

— Com um pouco de sorte haverá muito que recordar de esta noite — disse, e pegou o extremo da fita que fechava o decote da camisa.Ela se estremeceu subitamente; não era tão audaz como parecia. O

cavalheiro diminuiu deliberadamente o passo e puxou o laço pouco a pouco.Madeline continha o fôlego, olhando—a com os olhos arregalados. O tempopareceu deter—se; nada existia além desse quarto, nada mais além do azuldesses olhos e a suave curva desses lábios. A fita se desatou suavemente e otraje ondulou ao descer pelos ombros de Madeline. Ela não procurou impedir sua descida; limitou—se a deixar que caíssem até lhe rodear os tornozelos emum atoleiro de gaze. Depois ergueu as costas, consciente de sua nudez e doolhar de Rhys, que não fazia nada por dissimular sua admiração.

— Formosa — sussurrou. E ao vê—la sorrir a estreitou contra si parabeijá—la, esperando que ela respondesse ao abraço; então aprofundou o beijo.Como lhe rodeou o pescoço com os braços e abriu a boca com um suavesuspiro, ergueu—a nos braços para depositá—la no catre, sem quebrar oabraço. Só então deslizou os dedos entre suas coxas; seu coração deu um saltoante o calor viscoso que achou ali. Acariciou—a, cativa sob seu beijo e seusdedos excitantes, que a levavam a uma maré de prazer. Madeline seguiu seuexemplo sem vacilar.

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Na verdade, o peito de Rhys estava oprimido ante a confiança que elademonstrava. Não passou muito tempo antes que Madeline se retorcesse,ofegando, e puxasse ele para cobrir—se pela metade com seu peso. Ele sentiuaqueles seios apertados contra seu peito, o pequeno saco de veludo apanhadoentre ambos, lhe acariciando a pele, e o calor da carne feminina no clímax quelhe arrancava desde muito fundo.

— Rhys!Vendo que abria as pernas um pouco mais, deslizou uma coxa entre as

suas. Ela começou a levantar os quadris e seu beijo se tornou mais frenético;por fim se convulsionou sob sua mão. Madeline deixou de beijá—lo para dar um grito capaz de despertar os mortos, enquanto lhe cravava as unhas nascostas. Tinha a cabeleira revolta contra os lençóis, os lábios inchados por seusbeijos e os olhos cheios de estrelas. Quando recuperou o fôlego o fitou comassombro, sussurrando seu nome com respeito sobressaltado. Havia lágrimasem suas faces; ele as enxugou com o polegar.

— Não me doeu – ela pôde dizer, ao final.— Ainda não acabamos.Rhys instalou seu peso entre as coxas de sua esposa e viu que seus olhos

se alongavam ao sentir aquilo quente contra sua brandura. Ele a acariciounovamente com o polegar até que seus ombros perderam a tensão. A moça,com um sorriso, inspirou profundamente.

— Ensine—me, Rhys. Esta noite quero aprender tudo.

O cavalheiro se moveu com cautela, contendo o desejo de afundar—senesse doce calor. Ao sentir sua penetração Madeline conteve o fôlego e ele sedeteve para acariciá—la outra vez. Embora quase explodisse pela necessidadede possuí—la, era consciente de que essa noite podia envenenar todas as outrasque compartilhassem. Lutou por dominar—se. Lutou por ser digno dessa doceconfiança. Com os olhos fechados, apoiou a testa no travesseiro, junto a ela, erecebeu de bom grado a carícia tranquilizadora de Madeline no dorso dopescoço. Depois deslizou um pouco mais dentro. Deu—lhe um beijo na orelha.

— Acaba o que começamos, Rhys — sussurrou, apoiando a outra mão

nas nádegas. Ele virou a cabeça, sabendo que por seu tamanho podia lesá—la,e lhe deu um beijo doce, em uma tentativa por expressar uma admiração quenão podia explicar com palavras. Depois engoliu a exclamação abafada deMadeline, levado por seu calor acolhedor e a doçura de seu beijo. E manteve opolegar entre ambos, provocando de novo a resposta da moça, até enquantoprocurava seu próprio alívio. Ela reagiu imediatamente, tal como Rhysesperava. Ele resolveu esperar que alcançasse de novo a culminação, atésabendo que o esforço podia matá—lo. Observou como crescia o prazer de suacompanheira, sentiu a aceleração de seu pulso. Vê—la tão excitada esteve aponto de perdê— lo.

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E quando ela gritou de novo se sentiu como um campeão. ApenasMadeline lhe apertou novamente os ombros, Rhys virtualmente explodiudentro dela, com o coração cheio de satisfação por havê—la feito sua esposapara toda a eternidade. Passou um momento antes que recordasse que, comesse ato, também tinha assegurado a soberania de Caerwyn. Madeline nuncatinha imaginado que se pudesse gozar de tanto prazer no leito. Doía um pouco,sem dúvida, mas o deleite que Rhys provocava com a ponta dos dedos o tinhafeito fácil de suportar. E ela esperava que no futuro não houvesse dor alguma.

Na verdade, essa relação lhe deixou uma esplêndida sensação decontentamento. Acariciou sorridente o cabelo escuro do marido, que dormitavacontra seu ombro, ainda meio em cima dela. A descarga o tinha esgotado issoera claro, mas Madeline não se incomodava. Era grato ter a oportunidade deobservá—lo; assim, adormecido, lhe era muito menos intimidante. Sem dúvidaalguma Rhys tinha uma textura mais formidável do que ela imaginava. Não era

só pela armadura pela que seu peito parecia tão largo, nem eram as botas asque lhe davam a estatura. Tinha a pele bronzeada e em alguns lugares cobertapor um escuro matagal de pelo encaracolado; sua força muscular eraconsiderável. Havia em sua carne cicatrizes, feridas de combate cicatrizadasmuito tempo atrás. Era vigoroso e viril.

E era seu legítimo marido. Mostrou—se terno com ela, apesar de seuevidente desejo, e tinha procurado com tanta diligência o prazer dela como opróprio. Embora a princípio ela temesse que a do Kerr fosse a única maneira,alegrava—se imensamente de ter tido a coragem de descobrir a verdade. Rhysnão se incomodava que ela fosse curiosa, que o tocasse por própria vontadenem que respondesse a sua paixão. Tampouco a tinha censurado naquelesmomentos em que a abandonou a coragem. Rhys não era James, é claro; jamaisteria suas maneiras gentis. Mas havia mérito nesse marido. Madeline observouseus próprios dedos, que se deslizavam por entre o cabelo escuro, e considerouque era um matrimônio bastante bem consertado.

Talvez nunca pudesse amar Rhys como tinha amado ao James; talvezele não a amasse nunca. Mas já experimentava certo afeto por esse maridoresmungão. Não era pouco que ele a apreciasse tal como era, que a defendessecom tanto vigor, que procurasse o mútuo prazer com tal entusiasmo. Até era

possível encontrar certo contentamento com esse guerreiro. A perspectiva lhealargou o sorriso, justo no momento em que Rhys abria os olhos. Ele aobservou por um momento com a mesma reverência que lhe tinha iluminado osolhos ao lhe tirar a saia. Logo seus lábios se curvaram ligeiramente.

— Esta satisfeita?Madeline assentiu com a cabeça, ruborizada. Ele se levantou sobre um

cotovelo, murmurando uma desculpa ao retirar seu peso dela. Ainda estavamuito perto. Agora, já acordado, parecia maior e mais quente. Ela nunca otinha visto tão desalinhado, com esse aspecto quase infantil. Mas não havia

nada infantil no lento sorriso que lhe acendia o olhar.

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Fazia—a vibrar com a lembrança do que acabavam de fazer.— E doeu?Madeline deu de ombros.

— Um pouquinho, mas o prazer bem valia a pena.— Tocou as marcasque suas unhas lhe tinham deixado nas costas.— E isto doeu?Rhys não dedicou às marcas a não ser um muito breve olhar; depois lhe

dedicou um sorriso tão malicioso que ela ficou sem respiração.— O prazer bem valia a pena — repetiu.Depois reclamou de novo os lábios da jovem. Beijou—a com lentidão,

lhe deslizando a ponta dos dedos pela pele. Isso reavivou seu ardor comassombrosa prontidão. Bastava um toque de Rhys para que o sangue deMadeline chegasse quase a ferver, uma carícia para que ansiasse sentir outra

vez sua força dentro dela. Em Ravensmuir seus beijos tinham meramenteanunciado o prazer que podia oferecer. Respondeu a seu abraço; gostava desentir contra a coxa como crescia sua ereção. Talvez ela também tivesse afaculdade de agradá—lo. Rhys interrompeu o beijo e se estendeu de costas,com as mãos cruzadas atrás do pescoço, para abster—se de tocá—la.

— Por esta noite lhe bastará uma vez, suponho— disse, em um tom tãomelancólico que ela pôs—se a rir.

Gostou de comprovar que já confiava no caráter de Rhys o suficientepara incitá—lo. Tocou sua ereção com a ponta de um dedo e a viu crescer com

a carícia.— Mas não para você... — lançou um olhar tão luxurioso que Madelinesentiu a boca seca.

— Suspeito que uma só vez com você jamais seja o bastante, anwylaf — disse arrastando as palavras, seus os olhos obscurecidos.

Ela supôs que esse vocábulo galês significava - esposa—, considerandoque soava parecido com o termo inglês para isso. Não lhe incomodou ouvi—lode seus lábios.

— Pois então esta minha carícia é uma crueldade— sussurrou. Rhys seencolheu de ombros; um lento sorriso voltou a apropriar—se de seus lábios.

— Talvez o prazer bem valha a pena.Madeline, rindo, apoiou—lhe uma mão no peito. Rhys se estendeu de

lado, de rosto a ela, e lhe apanhou uma mão. Seu polegar lhe cruzou a palmaem uma carícia morosa. Sorriu—lhe, com um contentamento que nunca tinhaesperado.

— É possível que já tenhamos gerado um filho — ele comentou.— Tão cedo?

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— É possível.— Ele desceu o olhar para as mãos entrelaçadas de ambose suas palavras se tornaram mais lentas.— Meu pai sempre dizia que os filhosvarões se formam com a paixão, enquanto que as filhas são fruto de umarelação obrigatória.

Madeline se sentiu ruborizar, pois na verdade se uniram essa noite compaixão.— Que ideia! Eu gostaria de pensar que não fui feita por dever, mas sim

por paixão.— Possivelmente ele o dizia só para me animar. Aquilo a desconcertou.— Por que devia animá—lo esse comentário?— Porque sou bastardo, mas filho varão. — Rhys lhe acariciou a face

com um dedo, como se ela fosse feita de fina seda. — Com sua esposa legítimameu pai só teve filhas. Madeline franziu o sobrecenho e pôs entre ambos umincremento de espaço. Essa confissão a afligia mais do que teria suposto.

—Seu pai tomou uma prostituta para assegurar—se de ter um filhovarão?

— Sim, com efeito. E obviamente lhe deu resultado.O fato de que ele respaldasse semelhante infidelidade, e, além disso,

com tanta calma, enfureceu a moça. Mesmo assim, rechaçar o calor e o contatode Rhys lhe era mais difícil do que ela teria querido. Vestiu a camisa commovimentos apressados e fez um esforço por ordenar suas ideias, muito

consciente do olhar perceptivo de seu marido.— O que acontece? — perguntou ele.Madeline pôs entre ambos toda a amplitude do quarto, enquanto refletia

sobre aquilo. Não queria que houvesse entre eles segredos nem temores, demaneira que virou bruscamente para olhá—lo no rosto.

— Quanto demoraria antes de procurar outra mulher que lhe dê os filhosvarões que deseja?

— A que se refere?

Madeline se ouviu elevar a voz.— Quanto tempo me concede para conjurar um filho varão, Rhys? Por

quanto tempo frequentará meu leito antes de tomar uma prostituta?Rhys se sentou na cama, com os braços cruzados contra o peito e os

olhos entrecerrados. Mas não lhe importou sua irritação.— Essa perspectiva a ofende.— Meus pais só procuraram prazer o um no outro durante toda sua vida

conjugal. Não espero menos de meu matrimônio, de qualquer maneira que seforjou. Rhys meneou a cabeça.

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Rhys deu um olhar revelador aos lençóis, onde se via a mancha rubi desua virgindade perdida.

— E quem a acolheria? — Perguntou como se experimentassecuriosidade por conhecer a resposta.— Seu irmão não me devolverá o

dinheiro. E depois desta noite não poderá achar outro marido para você. Podeestar certa de que não ocultarei o que aconteceu entre nós.Madeline o fulminou com o olhar, aborrecida pela verdade em suas

palavras. Em realidade, tremia de fúria.— Deveria recusá—lo em meu leito! — Nos olhos de Rhys viu—se um

brilho perigoso, mas mesmo assim ele respondeu com estudada calma. — Eassim conseguirá conceber um filho varão? Irá obrigar—me assim a não tomar outra mulher em minha cama? É muito inteligente para não perceber o enguiçode seu estratagema, minha senhora.

Tinha razão e Madeline sabia disso, embora o fato não a acalmasse. Nasegurança de tê—la encurralada, os olhos dele brilhavam. Ela teria dadoqualquer coisa para lhe demonstrar que se equivocava, mas como ele apoiava—se no decreto paterno sobre a paixão, qualquer relutância de sua parte oconvenceria de que não poderiam ter um filho varão.

Lançou um olhar furioso à prova do que tinham feito. Rhys dizia averdade com respeito à sua virgindade perdida. A única possibilidade aceitávelera ser esposa daquele FitzHenry. Erguida em toda sua estatura, falou com todaa frieza que pôde conjurar: — Felicito—o por sua astúcia, senhor. Assegurou—se de não me deixar outra opção a não ser a de fazer sua vontade. Mas seutriunfo será bem custoso.

— Não vejo custo algum em verificar que tudo entre nós seja como deveser.

— Ah! É um autêntico bárbaro! — exclamou a jovem— perdeu minhaboa vontade, que, deveria interessá—lo. Que tipo de cristão é, para jurar ser infiel a sua esposa na própria noite de núpcias?

Rhys apertou os lábios.— Um homem sincero, que necessita um filho varão.— Não me culpe por sua cruel confissão.— Não? — Pela primeira vez Rhys demonstrou aborrecimento. Cruzou

o quarto com um relampejo nos olhos, apontando—lhe um dedo— Vocêmesma pediu sinceridade, mas se queixa assim que sente o sabor da verdade— passou uma mão pelo cabelo, fulminando—a com o olhar — Seria preferívelque mentisse sobre minhas intenções? Que a enganasse?

— Preferia que fosse fiel!Ele vestiu o casaco com gestos secos.

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— Têm o remédio em seu ventre.Seguramente, não havia mulher que pudesse mandar em seu ventre.

Madeline não podia decidir quando conceber, muito menos o sexo do filho queconceberia. Não era o mesmo que escolher entre a seda vermelha e a verde

para fazer um vestido. E Rhys, o cretino, sabia disso. Madeline apertou ospunhos e inspirou profundamente para fortalecer—se; o impulso de assassinar esse homem crescia a cada momento.

— Eu peço que ponha novamente o crucifixo no lugar, meu marido — disse enérgica — pois tenho necessidade de uma testemunha para minhasorações.

— Rezará para ter esse filho?Era tanto uma pergunta como uma afirmação. Com aparente indiferença

ante o humor da esposa, Rhys pegou a escultura e voltou a pendurá—la.— Talvez eu reze para enviuvar — replicou ela, docemente.— Isso

resolveria todos os males que me aconteceram nesta noite.Viu o brilho alarmado nos olhos de Rhys, mas não se importou. Caiu de

joelhos para orar com ardor, sem prestar atenção à presença de seu marido.Que Rhys se perguntasse o que pedia ela ao Todo—Poderoso. Ele merecia, aomenos, essa medida de incerteza.

Para Rhys, as mulheres sempre tinham sido mais ou menosincompreensíveis e a causa de muitos problemas. Era pobre consolo que suadeslumbrante esposa demonstrasse a validade de seu preconceito. E que, alémdisso, fizesse isso com tanto entusiasmo. Enquanto ela rezava, observou—a,muito consciente de que o ignorava deliberadamente. Tinha certeza de que oaborrecimento dela logo passaria, mas a noite avançava sem que Madeline selevantasse. Continuava de joelhos, com os olhos fechados; seus lábios semoviam.

Ele caiu na conta de que já não o ignorava propositalmente, realmenteestava alheia à sua presença. E rezava como se esperasse resultados. Rhysnunca se interessara muito pelas orações. Tal como tinha ensinado suaindômita mãe, era da opinião de que Deus ajudava a quem se ajudava. Quando

desejava algo, esforçava—se por consegui—lo em vez de pedir a intervençãodivina. Além disso, era cético quanto às possibilidades de que Deus ouvisse aspreces de um homem como ele; se as pessoas poderosas se mostravam surdasàs palavras de um simples bastardo, não via porque um senhor imortal agiria deoutra maneira.

Madeline, em troca, parecia ter expectativas. Estaria habituada a obter respostas para suas orações? E nesse caso, o que podia estar pedindo a Deus?Isso de suplicar a viuvez devia ser uma brincadeira, ou não? Rhys não estavamuito seguro. Obviamente, Madeline podia estar arrependida dos votosnupciais trocados no dia anterior. Não era preciso ser muito perceptivo para

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compreender que sua decisão de ter um filho varão a qualquer custo não tinhaassentado bem a ela.

A possibilidade de perdê—la afligia a Rhys mais do que teria preferidoadmitir, embora soubesse que seu matrimônio era só uma questão de estratégia.

Preocupava—se mais por perder Caerwyn que a Madeline; pelo menos foi oque disse a si mesmo enquanto observava aqueles lábios que se moviam emsilenciosa súplica.

Mesmo assim, não se veria prejudicado se o clima entre amboscontinuasse cordial. A relação tinha começado bastante bem, ao menos de seuponto de vista, e estava quase certo de que ela também tinha desfrutado. Seessa mulher sabia que ele necessitava um herdeiro, por que a afligia tanto suadecisão de tê—lo? Em Gales os bastardos eram algo normal; os grandessenhores costumavam ter concubinas convivendo abertamente com a esposa.Talvez na Escócia as coisas fossem diferentes.

—Bárbaro—. Tinham aplicado muitos epítetos a Rhys, alguns muitopiores, mas a acusação de sua deslumbrante esposa ferira—o. Caminhouarrastando os pés, mas ela não deu amostras de reparar em seus movimentos.Puxou a capa e conferiu ruidosamente as armas. Ela continuou imóvel comouma estátua, com exceção dos lábios que se moviam com calada fúria. Elecomeçava a perguntar—se que solicitude requereria um parlamento tãoprolongado; nele amanheceu uma nova inquietação. Foi então que, através dajanela, chegou um sussurro.

— Rhys!Era Thomas, sem dúvida.— Rhys, esta aí?O monge falou em galês; isso lhe acelerou o sangue: devia haver

problemas. Correu à janela para olhar por cima do alto parapeito. Thomasestava escondido debaixo. Vê—lo assim, empenhado em ocultar sua mole namagra sombra, teria sido engraçado, a não ser por sua atitude preocupada.

— Aqui estou Thomas. Diga—me quais notícias traz.— Vêm por você, Rhys. São seis cavaleiros montados em cavalos

grandes.— Thomas olhava alternativamente de Rhys ao portão, com claronervosismo.— Vêm diretamente para nossas portas. Não poderei detê—los.Que não o encontrem aqui.

Rhys se segurou ao batente. — Que insígnia eles trazem? – perguntou.O monge deu—lhe um olhar cheio de aflição.— Não se vê nenhuma, mas não podem ser pessoas sem importância,

pois montam corcéis imponentes. São grandes cavalos de batalha; a pelagemnegra reluz como penugem de corvo.

Não era uma boa notícia.

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— Temo que esteja certo Thomas.— Rhys virou—se e descobriu queMadeline o observava com olhos arregalados. Jogou a saia e as botas em suadireção.— Deve vestir—se depressa — advertiu, para fazer—se entender — Partimos agora mesmo.

Ela segurou os objetos contra o corpo. — Mas por quê? Aonde vamos?–perguntou.— Agora não há tempo para explicações. – Rhys não tinha intenção de

revelar à esposa quão perto tinha estado de ser capturado pelos homens do Rei,a última vez em que se aventurara fora de Gales. Não queria assustá—la; naverdade, uma vez que chegassem a Caerwyn, demoraria bastante tempo paravoltar a sair de lá. Por sua coluna vertebral deslizou uma destilação de medo,pois não sabia o que fariam os homens do rei com sua esposa. Mas temiaadivinhar, pois a beleza de Madeline era inegável. Isso redobrou sua decisão deescapar.

— Apresse—se! — disse, com tanta aspereza que ela fez uma careta.No momento, porém, obedeceu—o. Rhys virou novamente para a

janela, justo no momento em que tangiam os sinos do portal, e falounovamente em galês.

— Thomas? Tem algum plano?— Vá através da cozinha, amigo. Ainda há pouca gente acordada. E fica

entre as sombras até que façam passar ao grupo à presença da abadessa. Eu meocuparei de ter seus corcéis selados; assim poderão fugir enquanto eles

esperam a hospitalidade da abadessa.— Isso não nos dará muita margem, mas é o único com que podemos

contar — reconheceu Rhys.— Vá com Deus, velho amigo, se por acaso não tenho outra

oportunidade de lhe expressar meus bons desejos.— E obrigado por sua ajuda, Thomas. Novamente fico em dívida com

você.— Ainda não sabe qual preço obteremos por esse cavalo — brincou o

monge, antes de desaparecer.Rhys se voltou novamente para sua esposa. Viu com alívio que já estavacompletamente vestida e atando a extremidade da trança.

— Ouço ruído de cavalos.— Olhava—o com curiosidade, movendoprecipitadamente os dedos.— Quem chegou, para que tenhamos que partir tãodepressa?

Ao recordar que ela tinha tentado desfazer—se dele, Rhys decidiu quedevia sacrificar a sinceridade até que estivessem onde ela não pudesse traí—lo.

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— Problemas para minha tia, sem dúvida — disse.— É das queprocuram guerra. E eu não tenho tempo nem desejo de me enredar em suastribulações. Venha!

— Mas por que tanta pressa?

Rhys deu um olhar visando silenciá—la; como não tivesse efeito visível,pegou—lhe uma mão. — Não há tempo para bate—papos. Devemos guardar silêncio.

Madeline se manteve firme: — Quero saber o que está acontecendo.— Responderei as suas perguntas quando estivermos fora daqui– Ele a

atraiu para si e encarou—a, sentindo—se um vilão pelo que devia fazer.— Confie em mim, Madeline.

O uso de seu nome pareceu abrandar a resistência da moça. Emboramantivesse os lábios apertados, ela já não resistia à sua urgência. Rhys cobriu ocabelo dela com o capuz e abriu o portão. Examinou ambos os lados e nãovendo ninguém, saiu para o corredor, meio agachado. Decidiu que a cozinhadevia estar para a esquerda, pois dali vinha o cheiro de massa sovada; alémdisso, tinham vindo da direita, à noite anterior. Impôs um passo rápido; suaesposa o seguiu em bendito silêncio. Rhys já a conhecia bastante bem parasaber que essa situação não podia perdurar.

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Capítulo 9

Madeline guardou silêncio, embora com esforço, até chegarem aosestábulos, onde Thomas estava selando o corcel malhado de Rhys. Junto aogrande potro se via um palafrém castanho de olhos brilhantes, cuja tendência amover—se demonstrava que estava ansioso para sair galopar. Rhys ofereceuuma mão à esposa para que subisse na sela, mas ela se afastou.

— Este não é Tarascon.— Não, com efeito — confirmou Rhys, com os dentes apertados.—

Este cavalo não está ferido. — Ofereceu—lhe novamente a mão, cominsistência maior e impaciência no olhar.

— Mas não posso partir sem minha égua!— Tampouco pode arruinar sua cura, obrigando—a a galopar tão cedo.— Então não galoparei.Rhys lançou uma exclamação exasperada. Antes que pudesse discutir,

Madeline lançou um olhar nervoso em volta do estábulo. Tarascon não estavasequer à vista. De repente teve medo de que tivesse sido necessário sacrificá— la por sua ferida, sem que dissessem nada a ela. Apertou o braço do guerreiro:— O que lhe fez? Onde ela está? Como puderam matá—la sem me dizer nada?

— Ninguém a matou — assegurou Rhys, com tanta convicção que

Madeline quase acreditou. Afastou o cabelo com os dedos e, depois de lançar um olhar ao pátio, foi para o extremo dos estábulos. As seguintes palavras deleforam mais amáveis: — Examine este palafrém. E apresse—se.

Assinalava uma égua mais escura que Tarascon e sem a familiar estrelabranca na testa.

— Esta não é Tarascon! – ela mal teve tempo de dizer antes que oanimal, com um suave relincho, colocar o focinho em sua mão. Ela fitou—aatônita, por comprovar que o cavalo movia—se de maneira similar à sua égua eparecia reconhecê—la. Levantando a vista, viu um lampejo nos olhos de Rhys.

— Não reconhece sua própria cavalgadura? — inquiriu ele, com a vozcarregada de risada.— Pois ela reconhece sua dona.

Madeline observou ao animal que golpeava sua palma; logo lheacariciou as orelhas. Era Tarascon, sim, embora disfarçada.

— Mas o que foi feito de sua estrela?— Fuligem, minha senhora — explicou Thomas.— Isso lhe apagou os

canos e lhe obscureceu a cor. Agora só a reconhecerá quem a conheça e aobserve com atenção. Na verdade até ela tinha desconhecido à besta.

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— Aqui estará a salvo, minha senhora, possivelmente mais que nós — assegurou Rhys, com firmeza.— Venha. Até enquanto ela formava a perguntanos lábios lhes chegaram vozes do pátio. A atitude de Rhys mudouimediatamente.

— Já! Devemos partir.Thomas espiou por entre as portas do estábulo.— Entraram na abadia. Esta pode ser sua única oportunidade, Rhys.Rhys se deteve junto ao palafrém e ofereceu novamente a mão a sua

esposa. Ela vacilava entre a lealdade a seu marido legal e ao corcel queconhecia desde seu nascimento.

— Não posso abandonar ao Tarascon!— É preciso.

— Eu a cuidarei bem, senhora — interveio Thomas.— Mas é meu corcel. Faz anos que a monto. Não posso abandoná—la

de qualquer jeito!Estava protestando não era só por deixar a égua, e Madeline sabia bem

disso; Tarascon representava seu último vínculo com Kinfairlie e tudo o queera conhecido para ela.

— Não há tempo para discussões.— Rhys falou com decisão tãoenérgica que Madeline adivinhou sua irritação.— Monte imediatamente,minha senhora, ou terei que cruzá—la sobre a sela com minhas próprias mãos eamarrá—la ali.

Ela se arrepiou. — Isso não seria nada correto. Pode ter o direito deimpor—me sua vontade, mas eu não tenho por que suportar isso em silêncio.

— Custa—me muito imaginar que o fizesse.— Oh!Thomas parecia estar contendo um sorriso, mas já perdia a batalha. —

Quão doce é ver dois amantes que selam seu destino comum para toda aeternidade! — murmurou.

— Eu agradeceria se ajudasse a silenciar os caprichosos dela — replicouRhys. – Depois rodeou com força a cintura de Madeline, apesar dos chiados deprotesto, e a deixou cair na sela sem mais cerimônia.

— Devo amarrá—la ai? — perguntou, fitando—a com fúria.— Ouposso confiar que não sofrerá uma lesão se jogando ao chão?

Madeline confrontou seu olhar com fúria igual. — Não sou tão idiotapara fazer semelhante coisa.

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O guerreiro pegou as rédeas do palafrém e, depois de lançar na direçãodela um último olhar tenebroso, mais expressivo que mil livros, amarrou asrédeas à parte traseira da própria sela.

— Nossa única oportunidade de escapar sem perigo depende do

silêncio. Recomendo—lhe que não diga nada, minha senhora. Não me obriguea amordaçá—la para me assegurar disso.Ela não pôs em dúvida que o faria. Ergueu as costas, com os lábios

apertados. Já tinha descoberto que se fugia desse homem só conseguiria meter —se em problemas piores. Rhys era robusto ao falar, mas nunca lhe tinha feitomal.

Provavelmente deveria conformar—se com isso. Não havia em toda aCristandade um tribunal que anulasse seu matrimônio ou lhe concedesse odivórcio, posto que a união estava consumada e não tinham laços de

parentesco. Com a perda de sua virgindade Madeline ficava atada a RhysFitzHenry por toda a vida, para bem ou para mau.Ele montou em seu próprio cavalo e, a um sinal do Thomas, açulou—a

para sair ao pátio ao trote curto. Seu cão saiu de algum canto do estábulo: erauma sombra peluda e cinza, que ajustava seu passo ao deles. Do outro lado dopátio, à sombra, havia seis cavalos amarrados, mas Madeline mal pôde lheslançar um olhar antes que Rhys a insistisse a se apressar. Thomas tinha seadiantado à carreira para abrir o portão. Quando os dois cavalos passaram juntoa ele, os dois homens estreitaram as mãos.

— Obrigado, Thomas, uma vez mais — disse Rhys.— Vá velho amigo, vá depressa — disse o monge, com um ardor que

surpreendeu novamente à Madeline.— Cavalgue duro todo o dia. Eu osentreterei aqui tanto quanto puder e orarei por você. – Piscou várias vezes e suavoz se tornou rouca. — Vão com Deus, e saibam que sempre serão bemrecebidos em minha porta.

Parecia uma expressão de amizade muito sincera; Madeline contemploua seu marido com renovado interesse. Dificilmente poderia saber por ele algomais do passado que ambos tinham compartilhado. E o triste era que talvez nãovoltasse a ver o falador do Thomas. Rhys aplicou esporas aos flancos de seucavalo, que necessitava pouco para galopar. O céu mal tinha um toque do matizrosado do amanhecer; o orvalho estava denso sobre a terra. Madeline amarrouo manto e se segurou com força na sela, um pouco estremecida pela umidade.Alegrava—se de vestir o simples traje de lã da abadia, embora mal talhado, eramais grosso e abrigado que o que tinha posto no dia anterior.

O convento ficou para trás com assombrosa celeridade; só então a jovemteve tempo de perguntar quem eram os recém—chegados. Não duvidava deque era sua presença ali a que tinha induzido Rhys a partir tãoprecipitadamente. Seriam os homens do Rei, que foram capturar o por traidor?

Só isso explicava seu desejo de partir imediatamente e em silêncio. Ela se

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voltou para lançar um olhar à abadia, que brilhava serena e sonolenta àdistância. O que seria dela se a Coroa capturasse Rhys? Aos traidores rara vezlhes outorgava um julgamento justo ou morte digna; sobre isso estava bemsegura. Por muito que ela detestasse admiti—lo, seu melhor amparo podia ser conceber esse herdeiro das propriedades de seu marido.

Estudou Rhys, que cavalgava a sua frente, com as costas retas einflexíveis. Talvez acabasse se acostumando com o fato de ignorar ospensamentos do próprio marido, pois obviamente ele preferia calá—los; masela não acreditava ser o tipo de mulher que consegue, com facilidade,semelhante façanha. Simplesmente, era muito curiosa. Talvez devesse aplicar seu intelecto que Rhys dizia admirar a tarefa de descobrir os muitos segredosde seu marido. Duvidava que uma mulher pudesse salvar a seu marido de umcargo de traição, como tinha proposto Vivienne, mas não lhe cairia malconhecer a verdade sobre os atos e a história de Rhys. Até era possível que

assim pudesse proteger a seu filho, se acaso o concebesse.Ou possivelmente a si mesmo. Sorriu muito agradada com a ideia de

opor—se ao que Rhys esperava dela. Provavelmente poderia descobrir muitomais do que ele preferia.

No fim de contas, se Rhys FitzHenry queria uma esposa abnegada eobediente, isso era o que deveria ter comprado. A melhor opção ao menossegundo o que pensava Rhys era evitar as terras do monarca inglês ou dosbarões comprometidos com ele. Por isso FitzHenry sabia, era bem possível quese oferecera uma gorda recompensa por sua cabeça. E ele tinha um forte desejo

de sobreviver um tempo mais. Ao descobrir uma estrada que conduzia para osudoeste, apostou a que seus perseguidores suporiam que ele se desviaria por ali. Seguiu—a, em efeito, com intenção de afastar—se assim que fossepossível. Por desgraça, a ambos os lados se erguiam colinas abruptas, que nãose deixariam franquear com prontidão nem facilidade.

Seu propósito era partir para o oeste ou sequer para o noroeste, mas nomomento se via obrigado a escolher entre retroceder, passando novamentefrente à abadia, ou continuar com rumo sul, com a esperança de que não oalcançassem. Madeline deve ter adivinhado seus pensamentos.

— Me dê às rédeas de meu cavalo, Rhys. Ele se voltou para olhá—la,inseguro.— Os cavalos avançarão mais depressa se não forem amarrados.—

Esboçou um leve sorriso, talvez pela expressão surpreendida dele.— Nãotema, posso seguir seu passo. Cavalgo desde que pude alcançar o estribo.

— E não deveria temer por suas intenções?Ela deu de ombros.— Prefiro mais ter meu marido vivo, que morto e esquartejado como

traidor.

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Rhys não se surpreendeu que ela tivesse adivinhado o motivo dessarepentina partida, mas não lhe respondeu. A expressão da moça se tornouirônica.

— No momento, ao menos, é assim. Faria bem em não se esforçar tão

estridentemente por trocar minha maneira de pensar. Ocorre—me que necessitade outro aliado, além do Thomas. Ele se surpreendeu sorrindo de admiraçãoante esse franco discurso.

— É muito justo. Posso me esforçar por lhe ofender menos.— Compartilharam um sorriso vacilante, ainda mais doce porque ele não tinhamuita esperança de que voltasse a haver amizade entre ambos.— Mas nestemomento necessito de conselho. Gostaria de ir a Glasgow.

— Por quê?Rhys reuniu forças para mentir outra vez. — Tenho ali um amigo que

desejo visitar antes de voltar para casa.Ela não acreditara nele; isso era evidente. Por certo, Rhys suspeitava que

não houvesse em toda a Cristandade outra mulher que pudessem ler seuspensamentos com tanta facilidade como sua deslumbrante esposa. Mas ela nãose atreveu a confrontá—lo com esse detalhe. Mordeu os lábios enquantoobservava as colinas de ambos os lados. Para alívio de seu marido não fez maisperguntas, embora bem pudesse ser porque duvidava de receber uma resposta.

— Se Moffat estiver a nossa frente, tal como suspeito— murmurou — deve haver uma estrada para Glasgow. Passa por Abington e Kirkmuirhill.

Ouvi meus tios mencionar que é muito plana.— Excelente.— Rhys lhe jogou as rédeas.— A jornada será longa,

minha senhora. Quando não puder resistir mais, me avise.Ela assentiu, mas um brilho de resolução lhe iluminou os olhos; esse

brilho indicou a Rhys que sua senhora era feita de aço duro. Podia confiar emque não seria o elo débil de sua fuga. Embora fosse a única boa noticia do dia,bastava. Ele aplicou esporas a seu corcel e os cavalos desceram a galope aquelecaminho estreito, despedindo o barro com os cascos, enquanto o sol ascendiapor cima do horizonte.

Para Madeline, foi um alívio comprovar que Moffat estava realmentelogo diante; sentiu—se igualmente aliviada por terem chegado antes que osgrunhidos de seu estômago vazio se tornassem insuportáveis. Antes deaproximar—se das portas da cidade a estrada se frisava em volta de umacolina; Rhys disse que deviam esconder—se no bosque que coroava o topo.Subiram pela face oposta à aldeia, a fim de que o guardião das portas não osvisse.

Uma vez ali Rhys atou os cavalos; só se deteve para ajudar Madeline adesmontar e vestir o casaco ao contrário, pela face negra, ocultando assim o

dragão vermelho.

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— Caerwyn — sussurrou.— Diga.— Caerwyn — repetiu Madeline.Corrigiu—lhe a pronúncia. Depois lhe pegou o queixo para olhá—la nos

olhos com firmeza.— É a senhora dessa casa; não permita que ninguém lhe diga o

contrário. Vá ali até sozinha, se for necessário, e lhes diga esta verdade. Diga— lhes que leva meu filho no ventre, seja certo ou não. Ninguém ousará elevar uma mão contra você.

E lhe roçou a fronte com os lábios. Suas palavras fizeram vacilar oânimo de Madeline. Ele temia não poder retornar.

Antes que ela pudesse responder Rhys já tinha desaparecido,retrocedendo o caminho a longas passadas. Seu cão montava guarda junto aela, vigiando avidamente a Rhys, que retornava à estrada por onde o guardiãonão o visse e partia logo para a aldeia, como se tivesse caminhado todo otrajeto. Seu beijo ainda queimava na testa de Madeline. Ela se perguntou o quesabia o que suspeitava o que esperava achar do outro lado das muralhas.

Nada bom isso era certo. A seu pesar, a pesar do aborrecimento que lheprovocava esse irritante marido, temeu por ele. Rhys caminhava assobiando,com as armas pendendo da parte traseira do cinturão e o manto apertado contrao vento. Sem seu cavalo parecia um mercenário traído pela fortuna. Partiu atéas portas da aldeia, cada vez menor sua silhueta escura. Depois de saudar oguardião agitando a mão se deteve para falar com ele; por fim desapareceu

dentro da aldeia sem lançar um olhar atrás. O galgo ficou rígido, fixa o olhar no ponto por onde o tinha perdido de vista. Madeline cruzou as mãos comforça; alegrava—a muito não ter orado pedindo enviuvar. Já não contava comas altas muralhas de Kinfairlie, a influência segura de seu pai e seus tios, adefesa dos homens armados. Tinha desaparecido a segurança de que tinhagozado todos seus dias e noites, junto com sua infantil convicção de que tudodevia solucionar—se, simplesmente por necessidade.

Não passou muito tempo sem se descobrir tão atenta como o cão à voltade Rhys. Em sua ausência seus pensamentos puseram—se a correr. E se naverdade fosse um traidor? Culpado ou não, o que aconteceria se o capturavam?

Recordava muito bem, embora talvez fosse desconcertante a história deHenry Hotspur, que tinha desafiado a autoridade de Enrique IV, pai do atualmonarca inglês. Hotspur, herdeiro do condado de Percy, próximo ao Kinfairlie,fazia um trato com um galês e o herdeiro Mortimer, que também competiampela coroa inglesa. Os três foram condenados como traidores, embora tivessemcombatido em defesa de sua união.

Henry Hotspur morreu em combate e seu corpo foi enviado ao lar, ondechoravam sua esposa e seu pai. Depois do funeral foi exumado e decapitadopor ordem de Enrique IV, que queria extrair uma lição do falecimento desse

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inimigo. A cabeça do Hotspur foi exibida em York; seu corpo, esquartejado eexposto em Londres, Newcastle, Bristol e Chester. Tinham lhe penduradodurante todo um ano, como advertência para todos os possíveis traidores emterras do Rei. Madeline estremeceu. Nenhum homem merecia semelhanteindignidade, sem importar o que tivesse feito. Rhys não podia merecer essedestino.

Mas se alguém adivinhara o trajeto e ele fosse capturado em Moffat,como ela se inteiraria disso? Duvidava que Rhys revelasse sua presença à outrapessoa, por muito que o prejudicassem. Ao menos devia reconhecer que eraprotetor com ela. Madeline vigiava cada vez mais preocupada com ele a cadamomento transcorrido. Agora recordava que o clã Neville disputava asoberania em Moffat: a família Neville, sobrecarregada com muitos filhos paracasar e adepta de alianças fortuitas; fora para essa mesma família Neville que oRei inglês outorgara a administração dos pântanos do oeste, de forma que não

hesitariam um segundo em lhe entregar um traidor. E seu filho predileto,Reginald Neville, não pediria clemência pelo homem que o tinhaenvergonhado durante o leilão de Ravensmuir.

Madeline mordeu o lábio, trêmula. O sol, em sua ascensão, secou oorvalho e esquentou as pedras. Seu calor dourado parecia insistir para que aprimavera se desdobrasse, mas Madeline não afastou a vista da cidade. Oscavalos pastavam às suas costas, arrancando brotos tenros das árvores, sem queela lhes prestasse a menor atenção.

Um ruído de cascos se aproximando acelerou o coração dela. Não se

atrevia a se deixar descobrir! Açulou o cavalo de Rhys para entrar mais nobosque e manteve uma mão contra o focinho do cão, enquanto tratava decontar os cavaleiros. O denso arbusto a impedia de ver direito, embora assim,tampouco podiam vê—la. Ela não se atrevia a se aproximar mais do limite dobosque, a fim de ter uma visão melhor, pois vários cavalos passavam junto aoseu esconderijo. Ao menos seis. Eram corcéis grandes como cavalos debatalha, seus cascos golpeavam com força. E avançavam com pressa real.

Seriam os mesmos da abadia? A ideia quase deteve o coração dela. Erapossível que apanhassem Rhys, em Moffat? Era possível que ela o perdesse tãocedo?

Às portas de Moffat ouviam—se vozes. Rhys se escondeu bem a tempoem um beco, apertando suas compras contra o peito. Escutando a conversa,surpreendeu—se ao ouvir uma voz feminina que conhecia.

— Procuro uma jovem — dizia a mulher, em tom de autoridade.— Temo cabelo escuro e os olhos azuis; é formosa. Possivelmente, viaja com umhomem vestido de mercenário.

Rhys esforçou—se para conter o impulso de dar uma olhada, pois nãopodia acreditar no que estava ouvindo. Rosamunde encabeçava a perseguição àMadeline? Essa conclusão o fez franzir o sobrecenho; não podia compreender.

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A mesma Rosamunde lhe tinha permitido participar do leilão. Por que agoramudava de ideia? O que havia acontecido em Ravensmuir, depois de suapartida?

— Não vi nenhuma mulher assim – resmungou o guarda, mal

humorado.— E quanto ao homem?Rhys conteve o fôlego e se apertou contra a sombra da parede. O

homem lançou um grunhido desdenhoso.— Quem sabe... As pessoas vão e vêm. Não presto atenção, muito

menos aos mercenários. Se não tem más intenções e pensam em partir antes doanoitecer, bem podem entrar e deixar dinheiro em nossas arcas.

— Não é possível que tenham tão má vista nem tão pouca memória! — protestou ela.

— Não podem pretender que confesse quanto sei a qualquer desconhecido! — Replicou o homem.—

Muito menos a uma mulher tão audaz como você, com roupas tãoestranhas como as suas.

— Nos dê passagem! — disse ela, imperiosa.— Nós mesmos osbuscaremos.

— Devem deixar as armas aqui, pois não confio que respeitem a pazdentro destas muralhas. Rosamunde continuou discutindo com o guardião, semresultado algum. Rhys ouviu que entregava suas armas, de mau humor, eordenava a seus acompanhantes que fizessem outro tanto. Esses seis cavalosnegros passaram junto a seu esconderijo com as narinas dilatadas e agitando acauda.

Com eles ia Alexander, o irmão de Madeline, herdeiro de Kinfairlie; jáparecia mais homem, não só pela armadura, mas também por sua expressãosombria. Ao seu lado cavalgavam duas das irmãs de Madeline, a segunda, amesma que o tinha assediado com perguntas durante o jantar, e a menor, queera obcecada por fadas. Outros dois homens completavam o grupo; Rhys tinha

visto um deles em Ravensmuir. Vestia—se tão ostentosamente comoRosamunde e devia ser amigo dela. O último era um desconhecido; parecia ter a mesma idade que Alexander. Rhys o estudou com curiosidade: levava umalaúde pendurado às costas e era de constituição esbelta, pele clara e cabelosloiros.

Algo se agitou na memória de Rhys, mas nesse momento ele não soubenomeá—lo. Não podia, por certo, entender que Rosamunde trouxesse consigo aum músico, a menos que fosse para que lhe fizesse companhia. Talvez fosseum homem bem dotado. Para grande aborrecimento de Rhys, a mulher deixouao músico para que custodiasse as portas enquanto ela conduzia aos outros paraa praça da cidade.

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— Procuraremos feno e água para os cavalos — indicou.— Depois,cerveja e uma comida quente para nós. Haverá, sem dúvida, uma taverna napraça principal. Com a pança cheia procuraremos Madeline com maisefetividade.

Rhys retrocedeu mais para as sombras para pensar. por que procuravamMadeline? Essa família tinha leiloado sua mão, sem preocupar—se com ela;entretanto, apenas um dia depois despachavam a toda uma companhiamontada. Não tinha muito sentido.

Menos sentido ainda tinha o fato de que Rosamunde encabeçasse abusca. Rhys a conhecia o bastante bem para adivinhar que pensava obter alguma vantagem dessa missão; por fim não teria reparos em trair a quem fossepara obter seus próprios fins. Até podia ter a audácia de ameaçar Rhysentregando—o ao Rei a fim de impor suas condições, quaisquer que fossem.Até sabendo o que agora sabia, até ao ver a preocupação dos irmãos deMadeline, Rhys não estava muito disposto a travar relação com essa audazaventureira. Que o perseguisse até o Caerwyn, onde ele poderia decidir selevantava o restelo ou não.

O pigarro de uma mulher fez que ele desse um pulo. Imediatamentefingiu que tinha entrado no beco para urinar. Ao vê—lo manusear suas calçasela revirou os olhos.

— Há alguma outra taverna? — perguntou Rhys com voz fanhosa,como se estivesse ébrio. Além disso, assim dissimularia seu sotaque deforasteiro. Assinalou a praça da aldeia.— Nessa lhe esvaziam a bolsa.

— Ali.— A mulher indicou em direção oposta, como se a alegrasseliberar—se de sua presença.— À volta da esquina, à esquerda, esta a casa dovelho McGillivray. Ele lhe venderá uma tigela de sua cerveja, embora duvideque a necessite.

— Obrigado, boa mulher!Rhys lhe fez uma reverência e imediatamente fingiu perder o equilíbrio.

Aferrou—se à parede para saudá—la com a mão, sem deixar de lhe agradecer,enquanto ela apertava o passo para afastar—se. Depois pôs o capuz sobre acabeça e virou na direção que a mulher lhe tinha indicado. Não se atrevia adeixar—se ver, mas no momento tampouco poderia atravessar as portas semchamar a atenção.

Já era quase meio—dia e ainda não havia sinais de Rhys. Os cavalostinham desaparecido dentro da cidade; Madeline retornou cautelosamente aolugar anterior. Desde o ingresso de Rhys, tinha visto muito poucos homensentrando e saindo dali. As portas de Moffat pareciam engolir as pessoas, semlhes dar permissão para partir. Se a vigília se prolongasse muito mais, acabariapor enlouquecer.

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Então compreendeu, surpresa, que poderia entrar na cidade Rhys tinhafeito. Inspecionou—se. Sua saia estava suja e era tão austera que ninguém aolharia duas vezes... A menos que chegasse montada em um bom cavalo, o queatrairia todos os olhares. Devia deixar os cavalos ali, tal como fizera Rhys.Talvez pudesse fingir que era esposa de um granjeiro. Não, não daria certo.Não conhecia ninguém ali e isso bastaria para despertar suspeitas. Deviainventar uma história adequada para explicar quem era e por que chegavasozinha a Moffat.

Podia fazer—se passar pela mulher de um mercenário, em busca denotícias do marido. Caramba! Era lamentável que não estivesse grávida dofilho de Rhys. Uma gravidez, além de provocar simpatia, impediria que fosseatacada por algum vilão como Kerr. Mas a ideia era muito boa para abandoná—la. Madeline revolveu o alforje de Rhys, sentindo—se irracionalmente umaladra, até achar um par de camisas enrugadas. Tinham o cheiro dele;

impulsivamente, enterrou o nariz para aspirar profundamente o aroma dele;estranhamente, isso a tranquilizou tanto como tê—lo ao seu lado.Poderia lhe ter tocado um marido pior, isso era indubitável. Rhys não

era cortês, mas parecia ter bom coração.Atou as camisas para formar um vulto redondo. Depois rasgou a própria

e firmou o embrulho sob suas saias, como se na verdade estivesse gerando ummenino. Por fim deu umas palmadas ao vulto, muito satisfeita com sua obra, everificou que os cavalos estivessem bem amarrados.

— Fique — ordenou ao galgo. O animal a fitou com tanta desconfiançaque ela duvidou de que lhe obedecesse.

No momento em que ela ia abandonar seu esconderijo, cruzou as portasda cidade uma carreta de granjeiro, puxada por um cavalo cansado. Ela seocultou novamente nas sombras, impaciente, para esperar que passasse oveículo. Não convinha que alguém roubasse os cavalos enquanto ela ia embusca de Rhys. Não se atrevia a deixar—se ver saindo dali e teria preferido nãoachar a ninguém durante o trajeto.

A carreta avançava com horrenda lentidão, como se seu condutor seempenhasse em acabar com sua paciência. O granjeiro parecia muito alegre e,

obviamente, ia conversando com o moço que viajava atrás dele. Madelinelançou um suspiro, segura de que teriam abusado da cerveja, pois amboscantavam desafinadamente em voz alta. Tomara se dessem pressa. O galgo osobservava com tanta atenção como ela. Os homens rodearam a colina, semprerindo como loucos, e ela se disse que já quase se livrara de ambos.

Para seu desconcerto a carreta se deteve o pé da montanha, no ladooposto ao da aldeia. O moço, que por seu tamanho resultou ser um homemfeito, deixou—se cair de atrás. Tropeçou com seus próprios pés, o bêbado, eaterrissou de barriga para baixo à beira do caminho. O granjeiro riu tanto queseu estado não podia ser melhor. À Madeline aquilo não pareceu tão divertido,

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pois conhecia bem esse casaco escuro e essa mecha de cabelo moreno.Enquanto ela se preocupava tanto, Rhys tinha estado bebendo até o estupor.Esse seu condenado marido entrou a tombos nos bosques, ao outro lado daestrada. Ao vê—lo lutar com o laço de suas calças ela afastou a vista,desgostada. Viu—a tropeçar de novo e cair com mais violência. Já não voltou amover—se.

E ela, que tanto tinha temido por sua vida! A ideia de estrangulá—locom suas próprias mãos se tornava cada vez mais atraente. Madeline, bulindode indignação, viu que o granjeiro se aproximava de Rhys, cambaleante, e lhedava uma palmada no ombro. Rhys não se moveu. O galgo grunhiu aos pés damoça, que lhe pôs uma mão na coleira.

O homem deu um golpe mais forte ao caído. Rhys lhe lançou um murrode ébrio, estendeu—se de costas e começou a roncar. O granjeiro muitodivertido por tudo isso, teve que sentar—se em uma pedra até que suasgargalhadas cedessem.

Boa coisa tinha feito Alexander ao buscar um marido para ela! Não sóera acusado de traição, mas também era rude e não resistia ao encanto dacerveja. Para que organizar um leilão? Para achar semelhante joia conjugalbastava procurar na taverna mais próxima. Claro que dessa maneira Alexander não teria recebido o dinheiro do noivo. Madeline chiou os dentes, totalmentedesgostosa com os homens de sua vida, e cravou um olhar flamejante nosacontecimentos que se desenvolviam ali embaixo.

O granjeiro enxugou a testa e, logo depois de dedicar a seu companheirode alcoolismo uma última saudação, subiu a sua carreta e assobiou para que ovetusto cavalo se pusesse em marcha. O veículo começou a mover—se,chiando, enquanto o homem rompia a cantar umas estrofes grosseiras. Rhysnão se moveu, preso de um profundo estupor. Madeline teria querido deixá—loali para que se apodrecesse. Era o que merecia por essa loucura egoísta. Mas olamentável era que de pouco lhe servia assim, bêbado e caído em uma sarjeta.Era seu marido e lhe tinha jurado fidelidade. Embora fosse pior do queesperava, ela não era das que esquecem seus votos.

O que podia fazer? Seria impossível carregá—lo, nem sequer arrastá—

lo até seu corcel. Teria que descer até ali, como a doce e abnegada esposa quenão era para ver até que ponto estava incapacitado. E se não sofria, ela seencarregaria de que fosse assim. A perspectiva da vingança a fez sorrir contrasua vontade. Sabia que jamais poderia fazer mal a Rhys, quanto maior e maisforte, mas ainda podia lhe dizer algumas palavras. Não convinha que bebessefrequentemente com tanto entusiasmo. Deu uma olhada ao caminho, onde acarreta tinha desaparecido de tudo, e deu um passo para iniciar a descida. Masquando voltou a olhar Rhys vinha correndo costa acima, para ela. Da bebedeiranão ficavam sinais.

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— A montar!— Ordenou, quando ela ainda o olhava, boquiaberta.Assinalou ao outro lado da estrada.— Ali há um atalho que cruza as colinas eleva ao caminho de que falavam.

— Mas não está ébrio!

— Não, é claro.— Seu olhar foi fulminante.— Só um inútil podeembebedar—se a esta hora do dia. Que classe de homens são seus irmãos?

O fato de concordarem perfeitamente era assombroso. Rhys nãoaguardou a resposta; foi uma sorte, pois Madeline não podia pronunciar palavra.

— Fingi—me ébrio para passar despercebido. Ninguém recorda a ummercenário bêbado, minha senhora. Nem sequer o taberneiro que aceita seudinheiro.

Sua maneira de pensar tinha muito sentido, por certo.— Fingiu tão bem que me deixei enganar — ela reconheceu.— Devo

temer que a prática frequente o deixe tão hábil? Ele abriu um grande sorriso.— Tenho olhos e sei observar. Isso é tudo.— Amarrou atrás da sela a

bolsa que carregava.— Trouxe provisões, mas teremos que comer mais tarde.— Rodeou com as mãos a cintura da jovem para subi—la à sela, mas ficoupetrificado ao notar a mudança de seu ventre. Sustentou—a com mais força,sem acabar de içá—la, de modo que os olhos de ambos ficaram à mesmaaltura.— concebeu com estranha celeridade, minha senhora.

Logo abriu um sorriso ladino, que pôs mil estrelas a dançar em seusolhos e despertou um temível frenesi no ventre de Madeline. Ela sentia commuita intensidade o calor do peito dele contra os seios, da respiração misturadade ambos, sua pressão resoluta em volto da cintura dela. Descobriu—sefuriosamente ruborizada.

— Queria segui—lo. Preocupava—me sua tardança e pareceu prudenteque eu me disfarçasse... – ela não pôde completar a explicação, pois Rhysbeijou—a com tal entusiasmo que esqueceu tudo. As mãos da jovemprocuraram o caminho em volta de seu pescoço e ele a estreitou contra seucalor. Beijaram—se com apetite; ela compreendeu que não era a única aliviadapor sua volta.

— Eu gosto que se preocupe comigo, anwyaf — sussurrou ele, quandoao fim levantou a cabeça.— Mas por agora não penso morrer.

— Há! Que audácia a desse homem, que está convencido de que adecisão fica por só sua conta! – ela observou com severidade.

Inquietava—a o fato de que seu coração pusesse—se a galopar tãoalegremente em presença desse homem. Rhys lhe sustentou o olhar por ummomento embriagador, como se estivesse a ponto de lhe fazer alguma doceconfissão. Madeline conteve o fôlego, mas ao fim ele meneou a cabeça e lhe

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afeiçoar—se com um homem que se casara com ela só pelo fruto que seuventre podia gerar. Para alívio de Rhys, o atalho existia e estava onde ogranjeiro lhe havia dito. Além disso, era um lugar deserto, parecido ao quetinha tomado Kerr para cruzar os ermos. Rhys, sempre precavido, não sedeteve a não ser quando estiveram à boa distância de Moffat. Desmontaram emuma pequena clareira, onde nenhum cavaleiro poderia vê—los com clareza.Madeline examinou os arredores.

— Escolheu este lugar porque dá para vigiar o caminho.— Sem que nos vejam imediatamente — concordou Rhys, apreciando a

percepção dela. Depois mostrou os resultados da excursão, desculpando—sepor sua escassez. Uma mulher da aristocracia certamente estaria habituada amanjares mais finos do que os que ele podia oferecer... e não só nesse dia.

— Maçãs, queijo, pão e cerveja. Não havia muito mais, pois não era dia

de feira. Entretanto Madeline não pareceu incomodar—se pela simplicidade dacomida.— O quanto deve fazê—lo durar?— Talvez até chegarmos a Glasgow. Embora possivelmente nos

arrisquemos antes a entrar em outra cidade.— Mas preferiria não ser visto — deduziu Madeline, sem que seu tom

soasse a censura. Repartiu os mantimentos com rápida eficiência; depois deseparar para ele uma porção maior que a própria, guardou uma boa quantidadeno saco.— Comeremos hoje o pão, pois amanhã estará duro; a metade agora, o

resto esta noite. Regularemos o queijo, que tem uma boa casca e se podeconservar um tempo. E cada um comerá uma ou duas maçãs com cada comida,ao menos até que se acabem.

Ele a fitou fixamente, impressionado por seu pragmatismo. A jovemencolheu os ombros.

— E a cerveja é para mim, obviamente, pois hoje você já bebeu emabundância.

Lançou um olhar tão travesso que ele sentiu a tentação de esquecer—seda comida e dar continuidade aos esforços de conceber um filho. Madelinedeve ter adivinhado o rumo de seus pensamentos, pois ficou escarlate; logo sesentou para ocupar—se da comida. Tremiam—lhe um pouco as mãos. Rhysvacilou antes de unir—se a ela.

— Tanto me teme? — Perguntou. Ela levantou os olhos límpidos.— Você é um traidor?— Isso depende de quem responde sua pergunta.Madeline franziu o sobrecenho.— Isso não é uma resposta.

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Rhys tirou o casaco e recolocou—o do lado contrário; o dragãovermelho de Gales voltou a ficar à vista em seu peito. Ela o observouatentamente. — Em Ravensmuir, ouvi dizer que usar tão abertamente essainsígnia era tentar ao destino. Há verdade nisso? — Rhys se sentou ao seu lado;enquanto pensava como começar, deu uma dentada em uma maçã.

— Há muito tempo, existia em Gales um rei que decidiu construir suacorte em uma colina de Gwynedd.

— Onde fica Gwynedd?— É o antigo coração de Gales, o território onde se encontra Eryri, a

montanha que os ingleses conhecem como Snowdonia. É onde está o maisantigo símbolo de autoridade galês: a colina de Dinas Emrys. Foi nessa colinaque o rei Gwrtheyrn jurou construir seu salão.

Rhys mordeu sua maçã com força, sem apressar o relato.— Mas algo andava mal, pois todas as noites, antes do crepúsculo, o que

construíam durante o dia desaparecia. As pedras se esfumaçavam como se aterra as tragasse. O rei estava zangado, por progredir tão pouco.

Madeline escutava muito interessada, com as mãos imóveis sobre seupedaço de pão.

— Foi por isso que o rei resolveu chamar um místico para esclarecer oque estava acontecendo. Myrddin, um jovem feiticeiro que os ingleses maistarde chamaram de Merlin, conjurou um sonho e aconselhou o rei a cavar debaixo da colina até achar um lago. Junto a esse lago haveria uma tenda. Edentro dessa tenda haveria dois dragões: um vermelho e o outro branco. Assimfoi feito, tal como no sonho do feiticeiro.

— E o que acharam?— O que Myrddin havia predito. Mas ante os olhos do rei e de seus

homens, os dragões despertaram, rompendo em violenta batalha por toda atenda e dentro do lago; depois desapareceram. Myrddin disse que sempre seriaassim, que esses dois lutariam uma e outra vez por toda a eternidade. Dissetambém que o dragão branco era a Inglaterra e o vermelho, Cymru.

— Cymru?— Gales. — Rhys mastigou a maçã com a vista perdida nas colinas,saboreando a firme atenção de Madeline. – Então o feiticeiro aconselhou o reia construir sua morada em outro lugar.

— Por quê?— Enquanto Dinas Emrys fosse uma colina verdejante, o dragão

vermelho viveria para guerrear contra o branco. Enquanto esta colina for livre,o dragão vermelho combaterá.— Fitou—a nos olhos, para que ela percebessesua decisão — Combaterá até o último fôlego, todas as noites e por toda a

eternidade, se for necessário, até finalmente derrotar o dragão branco. Eles

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encararam—se por um momento poderoso. Rhys recordou a maciez da peledela sob a sua mão, a maneira dela ofegar quando sentia prazer. O desejo seagitou nele; pensou em possuí—la ali mesmo, sobre a manta, sem ter em contaàqueles que os perseguiam.

Essa ideia tentadora o sobressaltou, pois bem podia conduzi—lo àmorte. Que poder tinha essa mulher sobre ele? E como tinha feito para conjurá—lo em tão poucos dias? Rhys teve o bom senso de assustar—se com isso.

Madeline baixou a vista ao pão que tinha nas mãos, rompendo por fim oardente olhar que os mantinha unidos.

— É um bom narrador, meu marido.— Sou galês – ele respondeu, afastando—se da tentação que ela

representava.Ela pigarreou.— Agora entendo que sua insígnia fosse vista como provocação.O guerreiro refletiu por um momento.— Minha insígnia representa o que sou. Esse é o objetivo de toda

insígnia. Não sou um homem que finge ser o que não é.— Salvo em Moffat.Ante isso ele sorriu e deixou que ela pensasse o que quisesse. Devia ter

em conta muitas coisas além de sua triste pele, ao menos até que chegassem aCaerwyn.

— Você me contará por que o Rei o acusou de traição?— Não. — respondeu ele com firmeza. – E mordeu outra maçã. Notou

que ela estava novamente irritada. Que atraente era ela, com os olhoscintilando tão poderosamente! Ele cravou a vista na estrada, determinado aeliminar o entusiasmo que crescia dentro de suas calças.

— Pois então terei que averiguar isso de outras fontes— disse ela,secamente.— Tenha certeza de que outros sabem das acusações contra você,Rhys, e possivelmente não tenham tanto interesse quanto você em oferecer

uma versão justa.— Por isso mesmo, você não deveria averiguar nada com outras fontes

— respondeu ele, decidido a pôr fim à curiosidade dela. — Ao fim e ao cabo,não é de boa educação que uma dama se enrede em fofocas.

Madeline abafou uma exclamação indignada, mas antes que formulasseoutra questão ele perguntou:

— E quanto ao homem que roubou seu coração? Você não quer falar sobre ele? — A jovem abriu muito os olhos, surpreendida.

— De James?

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— Se esse era o nome — Rhys encolheu de ombros, tratando de dar aimpressão de estar menos interessado do que estava. – do seu noivo quemorreu...

— James. — Ela fez um beicinho suspirando, subitamente abatida,

parecendo concentrada em cortar uma maçã e ao mesmo tempo,completamente distraída do que fazia.Ele se estendeu na hera. Gostava muito mais de fazer perguntas que

respondê—las. Observou a sua esposa em busca das respostas que ela nãoexpressava em palavras.

— Que tipo de homem ele era?Madeline suspirou; um doce sorriso tocou os lábios dela. O fato de que

esse sorriso não tivesse nada que ver com ele — e que jamais seria assim – feriu o coração de Rhys com assombrosa potência.

— James era um homem amável e gentil. Era cheio de bondade. E sabiacantar como os anjos.

Rhys soprou.— Pois bem felizes eles devem estar de contá—lo em seu coro.Madeline o fulminou com o olhar.— James era elegante e tinha boas maneiras. Era bondoso, amável,

suave e...— E com isso, quer dizer que não posso ser mais diferente dele.Ela o varreu com o olhar e respirou fortemente pelo nariz.— Não sou tão grosseira, para dizer semelhante coisa. – Ela devolveu a

atenção à maçã, com duas manchas coloridas ardendo nas faces. — E eletocava alaúde muito bem!

— Alaúde? — Rhys se endireitou. — Ele era músico? — Madelineassentiu, sem reparar na avidez que essa informação tinha despertado.

— James escrevia alguns versos e cantava muitas composições de outraspessoas. Tocava alaúde com grande habilidade.

Um poeta e alaudista! Rhys afastou o olhar, alarmado como poucasvezes antes. A maçã adquiriu sabor de palha em sua boca, pois era muito fáciladivinhar quem era o músico que viajava com Rosamunde, já que o mesmogrupo os seguia desde Ravensmuir, e o que pretendiam dele. Que perfeito paraRosamunde! Podia condenar Rhys facilmente e, desse modo, tornar Madelineviúva, para que se casasse com o homem a quem tinha jurado amar. Rhysjogou a maça por terminar com força nos arbustos e percebeu que a esposa oobservava com desconfiança. Fez um esforço por manter o tom indiferente,embora tivesse muitíssimo interesse na resposta.

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— Beijou James como me beija? – perguntou ele, notando que seuesforço tinha fracassado: a voz soara como se estivesse procurando briga. E aencontrou. O olhar de Madeline foi decididamente letal.

— James era muito nobre para me impor suas atenções.

Rhys lembrou—se que ela o tinha catalogado como sendo um bárbaro.E isso era compreensível, tendo sido noiva de um bardo – ele sabia que ahabilidade dos bardos era notável por receberem desde a tenra idade a melhor instrução, eram igualmente inteligentes e talento; de fato, estavam entre osmembros mais admirados da sociedade galesa. Aos olhos de Madelyne, Rhysdevia ser um triste substituto. Ele teria que tomar cuidado para jamais cantar napresença dela, pois a comparação podia prejudicá—lo ainda mais.

— Isso significa que não a beijou. — Rhys ficou de pé, mais abaladopelos impressionantes créditos do antigo pretendente de Madeline do que

gostaria de admitir. – Diga—me, como ele morreu? Acaso defendeu um casoque não pôde ganhar e provocou assim as ira da parte perdedora?Madeline levantou o olhar com claro desconcerto.— Não compreendo.O aborrecimento fez com que Rhys se explicasse com rudeza.— Você disse que ele era poeta e músico; portanto, também deveria ser

advogado. Os melhores poetas são também advogados. Acaso era um músicoincompetente?

A risada arrebentou nos lábios de Madeline com a surpresa.— Que loucura é esta? Advogados, os poetas! Esta brincando?— Claro que não! — Essa atitude irritou Rhys como poucas coisas

poderiam havê—lo feito. — Para defender um caso ante o tribunal se requer eloquência e a faculdade de enfeitiçar o público. Todo advogado é um orador,igual aos poetas. Basta um pouco de senso comum para ver a relação.

Madeline piscou, mas Rhys não podia conter—se.— Os bardos estão habituados a recitar de cor longos versos; não é

muito diferente de recordar parágrafos da lei. E para concluir, os poetas sãoincrivelmente preparados, pois não só devem dominar os antigos vinte e quatrometros do verso rimado, mas também fazer essas composições enquantocantam.

— Não sabia disso...Rhys passou os dedos pelo cabelo, agitado pelas habilidades de seu

competidor e pelo fato de que Madeline não parecesse apreciá—las. Quetortura, ver—se obrigado a explicar os copiosos talentos de outro!

— São poucos os que compreendem as complexidades da métrica. Em

galês chamamos de Cynghanedd, essa harmonia. E não é fácil de aprender. É

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preciso que cada verso contenha o mesmo número de sílabas; cada palavra decada verso deve começar com o mesmo som; a primeira palavra de cada versodeve aliar—se com a primeira palavra de todos os outros versos, e a últimaconsoante deve aludir à primeira palavra do verso seguinte. — Rhys estendeuas mãos com um rugido e exclamou — Não é tarefa para um intelecto simples,asseguro a você!

Madeline estava tão atônita que se limitou a olhá—lo. Rhys respiroucom força e fez um esforço por devolver sua voz ao timbre normal.

— Por isso, na corte de meu tio, o poeta que possuía tão tremendashabilidades era também o homem que conhecia e expunha a lei.

— Nunca ouvi nada parecido. — Madeline também lançou um suspiro.— James só sabia tocar melodias bonitas.

Rhys a encarou, boquiaberto.— Ele não sabia compor versos metrificados?Ela negou com a cabeça.— Tem certeza de que não se limitava a dissimular suas faculdades para

não sobrecarregá—la?Madeline riu entre dentes.— Tenho certeza. Quase não teve professores, pois seu pai não se

interessava pela música. Compunha poucas peças próprias e duvidosinceramente que soubesse tanto de leis como você supõe. Seu encantoradicava em outras características. — Sorriu para Rhys com estranheza,enquanto limpava uma maçã com sua faca. — Os galeses são pessoasfantásticas, sem dúvida. Advogados, os poetas!

Embora para Rhys representasse um alívio que James não fosse umadversário tão formidável como ele temia seu humor não melhorou, poisMadeline reagia ante algo tão lógico como se fosse uma loucura. Lançou—lheum olhar fulminante.

— Pois bem, como morreu esse estimado músico de tão poucostalentos? Acaso se cortou os brancos dedos com alguma corda de alaúde muito

esticada?Ela jogou para um lado, aborrecida, os restos de sua maçã.— Seu pai o matou, virtualmente.— Pois se esse James enfureceu a tal ponto ao pai, não devia ser tão

bom e gentil. Talvez não fosse tão inteligente como acreditava.— Seu pai não estava furioso — asseverou Madeline — simplesmente

não soube ver que classe de homem era o filho. Já lhe contei que não seinteressava pela música nem por seus méritos. Apesar dos protestos de James,

enviou—a para a guerra em França.

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— Mas por que ele não desafiou a autoridade paterna? Pode—se fazer isso. –Rhys estudou um pedaço de pão e decidiu arriscar—se a provocá—laoutra vez. — A menos que a pessoa prefira não pôr sua herança em perigo.

— Você é rápido em lançar insultos sobre alguém que não conheceu! —

exclamou a jovem, cujos olhos relampejavam. — Seu pai foi cruel e injusto!Manteve James prisioneiro em seu próprio torreão até que ele aceitou ir àguerra. E depois o enviou com seus próprios guerreiros, com ordens de vigiá— lo para que servisse bem aos interesses paternos. Assegurou—se de que ele nãopudesse escapar, de que fosse obrigado a combater. E dessa forma Jamesmorreu. Foi perverso e totalmente anormal, que um pai tratasse assim ao seufilho.

— Ele morreu em combate?Ela inclinou a cabeça uma só vez.

— James não era feito para a guerra. Seu pai nunca deveria tê—loenviado para França, como o fez.— Diz bem. — reconheceu Rhys. — Se fosse um bom pai, deveria tê—

lo enviado antes.Madeline deixou a faca e a maçã caírem, a indignação pondo—a em pé.— Que loucura é esta? Nenhum pai decente faz seu filho ser morto sem

motivo algum!Rhys ficou fascinado ao vê—la tão apaixonada, tão decidida a defender

um homem que não teria sido bom companheiro para um caráter tão ferozquanto o dela. À diferença dele, que o era. Também se levantou, a fim debrindá—la, destemidamente, com a franqueza que ela tanto admirava.

— Seu noivo morreu porque não tinha sido preparado para o que deviafazer. — asseverou — Todo homem deve lutar algum dia pelo que consideradele. E o dever de todo pai é preparar seus filhos para essa tarefa. Ao permitir que seu James se livrasse da guerra por tanto tempo, é como se esse pai tivesseenfiado sua própria espada no peito do filho.

— Mas nem todos os homens são aptos para a guerra!

— Isso é muito certo. Alguns servem melhor como sacerdotes emonges. — Rhys esperou sua reação, seguro de que haveria uma — Mas umadecisão assim não teria permitido a James escolher ser seu marido.

Um tom de rubi subiu do pescoço de Madeline até inundar seu rosto;seus olhos cintilaram de fúria vívida como o matiz dos relâmpagos. A respostasoou grave e apaixonada: — Vai muito longe. Nem sequer conheceu James;nunca escutou a magia que era capaz de arrancar do alaúde. E não tem direitoalgum de manchar as lembranças que dele guardo.

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Mas Rhys já estava zangado. E o assustavam as intenções deRosamunde. De repente parecia muito importante que Madeline enfrentasse àverdade, que esse James não era o companheiro adequado para ela.

— Eu poderia apostar que quiseram casá—la com seu noivo antes que

ele partisse para França — disse secamente, enquanto se levantava pararecolher os restos da comida. — Mas seu pai proibiu isso.As faces da jovem perderam toda a cor; ficou boquiaberta e sua voz foi

quase inaudível.— Como sabe?Rhys apenas a fitou, irritadíssimo pelo fato dela não demonstrar bom

senso em um assunto tão importante.— Porque seu pai conhecia James, obviamente, e devia saber que

carecia de aptidões militares. Nenhum homem casaria a filha, de bom grado,com alguém que não fosse capaz de defendê—la. Sem dúvida seu pai pensouque James morreria em França ou demonstraria ser melhor guerreiro do quetinha sido até então – ele encolheu os ombros – e seria preferível esclarecer isso antes de permitir o casamento ou fazê—la desistir das bodas. Seu paicumpriu com a responsabilidade que tinha para com você, tal como eucumprirei com a minha para com nossas filhas, se Deus nos conceder isso.

Dito isso, Rhys começou a guardar a comida com gestos selvagens.Madeline não disse nada, embora ele percebesse seu olhar de desconcerto. Nãotinha tido intenção de feri—la. Mas não permitiria que ela jogasse em cima

dele a reputação do grandioso James, esse santo homem, cada vez que nãocorrespondesse às suas expectativas. Sobre tudo considerando que, muitoprovavelmente, esse homem vinha perseguindo—os. Talvez não pudesse evitar que Madeline se visse forçada a escolher entre ambos, mas faria o possívelpara que, se fosse assim, o fizesse sem ilusões.

Lançou um olhar atrás e viu que ela tirava o embrulho de roupa sob asaia; as lágrimas lhe rodavam pelas faces de tal maneira que ele se sentiu cruel.Ela não tinha culpa de ter amado esse idiota do James.

— Deixe Madeline — disse em voz baixa.— Seu estratagema é bom.

Ela se deteve para olhá—lo, com o rosto sulcado de lágrimas.— Amo James. Isso jamais mudará.— Compreendo. — Rhys estava contrito por haver falado duramente

com ela — Por respeito a você, não voltarei a mencioná—lo. Mais ainda, peçodesculpas por ter perdido os estribos a tal ponto.

— Jamais amarei a outro – repetiu ela, com voz rouca.Rhys fez um seco gesto afirmativo e virou—se; tinha compreendido

bem o que ela dissera. Sentia um vazio em seu interior: mágoa, por Madeline

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não poder oferecer a ele tudo o que tinha devotado a James. Mas já estavahabituado a conformar—se com despojos alheios.

Depois de selar os cavalos ofereceu uma mão a ela. — Venha, senhora.É hora de continuarmos a viagem.

Rhys FitzHenry não tinha coração. Tinham—na casado com um homema quem não importava se ela não o amasse jamais. Mas essa revelação não eratão assombrosa, depois de tudo. Não diziam que a mulher se casa a primeiravez por obrigação e a segunda por amor? Teria que sobreviver a Rhys para ter a possibilidade de conhecer esse amor em seu segundo matrimônio. Aperspectiva parecia distante. Continuaram a marcha em carrancudo silêncio;aos ouvidos de Madeline só chegava o gorjeio dos pássaros e, de vez emquando, um sussurro nos arbustos. Ao menos ninguém os perseguia.

E o clima não era tão mau como se podia esperar. Era uma fraca amostra

dos favores da sorte, mas isso não tinha remédio.Madeline observava Rhys, perguntando—se quais seriam ospensamentos que ele ocultava. Que eram muitos estava bastante óbvio. Por desgraça, também era óbvia sua indiferença ao amor. Esses ternos sentimentosnão deviam ter nenhuma importância para um guerreiro como ele. Madelinetinha visto o fulgor de seus olhos ao falar de Caerwyn; sem dúvida amava aotorreão. Embora não devesse surpreender—se com o fato de ele só sentir afetopor bens materiais, ela sentiu uma profunda desilusão.

Talvez se provocasse Rhys, Madeline pudesse trazer à superfície seussegredos ocultos. Afinal, tinha bem pouco a perder. Ela lançou um olhar sobreele; ao notar que parecia mais carrancudo que de costume, açulou seu corcelpara aproximar—se um pouco mais. O marido dedicou—lhe uma rápida únicaolhada, antes de voltar a vigiar incansavelmente a folhagem sombria de ambosos lados da estrada. Caía à noite; uma triunfal mancha rosada tingia o anil docéu ocidental.

— A quem você conhece em Glasgow? — perguntou ela.Casualmente, Rhys ficou mais carrancudo.— Isso não tem importância.

Madeline não esperava uma confissão fácil. Mas podia ser igualmenteteimosa. E era hora de que ele enfrentasse essa verdade.

— Como pode conhecer alguém nessa cidade? Glasgow esta muitolonge de Gales.

— Isso não tem importância.Rhys afastou seu cavalo do atalho para abrir passagem pelo bosque, com

isso impossibilitando qualquer conversa. Madeline aguardou impaciente, atéque ele se detivesse em uma clareira pequena, junto a um riacho. Ali ele

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desmontou, movendo—se com segurança entre as sombras, e a ajudou a fazer o mesmo.

— Vai simplesmente de visita ou espera receber ajuda desse amigo? — perguntou ela, mantendo deliberadamente o tom corajoso. Pela insistência, ela

só conseguiu um olhar duro, mas levantou um dedo antes que ele pudesse falar e acrescentou:— Acredito que isso tem, sim, importância.Rhys deu de ombros.— Eu discordo.Depois ele desatou seu alforje para retirar algo e entrou no bosque.

Gelert correu atrás dele, balançando o rabo como um esfarrapado estandarte.Desapareceram em cinco ou seis passos. Depois de outros cinco ou seisMadeline já não podia sequer ouvi—los. Em poucas palavras, tinhaabandonado—a com suas perguntas. Chamou—o aos gritos, mas isso de nadaserviu; os ruídos do bosque se fechavam ao redor dela. Os cavalos desceram acabeça para pastar, agitando a cauda e chocando amigavelmente seus flancos.

Aquele homem tinha as maneiras de um javali! Madeline voltou a gritar,embora não esperasse resposta. E não a recebeu.

Vadio! Rufião! Rhys FitzHenry era o homem mais mal educado detodos os que ela tivera a má sorte de conhecer. De maneira que ansiava umfilho varão, não? Pois bem, já seria afortunado se voltasse algum dia a estar entre as coxas dela. Com uma atitude dessas, ele teria que se consolar com umacentena de prostitutas. Que tipo de homem deixa uma mulher sozinha nobosque à noite? Nenhum que se de preze, por certo! Madeline apertou osdentes. Depois desatou os alforjes e os deixou cair no chão. Como ele não tinhaescudeiro, lhe tocava oficiar de tal para que os cavalos não padecessem.

Condenado homem! Desenrolou as duas mantas que continha o saco deRhys. Só pôde desencilhar ao palafrém, pois a sela do cavalo de batalha eramuito grande e a besta em si, muito alta. Logo deixou as rédeas caírem sobre atesta dos animais para que pudessem pastar, enquanto ela procurava a escova.Certamente, para que queria Rhys um escudeiro se tinha esposa? Escovou com

vigor aos dois cavalos, pois não tinham a culpa de que seu amo fosse um vadioegoísta. Não havia mérito algum em permitir que adoecessem pelo frio dopróprio suor.

Enquanto trabalhava amaldiçoou sonoramente a irresponsabilidade deseu marido. Quando acabou se dedicou a recolher lenha para acender fogo.Supostamente, a presença do cavalo indicava que Rhys retornaria, mas ela nãoapostaria seu último tostão nessa possibilidade. Tampouco podia confiar emque, a sua volta, provesse a comida para ambos. Era bem possível que tivessefarejado alguma taverna à distância e se dirigiu para lá para desfrutar do

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Rhys não estava tão contente. Ao aproximar—se observava a Madelinecom um olhar cauteloso, sem deixar de sacudir o peixe para lhe tirar as folhassecas.

— Esta irritada — disse, como se essa reação fosse inexplicável.

— Que esplêndida fortuna, me haver casado com um homem tãoperceptivo!

— Aonde achava que tinha ido?— Ao inferno, talvez.Ela cruzou os braços contra o peito; apesar de seu aborrecimento,

intrigava—a essa atitude. Era possível que ele não compreendesse o medo quelhe tinha feito passar?Soube que o olhar de seu marido, ao deslizar—se por suas feições, não passava por cima nenhum detalhe.

— Não pode ter pensado que a tinha abandonado! — protestou ele, aoocorrer—se o a possibilidade.— Mas que outra coisa podia pensar?Madeline virou—se para atender o fogo. Quase podia ouvir os

pensamentos de seu marido ao observá—la.— Eu cuido do que me pertence— ele concluiu.Ela soprou.— Quanto me alegra saber que me conta entre suas posses! Como a sua

sela ou sua faca. Ou esse galgo, talvez.— Cravou um pau na fogueira.— Sentimentos como esse reconforta um coração.Ouviu seus passos justo antes que ele a agarrasse pelo cotovelo e a

fizesse virar para ver o fogo de seus olhos.— Reclama sem motivo! Ali há um rio. Não o ouve? — Sacudiu a

cabeça, irritado.— Como não lhe ocorreu que eu iria por algo com quepreparar uma comida quente? Deveria ter sabido que retornaria.

— Pois não sabia.

— Entretanto, acendeu fogo.— Lançou as chamas uma olhada dedesaprovação.— Uma verdadeira pira, na verdade. Se continuar ardendoassim, os que nos perseguem nos acharão sem o menor esforço. Que ele fossecapaz de criticar sua iniciativa nesse momento já foi muito.

— E talvez encontrem a sua presa bem assada sobre as chamas!Madeline chutou parte da lenha fora da fogueira, sob o olhar atônito de

Rhys. Depois pisou nos ramos acesos. Quando acabou o fogo era muito menor;também sua irritação para com Rhys. Mesmo assim, quando se virou para olhá—lo no rosto, o fez com os braços na cintura.

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— Está melhor assim, meu marido? No futuro me deixe instruções maisexatas, para que possa satisfazê—lo plenamente!

O ar quase crepitava entre eles; por fim Rhys meneou a cabeça.— Não posso acreditar que tenha tido medo— disse carrancudo,

enquanto limpava o peixe com gestos decisivos.— É muito intrépida para seassustar com as sombras.

— Com as sombras, não, mas sim dos lobos e seus apetites.Nesse momento uivou outro, para dar ênfase a seu argumento. Rhys

inclinou a cabeça para escutar.— Não se aproximam — disse, com uma segurança que ela não sentia.— Mesmo assim esta noite não poderei dormir.Lançou—lhe um olhar penetrante.— Nunca passou a noite fora das muralhas?— Só uma vez — admitiu Madeline, tensa.— Alguns dias atrás.A princípio pensou que Rhys não a tinha ouvido, pois não respondeu a

suas palavras. Atravessava metodicamente o peixe em paus que devia ter descascado e afiado enquanto esperava que os peixes mordessem a isca. Logocravou os paus em terra, de modo que formassem um tripé, e cuidou de que ospeixes ficassem em ângulo por cima das chamas. Só então pareceu reparar nela.

— Pode cuidar de que não se queimem? Virá—los é fácil. Assim.Fez virar um pau a modo de demonstração. Ela assentiu a contra gosto.

Ele inclinou a cabeça, para dissimular o lampejo de seus olhos. Por ummomento Madeline temeu que estivesse zombando dela. Em troca Rhys faloucom suavidade.

— Juro—lhe que retornarei assim que tenha deixado a mensagem aoslobos, lhes encomendando deixar que minha senhora durma toda a noite empaz.

E se afastou a grandes passos. Em um primeiro momento Madeline nãosoube o que faria. Sua sombra se deslizou detrás de uma árvore. Só para ouvir o ruído de um líquido que caía adivinhou do que se tratava. Rhys estavadeixando aos lobos uma mensagem que pudessem entender: delimitava operímetro do acampamento com sua própria urina, tal como fazem os lobospara marcar seu território.

E o fazia para tranquilizá—la. Como seguir zangada com um homem deencanto tão silvestre? Seus irmãos nunca teriam feito algo assim paratranquilizá—la; teriam se limitado a acossá—la com brincadeiras até que elanão se atrevesse já a expressar seus temores. Uma vez mais Rhys a tinha

surpreendido. Madeline piscou para conter umas lágrimas inesperadas; logo

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dedicou uma exagerada atenção ao peixe. Enquanto isso ouvia sussurrar os pésde Rhys, que caminhava em volto do acampamento, detendo—se a cadainstante para deixar uma missiva aos lobos.

Houve uma pausa; depois o ouviu chapinhar no rio que até então tinha

passado por cima.Na verdade não estava habituada a prestar atenção aos sons da selva,

mas o ruído da corrente era fácil de distinguir, se prestasse atenção. E ocoração voltou a espremer—se o ao compreender o que Rhys estava fazendo:esse homem exasperante lavava—se antes de compartilhar a refeição com ela,como se quisesse demonstrar que suas maneiras não eram de todo más.Madeline não teria esperado dele que se preocupasse tanto por seus medos eesperas. Mas assim era. Embora não estivesse habituado a compartilhar seuspensamentos, e nem sempre entendendo ou prevendo as preocupações de umaesposa, o homem se esforçava para que essa união tivesse êxito. Devia—lhealgo mais que resmungos dignos de uma taberneira.

Vigiou com diligência o peixe, que emanava um aroma muito tentador;seu estômago vazio começou a grunhir a modo de protesto. Rhys retornou como cabelo molhado e o casaco nas mãos, a camisa fora das calças aderida à peleúmida. Através do tecido molhado Madeline viu o contorno de seu peitomusculoso e os pelos negros. Então lhe secou a boca um apetite incitado por algo que não era o peixe. Rhys se aproximou do fogo, sacudindo o cabelo daágua, e revistou o assado com olho perito.

— Irá bem com esse pão — foi quanto disse.Mas seu tom era cordial. Madeline compreendeu que queria deixar a

disputa atrás. Ela também, de maneira que lhe ofereceu um sorriso vacilante.— Deveria ficar perto do fogo até que seque. Deixe—me trazer o pão.Ao ver esse sorriso ele piscou; depois cravou no peixe um olhar

carrancudo.— Não era minha intenção assustá—la, mas devo confessar que, quando

tenho a pança vazia, me nubla o cérebro.Madeline aceitou sua desculpa com um gesto de assentimento.— Já o compreendi. Perdoe minha irritação.O cenho de Rhys se enrugou até mais.— Estava justificado. Não estou habituado a viajar com outra pessoa,

muito menos com uma senhora da nobreza.— Ou uma esposa?Então ele esboçou esse sorriso que derretia todas suas reservas.— Ou uma esposa, anwylaf.

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Ele também sufocou uma risada. Gostou de ver esse lampejo em seusolhos, a expressão que adquiriam quando a provocavam. Bastou isso comotentação para que perguntasse o que na verdade desejava saber:

— Quem o traiu?

Rhys ficou petrificado; seu olhar se ergueu pouco a pouco até achar odela. Madeline não piscou nem afastou a vista. Ele tinha os olhos sombrios euma expressão insondável, mas vacilava tanto que ela se atreveu a esperar umaresposta.

Por fim o viu mover a cabeça e voltar sua atenção à comida.— Não sabe se alguém me traiu.— Eu poderia apostar que sim.— Você nada tem a apostar.

— Ofereceu—me um relato como pagamento.No pescoço de Rhys se moveu um músculo; sua voz se tornou grave.— Esse não, Madeline.Ela o conhecia o suficiente para não insistir.— Pois bem, me fale de Caerwyn.Seu rápido olhar foi penetrante.— Por quê?

— Porque você a quer.— Todos a querem. Logo verá assim que chegarmos.Madeline fez um esforço para não perder a paciência que diminuía

rapidamente.— Minha tia Rosamunde parecia conhecê—lo. – ele ficara tenso com

essas palavras ou era imaginação sua? — É assim?— Sim — disse sem olhá—la.— Como foi?Rhys deu de ombros.— É uma história muito longa.Madeline apertou os dentes. Obviamente ele não estava disposto a

entregar sem mais o pagamento que tinha oferecido.— Ela me recomendou que não julgasse às pessoas por seu aspecto, nem

sequer por sua reputação. Thomas disse mais ou menos o mesmo. O que sabemeles sobre você, que eu ignoro?

— Como eu vou saber? Teria que perguntar a eles.

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— Acredito que passará muito tempo antes que possa fazê—lo!Ele esteve a ponto de sorrir.— Duvido que esqueça alguma pergunta, por mais tempo que passe. —

Ele se serviu de outra fatia de pão.— Você se empenha em ser o homem mais irritante de toda a

Cristandade, ou esse é só um talento inato para guardar segredos? Nunca sentitanto desejo de atacar outro ser vivo como o que venho sentindo desde que oconheço.

Então Rhys sorriu plenamente; a expressão afastou as sombras de seusolhos.

— A arte da evasão é um talento que se aprende, mas é certo que opossuo. — Ele acabou sua refeição se estendeu sobre o capote, com ostornozelos cruzados e o peso apoiado em um cotovelo, para observá—lacalorosamente. Seus olhos sorriam de uma maneira muito feiticeira. – Acabaram—se as perguntas?

— De que serviriam?— Não acredito que renuncie ao seu pagamento com tanta facilidade.Achava—a persistente. Madeline examinou os arredores, sem saber

como perguntar algo que ele se dignasse a responder. O galgo se levantou edepois de sacudir—se, virtualmente se jogou sobre as sobras de peixe.

— Por que chama seu cão de Gelert?Rhys suspirou; seu olhar caiu sobre o animal.— Tomei esse nome de uma antiga lenda que me agrada.— Conte—me.Para alívio da jovem, ele não se opôs. Estalou os dedos e o cão foi para

o seu lado e deixou—o coçar suas orelhas; seu deleite fez que ambossorrissem.

— Dizem que há muito tempo existiu um cavalheiro que tinha umcastelo com seu nome, uma aldeia e algumas terras. Como não tinha maiscompanheiros que seu corcel, sua armadura e seu fiel galgo Gelert, decidiuprocurar uma esposa. Conheceu uma jovem de família nobre e, como ambos seagradaram um do outro, casaram—se. Com o tempo tiveram um filho varão.

— Só o galgo tem nome nessa lenda?Rhys sorriu abertamente, sem deixar de coçar as orelhas do animal.— É que só o galgo tem importância.Quando ele sorria assim, Madeline custava a pensar com clareza. Ao fim

e ao cabo, a similaridade entre esse conto e a história de ambos era evidente.

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horrível para chamar assim ao cão. Mas não teve oportunidade de dizê—lo,pois Rhys já continuava, com palavras tão melodiosas que a história pareciaenfeitiçá—la.

— Mas no caminho de ronda havia uma camponesa que tinha vindo

implorar caridade ao cavalheiro; como ele ainda estava caçando, ela decidiuaguardar sua volta. A mulher tinha visto a serpente sair pela janela dahabitação e desaparecer por um buraco da parede do porão. Depois presencioua volta do cavalheiro e a angústia que se seguiu. Só ao inteirar—se do quetinha acontecido pensou na serpente. Quando foi recebida em audiência, emvez de apresentar seu pedido contou o que tinha visto. Imediatamente elemandou procurar essa serpente estranha.

Madeline estremeceu. Era como se a noite se aproximasse mais e mais.Rhys se levantou para jogar mais lenha ao fogo. Em cócoras do outro lado dafogueira, olhava fixamente as chamas; a luz dançavaatravessandosua camisa,pintando o peito dele de ouro; ela ansiou deslizar novamente a mão por suapele quente. Por fim ele continuou falando, embora parecesse fascinado pelofogo.

— Acharam a besta no porão, onde estava há anos e anos escondidaentre as pedras e os tonéis. Embora profundamente adormecida, seu tamanhoera inspirava medo. Mesmo assim o cavalheiro e seus homens a atacaram, lhecortando a cabeça. Foi preciso três golpes de três diferentes espadas de açopara quebrar aquela horrenda armadura. E então, quando o sangue da víboramanchava as botas deles, ouviram o pranto de um bebê.

— Ah! — exclamou Madeline, levando as mãos cruzadas aos lábios.Rhys, com um sorriso, foi sentar—se ao seu lado e entrelaçou os dedos

dela nas próprias mãos quentes. Esfregou—os suavemente entre as palmas,acendendo nela outro tipo de calor. Ela percebeu o aroma da pele dele e vibroucom sua proximidade.

— Quando o cavalheiro e seus homens olharam dentro do cadáver daserpente, acharam o filho do cavalheiro, ensanguentado e apavorado, mas deresto ileso. Assim souberam finalmente a verdade do que aconteceu naqueledia.

— Mas o cão... — murmurou ela.Rhys pegou um dos cachos dela entre os dedos, fazendo—a virar à luz

das chamas, como sob uma estranha fascinação. Madeline conteve o fôlego.— Sim, o cão tinha morrido. E sem motivo. O cavalheiro, desesperado,

compreendeu que tinha matado injustamente ao seu criado mais leal. Ecompreendeu a enormidade de seu pecado.

Madeline estreitou a mão dele com força, enquanto o Gelert presentecomeçava a roncar, muito satisfeito. Sem dissimular seu gozo, o cão estendeu

—se na depressão deixada por Rhys em seu capote.

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— A babá, cujo testemunho tinha condenado o galgo, abandonouimediatamente as terras de seu senhor e não a voltou ser vista. O cavalheiroconstruiu com as próprias mãos um altar em memória de Gelert; dali em diantepassou seus dias em jejum e penitência. Suas terras perderam o favor de Deus eo torreão ficou em ruínas, com exceção desse altar que todos visitavam.Entretanto, ele não se queixava, pois sabia que era sua retribuição pela pressa eimpiedade com agira. Sua esposa retornou ao lar paterno levando o menino e oabandonou a sua dor. Mas o cavalheiro continuou cumprindo incansavelmentesua penitência. Rhys, com um suspiro, entrelaçou melhor os dedos aos deMadeline.

— E dizem que quando morreu o cavalheiro, e enfrentou o julgamentofinal, aos pés de Deus estava seu galgo Gelert, leal por toda a eternidade,implorando clemência para seu amado amo.

Madeline limpou as lágrimas com a barra da saia; ela morria devergonha ao ver que Rhys tinha os olhos secos enquanto que os seus estavammolhados.

— É um bom narrador, meu marido.— Sou galês — replicou ele em voz baixa. Desta vez havia um toque de

humor em seu tom.Madeline ofereceu um sorriso vacilante.— Deveria me surpreender que o tema seja a lealdade mal paga?Rhys deu de ombros e contemplou o cão, como se a observação o

surpreendesse. Madeline tocou—o no queixo; ao rodeá—lo com a mão, a barbacheia ardeu em sua palma. Assim incitado, ele baixou a vista para ela. Em seusolhos havia sombras que ela ansiava por afastar.

— Quem traiu você, Rhys? — perguntou, sem ter sequer a intenção defazê—lo. Logo mordeu o lábio; gostaria de poder retirar a pergunta, pois nãofaria mais que levantar novamente a muralha entre eles.

Rhys entreabriu os lábios; logo voltou a fechá—los. Madeline estavasegura de que a deixaria sem resposta uma vez mais, porém, abruptamente elea encarou com ar solene.

— Meu pai – ele admitiu, em uma confissão rouca.— Mas você não era seu único filho varão?— Sim. — Rhys inclinou a cabeça e beijou—a na ponta dos dedos. A

luz do fogo dançava nos cachos de ébano dela. Falou dentro de sua mão,ocultando os olhos. — Mas era só um bastardo, afinal. E embora eu o servissebem, um bastardo filho bastardo não era bom o suficiente.

Madeline entreviu a ferida que essa traição tinha deixado; foi uma visãofugaz da dor que ele escondia com singular habilidade. Inclinou—se para lhe

beijar a mão, perguntando—se de quem eram as lágrimas cujo sal percebia em

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sua pele. Aproximou—se um pouco mais para beijá—lo na comissura doslábios; ele estremeceu sob essa carícia. Como podia pretender que Rhys, dada asua história, compreendesse a ideia que ela tinha do matrimônio? Nunca tinhavisto uma união por amor, nunca tinha podido confiar naqueles em quemdeveria apoiar—se. Só havia uma solução, teria que ensina—lo a confiar nela.Teria que demonstrar ao seu marido os méritos de uma união amorosa emonógama. Não punha em dúvida que isso era possível. Mais ainda, percebiaque Rhys ansiava confiar nela, mas não se atrevia a fazê—lo por medo de quese repetisse o que já tinha suportado. Por sorte, ela era tão persistente como eleachava. Deslizou os dedos pelo cabelo dele, sem afastar seu rosto. Quase pôdeouvir como se acelerava o coração de Rhys.

— Confio em que, quando tivermos um filho, não cometeremos omesmo engano com este galgo.

Rhys sorriu com tristeza.— Não há serpentes em Caerwyn.— E ainda não há criatura alguma em meu ventre. — Agarrou—o pelas

mãos para levá—las à sua cintura. Ao ver o brilho dos olhos negros soube queessa noite ansiava estar com ele, acima de tudo. Desejava sentir seu calor dentro dela, ser rodeada por seu abraço. — Temos filhos que conceber Rhys.Essa foi nossa aposta e quero que ganhemos.

Tinha interpretado acertadamente o desejo de seu marido. Assim quepronunciou esse convite se achou de costas, com Rhys sobre ela e seu beijoexigindo resposta. Atou os dedos em seu cabelo e o aproximou até mais. Logoela correspondeu como ele exigia. E o fez, por certo, com muito gosto.Madeline descobria seus segredos mesmo que ele pensasse tê—losdissimulado. Parecia capaz de olhar diretamente dentro de seu coração, deextrair o que ele teria preferido ocultar dela a todo custo. E o pior era que elanão se importava.

Madeline oferecia uma honradez e uma lealdade que ele tinha feitopouco por merecer; bem sabia. Brindava—o com sua pessoa, sua paixão e seuengenho, e ele se apropriava com entusiasmo desses dons. Rhys lhe daria filhosvarões, dar—lhe—ia prazer e um lar do qual ela se sentiria orgulhosa. Defendê

—la—ia de todas as ameaças, com sua espada e com sua vida, caso necessário.Se não pudesse ser o dono de seu coração, o que ela oferecia já era mais quesuficiente. Era mais do que pessoa alguma jamais dera a Rhys FitzHenry. E elesuspeitava que fosse mais do que merecia. Era um patife desavergonhado. Essacarícia que recebia era na verdade um roubo, a tinha obtido por meio deenganos. E mesmo sabendo a verdade Rhys não a revelava. Era um verdadeirocanalha; que classe de traidor podia aceitar o que a dama oferecia sem contar aela que seu amado James estava muito vivo?

Então Madeline o beijou apaixonadamente, afastando todas essaspreocupações de sua mente. Tinha aprendido com presteza como acender o

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prazer no leito. Sua língua duelava com a dele; suas mãos o percorriam por inteiro, como se ela também estivesse impaciente. Rhys se obrigou a controlar o ritmo do amor, dando—se tempo para saboreá—la. Quebrou seu beijo paratraçar com os lábios um atalho até sua orelha; quando ela sussurrou seu nomeem tom de queixa, ele sorriu contra a suavidade de sua pele. Depois seestendeu ao seu lado e deslizou com delicadeza uma mão por suas curvas,enquanto beijava a orelha dela.

Madeline agitou—se, inquieta, e sua mão caiu sobre o laço das calçasdele.

— Paciência — aconselhou Rhys em voz baixa. — A recompensa émaior quando nos aproximamos dela lentamente.

Em resposta, ela virou a cabeça e selou os lábios dele com os seus. Rhysse apoderou daquelas mãos incansáveis e as levantou por cima da cabeça dela,

enredando os dedos aos seus. Madeline arqueou as costas e ele usou a mãolivre para desatar os lados de seu vestido. Depois deslizou a mão sob o tecidopara excitar os mamilos até que formaram picos. Ela se retorceu ao seu lado;seu aroma o atormentava. Não se surpreendeu por descobrir que ela já estavase umedecendo entre as coxas, nem que separasse as pernas ante a incursão deseus dedos.

Continuaram a se beijar como se estivessem decididos a devorar—semutuamente; o apetite de Madeline crescia a cada instante. Ele se orgulhou depoder provocar essa reação nela; agradava—o ver que ela o buscava. Erampoucos os obséquios que podia conceder a ela, mas esse era um deles. Umrubor cobriu as faces dela, um estremecimento se apoderou de seu corpo. E eleainda insistia em levá—la mais adiante. E quando enfim Madeline gritou, elebebeu o som de seu prazer com satisfação própria.

Por um momento ele permitiu que ela recuperasse o fôlego; logo seusdedos voltaram a mover—se contra suas partes macias. Ao ouvi—lapronunciar seu nome em um arquejo sorriu, sem deter—se.

— Outra vez? — murmurou ela, enquanto seu corpo já correspondia.— As mulheres podem gozar várias vezes na mesma noite, tal como já

sabemos. Quer que averiguemos com qual frequência? — Acenderam—se osolhos da jovem; ela aproximou—se mais dele e seus dedos caíram sobre aereção que esticava as calças masculinas.

— E os homens?— Sim, também podem. Mas esta noite procuraremos minha satisfação

só uma vez. — O sorriso de Madeline lhe esquentou o coração.— Porque ainda teme me machucar. — Apertou os lábios contra a

comissura de sua boca, com o que esteve a ponto de enlouquecê—lo. — Nãoquero desgostá—lo, Rhys.

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— Não há motivos para temer isso — grunhiu ele. E voltou a mover osdedos contra ela. O segundo orgasmo se produziu com mais celeridade, emboratenha sido mais veemente que o primeiro. Cintilavam—lhe os olhos e estavaruborizada até o carmesim, mas mal dado o grito começou a puxar a camisa.

— Não posso esperar mais, Rhys — sussurrou. Sua urgência era músicaaos ouvidos do guerreiro. Ele tirou precipitadamente as botas e as calças, masao ver que ela ia tirar a saia a deteve.

— Não, ficará com frio — ele aconselhou.Depois deslizou sob a barra. Seus olhares se encontraram; ela entreabriu

os lábios enquanto Rhys penetrava em seu calor, flexionando as costas até lhetocar a fronte com a sua. Aplicou toda sua vontade a proceder pouco a pouco,mesmo que sua esposa começasse a mover—se debaixo dele.

— É uma mulher audaz — provocou. Ela, rindo, cruzou as mãos emvolta de seu pescoço e o fitou com tanto prazer que Rhys teve uma ideia.

— Segure—se. – disse. E rodou prontamente até ficar de costas.Madeline abafou uma exclamação, embora ele continuasse sepultado dentrodela. Depois riu de novo ao ver—se montada em seu marido. Apoiou as mãosem seus ombros, rindo, com o cabelo encantadoramente desalinhado.

— O que devo fazer?— O que desejar — replicou ele, sorridente — eu sou teu cativo.O sorriso de Madeline se tornou então perverso. Contra o conselho de

seu marido, tirou a saia e a regata. A luz das chamas acariciava suas curvascom amor, dourando—a como o tesouro que era. Alexander não se equivocouao dizer que era uma joia, embora valesse muito mais que o preço pago por ela.Rhys ficou fascinado ao ver como o observava, ao detectar o brilho datravessura em seus olhos. Quando ela começou a mover—se sentiu que nãopoderia resistir. Aferrou—a pelos quadris, sem deixar de olhá—la, lutandocontra seu corpo, que desejava a liberação. Ela sentia prazer tanto ematormentá—lo que Rhys teria querido sofrer toda a noite, embora não pudesseser. Com cada vaivém se esticava mais,

Sentia—se mais invencível. E a suavidade feminina se atava um poucomais ao redor. De repente Madeline se estendeu sobre seu peito para beijá—losonoramente. Deu beijos até sua orelha, como tinha feito ele, e Rhys temeu queseu coração parasse. Estreitou—a contra si, pois adorava a pressão de seusseios, o enredo de seu cabelo contra a boca. Moveram—se juntos, em perfeitaharmonia, e ele sentiu uma vez mais o profundo estremecimento quedespertava dentro dela.

— Rhys! — exclamou Madeline com um arquejo, assaltada pelotumulto.

Ante seu suspiro de prazer ele não pôde conter—se mais. Seu grito detriunfo ressoou em todo o bosque, sem que lhe importasse quem pudesse ouvi

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—lo. Demorou longo tempo em aquietar a respiração e ainda mais em acalmar o ritmo errático de seu coração. Os olhos de sua esposa se fecharam quaseimediatamente; as pestanas escuras formavam meias luas contra a pele clara,ele a beijou na têmpora, arrebentando de afeto.

— Será um varão, decididamente — murmurou ela contra seu pescoço,sonolenta. E Rhys sorriu. Depois de envolvê—la cuidadosamente em seumanto se levantou para apagar as chamas. Enquanto se vestia a contemplava àluz das brasas. Logo se reuniu com ela no leito improvisado, expulsou o cão ecobriu com o capote seu próprio corpo e o de Madeline, embalando—a contraseu peito. Só então pôde dormir, com o calor de sua esposa curvado contra ele.E na verdade estava contente.

Capítulo 12

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Ao despertar Madeline se achou com o dedo enluvado de Rhys contra oslábios e sua boca contra o ouvido. Abriu bruscamente os olhos. Ele apoiava opeso de seu corpo nos cotovelos para protegê—la de alguma ameaça. Estavavestido e bem acordado; seu olhar vigilante percorria todo o acampamento.Gelert também estava alerta; um leve grunhido escapava de seu peito. Rhyssussurrou uma só ordem, provavelmente em galês, e o cão calou. Ainda tinha opelo do pescoço arrepiado e estava quase tão atento como Rhys.

Só então percebeu Madeline o som de uns cascos que retumbavam nobosque. Ainda estavam longe, mas foram para ali; o passo dos cavalosassinalava que seguiam o mesmo atalho por onde ela e Rhys tinham chegadoao dia anterior.

— Cavalos de batalha — murmurou, reconhecendo o ruído dascavalgaduras pesadas.

Rhys assentiu.— Três.Madeline escutou com atenção e notou que os corcéis vinham da direção

de Moffat. Deviam ser seus perseguidores! Mas nesse caso tinham divididoforças, pois no dia anterior eram seis. Madeline mordeu os lábios; não queriapensar na sorte que Rhys correria se o capturavam. Esforçou—se por recordar o que sabia da estrada para Glasgow, pois frequentemente tinha ouvido falar desses temas seu pai e seu tio. Era vantajoso ter uma família tão dedicada aocomércio. Às vezes Tynan entregava sob protesto as relíquias vendidas por Rosamunde; em outras oportunidades Michael enviava falcões adestrados emInverfyre. Quando a família se reunia todos os homens discutiam as rotaspossíveis. Agora Madeline se alegrava de ter prestado atenção.

O ruído de cascos aumentava sua potência e se aproximavaperigosamente. Rhys baixou um pouco mais e ela sepultou o rosto em seuombro. Os cavalos passaram sem deter—se e o ruído se apagou à distância,com o mesmo rumo que eles pensavam seguir esse dia. Rhys aguardou umlongo minuto antes de levantar—se. Assim que o fez, Madeline se levantou deum salto para vestir—se precipitadamente; sabia muito bem o que era precisofazer. Depois de urinar, lavou—se mais depressa que nunca; a sua volta achou

os cavalos já selados.Ela abriu um dos alforjes para oferecer a Rhys uma parte de pão, outro

de queijo e uma maçã. Ele, vacilante, observou o ângulo do sol baixo;obviamente calculava quanto poderiam percorrer durante o dia.

— Precisamos comer — aconselhou ela, severa. — E não será nadaconveniente viajar pisando—lhes os calcanhares.

— Procuraria uma bifurcação da estrada. — Rhys aceitou comimpaciência o alimento e o conselho. Ao menos cedia ante ela. — Deve haver outro caminho, algum que eles não tenham previsto.

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— Acredito que há uma bifurcação, sim, possivelmente em Abington.— Enquanto Madeline tratava de recordar o lugar exato, Rhys a observou cominteresse. — O caminho do este leva ao Edimburgo; o do oeste, a Glasgow.

— E deve haver caminhos secundários que os unam, atalhos para quem

viaja em direção oposta.Rhys se agachou para recolher um punhado de cinzas da fogueira

apagada e começou a esfregar com elas a pelagem de seu cavalo. Arian pegouimediatamente um matiz mais escuro.

— Quando tratou com ladrões de cavalos jamais esquece seus ardis — ela comentou, aplicando logo outro punhado de cinzas ao outro flanco doanimal. O sorriso de Rhys se acendeu inesperadamente.

— A estratégia funciona enquanto não chova. Rezará pedindo bomtempo, minha senhora?

—Se meu marido fizer que valha a pena... — brincou ela.Gostava do relampejo de seus olhos. De repente o vento não mordia

tanto e a ameaça dos homens do Rei parecia mais remota. Sorriu a seu marido,com um comichão lhe dançando sobre a carne. Um ruído longínquo fez queRhys desse um pulo e perdesse imediatamente sua atitude alegre. Madelineestremeceu como se o sol se ocultara subitamente depois de uma nuvem,deixando frio o ar que tinha estado temperado.

— Talvez pensem que têm intenções de pedir clemência ante a corte dorei de Escócia — insinuou.

— Nesse caso poderíamos fingir que nos encaminhamos paraEdimburgo — murmurou ele. Logo a examinou com atenção e começou asorrir. — Soubestes desde o princípio que fugíamos dos homens do Rei. — Madeline emitiu um pequeno grunhido e rebateu: — Tenho certeza de quevocê não tem um só conhecido em Glasgow. — Ele negou com a cabeça: — Eeu tenho certeza de que não aceitará ficar pacientemente escondida aquienquanto eu inspeciono a estrada. — Ela confrontou seu aturdido olhar,confirmando: — Para o bem ou para o mal, meu marido, viajaremos juntos. — Rhys assentiu como se isso não causasse desgosto: — Sim. E para bem ou para

mau, anwylaf, chegaremos a nos compreender mutuamente – Ofereceu—lheuma mão. — Monte, minha senhora. A jornada será longa.E foi. Por três dias e noites perseguiram alegremente o grupo de cavalos

negros. Escondiam—se em celeiros e espreitavam nos bosques; voavam por uma estrada, fazendo todo o ruído possível, para retornar logo subitamente aolongo de algum riacho pouco profundo. Rhys prodigalizava suas fintas com talabandono que Madeline se perguntava se na verdade se aproximavam umpouco de Glasgow.

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Naturalmente lhes chegava o ruído desses grandes cavalos. Madelinemal chegava a ver as garupas escuras dos animais, pois Rhys sempre a ocultavadeles. Seus cascos trotavam ao passar frente ao lugar onde eles se escondiam; oruído de seu passo acelerava de medo o coração da jovem. No primeiro dia,aproximaram—se de Glasgow o bastante para entrar em uma rede e caminhosemaranhados nos arredores, coisa que deixou seu marido muito contente. Antecada bifurcação Rhys parecia escolher ao azar, desviando—se para aqui oupara lá através da campina. No primeiro dia o ruído de cascos ia seguindo—asde muito perto, mas com cada jornada transcorrida ela foi percebendo commenos frequência.

Foi no terceiro dia que caiu na conta de que se foram desviandopaulatinamente para o noroeste, circundando Glasgow pelo lado norte. Nessedia também se foi percebendo com menos frequência o ruído do grupo que osperseguia. Talvez na verdade tinham persuadido a seus perseguidores de que

foram para Edimburgo. Na quarta manhã, quando despertou o ruído da chuva,não ficavam rastros deles.Em redor tudo era cinza: muitas das árvores mal começavam a jogar

folhagem. O céu era uma infinita manta de nuvens cor estanho e a chuva jácomeçava a enlodar a estrada. Rhys se aninhou sob seu capote, vigilante esilencioso como o estava desde fazia vários dias.

— Esta noite haverá lua nova — disse resmungão, como se a notíciafosse muito importante.

— E isso o que significa?— Que devemos nos apressar. Levantou—se para sacudir a chuva do

manto. Depois selou os cavalos com rápida decisão.Madeline sabia que era preciso habituar—se à maneira de ser de seu

marido, mas essas declarações enigmáticas ainda podiam aborrecê—la.Entretanto estava certa de que, se lhe pedisse explicações, não receberianenhuma.

— Que idade tem você, Rhys? — perguntou enquanto recolhia asprovisões restantes. Reduziam—se a três maçãs. Era de esperar que esse planode apressar—se incluíra uma boa comida em algum momento do dia.

— Vi trinta verões. Por que a pergunta?— Teve contato frequente com mulheres?— Às vezes.— Olhava—a com desconfiança.— Por quê?— Mas nunca por mais de uma ou duas noites, certamente. Rhys

assentiu sem dizer mais.— Isso responde a minha pergunta.— O que pergunta?

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— Como é possível que um homem tão irritante pudesse sobreviver por tanto tempo. Se o tivessem casado antes, faz anos que o teriam encontradomorto no leito! Não há mulher neste mundo capaz de viver com tão escassainformação como dá.— Madeline mordeu sua maçã.— E até essa magramedida tem que lhe ser agarrada dos seus lábios bocado a bocado.

— Não obstante, cada vez que estive em um triz de aparecer morto noleito, como dizem, foi por ter revelado muitas coisas a uma pessoa em que nãodeveria ter confiado.— Rodeou impávido, o arnês no ventre do palafrém.— Acho que interpreta mal as coisas, minha senhora. Madeline deixou de comer para olhá—lo com assombro.

— Isso significa que me revela tão pouco porque ainda não me têmconfiança? Que motivos têm para desconfiar de mim?

— Que motivos eu tenho para confiar em você? — replicou ele,

sustentando—lhe o olhar sem vacilar.— Todas as noites gozamos juntos no leito!— Isso e a confiança são duas coisas diferentes.— Deveria me sentir insultada.— É muito inteligente para compreender que digo a verdade. Venha,

senhora, que é hora de reiniciar a viagem.Madeline permitiu que a ajudasse a montar, sem saber como agir ante

esse cepticismo. O que podia fazer para ganhar sua fé? Não imaginava destino

pior que passar a vida junto a um homem que não podia ou não queria lhe ter confiança.Tinha—a ajudado a fugir. Tinha compartilhado com ele o que sabia

dessas paragens. Estava casada com ele, com ele se deitava, tinha aceitado asua exigência de filhos varões e tratava de que o matrimônio respondesse asuas expectativas. Que mais podia fazer? Ou só tinha que continuar em seucurso atual para ganhar isso pouco a pouco? Talvez Rhys se mostrasse tão secoporque se sentia abrandar ante ela e temia as consequências disso. Teve temposuficiente para analisar a adivinhação, pois nesse dia seu marido não tinhadesejo de conversar. Cada vez que ela tentava dizer algo ele levantava um dedoimperioso, sossegando—a para escutar atentamente, se por acaso percebessequalquer sinal de perseguição.

E o tempo tampouco ajudava ao diálogo. Momento depois de abandonar o acampamento começou a chover, como se o dilúvio estivesse se repetindo. Achuva caía em lâminas, implacável, incessante, infinita. Em poucos minutosficaram empapados até os ossos; a água lavou muito em breve a fuligem queobscurecia a pelagem de Arian. Por sorte não parecia haver nenhuminteressado em identificar ao cavalo nem a esses dois cavaleiros loucos,capazes de sair em semelhante dia. A estrada estava tão deserta que Rhys

começou a cavalgar abertamente, a passo forçado.

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Sem explicação alguma se desviou rumo ao oeste. Madeline viudesaparecer para o sul as volutas de fumaça que deviam emanar de Glasgow.Obviamente não iriam à cidade. A jovem se perguntou qual seria o ponto dedestino, posto que adiante só houvesse terras altas e ilhas. E o mar, certamente.Percebia seu salitre no vento, seu sabor na chuva. Se aguçasse o ouvido,pensava distinguir seu ritmo em alguma costa próxima. Isso, ao menos, era— lhe grato, pois sentia falta do som e a visão do oceano. Embora não soubesseaonde ia nem o que desejava seu marido dela, além desses filhos varões,extrairia lições de seus relatos. Saborearia cada pequeno presente que chegassea ela. Esperaria com ânsias o momento de ver novamente o mar, em toda suaprateada majestade. Mas, no momento, teria que bastar. Como contraste, muitoao sul, no torreão de Caerwyn, o sol brilhava alegremente. O mar refulgia alémdos altos muros brancos que davam seu nome à fortaleza; os estandartesondulavam agitados pelo vento do mar; do alto chegava o grito das aves. E aviúva do Henry ap Dafydd estava irritada até o inexprimível.

Nelwyna disse a si mesma que já devia estar habituada com o fato dascoisas não se desenvolverem a seu favor, pois não tinha feito mais queconfrontar um obstáculo atrás de outro desde que, recém casada, chegara a essafortaleza. Mesmo assim cada novo desafio parecia um insulto, a negação detudo o que tinha sofrido e suportado com a esperança de alcançar finalmentesua ambição. Por fim, cada vez que algo saía mal ela ficava furiosa.

Tudo o que tinha desejado, tudo o que merecia, era ser senhora de umfeudo. Nem sequer lhe importava qual; até Caerwyn, a estas horas, era obastante. Nelwyna tinha casado com Henry ap Dafydd convencida de que seriasua dama, mas se enganara. Ele não tinha título algum, toda a riqueza familiar tinha passado a seu irmão mais velho, Dafydd ap Dafydd. Quando seu cunhadose apoderou de Caerwyn, ela esperava que o cedesse a Henry, mas ele ficoucom tudo. Até agora, com ambos mortos ambos, bem como os irmãos etambém a esposa e os filhos de Dafydd, Nelwyna era apenas uma regente emnome do enteado. Ficava com raiva ao recordar que podiam lhe tirar todaautoridade e na verdade assim seria de um momento para outro.

Não era justo!Nesse dia seu humor era muito azedo, sem dúvida; na verdade a manhã

tinha contribuído com muitos vexames para pôr a prova o ânimo de qualquer anciã. Nelwyna despertara com dor de articulações e os anos pesando em seusombros. Tinha dolorosa consciência de que não restava muito tempo paraalcançar seu objetivo. Caminhou penosamente até o salão, esperando ao menosfazer um bom café da manhã. Por desgraça não comeria sozinha, o bonito rostodessa condenada cortesã de seu marido, a faísca de sua risada, nãoacrescentaram brilho a essa manhã.

Pelo contrário, bastava ver Adele para que o sangue de Nelwynafervesse. Nunca se tinha habituado aos galeses e sua falta de consideração pela

santidade dos votos maritais, seu pouco interesse pela legitimidade. Quase

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quarenta verões atrás, quando Henry retornou de uma viagem com Adelevirtualmente no regaço, todos os da casa ficaram atônitos por ela não semostrar absolutamente satisfeita. Todo homem necessita de um filho varão,disseram—lhe. Todo homem deve fazer o que é preciso.

Deveria alegrar—se, disseram—lhe, de que lhe tirassem de cima a cargada responsabilidade, de que não se tornasse vergonha sobre seu nome.Nelwyna, rodeada de loucos e com o ventre teimando em produzir apenasfilhas, tinha simulado uma aceitação. Agira como se o plano tivesse muitosentido e, disfarçando o ressentimento, recebeu a rameira em sua casa com umfalso sorriso. Mas jamais aceitou realmente a presença de Adele. Rezoupedindo que essa prostituta morresse no parto; de nada serviu. Arquitetoudiversos planos para que ela sofresse um acidente fatal, mas a mulher tinha asorte dos anjos. Pior ainda, Adele parecia não envelhecer, fazendo Nelwynadetesta—la ainda mais, já que se sentia tão agudamente consciente de sua

idade. O rosto dessa mulher continuava quase tão liso como no dia de suachegada. Era serena e tão doce que quase dava dor de dente. Era o cúmulo dacrueldade que tivesse sido Adele quem desse ao Henry o filho varão tãodesejado.

— Olhe Nelwyna! — exclamou, quando a outra se aproximou da mesa.— Uma missiva de minha irmã Miriam!Ver nesse dia Adele mais feliz que decostume foi sal sobre suas feridas.

— Que maravilha. Tem sorte de que seus parentes se lembrem de você.— Nelwyna sentou—se à mesa e pegou sem remorsos a maior parte do mel.

Quando menos tinha direito a comer primeiro e nunca deixava de agarrar omelhor do que havia para oferecer.— Miriam fez muito bem ao tomar oshábitos e retirar—se da vida secular, uma vez morto seu marido. Era a indiretamenos sutil que se pudesse imaginar, mas Adele se limitou a sorrir.

— Eu tinha pensado que você também o faria. Depois de tudo já faz dezanos que Henry morreu e não tem filhos sobreviventes de que se ocupar. Oaviso de que o filho de Adele ainda vivia apesar de seus esforços, fez com queNelwyna chiasse os dentes; nesse momento, jurou vingar—se da cortesã.Como era vulgar e egoísta essa mulher! E ela era a única que percebia. Adele,ignorante de tudo, desdobrava a missiva para ler com ávido interesse, enquantoseus pequenos dentes brancos mordiscavam o vermelho lábio inferior. Erapossível que não tivesse um só cabelo prateado nessa cabeleira de ébano?

— Ai! — exclamou Adele. Tinha empalidecido. Franziu as sobrancelhase leu novamente a carta. Depois a guardou apressadamente na blusa.

— Más notícias? — perguntou Nelwyna. A outra lhe lançou um olhar breve.

— Não tem importância. Que bom o mel que trouxeram hoje!Nesse momento Nelwyna decidiu que devia ler à missiva. Teria

apostado que continha notícias das quais ela poderia tirar proveito. Novidades

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que poderia utilizar contra essa idiota bonita. Esse objetivo levou Nelwyna atéo quarto de Adele no meio de uma tarde luminosa. A cortesã sempre se retiravapara descansar pela tarde, velho costume que tinha adotado em vida comHenry. Naqueles tempos ele a acompanhava ao quarto; os ruídos do amor eramentão evidentes para qualquer que apoiasse um ouvido contra a porta. Em trocaela se via obrigada a recebê—lo já avançada a noite, quando estava farto decerveja e já tinha encharcado o membro nos molhos da outra.

Não sentia falta do velho vadio. A sua morte teria podido desfazer—seda rameira, mas a decisão não ficou em suas mãos. Por alguma loucura de seupai ou alguma mentira bem dita por seu marido tinham—na casado com o filhomais novo de Dafydd, que só herdaria se seu irmão mais velho morresse antesdele. Por desgraça, Dafydd ap Dafydd era um velho muito forte e até o Natalanterior, não tinha entregado as rédeas de todas as suas propriedades. Naopinião de Nelwyna, podia—se medir os méritos de Henry pelo fato de nunca

ter se incomodado de viver no lar do irmão, sob sua autoridade, comendo ebebendo de sua mesa. Esse homem não tinha uma gota de inveja nas veias nempingo algum de ambição. Contentava—se vivendo à sombra do Dafydd, o tolo.

Pior ainda, quando ao fim morreu Henry, Dafydd assegurou que Adelelhe era muito simpática para expulsá—la da casa. Nelwyna frequentemente seperguntava se, na ausência do irmão mais novo, ele teria compartilhado ofestim da rameira. Entrou sorrateiramente no quarto de Adele; detestava quefosse tão melhor que a seu. Era mais quente e maior, tinha melhor vista emobiliário mais luxuoso. Deveria ser imbecil para não calcular a intensidadedos afetos do Henry. Era esse filho varão que tinha mudado tudo. Nelwynanunca pôde decidir a quem odiava mais: se Adele ou Rhys.

Do outro lado do quarto Adele dormia com um pequeno sorriso no rostotalvez nascida das lembranças e um raio de sol lhe acariciava a face. A cartaestava em uma mesa pequena, junto ao leito. Nelwyna cruzou sigilosamente oaposento. Ali tinham nascido os filhos da concubina. Todos varões, a maldita!Quando Adele chegara, Nelwyna já tinha quatro filhas, concebidas comdificuldade, cujos partos haviam sido bastante arriscados. Adele, por sua vez,havia engravidado em menos de três meses, talvez pelo fato de Henry não seafastar dela.

Desfazer—se do primogênito foi bastante fácil. Nelwyna ajudou noparto, pois ninguém suspeitava de seu ódio intenso, e se ofereceu para verificar o progresso do bebê. Jamais esqueceria o momento em que, ao afundar a mãono calor de Adele e apalpar os genitais de um varão, tinha enroscadoimpulsivamente o viscoso cordão no pescoço da criança. Ele nasceu morto,sem que ninguém suspeitasse de nada. Pelo menos, foi isso que Nelwynapensou. Ao nascer o segundo, a corpulenta parteira de olhos suspicazes amanteve longe de Adele. Henry insistiu que lhe permitissem ter o menino nosbraços - Seu novo filho— havia dito, sempre galante e ela aproveitou ummomento para estreitá—lo com força, apertando as mantilhas contra o

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narizinho e a boca. Só quando a criatura deixou de retorcer—se, ela afrouxou apressão e exclamou horrorizada, que algo estava errado.

Nelwyna deteve—se junto à cama, olhando para sua concorrente comum ódio que raramente deixava de ocultar.

O terceiro filho também tinha nascido ali, mas a entrada foi negada aNelwina; ela teve que esperar com Henry no grande salão. Não houve protestosque o dissuadissem de impedi—la de se reunir às mulheres. E como por milagre, nenhuma gota de cerveja passou por seus lábios. O menino gritava atodo pulmão quando o puseram nos braços do Henry. Ele fez cócegas noqueixo do bebê, que se calou imediatamente. Então fechou a mãozinha emvolta do seu dedo, como que confiando que o pai velaria por seu bem—estar.Nelwyna ainda podia ver esse homem em sua mente, perceber o respeito quasereligioso em seu olhar, ouvir sua voz dizendo: — Chamar—se—á Rhys– assim Henry declarara, com determinação incomum; depois, erguera o olhar penetrante, seguindo o dela, e acrescentara. — Em memória do líder galêsRhys ap Tudur. Este menino já superou uma grande adversidade, sei que eletambém será recordado por muito tempo.

Depois Henry voltara—se para as pessoas da casa, reunidas ali: — Minha esposa jamais poderá aproximar—se mais de três passos deste menino;não poderá tê—lo nos braços nem lhe dar de comer; jamais será deixadasozinha com ele. Entenderam—me todos?

O fato de ele a fazer morrer de vergonha na frente dos servos, quase amatou. Não tinha o direito de falar assim com ela! Nem motivos para fazer com que as pessoas desconfiassem dela. Desse dia em diante odiou—o. E suavingança foi voltar contra ele um de seus grandes prazeres.

Pouco a pouco, Henry se habituou a perceber um ligeiro sabor estranhoem sua apreciada cerveja. Era o único rastro de uma erva que lhe nublava océrebro e minguava seu intelecto. Ela teria preferido que outra parte seminguasse, limitando um prazer muito diferente, mas não conhecia nenhumapoção que tivesse esse efeito. Teria que conformar—se com o que sabia.

Nelwina pôs a mão sobre a missiva, sem deixar de vigiar atentamente oritmo da respiração de Adele. Depois fugiu silenciosamente do quarto. Teria

que devolver essa carta, mas se Adele despertasse nem tudo estaria perdido.Como tantas mulheres bonitas, como tantas pessoas carregadas com asabundantes bênçãos da boa sorte, Adele tendia a esquecer de onde estavamseus tesouros. Se fosse necessário, Nelwyna deixaria a carta no salão e a outramulher se convenceria de que a esquecera ali. Desenrolou a missiva comimpaciência, junto à única janela da escada. Depois de lê—la depressa, apertou—a no punho. Rhys tinha casado! Sem dúvida, Adele estaria lamentando que ofilho não lhe tivesse dado pessoalmente a notícia, mas Nelwyna via algo maisimportante nas entrelinhas: ao ler o nome da noiva compreendeuimediatamente quão ardiloso e detalhista era seu enteado. Ela já não teria

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possibilidades de apresentar uma impostora como única filha sobrevivente deDafydd.

Nelwyna tinha esperado muito tempo para ter pleno direito sobre aautoridade de Caerwyn. Em altares de sua ambição tinham morrido dois

meninos. E já estava muito velha para continuar esperando com paciência. Asolução era simples. Rhys FitzHenry devia morrer. E se sua flamejante esposaMadeline tinha concebido um filho dele, ela também morreria. Nelwynadevolveu a missiva ao quarto de Adele e se retirou para o seu, a fim de escrever uma carta.

Em momentos assim uma mulher se alegrava de ter vizinhos em quempudesse confiar. Do outro lado da baía estava Robert Herbert, que dominavaHarlech e já tinha expressado claramente o desejo de se apoderar de Caerwyn.Tinha chegado, sem dúvida, o momento de assegurar uma aliança com oRobert, para que ambos pudessem obter o que mais ansiavam.

Rhys pensou que essa taverna lhes convinha. Era tarde e Madelineestava obviamente cansada, embora continuasse cavalgando valorosamente,sem queixar—se. Ele teria preferido continuar, mas suspeitava que não pudesseavançar muito. Não fariam senão ter mais frio e fadiga. Essa taverna não estavasituada em uma rua transitada e tampouco era dos estabelecimentos maisimportantes da cidade. A via concorrida, mas não muito, e Rhys notou comagrado que ninguém esperava reconhecê—lo. Se estivessem acostumados areceber viajantes, não prestariam muita atenção a outros dois.

— Acredito que esta noite o bebê a faz sentir—se indisposta – ele disseem voz baixa a Madeline, que não tinha deixado de levar por todo dia ovolume de tecido sob as saias.

— Muito indisposta? — perguntou ela suavemente, sem sombra dediscordância. Na opinião de Rhys, isso bastava para demonstrar que estavaexausta. O melhor, por essa noite, era lhe proporcionar uma refeição quente euma cama, pois não devia estar habituada a privações como as que essa viagemtinha imposto.

— Deve estar desejando deitar—se e pôr uma tranca na porta.Rhys a examinou com severidade enquanto desmontava no pequeno

pátio da taverna. Da sala comum chegava o bulício dos homens quedesfrutavam de sua cerveja do porto próximo, o rangido das vergas. O ventosaía do mar, seco e frio.

— Aqui deve ser Dumbarton — adivinhou Madeline, enquanto elerodeava sua cintura com as mãos e respondia: — Com efeito.

Rhys jogou uma moeda ao cavalariço e depois segurou com cuidado ocotovelo de sua esposa. Ficou encantado ao ver que se reclinava contra ele comum suave gemido; depois caminhou para o portal com aparente esforço. Elehavia pensado que a tramoia era duvidosa, mas Madeline a fazia

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completamente possível. Para seu maior deleite, a jovem começou a queixar— se como se levassem vários anos casados e tivesse o costume de protestar.Também trocou seu sotaque; suas palavras soavam potentes e ronronantes,como as pronunciadas pela gente das terras altas. Rhys ficou impressionado ese esforçou por disfarçar—se tão admiravelmente como ela.

— Receio que esta tarde tenhamos cavalgado muito depressa, senhor — queixou—se ela, resmungando. — Já lhe tinha advertido isso, mas acasoescutou meu conselho? Não, é claro. Que necessidade tem do conselho de umasimples mulher? Você e sua malfadada pressa! Que necessidade tínhamos demanter esse passo?

— Queria pô—la a salvo da chuva, para que não tivesse frio — respondeu Rhys como se lhe custasse conservar a paciência.

Depois trocou um olhar com o cavalariço; o homem, com um gesto de

grande solidariedade, escapou para conduzir os cavalos ao estábulo. Ohospedeiro foi ao portal, com cuidado de não molhar—se, enquanto Rhysinsistia com Madeline para aproximar—se de um ambiente quente e uma lautarefeição.

— Pois além de estar gelada, também estou a ponto de vomitar, graças àsua desconsideração — replicou ela. — É má combinação, senhor; já podemacreditar que eu gostaria de prescindir dela.

Rhys fingiu ofender—se ante isso.— Pois foi você quem insistiu que devíamos visitar imediatamente sua

mãe. — Fez um violento gesto com a mão. — A estas horas poderia estar emcasa e em sua própria cama. Mas foi sua exigência. Não pode estar abrigadaem casa e abrigada na casa de sua mãe, tudo na mesma noite.

Ao ouvir esse diálogo, o hospedeiro conteve um sorriso; depois fez umgesto grandiloquente, oferecendo entrada à sua humilde estalagem. Ao cruzar asoleira foram imediatamente investigados por dez ou doze homens que sereuniram ali para beber. A fumaça irritava os olhos e o ambiente estava escuro,mas Rhys não viu ali nenhum conhecido.

Certamente, não havia maneira de estar seguro de que ninguém conhecia

a ele. Sentiu medo ao ver que os homens levantavam a vista. Madelinecomeçou a comportar—se como um menino malcriado.— Como podia ficar nesse horrível lugar que insistem em denominar -

nossa casa—? Minha mãe me ajudará com este menino que me pusestes noventre. Ela me dará a bondade que ninguém em sua maldita casa me dá.

— Mas querida minha...Rhys não sabia o que fazer muito menos o que faria um marido

afetuoso. Lançou um olhar ao hospedeiro, depois aos outros homens reunidosali, todos os quais dedicaram um súbito e considerável interesse às respectivasjarras de cerveja. Mais ainda, voltaram às costas à briga conjugal, ignorando—

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os. Madeline rompeu em lágrimas, tão hábil para fingir—se aflita que Rhys sesentiu desconcertado.

— Não pedi mais que visitar minha mãe! — gemeu ela. — Não pedimais que um bom marido! Que pecado cometi na vida para merecer tão triste

destino? — separou—se bruscamente e deu uma palmada no braço dele. — Bem que o agradava, antes que sua própria semente me fizesse engordar!O hospedeiro pigarreou. — Talvez o senhor queira um quarto para que a

senhora possa dormir com privacidade.— Seria muito conveniente — assegurou Rhys.— E um banho! — exclamou Madeline. — Venderia minha alma,

senhor, por um banho quente. — inclinou—se para o hospedeiro para lherevelar, — Em sua morada temos uma só criada. E é a pessoa mais preguiçosaque eu jamais tenha visto. Já pode agradecer que eu não a tenha obrigado a nosacompanhar, pois minha mãe lhe teria dado uns bons açoites.

— Não duvido que por um preço um pouco mais razoável poderão nosproporcionar um banho – interrompeu Rhys, um pouco irritado por ser objetode um retrato tão desfavorável. Depois disse ao hospedeiro, — Uma jarra decerveja, uma tigela de bom guisado e uma fogaça de pão ajudará muito arestaurar o ânimo de minha senhora, a não duvidá—lo.

— É claro, senhor. Acima tenho um quarto que dá à rua. Se tiverem abondade de me seguir...

— Um só pão? — bramou Madeline, enquanto ambos seguiam aohomem pela estreita escada. — Mas se poderia comer seis! Esta criatura memantém esfomeada. E você prefere economizar uns centavos antes de mebrindar uma comida decente. Com tanta crueldade acabarei lhes dando ummenino negro, tão mirrado que nem as fadas quererão roubá—lo. Rhys logoque pôde conter—se para não lhe aplicar uma sacudida.

— Não dizia que estava muito indisposta para comer? A fechadura daporta pareceu requerer até o último pingo da atenção do hospedeiro. Na soleirado quarto Madeline se ergueu como uma rainha para cravar no Rhys um olhar fulminante.

— Farei o que for necessário para que nosso filho seja forte — assegurou altiva. — Embora você não me agradeça isso, sem dúvida alguma.

Depois deu ao dono de casa um desses sorrisos que tanto deslumbravama Rhys, com o que também o homem ficou piscando.

— Esta habitação é encantadora — disse cordialmente. — Agradeço quea tenha dado. E espero com ansiedade tanto o banho como a comida.

Dito isso Madeline entrou majestosamente no pequeno dormitório, ondena verdade mal havia espaço para ter o catre no chão. Rhys teve a certeza deachar umas quantas pulgas entre os lençóis.

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— Enérgica, a senhora — murmurou o homem baixo. — Mas formosa àvista, se me permitir o senhor que o diga.

— É o bebê o que a irrita — concordou Rhys, em um murmúrio. — Semdúvida recuperará o bom caráter uma vez que a criatura tenha nascido.

— Não é isso o que diz minha experiência, senhor, mas lhe desejomelhor sorte do que tive. –O hospedeiro se inclinou mais para ele. — Sequeriam descansar bem esta noite, dir—lhes—ia que minha esposa, entre suasmúltiplas habilidades, conta a de preparar uma boa beberagem.

— Que tipo de beberagem me oferece?— Uma que fará dormir profundamente a sua esposa durante toda a

noite.Disse um preço que a Rhys pareceu muito razoável. Por certo, seria

muito conveniente contar com que Madeline dormisse tranquilamente, semmeter—se em problemas nem formular perguntas, enquanto ele fazia os acertosnecessários para continuar a viagem a Caerwyn. O navio de seu amigo zarpariapara o sul a noite seguinte à lua nova e Rhys tinha decidido que ambosestivessem a bordo.

— Não fará mal à criatura? — perguntou, sabendo que devia fazê—lopara manter a ficção. O hospedeiro sacudiu a cabeça.

— Não. Minha esposa aprendeu a receita de uma parteira.— Parece boa ideia. O esgotamento não melhora o ânimo, por certo, e

minha esposa nunca dorme bem quando estamos longe de casa. Agradeço—lhea ideia.— Me concedam uns minutos, senhor, e retornarei trazendo tudo.Depois o hospedeiro ergueu a voz para pedir que pusessem um braseiro

no quarto. Rhys cruzou a soleira e fechou a porta atrás de si, aliviado. Nãoesperava, por certo, que Madeline se jogasse em seus braços, com os olhosfaiscantes de gozo.

— Verdade que os enganamos? — Sussurrou obviamente satisfeita como estratagema. — Pela manhã, não haverá ninguém que possa nos identificar.

Notou que todos afastaram a vista de nós? — Rhys sorriu para ela, sem poder resistir ao seu deleite.— É muito certo, anwylaf — Reconheceu admirado. Logo rodeou o

queixo dela com a mão, enlaçando a cintura com o outro braço. Madelinerecostou—se nele ele, com um ardor no olhar que o fez sorrir. — E tudo foigraças a seu rápido engenho. Depois invadiu os lábios dela com os seus, poisna verdade não podia fazer outra coisa.

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Capítulo 13

Em outra taverna de Dumbarton, muito mais concorrida, Elizabethalegrava—se por ainda não estar montada. O cavalo de batalha era muitogrande para ela; tinha se dado conta disso assim que a içaram para a sela, masnão reclamou por receio de ser deixada para trás. Seus joelhos doíam quasetanto como as nádegas, pois tinha tido que rodear as pernas ao animal comforça, para não cair ao pó.

Levavam tantos dias de rodeio que já não podia contá—los. Antes dessa

viagem interminável Elizabeth nunca tinha montado durante mais de meio— dia. Já duvidava de poder voltar a caminhar com normalidade. Além disso, nãoentendia como Madeline podia ter sentido algum afeto por James. De sua parte,tinha certeza de não ter conhecido a outro homem tão tedioso em toda sua vida.Não lhe parecia que ele estivesse muito prendado por Madeline, pois reservavatoda sua admiração para si mesmo.

Elizabeth tinha a definitiva sensação de que James só tinha aceitadocasar—se com Madeline porque seu pai considerava que a aliança eraconveniente; entretanto sabia que era uma ideia muito pouco caridosa. Quandose sentaram à mesa o jovem começou a tanger seu alaúde, mais interessado por certa melodia composta durante o dia que pela segurança de Madeline, nemsequer pela cortesia devida aos outros comensais. Um pouco mais cedo sezangou muitíssimo, pois Rosamunde se negava a deter a marcha para que elepudesse tocar dez ou doze vezes sua melodia, a fim de não esquecê—la. Tinhapassado triste o resto da jornada; só voltava a sorrir agora que voltava a ter oalaúde nas mãos.

Elizabeth gostaria de destroçar o instrumento, farta como estava de suasnotas desafinadas. Em sua opinião, esse homem se achava muito mais talentosodo que era.

Claro que estava cansada e com a traseira dolorida. Talvez em melhorescircunstâncias o tivesse julgado com mais bondade. Ou talvez não. Tampoucoa spriggan era uma companhia agradável. A fada travessa puxava a cauda docavalo, emaranhava as crinas e os assustava de noite. Um cavalo de batalhanervoso não era pouco desafio, sobre tudo para uma amazona do tamanho deElizabeth, mas aspriggan não parecia levar sua conveniência em conta. Alémdisso, a moça precisara pescá—la de dois ou três riachos e apanhá—la no ar sempre que escorregava. Elizabeth se sentia responsável pela segurança dafada, uma vez que só ela podia vê—la, elevava consigo, embora a pequenafizesse muito pouco para recompensar seus

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esforços. Ao menos já sabia que era umaspriggan e que se chamava Darg. Àsvezes a fada falava com ela. E contava os melhores contos que Elizabeth játinha ouvido em sua vida.

Enquanto Rosamunde e Alexander discutiam as intenções de Rhys,

Elizabeth suspirava de esgotamento. Darg estudava as jarras de louça cheias decerveja. Sem dúvida alguma estava prestes a fazer alguma estripulia; só podiaesperar que não requeresse muito esforço arrumar as consequências. A garotabocejou com vontade; não queria nada além de um colchão junto ao fogo.

— Prepara—nos um estratagema — disse Alexander em voz baixa,inclinando—se para a mesa. — Partirá em plena noite rumo ao sul, a todapressa. Dormir aqui é um erro, sobre tudo se não soubermos que lugar eleocupa entre as muralhas de Dumbarton.

— Só espero que ela esteja bem — disse Vivienne, com alguma

incerteza. Estava sentada frente à Elizabeth, tão esgotada como sua irmãmenor. — Encontrar a Kerr foi horroroso! Creem, por acaso que Rhys poderiafazer mal à Madeline?

— Suspeito que ele salvou—a de sofrer algum dano — esclareceuRosamunde, secamente.— Esse mercenário, Kerr, nunca me agradou. Foi umaalegria que seu pai o despedisse.

— Que o despedisse? — assombrou—se Alexander, desconcertado. — Eu não sabia!

— Deveria ter averiguado melhor antes de empregá—lo de novo —

afirmou sua tia. — Tynan poderia lhe ter dito umas quantas coisas.O jovem ficou pensativo e carrancudo; parecia tão aflito que

Rosamunde lhe apoiou uma mão no ombro.— Sei que isto não foi fácil para você — disse. — Logo aprenderá tudo

que precisa saber Alexander, e dentro de alguns anos rirá ao recordar suasdúvidas.

— Assim espero — replicou ele, e bebeu um pouco de cerveja com ar sombrio. — Ao que parece tudo que faço acaba em desastre. Ninguém odesmentiu.

— Você poderia fazer que tudo acabasse bem, como nos velhos contos— sussurrou Elizabeth a Darg. Aspriggan riu. Logo ficou frente à menina,com os braços na cintura.

— Será um dia fatal, aquele em que eu auxiliar um mortal. Os homenstêm que suportar o aguilhão do azar.

Um homem sentado à mesa vizinha dedicou a Elizabeth um sorriso queela não se atreveu a retribuir. Ignorou—o deliberadamente, ruborizada,sabendo que devia acreditar que ela estava falando sozinha. Inclinou—se para

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a mesa, com uma parte de pão contra os lábios, a fim de falar sussurrando coma spriggan para não despertar curiosidade.

— Poderia assegurar a felicidade de Madeline. Vi—a fazer travessurascom as fitas. Tem faculdades que eu não possuo. Darg pareceu horrorizada.

— Não deve ser como os outros, eu imagino, se pode ver os fios doDestino. – Estava observando a menina com desconfiança. – As fitas de doisseres vivos que devem formar um casal se entrelaçam qual a rosa com a grade.Uma união assim formada não pode ser desfeita por poder algum, aconteça oque acontecer. – Soava perfeito para os ouvidos de Elizabeth; em seuentusiasmo, ela se inclinou para diante.

— Ajudará Madeline? Cuidará para que sua fita e a de Rhys se unamcomo é devido? Gostei dele. E acredito que também ela. Conteve—se para nãoolhar ao James. Darg sorriu de orelha a orelha.

— Quando ela vir de perto o noivo compreenderá o pouco que perdeu.E contemplou James com uma careta; ao que parecia o histrião lhe

desagradava tanto como a Elizabeth. James pulsava as cordas e cantarolavapara si mesmo, assentindo com satisfação ante uma melodia que, aos ouvidosda menina, soava muito simples e pouco inspirada. O homem parecia ignorar apresença dos outros.

— Que maneiras horrorosas — murmurou ela. — Mamãe teria lhe dadouns bons cascudos.

— Este mortal tem cortiça nos ouvidos se acreditar que há beleza nesseruído — avaliou Darg, desgostada.

— Exato! Não é possível o que obriguem Madeline a casar—se com ele— insistiu Elizabeth. — Você poderia fazer que fosse feliz com Rhys.

— Não tenho que mudar o curso de sua estrela nem escolher sorte ouduelo para ela.

— Isso não é certo! Vi—a atar as fitas de Rosamunde. Estou segura deque você provocou a disputa entre ela e Tynan. Darg deu de ombros, emborasua expressão fosse ladina; o olhar que lançou para Rosamunde era mais que

revelador.— Para cada coração há uma chave. Não sou eu quem os abre quandocabe. Elizabeth apertou os dentes, perguntando—se o que podia fazer para queessa teimosa fada lhe prestasse ajuda.

—sem dúvida Rhys pensa ir a Caerwyn por mar — disse Rosamundecom segurança, sem reparar no diálogo de Elizabeth com aspriggan . — Só por isso veio a Dumbarton. Em vez de continuar a cavalo conseguirá passagem emum navio. Devemos vigiar os navios do porto. E indicou com o dedo Padraig,quem lançou um suspiro.

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— Posso acabar primeiro a minha jarra de cerveja? — perguntou, dandoum olhar ofegante à lareira.

— Também me cairia bem uma comida quente, se tiver que passar outranoite sob a chuva.

Rosamunde tamborilou na mesa com impaciência. Enquanto isso Dargsubiu até o bordo da jarra de Elizabeth e, com um grito de júbilo, inclinou—seprecariamente para beber um gole de cerveja. Bebia como os cães, lambendo asuperfície, mas o líquido desapareceu com assombrosa celeridade.

— Quero que observe os navios do porto, que bandeira tem cada um,qual é o nome de seu capitão. Depois volta para sua comida. Peço—lhedesculpas, Padraig, mas não podemos perder Madeline quando estamos tãoperto.

Darg lançou um uivo de júbilo e, ante os olhos de Elizabeth, ficou adançar pelo bordo da jarra. Devia haver alguma maneira de persuadi—la paraque ajudasse, mas à menina não lhe ocorria qual. Possivelmente pela manhã,depois de ter adormecido, lhe ativaria a inteligência.

— Como quiser.Padraig se levantou e, depois de acabar sua cerveja, deu um olhar

lúgubre a Rosamunde e abandonou a taverna, amarrando a capa. Ao abrir aporta entrou uma rajada gelada que formou redemoinhos em volta de todos ostornozelos.

Elizabeth, estremecida, retirou Darg do bordo de sua jarra para beber outro pouco de cerveja. Enfraqueceu—lhe as entranhas de uma maneira nadadesagradável; essa noite nada lhe incomodava, nem sequer o aroma do fogo deturfa.

Enquanto isso Darg rodou pela mesa até se chocar contra a jarra deVivienne, sem nenhuma elegância. Ficou de costas, com as pernas torcidas euma expressão ofendida na carinha afiada.

— Mas onde fica Caerwyn? — perguntou Vivienne a Rosamunde. — Éum castelo de torres altas?

A spriggan encarapitou—se na borda da jarra para beber gulosamente oconteúdo. Podia uma fada embebedar—se? Elizabeth não tinha certeza.Rosamunde sorriu.

— Tem uma só torre e fica em frente ao mar. Há tempos, quando meucaminho se cruzou com Rhys, ele estava a serviço de seu tio, que é o senhor dacasa. Indubitavelmente retornou a essa morada.

— Mas onde está situada? — perguntou Alexander — Não pode ser naparte oeste da Escócia.

— Fica em Gales, próximo à Snowdonia.

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Rosamunde bebeu um gole de sua cerveja percorrendo com o olhar aosoutros fregueses da taverna, como se avaliando qualquer possível ameaça.Elizabeth supôs que sua tia se habituara a observar sempre o que tinha emredor.

— Caerwyn foi fortificada pelo rei inglês Eduardo I. Depois de derrotar o príncipe galês Llywelyn AP Gruffydd, Sua Majestade construiu um círculode fortalezas de pedra em volta de Snowdonia, além de reforçar as que jáexistiam quando as capturava. Faz alguns anos um galês rebelde, Owain GlynDwr, tio de Rhys, tirou às forças inglesas da fortaleza de Caerwyn e outra mais,chamada Harlech.

Vivienne levantou sua jarra e enrugou o sobrecenho, aparentementesurpreendida ao ver que ficava tão pouca cerveja. Aspriggan agitou um punhopara ela, zangada por ver—se tão grosseiramente interrompida enquanto bebia;depois partiu para a jarra de Alexander.

— Uma fortaleza? — O jovem se ergueu na cadeira e passou os dedospelo cabelo, deixando um matagal moreno. — Se chegarem a ela antes de nós,não nos resultará impossível ver Madeline?

— Quem sabe. — Rosamunde jogou um olhar de desgosto ao James,que tinha fechado os olhos e escutava sua própria música, com a cabeça jogadapara trás. — Seria melhor que os encontrássemos primeiro, não lhe parece,James?Teve que repetir seu nome duas vezes antes que ele escutasse sua voz.

— O que diziam? — perguntou ele com um olhar carrancudo a seusdedos quietos. — Por sua interrupção esqueci em que parte da melodia estava.

— me perdoe se lhe lembro do motivo de nossa viagem — replicou ela,azeda. — Achava—a interessado por encontrar Madeline.

Pelas feições de James passou o aborrecimento e desapareceuimediatamente, embora os outros chegassem a vê—lo. Elizabeth notou que seuirmão ficava rígido e que Vivienne apertava os lábios.

— Esta claro que estou decidido a encontrar Madeline — disse omúsico, convocando seu sorriso mais encantador. — É minha noiva e a amo.

— Pois não parece muito preocupado por seu bem estar — observouAlexander.

— Nem temeroso de que tenha sofrido algum dano ou de que sejadesventurada — acusou Vivienne.

— Na verdade parece mais apaixonado por seu alaúde que por sua noiva— concluiu Elizabeth.

— Eu? — James fitou os três, estupefato. — Só estou compondo umacanção de amor, a fim de saudar adequadamente a minha dama perdida umavez que nos reunamos. — Pôs uma mão à altura do coração — Desde que nos

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separamos meus dias foram sombrios; não penso em outra coisa além decontemplar novamente seu doce semblante.

Vivienne grunhiu: — Se isso é verdade, por que permitiu que elaacreditasse em sua morte durante quase um ano? Isso não é tratar um ser

amado com muita bondade.— Achava que ela estava inteirada! Se tivesse suspeitado que

desconhecia a verdade, jamais teria lhe causado um único momento deangústia.

— E como podia ela inteirar—se disso — perguntou Alexander,cauteloso — se todos os combatentes de Rougemont pereceram no combate,menos você?

James, corado, evitou seu olhar — Não, não fui o único sobrevivente.Ouviram uma informação exagerada, sem dúvida.

Alexander limitou—se a bufar, mas era óbvio que tinha mais a dizer.Elizabeth tampouco acreditava na palavra de James, absolutamente. Atéduvidava de que tivesse estado em Rougemont. Cravou em Darg um olhar severo, mas aspriggan , desafiante, subiu à jarra do James. Agora parecia umpouco menos segura sobre os pés ao dançar pelo bordo e gargalhar sobre osméritos da cerveja dos mortais. Alexander levantou sua jarra e franziu osobrecenho ao encontrá—la vazio; depois a deixou ruidosamente na mesa.

— Quando voltou para casa da França? — perguntou, dissimulandoapenas seu desgosto. — Onde esteve desde a batalha de Rougemont?

— Escutando música! — exclamou James, com os olhos acesos pelaprimeira vez. — Escutava música nas catedrais da França. E era tãomaravilhosa que quis aprender mais. Madeline saberá apreciar isso, sem dúvidaalguma, pois o amor à música é um vínculo que ambos compartilhamos.Escutem! E levantou seu alaúde para tocar sua melodia uma vez mais.

Ante esses sons Darg se cravou os dedos nos ouvidos e fez uma careta.Elizabeth sufocou a risada ante as travessuras daspriggan , pois compartilhavasua opinião. Vivienne e Alexander trocaram um olhar melancólico. Depois deacabar a cerveja de James, aspriggan se aproximou de Rosamunde, imitando a

atitude sentimental do músico. Dedicou tanto tempo a observar à mulher queElizabeth temeu uma travessura. Pouco podia fazer para detê—la, porém,quando a viu subir ao bordo da jarra e bambolear os pés dentro do líquido. Apequena esperneava com brio. Uma garoa de cerveja se ergueu da taça paraempapar o peitilho de Rosamunde.

— O que é isto? — inquiriu a mulher, sem entender por que sua bebidaerguia voo. Levantou—se de um salto, sacudindo o rico bordado de seu casaco.— Minha roupa ficará arruinada!

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Darg ria com perverso regozijo. Vivienne também se levantouapressadamente para limpar a cerveja com seu guardanapo, enquanto sua tiatratava de escovar as gotas com as mãos.

— Deve haver um inseto dentro da jarra! — exclamou Alexander,

estendendo a mão para o recipiente. Darg saltou com inesperada agilidade aobordo da jarra, enquanto o jovem agitava a jarra de Rosamunde e vertia seuconteúdo no próprio. James deixou de tocar para olhá—los com irritação.

— Rogo que escutem minha canção. É uma bela e apaixonante melodia;é preciso ser bárbaro para não apreciá—la.

Ante esta asseveração Darg riu tão estrondosamente que a Elizabethpareceu impossível que ninguém a ouvisse. Aspriggan jogou a cabeça atrás eimitou ao alaudista com mímica perfeita. Depois, rindo outra vez, deixou—secair para trás dentro da jarra. O mergulho de cabeça fez que todos os presentes

se levantassem de um salto.— Deve ser um rato! — exclamou Vivienne.— E esta na cerveja! — concordou seu irmão.— Que deplorável alojamento nos escolheu — disse James a

Rosamunde, com uma careta depreciativa. — Ratos na cerveja! Nunca ouvicoisa igual.

— Pode procurar outro quando lhe agradar — bradou ela. — Já levomuito tempo lhe pagando o teto e a comida, além de suportar essa horrorosamúsica sua. Os dois discutiram acaloradamente sobre as maneiras do James eas exigências de Rosamunde, Elizabeth se apoderou da jarra de cerveja paraderrubá—la no chão, a fim de pôr o rato ao descoberto. Aspriggan caiu aochão e tossiu com força.

— Aqui não há nada — disse Vivienne, contemplando com estupefaçãoo líquido vertido.

— Deve ter escapado — resolveu Alexander, enquanto inspecionava ochão em redor.

— Que classe de selvagens é a de vocês, que jogam ao chão minha boa

cerveja? — acusou o taberneiro.— Havia um rato dentro! — gritou James.— Em minha morada não há ratos — replicou o homem.E como o alaudista dava sinais de querer discutir, ele o sossegou

mostrando o punho. James se deixou cair para trás, entre os juncos do chão, enão voltou a levantar—se. Os outros fregueses aplaudiram.

— Está ébrio! — anunciou o taberneiro a suas hóspedes. — Este homemnão tem resistência para a cerveja. É muito cedo para ver ratos onde não os há.

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Os pressentes puseram—se a rir e reataram suas conversas. Enquantoisso Rosamunde recolheu o alaúde e se dedicou a lhe tirar as cordas com gestosselvagens.

— Ao menos assim não teremos que suportar sua música — disse, ante

o olhar inquisitivo de seu sobrinho. Depois sorriu a Vivienne. — Não tema,que não destruirei um instrumento tão valioso. Devolver—lhe—ei as cordasassim que se reunir com Madeline. — Depois desceu a voz até convertê—laem um grunhido. — Tomara tenhamos a boa sorte de que isso ocorra logo.Quero me assegurar de que minha afilhada esteja bem.

Enquanto ninguém olhava, Elizabeth se inclinou para levantar aspriggan e ocultá—la no colo. Depois lhe deu tapinhas nas costas para queexpulsasse o resto da cerveja e, ao ver que tremia, envolveu—a em seuguardanapo. A fada, com um suspiro, reclinou—se contra sua mão e cravou aonariz longo em Elizabeth.

— Estou em dívida, vejo claramente; tenho que te conceder aqueledesejo. Por você, eu ajudarei sua irmã. O que fará o Destino... Isso não sei.

Elizabeth sorriu triunfante. Nesse momento, o homem da mesa vizinha aencarou. Ela voltou a ruborizar—se e baixou os olhos para sua jarra, mas elenão afastou a vista. Sem dúvida estava apaixonado por seus enormes seios; issoera tudo. Talvez Darg soubesse algum feitiço para liberá—la dessas curvasindesejáveis. Mas primeiro, o mais importante. O apuro de Madeline era maisurgente, sem dúvida alguma.

Madeline sonhava com uma densa névoa que se apertava contra asparedes da estalagem, tão densa que não podia ser natural. A névoa sederrubava pelas persianas e enchia o quarto como se fosse lã. Detê—la eraimpossível. Vinha com temível rapidez, crescendo cada vez mais. E Rhysdormia como morto, apesar de seus esforços para despertá—lo.

Ela tratou de fechar as persianas, mas não serviu de nada. Quando abriua porta, a bruma do corredor também entrou. Ao voltar—se, viu que Rhys seperdera na névoa que agora lhe chegava à cintura. Rodeava—a também,devorava—a até os quadris e subia mais e mais. Ela se via incapaz de elevar um dedo para defender—se. Parecia que uma estranha indiferença a invadia.

Era como se ela não tivesse ossos, não pesasse nada. A moça se perguntava sea sensação de flutuar significava que havia morrido.Madeline não queria estar morta. Era muito jovem para morrer. Queria

dar filhos varões a Rhys, queria ouvir seu marido rir de verdade. Obrigou—se aabrir os olhos, lutando contra a pressão incessante da névoa. Rhys estava de péante a janela, contemplando a cidade. Já não o envolvia a névoa, já não dormia,já não estava ao seu lado na cama. Tinha os olhos frios e prateados, ao invés deescuros; era como se a névoa o tivesse enchido. Além da janela, a cidadetambém parecia diferente, mais etérea; Madeline não sabia se era porqueDumbarton estava nas sombras ou porque estavam em outra cidade.

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O céu noturno era tão antinatural como a névoa: uma estranha cor anil,um azul que se obscurecia cada vez mais por causa da bruma prateada formavaredemoinhos, que agora só chegava aos joelhos de Rhys. A silhueta dele serecortava contra o céu da meia noite; centenas de estrelas piscavam naescuridão. Pareciam dançar em volta de Rhys, como se o próprio firmamentoquisesse atrair seu olhar para esse único homem. Madeline pensou que poderiater feito um matrimônio pior, sem nenhuma dúvida. Rhys parecia—se tal qualparecera na primeira noite, em Ravensmuir. Madeline via o dragão vermelhode Gales em seu casaco, com olhos cintilantes; o dragão brilhava sobre o tecidoescuro como se fosse feito de chamas, não dos fios de uma hábil agulha.

Rhys sorria; esse pequeno sorriso esquentava o sangue dela. Issodemonstrava que ela não mudara, apesar de tudo. Quando lhe sorria, quando aacariciava, quando a olhava maravilhado, Madeline não duvidava dos méritosde sua aliança.

Ela franziu o sobrecenho ao ver que ele levava a capa sobre os ombros.Tinha—a vestido antes? Não podia se recordar.

— Deite—se comigo — disse ela, com as palavras parecendo densas eestranhas em sua língua.

— Já me levantei — replicou ele, com suavidade.Então recordou; recordou a mão de Rhys contra seu peito. Estremeceu—

se ao relembrar a lenta carícia daquele polegar contra seu mamilo. Deu um levetapa no colchão, convidando—o. Ele apenas moveu a cabeça, respondendo: — Dormiu toda a noite e todo o dia. Que tolice!

— Nunca durmo tanto – ela assegurou, surpreendendo—se ao notar quesuas palavras tinham um som fanho.

— Sem dúvida estava cansada.— Rhys se agachou para recolher suasroupas e as ofereceu a ela, dizendo:— Vamos, Madeline, deve vestir—se.

Madeline deu uma olhadela ao céu noturno e não pode sufocar umbocejo – Quero dormir — conseguiu pronunciar. Depois voltou a se aninhar nacama, suspirando, e se cobriu com uma manta de névoa cuja suavidade aencheu de letargia.

— Esta noite não dormiremos aqui.Rhys declarou, sentando—se na beira do colchão para colocar—lhe uma

das meias. Executou a tarefa com muita dificuldade, mas Madeline não tinhavontade de ajudá—lo. Se ele queria filhos, por que não vinha para o leito comela?

— Vamos minha senhora. Ajude—me com isso.— Quero dormir.— Deve se vestir, senhora.— Ele lutou para subir a outra meia sobre a

panturrilha dela. As duas peças estavam torcidas, mas Madeline não se

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importou. Rhys, insistindo até parecer aborrecido, sacudiu o restante dasroupas para ela.— Levante—se! Tem que por a saia, Madeline.

— Dormir...Até murmurar essa palavra dava prazer a ela.— Dormiremos quando chegarmos. Será muito em breve.Ela abriu um olho, em um esforço heroico.— Onde?— Verá quando chegarmos.Passou a saia pela cabeça dela e a endireitou até assentá—la. Por muito

que ela desejasse agradá—lo, seus dedos não lhe obedecem. Não podia amarrar o cinturão ou calçar as botas. Rhys se mostrou muito insistente, obviamentedecidido a partir. Madeline penteou com os dedos a trança desalinhada; estavamuito cansada até para chatear—se pela forma evasiva característica domarido. Que guardasse as respostas para si mesmo. Voltou a bocejar, como sea mandíbula fosse quebrar—se com tanto esforço, mas pouco se importava. Sóqueria dormir.

Rhys a pôs de pé e rodeou sua cintura com o braço para sustentá—la.Tinha os lábios apertados em uma linha fina. Madeline tocou a boca dele com aponta de um dedo, maravilhada.

— Está irritado — opinou, sentindo—se muito sábia. Ele negou com acabeça. — Claro que sim! – ela assegurou, pensando que Rhys estavarechaçando sua afirmação.

— Muito irritado, sim, mas não com você.Rhys cobriu o cabelo dela com o capuz, com uma ternura nada habitual

nele. Depois pendurou a mão de Madeline em seu cotovelo e saíram do quarto.Ela não se surpreendeu ao ver a névoa diretamente em frente à porta. Semdúvida, Rhys havia deixado que escapasse do dormitório. Era claro que sim.Será que queria salvá—la do potente feitiço?

A bruma formava redemoinhos na escada, segurando seus tornozelos, eMadeline retrocedeu. Não era um inimigo desprezível. Como era possível queRhys não visse o perigo?

— Aqui não — disse.Mas ele se limitou a fitá—la nos olhos. Tocou o sulco da fronte.— Vamos à casa de sua mãe, lembra—se? — Ele disse como se falasse

com uma criança.— Quer que nosso bebê nasça ali.Mas se era ele quem dizia bobagens! Coisas sem sentido, por certo.

Madeline não esperava nenhum bebê, nem tinha um nos braços. Olhou—o,confusa; depois baixa a vista e viu o volume de sua barriga. Ao tocar—se,recordou o que prometera ao marido. Realmente estava gerando um filho dele!

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Madeline fitou Rhys com alegria, mas o cenho dele a confundiu. Anévoa subia por suas pernas, fria, e arrepiava sua pele. Na verdade a névoaestava em qualquer lugar que ela olhasse, formando redemoinhos em seustornozelos, escondendo no rosto dos homens reunidos na sala da taverna.

— De maneira que já se vão...– disse o hospedeiro com voz tão alegre epotente que ela faz uma careta.— Sim, certamente — respondeu Rhys. Sua voz soou mais seca que de

costume.— É um pouco tarde para partir, mas suponho que a senhora dormiu

bem.— O homem parecia divertido com o comentário, embora Madeline nãocompreendesse a brincadeira; sem prestar atenção nisso, ele deu umacotovelada em Rhys e acrescentou.— Não pode negar que a beberagem daminha esposa é boa.

— É questão de opinião — replicou Rhys, cortante.— Acredito que éjogar muito sujo, oferecer semelhante beberagem a uma mulher grávida e, alémdisso, pretender que lhe paguem por isso.

— Homem, vá...! — O hospedeiro pareceu ofendido pelo tom duro deRhys. — Aqui oferecemos coisas de qualidade, senhor. Não enganamosninguém. Não duvido que eu os veja aqui na viagem de volta.

— Pois eu não duvido que esteja equivocado – corrigiu Rhys.— Cuidepara que sua esposa reserve essa beberagem para seu próprio uso, se não quiser que os envie o oficial da lei. Tanto a bruxaria quanto a perversidade estão

proibidas pelo Rei e pela Igreja, como qualquer homem decente saberia.O hospedeiro arregalou os olhos, mas Rhys conduziu Madeline

apressadamente para o pátio, onde os aguardava apenas o cavalo de batalhaprateado. Madeline procurou seu palafrém entre as sombras. Talvez o corceltambém tivesse se convertido em sombras. Arian, por certo, parecia feito denévoa. Talvez esse fosse o destino daqueles dos quais a bruma se apoderava.Gelert veio ao encontro deles, também meio tragado pela névoa. Como é queRhys não percebia o perigo? Madeline abriu a boca para adverti—lo, mas nãopode emitir som algum. Sua língua parecia grossa e estranha, não lhepermitindo formar as palavras que deveriam sair dos seus lábios.

Rhys levantou Madeline e sentou—a na sela de Arian. Ela examinou osarredores, dilatando os olhos ao perceber a distância que estava do chão, e seaferrou à sela como pôde. Ele agarrou as rédeas para conduzir o cavalo parafora do pátio da estalagem.

— Esta manhã, enquanto dormia, eu vendi seu palafrém — explicou ele.Madeline se esforçou para ver sentido no repentino desejo de chorar que

a acometeu. Acaso já não perdera um cavalo desde que se encontrara comRhys? Não poderia jamais ter sua própria montaria? Sua memória falhava e

isso a inquietava.

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— A passagem para dois cavalos era muito cara. E nesta viagem nãonecessitaremos de duas montarias. Madeline não podia discutir, pois nãoentendia o raciocínio dele. Ao menos, a fria névoa ia se retirando. Ou talvezRhys a afastasse de suas garras. Torcia—se na sela para olhar para trás, para ovago resplendor da bruma no pátio da estalagem. Para seu alívio, não pareciavir atrás deles. Deveria ter previsto isso. Estava segura de que Rhys a afastariade qualquer malevolência.

Um vento lhe acariciou o rosto, um vento que cheirava a salitre. AcasoRhys a levara de volta para Kinfairlie? Seu coração deu um salto ao pensar nisso. Mas esse mar era desconhecido para ela. Brilhava obscuramente láadiante; à sua direita, havia um lúgubre promontório rochoso, com um casteloencarapitado no topo. Entretanto, Rhys conduziu o cavalo para os moles que seestendiam a partir da aldeia, como dedos escuros e imóveis contra a águaresplandecente. Os navios balançavam em suas amarras, chacoalhando os

lampiões que pendiam das vergas; o vento, aumentando, fazia a madeiraranger.— Zarparemos esta noite, com a maré alta – disse Rhys. — Por isso não

haverá necessidade de outro cavalo. Não tinha sentido pagar a passagem demais um, já que há tantos corcéis em Caerwyn. É claro que se fosse Tarascon,não haveria alternativa.

Madeline, porém, não estava dando atenção àquelas frasestranquilizadoras. Ele queria levá—la para um navio! Observou o mole comespanto, movendo os lábios sem pronunciar qualquer som, enquanto se

aproximavam cada vez mais das embarcações que dançavam inocentementesobre as ondas, como brinquedos infantis, mas ela conhecia a tenebrosaverdade que escondiam.

Um navio igual a esses roubara a vida de seus pais. Os navios traziam amorte. Foi acometida por náuseas. Seus pais se perderam sob as ondas,arrancados à vida e sepultados na escuridão, por terem abordado um navio. Eagora Rhys a levaria para dentro de um desses traiçoeiros navios. Acaso queriaque morresse? O estômago dela se revolveu com súbita violência. Mal tevetempo de inclinar—se para um lado do cavalo antes de vomitar. A expulsão foitão violenta que ela temeu ter derramado as próprias entranhas nosparalelepípedos. Imediatamente Rhys foi para o seu lado e sustentou sua amão, para que não caísse da sela.

— Possivelmente seja melhor livrar—se disso — disse ele, enigmático— Devia ter pensado nisso antes.

Madeline arrotou como uma camponesa; depois deu um golpe no ombrodele, que se afastou bem a tempo de deixá—la vomitar outra vez. Ela cuspiu;sentia um sabor detestável na boca e um fio de suor frio correndo por suascostas. Pensou em seus pais e pôs—se a chorar, como se os tivesse perdido háapenas um momento. Ansiava voltar a vê—los, mas não queria morrer também. Tremia tanto, que seus dentes tocam castanholas. E chorava; suas

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Os marinheiros trocavam gritos e, depois de soltar as amarras,utilizavam varas longas para empurrar o navio, afastando—o do cais. As velasse desdobraram ao vento, ondulando com a ânsia de partir; logo se incharamcomo se quisessem tragar as estrelas. Madeline contemplou o abismo que sealongava entre ela e a costa. E se aferrava a Rhys.

Seis cavalos de combate, negros como corvos, galopavam pelo mole queo navio acaba de abandonar.

Corcéis negros.Madeline enrugou a testa em um esforço por concentrar seus

pensamentos. Esses cavalos pareciam exalar fogo, como se fossem crias dodemônio alardeando sua reputação. Dois deles se elevavam nas patas ao severem reprimidos; os outros sacudiam as bridas, cheios de frustração. Eracomo se acreditassem poder galopar pela superfície das ondas até alcançar o

navio, que já escapava com o vento e a maré.

Eram os cavalos de batalha de Ravensmuir. Madeline sabia que nãopodiam pertencer a outro estábulo. A intensa negritude dos corcéis deLammergeier gozava de ampla fama; estes eram constantemente procurados ejamais haviam sido reproduzidos em outro lugar. Madeline aprendera isso nopróprio berço. Mas não estavam perto de Ravensmuir. Ela elevou a vista para ocastelo encarapitado na alta rocha e comprovou que não o conhecia. Não, essescavalos não deveriam estar ali. Tampouco a pessoa que cavalgava para avanguarda. Quando esta desmontou, sua feroz cabeleira capturou a luzequivalente a dez lanternas. Madeline prendeu a respiração. A mulher pareciaamaldiçoar com familiar entusiasmo; depois mostrou o punho ao navio que seafastava. O vento lhe arrebatou as palavras, mas Madeline a reconheceu. E ardedemais, compreendeu quem era o inimigo que os perseguia. Ao virar—se,surpreendeu o sorriso triunfante de Rhys.

— Escapamos de minha família – disse ela, incapaz de aceitar plenamente os fatos diante de seus próprios olhos.

O sorriso do marido se alongou até iluminar seus olhos. Sua voz desceurouca: — Talvez não, anwylaf.

Madeline o observou; uma vez mais, não conseguiu ver o sentidodaquelas palavras. Não se surpreendeu pela recusa dele em dizer mais. Quandogirou novamente para o mole, encontrou—o vazio. Os cavalos e Rosamundedesapareceram tão definitivamente que era como se nunca tivessem estado ali.

~~— Meu Deus, não! — Exclamou Vivienne, enquanto sua tia

pronunciava uma imprecação muito pior. Os cavalos deram pulos, frustrados,pois estavam bem descansados e precisavam correr. Na coberta do navio que se

afastava se podia distinguir um casal, a mulher, bem recostada contra o

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homem. Ele vestia roupas tão escuras que as sombras o tragavam; sua capaondulava atrás dos dois.

— Rhys e Madeline — sussurrou Alexander.Acredito nisso — confirmou Rosamunde.Elizabeth soube com certeza: via as duas fitas, uma prateada e a outra

dourada, que flutuavam atrás do navio, estirando—se como se partissem docasal nas sombras.

Mas algo estava mau. Ante seus próprios olhos as fitas pareceramdesfiar—se nos extremos, como se o vento as estragasse sem acerto possível.Agora pareciam mais finas e insubstanciais, como se feitas de bruma ou sonhosquebrados.

Darg lançou um grito de horror e saltou no ar para aferrar—se à pontada fita dourada. Elizabeth temeu que perdesse o cabo. Ou que a fita sedissolvesse, deixando—a cair ao mar.

— Apresse—se, Darg! — exclamou, sem preocupar—se com apossibilidade de que alguém ouvisse suas palavras. — Corra, corra! É a únicaesperança de Madeline!

A spriggan correu, subindo pelos cachos da fita como se subisse por uma escadaria que jamais deixava de se mover. Elizabeth continha o fôlego,temerosa de que as fitas se reduzissem a um nada e a pequena fada caísse àágua. Mas Darg era ágil de pés e bastante veloz para manter—se sobre essabanda. Segundo o navio continuava sua marcha, ele, as fitas e aspriggan foramtragados pela escuridão da noite. A menina acreditou ouvir um longínquo gritode gozo febril.

— Cavalgaremos para Caerwyn — disse Rosamunde, com firmeza,enquanto viravam as garupas. — Partiremos imediatamente e a toda pressa.

— Pois então me devolvam as cordas do alaúde — disse James, triste.— Devolver—lhe—ei quando o considerar adequado; nem um

momento antes — replicou ela. Depois pegou as rédeas no punho. — Adiante!

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Capítulo 14

Madeline estava pálida; Rhys, intranquilo, vigiava seu sono enquanto onavio saía ao alto mar. Não podia deixar de tocá—la. Agasalhou—a com seucapote forrado de pele. Provou o frescor de sua fronte para assegurar—se de

que já tinha passado o pior da enfermidade; procurou o ritmo de seu pulso,embora soubesse tão pouco de cura que quanto detectasse não tinha sentidopara ele. Ansiava que ela se repusesse, com tanto ardor que não confiava emsuas impressões, nem em um sentido nem no outro.

Observava—a, tenso de preocupação, temendo por sua saúde. EmboraMadeline sempre tivesse a tez clara, agora estava mais branca ainda, tão pálidacomo uma nuvem no céu do verão. Tinha marcas escuras sob os olhos, comose a quantidade de sono não guardasse relação com sua qualidade. Sua carneesfriara, mas agora ele temia que estivesse muito fria. Gelert, aninhado contraela, com a peluda cabeça em seu regaço, o olhava de esguelha. Era como sesoubesse que tinha feito um fraco serviço a sua esposa. E ele não podia negá— lo. A enfermidade de Madeline era culpa sua. Indubitavelmente, deveria pensar melhor antes de comprar uma beberagem de uma curandeira cujas artes eladesconhecia. Muito menos fazer isso só por conveniência. Tinha pensado quetudo seria mais simples se Madeline dormisse enquanto ele vendia o cavalo efazia os preparativos para a partida. Queria pôr fim a suas intermináveisperguntas e assegurar—se de que não se movesse de onde ele a deixava.

Agora Madeline não davasinais de mover—se nem formulava pergunta

alguma, mas Rhys distava muito de sentir—

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se satisfeito com o que tinha obtido. Não tinha pensado mais que em suaprópria conveniência. E não o desculpava o fato de ter tratado sempre comcurandeiros competentes, de não ter visto nunca uma beberagem que o pusessea um pior do que estava antes de beber. Não havia desculpas que desculpassemesse engano. O navio se balançava e chiava. Ouviam—se vagamente os gritosque intercambiavam os marinheiros ali acima, na coberta. O ritmo não eradesagradável e o pequeno camarote não era tão mau como teria podido ser.Não se viam insetos nem sinais de que existissem; além disso, cheiravaagradavelmente a maçãs. Rhys sabia muito bem que as adegas de um naviopodiam cheirar muito pior que essa, mas seu velho amigo capitão eramelindroso quanto às mercadorias que aceitava transportar.

A nave corcoveou em uma onda grande; o que indicou que já estavamem alto mar. O movimento tombou Madeline de lado e deslizou seu capote,descobrindo o pescoço dela. Rhys se aproximou sorrateiramente para agasalhá-

la uma vez mais. Depois acariciou com a ponta de um dedo a suavidade de suaface; sua própria pele era áspera comparada com a dela. Ao notá—lo sentiu umnó na garganta e uma opressão no peito. Caiu na conta de que era capaz de algopara ver Madeline sã outra vez. Venderia sua alma sem pensar duas vezes, sópor ver outra vez seus olhos cintilantes, para que ela voltasse a lhe arrojar umamaçã com mortífera pontaria. Amava—a.

Sua mão ficou petrificada ante essa inegável verdade. Contra suaspróprias inclinações se apaixonou pela mulher que tinha escolhido comoesposa. Amava seu rápido engenho, amava a temeridade com que o exortavaquando achava equivocado. Amava seu bom senso, seu espírito prático.Gostava que ela fosse capaz de adaptar—se às mudanças da vida sem queixanem lágrimas, que fosse forte, nobre e leal. Ajoelhou—se para observá—la,sabendo que jamais se cansaria dela, de seu contato, de sentir sua respiraçãocontra a orelha. Não por sua beleza, que era considerável, mas sim por seuespírito, que lhe tinha conquistado o coração.

Rhys recordou o que Madeline lhe havia dito de seu próprio coração;sem dúvida alguma dizia a verdade. Era o tipo de mulher que se apaixona por uma vez para sempre, jamais caprichosa nem temerária com seus afetos. EraJames, não ele, quem teria seu amor até a morte. Disse—se que não devia

sentir—se desencantado, pois não tinha direito a esperar nada melhor para si. Oamor não era digno de confiança nem se devia confessar publicamente: era umtesouro para saborear na intimidade. Se os Fados tinham a bondade de nãoroubar—lhe Madeline justo quando se descobria apaixonado por elaconcordava com a sorte que Rhys tinha tido até o momento, seria o melhor marido que se pudesse pedir. Brindar—lhe—ia uma boa vida; cuidá—la—iacomo a um tesouro; seu prazer seria fazê—la tão feliz quanto pudesse.

Nada disso alterava o fato de haver—se apropriado injustamente dela.Lançou um suspiro e fez um gesto carrancudo. Embora não soubesse comcerteza quem era o alaudista que viajava com Rosamunde, podia adivinhá—lo.

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E que mérito tinha seu amor por Madeline se lhe ocultava a única notícia quepoderia fazê—la feliz? Não gostava de recordar o modo em que a tinha tratado.Só lhe pedia franqueza, mas ele a enganava. Tinha—lhe perguntado por suaprópria história e ele a negava. Ela tinha jurado que seu coração só pertencia aum homem e ele a afastava desse único homem com o fim de conservá—lapara si.

Nessa cabine solitária Rhys fez uma aposta consigo mesmo. Nãoduvidava que Rosamunde chegasse a Caerwyn, nem que James estaria ao seulado. E embora temesse perder esse dia a Madeline, se não na realidade, aomenos em espírito, dispunha do tempo que durasse esse viajem para mudar ascoisas. Começaria por dar a sua esposa a única coisa que lhe tinha pedido cominsistência. Responderia a suas perguntas. Conceder—lhe—ia a franqueza queela desejava. Talvez não lhe agradasse a verdade, mas era o mínimo que lhedevia.

E se James se apresentasse, se Madeline desejasse ir embora com seuamado, Rhys não a impediria de partir. Sentiria saudades todos os dias e asnoites de sua vida, mas preferia perdê—la e sabê—la feliz antes que presenciar sua desdita.

Ergueu uma mão para acariciá—la. Nenhum homem honorável evitavacumprir com seu dever só porque pudesse não resultar a favor dele. Diria àMadeline a verdade. Madeline despertou pouco a pouco. Sentia a língua torcidae a cabeça leve. Tinha uma fome incrível e os membros com câimbras. Pior ainda, pela forma em que todo se balançava em redor, parecia estar deitada em

um berço. O que tinha acontecido?Abriu os olhos, despertando e, o movimentofez que Gelert abandonasse seu lado. O cão se esticou e, depois de umasacudida, bocejou com uma fogosidade que despertou em Madeline um sorriso;depois se sentou para observá—la, espectador. Madeline apoiou as mãos nochão e descobriu que não era ela quem se balançava, era o quarto.

As paredes eram feitas de madeira. Ouviam—se maçãs, o qual fez queseu ventre trovejasse ruidosamente. Estava envolta no capote escuro de Rhys,com o forro contra sua própria pele, e tinha as meias incomodamenteretorcidas. Rhys dormia profundamente contra a porta. Ao vê—lo lhe oprimiuo coração. Parecia desalinhado; como levasse vários dias sem barbear—se,parecia mais malandro do que era. Tinha olheiras e um sulco na fronte, comose sobre seus ombros carregasse todo o peso do mundo. Madeline se levantou,apoiando—se para recuperar o equilíbrio, e arrumou suas roupas.

Pregou o capote de Rhys para não pisá—lo; então descobriu que tinhaestado usando seu alforje como travesseiro. Dentro achou um pente, paragrande deleite seu. Penteou—se e voltou a trançar a cabeleira, segura de quecom um bocado no ventre se sentiria perfeitamente. Mas onde estava? Tratoude passar junto a Rhys para abrir a porta e ele despertou com um pulo.Imediatamente seu olhar voou para ela, como se não pudesse acreditar na

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evidência que lhe mostravam seus olhos. Logo se levantou com pressa estranhanele.

— Esta bem?— Claro que sim. — Ela sorriu, pois parecia estranhamente inseguro.

Surpreendeu—a que não a tocasse, mas ele tamborilava com os dedos paraimpedir que a buscassem. — estou incrivelmente faminta, o que me fez vacilar sobre os pés, mas de resto estou bastante bem, sim.

Então ele sorriu com olhos cintilantes.— Perfeito. Essa sim que é uma boa notícia.O quarto deu um tombo e Madeline, com uma exclamação abafada,

perdeu o equilíbrio. Rhys a segurou e afirmou as pernas. Seu calor era muitograto. A jovem se recostou contra sua força sólida. Ainda percebia nele certarelutância, uma relutância que ela não compartilhava. Beijou—a no pescoço eele se estremeceu.

— Na verdade me alegra vê—la — disse Rhys contra seu cabelo. — Cometi um grande engano ao comprar essa beberagem. Peço—lhe perdão por essa loucura. Madeline se afastou um pouco para olhá—lo, enquanto ordenavasuas lembranças dispersas.

— Refere—se à beberagem que o hospedeiro trouxe depois do jantar,essa beberagem que me fez dormir. Ele meneou a cabeça.

— Essa beberagem a adoeceu. Supostamente era só para que dormisse.

— Comprou uma beberagem para que eu adoecesse?Madeline se arrancou de seu abraço, mas ele assentiu.— Sim, embora não fosse essa minha intenção. Equivoquei—me

gravemente ao confiar na habilidade de uma desconhecida, Madeline, e lhepeço perdão.

Ela saiu do círculo de seus braços; não a tranquilizava, por certo, que eleconsiderasse correto lhe subministrar uma beberagem de qualquer espécie.

— Por que o fez?

Não esperava que ele respondesse, pois Rhys tinha demonstrado ser hábil para esquivar—se de perguntas, mas ele baixou a vista, ruborizado.Depois a deixou atônita ao responder:

— Pareceu—me mais simples se passasse a manhã dormindo. — Suspirou. — Sabia que faria muitas perguntas, que possivelmente não estivessede acordo com minhas decisões e que talvez decidisse não permanecer noquarto da estalagem, embora eu lhe pedisse isso.

— E por isso me deu uma poção para dormir, me enganando quanto asua natureza. — Madeline não fez nada por dissimular seu aborrecimento. — Me disse que era só cidra quente!

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A nuca de Rhys se havia posto escarlate, mas ele não afastou a vista.— Têm razão. Parecia ser o melhor. Estava equivocado.O quarto voltou a bambolear—se e Madeline caiu contra uma parede,

com tanta força que sem dúvida lhe sairia algum hematoma. Mas nessa ocasiãoestava tão irritada com Rhys que não tratou de segurar—se a ele.

— Que classe de quarto é este? — inquiriu, zangada. — Onde estamos,que até o chão se move sob meus pés? —antes que ele pudesse responder elalançou uma exclamação ao compreender. — Estamos em um navio!Aferrou— se ao amparo, pois o navio voltava a balançar—se. Depois se jogou para aporta. Tinha que sair do porão!

Rhys se plantou em frente.— O que a aflige? Não há nada que temer.

— Estamos em um navio! — Madeline tratou de empurrá—lo a umlado, mas seus esforços foram inúteis. — Isso é suficiente motivo para temer.— Aqui não há nenhum perigo. Nosso capitão é muito experiente e

temos bom tempo. Não estamos longe da costa, mas a suficiente distância paraevitar as rochas e os baixios...

Madeline voltou a puxar a porta e a empurrá—lo. — Estamos em umnavio! Isso já é perigo!

Rhys a pegou pelos ombros. — Esteve alguma vez a bordo de umnavio? Por que têm tanto medo?

— Tenho que sair!— Por quê? — Sacudia—a. — Por que, Madeline?— Me deixe sair!— Me diga.Madeline lutou inutilmente contra suas mãos. Então decidiu que a

maneira mais fácil de franquear o formidável obstáculo que era seu marido,seria conquistar seu acordo.

— O outono passado meus pais morreram afogados. O navio em que seencontravam afundou e morreram todos a bordo.— Ah... — Rhys levou muito tempo estudando aquilo, na opinião de

Madeline. — De maneira que foi por isso que protestou quando íamos abordar a nave.

— Me deixe sair! — A respiração dela estava acelerada com o terror decompartilhar o destino dos pais. — Não ficarei neste porão esperando a morte!– Agarrou Rhys pelos ombros e tentou afastá—lo de seu caminho. — Mova— se, Rhys, ou ficarei louca!

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Ele se moveu, mas a segurou pelo cotovelo com tanta força, que ela foiobrigada a ficar imóvel ao lado dele.

— Venha ao convés comigo. Verá que está fazendo um belo dia.Fora havia um corredor estreito e mais adiante, via—se um bendito

pedaço de céu azul. Madeline correu para lá e esteve a ponto de cair contra aescada.

— Subirei na sua frente — disse Rhys, em um tom que não admitiadiscussões. — Assim não perderá o equilíbrio no piso molhado. Siga—me semse afastar.

— Apresse—se, Rhys!Ele se deteve para apanhá—la em um estreito abraço.— Estamos a salvo, Madeline. Verá isso muito em breve.

Um momento depois ele e seu reconfortante calor desapareceram; masseus ombros bloqueavam o pedaço de céu que separava Madeline da loucura.Ela subiu atrás dele, sem preocupar—se com a falta de elegância, e piscou sobo sol brilhante de um dia glorioso. Rhys a segurou pela cintura para levá—lapara um lado do navio em que não estorvassem os atarefados marinheiros. Ovento se movia em rajadas e as velas tremulavam com força.

— Um belo dia — disse ele. Até seu tom era calmante. Ele firmou ospés contra o piso e segurou o corrimão em volta dela, fazendo—a sentir—sesegura sob o amparo de seus braços. Logo indicou a costa. – Está vendo? Se

não estiver enganado, aquela é a ilha de Arran. Com esse vento, muito embreve estaremos em casa, em Caerwyn.Madeline inspirou o fôlego trêmulo. As colinas da ilha pareciam muito

verdes sob a luz; havia cabras ou ovelhas pastando. O mar — ela percebeuassim que se atreveu a contemplá—lo — cintilava como se a superfície fossefeita de pedras preciosas. Ela não se fixou nas escuras profundidades, masacima do espelho faiscante. O ar seco limpou os restos de névoa de sua cabeça.Girou ao ouvir os marinheiros começando a cantar em uníssono.

— Cantam para içar a vela, movendo—se como uma só pessoa —

explicou Rhys, antecipando—se à sua pergunta. Depois ergueu a voz para unir —se à canção; sua rica voz provocou em Madeline um prazer inesperado. Sobseu olhar fascinado, os marinheiros puxavam os cabos para içar uma velaenorme em lances iguais. Essa segunda vela se inchou com o vento e chicoteoua primeira; ela percebeu que a embarcação avançava mais depressa. Eratranquilizante, ter Rhys tão junto de si. A voz dele acalmava seu medo, talcomo tinha eliminado os temores do Tarascon. Descobriu—se a recostar—seligeiramente contra ele e disse a si mesma que parecia estar bastante a salvo.

Além disso, realmente não havia nada que Madeline pudesse fazer paranão estar nesse navio. Inspirou profundamente. Ele havia dito a verdade, sentia—se melhor no convés que no camarote. A canção terminou e os marinheiros

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ataram os cabos, gritando—se entre si para assegurar—se de que a tarefaestivesse bem feita.

— Agora nossa velocidade será considerável — disse Rhys.— Nunca o tinha ouvido cantar — comentou Madeline.Ele deu de ombros, como incomodado por seu interesse.— Não faz tanto tempo que nos conhecemos — observou resmungão.— Mas sabe que eu gosto da música.Contra o habitual, ele corou.— Minha voz é pobre — foi quanto disse.Depois perdeu a vista por cima do mar.Aos pensamentos de Madeline acudiu outro detalhe sobre o momento

em que zarpavam de Dumbarton.— Tive um sonho curioso, cortesia dessa beberagem — disse, e teve a

certeza de que Rhys ficava rígido. Sim?Ela virou a cabeça para trás para olhá—lo e notou que tinha entreaberto

os olhos. Haveria um vestígio de verdade em seu sonho?— Sonhei que quem nos perseguia, a lombos de seis grandes cavalos

negros, chegavam até o mole enquanto nós zarpávamos.As feições de Rhys pareciam esculpidas em pedra.

— Sonhei que não eram os homens do Rei. Que à cabeça do grupovinha minha tia Rosamunde. Sonhei que vinham montados em cavalos deRavensmuir.

Ele apertou os lábios. Madeline já não se atrevia a guardar silêncio.Diria o pior e que ele o refutasse.

— E sonhei que você sabia a verdade desde o princípio.Ele sacudiu a cabeça em um gesto tão decidido que parecia negar a

acusação.

— Só soube quando passamos por Moffat. Antes disso, eu mesmoachava que eram os homens do Rei quem nos perseguia.Madeline se afastou um passo.— Você sabia!— Certamente.Ela estudou a situação. Sua família os perseguia, mas por quê?

Rosamunde tinha sido a única em dar seu respaldo a Rhys; se ia atrás delesdevia ser para retirar seu apoio. Algo tinha feito com que sua tia mudasse de

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opinião sobre Rhys. Ante essas circunstâncias, Madeline voltou a suspeitar dosmotivos de Rhys. Sua fácil confissão era muito pouco característica dele.

— Por que admite essa ação? Não é habitual em você que responda aminhas perguntas de tão boa vontade.

O sorriso de seu marido foi quase uma careta. — Resolvi que é hora deresponder às suas interrogações. Tratei—a mau, Madeline, ao dar essabeberagem para você, embora nunca imaginasse que seria tão potente, e depoisao negar—lhe a dizer o que sei.

Pediu—me franqueza e eu não soube lhe dar isso. Sua atitude era tãosincera que o aborrecimento de Madeline vacilou. — Daqui em diante mecomportarei melhor, se me conceder a oportunidade. Ela se virou de frente parao mar, segurando o corrimão.

— Sabia que era minha família que estava nos perseguindo e mesmoassim continuou a fuga.

Rhys assentiu com a cabeça e ficou ao seu lado.— Sabe por que foram atrás de nós?Ele apoiou os cotovelos no corrimão e esfregou o queixo com a mão.

Depois lhe lançou um olhar brilhante. Ela teve a clara sensação de que eleestava inquieto.

— Apenas imagino.— Pois então, rogo que me diga isso.Ele franziu os lábios, como que procurando as palavras certas: — Em

primeiro lugar, deveria saber que talvez essa não seja a sua família; duvido quetenham o mesmo sangue.

Ele não poderia ter dito nada mais assombroso, para Madeline.— Como isso é possível?Rhys ergueu o dedo para sossegá—la. Depois se voltou novamente para

o mar e passou a narrar sua história: — Uma vez, há muitos anos, presencieium casamento. Dafydd ap Dafydd casou sua única filha sobrevivente com um

cavalheiro chamado Edward Arundel. – um sorriso tocou seus lábios,provocado pela lembrança. — Era um casal muito feliz. Lembro-me delesrindo. Ela adornava sua cabeleira muito escura com uma coroa de margaridas.

Esse detalhe causou em Madeline um leve desassossego; sua própriatrança de ébano se agitava ao vento atrás dela. Rhys a fitou.

— A noiva era célebre por sua estranha beleza. Seus olhos eram do maisclaro matiz de azul, tão azuis que frequentemente os comparavam com safiras.Chamava—se Madeline, Madeline Arundel. A inquietação de Madelineaumentava.

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— Além de ser o casal tão feliz, essa aliança satisfazia ambas asfamílias, que desejavam um vínculo entre si. Dafydd estava empenhado emassegurar a nova aliança de Gales com o conde de Northumberland. Edwardera filho de um cavalheiro importante dessa casa.

— Mas foi por essa aliança que Henry Hotspur, o filho e herdeiro doconde, foi acusado de traição e recebeu a pena de morte.— Não. Hotspur morreu mais tarde, em mil quatrocentos e três, embora

tudo tenha se originado na mesma revolta.Madeline tratou de achar uma relação entre Hotspur e as acusações

contra Rhys, mas não pôde.— Você era, na época, muito jovem para combater.— Mas tinha idade suficiente para ver as consequências. — Rhys

franziu os lábios, com o olhar perdido no mar. — Naqueles anos de guerras elutas internas, muitos morreram na tentativa de se recuperar a soberania deGales. Houve aldeias arrasadas e vinganças pela rebelião. Cresci em um paísno qual repercutiam as ausências, o silêncio de quem deveria estar ali. Noverão passado, inclusive Dafydd ap Dafydd deixou esta terra, com o sonho deum país de Gales soberano convertido em desencanto.

Madeline inclinou—se mais para ele, intrigada por seu pesar.— Mas com a morte de Dafydd ap Dafydd, o marido de sua filha,

Edward Arundel, seria seu herdeiro.

— Assim seria se o casal tivesse sobrevivido ao ancião.— Morreram?Rhys assentiu.— Depois de tantos anos, finalmente rastreei—os até Northumberland.

Madeline Arundel viveu apenas um ano após suas bodas; seu marido, algumtempo mais.

— Nesse caso a propriedade volta ao poder da Coroa, não é mesmo?— Na Inglaterra seria assim. Mas em Gales o sangue de um filho varão

é mais importante que o estado conjugal de seus pais. Segundo a lei galesa, osbastardos podem herdar terras.— Refere—se à Caerwyn — ela adivinhou. — Caerwyn deve ter

pertencido ao Dafydd ap Dafydd. E você é seu filho bastardo?Como Rhys nunca respondia a esse tipo de perguntas pessoais ficou

atônita ao ouvi—lo dizer:— Sou seu sobrinho, filho do Henry, seu irmão mais novo, que teve

quatro filhas com sua esposa legítima e um bastardo com uma concubina. Ele afitou nos olhos, enquanto tocava o próprio peito com um dedo.

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— Suponho que só poderá herdar Caerwyn sendo o último sobreviventede sua família – ela deduziu. — Disse que suas irmãs morreram e que Dafyddsó teve uma filha. Também Madeline Arundel morreu sem ter filhos?

Rhys a encarou com um sorriso tão cálido que ela ficou confusa.

— Teve um. Madeline Arundel morreu de parto, mas a criança sesalvou. Era uma menina. — Seu olhar era firme. — Minha prima teve seu bebêem Alnwyck e morreu no parto. O nome da menina, porém, não ficou nosregistros.

Sob seu olhar insistente, Madeline apertou o corrimão com mais forçaainda, pois adivinhava o que ele queria dizer.

— Alnwyck esta perto de Kinfairlie – disse ela — Acredita que essafilha sou eu.

— O bebê de Madeline nasceu no ano de mil trezentos e noventa e oito.— Igual a mim!Medeline contemplou ausente, a água espelhada, aturdida pelo que Rhys

estava insinuando. Acaso sua família não era, na verdade, sua família?Ele se inclinou para murmurar ao ouvido dela: — No funeral de Edward

Arundel, em mil quatrocentos e três, ficou registrado que a senhora deKinfairlie levava a filha do falecido para criá—la como se fosse sua.

Madeline se sentiu subitamente enjoada. Tudo tinha uma lógicatraiçoeira.

— Que outro motivo teria sua suposta família para estar disposta a sedesfazerem de você por meio de um leilão, lucrando com suas bodas? É claroque desejavam economizar o dote daquela que não pertencia à linhagem.

Madeline agarrou a manga dele e virou—se a fim de enfrentá—lo face aface: — Sendo assim, por que se casou comigo? – questionou.

Ele a estudou com expressão cautelosa. Disse: — É inteligente. Podededuzi—lo.

— Casou—se comigo porque, se eu for essa filha, sou a única pessoaque pode reclamar Caerwyn e impedir que vá para suas mãos.

Rhys inclinou a cabeça em sinal de assentimento. A fúria corroiaMadeline por dentro. Que motivos tão frios, tão calculistas! Teria preferidodescobrir que ele a havia desposado só por lascívia.

— De maneira que me escolheu por Caerwyn, nem mais, nem menos.— Assim é.— Mesmo acreditando que sou filha de sua prima! Uma união assim é

um pecado!

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Rhys sacudiu a cabeça, negando: — Em meu país, não.— Bárbaro! — exclamou ela.Rhys a fitou, suplicante; a culpa refletida em sua atitude revelava que

não se sentia tão inocente como queria fazê—la acreditar. Isso a enfureceumais que qualquer outra coisa.

— Comprou—me para assegurar a propriedade do torreão que tantoama. E plantaria sua semente em meu corpo só para que seu legado passasse àsua estirpe.

Rhys suspirou antes de murmurar: — Há mais, Madeline...Ela não tinha vontade de escutar suas desculpas. — Não trate de

suavizar a verdade com palavras bonitas, Rhys FitzHenry. — Ia afastar se, masele pegou—a pela mão.

— Não é isso, quis dizer que ainda não sabe o pior.Madeline apertou o corrimão, sem imaginar o quê mais ele poderia

confessar. — Diga. – exigiu.— Em Moffat, vi o grupo que nos perseguia. Com Rosamunde viajam

quatro pessoas que reconheci e uma que me é desconhecida.Madeline conteve o fôlego. Rhys contou nos dedos. — Rosamunde,

Alexander, Vivienne, sua irmã menor, que fala com fadas...— Elizabeth. – ela interrompeu—o.

— Outro homem a quem vi no salão de Ravensmuir, do tipo calado,com um pendente de ouro.— Padraig. Marinheiro de Rosamunde.— E um homem mais. — A expressão de Rhys tornou—se sombria; seu

olhar, penetrante. Madeline sentiu medo do que ia ouvir. — É loiro, seuscabelos são muito claros e ele carrega um alaúde nas costas.

Ela levou as mãos aos lábios, perplexa. Nunca teria previsto semelhanterevelação!

— Sabe seu nome?— Suspeito. — A voz de Rhys soou triste. — Na verdade, o retorno deseu noivo explicaria por que correram atrás de você.

James. James os seguia. James!Madeline apertou um punho contra o peito, espantada pelo que Rhys lhe

dizia e ainda mais por sua traição.— Mas você sabia. Sabia e não me disse nada. Desde que passamos por

Moffat, você sabia que James vinha atrás de nós — disse, sem dissimular aconsternação.

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Rhys inclinou a cabeça em um gesto afirmativo.Esse cafajeste tinha mentido para ela! Ela confiara nele, tinha se

entregado, fazia tudo o que estava ao seu alcance para que o matrimôniotivesse uma oportunidade. E Rhys havia mentido. Pior ainda, tinha mentido

sobre a única coisa que teria podido mudar sua opinião dele.— E mesmo adivinhando, fez com que continuássemos fugindo deles —

acrescentou, pois precisava ouvir a condenação de seus próprios lábios. – Manteve—me longe do meu único e verdadeiro amor, deliberadamente.

Rhys voltou a assentir. — Não disse que estava orgulhoso de meus atos.— Infame traidor!Madeline se afastou dele; a fúria a consumia e sufocava as palavras

furiosas que subiam à sua garganta. As lágrimas empanavam sua vista. Casara—se com quem não lhe convinha, depois de desencontrar—se com seuverdadeiro amor por um único dia!

— Sinto muito, Madeline. Sei que foi um equívoco...— Não tente justificar seu crime!— Na verdade não estou seguro da identidade do alaudista. Só é uma

hipótese, Madeline. Tenha em conta.— Não poderia ser outro — insistiu ela. — Não há outro motivo para

que Rosamunde e os outros nos persigam.Rhys fez uma careta ao reconhecer essa verdade. — Sinto muito – disse.— Não! — A jovem inspirou fundo; depois falou com uma calma

surpreendente até para ela mesma. — Com uma desculpa não arrumará nada.Palavras não bastam.

— Diga—me o que deseja que eu faça. Embora seja tarde, dar—lhe—eia franqueza que pediu.

— Acredito que só pode fazer uma coisa. Faria bem em procurar quantoantes uma concubina. — Madeline ergueu as costas e encarou fixamente. — Jamais voltará a estar entre minhas coxas. E entendo que necessita um filho

varão.— Mas... — Ela o interrompeu com palavras penetrantes como uma

faca bem afiada — Estava disposta a apostar em você, Rhys. Estava disposta aum acordo que conviesse a ambos. Mas mentiu, enganou—me. E até admite ter cometido essas más ações. Assim anulou toda possibilidade de que entre nósexista um matrimônio amistoso.

— Mas estamos casados e nossa união foi consumada...— E se eu for filha da sua prima, o nosso parentesco é muito próximo

para que as leis da Igreja o permitam. Nosso matrimônio pode ser anulado por questões de consanguinidade.

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Ele pareceu tão espantado, que a convicção de Madeline vacilou, por instantes. Poderia feri—lo tanto? Mas esse homem não tinha feito mais queenganá—la repetidamente. Sem dúvida, agora mesmo queria dobrá—la à suavontade. Sem dúvida, já esperava seu protesto. Sem dúvida, lutaria pensandoem sua preciosa fortaleza, Caerwyn.

— Não é assim em Gales! – ele insistiu, com fúria incomum. — Nãoexiste entre nós essa proibição por consanguinidade. Não é permitido ocasamento com uma irmã ou com a própria mãe, mas entre primos, se talaliança for conveniente, o casamento é válido.

Madeline deu um passo atrás, pois sabia que, se ele a tocasse estariaperdida. Era muito suscetível às poderosas carícias dele.

— Não nos casamos em Gales, Rhys. Fomos casados pelo sacerdote doconvento de sua tia, que responde ao arcebispo de Canterbury.

Rhys parecia aturdido por essa elucidação, mas Madeline recordou a simesma que não devia confiar na sinceridade dele.— Mas isso não pode ter importância... — ele disse, vacilando pela

primeira vez desde que ela o conhecera. Girou para contemplar o horizonte,franzindo a testa. — Mas não vão anular nossa aliança, não é verdade? — insistiu, buscando os olhos dela. — Não poderia fazer isso, Madeline.

Madeline esboçou um sorriso tenso.— Por que eu deveria ficar com você? Que motivos me deu Rhys

FitzHenry, para que me alegre de ser sua esposa?Ele moveu a boca por um momento. Ao que parecia, sua surpresa era

autêntica.— Entendemo—nos bem no leito.— O matrimônio deve ser algo mais que isso. E já me advertiu que não

posso esperar sua fidelidade conjugal. É possível que necessite filhos varões,mas eu necessito um marido. Procure uma rameira, Rhys, e que ela o mantenhasatisfeito.

Madeline retornou à cabine; suas lágrimas correram ao ver o entusiasmo

com que Gelert a recebia. Sentou—se com o cão, tratando de trazer para amemória as bem—amadas feições do James.Descobriu com espanto que não recordava como era James. Em

realidade era o carrancudo semblante de outro homem o que enchia seuspensamentos. Tratou então de recordar a doce magia de sua voz. Não podiaouvi—lo em sua memória. Em troca percebia a cadência de uma voz maisgrave, que relatava uma lenda com humor e paixão. Procuroudesesperadamente alguma recordação de seu amado James; seu medo só seacalmou ao visualizar seus esbeltos dedos nas cordas do alaúde. Então sorriu efechou os olhos, segura de que tudo sairia bem. James viria por ela a Caerwyn,

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pois Rosamunde conhecia o objetivo de Rhys. E ele mesmo tinhasubministrado a Madeline o detalhe necessário para fazer anular o casamento.

Algo se retorceu muito dentro dela, pois se tinha afeiçoado a Rhys. Masele mesmo tinha revelado que não tinha intenções de amar a seu cônjuge. Seu

desejo era ser dono de Caerwyn e pai de filhos varões, nem mais nem menos.Sua esposa seria só um recipiente. O homem que lhe convinha era James;Madeline sabia bem. Logo se reuniriam. E estariam juntos toda a eternidade. Omais provável era que Rhys nem sequer sentisse falta dela. Apesar de tudo,Madeline veria completado seu único desejo. Que estranho era, pois, que seucoração não cantasse ante essa perspectiva... Nesse momento recordou opresente de sua mãe. Com dedos trêmulos desatou o saquinho de veludo quelhe pendia do pescoço e deixou cair a Lágrima na palma da mão. Ao ver agema se tranquilizou.

Uma intensa luz ardia no fundo da pedra, mais brilhante que oresplendor que ali tinha visto dias atrás. Era uma luz dourada, vigorosa; dizia— lhe que tudo sairia bem. Se estava chorando era de júbilo, sem dúvida. E sesuas lágrimas caíam em tanta abundância era só pela fome. Disse isso uma eoutra vez, contemplando a resplandecente estrela da pedra.

Mas não conseguia convencer—se. E não sabia por que.

Capítulo 15

Rhys tinha pouco que perder. A essa altura, disse—se, seu matrimôniocom Madeline só podia melhorar. A menos que acabasse, é claro. Ele nãoestava disposto a confrontar essa perspectiva; antes lutaria pelo favor da dama.A seu modo de ver, dispunha do tempo que durasse essa viajem paraconquistar seu coração. E não tinha intenções de perder um momento. Comopodia ter esquecido as diferenças entre as leis de consanguinidade da Igreja

galesa e a romana?Como podia ter errado tão rotundamente? Como lhe tinha ocorrido

desposá—la em uma capela que respondia a Canterbury, sem ver a falha de suaescolha? A presença dessa mulher o fazia perder o tino.

Pior ainda, não queria viver sem ela, qualquer que fosse o preço. Rhyspegou duas terrinas do guisado de arenque salgado que tinham feito osmarinheiros, duas jarras de cerveja e uma fogaça de pão. Quando um homemtratou de recriminar o tamanho de sua porção de pão, pois não haveria maispão até que chegassem a outro porto, Rhys lhe jogou tal olhar que ele escapuliu

de mansinho. Rhys partiu pelo bamboleante corredor, mantendo sua carga

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cuidadosamente equilibrada. Tinha que reconhecer: nenhuma das batalhas quelutara em sua vida lhe inspirara mais medo do que o confronto que,provavelmente, teria pela frente no pequeno camarote.

Rhys bateu na porta, mas Madeline não respondeu. Na verdade, ele não

esperava que ela o fizesse, mas acreditou ouvir um soluço. Então seamaldiçoou por ferir sua senhora a ponto de fazê—la chorar. Tinha, quandomenos, a obrigação de fazê—la sorrir outra vez. Firmou os pés na cobertaondulante e limpou a garganta, pois sabia qual o melhor relato para contar aela.

— Era uma vez, um homem a quem todos consideravam dotado degrande inteligência. Sua esposa o considerava mais engenhoso que qualquer outro habitante desse vale, mas logo ficaria provado que ela estavaequivocada...

Rhys ouviu um pequeno bufo de risada através da porta, o que eramelhor que o som lacrimoso de momentos antes. Isso o aliviou.— Esse homem não era apenas sagaz, segundo a avaliação dos amigos e

vizinhos, mas também se alegrava ao ver seu próximo feliz. Isso significa quetinha bom coração, mas em pouco tempo iria se tornar óbvio que sua cabeçanão detinha a mesma qualidade. Esse homem era amigo de um grupo de fadasque viviam debaixo de uma colina, perto de sua casa. Conta—se que ele lhestinha feito um favor, embora eu não saiba de que tipo. Basta dizer que as fadasse sentiam inclinadas a agradá—lo e por isso ofereceram—se para realizar seumaior desejo.

Quando o navio foi impactado por uma onda, Rhys perdeu parcialmenteo equilíbrio e um pouco do guisado escapou da terrina. A dor que isso lheprovocou, ao aterrissar em sua mão, comprovava que a comida ainda nãoestava fria, mas também lhe provocou uma careta enquanto perdurou o ardor da queimadura. Certo de que Madeline estaria assustada pelo movimento daembarcação, apressou—se a continuar o relato, a fim de distraí-la de seustemores.

— Nosso homem, pensando em seus amigos e vizinhos e no quanto erabom vê—los felizes, pediu às fadas uma harpa que tocasse sozinha, pois todos

que gostavam de dançar sempre reclamavam que os músicos se fatigavamantes deles; por isso, pensou que um presente assim faria todos felizes. Seubom coração lhe inspirava o desejo de compartilhar sua boa sorte. As fadas lhepediram que retornasse à sua casa. Na manhã seguinte, ao despertar, o homemachou uma harpa junto de sua lareira. Soube, com apenas um olhar, que oinstrumento não havia sido confeccionado por mortais, pois era todo feito deouro e suas cordas resplandeciam silenciosas. Ficou encantado. Nessa mesmanoite, seus amigos e vizinhos se reuniram para ver a maravilhosa harpa e ohomem estendeu a mão para ela. Assim que tocou as cordas, começou a soar uma alegre melodia. Entre todas as pessoas ali reunidas não houve uma quenão ficasse a dançar.

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Rhys voltou a manobrar com sua carga, esperando que Madeline oestivesse escutando e, mais ainda, que encontrasse prazer naquele conto.

— A música da harpa era tão alegre, que as pessoas dançavam com umentusiasmo incomum. Saltavam e giravam, golpeando o chão com os pés,

batendo palmadas. Assim dançaram até proclamar que já não podiamcontinuar. Mas enquanto a harpa continuasse soando, ninguém podia se deter.A música enfeitiçava os pés, obrigando—os a dançar e dançar. Quando jágritavam que não podiam mais continuar, o homem afastou a mão da harpa. Sóentão houve silêncio. Todos concordaram que a harpa era uma maravilha. Aesposa pensou que seu marido era incomparável, pois não só tinha obtido o quemais desejava, mas também esse desejo tinha sido fazer felizes também aosoutros.

—Assim, amigos e vizinhos vinham visitá—los cada vez que desejavamdançar. E o homem levava sua harpa encantada a todas as reuniões do vale.Todos desfrutavam da música, todos se beneficiavam com o presente das fadas,todos dançavam como nunca. E pensavam que o homem era uma pessoaexcepcional. Mas, pouco a pouco, ele começou a questionar se era convidadoàs celebrações por ser estimado. Começava a acreditar que o convidavam tãosomente para que ele levasse a harpa, que seus amigos apenas fingiam estimá—lo, mas, na verdade, só desejavam usufruir do presente das fadas. Começavaa pensar que seus amigos e vizinhos não estavam agradecidos por compartilharem sua boa sorte. Essa sombra se apoderou dele e já não odeixava. —

—Por isso, uma noite ele pôs a mão nas cordas da harpa, como já tinhafeito tantas vezes. Seus amigos e vizinhos dançaram, pois não podiam fazer outra coisa. Dançaram e dançaram. Mas quando se sentiram cansados e lhepediram que cessasse, o homem fingiu não ter ouvido. Deixou que a harpacontinuasse soando. Fez isso sem remorso, e assim obrigou os amigos evizinhos a dançarem interminavelmente. Tão profunda era sua convicção deque o convidavam apenas para aproveitarem a música, que resolveu fartá—losde dança. Os mais velhos, e os mais fracos, começaram a derrubar—se,esgotados, mas o homem não prestava atenção. Até os mais viris soluçavamque já não suportavam mais, mas o homem continuava com a mão firmemente

apoiada nas cordas. Só quando a alvorada tocou o céu, ele permitiu que oinstrumento se calasse. — —Então o homem levantou a vista para apreciar sua vingança. E

descobriu, com horror, que seus amigos e vizinhos não estavam simplesmentecansados no chão: alguns tinham morrido. Vários outros agonizavam. Tinhamburacos na sola dos sapatos, pela intensidade da dança. E até os que aindaviviam mal podiam mover—se. Sua esposa estava entre os que tinham morridodurante essa dança maluca. O homem ficou horrorizado pela loucura que tinhacometido; o coração lhe pesava como uma pedra. —

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Rhys fez uma pausa para umedecer os lábios e segurar melhor asterrinas. Detrás da porta se ouvia a respiração de Madeline, como se elaesperasse com ansiedade as palavras seguintes.

— Na manhã seguinte, quando o homem despertou para assistir ao

funeral de sua esposa, a harpa de ouro já não estava junto à lareira. Jamaisvoltou a vê—la, nem teve oportunidade de ajudar novamente às fadas. Depoisdaquele engano, seus amigos e vizinhos desconfiavam dele. Nenhum dos quehaviam dançado naquela noite fatídica voltou a dançar novamente.

—O homem ficou só. Sentia muito mais a falta de sua esposa que daharpa. Viveu muito tempo, embora nunca prosperasse. Muito tarde, soube quenão era tão inteligente, nem tão bom, como sua esposa pensava; muito tarde,descobriu que sempre tinha tido o que mais desejava: o coração dela. —

Terminando o conto, Rhys jogou um olhar para a comida em suas mãos.

Estava ficando fria, pois o vapor já não surgia das terrinas com tantaintensidade. O silêncio detrás da porta revelou—lhe que seu primeiro esforçopara acalmar a irritação de Madeline havia falhado. Nesse momento, ela abriua porta. Tinha os olhos inchados e avermelhados, os lábios tensos. Suaspestanas escuras ainda estavam molhadas pelas lágrimas. Sua carne pálida eraum aviso da beberagem que tanto a tinha debilitado, mas também do medo quelhe inspiravam os navios. Seus dedos pareciam tremer contra a porta.

Rhys teve a certeza de que em toda sua vida não tinha visto mulher tãoformosa. Sabia que a tinha enganado como um patife. E que seu relato era umapobre oferenda. Mas não tinha outra, além de si mesmo. E compreendia queMadeline não desejaria tão pouco.

— Isso significa um pedido de desculpas? — perguntou ela.— Significa apenas um começo – respondeu Rhys, mal se atrevendo a

ter esperanças.Madeline o observou, mas ele não podia adivinhar seus pensamentos.— Em seus relatos, muita gente perde tudo o que lhe é mais querido.

Você, por acaso, pensa que não há boa sorte que perdure?Rhys franziu o sobrecenho, pois as provas atuais pareciam confirmar

essa possibilidade.— Frequentemente eu penso assim, pois é o que demonstra minha

experiência.— Mas...?— Talvez a lição seja que deveríamos saborear o que nos é brindado,

pois ninguém sabe quanto durará o que é bom.Então ela sorriu, embora com tristeza, e esfregou as orelhas do cão,

como se apenas Gelert pudesse consolá—la.

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— Não se pode esperar algo melhor, ao invés de temer que as coisaspiorem? – Madeline tinha os olhos brilhantes e observava Rhys ofegando deantecipação pela resposta.

Rhys umedeceu os lábios, sem saber o que ela esperava ouvir,

desesperando—se por não saber a resposta certa.—seria uma faculdade muito grata de adquirir.Ela inclinou a cabeça.— O que suportou Rhys, para que suas esperanças sejam tão escassas?— Não mais que a maioria — respondeu ele, dando de ombros.Encheram—se os olhos de Madeline de lágrimas e afastou o rosto. Rhys

teve medo de que fechasse a porta. Então falou sem ter em conta a prudênciado que oferecia.

— Revelar—lhe—ei o que me pediu tantas vezes — disseabruptamente, se comprometendo ante ela antes de poder reprimir o impulso.Madeline o fitou nos olhos; os seus refulgiam. — Direi por que me acusam detraição.

Ela não pronunciou nenhuma palavra, mas arregalou os olhos. Rhys, nãoentendendo sua atitude, temeu equivocar—se de novo se continuasse falando.Talvez ela já não tivesse interesse em conhecer sua história. Talvez não seimportasse. Talvez fosse exatamente o que merecia, pelo sofrimento que haviainfligido a ela.

— Têm apetite? — Ofereceu—lhe o guisado e a cerveja. Aindasujeitava o pão sob o cotovelo; o galgo se estirou para farejar a comida. — Éum prato humilde, mas ainda está mais ou menos quente.

Madeline deu uma olhadela às terrinas. — Tenho apetite. Sem dúvida,você também. Será melhor que comamos antes que o galgo encontre tudo nochão. – Ele a observava com uma estranha atenção. — E depois escutarei suahistória, se ainda estiver decidido a contá—la – acrescentou.

Rhys assentiu com a cabeça. No momento as palavras o tinhamabandonado por completo. Então Madeline sorriu. Isso bastou para esquentá—

lo até a ponta dos pés. Ela se fez a um lado para permitir que ela entrasse nopequeno camarote. Seu coração palpitava como se fosse explodir. Sua damaestava lhe concedendo uma segunda oportunidade. E ele cuidaria de jamais dar motivos para ela arrepender—se de tê—lo feito.

Rhys FitzHenry tinha prometido confiar nela. Madeline mal podiaacreditar. Seria mais fácil pensar que se tratava de outro homem, sófisicamente parecido com ele. Já era bastante estranho que ele revelasse partesde sua vida, muito mais que o fizesse voluntariamente. Madeline se perguntoupor que se sentia tão obrigado a fazê—lo. Mas sentia curiosidade. Mal provoua comida que ele trouxera, embora isso lhe pusesse um satisfatório calor no

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ventre. Não estava tão chateada a ponto de não admitir que estivesse satisfeitaem ter a companhia de Rhys. Com ele ao seu lado se sentia mais segura, poisele não a abandonaria embora o navio se afundasse.

Havia muito que dizer a favor de um homem em quem se podia confiar.

Comeram em amistoso silêncio. Quando Rhys passou a última parte de pãopelo interior de sua terrina, o galgo levantou o olhar.— Agradeço—lhe que trouxesse a comida — disse Madeline. — Tinha

mais apetite de que pensava. Agora me sinto muito melhor.Ele fez um gesto afirmativo.— Os medos sempre parecem menos graves quando se tem o estômago

cheio.— Suponho que é muito certo.

Madeline não disse mais; limitava—se a esperar, pois não estava detodo convencida de que Rhys cumprisse com sua promessa. Revelar essessegredos era tão oposto ao seu caráter como deixar de cumprir com a palavraempenhada.

Se ele fazia confidências, ela queria que fosse por sua própria vontade,não porque ela o tivesse suplicado. Por isso guardou silêncio, fazendodemonstração de uma paciência que não achava possuir. Ele demorou unssegundos em ordenar seus pensamentos; depois levantou um dedo. Suaspróprias lembranças estavam enredadas com a história coletiva e desejava fazer um relato coerente.

—sem dúvida ouviu falar de Owain Glyn Dwr e seu sonho de obter asoberania galesa.

Madeline assentiu ante seu olhar de soslaio.— Hotspur se aliou com ele e, por fim, declarou—a traidor.— Em efeito — afirmou Rhys, apreciando o fato de que sua esposa não

fosse tola. — Owain Glyn Dwr e seus aliados queriam substituir Enrique IVpor Edmundo Mortimer, no trono inglês. Mais ainda, pensavam repartir—se aInglaterra; Escócia e o norte seriam para o conde de Northumberland; Gales e o

oeste, para Owain Glyn Dwr; o resto para Mortimer. O plano fracassou, éclaro, pois era muito audaz e Henrique se revelou muito ardiloso.— É audaz, sim, tratar de destronar a um rei.Rhys riu entre dentes.— Embora Henrique IV tivesse feito algo muito parecido: destronou ao

Ricardo II a favor de si próprio.— Mas a quem trunfa não o acusa de traição.Ele assentiu mais sério.

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— De qualquer maneira, Owain Glyn Dwr ia frequentemente à moradade meu tio e enchia o ambiente com seus sonhos do que podia ser Gales, poisambos tinham combatido ombro a ombro e eram antigos camaradas. Owainconhecia toda a história de nosso povo e sabia relatar todas as lendas antigas.Tinha um estranho carisma e uma voz ressonante; as pessoas o escutavam comatenção.

—Conta—se que Artur e seus cavalheiros não morreram, mas simdormem dentro de Eryri e que despertarão para prestar ajuda ao verdadeiropríncipe de Gales. Naqueles dias se comentava que esse príncipe era Owain, ohomem escolhido para reconquistar a independência galesa. Murmurava—seque era um feiticeiro, pelo poderoso feitiço que criava em seu público.Enfeitiçou—me, sem dúvida alguma. —

Ao olhar à dama que tinha a seu lado, Rhys viu com surpresa que oobservava e escutava seu relato com avidez. Afastou o olhar do rosto, pois nãopodia sustentar seu olhar brilhante.

— Deveria retroceder mais no tempo para que compreendesse melhor.Gales já era um reino em séculos imemoriais, embora frequentemente lhefaltasse um príncipe. Os normandos só foram os últimos a tentar se apropriar do país: escravizaram aos galeses, nos mantinham agrilhoados ou nos reduziamà condição de servos, mas nunca puderam afirmar sua soberania. A rebelião eraconstante.

Llywelyn ap Gruffydd foi nosso último chefe, reconhecido comopríncipe de Gales pelos reis ingleses, até que Eduardo I se recusou a essereconhecimento. A fim de protestar, Llywelyn reteve o tributo; então foideclarado rebelde e em mil duzentos e oitenta e cinco lhe deu morte.

— Eduardo I conseguiu poucos aliados também em Escócia — murmurou Madeline.

— Estava decidido a unificar a ilha sob sua mão. Ao menos se podedizer isso em seu favor.

— Ao menos — ela reconheceu, e ambos compartilharam um sorrisoinesperado.

Rhys percebeu entre eles um tênue vínculo e se atreveu a lhe agarrar amão.Ela não resistiu. Pelo contrário, seus dedos gelados se curvaram em

volta dos dele, como se procurasse consolo em seu calor. Era bem constituída,essa sua esposa, delicada e bela como uma flor primaveril. A simples ideia deperdê—la fez com que apressasse o relato.

— A cabeça de Llywelyn foi levada triunfalmente à Londres; sua únicafilha ficou confinada em um convento; seu sobrinho Owain, encarcerado emBristol; seu irmão foi arrastado por toda Shrewsbury e depois enforcado,

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eviscerado e esquartejado. A mensagem da coroa era muito clara, não ficariasemente de Llywelyn ap Gruffydd, nem rebeliões, nem príncipes de Gales.

—E para que ninguém pusesse em dúvida essa intenção, Eduardo fezcom que construíssem fortalezas por toda parte, em Eryri: um círculo de ferro e

pedra que demonstrava sua soberania e seu poder—. Caernafon, Aberystwyth,Harlech, Conwy, Beaumaris, Flint, Rhuddlan. Até os poucos fortes galeses,como Caerwyn, foram capturados e fortificados em nome do Rei inglês. Todosos meninos sabiam enumerar de cor esses castelos normandos e viam ondular contra o céu os estandartes ornamentados com as insígnias do rei inglês. Cadamenino galês aprendeu a odiar o que representavam.

— O comando em mãos de estranhos, dízimos e impostos enviados aoestrangeiro.

— Mais ainda. — Rhys sorriu, reconhecendo que sua esposa não era

idiota. — Atrás das altas muralhas dessas fortalezas cresciam povoadosocupados apenas por homens e mulheres ingleses. Havia portos ondeancoravam navios ingleses, que vendiam mercadorias aos lojistas inglesesdessas cidades. Aos galeses não nos permitiam entrar nas cidades, muito menosviver nem praticar ali nosso ofício. E o descontentamento Galês crescia comcada saída das forças militares ou da peste através desses portões fortificados.

— Ninguém que tivesse bom senso teria prognosticado outra coisa — disse Madeline em voz baixa. — É impor uma mão dura ao país.

— Mais ainda, as terras da linha que em outros tempos constituía afronteira com a Inglaterra tinham sido outorgadas a nobres anglos normandos.Esses tais senhores - Marchers—, que tinham propriedades sobre o Marchgalês, não reconheciam a soberania de rei algum.

— Podiam fazer o que desejassem — ela adivinhou. Rhys assentiu. Elaacrescentou, melancolicamente — Nas terras escocesas também há senhoresassim. A Coroa precisa que eles mantenham a paz. Suponho que permitiramaos galeses construir algumas baronias entre a fronteira e esse círculo defortalezas.

— Realmente foi assim, embora raramente os juízes e as leis inglesastenham se manifestado contra os seus. Foi por isso que Owain Glyn Dwr,Lorde de Sytharch, um galês com alguns recursos, compreendeu que suadisputa com um Marcher vizinho jamais se resolveria a seu favor. Então tomouem armas contra o vizinho em questão e, contra tudo o que se podia esperar,triunfou.

— Ah! — exclamou ela.Rhys esboçou um sorriso fugaz e continuou: — Aceso pelo triunfo, ele

declarou—se príncipe de Gales e jurou recuperar a independência da terra que

tanto amava. Seu exército fazia—se mais numeroso a cada dia, a cada vitória

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obtida. Por fim, expulsaram os ingleses de todas as terras situadas entre ossenhores do March e o mar. Até capturaram Harlech. E Owain se aproprioudela, assim como de Aberystwyth e Caerwyn.

— E Caerwyn passou a ser propriedade do seu tio.

Rhys assentiu: — Ele e Owain tinham combatido juntos e Caerwyn foi obutim. Owain estabeleceu a corte real em Harlech. Estampou o dragãovermelho em seus estandartes e enviou emissários ao Papa e ao Rei francês.Resolveu fundar uma universidade, para educar melhor os sacerdotes da Igrejagalesa, desvinculando—a de Canterbury. Sonhava de forma audaciosa. Esonhava os sonhos de milhares de galeses. Fez—se chamar - o poderoso emagnífico Owain, príncipe de Gales—.

— Pois não lhe faltava modéstia!— Não, por certo! Era o favorito da Fortuna, um homem encantador, o

mais próximo de um rei que qualquer de nós já tinha visto. Sua corte estavacheia de músicos e poetas, videntes e sábios, mulheres formosas e cavalheirosaudazes. Era como se sob sua mão o lendário país de Gales estivesserenascendo. Houve um período, no ano de 1.405 ou um pouco depois, no qualse poderia dizer que tudo o que ele tocava se convertia em ouro e nada do quefazia podia dar errado.

— Até que aconteceu— Madeline interrompeu—o e logo o incentivou acontinuar, sorridente— Minha irmã, Vivienne, sempre tenta adivinhar comocontinuam os relatos. Peço—lhe desculpas por isso; sei que é um hábitoirritante.

— Não estou irritado — disse ele, encantado ao ver o brilho de seusolhos— Mas o que disse é correto, pois então as coisas começaram a sair mal.Lenta, mas incessantemente, a maré se voltou contra Owain. Suas forçasencontravam a derrota com mais frequência que as vitórias. Em 1.406 seu filhofoi capturado e seu irmão morreu ambos na mesma batalha de Usk. Sytharchfoi arrasada. No ano oito os ingleses se apoderaram de Harlech. Pior ainda, suaesposa, duas de suas filhas e três de seus netos foram levados à Torre deLondres e lá morreram. Aqueles dentre seus homens que conseguiramsobreviver se tornaram mercenários do exército francês, a fim de lutar contra

os ingleses, ou ficaram reduzidos a mendigos, em Gales. Eram conhecidoscomo Plant Owain; os galeses os tratavam com gentileza, pois todos sabiamque tinham procurado mudar as coisas.

— Mas que fim teve Owain? Suponho que não terminou nada bem.Rhys deu de ombros. — Ninguém sabe com certeza. Em mil

quatrocentos e quinze, o Rei lhe ofereceu o perdão, mas ele jamais seapresentou na Corte. Há quem diga que havia morrido em Dunmore, no anoanterior; outros, que renunciou á vida ao saber que sua esposa havia morridoem cativeiro, no ano treze. Alguns asseguram que ele ainda vive em

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Herefordshire com uma das filhas. O que sei é que depois da derrota em Usk,jamais tornei a vê—lo.

— Mas é possível que ainda esteja vivo — observou ela.— Não sepassou tanto tempo assim.

— É o que dizem os videntes. Há uma lenda...— Você sempre tem uma lenda na manga! — brincou ela.Rhys sentiu seu pescoço arder. Estava prestes a se desculpar por essa

tendência, quando Madeline apoiou a outra mão em seu braço, acrescentando:— Eu adoro seus relatos, Rhys. Você tem um talento único para o conto. Etambém deveria cantar com mais frequência, pois tem uma boa voz.

Então o pescoço dele ardeu de verdade; as palavras pareceram surgir aostropeções de seus lábios.

— Diz a lenda que Owain fugiu da batalha de Harlech, devastado por ter perdido tudo o que conquistara, e carregado de remorsos pela captura de suaesposa e de sua família; pensava que não podia ter falhado de pior maneiracom eles. Enquanto subia pelas montanhas, sem saber aonde ir, encontrou—secom um abade. Como era cedo pela manhã e o céu ainda estava escuro, ante asaudação do religioso Owain disse: - saiu muito cedo, abade—. E o homemmeneou a cabeça com um sorriso, dizendo: - Eu não. É você, Owain Glyn Dwr,último príncipe de Gales, quem chegou muitocedo—.

Madeline observava, compadecida: — Diz que, depois de Usk, nãotornou a vê—lo. Combateu por ele? – perguntou.Rhys sorriu com tristeza. – Todos que tivessem idade para brandir uma

espada combatiam por ele. Eu tive a boa sorte de sobreviver à minhajuventude. – respondeu.

— Lutou juntamente com Thomas – ela adivinhou.— Na retaguarda, por insistência do meu tio, pois só tinha quinze anos.

Por isso sobrevivemos.— Puderam fugir quando a batalha estava perdida.Ele assentiu. — Thomas e eu perdemos a conta das vezes em que cada

um salvou a pele ao outro, naqueles anos. Não há outro a quem pudesse confiar minhas costas com maior segurança. Éramos jovens e nos arriscávamosbobamente, mas tínhamos o descaramento e a Fortuna do nosso lado.

— Por isso o acusaram de traição?— Não. Esse foi um título que ganhei mais adiante, em mil quatrocentos

e quinze.

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— Ergueu um dedo.— Mas permita—me falar primeiro de meu tio.Apesar de ser aliado de Owain, Dafydd não perdeu Caerwyn quando Owainperdeu tudo.

— Como é possível? Acaso passou para o lado do rei?

Rhys assentiu. — Alguns dizem que Owain perdeu porque meu tioretirou seu apoio a ele; outros dizem que Dafydd percebeu para onde soprava ovento e atuou em interesse próprio. Não sei o que o incitou, mas no ano setepediu audiência a Henrique IV e assegurou seu futuro com um juramento delealdade. Permitiram que ele conservasse Caerwyn como uma cessão do Reiinglês. Mas se Owain Glyn Dwr tivesse pisado alguma vez na soleira, o torreãoteria sido perdido para sempre.

— Existia essa possibilidade?Ele revirou olhos. – Pode—se dizer que aqueles dois grandes amigos e

aliados se distanciaram.— Baixou a vista às suas mãos.— Então briguei commeu tio pela única vez. Estava convencido de que ele tinha traído tudo aquiloem que acreditava. — Ficou em silêncio, recordando aquela acaloradadiscussão. Naquele tempo era tão jovem, tão audaz, estava tão seguro de ter razão...

— O que disse ele?— Poni welwch — chwi—r syr wedi—r syrthiaw? — sussurrou ele,

com voz rouca.Madeline se reclinou contra seu flanco. — Soa muito bem, como se

houvesse música nas palavras. O que significa Rhys?— É parte de um poema antigo, escrito quando Gales foi perdido para

Eduardo I. —Não vê as estrelas quietas?— — Ele inspirou profundamente.— É um lamento, uma elegia pela perda da majestade de Gales. O último verso dopoema é Poni welwch— ch— wi—r byd wedi r—bydiaw? —Não vê que omundo se acabou?—

— Ah...— Madeline parecia estar lutando contra as lágrimas.Rhys continuou carrancudo: — Meu tio disse que, em sua opinião, o

tempo da rebelião já passara que era impossível defender Gales contra aInglaterra e triunfar. A Coroa inglesa tinha muito poder e muitas riquezas; amelhor maneira de conservar Gales era ceder sua soberania.

— Como?— Disse que o pagamento de dízimos e imposição da ordem saciaria o

rei inglês, que então afastaria a vista de nós. Dafydd disse que assimpoderíamos educar nossos filhos, para que ocupassem os postos reais e,gradualmente, ganharíamos mais riquezas, as quais jamais teríamos sesobreviesse a guerra.

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quando tomou o hábito.— Rhys aspirou profundamente.— Mas eu não tinhaintenção de me fazer monge.

— E alguma vez os apanharam?— Em Gales estou bastante seguro.— Mas quase foi detido na Inglaterra– ela adivinhou— Então porque

se arriscou nessa viajem para Northumberland?Podia parecer que a dama preocupava—se com ele, mas Rhys percebeu

que isso era o que ele desejava. A verdade era que Madeline era compassivacom todos, como ele sabia muito bem. Afastou a vista do rosto preocupadodela. — Queria me inteirar da sorte de minha prima.

— Queria se assegurar da propriedade de Caerwyn, a qualquer custo.Que tolice, arriscar a pele por um título!

Rhys continuava sem olhá—la; não queria saber com certeza se elazombava de sua ambição ou temia por sua vida. – Há alguns anos, Henriqueperdoou os outros. Eu confiava que limparia meu nome também. Talvez aindachegue esse dia. Talvez o Rei tenha apenas se esquecido de mim.

Madeline grunhiu: — Nenhum rei inglês esquece um homem quelevanta a espada contra ele. Realmente crê que Henrique lhe concederá asoberania de Caerwyn?

Rhys a fitou nos olhos, permitindo que ela visse o aço em sua decisão.— Não tenho intenção de permitir que ele decida. E inclusive se for você a

filha de minha prima, confio que tenha a prudência de não disputar apropriedade comigo. – Encararam—se; o duelo de vontades entre ambosparecia estalar no ar. Madeline ergueu as costas. – Talvez ninguém tenhaconcedido a você aquilo que mais deseja Rhys, mas eu posso mudar isso. Cedo—te todos os direitos sobre Caerwyn. Assinarei um papel para legalizar isso.Sei que esse torreão é o único sonho que alberga no coração. Tratou—me comamabilidade. Essa será sua recompensa. — Não estava mentindo, e Rhys sabiadisso. Entretanto, esse triunfo era como pó em suas mãos. Não sentiu nenhumdesejo de gritar em sinal de vitória, nem qualquer satisfação por ter atingidoseu objetivo. Ao invés disso, observou Madeline, que dava as costas para ele, e

disse a si mesmo que tinha errado uma vez mais.— Velarei enquanto dorme— disse, sabendo que não podia lhe oferecer

muito mais.— Não dormirei neste lugar — arguiu ela, embora seu esgotamento

fosse claro.— Precisa dormir minha senhora, para se curar dessa poção.

Permanecerei a seu lado, em vigília. Prometo—lhe que, se este navio sofrer ummau golpe da sorte, eu cuidarei de sua segurança.

— Por quê?

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— Porque é minha esposa, ao menos por agora.— Por fim, sua obrigação?— Por fim, minha responsabilidade — corrigiu ele, com certo

aborrecimento.— Não lhe tenho má vontade,Madeline. Não posso lhe brindar uma cortesia sem que desconfie?O aborrecimento se fundiu nos ombros de Madeline.— Claro que sim.— Um sorriso inesperado lhe ergueu a comissura dos

lábios.— Obrigado, Rhys.Embora fosse uma pálida sombra do sorriso deslumbrante que ela podia

oferecer, mesmo assim deixou Rhys mudo. Ofereceu—lhe a capa em silêncio eMadeline envolveu—se nas generosas dobras, já bocejando. Tratou de ficar cômoda ao outro lado dele, no chão do camarote; depois de observá—la por

um momento ele a ergueu nos braços e, com as costas apoiada contra o canto,sossegou seus protestos lhe pondo um dedo nos lábios.— Quero que esteja abrigada — disse. E a envolveu com seus braços.Com um suspiro de capitulação, Madeline apoiou a face contra seu peito

e deixou que a mão lhe frisasse como uma folha tenra dentro da de Rhys. Trêssegundos e sua respiração se fez mais lenta; a dama dormia. Rhys se sentiucontente, percebia o doce aroma de sua esposa e o perdurável perfume dasmaçãs; tinha a Gelert apoiado contra a perna e a Madeline aninhada no regaço.Estava tão contente que teria querido não chegar nunca ao destino. Recordou a

moral de seu próprio relato e saboreou os dons que lhe eram concedidos,sabendo muito bem que talvez a perdesse muito em breve.

Capítulo 16

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Por quatro dias e suas noites navegaram com rumo sul. Rhys asseguroua Madeline que o mar estava especialmente sereno, mas ela se sobressaltavatoda vez que a superfície se frisava um pouco. Preferia permanecer no convés.E por sorte, a viagem foi bendita com tão bom tempo que ela pôde permanecer fora a maior parte do tempo. Passava horas de pé ante o corrimão, com o solesquentando seu cabelo e as mãos de Rhys firmando ambos, lado a lado. Tinhasempre sua voz nos ouvidos; seus contos e canções a enfeitiçavam por completo. Ante cada rocha ele parecia recordar uma canção; cada baía, cadapenhasco, cada torre o incitavam a lhe contar uma lenda. Havia nele certaurgência, mas ela achava que era porque se aproximavam de seu lar. Era aproximidade de Caerwyn o que punha esse tremor em sua voz; era o amor àsua terra que acendia seus olhos à perspectiva de ver finalmente o torreão, eque arrancou um grito dele, quando, na quinta manhã, saíram detrás de umpromontório.

Desembarcaram. Madeline se sentiu contagiada pela espera de Rhys.Arian estava obviamente satisfeito de posar os cascos novamente em terrafirme. Gelert se sacudiu, enquanto Rhys se despedia do capitão lhe estreitandoa mão. Ela se descobriu ansiosa por apressar a marcha, mas por motivosdiferentes dos seus, sem dúvida Rosamunde e James já teriam chegado aCaerwyn. Não protestou quando Rhys a içou até a sela e logo montou atrásdela, rodeou sua cintura com uma mão e tocou os flancos de Arian com asesporas. Partiram a galope, empenhados em chegar a Caerwyn o quanto antes.

Quando alcançaram o topo do promontório que se projetava mar dentro,a baía cintilante que se estendia ante eles deixou Madeline sem fôlego. A águatinha um matiz azul intenso; sob a luz do sol parecia ter milhares de pedraspreciosas engastadas. Quão penhascos o rodeavam se erguiam a pico dasuperfície; atrás havia colinas verdes. E muito por cima de todos eles se erguiaEryri, com os lados da cor da ardósia e uma crista de neve no pico mais alto.Bem frente a eles se erguia uma fortaleza que parecia surgir do próprio mar,como se suas quatro torres quadradas tivessem sido esculpidas da pedra dessespenhascos. Por cima delas o vento fazia ondular os estandartes.

— Harlech— murmurou ele, seguindo a direção de seu olhar. E indicououtra fortaleza costa abaixo, tão longínqua que mal era visível.—

Aberystwyth.Tudo parecia familiar para ela, pois recordava os relatos de Rhys; quase

esperava que Owain, o velho rebelde, saísse dentre as urzes para lhes dar asboas—vindas. Rhys indicou um torreão mais abaixo e à esquerda. Era maishumilde que os outros, uma fortaleza que quase podia passar despercebida paraquem olhasse desatentamente. Uma alta muralha quadrada rodeava sua únicatorre. As portas estavam abertas. Fora das muralhas estava aninhava umapequena aldeia. Madeline podia ver o porto e ouvir vagamente o tanger do sinoda capela.

— Caerwyn — adivinhou.

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— Caerwyn — confirmou Rhys. Depois lançou um grito e esporeou ocavalo. Gelert disparou. Arian se lançou colina abaixo, ensurdecedores oscascos. Madeline ria, saboreando o prazer de seus três companheiros, quechegavam ao lar. Torceu o pescoço para observar Rhys, pois adorava ver seusorriso.

— Estamos em casa.— disse ele, com uma estranha tristeza no olhar.Depois a beijou tão sofregamente que Madeline compreendeu: jamais

voltaria a saborear seus beijos. Eles se separariam em Caerwyn, e ele sabiadisso. Madeline compreendeu que devia rechaçar essa celebração, mas nãopôde. Não podia resistir aos beijos de Rhys; não se imaginava sem ele, essehomem despertava nela um anseio que talvez nenhum outro pudesse saciar.Virou—se para jogar os braços ao redor de seu pescoço e se apertou ainda maiscontra ele, para fazer desse último beijo algo inesquecível.

Mais adiante, compreenderia que esse beijo os tinha traído. Mais tardecompreenderia que Rhys nunca deveria cavalgar assim, despreparado, com oelmo no alforje e a espada embainhada. Na verdade, não podia desembainhá— la, muito menos brandi—la com ela sentada na sua frente e tendo ambos osbraços rodeando—a com força. Mais tarde, compreenderia quão grande haviasido esse engano. Já estavam dentro da aldeia quando Rhys percebeu aarmadilha.

Ao aproximar—se de Caerwyn, encantado pelo doce beijo de Madeline,Rhys perguntava—se onde estavam os aldeãos. O relativo silêncio das colinascircundantes tinha chamado sua atenção. Deveriam ter se encontrado compastores atentos aos seus rebanhos, pescadores dedicados a remendar suasredes, mulheres fofocando enquanto esvaziavam as águas usadas. Mas nãohavia uma alma à vista.

Arian entrou na aldeia galopando tão furiosamente que sua chegada nãopodia passar despercebida para ninguém. Rhys ouviu um assobio e temeu umatraição. Então apareceram mercenários por todos os lados. Em um abrir efechar de olhos, estavam rodeados. Gelert ladrava com fúria. Arian se ergueucom um relincho. Madeline soltou um grito. Em tão pouco espaço o cavalo debatalha era inútil, pois era impossível lhe fazer virar a garupa. A única

vantagem era que os atacantes não iam montados. Rhys sabia o que desejavam.Ou a quem.Desmontou de um salto ágil; apenas cambaleou. Desembainhou a

espada antes de ter recuperado de todo o equilíbrio e matou a um osmercenários.

— Rhys! — gritou Madeline.— Às colinas! — ordenou Rhys a Arian, em galês.O cavalo vacilou como se duvidasse em obedecer. Seu amo nunca antes

o tinha feito partir sem ele. Além disso, Madeline puxava as rédeas, tratando de

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virar. Ante o caos que o rodeava dilatou as narinas. Rhys supôs que farejava osangue. Depois de enviar outro par de mercenários ao encontro do Criador,jogou um olhar atrás e descobriu que Madeline tentava incentivar ao relutantecorcel para seu dono. Viu—a chutar no rosto a um mercenário que tratava deagarrá—la e cuspir contra outro.

Sem dúvida sua intrépida esposa trataria de aproveitar qualquer possibilidade para salvá—lo. Rhys apertou os dentes e aplicou outro golpecerteiro. Já tinha a fronte coberta de suor. E ainda saíam mercenários das casase pelas portas da fortaleza. Não poderia contê—los por muito tempo, mas nãolhes daria a oportunidade de ultrajar Madeline. Repetiu sua ordem aos gritos,enquanto brandia a espada com entusiasmo, contra os atacantes. Gelertentendeu a ordem e lançou uma dentada às patas do cavalo. Arian seencabritou, sem saber a quem devia obedecer. Resistia ao bocado e atirou umcoice a certo mercenário que cometeu a tolice de agarrar as rédeas. O cão

grunhia e saltava. Madeline utilizou sua pequena faca de mesa para atirar umaferida a um dos atacantes.Para alívio de Rhys, o corcel decidiu de repente que a ameaça mais

insistente era o cão; portanto, o melhor plano era evitar seus dentes. Arianvirou—se e partiu a galope para as colinas que se erguiam além da aldeia, como galgo pego a seus cascos. Rhys comprovou que ninguém os perseguia. Ouviuque Madeline gritava frustrada, mas sabia que ninguém lhe prestaria atenção.Lançou um bramido para atrair todos os olhares e lutou com renovado vigor.Os mercenários caíram sobre ele. Tinha um corte no ombro e uma pontada nacoxa, mas continuou combatendo até que já não pôde ouvir o ruído dos cascos,até ter a certeza de que sua Madeline tinha escapado de Caerwyn. Só entãodeixou cair à espada e levantou as mãos para permitir que o capturassem. Jápodia fazer dele o que quisessem, sabia que Madeline estava a salvo.

Esse cavalo de combate era uma besta enlouquecida. Arian galopavacomo se o perseguissem todos os cães do inferno, embora fosse só Gelert atrásdele. Madeline puxou as rédeas, ergueu—se sobre os estribos, gritou esuplicou, sem que o animal a obedecesse mais que antes. Subiu ao galope oatalho da montanha, afastando—se de Rhys e de Caerwyn,

e cruzou a cúpula da primeira colina sem diminuir o passo. Umdesconhecido, montado em um corcel de menor tamanho, insistiu que suamontaria se afastasse do caminho pelo que ia o cavalo de batalha, arrojado atodo galope. O homem pareceu surpreso. Madeline, pensando que nunca teriavisto uma cavalgadura como essa, agitou desesperadamente um braço, com aesperança de que ele conhecesse alguma maneira de deter o animal.

A um assobio do homem, o cavalo se deteve tão abruptamente que por muito pouco não lançou Madeline por cima de sua cabeça. Ela caiu de novo nasela, com um golpe ressonante, e Arian ficou imóvel, com os flancospalpitantes; logo retorceu as orelhas e examinou o homem com um pequeno

relincho.

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— Condenada besta! — exclamou Madeline.O desconhecido pôs—se a rir. Era um homem moreno, alto e magro,

embora com certo porte de autoridade. Ela compreendeu que devia ser amigode Rhys. Até onde chegava sua experiência, esse cavalo só obedecia a Thomas.

A reação do Gelert, que trotou para ele meneando o rabo, também acalmou ostemores da jovem. Esse homem parecia um pouco mais velho que ela e aolhava com ar apreciativo.

— Como chegou uma donzela inglesa a montar o cavalo de RhysFitzHenry?

— Sou escocesa.— Madeline desmontou e, depois de arrojar as rédeaspor cima da cabeça do cavalo, aproximou—se do desconhecido a grandespassos. — Deve ser amigo de meu marido. Ele foi atacado na aldeia deCaerwyn e temo que o tenham capturado. É preciso ajudá—lo!

Em vez de descer precipitadamente para a aldeia o homem franziu ocenho.— Já temia que estivessem planejando isso. Pensava interceptá—lo no

trajeto para ali.— Ante a confusão de Madeline indicou o caminho para trás.— Esta é a melhor passagem através das colinas. Rhys o utilizafrequentemente.

— É que viemos em navio — explicou ela.O homem assentiu, mas estava claro que não estava tranquilo.

— Ah, minhas maneiras! — disse subitamente, obrigando—se a sorrir.— Me chamo Cradoc AP Gwilym. Sou o delegado de Caerwyn.— Mas se é galês! Eu pensava que somente os ingleses podiam ser

funcionários de Gales.Cradoc sorriu. — Assim era, até que Dafydd ap Dafydd decidiu obter

um melhor acordo e Rhys FitzHenry pediu o emprego para mim. Devo muito aele. Disse que Rhys é seu marido. São muitos os que apostaram que essehomem nunca tomaria uma esposa.

Madeline chegou quase a sorrir.

— Não obstante o fez. Sou Lady Madeline, antes de Kinfairlie, agoraSenhora de Caerwyn. Ao pronunciar pela primeira vez o título que recebia deRhys sentiu que o queixo se erguia com um pouco de orgulho.

Cradoc fez uma sorridente reverência para ela. — Que Deus, em suabondade, conceda—lhes muitos filhos varões e muitos anos de felicidade.

Madeline compreendeu que essa devia ser a bênção habitual para oscasais casados, mas mesmo assim recuperou a gravidade. — Deus não poderános conceder nada de tudo isso se estes atacantes matarem Rhys. Quem sãoeles?

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— Vieram de Harlech há alguns dias, obviamente para esperar o retornode Rhys. Ficaram escondidos, e quem teve a audácia de protestar por suapresença desapareceu.

— E não prenderam o delegado?

Cradoc sorriu de orelha a orelha.— Para isso teriam que me apanhar.— Assinalou a encosta com um

gesto — Convido—a a me acompanhar, senhora. Agora que já conhecemossuas intenções, talvez possamos achar a melhor maneira de burlar seus planos.

Madeline chamou o cão com um assobio; não queria ir a nenhum lugar privado com um homem que não conhecia. Cradoc a fitou com uma expressãomuito pensativa, como se adivinhasse a raiz de suas vacilações.

— Há pessoas escondidas do outro lado do morro. Esta mesma manhã,eu os detive nesta rota. É possível que os conheçam, pois vêm do norte.

— Quem são eles? — inquiriu ela, com o coração já acelerado pelaespera.

~~— Madeline? — exclamou Vivienne. Ela virou—se bruscamente. Seus

irmãos se aproximavam correndo. Rodearam—na com tão ruidoso entusiasmoque ela sorriu ao vê—los ali.

— Está bem? — perguntou Alexander.— Tem alguma ferida? — quis saber Vivienne.— Darg! — gritou Elizabeth.— Tem ao Darg no ombro!Alexander a estreitou contra si e virou com ela. Vivienne a beijou nas

faces, encerrando—a em um forte abraço. Madeline, por sua vez, levantou noar à menina.

— Me diga que Kerr não teve oportunidade de lhe fazer mal— insistiuele, olhando—a com muita atenção.

Ela sorriu e lhe deu um beijo na face. —Sempre estive a salvo— dissemuito segura.— Estava com Rhys.

Rosamunde abriu passagem entre o fechado círculo de irmãos. Levavaum brilho suspeito nos olhos e seu abraço foi mais enérgico que de costume.

— Não lhe disse isso? — sussurrou contra o cabelo da sobrinha.— Já tinha dito que a moça era mais forte que o bom aço de Toledo—

recordou Padraig, rouco. Depois piscou para Madeline. Mas o modo comotrocava de posição revelava que até ele tinha temido por sua sorte.

Logo sua família retrocedeu para permitir que ela visse o últimomembro do grupo. James estava mais alto, um pouco maior e mais bronzeado

do que era antes; seu sorriso era mais preparado. Madeline esperou a reação de

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seu corpo ante a presença de seu prometido, mas realmente tinhaexperimentado maior alívio ao encontrar—se com Cradoc.

— Que encontro afortunado, Madeline— disse James, se inclinandosobre sua mão para beijar—lhe os dedos.

Ela não sentiu absolutamente nada. Não houve sequer umestremecimento, ele não despertou calor algum em seu ventre. Era muito fácilrecordar a insinuação de Rhys, que James nunca a tinha beijado como ele ofizera. E era muito fácil também admitir essa verdade. Sem dúvida, a surpresadevia estar atrasando suas reações. Madeline fechou deliberadamente os dedossobre a mão do James e se obrigou a sorrir.

— Alegra—me vê—lo, James.Ele riu.— Só lhe alegra? Pois me parece maravilhoso estar novamente na

presença de tanta beleza. É brilhante como recordava, Madeline, luminosacomo a lua. E fez gesto de pulsar seu alaúde, jogando uma olhada aos presentespara assegurar—se de que todos o observavam. Depois fez uma careta, poisseus dedos não arrancaram som algum. Vivienne pôs—se a rir.

— Rosamunde ainda não lhe devolveu as cordas!Ele fez uma careta depreciativa. – Apenas bárbaros, sem dúvida, não

apreciam uma boa melodia.— James estava mais interessado em sua música que nos perigos que

pudéssemos correr – comentou Alexander, carrancudo.Madeline notou que seus irmãos se voltaram contra seu noivo; a opiniãoque dele tinham era mais que evidente.

— Não teria sido conveniente que eu saudasse a Madeline com umacanção de amor, composta exclusivamente para ela? — inquiriu o músico,confrontado por essa atitude. Ela viu que a reserva do grupo não cedia.— Umaode em honra da espetacular beleza de minha dama teria sido o melhor dassaudações, mas graças a sua interferência não posso lhe fazer essa oferenda.

Madeline começava a chatear—se com tantas referências a sua beleza.

— Neste momento o que importa é saber como auxiliaremos Rhys— disse com firmeza.

Depois explicou aos outros que seu marido tinha sido capturado.— São más novas— reconheceu Rosamunde. E se voltou para Cradoc.

— Vocês temiam que algo corresse mal.— Vinham de Harlech. Robert Herbert, o lorde desse lugar, tenta faz

tempo demonstrar que é o herdeiro do Owain Glyn Dur, se não pelo sangue, aomenos pelos fatos. Anseia apoderar—se de todas as fortalezas que detinha

Owain, incluída Caerwyn.

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Rosamunde franziu o sobrecenho.— Mas como pôde saber quando esperar o retorno de Rhys?— Faz alguns dias, veio um mensageiro com uma missiva da irmã de

Lady Adele — explicou o delegado.— Ela é abadessa de um convento, pertode York.

— Miriam! — exclamou Madeline. Cradoc assentiu.— Casamos—nosem sua abadia, contra seus protestos. 0 ela esclareceu.

— Mas quem é Lady Adele? — Perguntou Vivienne.— Tem que ser a mãe de Rhys, amante de seu pai— deduziu Madeline.

Cradoc assentiu.— Em Caerwyn só ficam essas duas mulheres: a esposa e a amante do

Henry. Uma delas deve ter irradiado a notícia ao Robert, possivelmente sem

dar—se conta.— Talvez os tenha feito prisioneiros — murmurou a tia.E o grupo se voltou em uníssono para observar a parte mais alta do

caminho. Embora Caerwyn não estivesse à vista, Madeline teve a sensação deque sobre ela caía uma sombra.

— Ninguém fará mal a Rhys, eu suponho? — inquiriu.— Depois dele não há mais herdeiros para essa propriedade.Ela se conteve para não tocar o ventre plano. Estaria gerando já um filho

dele? E se assim fosse, isso agradaria Rhys?Não se atreveu a pensar. Girou para sua tia, pois precisava saber a

verdade.— Rosamunde, rogo—lhe que se lembre de meu nascimento, se for

possível. Rhys me disse algo muito estranho; possivelmente se recordará se for verdade.

— Do que se trata?— Ele pensa que sou filha de sua prima Madeline.

— A filha do Dafydd ap Dafydd, tio de Rhys, que foi paraNorthumberland para casar—se com o Edmund Arundel — exclamou odelegado.

Ante o gesto afirmativo da jovem, continuou com mais animação: — Qualquer descendência que tenha sobrevivido dessa união poderia disputar com Rhys a posse de Caerwyn, pois Dafydd foi seu último senhor e todos seusoutros filhos morreram.

— Madeline Arundel morreu ao dar a luz a sua primogênita— esclareceu ela. Cradoc se fez o sinal da cruz, com certa tristeza.

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— Catherine desejava que ela fosse sua madrinha— disse Rosamunde aMadeline— Sua mãe só escolheu porque sua querida amiga tinha morridorecentemente, mas não sei nada dessa mulher.

A jovem assentiu, pois tudo concordava. Rosamunde nunca pedia mais

detalhes dos que lhe davam, possivelmente porque ela mesma tendia a revelar aoutros apenas o necessário.— Edward, o marido de Madeline, morreu cinco anos depois. Rhys diz

que minha mãe levou o bebê de sua amiga para Kinfairlie, pois tinha ficadoórfão.

— E acredita que você poderia ser essa menina— adivinhouRosamunde. Logo meneou a cabeça.— Não parece provável. Depois de tudo,eu assisti ao seu batismo; tinha só uns poucos dias de vida.

— Mas, sem dúvida, lembram—se de Ellyn – interveio Alexander, comsúbito interesse. Brilhavam—lhe os olhos.

Madeline se virou para ele. Um fantasma se agitava em sua memória.Ellyn. Esse nome lhe recordava vagamente outra menina: uma criatura miúda ecalada.

Rosamunde agitou um dedo para seu sobrinho. Obviamente ela tambéma recordava.

— Aquela pequenina, sim! Era tão doente... Tinha a mesma idade queMadeline. Eu costumava dizer a Catherine, de brincadeira, que essa criaturadevia ser filha de gnomos, que as fadas a levariam uma noite ou outra.— Voltou a mover a cabeça.— Pobre Ellyn... Tinha se esquecido dela por completo.

Alexander sorriu de orelha a orelha. — Nunca brincava conosco,recorda? — Deu uma cotovelada a sua irmã mais velha.— Provavelmente euera o que mais atenção lhe prestava, pois estava convencido de que deviaparticipar de nossos jogos. Você mal tinha cinco verões. E você, Vivienne, eraainda menor. Malcolm era apenas um bebê de colo.

— Não me recordo — reconheceu Vivienne, dando de ombros.

— Acredito que eu sim — admitiu Madeline.— Você preferia brincar com Vivienne— continuou Alexander. Logoficou sério— Só mais adiante compreendi que Ellyn não brincava porqueestava doente.

— Morreu pouco depois de sua chegada a Kinfairlie— confirmouRosamunde— Sua vida foi breve e triste.

Seu sobrinho assentiu: — Lembro também Madeline Arundel, pois ela enossa mãe ficaram grávidas ao mesmo tempo e se visitavam frequentemente.— Parecia apanhado em gratas recordações— Era bondosa. Sempre me trazia

confeitos, pois eu gostava muito e ninguém em Kinfairlie sabia prepará—los.

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Deixava que eu os encontrasse entre seus bordados e logo fingia surpresa.Lembro o quanto chorou mamãe, quando ela morreu.

— Era bondosa, sim – confirmou Cradoc.— Guardo boas lembrançasdela. E como ria! Em qualquer lugar que fosse alegrava os corações.

— Acredito que mamãe ainda não tinha dado a luz quando soubemosque Madeline Arundel tinha morrido — continuou Alexander.— Recordo quepapai discutiu com nosso governador se seria prudente dar a ela tão má notícia.Ele opinava que mamãe devia saber; o governador assegurava que lhe fariamal.— Tocou Madeline no ombro.— Sem dúvida, deram—lhe esse nome emmemória da amiga.

Madeline gostou da ideia, fosse correta ou não. — Mas então Ellynmorreu? – perguntou.

Seu irmão assentiu com ar triste. — Tem uma lápide na igreja deKinfairlie; uma pequena, com um querubim. Mamãe costumava rezar ali pelapequena Ellyn e por sua mãe.

Cradoc meneou a cabeça. — Ah, o festim de bodas de Madeline eEdward! Nunca se viu casal tão feliz. Estavam tão apaixonados, tão desejososde confrontar a vida juntos... É uma pena, realmente, que tenham desfrutado detão pouco tempo.

— Talvez tenham saboreado cada instante em plenitude — insinuouMadeline, em voz baixa. E os outros assentiram.

Houve um momento de silêncio; todos lamentavam a perda do casal esua filha. Madeline teve a sensação de que até o vento soava com luto. Decidiuque, quando voltasse para Kinfairlie, visitaria a lápide de Ellyn, aquela meninamiúda e calada que quase tinha esquecido, e rezaria uma oração por todos eles.Quem tinha capturado Rhys era gente rude, mas não lhe fizera muito dano.Provavelmente o queriam vivo por alguma razão que ele não podia imaginar.

Cruzou os portões de Caerwyn rodeado por uma vintena demercenários; isso devia ser um elogio a sua destreza de combatente. Não lhesurpreendeu que o obrigassem a descer a escadaria para as escuras masmorrasda fortaleza nem que o empurrassem ao interior de seu único calabouço.

Tampouco experimentou surpresa alguma quando a porta de carvalho sefechou atrás dele e a chave virou na fechadura, deixando—a na escuridão. Asurpresa foi que alguém pigarreasse a suas costas.

Deu um pulo e virou de repente; sua mão desceu para a bainha daespada e se fechou no vazio.

— Rhys? — perguntou sua mãe, com voz trêmula.— É você, Rhys?— Mãe!Ele cruzou as trevas úmida com as mãos estendidas. Sua mãe deixou

ouvir um som suspeitamente parecido a um soluço, estreitou—lhe as mãos e se

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deixou cair em seu abraço. Era mais baixa, ainda suave e perfumada, comosempre.

Mas tremia, tremia até a medula dos ossos. E chorava como ele nunca atinha ouvido chorar. Rhys a estreitou com força, sem dizer nada, pois não

podia lhe brindar consolo algum.Conhecia bem esse calabouço e estava seguro de que não havia maneira

de escapar; a única saída era através da porta e a fechadura era sólida. Sabiaque ambos permaneceriam ali até que seu captor decidisse liberá—los. E tinhasuficiente experiência para adivinhar que a liberação não seria umacontecimento feliz, nem para ele nem para sua mãe. Quando a porta se abrisseseria porque eles tinham morrido ou porque deviam enfrentar ao verdugo.

Seu único consolo era que Madeline tivesse escapado a esse destino.Possivelmente seria feliz com James.

Possivelmente fazia mal em atormentar—se com esses pensamentosquando bem podia estar vivendo suas últimas horas. Mas sua mãe tinha outrasideias. Por fim ergueu as costas e lhe cravou no peito um dedo imperioso.

— Casou—se! E eu tive que me inteirar por minha irmã! — Emitiu umaexclamação de desgosto.— Como pôde me fazer isso? Bem sabe quanto gostade sabê—lo tudo, reservar—se alguma pequena notícia que os outros ignoramainda. Por que não me enviou você mesmo uma missiva?

— É um pouco complicado— disse ele.— E possivelmente não tenhaimportância, ao fim e ao cabo.

— A que se refere?— Madeline quer pedir a anulação. Percebeu a surpresa de sua mãe, que

se tornava atrás, e pôde imaginar sua expressão.— Não pode ser! Acaso meu filho não consumou a união? — Sacudia

tanto a cabeça que ele sentiu o gesto.— É são e forte, Rhys. E lhe agradam asmulheres. Não acredito que ela tenha motivo de queixa.

— Suspeito que seja filha de Madeline Arundel, a filha de Dafydd. Por isso me casei com ela.

— Para se assegurar da posse de Caerwyn — deduziu sua mãe.— Por isso não me enviou aviso! Partiu sem me revelar sequer o objeto de sua busca.Hum... Esse é um detalhe que Miriam ignora.

— Mas se for verdade, há muita consanguinidade entre Madeline e eucomo para que as leis de Roma autorizem a união.— antes que sua mãepudesse lhe recordar que essas leis não tinham aplicação em Gales, Rhys pôsum dedo em seu ombro.— Casamos—nos na abadia de Miriam; por meio deum sacerdote que responde ao Arcebispo de Canterbury e, portanto, a Roma.Ela obterá a anulação sem dificuldade. Cometi um erro ao me esquecer dadiferença entre as leis eclesiásticas. E agora, perderei minha esposa.

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— Realmente deve ter ficado cego de amor para desposá—la tãodepressa e cometer esse engano. Você não costuma omitir esses detalhes, filho.

Rhys sentiu que lhe ardia o pescoço; tinha cometido uma loucura, masteria preferido que sua mãe não o confirmasse. Adele expressou seu desgosto

com outra exclamação.— Do que lhe serve uma esposa que não sabe apreciar seus méritos? —

Deu—lhe uma palmada no ombro.— Acaso é cega? Ou tola? É um guerreirovalente, de bom ver e dono de uma propriedade que lhe dará sustento...

— Estamos nas masmorras dessa propriedade, mãe— indicou Rhys.— Parece improvável que eu chegue a ser seu senhor.

— Mas é injusto!Ele percebeu a irritação de sua mãe pela injustiça que sofria seu único

filho. Na verdade sua atitude protetora o fez sorrir; não lhe assentava mal quealguém tivesse tão boa opinião dele.

— Tudo é culpa dessa bruxa da Nelwyna — ela assegurou, comfirmeza.

— A esposa de meu pai? — Rhys franziu o sobrecenho.— Ela é aresponsável pelo que acontece? Sempre me pareceu muito cordial.

— Pois não o é! Todo mundo, neste Torreão, acha que é alguém doce eamável. Mas vi frequentemente a malevolência com que olhava para mim.Embora nunca tenha gostado dela, demonstrava—lhe cortesia por consideração

ao seu pai; ele pensava que a pobre mulher merecia compaixão. E olhe ondedevemos colher os frutos dessa compaixão! Ele devia tê—la repudiado, já quesó lhe tinha dado filhas. E não entendo que não a tenha expulsado da casa pelamorte dos meus dois filhos.

— Que filhos?— Você teve dois irmãos mais velhos, mas eles morreram muito cedo.

Um nasceu sem vida, estrangulado pelo cordão. Então a parteira disse, commaus modos, que Nelwyna não tinha me prestado nenhuma ajuda, mas Henry aobrigou a morder a língua. Meu segundo filho morreu nos braços de Nelwyna,

momentos depois de ter saído de meu ventre gritando a plenos pulmões. Nessaocasião Henry não pôde argumentar nada. Quando você nasceu, se asseguroude que ela não estivesse presente.

— Eu ignorava tudo isso— disse Rhys, atônito.— Ninguém podia assegurar isso, salvo a parteira. Henry agiu assim por

prudência, para protegê—lo. Só anos depois comprovei que era verdade.– Odedo dela voltou a fincar—se no peito dele.— Recorda aquela vez em que,ainda menino, você caiu de seu cavalo?

— Por certo que sim. Foi uma queda sem importância.

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— Ah! Isso é o que ela queria que pensassem todos! Mas sob a sela docavalo que lhe deram a montar havia um espinho.— A mãe voltou a lhe cravar o dedo no peito.— Recorda a celebração da vitória do Owain e Dafydd,quando nos reunimos em Caerwyn e nos instalamos aqui? Sofreu umaindisposição.

— Era muito menino para beber tanta cerveja. Fiquei indisposto, comtoda certeza.

— Indispôs—se porque lhe deu cerveja poluída. Só descobrimos averdade porque, ao ver que dormia muito, uma mulher que trabalhava nascozinhas confessou sua parte a Henry. Ela tinha acreditado que se tratava deuma brincadeira, mas temia ser cúmplice de um assassinato. Culpou Nelwyna,mas ela negou tudo.— Adele quase grunhia de indignação.— Dafydd disseque não podia confiar no testemunho de uma criada que possivelmente tinhabebido em excesso. Sabia—se que Nelwyna não tratava bem às mulheres dacozinha. Ele pensou que essa acusação podia ser uma vingança feminina.— Sacudiu o casaco de seu filho.— Mas uma vez mais esteve à beira da morte!Graças a Deus herdou o vigor de minha família.

— Disso tampouco não sabia nada.— Henry não queria envenenar sua mente. Era o único tema pelo que

discutíamos, pois eu considerava que devíamos pô—lo de sobre aviso.— Umavez mais o golpeou no peito.— E depois, durante seu treinamento, produziu— se esse acidente em que o professor de armas utilizou uma espada de verdade,enquanto que a tua era só de madeira.

— Supus que era uma prova.— Tinham— no subornado— lhe replicou Adele.— Mas não me

atreveria a dizer com o que. Dafydd o expulsou de Caerwyn e discutiu comNelwyna. Além disso, afastou—o daqui enviando—o para combater junto aOwain Glyn Dwur, pois finalmente tinha compreendido a ameaça que elarepresentava.

Rhys ficou atônito; nunca tinha imaginado o perigo que tinha passadodurante sua infância.

— E Nelwyna também é a causadora de nosso encarceramento?— Eu pensava que ela melhoraria com a morte de Henry, que a raiz de

tudo estava em seu ciúme. Mas quando Miriam me enviou esta carta, aodespertar de minha sesta já não estava onde eu a tinha deixado. Supus que ela atinha lido, pois gosta de fofoca tanto como a minha irmã.

Adele lançou um suspiro antes de continuar.— Então não achava que tivesse maior importância. Até que Robert

Herbert e seus cavalheiros chegaram a nossas portas. E ela o recebeu com osbraços abertos... e as coxas também.— Lançou um cuspida para o canto dacela.— E diz que a rameira sou eu!

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Rhys refletia sobre todas essas revelações.— Tem sentido, sim. Herbert sempre desejou apropriar—se de

Caerwyn. Ela deve lhe haver dito que poderia obtê—lo se agia depressa.— E sempre desejou ser a senhora de Caerwyn. Assim me disse isso

quando me encerraram aqui. Esses dois vilãos têm feito um pacto. E para queambos obtenham o que ambicionam você deve morrer.— Adele o segurounovamente pelo casaco; em sua voz ressoava o medo.— Mas não morreremos,não é verdade, Rhys?

Ele estreitou a sua mãe com mais força, pois não se atrevia a lhementir. Não via a maneira de evitar a morte a menos que pudessem contar comajuda. E não lhe ocorria quem poderia auxiliá—los. Adele compreendeu osignificado de seu silêncio e começou a chorar de novo, enquanto lhesussurrava tolices. Nunca até então se havia sentido tão indefeso. Nunca tinha

enfrentado a tanto desespero.Não tinha mais que um consolo, e era que Madeline não tivesse sidocapturada também. Ao abandoná—lo, tinha salvado a própria pele da ambiçãode Nelwyna. E pela primeira vez, Rhys se alegrou de que Madeline tivesseescolhido a anulação. Ao que parecia, ele não teria, ao fim e ao cabo, muitotempo para chorar sua ausência.

— O que podem nos importar as desgraças desta gente? — inquiriuJames, com súbita impaciência. Depois pegou a mão de Madeline.— Caerwyne Rhys FitzHenry não são assuntos nossos. Já não.

— Rhys é o marido de Madeline! — recordou—lhe Vivienne, irritada.— E eu, o noivo dela.Estranhamente, a reclamação de James não despertou reação alguma

nela. Cradoc grunhiu; obviamente não tinha dúvidas de qual dos dois tinhamaior direito.

— Nunca se pôs em contato com Madeline para lhe dizer que não tinhamorrido – objetou Elizabeth, levantando o nariz.— Nem sequer vejo sua fita. EDarg acaba de cuspir em você. Pode agradecer o fato de que eu tenha melhoresmaneiras que ela.

James lhe jogou um olhar estranho. Depois sorriu à Madeline.— Dessa maneira, ficará livre de um marido, senhora. Seu destino se

encontra ao norte, na morada de meu pai.— Na morada de seu pai?— Prometeu—me um estipêndio se me casar com você.— Piscou um

olho. — Você o agrada. E me agrada mais ainda, a ideia de contar com umestipêndio anual.

Riu, mas ninguém celebrou essa brincadeira.

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— Mas não acredito que tenha concebido ainda. Faz apenas uns poucosdias.— Pareceu tranquilizar—se pelo próprio raciocínio.— Se acaso tiveremcompartilhado seu leito uma só vez! É sabido que uma donzela não podeconceber a primeira vez que goza.

— Claro que pode!— corrigiu Rosamunde, com uma gargalhada.Cradoc e Padraig dissimularam seus respectivos sorrisos com a mão,

enquanto contemplavam as colinas com fingida fascinação. James ruborizou— se, com os lábios apertados e o olhar hostil.

— Quantas vezes você teve relações com esse miserável?Vivienne e Elizabeth escutavam com avidez, bem abertos os olhos,

como se soubessem que não deviam estar escutando as palavras de Madeline,mas não pudessem se conter. Madeline também se ruborizou, pois isso não eraalgo a ser discutido diante de tantas pessoas.

— Foram muitas as vezes que meu marido e eu compartilhamos o leito,tantas que já perdi a conta — disse. Sentia a teimosa necessidade de ver comoJames confrontava a verdade. Ela não tinha feito nada errado ao honrar seumarido legal!— Rhys está muito desejoso de ter filhos varões. Estávamoscasados. Como poderia negar seus direitos maritais?

O músico, perturbado, soltou—lhe a mão e se afastou um passo, com apalma contra a fronte, claramente aflito pela novidade.

— Se tanto lhe preocupava minha virgindade, poderia ter seincomodado em me fazer saber que ainda vivia.

Voltou—lhe as costas. Sua irritação era tão grande que se descobriutremendo. Vivienne lhe estreitou os dedos para animá—la.

Rosamunde se aproximou de Cradoc franzindo as sobrancelhas.— Se for possível auxiliar Rhys, eu o farei antes de minha partida —

disse.— Estou em dívida para com ele, pois cuidou para que meu nome nãofosse relacionado com o golpe fracassado de 1.415. Sem essa proteção, váriosportos teriam me recusado autorização para ancorar.

— Sim, é verdade— reconheceu Padraig.— Por seu silêncio, devemos

nos assegurar que não lhe partam o pescoço. Eu também ajudarei.— E eu— disse Elizabeth, com uma decisão estranha à sua idade.—

Ele descende das fadas— acrescentou, vendo que os outros a olhavam comsurpresa.— Farei tudo o que puder, embora possivelmente não seja muito.

— Não se esqueçam de mim! – acrescentou Vivienne.— Não ficarei debraços cruzados enquanto roubam e assassinam um narrador de contos tãobom.

Alexander sorriu para Cradoc e Madeline.

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— Minha espada está a serviço de Rhys.— Tocou a tilitante bolsa demoedas que pendia de seu cinturão.— Antes de qualquer coisa, devemosresgatá—lo. Depois devolverei seu dinheiro e obterei a anulação, Madeline.

Ela fixou os olhos com horror no saco de moedas. Agora que a

perspectiva da anulação era iminente, já não lhe parecia tão desejável, afinal.

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Capítulo 17

Depois de conferenciarem, Cradoc e Rosamunde subiramsorrateiramente até a cúpula da colina, a fim de observarem os procedimentoslevados a cabo muito abaixo dali. Longos momentos depois, ao retornar, elaparecia decidida e ele, cético.

— Não haverá mais que uma entrada ao torreão que não tenha custódia:através das bocas de lobo — disse Rosamunde, em um tom que não permitiadiscussões. Percorreu com um veloz olhar a quem tinha jurado ajudar Rhys.— Alguém deve entrar na fortaleza pela boca de lobo que deságua no mar, a fimde abrir as portas para os demais.

— Farei isso — disse Alexander. Vivienne e Elizabeth protestaram, masele sacudiu a cabeça.— É muito perigoso para qualquer de vocês. E eu soumais magro que Padraig. Cradoc terá que permanecer com o grupo, pois só elesabe quem são os amigos e quais os inimigos.

— Tem razão— disse Cradoc para Rosamunde.— Às vezes acontece— ela reconheceu, piscando um olho ao sobrinho.O grupo começou a subir até o topo, mas James reteve Madeline

segurando—a por um cotovelo.— Não vejo por que devemos arriscar a pele— disse com azedume.—

Fujamos agora mesmo, Madeline. Apressemos—nos em chegar à casa de meupai. Deixem que seus irmãos resolvam este assunto, pois insistem. Ninguémvigia os cavalos; poderíamos partir antes que nos mandassem parar.

Só a ideia de abandonar a sua família, que tinha viajado tanto para ir aseu auxílio, era aborrecida para Madeline. Muito mais, a de abandonar Rhys.

— Pensava que desejava desposar a uma donzela— recordou, enquantose desprendia de seus dedos. James fez um gesto afirmativo, masimediatamente deu de ombros.

— É verdade, mas deve—se fazer algum sacrifício para assegurar ofavor paterno. Casar—me—ei com você, embora esteja manchada.

Não poderia ter escolhido pior palavra.— Não estou manchada! Salvei—me da loucura que teria sido me casar

com você! — Madeline deu as costas a um estupefato James e correu atrás desua família. Segurou Rosamunde por uma manga.— Caerwyn é o que Rhysmais quer no mundo. Quero deixá—lo em suas mãos. Sou menor que você eque Alexander. Deixa que eu assuma essa tarefa.

— Mas é muito perigosa, Madeline! — protestou seu irmão.

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— Bem sabe que posso reter o fôlego por mais tempo que você. — Alexander corou sob o olhar confuso de Cradoc.

— Há anos costumava entrar na sala de banhos, quando minhas irmãsestavam sentadas na tina, e as afundava na água. Madeline aprendeu a conter a

respiração. Ficava tão imóvel que frequentemente eu temia havê—la matado.— Até que papai ameaçou matá—lo por nos atormentar assim—

completou Vivienne.Cradoc dissimulou outro sorriso, enquanto Padraig ria abertamente.— Não é algo divertido, embora a travessura tenha dotado Madeline de

uma habilidade útil para nós— observou Rosamunde– Portanto, proponho queseja Madeline a fazer isso.

Os outros assentiram, mas antes que pudessem falar James interveio.

— Madeline! Não pode fazer isto! — exclamou, e a segurou por umbraço para retê—la â força. Ela soltou—se.— FitzHenry me salvou de Kerr. Não posso menos que lhe devolver o

favor.— E lançou ao seu antigo pretendente um olhar frio.— Você deseja issosó para conquistar uma vida ociosa, mas o que acontecerá com a morte de seupai? O que fará se ele deixar de admirar sua música? E não pense que isso nãoacontecerá jamais, por que, se não, como o encontraram na França? Aconteceuuma vez e poderia acontecer de novo.

Dito isso, ela deu—lhe as costas e viu—se frente ao olhar aprovador de

sua tia. Depois de tirar o saquinho de veludo que pendia de seu pescoço, beijou—o e o entregou a Rosamunde.— Rogo—lhe que aceite isto em custódia, por mim.— Está quente— comentou a outra, ao tocar o veludo.— Deve ser devido ao calor do meu corpo— sugeriu Madeline.Mas Rosamunde meneou a cabeça. Afrouxou o cordão e, com um

sorriso, deixou cair à pedra em sua palma. Todos os presentes abafaram umaexclamação de assombro ao ver a magnífica gema.

Madeline ficou estupefata ao ver a transformação: parecia uma gota desol. Na verdade a gema refulgia tanto, que era impossível olhá—ladiretamente.

Rosamunde riu e disse: — Assim estava no dia das bodas de sua mãe– sua voz soou rouca.

Logo revolveu em sua bolsa até retirar um pouco de ouro. Era umengaste para a pedra, feito com aros de ouro que a seguravam em uma finajaula. Os raios que surgiam da gema se estenderam como setas de luz. Todo opendente pendurava de uma fina corrente dourada, que ela pôs em volta do

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pescoço de sua sobrinha. A pedra ficou aninhada no espaço do pescoço,enchendo—a com seu calor.

— Já não há perigo de que a perca— comentou a tia.— Seu fulgor teiluminará o caminho e a corrente é bastante curta para que não escorra.

— Mas a corrente poderia romper—se – sussurrou a jovem, tocando apedra como se temesse perder algo tão prezado nas bocas de lobo de Caerwyn.

— Esses elos são mais fortes do que imagina.— Rosamunde beijou—ana testa.— Escolheste bem, filha. A Lágrima declara isso com muita maisclareza do que quaisquer palavras. É hora de ajudar Rhys.

Madeline estava aterrorizada. Ela e Alexander desceram discretamente aíngreme encosta a fim de poder deslizar no mar sem que ninguém os visse. Acada passo que davam, ela tinha a certeza de que os detectariam, de que algumarqueiro lançaria uma flecha com mortífera pontaria. E assim acabaria a gesta.Mas chegaram à praia sem mais inconvenientes que uns arranhões nas mãos eos joelhos. Deixaram a maior parte da roupa escondida na praia, até ficar só emcamisa. Alexander insistiu em que deviam conservar o cinturão e uma pequenaadaga.

— Deve se apressar – aconselhou carrancudo pela preocupação.— Nãosabemos onde acaba a boca de lobo, embora seja provável que esteja nas zonasmais baixas do torreão.

— Nas masmorras? — ela adivinhou.Seu irmão fez uma careta. — Confiemos que não seja dentro de uma

cela.Madeline meneou a cabeça, embora estivesse longe da certeza.— Não pode ser. Assim os prisioneiros escapariam com facilidade.— A menos que esteja bem fechada por uma grade.— acentuou—se a

ruga na fronte de Alexander.— Dentro da boca de lobo haverá ar, pois parasair do torreão ao mar deve—se circular à altura do chão.

Recorde—se de manter o rosto para cima se houver alguma descarga deágua.

— Acha que pode acontecer?— Quem sabe.— Agarrou a sua irmã pelos ombros.— Tomara pudesse

fazê—lo eu. Assim não estaria em tão grave perigo.— Mas a passagem pode ser estreita. E talvez seja necessário conter a

respiração por muito tempo...—sei, sei.— Alexander se obrigou a sorrir.— Tomara o que diz não

tivesse tanto bom senso.— Abraçou—a com força. Suas palavras soaram roucas.— Tome

cuidado. Apresse—se. Deus a acompanhe nesta tarefa.

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Antes que Madeline pudesse responder, esse irmão, cujo carinhoprovocava facilmente um aperto em seu peito, pegou sua mão e entrou com elano mar, cujas ondas ora puxavam, ora empurravam a ambos. Mantinhamsomente a cabeça por cima da superfície, embora as ondas os cobrissemfrequentemente. Aferraram—se às rochas da costa como algas ao casco de umnavio. Madeline confiava que suas duas cabeças molhadas passassem por umcasal de lontras ou focas, de modo a não provocar alarme se alguém reparassenelas.

Para achar a abertura da boca de lobo, bastou guiarem—se pelo olfato.Ao aproximarem—se do grande buraco, viram excrementos duros flutuando nasuperfície do oceano. A saída se abria nos penhascos, livre de qualquer grade.

— Deve ser obra dos romanos— comentou Alexander, sobressaltado.— Papai sempre dizia que em Gales houve muitos, pois eles exploravam asminas de metais daqui.— Deslizou uma mão pela pedra, admirando aescavação.— Caerwyn deve ser muito antigo.

— Assim contou Rhys — ela confirmou.Ante a menção desse nome, os irmãos trocaram um olhar.— Tem certeza? — perguntou ele.— Este buraco é bastante grande para

que eu vá.— Não será todo assim— ela asseverou. Deu—lhe um beijo na face,

consciente de que sua tentativa podia estar condenada ao fracasso.— O pai lheensinou mais do que acredita— disse em voz baixa.— Kinfairlie e a família

estão em boas mãos, Alexander. Boa sorte.E se mergulhou no escuro túnel, antes que seu irmão pudesse dizer algo

que a fizesse chorar. Já lhe tinha acelerado a respiração, até sabendo que parater êxito deveria dominá—la. O coração trovejava em seu peito; ela temeu quea água suja pela qual avançava levasse suas palpitações até os sentinelas. Acada passo o túnel se estreitava em redor e o fedor das águas servidas era comoum ataque; a água corria com menos força e se foi tornando mais densa. Cobria—a até os joelhos; estava muito fria, mas teria sido mais repugnante senti—laquente. Já não se ouvia o ruído do mar nem se via luz alguma. Só restavam ocheiro e a leve inclinação de pedra esculpida sob os pés.

E esse ímpeto que era Rhys, puxando—a para frente. A pedra que lhependia do pescoço emitia um suave fulgor, um raio de luz que a defendia dademência. Ao menos não devia avançar às cegas. Manteve o medo à distânciaaté que, abruptamente, o túnel se reduziu à amplitude de seus ombros.Encurvada no corredor maior, estudou o buraco de que caíam as águasservidas. Não havia outra maneira de continuar. Disse—se que já devia estar sob o torreão mesmo, pois achava ter caminhado por toda uma eternidade.Possivelmente ali mudasse o tipo de pedra. Mais adiante o passadiço podiatornar—se até mais estreito. Negou—se a pensar na possibilidade de ficar

entupida. Tinha que ajudar Rhys. O pânico não beneficiaria a nenhum dos dois.

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Madeline subiu até meter—se por aquele buraco e se estendeu de barriga paracima. Meio a rastros, meio retorcendo—se, com as pedras cravando—se o nascostas, conseguiu avançar. Não teria podido dizer que distância percorria nemem que tempo, pois a escuridão a rodeava como nunca antes. Começava asentir medo.

De repente correu sobre ela uma corrente de água que cheirava a urina ea penicos sujos. Pegou—se às pedras com uma careta, enquanto a corrente seabatia cruelmente sobre ela. Sentia o coração acelerado; pensava em seus pais,apanhados sob a escuridão do mar. Seus últimos momentos teriam sido assim?Temeu afogar—se; sabia que ninguém poderia ajudá—la, que jamais aachariam. E então recordou a voz de Rhys a bordo do navio, narrando contosespecialmente para ela. Pensou em sua convicção de que estavam a salvo. E sesentiu reconfortada. Ouviu novamente o ritmo de sua voz e a lembrança à fezsorrir. Poderia ter feito um casamento pior, por certo. Poderia ter se casado

com James.Se ela e Rhys conseguiam sair desses apuros, se ele ainda a desejava

como esposa ficaria com ele de bom grado. Talvez algum dia ele chegasse aamá—la. Possivelmente era necessário apreciar sua valentia, sua maneira deagir, acima das palavras doces que ele não sabia lhe oferecer. Possivelmente,era necessário ver e saborear o mérito do que ele lhe brindava. Fechou os dedosem volto da pedra que tinha usado sua mãe. E achou forças em seu gloriosocalor. Compreendeu então que tinha entendido mal seu portento anterior. Se aprimeira vez a pedra estava escura era porque ela tinha decidido fugir de Rhys.A Lágrima predizia então o ataque do Kerr.

Uma vez que Rhys a salvou do mercenário, na pedra se acendeu umresplendor. Então eles já estavam casados; era o primeiro passo na fusão deseus destinos. Mais adiante, quando confessou seus enganos, dentro da gema seacendera uma estrela. Era possível que Rhys tivesse compreendido então quesentia algum afeto? E o fulgor atual da Lágrima era acaso um sinal do carinhocrescente que ele sentia? Ou acaso indicava o amor da própria Madeline por ele?

Talvez a pedra refulgisse com mais potencial quando um casal se amavacom incomum paixão, pois esse amor iluminaria o caminho comum parafrente. Para sabê—lo com certeza devia reunir—se com Rhys.

Assim alentada procurou apoio nas rochas de cima para impulsionar— se. Entreteve—se rememorando o conto da harpa mágica, embora sem dúvidanão recordasse tudo e jamais poderia relatá—lo tão bem como Rhys. Semprecom os olhos fechados, para não ver tudo o que flutuava em volta dela,impulsionava—se para diante, até com os braços doloridos. De repente bateu acabeça. Conteve um xingamento e torceu a cabeça para trás para ver oobstáculo. Então abafou uma exclamação.

O túnel se desviava para cima, por cima de sua cabeça, até um círculode luz que piscava. Essa abertura não parecia estar muito longe; talvez à altura

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de dois homens. Ao lado havia degraus, como se de vez em quando fossenecessário enviar a algum menino para que desbloqueasse a via. E na aberturanão havia grade alguma. Com o coração aceso de esperança Madeline seimpulsionou através da curva. Tremiam—lhe as mãos, mas se obrigou a pensar com clareza. Esperava—a um desafio, sem dúvida alguma. Depois de inspirar profundamente começou a subir, com renovada decisão.

Ao chegar ao extremo da boca de lobo, deu uma olhada por cima daborda.

Aquilo terminava em um aposento de pedra. O lugar estava em trevas; aúnica luz provinha de um lampião posto sobre uma mesa de encaixe. Madelinecalculou que se achava clandestinamente ou sob a torre de Caerwyn. As pedrasdas paredes pareciam bastante grandes para constituir os alicerces. Por certo,do outro lado desse quarto havia uma escada de madeira que subia até umespaço de luz. A sua esquerda, uma porta de madeira maciça, com umafechadura tão imponente que ela acreditou saber o que havia ali.

Só se via uma pessoa: um homem calvo e gordinho, sentado em umbanco junto à luz vacilante do lampião; roncava suavemente com a boca aberta.Madeline saiu da boca de lobo sem fazer ruído, com a camisa jorrando. Assimque esteve fora pegou sua faca, sem afastar o olhar do homem adormecido. Ofrio do ambiente a fez estremecer enquanto se aproximava do homem. Na mesahavia uma argola com chaves; a um lado, uma espada que Madelinereconheceu como a de Rhys.

O carcereiro era homem de bom tamanho; ela compreendeu que só teriauma oportunidade, bem podia matá—la com uma só daquelas enormes mãos.A única coisa que tinha a favor era a surpresa; possivelmente também oengenho. Aproximou—se um passo mais, com a adaga tremendo em seupunho. A água que jorrava de sua camisa parecia fazer muitíssimo ruído contrao chão de pedra. Assediava—a um milhar de dúvidas. E se Rhys não estivesseencerrado atrás dessa porta? E se Rhys estivesse ali, mas adormecido? E seRhys tinha morrido?E se não houvesse ninguém ali que pudesse ajudá—la? Oque faria esse homem uma vez que a tivesse submetido? De qualquer forma,sem dúvida não seria nada grato. Madeline deu o último passo e fechou a mãoem volta das chaves.

Eram duas pesadas e de bronze. Além disso, teria que escolher a quecorrespondia! Quando levantou o chaveiro, o metal tilintou apenas. Ela ficoupetrificada, sem atrever—se nem a respirar. O homem franziu o sobrecenho,mas continuou roncando. Madeline exalou um suspiro de alívio. E de repente,estremecida pelo frio, espirrou. Em um abrir e fechar de olhos o homem ficouacordado e de pé. Lançou um bramido. Já estendia a mão para o punho daespada quando ela aproveitou sua única oportunidade e cravou a adaga no olhodele. O carcereiro uivou de cólera e lançou uma maldição. Logo retrocedeu aostropeções, com o sangue correndo pelo rosto. Madeline esteve a ponto de soltar

as chaves.

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— Quem vive? — gritou Rhys, atrás da porta fechada.— O que estaacontecendo ali fora?

Ao ouvir que ele esmurrava a madeira, cheio de frustração, ela recolheuvelozmente sua espada e se jogou através do quarto.

— Qual das chaves? – perguntou, aos gritos.— A mais longa — respondeu uma voz de mulher.O carcereiro se lançou atrás de Madeline, com o rosto jorrando sangue.

Ela colocou a chave na fechadura, virou—a e saltou para ficar fora dapassagem, enquanto Rhys fazia virar a porta sobre suas dobradiças.

— Anwylaf! — exclamou, com evidente surpresa.Depois deu uma olhada ao lugar, pegou a espada que ela oferecia e

cravou—a no peito do homem que naquele instante saltava para eles. A arma

do carcereiro caiu ao chão. Madeline se apoiou contra a parede, atônita aodescobrir que seus joelhos tremiam de puro alívio. Rhys, carrancudo,comprovou que o homem tinha morrido e se voltou para ela. Por um instanteem seu olhar dançou uma luz. Ela o mirou fixamente, com o coraçãotransbordando. Se ao menos ele dissesse algo, se reconhecesse que se alegravaem vê—la, então saberia que seu esforço não tinha sido em vão.

Mas, era evidente que Rhys não achava sentido em sua presença ali. Atéfranziu o sobrecenho ao percorrê—la com o olhar. Depois tirou o casaco pelacabeça e o jogou, com um gesto tão expedito que ela sentiu medo.

— Será melhor cobrir—se, Madeline, ou todos pensarão que oferecemais do que é sua intenção — disse, e se virou para observar novamente aquelequarto.

Ela percebeu que tinha a camisa grudada no corpo, tão molhada que eracomo estar nua. Depois de um segundo espirro vestiu o grosso casaco.Chegava aos joelhos e conservava o calor de Rhys. Ela rodeou os braços aocorpo, trêmula, enquanto seu marido caminhava de um lado a outro. Por fim sedeteve o pé da escada, ouvido alerta.

— Anwylaf — murmurou uma mulher.

Ao levantar a vista, Madeline viu uma mulher de certa idade à porta dacela. Parecia divertida; olhava Rhys com uma sobrancelha arqueada e os lábioscurvados em um sorriso afetuoso.

Não prestou atenção nela. — Não havia dito para mim que Madeline erasua anwylaf — ela incitou. O rosto de seu filho assumiu um matiz vermelhoinconfundível.

— Não tem importância — disse ele, resmungão.— Assim me chama — explicou Madeline.— É que sou sua esposa.

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— Não é pouca coisa, ter uma fada do seu lado— interveio Adele.Seu ardor não apagava o fato de que as possibilidades estavam

decididamente contra eles.— E nossos homens? Capturados ou mortos? — perguntou Rhys.— Juraram servir a Robert,— disse Adele — pois se declararam leais a

Nelwyna.— E é verdade? O que pensa você?Sua mãe sorriu.— Ninguém é verdadeiramente leal a Nelwyna, Rhys. Mentiram para

poder ajudá—lo.Robert deve tê—lo adivinhado, pois os separou e os disseminou entre as

filas de sua própria companhia.— Mas talvez, se houver oportunidade, passem para o seu lado —

insinuou Madeline, antes de espirrar de novo.Não havia remédio. Era preciso sair dessa masmorra gelada e fazer o

possível. Rhys arrancou a adaga de sua esposa, ainda enfiada no olho docarcereiro, e o limpou contra o casaco do homem. Enquanto o devolvia dissedepressa:

— Eu irei em frente. Você, mãe, me seguirá de perto. Você, Madeline,me cuide as costas. Devemos nos esforçar em permanecer juntos, pois se nossepararmos não poderei defender a ambas. Terá que capturar Robert eNelwyna. Espero que isso esfrie o ardor da batalha nos demais.

— Estarão no solário— disse Adele, cruzando os braços contra o peito.— Ela falou sem rodeios do que tinha devotado ao Robert. E ouvi os homensqueixar—se de que ele não abandona seu leito.

Rhys assentiu com a cabeça. Uma das vantagens de Caerwyn era asimplicidade de seu desenho. Havia uma só escada, que circulava pelo interior da torre. O salão estava imediatamente em cima da masmorra que constituía oandar de baixo. Mais acima havia dois quartos: o que tinha ocupado seu paicom Nelwyna dava para terra; o outro estava voltado para o sol e o mar, esempre fora de sua mãe. Acima de tudo estava o solário, quarto de Dafydd, queocupava por completo o último andar.

Na torre de Caerwyn havia poucos lugares onde esconder—se. Assimseria fácil achar a Robert e Nelwyna. Mas também podia ser uma desvantagempara Rhys, pois uma vez que os detectassem não teriam onde refugiar—se.

— E as portas? — perguntou Madeline.Ele sacudiu a cabeça; não sabia como obter também isso. Não queria

ofendê—la, mas duvidava que os outros pudessem lhes oferecer muita ajuda

contra dezenas de mercenários.

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— Já veremos o que se pode fazer.E com um último gesto para as mulheres, começou a subir pela escada,

absolutamente livre de temores.Como Rhys não tinha ideia de quanto tempo tinha passado no

calabouço, surpreendeu—se ao achar o salão às escuras. Tinha caído à noite e oaroma de carne assada revelava que os homens já tinham comido. Agoradormiam profundamente, estendidos em catres que cobriam quase todo o chão;cinco ou seis tochas ardiam abnegadamente na parede.

Teve tempo de ouvir a exclamação surpreendida de sua mãe; depois viuum movimento fugaz. Adele se afastou com decisão, levantando as saias comcautela para cruzar a sala. Depois de lhe piscar um olho, abriu a porta que davaao pátio e desapareceu da vista.

Rhys a seguiu, boquiaberto. Ali devia haver sentinelas! Mas não seouvia ruído algum, não houve gritos nem alarmes. Ele imaginou a sua mãecruzando o caminho de ronda a grandes passos; já retirava a chave das mãos doguardião adormecido e abria o portão. Madeline parecia conter um sorriso.Rhys, com um encolhimento de ombros, virou para a escada, pensando que avitória poderia ser mais fácil do que ele ousava esperar. Ao fim e ao caboninguém sabia que ele tinha escapado da masmorra. Talvez sua sorte tivessedado um salto! Subiu de um salto o degrau do pé, ao mesmo tempo em queestendia uma mão para trás para assegurar—se de que Madeline o seguira deperto.

Ao chegar ao primeiro andar se detiveram no quarto de Adele, costascontra costas, virando pouco a pouco em busca de algum sinal de vida. Ao queparecia o quarto estava deserto. Embora a luz fosse ali mais tênue que no salãode baixo, a pedra que pendia contra o peito de Madeline iluminava com seufulgor um pequeno espaço em volta deles. Ambos cruzaram um olhar. Ao notar que sua esposa contraía o nariz, lhe cobriu a boca com uma mão e lhe apertou orosto contra o peito, justo no momento em que ela voltava a espirrar.

Ambos ficaram petrificados, mas nada se alterou, salvo a carreiradesbocada de seus corações. Rhys deixou escapar o fôlego e, depois de lheacariciar a face, indicou a porta que conduzia à habitação de Nelwyna. Estava

sem chave e se abriu silenciosamente. O quarto estava às escuras, muito àsescuras para o gosto de Rhys. Acreditou ouvir uma respiração, como se alguémestivesse dormindo entre as sombras, mais à frente. Entrou com cautela, emalto a espada. E sua mãe lançou um grito de baixo.

Rhys deu uma olhada por cima do ombro, assustado. Nesse instantepercebeu um movimento ao seu lado. Madeline se lançou para diante e cravousua adaga no agressor que tinha estado espreitando entre a sombra. A espadado homem estava a poucos centímetros do pescoço de Rhys. O atacante sóficou aturdido, mas Rhys, com uma estocada, assegurou—se de que nãovoltasse a surpreender a ninguém. O homem caiu. Ao virar novamente para o

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interior do quarto, a Rhys lhe caiu a alma aos pés: a luz da pedra de Madelinese refletia nos aços de dez ou doze homens, que se tinham levantado de umsalto e investiam ao uníssono contra ele.

— Me sigam! — uivou Rhys, como se sua intenção fosse entrar no

quarto.Em troca deu um passo atrás e fechou com força a porta. Os homens

caíram pesadamente contra a madeira. Ouviram—se várias maldições.Madeline lhe sorriu e espirrou outra vez. Rhys a pegou pela mão para fugir para a escada, rumo ao segundo andar. Já não se esforçavam em ser discretos,pois necessitavam velocidade. Quando tinham chegado à metade da escada, oshomens abriram a porta de Nelwyna e lançaram um bramido ao vê—lo.

A sentinela postada no alto da escada começava a despertar, mas não foibastante veloz para fugir da mordida do aço de Rhys. A gema de Madeline

revelou que era um forasteiro, talvez homem de confiança de Robert. Rhyspegou a adaga de Madeline e se inclinou para degolá—lo. Houve umgorgolejo; logo, nada mais; a sentinela ficou imóvel e calado. Rhys limpou aarma e a devolveu a sua companheira. Depois abriu a porta com um chute.

Outros dez ou doze homens, sedentos de sangue, jogaram—se contraele. Estavam apanhados entre os dois grupos. Rhys, com um rugido, lançou— se à carga, enquanto Madeline o seguia lhe pisando os calcanhares. Ele brandiua espada e derrubou a dois homens, tão depressa que até na morte ficou aexpressão estupefata. O guerreiro se inclinou para acabar a tarefa.

— A sua esquerda! — gritou Madeline.Rhys se endireitou brandindo a espada. Ouviu um grunhido surdo de sua

esposa, que cravava sua adaga em algum pobre diabo; depois lhe pôs o cabo deuma adaga na mão esquerda. Combatiam bem assim, juntos, pois embora elanão pudesse igualar sua força à gema lhe permitia ver melhor. Um mercenáriose jogou contra Rhys, empunhando seu aço com tanta fúria que ele teve quesaltar para ficar a salvo. Pela escada se ouviam fortes pisadas, mas ele não seatreveu a olhar para ali. Rodeou ao mercenário, seguido de perto por suaesposa, enquanto do outro lado do quarto se ouvia um chocar de espadas. Comcada triunfo a batalha se complicava mais e mais. Havia muitos cadáveres e a

luz era escassa. O chão estava escorregadio pelo sangue; Rhys devia pôr cuidado para não perder o equilíbrio. Despachou a outro mercenário, masimediatamente notou que tinha perdido algo.

Madeline já não estava as suas costas. Girou em sua busca, mas emtroca achou o fulgor de sua pedra. A gema iluminava nada menos que a RobertHerbert, cuja espada cintilava contra o pescoço de Madeline. Vestia só umacamisa e estava descalço; tinha Madeline segura pela cabeleira, de pé junto aoleito de dossel. Rhys ficou petrificado. Imediatamente ergueu as costas e,estendendo as mãos em um gesto de rendição, deixou que a espada sebalançasse para baixo. Mas não a soltou, pois tinha visto que Alexander se

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aproximava de Robert. O que tinha ouvido momentos antes devia ser a chegadade seu cunhado. Era o jovem quem tinha matado a alguns de seus inimigos.

— Podem ficar com Caerwyn— disse Rhys.— Sei que esse é seudesejo. Só lhes peço que deixem livre à senhora.

Robert zombou: — Não têm com o que negociar.— Negociarei com minha vida. Matem—me, mas deixem que ela viva.

— Rhys apoiou a ponta do aço contra o chão e as duas mãos no punho.— Amenos que seja dos que só sabem matar mulheres.

— Se vivi até agora é porque não sou tão idiota para engolir essesanzóis— replicou Robert, sem alterar—se, enquanto a ponta de sua arma sedeslizava pelo pescoço de Madeline.— Talvez tenha outras ideias para estasenhora, para as quais não será preciso matá—la.

— Nada disso! — gritou Nelwyna, do leito.— Me fez um juramento,seu grande patife!

E saltou da cama com nua fúria. Robert virou—se para ela. Agora veriaAlexander, sem dúvida. E, com efeito, o homem, com um grito, dirigiu suaespada contra o irmão de Madeline. Rhys cruzou o quarto de um salto,temeroso de que já fosse muito tarde para salvar a esse jovem. Mas Alexander correu para Nelwyna, possivelmente com a esperança de utilizá—la comoescudo.

Madeline adivinhou o apuro em que se achava seu marido. Então saltoucontra Robert de atrás e lhe rodeou fortemente os braços em volta do rosto. Elelançou um grito de horror e tropeçou.

— Que fedor! Não posso respirar! Solte—me, mulher!Só então recordou Rhys que Madeline ainda vestia a camisa empapada

de águas servidas. Essa distração lhe deu o tempo que necessitava. PuxouMadeline para pô—la detrás dele e golpeou a Robert com um punho em plenorosto. O homem cambaleou, mas imediatamente apontou uma estocada àvirilha de Rhys. Ele deu um salto para ficar fora de seu passo. A batalha voltoua explodir por toda parte. Rhys compreendeu então que todos os outrosestavam ali para lhe prestar apoio. Do outro lado do quarto, um mercenáriocaído levantou a cabeça e, sorrateiramente, lançou mão de sua espada.

Vivienne lançou um grito de advertência e golpeou ao homem na cabeçacom um atiçador. Elizabeth brandia um par de tochas acesas, com as quaisdesprendia fogo às roupas de qualquer que cometesse a tolice de aproximar— se. Rhys a viu plantar uma delas contra o rosto de um homem, face aosalaridos que ele lançava.

— Estas Lammergeier são feitas de material duro— murmurouenquanto retrocedia, levando Madeline para um canto.

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Logo caiu de joelhos e Rhys o feriu outra vez. Ficou estendido debruços entre seus mercenários caídos, mas FitzHenry não afastou sua espadadele.

Nelwyna, cambaleando pelo impacto do golpe, levou uma mão à face.

Alexander se endireitou atrás dela e levantou sua espada. Baixou—a com tantaforça que o golpe deveria ser fatal. Ao menos o teria sido se tivesse feito alvo.Nelwyna tropeçou. Isso o presenciaram todos, embora mais adiante, ao

discutir—se com o que tinha tropeçado, não houve dois que pudessem ficar deacordo. Ali o chão estava descoberto; não obstante, ela deu um tropeção.

O aço de Alexander assobiou junto a ela e a força do golpe o cravou nochão de madeira. Rhys ouviu uma gargalhada estranha, jubilosa, e viu aexpressão horrorizada de sua madrasta, que passava por cima do parapeito dajanela e desaparecia da vista. Ouviram—na uivar enquanto caía no caminho de

ronda de Caerwyn. Logo o grito cessou.— Ah! — sorriu Rhys, ao ouvir o grito triunfal de sua mãe, lá abaixo.— Isso sim esteve bem feito! Ouviu—se a risada de Rosamunde,acompanhando a de Adele. Pelo visto, as duas mulheres estavam sãs e inteiras.Rhys retrocedeu com Madeline ainda mais para o canto, sem deixar de vigiar oinimigo caído. Não se atrevia a descer a espada nem a desviar a vista enquantonão tivesse certeza de que o ambicioso vizinho já não vivia.

Não confiava em Robert. Quase esperava que o homem estivessefingindo—se de morto. E não se atrevia a expor a esposa a novas ameaças.Queria assegurar—se de que estivesse a salvo. Mas a senhora apoiou o peitocontra suas costas. A umidade de sua camisa empapou também as roupas deRhys e deixou—o sentir as curvas dela. Sentiu—a suspirar de alívio, sentiu ostremores que ainda a dominavam. Suas mãos deslizaram em volto da cinturadele e aferraram—se ali como se apenas ele a mantivesse de pé.

Tomara desejasse dele algo mais que calor. Parte de sua tensão cedeuquando Alexander confirmou que Robert tinha morrido, na verdade. EntãoMadeline sussurrou o nome de Rhys; o esgotamento de sua voz rasgava ocoração. Pegou—lhe a mão esquerda e entrelaçou seus dedos aos dela. Aindalevava seu anel no dedo médio: o anel de prata que ele se tirou do mindinho na

abadia da Miriam, tantos dias atrás. O fato de que não o tivesse tirado lheconcedeu alguma esperança. No fim de contas estava ali.Reteve—lhe a mão fria, cativa contra o palpitar de seu próprio coração,

aplanando—a sob o calor de sua palma. Talvez ela quisesse permanecer a seulado. Madeline espirrou; depois apoiou a face contra suas costas, com umsuspiro, e atou os dedos da outra mão a sua camisa, para segurá—lo melhor.

— Anwylaf — sussurrou.E na garganta de Rhys se fez um nó. Com essa única palavra lhe havia

dito quanto precisava saber. Rhys compreendeu, não só que ela permaneceria

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em Caerwyn, mas também por que. Levou a mão aos lábios, com intenções delhe beijar a palma, mas o aroma o fez retroceder.

— Necessita de um banho, Anwylaf — disse em tom severo.Madeline riu, mas imediatamente espirrou três vezes em rápida

sucessão. Rhys a ergueu nos braços e pediu a gritos água quente. Não podiaperdê—la agora por culpa de alguma enfermidade!

— Não tenho criada — objetou Madeline, com os olhos dançarinos detão travessos.

— Eu lhe servirei bem— replicou ele, muito sorridente.— Não tema.A senhora riu, aninhada contra seu peito.— Amo—te, Rhys FitzHenry — disse, com as pupilas brilhando.— E eu a você, minha Madeline.— Ele a estreitou com mais força, mais

aliviado do que podia expressar em palavras.— Se diria que esta noite temosmuito que celebrar.

— Filhos varões — ela replicou muito decidida— Esta noite devemosconceber filhos varões. E Rhys FitzHenry riu sonoramente, pela primeira vezem anos, para grande deleite de sua esposa.

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Epílogo

Rhys tinha ordenado um festim para todos os que viviam em Caerwyn e

seus vizinhos, a fim de lhes apresentar sua deslumbrante esposa. Mas ospreparativos para o banquete levaram toda uma quinzena. Claro que haviarelatos que compartilhar, pois Rhys não sabia sobre Ellyn e todo mundo queriainteirar—se de suas aventuras na viagem, a partir de Kinfairlie, assim como opapel que desempenhara na retomada de Caerwyn.

Também teria de planejar os funerais do Robert Herbert e Nelwyna,além de sepultar aos mercenários. Houve algumas confabulações entre ossacerdotes de Caerwyn e Harlech, sobre o estado espiritual dos combatentes,mas finalmente estes foram enterrados no chão consagrado de Caerwyn. Foipreciso convidar os senhores vizinhos e organizar festividades. Havia amizadesa entabular. E um torreão que explorar. Alexander, Vivienne e Elizabethsaíram a caçar com Rosamunde e Adele, acompanhadas por um extenso grupode homens de Caerwyn.

O festim servia de desculpa para a caçada, pois as cozinhasnecessitavam de carne, mas, além disso, se divertiam. Alexander resolveu dizer a seu tio, o Falcão do Inverfyre, que uma dessas aves seria um bom presente debodas para os recém casados. Madeline continuou espirrando durante toda essaprimeira noite, pois se tinha congelado até a medula dos ossos. Rhys se ocupoupessoalmente de atendê—la e ambos passaram seis dias e suas noitesencerrados no solário. Rhys abria a porta só para receber a comida; tambémdisse algo enigmático referindo—se a uns filhos varões.

Os outros o ouviam cantar ou rir com sua esposa. Adele, depois de lheslevar uma refeição, informou que ambos pareciam muito saudáveis, masninguém ousou fazê—los sair do aposento. Quando ao fim se reuniram com oresto do grupo houve novos atrasos, pois Adele insistia em preocupar—se coma roupa que usaria Madeline no dia do festim.

Para grande alívio de todos, foi achado em um baú de Nelwyna umaantiga missiva, despachada em 1416,pelo rei Henrique V; declarava que Rhys fora

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perdoado, juntamente com seus companheiros, com a condição de que nofuturo se mantivesse leal à Coroa inglesa. Só Nelwyna tinha conhecimentodessa carta, pois a tinha mantido escondida. Toda Caerwyn se regozijou aosaber que Rhys, depois de tudo, estava a salvo das iras do rei.

Por sua vez, ele escreveu uma missiva à Coroa, referente à soberania deCaerwyn. A resposta chegou com assombrosa celeridade. Aparentemente, o reitinha notícias da eficiência com que o forte havia sido administrado sob adireção de seu tio; considerava—o reformado de forma louvável e, por fim,bem merecedor do selo de Caerwyn. Madeline insinuou que o monarca estavaocupado com outras coisas e que Dafydd tinha acertado: o longo pagamento dedízimos e a falta de rebeliões tinham obtido que o rei voltasse os olhos paraoutros assuntos.

Para comemorar o título de Rhys, Madeline e suas irmãs insistiram emmodificar sua insígnia. Há anos, só usava a marca de sua pátria. Já era tempo,disse ela, de que tivesse suas próprias cores. Ele não protestou muito. Assim,todos se reuniram em Caerwyn sob a lua minguante, para celebrar o fato de quea fortaleza tinha um novo senhor, conhecido de todos eles, e para homenagear a nova senhora, que ainda não tinham visto.

Da alta torre de Caerwyn pendia um estandarte novo; a mesma insígniaadornava o casaco escuro do novo senhor. O dragão vermelho de Galesemanava agora raios dourados, não muito diferentes dos raios que rodeavam apreciosa Lágrima da Virgem. Também eram similares ao globo resplandecenteda insígnia de Kinfairlie. As hábeis agulhas das irmãs tinham obtido o efeito de

aparentar que o círculo de Kinfairlie deslizava atrás do dragão vermelho deGales, tal como o sol poente desliza atrás de um navio em alto mar.— Uma mescla de insígnias para a mescla de sangue— havia dito

Madeline, com um sorriso, enquanto deslizava a mão por seu ventre plano.Suas irmãs não teriam dito isso se ela expressasse a esperança de ter um

filho ou se já estivesse gerando um, porém Vivienne e Elizabeth concordariamque Rhys seria um pai excelente. Naquela noite, Rhys estava ao pé da escada,completamente vestido de negro, salvo pela brilhante insígnia de seu abrigo. Aseu lado, Alexander mantinha as mãos cruzadas às costas, com as cores de

Kinfairlie em sua própria roupa. Rosamunde, junto dele, resplandecia em seutraje incomum. O grupo esperava que descessem as outras mulheres. Todos ospresentes permaneciam de pé, embelezados com seus melhores ornamentos. Osmúsicos tocavam uma melodia alegre, mas James retornara à casa do pai.

Alexander achara preferível dessa forma; tinha sido ele quem instigara apartida do músico. Agora limpava a garganta para dizer em voz baixa: — Háum assunto que precisamos resolver Rhys.

Seu cunhado lhe dedicou apenas um olhar.— Sim?

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— Trouxe seu dinheiro nesta viagem, para reembolsá—lo, no caso deMadeline querer casar com James — disse o jovem apressadamente.— Pareceu—me injusto que pagassem por uma noiva que o abandonava.

Rhys deu de ombros.

— É uma sorte para ambos que Madeline não o fizesse. Vocês têm umaboa bolsa que conservar, tal como desejavam a princípio, e eu tenho a esposapela qual ansiava.

E se voltou para vigiar as escadas.— Eu mudei de ideia.Rhys não pareceu ouvir esse comentário. Alexander o pegou pela

manga.— Sei que me equivoquei Rhys. Sei que não deveria ter leiloado a mão

de Madeline.— As coisas terminaram bastante bem— interveio Rosamunde.— Se quer se desculpar, eu o aconselho a fazê—lo com Madeline —

disse Rhys com calma furiosa, tão própria dele.— Foi para ela que prestou tãomau serviço.

— Mas quero lhe devolver o dinheiro! — exclamou Alexander,desconfortável. Sua recompensa foi um olhar de surpresa de Rhys. Então pôs apesada bolsa na mão do anfitrião.— Tome! Não quero que nos unam só umasquantas moedas. Sejamos amigos e aliados. Sejamos irmãos.

Rhys observou a bolsa, visivelmente atônito.— Está seguro desta ação?— Não posso fazer outra coisa para limpar a mancha que arrojei sobre o

sobrenome de minha família.— Pensava que tinham necessidade desse dinheiro.— Ninguém deve necessitar tanto assim, para pôr entre si e um novo

parente tal barreira.

Alexander não sabia como se arranjaria se falhasse a colheita, mas deviahaver alguma outra solução. Na verdade alegrava—se por se desfazer dessepeso. Seu cunhado, com um lento sorriso, apoiou uma mão em seu ombro.

— Está fazendo—se homem ante os meus olhos.— Seu olhar era firme;para o jovem foi um alívio já não detectar mais a censura naqueles olhosescuros.— Se alguma vez necessitar um empréstimo, Alexander, venha a mim.Dar—lhes—ei condições melhores que qualquer agiota.

Infelizmente não parecia decoroso pedir esse empréstimoimediatamente, mas ele inclinou a cabeça em um gesto afirmativo.

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— Agradeço—lhe, Rhys.— Logo indicou o alto da escada.— Olhem!Por fim chegaram às mulheres.

Todos os olhares se voltaram para as damas. Elizabeth desceu primeiro,mais ruborizada do que o irmão jamais a tinha visto. No último degrau, ela

tropeçou nas saias, mas Rhys a segurou pelo cotovelo com desenvoltura. Elaagradeceu e, mais ruborizada ainda, correu para junto de Alexander.— Que horrível — sussurrou— Por que eu não podia simplesmente

esperar aqui, com vocês?— Porque é irmã da senhora de Caerwyn – lembrou—a.— Pois Rosamunde é sua tia — replicou ela.A mulher sorriu. — Estou a tanto tempo criando minhas próprias regras

que já não recordo quais são as certas. Não se apresse em se afastar das esperasalheias, Elizabeth. Eu não trocaria as decisões que tomei, mas você talvez searrependesse.

Alexander não teve nada a acrescentar a isso. Girou de novo para aescada. Vivienne, em marcado contraste com a Elizabeth, saboreavaobviamente a atenção da assistência. Sorria; seus quadris se balançavam comgraça ao descer os degraus. Adele, a mãe de Rhys, seguia—a, decididamenteradiante de alegria. Ao deter—se junto ao filho, deu—lhe um beijo e beliscou—lhe a face, com uma familiaridade que teria parecido inconcebível aAlexander. O mais incrível foi que Rhys não se limitou a suportá—lo, fez issosorrindo.

— Netos — disse ela, com zombadora solenidade, enquanto lhe davauns tapinhas na face, como faria com um menino pequeno.— Quero muitosnetos, quanto antes.

— Já verei o que se pode fazer, mãe — replicou, piscando um olho paraseu cunhado.

Alexander ficou abobalhado. Sua reação devia ser óbvia, pois Rhys riuentre dentes.

Depois foi Madeline quem se deteve no batente da escada. Levava a

cabeleira coberta por um véu, o rosto emoldurado em seda. Mas sua beleza eramais assombrosa que nunca, pois nela refulgia uma nova felicidade. Vestia umvestido de cor vermelha intensa, com o mesmo matiz que o dragão de Rhys,com densos bordados de ouro nos punhos e na barra. Do pescoço lhe pendia aLágrima da Virgem, com um brilho sem igual.

— Essa gema é assombrosa — murmurou Alexander.Rhys sorriu de orelha a orelha.— Sim, não há tesouro tão valioso como a Joia de Kinfairlie.

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E avançou para o pé da escada para oferecer a mão a sua senhoraesposa. Quando lhe beijou os dedos ambos pareceram alheios a todos os que seamontoavam no salão.

— Mas se não há nenhuma Joia de Kinfairlie! — protestou Alexander.

Rosamunde riu a seu lado.— Acha que não, Alexander? Mostre—me uma joia mais radiante que

sua irmã.Nesse momento Rhys e Madeline viraram. O senhor de Caerwyn

mostrou no alto a mão de sua companheira.— Rogo a todos que saúdem a senhora minha esposa.— Sua anwylaf — interrompeu—o Adele, muito satisfeita.O casal riu. Madeline se tinha ruborizado.— Minha anwylaf — ele repetiu, com desenvoltura.E a multidão riu por sua vez:— Lady Madeline de Caerwyn!— Ele a beijará, sem dúvida— disse Vivienne, encantada.— É um final

muito perfeito para este conto seu.— É só um começo — disse Elizabeth.Isso provocou o sorriso de ambas às irmãs. Os felizes desposados

trocaram um sorriso, alheios a tudo. Depois Madeline rodeou o queixo de Rhyscom uma mão e o beijou apaixonadamente ante todos os homens e mulheres deCaerwyn. O público aplaudiu. Depois começaram a golpear o chão com os pés.Alexander tirou o chapéu gritando com os outros, muito satisfeito pelo fato deque Madeline tivesse encontrado a felicidade que merecia.

— Wow! — rugiu alguém, alegremente.E todos os presentes se voltaram para olhar.Um homem corpulento, vestido de monge, sorria com grande prazer aos

participantes. Levava um cavalo pela brida; a besta meneava a cauda e agitavaas orelhas.

— Aparentemente, chegamos à boa hora — disse o monge ao cavalo.A besta o focinhou e mordiscou o cabelo restante, para expressar seu

assentimento.— Um festim não é nada ruim como saudação, sobre tudo para viajantes

tão humildes como nós.— Thomas! — gritou Rhys com claro prazer, e muitos dos presentes

repetiram sua saudação.

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— Tarascon! — exclamou Madeline enquanto recolhia as saias paracruzar apressadamente o salão.

Alexander reconheceu tardiamente o palafrém de sua irmã no corcel queseguia o monge. O senhor e a senhora de Caerwyn saudaram os recém

chegados com muita alegria, enquanto os presentes se amontoavam em voltadeles, reclamando o relato. Alexander sorriu ao ver que o monge trocavacalorosas saudações com muitos dos convidados. Obviamente esse Thomas eraali muito conhecido e estimado.

Seu sorriso se alargou ao ver o rosto iluminado de Madeline.Rosamunde havia dito a verdade, não importava como se iniciara essematrimônio, não podia ter acabado melhor. Não havia nada que temer quantoao futuro de Madeline, enquanto tivesse Rhys ao seu lado. Que mais elapoderia pedir ao destino?

Pois... Possivelmente um pouco mais de dinheiro no tesouro deKinfairlie. Mas encontraria uma solução para seus problemas. Só Elizabeth viuque a spriggan se deslizava por cima das cabeças de todos os reunidos. SóElizabeth a viu agarrar a fita azul que pareceu surgir subitamente de Madeline.Só ela a viu trançar essa fita com o cordão dourado e prateado que o casallevava às costas. Eram fitas muito longas, as três. Elizabeth se alegrou de saber que essa Madeline desfrutaria de muitos anos de autêntico amor,diferentemente de Madeline Arundel.

Mas reservou o segredo para si. Que toda a família esperasse novemeses para saber o que ou a quem Madeline e Rhys tinham gerado. Dargpiscou—lhe um olho do outro lado do salão. E Elizabeth devolveu o gesto,feliz de conservar a confiança da fada. No momento.

Fim

Resumo Bibliográfico

CLAIRE DELACROIX

Confessa—se como uma romântica sonhadora, sempre tecendo contos em sua mente.Desde a publicação de sua primeira novela, The Romace of the Rose, em 1993, ganhounumerosos prêmios. E com a publicação do The Beauty em 2001, alcançou pela primeira veza lista de livros mais vendidos do New York Teme. Suas novelas foram ganhadoras de váriosreconhecidos galardões. Delacroix tem perto de dois milhões de livros impressos, tãohistóricos e contemporâneos como paranormais, os quais ela escreveu como Claire Cross. Emseu tempo livre, Claire, que vive com seu marido no Canadá, desfruta tecendo e viajando.

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