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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro” ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013 GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 25 GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina As intervenções do Estado na economia brasileira: um estudo de caso do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro Rodrigo Campos Vieira Lima * Resumo: o presente projeto de pesquisa pretende analisar as recentes intervenções do Estado na economia brasileira e suas implicações para a relação entre capital e trabalho, a partir da terceira maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O estudo se voltará para a relação do Estado com os principais capitais beneficiados; os capitais indiretamente beneficiados e com os trabalhadores direta e indiretamente envolvidos. Serão abordados também os inúmeros conflitos de caráter sindical e relacionado à moradia da população de Itaboraí. Bem como contribuir para a compreensão do momento político-econômico vivido, em suas variantes: o chamado novo-desenvolvimentismo, regressão neocolonial, Capital- Imperialismo e mera continuidade do neoliberalismo. Palavras-chave: Estado; capital; trabalho; PAC; novo-desenvolvimentismo. * Formado em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Unicamp). Pós-graduando na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp- Araraquara. E-mail: [email protected]

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Anais do V Simpósio Internacional Lutas Sociais na América Latina “Revoluções nas Américas: passado, presente e futuro”

ISSN 2177-9503 10 a 13/09/2013

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 25

GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América

Latina

As intervenções do Estado na economia brasileira: um estudo de caso do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro

Rodrigo Campos Vieira Lima*

Resumo: o presente projeto de pesquisa pretende analisar as recentes intervenções do Estado na economia brasileira e suas implicações para a relação entre capital e trabalho, a partir da terceira maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O estudo se voltará para a relação do Estado com os principais capitais beneficiados; os capitais indiretamente beneficiados e com os trabalhadores direta e indiretamente envolvidos. Serão abordados também os inúmeros conflitos de caráter sindical e relacionado à moradia da população de Itaboraí. Bem como contribuir para a compreensão do momento político-econômico vivido, em suas variantes: o chamado novo-desenvolvimentismo, regressão neocolonial, Capital-Imperialismo e mera continuidade do neoliberalismo. Palavras-chave: Estado; capital; trabalho; PAC; novo-desenvolvimentismo.

* Formado em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas (Unicamp). Pós-graduando na Faculdade

de Ciências e Letras da Unesp- Araraquara. E-mail: [email protected]

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Introdução e justificativa -

Pretende-se analisar o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), os

aspectos mais conflituosos de sua construção; os principais capitais beneficiados e, com isso,

contribuir com o debate sobre o caráter do desenvolvimento capitalista brasileiro. A

análise do Comperj é central nesta discussão. Ela é a terceira maior obra do PAC somando,

em um primeiro momento, investimentos na escala de 20 bilhões de dólares somente para a

sua construção. A participação da indústria petroquímica no PIB (cerca de 13%) demonstram

a importância da análiseo o PIB. (Produto Interno Bruto) nacional.

Este estudo situa-se dentro de extenso debate polarizado sobre a natureza do governo

do PT, entre as hipóteses de continuidade da política econômica neoliberal e a de um novo-

desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo. Entende-se que estas hipóteses possuem

traços de continuidade e descontinuidade entre si uma vez que as diferentes formas de se

realizar as políticas econômicas permanecem intrinsecamente vinculadas às necessidades de

acumulação dos grandes capitais internacionais. Estas necessidades podem ser, em um

momento, de aberta rapina às riquezas produzidas e circuladas localmente, como no caso do

neoliberalismo, ou, em outros momentos, de investimentos e certa propensão a fomentar a

produção local em um suposto novo-desenvolvimentismo. Esta relação das políticas

econômicas coerente com as necessidades de acumulação dos grandes capitais impossibilita

que se entenda essa polarização teórica como um antagonismo entre um capitalismo

“benfazejo”, desenvolvimentista, e um “malfazejo”, neoliberal (FONTES, 2010; DRAIBE e

BRIESCO, 2011).

É dentro deste complexo de traços de continuidade e descontinuidade da política

econômica brasileira que procuramos entender o momento econômico brasileiro. Justamente

quando a crise mundial se aflora em grandes partes do globo, a economia brasileira se

apresenta como um projeto sustentado de desenvolvimento, alcançando taxas expressivas de

crescimento. É neste clima de aparente superação dos obstáculos à acumulação que surge no

Brasil a problemática de um “novo-desenvolvimentismo” (PAULANI, 2011). Este “novo-

desenvolvimento” teria como promessa histórica, recuperar os desafios e impasses presentes

na formação dos capitalismos latino-americanos, especialmente o brasileiro, e propulsar,

enfim, a recuperação do “atraso” desses capitalismos. Essa modernização asseguraria a

expansão do consumo num mercado interno ampliado e plenamente integrado ao mercado

mundial (FONTES, 2010).

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O Estado seria um “indutor do crescimento econômico”, um dos eixos principais do

suposto estágio neodesenvolvimentista. Vale lembrar que no caso brasileiro, o Estado sempre

funcionou como a locomotiva do processo de acumulação formando, nos anos 80, um

vigoroso e bem estruturado setor produtivo estatal (SPE). Essa função de indutor da

acumulação de capital deixa de ser realizada conforme aumentam as pressões neoliberais

abrindo espaço para a centralidade do mercado internacional – e as necessidades de

acumulação dos grandes capitais mundiais – como principal regulador da produção local. Por

fim, cede a elas, primeiramente estagnando a acumulação produtiva e, posteriormente,

retrocedendo. Ela só é retomada em meados dos anos 2000 com os investimentos estatais do

PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), ou seja, novamente pelas “mãos” do Estado

(PAULANI, 2011)

O Estado seria um agente da promoção de novos espaços de acumulação, focando suas

ações na dissolução de supostos “gargalos” do desenvolvimento econômico. Segundo consta

na revista Nota Técnica do DIEESE de janeiro de 2007, o PAC seria “um conjunto de

medidas que visam enfrentar os pontos identificados como de estrangulamento do

crescimento: insuficiência da infra-estrutura – principalmente de energia e de transportes – e

baixo nível de crédito e de recursos para o financiamento dos investimentos, além de aspectos

regulatórios, fiscais e tributários”. (BOSCHI e GAITÁN, 2008: 305-22).

De fato, houve um grande esforço recente do Estado brasileiro em criar as condições

para isso. Sinal disto foi a afirmação de Dilma Roussef em 2008, então ministra da casa civil,

de que irão transformar o país em “um grande canteiro de obras”1. Especialmente no que diz

respeito a construção de grandes obras como a ampliação da planta produtiva de grandes

empresas estatais, como a Petrobrás, a transposição do Rio São Francisco, a construção de

hidrelétricas e da criação de inúmeras linhas de crédito para a construção de casas populares.

O principal programa de governo que representa este esforço de investimentos é o próprio

PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Vale dizer que somados os Programas de

Aceleração do Crescimento I e II esperam investir cerca de 1 trilhão de reais.2.

Para entendermos a realização dessas grandes obras do Estado devemos, mesmo que

brevemente, nos atentar para as relações de trabalho encetada pelas mesmas.

Em meados de março de 2011, cerca de 22 mil trabalhadores do canteiro de Obras da

Camargo Corrêa, em Jirau, se rebelaram contra as precárias condições de trabalho e salário.

1 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u367681.shtml 2 http://www.pac.gov.br/sobre-o-pac/divulgacao-do-balanco

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Segundo relataram alguns trabalhadores, havia apenas um mercado para a compra de

materiais básicos de higiene e subsistência com preços muito acima dos normais. Os

trabalhadores denunciaram as condições insalubres da cozinha coletiva e as péssimas

condições de moradia dentro do canteiro. A situação tornou-se insustentável ao ponto deles

optarem por atear fogo nas habitações do canteiro de obras e nos ônibus da empresa.3

A resposta do Estado brasileiro não tardou a vir. A Força Nacional de Segurança, setor

especial da repressão criada pelo governo petista em 2004, interveio com cerca de 600

soldados. Os trabalhadores foram dispensados e “escoltados” até cidade de Porto Velho. Em

junho, quando já estava determinado o retorno dos trabalhadores à obra, “sete operários da

usina de Jirau, em Rondônia, foram trancados por seis horas em uma sala por seguranças da

construtora Camargo Corrêa e policiais da Força Nacional de Segurança, segundo o

Ministério Público do Trabalho”4 Muitos trabalhadores foram coagidos a “entregar”

conhecidos que participaram da rebelião e mais de 3.000 se recusaram a voltar ao trabalho

receosos de outras represálias.

O fato se repete em outras obras do PAC como o caso do Comperj. Segundo uma nota

da CUT-Rio de Janeiro de abril de 2012, “14 mil trabalhadores foram contratados,

distribuídos em vários consórcios. [...] O grande problema da obra é que esses consórcios

tratam os trabalhadores como animais […]. Tem empresa que não deposita o FGTS há seis

meses. Outras não pagam hora-extra nem adotam o sistema de banco de horas (sic!),

obrigando os operários a trabalharem além da jornada legal. Muitas delas também não

garantem a folga legal para os trabalhadores de outros estados, o que inviabiliza visitarem

suas famílias. Os trabalhadores reclamam da comida e do transporte”5.

3 Para ter alguma ideia sobre os conflitos e o posicionamento do Estado conferir:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/897027-justica-diz-que-obras-de-jirau-podem-ser-retomadas-apos-

melhorias.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/892323-trabalhadores-impedem-retomada-de-obra-da-usina-de-

santo-antonio.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/892180-disputa-de-sindicatos-pode-estar-por-tras-de-conflito-

em-jirau.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/892157-ministro-do-trabalho-deve-intermediar-reuniao-sobre-

jirau.shtml

E para visualizar a continuidade das intervenções do Estado:

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1071999-rondonia-vai-instalar-delegacia-na-obra-da-usina-de-

jirau.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1075190-governo-promete-ajuda-para-fazer-seguranca-nas-

obras-de-jirau.shtml 4 http://www1.folha.uol.com.br/mercado/931752-trabalhadores-sao-maltratados-em-jirau-diz-

procurador.shtml 5 http://www.cutrj.org.br/artigos.php?id=298

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São inúmeras as denúncias de maus tratos, de péssimas condições de trabalho, de

alimentação e de moradia.6 E alguns dos traços mais característicos dessas obras do Estado se

tornam mais claras, “embora a construção do complexo seja de responsabilidade da Petrobrás,

elas são tocadas por 27 consórcios que reúnem cada um grandes empreiteiras, incluindo

gigantes como a Camargo Correa e a Delta Construções, envolvida no escândalo de corrupção

com o bicheiro Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) em Brasília.”7

Para além dos conflitos envolvidos estritamente com os trabalhadores que constroem o

complexo, há ainda o conflito com os pescadores que trabalhavam na região. Muitos estão

sendo coagidos a se retirarem do lugar e aqueles que decidiram lutar para se manter ou que

somente buscavam algumas garantias e ressarcimentos de sua retirada estão sendo

assassinados. Segundo Alexandre Anderson, presidente da Associação Homens e Mulheres do

Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR):

"Está se matando não só um ecossistema, mas aqueles que vivem do ecossistema, que são

os pescadores. Alguns são mortos por depressão, outros por ter que fugir e mudar seu jeito

de vida, e outros mortos a bala. Hoje nós conseguimos quebrar uma barreira histórica. Parte

do mundo já tem conhecimento dos crimes que estão ocorrendo na baía de Guanabara nos

conflitos com a Petrobras.”8

Estas relações extremamente conflituosas de trabalho e com os moradores das regiões

adjacentes das grandes obras do PAC, nos parece ser um traço geral das mesmas, envolvendo

a discussão sobre a “questão social” por detrás das políticas econômicas que envolvem: as

supostas integrações sociais democráticas e horizontalizadas; a ampliação das vagas e a

melhorias das condições de vida dos trabalhadores. Todos esses dilemas se envolvem nas

justificativas teóricas e éticas sobre o chamado “novo-desenvolvimentismo”, incluindo a do

próprio governo. (BOSCHI e GAITÁN, 2008)9

6

http://www.atribunarj.com.br/noticia.php?id=8227&titulo=Tr%EAs%20oper%E1rios%20s%E3o%20fe

ridos%20em%20conflito%20no%20Comperj

7 http://www.pstu.org.br/movimento_materia.asp?id=14122&ida=0

8 http://www.polopetroquimicodeitaborai.com.br/novo/index.php/noticias/comperj/noticias-do-

comperj/510-pescadores-pedem-socorro.html#.UFI_xeLqfHl 9 Há uma citação esclarecedora de Boschi e Gaitán sobre as funções democráticas e plurais do “novo-

desenvolvimentismo”: “Na medida em que um projeto desenvolvimentista implique a participação de maior

quantidade de atores representativos do âmbito político, empresarial e de organizações não governamentais,

haverá maiores possibilidades de que tal proposta seja vista como própria pelos envolvidos nas dinâmicas que

possibilitam o avanço e pelo conjunto da sociedade.” (BOSCHI e GAITÁN, 2008)

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Há um complexo movimento que a “questão social” realizou nas últimas décadas.

Desde o desmonte do Estado de bem-estar na Europa, a centralidade dos direitos sociais

garantidos aos trabalhadores se desloca para uma série de políticas compensatórias aos

“pobres”. A inflexão do termo “trabalhador”, ao termo “pobre”, não é aleatória. As

características rapidamente esboçadas acima de extrema exploração dos trabalhadores não

serão mais os eixos das políticas sociais de estabilidade da ordem capitalista. Estas serão

transladadas aos “pobres”, aos trabalhadores não mais em sua condição de fator elementar de

exploração capitalista, mas sim enquanto “cidadãos pobres”, circulantes no mundo burguês.

(LEHER, 2010; PAULO NETO, 2011).

Entendemos que este aspecto do desenvolvimento político econômico, comumente

chamado de “questão social”, é central à compreensão das características do “novo-

desenvolvimentismo” no que diz respeito às ações do Estado com relação aos direitos dos

trabalhadores, bem como à relação do Estado com o aumento da exploração do trabalho nos

levando à pergunta: quais os principais beneficiados deste projeto de desenvolvimento?

Tendo isto em vista, atentaremos melhor ao nosso objeto: o Comperj é um projeto com

custo estimado atualmente em U$ 20 bilhões. Área total do empreendimento são 45 milhões

de m² o que representa 12 % do território do município de Itaboraí (RJ). O complexo irá

processar cerca de 165 barris/dia de petróleo para produção de matrizes petroquímicas e

combustíveis. Além de produzir matéria prima para as indústrias do setor petroquímico, que

irá transformá-la em bens de consumo tais como: Geladeiras, Fogões, Peças para a Industria

Automobilística e etc.10

O processo de construção do complexo, como nas outras obras do PAC, se dá por

meio de licitações para a execução da obra. Neste caso estão envolvidas empresas como

Alusa, Queiroz Galvão, Camargo Correa, Delta, Toshiba, entre outras de grande porte. A

lógica produtiva dessas grandes empresas é a contratação de mão-de-obra terceirizada

tornando mais complexas as relações com os trabalhadores envolvidos. Característica que se

tornou comum no setor após os anos 90 (VILLELA, 2007).

Dada a magnitude dos investimentos, cerca de 1 trilhão de reais só pelo PAC, da clara

prioridade do governo em tornar-se um “indutor do crescimento econômico”, a justificativa

para essa pesquisa é que a análise do Comperj poderá tornar mais claro: i) o conjunto de

10

CORREA JUSTI (2011). “A Terceirização nos processos de recrutamento e seleção em grandes empreendimentos: o caso

do Comperj em Itaboraí/RJ”. Disponível em:http://pt.scribd.com/doc/75587603/Terceirizacao-no-

COMPERJ-po-Zoraya-Justi

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articulações dos principais capitais beneficiados desta política econômica, ii) sua relação com

os trabalhadores direta e indiretamente envolvidos e, iii), contribuir para melhor qualificar o

debate sobre o estádio de desenvolvimento capitalista vivido no Brasil e do seu suposto

caráter neodesenvolvimentista.

Discussão Bibliográfica -

Balizamos nossa compreensão histórica seguindo alguns autores brasileiros que

analisaram a adaptação de nossa estrutura produtiva ao grande capital monopolista. Dentre

esses autores, destacamos Florestan Fernandes que em seu livro A Revolução Burguesa no

Brasil apontou para as complexas articulações entre o desenvolvimento de uma economia

dependente e subordinada aos interesses e ritmos de desenvolvimento dos principais pólos

dinâmicos do capitalismo mundial; de uma burguesia dependente; e de uma extração dual do

excedente econômico – “a partir de dentro pela burguesia nacional; e, a partir de fora, pelas

burguesias das nações capitalistas hegemônicas e por sua superpotência” (FERNANDES,

2006). Destacamos também Otávio Ianni que em seu livro A Ditadura do Grande Capital,

apontou o modo concreto em que se realizou essa adaptação da estrutura produtiva brasileira,

pós-1964, aos ditames da estrutura do capital monopolista.

O peculiar da adaptação ocorrida foi objeto de extenso debate na esquerda brasileira

ao longo dos anos 70 e 80, especialmente sobre as tarefas supostamente necessárias para a

completude do nosso sistema capitalista. Reflexão que apontava para as tarefas imediatas

naquele momento, desde o caráter ditatorial do regime – apontando a necessidade da luta

democrática11 –, até as tarefas típicas do desenvolvimento capitalista clássico, como era o

caso da Reforma Agrária.12

A luta pela “completude” do capitalismo brasileiro teria como foco as intervenções do

Estado suprimindo os principais obstáculos à integração da economia em escala mundial,

nacional e regional. Construindo um mercado interno que servisse de propulsor aos interesses

11 Esta necessidade da luta democrática se consubstanciava com um ascendente movimento de

trabalhadores. “De maio de 1978 a março de 1979, 'da reemergência à afirmação, efetiva-se um processo

alargador e de espessamento, [onde] é preciso destacar, como determinação fundamental, que, tomado em seu

conjunto, este período de cerca de um ano, em contraste com a fase anterior, consubstancia um salto qualitativo:

o da passagem da fase de resistência democrática, que caracteriza todo o período anterior a maior de 78, para a

fase do movimento democrático de massas propriamente dito. […] diante do qual todas as ocorrências e

manifestações oposicionistas anteriores se vêem convenientemente dimensionadas, em sesu caminhos e

descaminhos'” (Chasin, J. Apud. Antunes, R. A Rebeldia do Trabalho. Editora Unicamp. Campinas 1992. 12 Werneck Sodré, N. Introdução a Revolução Brasileira; Prado Jr., C. A Revolução Brasileira; Fernandes,

F. A Revolução Burguesa no Brasil; Ianni, O. A Ditadura do Grande Capital.; Furtado, C. Um Projeto para o

Brasil; Oliveira, C. Crítica da Razão Dualista; Coutinho, C. N. A Democracia como Valor Universal; etc.

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de acumulação e, deste modo, superando, de um lado, a crônica dependência dos países

centrais e, de outro, a peculiaridade de uma força de trabalho extremamente precarizada.

Dentro deste debate, Fernandes (2006) expressa da maneira mais clara o complexo de

problemas que estavam “por detrás” da estrutura da sociedade brasileira. Ele nos diz assim

sobre as articulações que se estabelecem entre uma classe trabalhadora miserabilizada e

investimentos massivos de capital:

“a apropriação dual do excedente econômico […] exerce(u) tremenda pressão sobre o

padrão imperializado (depende e subdesenvolvido) de desenvolvimento capitalista (…).

[Gerou] extrema concentração social da riqueza, a drenagem para fora de grande parte do

excedente econômico nacional, a consequente persistência de formas pré ou subcapitalistas

de trabalho e a depressão medular do valor do trabalho assalariado” (FERNANDES, 2006).

Este complexo de problemas, segundo o autor, seria o modo específico que o

capitalismo estava se desenvolvendo no Brasil. A luta política se voltaria para a pressão, nas

formas parlamentar, sindical e de movimentos sociais, forçando algumas inflexões do Estado

na supressão ou combate das peculiaridades desse desenvolvimento. A luta por um Estado

desenvolvimentista encontraria aí sua validade, especialmente nos círculos de esquerda.

Estas questões estão no centro do debate sobre um suposto caráter novo-

desenvolvimentista do Estado ou uma mera continuidade do desenvolvimento periférico

brasileiro. Compreendendo que a estrutura da sociedade brasileira dentro da ordem capitalista

permanece “subdesenvolvida e dependente”, Plínio de Arruda Sampaio Júnior expõe assim o

problema tal como se expressa nos dias de hoje:

“O objetivo das grandes empresas transnacionais é diluir a economia dependente no

mercado global para que possam explorar as potencialidades de negócios da periferia sem

sacrificar sua mobilidade espacial [...]. O interesse no “Terceiro Mundo” se resume

basicamente aos seguintes objetivos: ter livre acesso aos mercados, (não importando se

eles serão atendidos com produtos importados ou com produção local –a decisão depende

de circunstâncias ditadas pela estratégia de concorrência de cada empresa); ter o máximo

de flexibilidade para aproveitar as potencialidades da região como plataformas de

exportações que requerem mão-de-obra barata; açambarcar das mãos do capital nacional,

público ou privado, os segmentos da economia que possam representar bom negócio.”

(SAMPAIO JR., 2007)

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Portanto, segundo Sampaio Jr., há uma continuidade no desenvolvimento do

capitalismo no Brasil ancorada na “enorme pressão” exercida pela “apropriação dual do

excedente econômico” cada vez mais disputada e apropriada pelos grandes capitais

internacionais. Neste cenário, restaria as burguesias locais apenas poucas possibilidades, “as

burguesias dependentes estão se convertendo em burguesias que vivem de intermediar

negócios de compra e venda de mercadorias no mercado internacional, de patrimônio

público e privado e de ativos financeiros.”(SAMPAIO JR., 2007)

Ainda segundo o autor, nesta caracterização do estádio do desenvolvimento capitalista

internacional o desenvolvimento das nações periféricas só entra na conta dos grandes capitais

internacionais: i) na medida em que são imediatamente interessantes para seu próprio

processo de acumulação e, ii), na medida em que as burguesias destes países só existem

enquanto mediadoras locais destes interesses. Portanto, fica em xeque quaisquer tentativas de

desenvolvimento nacional propriamente dito. “Em suma, na ordem internacional emergente,

o desenvolvimento nacional não está no horizonte de possibilidades dos países periféricos”

(SAMPAIO JR., 2007) caracterizando, portanto, uma reversão neocolonial e não

propriamente um novo-desenvolvimentismo.

Uma outra interpretação do momento econômico vivido aponta que não houveram

substantivas transformações do período neoliberal para o chamado novo-desenvolvimentismo.

Pelo contrário, a essência da propositura neoliberal se manteve no que concerne a atuação do

Estado com relação aos trabalhadores. Segundo os argumentos do neoliberalismo, o Estado de

bem-estar teria “regulado” a força de trabalho o que impediria o desenvolvimento “natural”

do capitalismo em seu constante rebaixamento do custo da força de trabalho e na tendente

ampliação do número de desempregados. Não caberia ao Estado interferir na relação entre

capital e trabalho no que diz respeito a produção. A margem de atuação do mesmo não estaria

mais na regulação e garantia de direitos aos trabalhadores, mas sim na compensação social

aos “pobres”.

Na interpretação de que existe uma profunda continuidade do neoliberalismo no

chamado novo-desenvolvimentismo, o Estado estaria atuando para reduzir os direitos sociais

dos trabalhadores (sinalizado na reforma trabalhista de 2003), reduzindo o custo da força de

trabalho e, noutro sentido, realizando políticas de compensação social para amenizar as

explosivas contradições que este processo acarretaria. (LEHER, 2010)

Boito Jr. apresenta outra análise sobre o mesmo processo. Segundo este autor o

neoliberalismo seria uma ofensiva da burguesia contra os trabalhadores em todo o mundo.

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Especificamente para as economias latino-americanas, representaria uma ofensiva do

Imperialismo contra as economias dependentes. Esta dupla ofensiva (contra os trabalhadores

e contra as economias dependentes) representou um aumento do desemprego, cortes nos

direitos sociais dos trabalhadores, em uma reconcentração da renda, em privatizações, em

uma hipertrofia da acumulação financeira, em uma abertura comercial e em

desindustrialização forçada. Os governos Lula e Dilma moderaram esta ofensiva no que diz

respeito as condições de vida da classe trabalhadora e à defesa do capitalismo brasileiro. “ A

economia voltou a crescer, o emprego e o salário cresceram, o programa de privatização foi

contido e, como podemos ver no presente momento, o governo Dilma se esforça por proteger

a indústria interna da concorrência dos importados barateados pelo câmbio alto” (BOITO

JR., 09/04/2012)

Estas características comporiam um receituário novo-desenvolvimentista. Contudo,

para o autor, este novo-desenvolvimentismo estaria circunscrito aos marcos do capitalismo

neoliberal e este limite seria o principal responsável pelas grandes diferenças entre este e o

antigo projeto de desenvolvimentismo. Definindo um caráter bem mais modesto daquele com

relação a este.

Ainda segundo o autor, este novo-desenvolvimentismo seria sustentado no caso

brasileiro por uma fração da burguesia denominada grande burguesia interna:

“A fração que denominamos grande burguesia interna brasileira é integrada por

grandes empresas de variados setores da economia. O que unifica essas empresas é a

reivindicação, motivada pela política econômica de abertura comercial e de

desnacionalização da década de 1990, de proteção do Estado na concorrência que elas

empreendem com o capital estrangeiro. Essa fração burguesa quer o investimento

estrangeiro no país, mas pretende, ao mesmo tempo, preservar e ampliar as suas posições

no capitalismo brasileiro”(BOITO JR., 2012)

Estas três interpretações apontam, grosso modo, o grande escopo de caracterizações do

momento político-econômico vivido no Brasil. De análises que apontam para uma regressão

neocolonial; uma continuidade e ampliação do neoliberalismo; há análises que apontam a

existência de um neodesenvolvimentismo, ainda que circunscrito ao chamado capitalismo

neoliberal. Mostrando a necessidade de aprofundar o debate no sentido de caracterizar melhor

o momento econômico vivido no Brasil, as ações supostamente desenvolvimentistas do

Estado e quais são os principais interessados neste projeto.

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Bibliografia –

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Boschi, R. e Gaitán, F. Intervencionismo Estatal e políticas de desenvolvimento na

América Latina. In: Caderno CRH n. 21. Salvador: UFBA, 2008.

Castelo, R (Org.). “Apresentação”. In: Encruzilhadas da América Latina no século

XXI. Ed. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010.

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