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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015) As imagens da festa de casamento no Instagram: representações do consumo e da memória Penélope Maria Melo e Lira 1 Escola Superior de Propaganda e Marketing ESPM Resumo O artigo propõe a reflexão sobre as relações de consumo e memória presentes nas imagens da festa de casamento no Instagram, entendendo a festa de casamento como um espaço privilegiado do consumo e da memória. São apresentados ainda os aspectos relacionados ao site de redes sociais Instagram como ferramenta comunicativa de arquivamento, seleção, hierarquização e circulação da memória da festa, compreendendo-o também como lugar de memória e consumo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujos instrumentos de pesquisa foram a pesquisa bibliográfica, tendo como marcos teóricos os trabalhos de Douglas e Isherwood, entendendo o consumo como ritual; Rose Rocha, sobre consumo de imagens e ainda o conceito de memória articulado à cultura, ao ritual e à festa, por meio dos trabalhos de Iuri Lotman, de Jerusa Ferreira, Mônica Nunes, entre outros autores que apontam a interconexão da memória autobiográfica e cultural. Palavras-chave: Comunicação e consumo; Memória; Festa de casamento; Imagem; Instagram. Introdução Não é de hoje que vemos o casamento invadir diversos espaços culturais e midiáticos na vida do sujeito contemporâneo. Livros, revistas, filmes, novelas e ainda os sites de redes sociais. Além de toda a pompa da festa, os noivos podem ter seu próprio site e até um aplicativo para celular que ajuda as noivinhas mais antenadas a 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO, CONSUMO, MEMÓRIA: cenas culturais e midiáticas., do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 .Mestre em Comunicação e Práticas do Consumo pela ESPM/SP, possui graduação em Publicidade e Propaganda (UniCEUB), pós-graduação em Primeira Gerência de Negócios com ênfase em Marketing (ESPM), formada em Design Gráfico pela Miami ad School - ESPM/[email protected].

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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)

As imagens da festa de casamento no Instagram: representações do

consumo e da memória

Penélope Maria Melo e Lira1

Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM

Resumo

O artigo propõe a reflexão sobre as relações de consumo e memória presentes nas imagens da

festa de casamento no Instagram, entendendo a festa de casamento como um espaço

privilegiado do consumo e da memória. São apresentados ainda os aspectos relacionados ao

site de redes sociais Instagram como ferramenta comunicativa de arquivamento, seleção,

hierarquização e circulação da memória da festa, compreendendo-o também como lugar de

memória e consumo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujos instrumentos de pesquisa

foram a pesquisa bibliográfica, tendo como marcos teóricos os trabalhos de Douglas e

Isherwood, entendendo o consumo como ritual; Rose Rocha, sobre consumo de imagens e

ainda o conceito de memória articulado à cultura, ao ritual e à festa, por meio dos trabalhos de

Iuri Lotman, de Jerusa Ferreira, Mônica Nunes, entre outros autores que apontam a

interconexão da memória autobiográfica e cultural.

Palavras-chave: Comunicação e consumo; Memória; Festa de casamento; Imagem;

Instagram.

Introdução

Não é de hoje que vemos o casamento invadir diversos espaços culturais e

midiáticos na vida do sujeito contemporâneo. Livros, revistas, filmes, novelas e ainda

os sites de redes sociais. Além de toda a pompa da festa, os noivos podem ter seu

próprio site e até um aplicativo para celular que ajuda as noivinhas mais antenadas a

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO, CONSUMO, MEMÓRIA: cenas

culturais e midiáticas., do 5º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de

2015. 2.Mestre em Comunicação e Práticas do Consumo pela ESPM/SP, possui graduação em Publicidade e

Propaganda (UniCEUB), pós-graduação em Primeira Gerência de Negócios com ênfase em Marketing

(ESPM), formada em Design Gráfico pela Miami ad School - ESPM/[email protected].

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plenejarem o casório. O tradiconal convite de papel, agora, ganhou uma tela de LED,

é possível ver e ouvir os anfitriões convidando para a grande festa.

E se você achou pouco, imagine que há noivas, mais abastadas, é claro, que

além da festa de noivado, com bolo, convite e muitos convidados, realizam uma festa

no local onde residem e outra em outro local, fora do país, de preferência, com mais

um bolo, outro vestido e seus convidados, são os chamados destination weddings.

Tudo isso registrado e compartilhado nas redes sociais.

O ritual do casamento foi sofrendo modificações no decorrer do tempo,

influenciado não apenas pela mudança de hábitos, mas pela poderosa influência

midiática no contexto moderno, e não é de se admirar que a imagem e o consumo são

convidados de honra desta festa.

O consumo, neste trabalho, é entendido como ritual em que os bens são

marcadores sociais, conforme discutido por Douglas e Isherwood (2013 p. 40):

“consumo é um sistema de rituais recíprocos que envolvem gastos para marcação

apropriada da ocasião, seja dos visitantes e anfitriões, seja da comunidade em geral.”

1 . Festejar é deixar rastros: imagens e memória

Um mundo colorido por imagens. Na sociedade contemporânea podemos

observar a intensa relação da imagem com o homem e como essa relação tem

influenciado o modo como os indivíduos convivem entre si.

Este trabalho entende que a memória da festa de casamento vai sendo exposta

e construída no espaço do Instagram através da produção e do compartilhamento

dessas imagens, que fazem parte das narrativas desses sujeitos. Conforme aborda

Recuero (2014, p. 405):

Notadamente, os estudos de redes sociais passaram a tornar mais corpo

devido à participação dos indivíduos e instituições na rede, criando rastros de

interações e conversações e deixando-os disponíveis para mapeamento. Mais

do que isso, a estrutura técnica da internet e da mediação do computador

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permitiram o surgimento de novas formas de interação e participação,

gerando impactos relevantes e intrigantes na sociedade.

A memória é um dos pontos cruciais deste estudo, pois é através dela,

representada pelas imagens da festa de casamento, que poderemos discutir sobre o

consumo que se faz presente nesse ritual, bem como sobre a importância da produção,

arquivamento e circulação dessa memória no Instagram para os sujeitos envolvidos.

Ferreira (2001, p. 11) destaca a relação do homem com a memória

afirmando que “há nas pessoas o desejo de guardar o que se extravia na vertigem”; e

defende a memória como “sustentação de identidades, rede de conhecimentos que se

projetam ao passado e futuro concomitantemente.” Estabelecendo relação com a

memória da festa matrimonial, entendemos que as imagens dessa festa estão

carregadas de significados e representações de identidade, de conhecimentos

referentes aos sujeitos inseridos neste contexto por meio do consumo.

Tomando o conceito de texto cultural de Lotman apresentado por Nunes

(2001, p. 58), a festa de casamento constitui-se “[...] texto cultural como unidade

mínima da cultura, capaz de gerar novos significados mas, também, de preservar a

memória de seus contextos anteriores [...], isto é, de abrigar em si mesmo memórias

ancestrais [...].”

No presente estudo, considera-se a cultura como memória seguindo ainda

os conceitos apresentados por Lotman e Uspenkii (apud Nunes, 2001, p. 147): “Os

autores assinalam que a destruição de certos textos culturais permite a criação de

tantos outros, evidenciando a direção da cultura contrária à do esquecimento, por seu

turno, transformado em elemento da memória.”

A festa de casamento comporta as memórias de outras festas, memórias

ancestrais, memes de afeto, como trabalhado por Nunes (2001) ao discorrer sobre os

aspectos emocionais da memória, que são como fragmentos de memórias que

sobrevivem e se repetem, podendo sofrer alterações. Podemos tomar como exemplo o

buquê de flores da noiva, em que hoje é possível jogar, em vez de flores, um buquê

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formado por vários bonequinhos do Santo Antônio. Preservou-se o ritual de se jogar o

buquê, mas se alterou o formato. Uma tradição, memória do ritual do casamento, foi

reconfigurada - uma espécie de releitura dessa memória.

A memória da festa de casamento vai sendo alimentada pela mídia e seus

produtos midiáticos, como filmes e novelas; e o seu contrário também é verdadeiro,

pois a mídia também é alimentada pelas práticas culturais; no caso, a festa de

casamento que se configura como um texto da cultura e condensador de memória.

Trata-se de uma via de mão dupla: o ritual alimentando a mídia e a mídia alimentando

o ritual.

Festejar é vivenciar o momento da festa, mas é também reviver a festa

através da memória, com pontuou Ferreira (2010, p. 11) ao discorrer sobre a festa

popular: “E há ainda o comentário, aquilo que se diz no dia seguinte, a retomada do

eterno ciclo de dizer-se aquilo que foi e de esperar pelo que virá.” A memória se

configurando no presente e se projetando no futuro pela oralidade, pelo texto escrito,

pela visualidade fotográfica.

Fausto Colombo (1991) nos apresenta sua visão sobre uma sociedade que

tem obsessão em arquivar, concordando com o pensamento de Jerusa Ferreira (2001)

sobre o desejo de guardar o presente do homem contemporâneo. O autor fala ainda de

um homem arquivista, influenciado pelas evoluções culturais e tecnológicas:

O que importa é termos mostrado brevemente que as formas da obsessão

mnemônica se sujeitam à lógica da cultura e da técnica contemporâneas,

impregnando não só o processo de culturalização coletivo, mas também a

vida cotidiana, os modos de pensar, em outras palavras, as convicções

pessoais e de grupo (COLOMBO, 1991, p. 19).

Colombo (1991, p. 19) pontua que “gravar e arquivar o nosso passado

parece-nos hoje algo de muito necessário, tão indispensável como catalogar cada

momento de nossa própria existência.” Acrescentamos aqui que gravar, arquivar e

compartilhar o instante/presente obedecendo a uma nova ordem temporal baseada no

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instante, incluindo também o passado, torna-se quase vital. Atualmente, estamos

mergulhado no on-line, no universo das redes sociais digitais e na intensa utilização

do celular e dispositivos móveis permeando as interações sociais. Os álbuns

familiares viraram álbuns sociais a serem contemplados; são catálogos imagéticos que

narram a existência do sujeito em uma esfera virtual.

Como apoio às reflexões deste estudo, segue o pensamento de Colombo

considerando a imagem como lembrança materializada:

Ora, é importante compreendermos que justamente esse paradoxo da

fotografia constitui também o seu fascínio e sua mais concreta ligação com a

questão da memória: enquanto incindivelmente ligada ao passado de um

objeto, à fase anterior à sua perda ou à sua transformação, a imagem é

principalmente lembrança materializada (COLOMBO, 1991, p. 49).

Entendemos assim que as imagens da festa de casamento no Instagram

podem representar materializações das lembranças escolhidas pelos sujeitos para

serem exibidas na rede.

O teórico francês Maurice Halbwachs (2003) discorre sobre os contextos

sociais da memória, apontando que se deve levar em consideração os contextos que

servem de base para a construção da memória, pois “Nossas lembranças permanecem

coletivas e nos são apresentadas por outros, ainda que se trate de eventos em que

somente nós estivéssemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isto acontece

porque jamais estamos sós.” (HALBWACHS, 2003, p. 30).

Consideramos assim, as memórias da festa de casamento compartilhadas

no site de rede social Instagram como traços da cultura de uma sociedade arquivísta,

lembranças materializadas pelas imagens, imagens alimentadas por memórias

individuais e coletivas que dependem do contexto social no qual estão inseridas; são

as memórias que permanecem. Como memes de afetos (NUNES,2001), sobrevivem

aquelas memórias que, de alguma maneira, intrigam positiva ou negativamente o

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sujeito, até serem esquecidas ou lembradas novamente, mas nunca iguais, nessa

inquietude da memória, bambeando entre a lembrança e o esquecimento.

2. O Instagram como ferramenta de arquivamento, hierarquização, seleção e

circulação da memória da festa

Para melhor compreensão deste estudo, nos parece oportuno apresentar,

embora de forma sucinta, o funcionamento do Instagram; um aplicativo de

compartilhamento de fotos gratuito que funciona como rede social. Nesta plataforma,

o usuário tem o seu perfil, pode ter seguidores e seguir outros usuários, além de ter

uma espécie de álbum de imagens digitais com todos os conteúdos por ele

compartilhados. Além das fotos, o usuário tem ainda a possibilidade de publicar

vídeos; são disponibilizados diversos filtros e efeitos para as fotos, bem como para

marcação do local onde a foto foi produzida. Por ter a imagem como principal

recurso, considerou-se o Instagram espaço ideal para o estudo dessas manifestações

de consumo, entendendo que essas imagens podem revelar modos de ser e estar da

sociedade, conforme propõe Rose Rocha (2008, p. 122): “Propõe-se uma perspectiva

teórica que concebe o consumo como privilegiado campo de constituição da

subjetividade e a imagem como partícipe de uma inédita articulação do imaginário e

da sociabilidade na atualidade.” Portanto, entendemos que as imagens que circulam

no Instagram nos dão pistas de aspectos de sociabilidades dos sujeitos e de como a

imagem ganha força como elemento integrador social.

Neste trabalho, categoriza-se o Instagram de acordo com a definição de

Recuero (2012) sobre os sites de redes sociais:

os sites de redes sociais são ferramentas que proporcionam a publicação e a

construção de redes sociais. As redes sociais são as estruturas dos

agrupamentos humanos, constituídas pelas interações, que constroem os

grupos sociais. Nessas ferramentas, essas redes são modificadas,

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transformadas pela mediação das tecnologias e, principalmente, pela

apropriação delas pela comunicação (RECUERO, 2012, p. 15-16).

A inserção dos sites de redes sociais nas sociedades humanas possibilitou

ao homem novas formas de ser e estar; e ainda de rastreamento dessas interações,

trazendo

[...] informações sobre sentimentos coletivos, tendências, interesses e

intenções de grupos e pessoas. São essas conversas públicas e coletivas que

hoje influenciam a cultura, constroem fenômenos e espalham informações e

memes, debatem e organizam protestos, criticam e acompanham ações

políticas e públicas. É nessa conversação em rede que nossa cultura está

sendo interpretada e reconstruída (RECUERO, 2012, p. 17-18).

Destarte, entendemos o Instagram como aplicativo/site de rede social,

espaço de conversação que difunde valores, hábitos, costumes e elementos culturais

em rede, em que são estabelecidos vínculos sociais, e assim a memória da cultura vai

sendo construída e exposta.

Os sites de redes sociais possuem características muito fluidas, pois eles

se atualizam e se alteram com o tempo, com as novas ferramentas que vão sendo

disponibilizadas e com a utilização dos atores.

O Instagram tem como matéria-prima a foto capturada, copiada, editada,

publicada. A imagem é a principal protagonista deste espetáculo. O fotógrafo, teórico

e historiador da fotografia, Boris Kossoy, apresenta a imagem como instrumento de

comunicação e como forma de conhecimento, exercendo influência no modo de viver

e ser dos homens: “as imagens sempre afetaram o homem comum de alguma maneira,

seja tomando-as como objeto de culto pessoal, seja recebendo suas informações como

representações autênticas, verdadeiras, de fatos reais.” (KOSSOY, 2014, p. 271).

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O autor destaca ainda o caráter ficcional presente nas imagens e sua

importância no processo fotográfico desde a captura da fotografia:

A imagem fotográfica contém em si um componente ficcional, pois é matéria

fluida de sua trama, é seu fundamento; é constituinte do processo de

criação/construção da representação. Acha-se entranhado técnica, estética,

cultural e ideologicamente em seu construto, aplica-se a todas as imagens

(KOSSOY, 2014, p. 276).

A intervenção de programas de edição e tratamento de fotos e do próprio

mecanismo do Instagram em que o usuário pode escolher filtros que são aplicados nas

fotos interferem na maneira como a fotografia é concebida, retratando uma nova

realidade, acordando com o aspecto ficcional presente em toda fotografia abordado

por Kossoy (2014).

A internet serve de palco para o espetáculo das imagens que circulam na

sociedade contemporânea. Como aponta Kossoy (2014, p.276): “Nos dias de hoje,

imagens e estímulos sensoriais alcançam a todos que se acham conectados na web,

palco universal de fantasias universais tornadas reais, no qual o fato se confunde com

a representação - e o espetáculo continua.” É nesse espetáculo que serão encenadas as

relações de consumo e memória na festa de casamento compartilhadas no Instagram;

e são essas relações que buscamos refletir no presente trabalho.

Imagens, fotos, vídeos, toda a visualidade se tornando memória; podemos,

então, pensar o Instagram como uma extensão de nossas memórias, mas não são

quaisquer memórias, são as mais significativas para nós mesmos, queremos ser

reconhecidos naquelas imagens, imprimir nossa marca, nossa essência, pois são as

lembranças que nos tocam, que queremos tornar visíveis para si e para os outros.

O Instagram também pode ser considerado como um organizador dessa

memória selecionada. Diante de inúmeras possibilidades imagéticas, o sujeito elege

aquelas que mais lhe agradam, as mais significativas. Essa memória vai sendo

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construída nas malhas virtuais no Instagram através de cada imagem compartilhada; e

uma narrativa memorial do sujeito vai sendo contada.

Ao comportar as imagens de um perfil, o Instagram tem a função de

arquivo da memoria do sujeito, ao organizar por tempo cronológico, de acordo com a

ordem de postagem do usuário, sendo, assim, hierarquizador, ele desempenha ainda a

função de organizador, ao selecionar uma imagem, em vez de outra, por vontade do

próprio sujeito. O Instagram serve como mecanismo de seleção da memória e, ao

compartilhar essas imagens, ele proporciona a extensão de nossas memórias, criando

uma narratividade.

3. O Instagram como lugar de memória e consumo

Quando uma foto é compartilhada no Instagram, ela adquire vida e

movimento. Antes, presa no arquivo digital da câmera, onde praticamente o

proprietário da mesma teria acesso, agora ela ganha uma nova roupagem, seja pelos

filtros aplicados, pelas legendas ou pela localização evidenciada, ou ainda pelos novos

espectadores que irão visualizá-la, curti-la ou não, podendo fazer um print numa

tentativa de “roubá-la” ou ainda compartilhá-la. São inúmeros os caminhos que essa

memória pode traçar, inclusive nenhum; mas o que se quer ressaltar aqui é a posição

do Instagram como lugar de memória, conceito criado por Pierre Nora (1993) sobre

os lugares da memória.2

O teórico francês discorre ainda sobre como a memória sofreu um

processo de democratização, visto que os produtores de arquivo, nos tempos

clássicos, centralizavam-se nas grandes famílias, Igreja e Estado. Hoje somos

produtores de nossas memórias: “as memórias particulares que reclamam sua própria

história” (NORA, 1993 p. 17); histórias permeadas pelo consumo - um consumo de

sentimentos, emoções -, mas também materializados por objetos que se tornam

2 O discurso do historiador francês Pierre Nora (1993) decerto não contemplava o advento da Internet nem o atual contexto dos sites de redes sociais, mas é pertinente trazer suas reflexões sobre memória para se pensar o Instagram como lugar de memória.

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visíveis através das imagens oferecidas pelos usuários do Instagram à contemplação

social.

Para Nora (1993 p. 9), “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no

gesto, na imagem, no objeto”; e destaca ainda que a contemporaneidade tem como

imperativo “arquivar” - concordando aqui com o pensamento de Jerusa Pires Ferreira

(2001, p.12) já exposto anteriormente sobre essa vontade do homem de “guardar tudo

que se extravia na vertigem.” As imagens compartilhadas no espaço do Instagram

abrigam essa memória e são resultados dessa vontade de fixar, prender aquele

momento, pará-lo no tempo.

Para ser lugar de memória, é necessário, antes de tudo, “ter vontade de

memória” (Nora, 1993 p. 22). O usuário do Instagram compartilha desse sentimento

de guardar suas memórias ao colecionar um histórico de suas imagens em rede.

Há de se trazer também para essa discussão a influência da globalização

nas relações sociais e culturais nas redes sociais e nas circulações das memórias. No

Instagram, a noiva tem acesso a perfis de empresas de casamento de várias partes do

mundo. Um produto que antes era restrito a noivas de um determinado país, agora

pode ser adquirido por noivas de outras nacionalidades. Instagrans de estilistas de

vestido de casamento de outros países são seguidos por usuárias brasileiras e o mesmo

acontece com as estilistas brasileiras sendo seguidas por usuários de outras

nacionalidades.

Nas imagens abaixo, podemos observar a publicação de uma estilista

renomada mundialmente, a filipina Monique Lhuillier (Imagem 1), e o comentário de

uma brasileira na respectiva foto (Imagem 2); em seguida (Imagem 3), visualizamos a

mesma foto do vestido sendo publicada por uma loja de vestidos de noivas de São

Paulo, a White Hall.

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Imagem 3 - Foto de vestido de noiva Monique Lhuillier

postada no Instagram de White Hall Atelier

Fonte: INSTAGRAM, 2015c.

Observamos que as imagens, as lógicas de produção e consumo e as

memórias que se destacam referentes ao casamento e à festa vão atravessando os

diversos espaços da mídia e, neste caso específico, no da Internet. Foram codificadas

novas formas de espaço e tempo, e essa nova formação, esse contato com lógicas de

consumo e práticas culturais distintas, interfere nas formas de consumir dos sujeitos,

bem como nas representações identitárias que ele expõe através das imagens postadas.

Considerações finais

Nossos rituais passeiam pelas imagens; podemos ver o nascimento, os

aniversários, a formatura, o casamento e até a morte de alguém através das imagens,

mas cabe a cada um de nós fazer essa escolha. Quando eu disponibilizo meu perfil no

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Instagram, de fato, eu fiz uma escolha: estar no palco. Mas será que temos realmente

outra escolha? Cairemos no ditado popular “quem é visto, é lembrado”, que se adequa

perfeitamente a nossa sociedade contemporânea. Queremos sim ser lembrados,

eternizados, adorados e as imagens nos ajudam nesse processo, na vontade

inesgotável de passar e ficar, como bem afirmou Roberto DaMatta (2011).

As redes sociais, em especial o Instagram, configuram-se como

estratégias de visibilidade que o sujeito escolhe, ele seleciona o que dizer, que

imagem mostrar; são narrativas memoriais e imagéticas que podem traduzir relações

de consumo, relações sociais e relações culturais, as memórias particulares reclamam

sua própria história, como nos anuncia Nora (1993).

Nossas memórias nos acenam nas janelas das imagens, ora aparecem, ora

somem para nunca mais voltar, ou voltar em breve... quem sabe? O que queremos é

que elas fiquem lá, sempre que preciso para se consultar. Será que podemos com

tantas memórias? Com tantas imagens? São perguntas que ficam no ar, para pensar,

para refletir.

De tantas imagens que concorrem entre si, a memória sobrevive naquelas

que alguma emoção prevalece. O casamento, assim como outros textos das cultura,

alojam-se nas imagens, viram memórias: memórias de consumo, de identidade, de

representações, de distinções, mas, sobretudo, de uma cultura que sobrevive nas

imagens. Morin (2006) nos fala de uma afetividade que favorece à memória, Nunes

(2001) nos apresenta os memes de afeto e Wilson (1945 apud TURNER,) revela que

os rituais expressam aquilo que mais toca os homens; no final, é sempre a emoção que

nos alimenta.

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Imagem 45- Um beijo na idade da pedra. Parque Nacional da Serra da Capivara.

Fonte: GOMES, 2008

Seja nas pinturas rupestres dos primeiros homens, seja nas imagens

contemporâneas, o que queremos é ser representados e eternizados. Queremos

prender aquele momento, queremos passar uma determinada mensagem, desejamos

que um pouco de nós permaneça vivo naquela representação visual. Quando olhamos

as imagens, olhamos nos olhos de alguém que achou aquele momento importante,

envolvendo alguma emoção, que só quem produziu aquela imagem saberá. Mesmo

que se passem mais de 12 mil anos, aquela imagem nos diz algo: que ali habitou um

sentimento; e esse sentimento não bastou em si, precisou ser representado, ser

materializado numa rocha, num papel ou numa tela digital. Nunca saberemos por

completo a intenção de quem criou uma imagem, mas intuiremos que ali existe uma

vontade de memória e que ela poderá ser consumida.

Referências

COLOMBO, Fausto. Os arquivos imperfeitos. São Paulo: Perspectiva, 1991.

DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema

brasileiro. 6. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

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FERREIRA, Jerusa Pires. Tantas memórias. In: NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. A

memória na mídia: a evolução dos memes de afeto. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2001. p.

11-15

FERREIRA, Jerusa Pires. Sobre a festa popular: duas evocações. Anthropológicas, Recife, a.

14, v. 21, n. 1, p. 9-12, 2010.

GOMES, Francisco Edson Mendonça. Um beijo na idade da pedra. Parque Nacional da Serra

da Capivara.Panoramio, 18 de set. 2008. Disponível em:

<http://www.panoramio.com/photo/14214838 >Acesso em: 18 fev.2015

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.

INSTAGRAM. Monique Lhuillier. Disponível em:

<http://instagram.com/p/xRAHO8ubSZ/?modal=true>. Acesso em: 18 jan. 2015a.

INSTAGRAM. Monique Lhuillier:comentários referentes a foto postada no Instagram de

Monique Lhuillier. Disponível em: <http://instagram.com/p/xRAHO8ubSZ/?modal=true>.

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