as idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · a...

23
As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios Kaingang no Norte do Paraná Izomara Ribeiro Rocha Resumo Discute-se aqui as idéias de 29 alunos de 5ª série sobre o processo de ocupação dos territórios indígenas do Paraná e a relevância que esses conhecimentos possuem na organização do processo de ensino e aprendizagem de História. Para tanto, utiliza-se como referenciais pesquisas acadêmicas que enfocam o processo de ocupação das terras indígenas no Norte do Paraná, particularmente, Tommasino e Mota que têm como pressuposto que esses povos possuem particularidades históricas, marcadas por lutas constantes durante o processo de ocupação de seus territórios. Explorou-se a análise de conteúdo, tal como proposta por Moraes, como metodologia para a discussão das informações coletadas nos questionários. A análise permitiu estabelecer algumas relações entre as idéias que os alunos possuem e conceitos produzidos pela historiografia do século passado que não considerava a presença indígena e muito menos os conflitos que ocorreram no processo de “colonização do Paraná”. Palavras chaves: idéias dos alunos, territórios, Kaingang, conflitos. Abstract It was discussed here the ideas of 29 studants of the 5ª grade about the process of ocupation of the indians lands in Parana and the relevance that this events have in the organization of the process of teach and learn of History. However, use as referential academic research that focuses the process of indians lands in Parana North, particularly, Tommasino and Mota that have the assumption that this people have historical particularities, marked by constants fights during the process of ocupation of yours lands. Explored the content analysis, as a propous by Morales, as a motodology for the discuss of informations collected in the questionnaires. The analysis allowed estabilish some relationship between the ideas that the studants have and concepts produced by historiography of last century that don´t considered the indigenous presence and much less the conflits that occurred in the proccess of "Parana colonization". Key-words: studants ideas, lands, Kaingang, conflits. INTRODUÇÃO 1 O interesse em investigar as idéias dos alunos relativa aos Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Paraná 1 Trabalho orientado por Regina Célia Alegro (UEL)

Upload: lamque

Post on 10-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios Kaingang no Norte do Paraná

Izomara Ribeiro Rocha

ResumoDiscute-se aqui as idéias de 29 alunos de 5ª série sobre o processo de ocupação dos territórios indígenas do Paraná e a relevância que esses conhecimentos possuem na organização do processo de ensino e aprendizagem de História. Para tanto, utiliza-se como referenciais pesquisas acadêmicas que enfocam o processo de ocupação das terras indígenas no Norte do Paraná, particularmente, Tommasino e Mota que têm como pressuposto que esses povos possuem particularidades históricas, marcadas por lutas constantes durante o processo de ocupação de seus territórios. Explorou-se a análise de conteúdo, tal como proposta por Moraes, como metodologia para a discussão das informações coletadas nos questionários. A análise permitiu estabelecer algumas relações entre as idéias que os alunos possuem e conceitos produzidos pela historiografia do século passado que não considerava a presença indígena e muito menos os conflitos que ocorreram no processo de “colonização do Paraná”.

Palavras chaves: idéias dos alunos, territórios, Kaingang, conflitos.

AbstractIt was discussed here the ideas of 29 studants of the 5ª grade about the process of ocupation of the indians lands in Parana and the relevance that this events have in the organization of the process of teach and learn of History. However, use as referential academic research that focuses the process of indians lands in Parana North, particularly, Tommasino and Mota that have the assumption that this people have historical particularities, marked by constants fights during the process of ocupation of yours lands. Explored the content analysis, as a propous by Morales, as a motodology for the discuss of informations collected in the questionnaires. The analysis allowed estabilish some relationship between the ideas that the studants have and concepts produced by historiography of last century that don´t considered the indigenous presence and much less the conflits that occurred in the proccess of "Parana colonization".

Key-words: studants ideas, lands, Kaingang, conflits.

INTRODUÇÃO1

O interesse em investigar as idéias dos alunos relativa aos

Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Paraná 1 Trabalho orientado por Regina Célia Alegro (UEL)

Page 2: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

povos indígenas no norte do Paraná e à ocupação das suas terras

surgiu a partir de algumas situações enfrentadas na prática de sala

de aula em que, muitas vezes, a disciplina de História costuma ser

abordada de forma distante da compreensão do aluno.

O referencial bibliográfico consultado para a elaboração desse

estudo veio referendar essa preocupação colocando em evidência a

importância da consideração do “conhecimento prévio” que os alunos

carregam consigo em vista da condução do trabalho em sala de aula

promova uma aprendizagem mais significativa. Siman (2005, p. 351)

explica que, “Em História e em Ciências Sociais, em geral, entende-se

por conhecimentos prévios um conjunto de idéias e modos de pensar

ou raciocinar socialmente construídos”.

Este estudo considera o pressuposto de que os alunos trazem

para a escola uma série de representações formuladas a partir do seu

cotidiano – do contexto que vivenciam e das diversas fontes de

informação a que têm acesso.

Esta abordagem sintoniza-se com as atuais perspectivas que tem animado produções historiográficas e pedagógicas que consideram o sujeito que aprende como sujeito portador de experiências e representações socioculturais e ativo no processo de aprendizagem. Do ponto de vista da educação histórica importa, dentre outras questões, conhecer as representações sociais que orientam as interpretações e ações dos alunos (nas suas mais variadas idades), a fim de torná-lo objeto de problematização e reconstrução (SIMAN, 2005, p. 350).

Estes estudos, de natureza descritiva e, sobretudo qualitativa, têm sugerido que crianças e jovens constróem as suas concepções históricas com base em várias fontes de conhecimento para além da escola, como família, o meio social envolvente e os media e que desenvolvem estratégias cognitivas específicas cuja lógica deve ser entendida pelos professores (BARCA, 2004, p. 387).

Carretero (1997) explica que o conhecimento que se transmite

em qualquer situação de aprendizagem deve ser organizado não

apenas a partir da lógica que lhe é inerente, mas também pela

consideração do conhecimento que o aluno já possui.

2

Page 3: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

Isto é, em qualquer nível educativo, é necessário levar em consideração o que o aluno já sabe sobre o que vamos lhe ensinar, posto que o novo conhecimento se assentará sobre o velho. Com muita freqüência, os professores estruturam os conteúdos do ensino levando em conta exclusivamente o ponto de vista da disciplina, pelo que alguns temas ou questões precedem a outros, como se todos eles tivessem a mesma dificuldade para o aluno (CARRETERO, 1997, p. 15).

O planejamento do conteúdo de História utilizado em sala de

aula não costuma utilizar como critério o que o aluno “já sabe”, quais

conceitos construiu ao longo de sua vivência escolar e social. A

distância entre o conteúdo a ser trabalhado e as idéias das crianças

pode promover a não compreensão de um conceito histórico se

impossibilitar ao aluno a atribuição de sentido e significado para a

nova informação. Ao expor a contribuição de Ausubel afirma que:

Sua colaboração fundamental consistiu na concepção de que a aprendizagem deve ser uma atividade significativa para a pessoa que aprende e tal significação está diretamente relacionada com a existência de relações entre o conhecimento novo e o que o aluno já possui (CARRETERO, 1997, p.16).

A história dos povos indígenas ainda tem ocupado o segundo

plano na historiografia brasileira. Ainda mais limitado é o tratamento

da ocupação de terras indígenas como tema de ensino. A questão da

participação do indígena na história nacional, muitas vezes encontra

seu único espaço na escola, em eventos comemorativos alusivos ao

dia do índio ou então quando a mídia os torna notícia relatando

alguma disputa de terras, ou ainda os vários problemas enfrentados

pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio).

3

Page 4: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

O espaço destinado aos povos indígenas na história nacional

mostra-se igualmente reduzido. A maioria dos livros didáticos de

História do ensino fundamental, muitas vezes utilizados como o

principal recurso didático em sala de aula, costuma ignorar a

população indígena ou limitar-se apenas a citar sua contribuição.

Quando encontramos referências ao tema, observa-se que esses

povos encontram-se ausentes enquanto sujeitos de sua História.

Se compararmos o modo como os livros didáticos tratam a questão indígena com as interpretações dadas pelos colonos e pela historiografia recente, poderemos concluir que os livros didáticos mantém-se distante de ambas as perspectivas. No primeiro caso, a questão da diversidade era central, gerando debates e conflitos, geralmente vinculados aos diversos interesses coloniais. Tal importância é ignorada pelos livros didáticos, que acabam por deixar o nativo em segundo plano nas relações coloniais. No caso da historiografia há uma preocupação tanto com a visão do nativo como com a do colono acerca da colonização, onde é identificado um convívio não pacífico, mas intenso entre eles. Destacam-se assim as diferenças culturais e o entendimento que ambos tinham um do outro, questão apontada por alguns livros didáticos, mas que não é desenvolvida. Além disso, privilegia-se a visão européia acerca da conquista, tendo em vista que até mesmo as imagens utilizadas nestes livros teriam sido produzidas por europeus (MAGALHÃES, 2000, p. 84 e 85).

Existe ainda hoje uma tendência nas escolas em privilegiar

apenas alguns aspectos da cultura indígena na sua materialidade sem

destacar os significados atribuidos em diferentes contextos. Assim, o

que é intitulado como "herança cultural" reduz-se a listas de palavras,

comidas, remédios, deuses, etc. Uma rápida olhada nos livros

didáticos de História permite sugerir que o índio ocupa um lugar

muito restrito e marginal na sociedade brasileira desde o processo de

colonização. Bittencourt, ao analisá-los, considera que:

(...) o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas como família, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa (BITTENCOURT 2005, p.

4

Page 5: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

72).

No quadro até aqui exposto, o estudo aqui relatado possui

como objetivo principal conhecer o que pensam os alunos de 5ª série

sobre o processo de ocupação das terras que pertenciam aos povos

indígenas que habitam o norte do Paraná. A partir da identificação

dessas idéias propõe-se uma reflexão que, espera-se, possa contribuir

para que o estudo da ocupação das suas terras favoreça a

compreensão desses enquanto povos expropriados de suas terras

durante o avanço capitalista.

A investigação dos conhecimentos dos alunos poderá indicar –

ou não – a presença de conceitos relacionados às recentes

contribuições acadêmicas que utilizam como perspectiva o registro do

processo de ocupação dos territórios indígenas em meio a lutas e

resistências.

Desvendar as idéias que os alunos possuem sobre

determinado tema, pode permitir ao professor conquistar uma maior

autonomia enquanto profissional, no sentido de assumir

constantemente uma prática reflexiva no direcionamento do seu

trabalho. Este conhecimento pode vir a fornecer subsídios para a

compreensão de problemas que envolvem o ensino e os seus

objetivos. Conhecer os alunos e organizar o ensino a partir deles é,

principalmente, entender o que estão pensando e como constroem

seus conhecimentos (já que a ação escolar tem como foco central o

conhecimento).

A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná

Os povos indígenas foram objeto de curiosidade para

viajantes, cientistas e aventureiros que percorreram as terras

paranaenses dede o século XVIII. Esse interesse foi registrado em

relatos que procuravam descrever o modo de vida desses povos. Em

algumas dessas obras é possível encontrar referências sobre os

conflitos que ocorreram durante processo de ocupação das terras

5

Page 6: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

que pertenciam aos povos indígenas.

Saint-Hilare em sua narrativa sobre a viagem que fez pelas

terras do atual Estado do Paraná, em 1820, descreve confrontos com

“índios inimigos”:

O coronel queixava-se da vizinhança dos índios inimigos, que, por vezes, atacavam as casas dos paulistas. (...) Recentemente, haviam êles invadido os campos de propriedade do coronel, tendo morto alguns cavalos e comido a carne, o que nunca tinham feito até então. Poucos dias antes de minha chegada a Jaguariaíba, foram vistos a rondar pela vizinhança da casa e o coronel, imediatamente, ordenou a vinda de alguns soldados, a fim de persegui-los. Estava eu apenas algumas horas na fazenda, quando chegaram oito homens, a cavalo, bem armados, prontos a marchar no dia seguinte contra o inimigo. Alguns dêsses soldados já haviam tomado parte nessa espécie de caçada e deram-me minuciosas informações acêrca do modo como ela se realizava. Procuravam com cuidado o rasto dos índios e, descoberto, seguiam-no até encontrar o acampamento; arremessavam-se inesperadamente contra os selvagens; os homens fugiam sem se defender, logo que ouviam os primeiros tiros de fuzil, e, então, os atacantes apoderavam-se das mulheres e das crianças. Como os índios, esperando vingar-se, iam, ordinàriamente, pôr-se de emboscada no caminho pelo qual os brancos haviam passado, êstes, a fim de evitá-los, regressavam por outro atalho (SAINT-HILAIRE, 1964, p. 45-46)

O engenheiro inglês Bigg-Whiter também descreveu

minunciosamente suas andanças pelas terras paranaenses de 1872 a

1875. Os depoimentos revelam um Paraná cheio de florestas e

animais ferozes com perigos a serem vencidos, dentre eles os

“índios”:

A história do último ataque me foi assim contada pelo feitor:Um dia, o pai do atual dono – já tinha morrido o avô nessa ocasião – estava trabalhando com seus escravos em uma das roças, acompanhado de seu pequeno filho Manuel, sem suspeitar do perigo, quando de súbito os índios começaram a atacar da floresta. Fugir sem lutar era impossível, pois os índios os tinham cercado. Protegidos pelo mato, eles atiravam setas de todos os lados. O pequeno Manuel brincava num monte de espigas de milho, tiradas naquele dia, ignorando o risco que corria. Dado o primeiro alarme, o pai às

6

Page 7: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

pressas o escondeu sob as espigas frescas, dizendo-lhes que os índios alí estavam e que ele ficasse quieto, sem se mover, para ele poder sair lutando com os doze escravos que estavam consigo. Conseguiram chegar à Fortaleza como a perda de um ou dois dos seus. Reforçados com grande número de “negros”, voltaram a toda pressa para a roça, onde o pai nutria poucas esperanças de encontrar o filho. Os índios não a descobriram, porque ela obedecera às determinações paternas, não se mexendo ou fazendo qualquer ruído que denunciasse sua presença (BIGG-WITHER, 1974, p. 406).

Bigg-Whiter registra o medo que os Kaingang, conhecidos

também como coroados, causavam na população:

Quando, entretanto, meu companheiro começou a falar dos índios coroados, foi fácil descobrir um tom de respeito, senão de medo absoluto, em sua voz. Narrou-me uma luta em que ele, com alguns brasileiros e outros membros de sua própria tribo, tiveram com os coroados, em que até as mulheres destes últimos tomaram parte (BIGG-WITHER, 1974, p. 325).

Outro exemplo: Telêmaco Borba na obra “Actualidade

Indígena”, publicada em 1908, traz uma coletânea de aspectos

culturais e sociais encontrados nos povos Kaingang, Gayguas e

Guaranis. Ele conviveu com os Kaingang na condição de

admnistrador do aldeamento de São Jerônimo, em 1865. Em seus

relatos os Kaingang são descritos a partir de suas características

morais, aspectos físicos, habitação, utensílios, armas, ornamentos,

agricultura, alimentação, medicina, religião, etc. Especificamente a

respeito da conquista dos territórios que pertenciam aos povos

indígenas, o autor relata que houve resitência por parte dos

Kaingang, manifestadas por intermédio de lutas ataques:

Quizeram oppor-se ao povoamento de Guarapuava, que atavaram no principio; mas foram vencidos, dizem elles, em um grande combate onde perderam muita gente; depois desse desbarato continuaram seo velho systema de sorprehender traiçoeiramente, tanto os desprevinidos habitantes dos campos de Palmas e Guarapuava, como aos descuidados tropeiros; mas, neste seo modo de proceder, de vez em quando, sofriam grandes revezes, e as vezes represalias por parte dos habitantes daquellas regiões, coadjuvados pelos caciques Condá e Viry, eram sempre funestas

7

Page 8: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

(BORBA, 1908. p. 5).

Em seus relatos, Borba (1908, p. 129), registra que “Os

Kaingang, mostraram-se sempre inimigos dos brancos, assaltando-os

traiçoeiramente e trucidando-os em suas vivendas, roças e pelas

estradas”. Estas considerações permitem observar o ponto de vista

implícito do “civilizado”, segundo qual os brancos eram “assaltados

traiçoeiramente” pelos indígenas. Não está presente em relatos dessa

natureza, o contexto em que ocorreram as agressões, ou seja, que

estavam relacionadas a estratégias para proteger e impedir que o

branco dominasse seus territórios.

De modo geral, os autores citados permitem o

reconhecimento da presença indígena nas terras hoje denominadas

Paraná e as situações de conflitos decorrentes do processo de

ocupação dos seus territórios. Entretanto, outros autores ao retomar

o tema mais recentemente ressaltam que esses conflitos ocorridos na

disputa pelos territórios, e mesmo a presença de povos indígenas,

foram praticamente apagados da história oficial do Paraná, criando

entre outras, a idéia de um vazio demográfico ocupado

pacificamente, sem resistências.

Dentre os recentes trabalhos que buscam novas leituras sobre a

ocupação das terras paranaenses colocando em evidência o processo

de lutas e resistências na conquista das terras ocupadas por povos

indígenas no Paraná, destaca-se aqui as contribuições de autores

como Tommasino (1995; 2005) e Motta (1994; 1997; 2000; 2004).

O trabalho desses autores procura registrar as experiências

históricas dos povos indígenas do Norte do Paraná, dando voz aos

que foram anteriormente ignorados pela historiografia enquanto

sujeitos capazes de contarem seus feitos e realizações.

Neste sentido, a pesquisa de Tommasino (1995), tornou-se

uma das principais referências sobre os povos indígenas do Norte do

Paraná por reconstituir a História desses povos. Para a autora:

Uma das nossas preocupações desde o início da pesquisa foi definir uma abordagem que melhor

8

Page 9: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

permitisse uma compreensão interna da realidade Kaingang e a opção em ouvir o que eles pensam e fazem tornou-se fundamental (TOMMASINO, 1995, p.19).

A antropóloga elabora a reconstituição da história dos povos

Kaingang desde a sua conquista, e sua vida como povo tutelado até o

presente:

Nossa preocupação, portanto, é dupla: de um lado reconstituir a história indígena deste século utilizando esses documentos e os dados da pesquisa de campo e, de outro, apresentar uma nova versão dessa história, versão esta partindo da interpretação fornecida pelos depoimentos indígenas. Esse olhar a partir “de dentro” tem a vantagem de desmistificar a visão dos pioneiros paranaenses e ao mesmo tempo revelar os aspectos ocultados ou distorcidos pela história oficial (TOMMASINO, 1995, p.141).

Outro estudo relacionado à questão da ocupação das terras

que pertenciam aos povos indígenas no Paraná foi realizado por Mota

(1994), que procura debater os caminhos percorridos pelos povos

indígenas na sua luta pela terra e pela manutenção de sua cultura. O

autor faz um estudo sobre a ocupação dos territórios da bacia do rio

Tibagi no Paraná por populações indígenas que historicamente

defenderam dos invasores as suas matas, campos e rios. Esse estudo

trata da “guerra de conquista” movida contra essas populações e

seus territórios pelos brancos, europeus e nacionais, até o século XIX.

Mota desmestifica a idéia elaborada pela ótica colonialista de que a

houve um processo harmonioso e pacífico na conquista dos territórios

ocupados por comunidades indígenas.

Os choques contra os brancos, tribos inimigas e colaboracionistas foram uma constante na vida dos Kaingang desde o século XVIII. Nessa relação conflituosa, criaram técnicas de combate, refinaram táticas de luta, aperfeiçoaram formas de atacar e de manter o inimigo sobre pressão, enfim, desenvolveram uma tecnologia de guerra, de guerrilhas, de emboscadas e ataques capaz de fazer frente a um inimigo muito superior a eles (MOTA, 1994, p. 93).

Tomando-se como referência as contribuições do autor é

possível afirmar que os espaços que hoje compõem o Paraná foram

9

Page 10: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

espaços pertencentes a comunidades indígenas, dentre elas, os

Kaingang. Esses povos possuem particularidades na luta pela

preservação de seus territórios que foram defendidos com ataques

permanentes por parte dos indígenas às vilas e fazendas que

começaram a ocupar seus campos:

Os índios Kaingang reagiram às forças invasoras de seus territórios através do combate direto, das emboscadas, dos ataques a fazendas utilizando-se das armas de que dispunham:

Embora presentes nos relatos de Bigg-Whiter, Saint-Hilare e

Telêmaco Borba, no final do século XIX e início do século XX, os povos

indígenas são praticamente ignorados pela historiografia relativa ao

processo de colonização do norte do Paraná. Neste contexto, os

territórios passam a ser projetados como um espaço vazio,

improdutivo, pronto para ser ocupado pela ecomomia nacional.

Os agentes dessa projeção são vários: a história oficial das companhias colonizadoras; as falas governamentais e sua incorporação nos escritos que fazem apologia dessa colonização exaltando seu pioneirismo; os geógrafos que escreveram sobre a ocupação nas décadas de 30 a 50 do século XX; a historiografia sobre o Paraná produzida nas universidades e, por fim, os livros didáticos, que são uma síntese das três fontes, repetindo para milhares de estudantes do Estado a idéia da região como um imenso vazio demográfico, até o início da década de 30 deste século, quando começa então a ser colonizada (MOTA, 1994, p. 9-10).

O pressuposto de que as terras que eram ocupadas pelos

povos indígenas faziam parte de um imenso “vazio demográfico”

passou a ser reproduzido nos meios acadêmicos e consequentemente

nos livros didáticos e na escola.

Poderíamos continuar mostarando como a idéia do vazio demográfico é uma presença constante nos trabalhos acadêmicos sobre a sociedade paranaense, aparecendo ora como terras devolutas, ora como sertão desabitado, ou outras variadas formas de expressão. Essas formulações passam a ser reproduzidas nas escolas, em livros didáticos ou trabalhos acadêmicos, passando a ser aceitas como pressuposto que acaba

10

Page 11: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

de retirar da história social paranaense a presença que resistiu e continua resistindo, das mais diversas formas, à ocupação de suas terras e à sua destruição enquanto comunidade diferenciada da sociedade nacional (MOTA, 1994, p. 42-43).

A difusão da idéia do “vazio demográfico”, acaba por

ignorar a presença indígena no Paraná. Como conseqüência, a

história oficial acaba por suprimir dos seus registros todo o processo

relacionado às invasões, a exploração, os conflitos e a resistência

indígena.

Cria-se o vazio demográfico a ser ocupado pela colonização pioneira. Vazio criado pela expulsão ou eliminação das populações indígenas que, desse modo são colocadas à margem da história (MOTA, 1994, p.15).

A investigação referida nesse artigo tomou como referência

as considerações de Mota e Tommasino sobre a reprodução na

história oficial do Paraná de idéias relacionadas ao “vazio

demográfico” e à conquista das terras indígenas como um processo

harmonioso e pacífico. O objetivo principal é identificar se esses

conceitos encontram-se presentes nas idéias dos alunos, ou se

esse conhecimento se aproxima mais de uma perspectiva renovada

que enfoca o processo de ocupação das terras indígenas como

intensa disputa.

É preciso registrar que durante o processo de colonização

viviam no norte do Paraná os Guaranis, Kaingangs, Xetás ou

Xoklengs.

A ocupação dos territórios Kaingang foi o recorte escolhido

como referência nesse estudo em detrimento da História de outros

povos indígenas que igualmente ocuparam as terras que hoje

denominamos Paraná. Essa opção se deve às limitações impostas

pela diversidade cultural desses povos, pelas especificidades

encontradas na luta dos Kaingang na preservação dos seus territórios

e pelo impossibilidade de contemplar tanta diversidade num curto

11

Page 12: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

tempo.

DESENVOLVIMENTO

A pesquisa aqui relatada foi desenvolvida junto a uma turma

de 5ª série com vinte e nove alunos matriculados2, em um colégio da

rede pública de ensino no município de Cambé, norte do Estado do

Paraná. A escola localiza-se na região central do município,

atendendo também a população de cinco bairros localizados na

periferia da cidade.

Devido à quantidade de informações contidas nas respostas

do questionário aplicado, optou-se por relacionar nesse artigo apenas

as idéias dos alunos acerca da ocupação das terras habitadas pelos

povos Kaingang, para indicar, possivelmente, a quais perspectivas

historiográficas se aproximam as respostas das crianças.

O instrumento utilizado para coletar as idéias dos alunos foi

um questionário, com questões abertas. Quanto aos procedimentos

metodológicos para análise das respostas, utilizou-se a análise de

conteúdo conforme proposta por Rocha e Deusdará (2005)3. A

execução da técnica prevê que, primeiramente, o pesquisador realize

uma leitura preliminar das respostas dos alunos que os autores

denominam de “leitura flutuante”:

A partir dessa primeira leitura, o pesquisador pode transformar suas inituições em hipóteses a serem validadas ou não pelas etapas consecutivas. Das hipóteses formuladas é possível extrair critérios de classificação dos resultados obtidos em categorias de significação (ROCHA e DEUSDARÁ, 2005, p. 313).

Com a classificação dos resultados obtidos em categorias de

significação, torna-se possível realizar o cruzamento das freqüências

observadas e apresentar algumas conclusões.

Para a classificação dos dados relacionados às idéias dos

alunos utilizou-se como referência pesquisas acadêmicas mais

2 Dois alunos não responderam ao questionário por não se encontrarem no dia da realização do mesmo.3 A análise de conteúdo é uma técnica sistematizada por Bardan em obra já clássica (1977) e é bastante utilizada na análise textual.

12

Page 13: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

recentes que privilegiam o processo de ocupação das terras que

pertenciam aos povos indígenas considerando que esses povos

possuem particularidades históricas, marcadas por lutas constantes

durante o processo de ocupação de suas terras e nas conquistas

relacionadas à preservação de sua identidade cultural.

AS IDÉIAS DOS ALUNOS SOBRE A OCUPAÇÃO DOS TERRITÓRIOS QUE PERTENCIAM AOS POVOS KAINGANG

Aos alunos foi perguntado, se reconheciam a existência de

pessoas habitando as terras do Paraná antes da chamada

“colonização”. O primeiro dado que chamou a atenção nas respostas

dos alunos, foi o fato da grande maioria não conhecer os Kaingang.

Dos vinte e sete alunos que responderam ao questionário, a

denominação “Kaingang” é encontrada apenas em uma resposta. Do

total de respostas, 80% dos alunos reconheceram “os índios” como

sendo os primeiros habitantes dessas terras4.

Sim poucos mas tinha sim gentes, os índios que moravam nessa terra (9)

Sim quem morava aqui antes de nos dominarmos o norte do Paraná eram os índios (12)

Sim moravam gentes antes dos portugueses, eram os índios que moravam aqui antes de todos, e eram eles que cuidavam do Brasil e de todos os estados (13)

A partir das idéias dos alunos pode-se destacar que os povos

indígenas aparecem conceituados de forma genérica enquanto

“índios”. Em praticamente todas as respostas, as idéias sobre o

“índio” fazem referência à colonização portuguesa do Brasil e não

propriamente a colonização do Paraná. Como fica indicado na

resposta descrita acima: “(...) moravam gentes antes dos

portugueses, eram os índios”.

Mesmo não sendo objetivo da investigação decorrer sobre esta

questão, cabe salientar que, uma idéia muito constante nas repostas

4 Os números entre parênteses correspondem à numeração dos questionários.

13

Page 14: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

dos alunos é o fato de não perceberem a existência de contextos

distintos entre a colonização do Brasil e do Paraná. Para eles, no

mesmo período em que os portugueses iniciaram a colonização no

Brasil, iniciou-se também a do Paraná, com as mesmas

características.

Os alunos reconhecem “o índio” de forma genérica, como

habitante destas terras, entretanto, quando as questões se

relacionam à ocupação das terras, os alunos indicam “o nosso povo”

como sendo os legítimos proprietários destes territórios.

Os indígenas ocupavam a terra do nosso povo e quando os povos vieram para o Paraná eles tiveram que ir embora (14)

Teve que ir para a terra deles, porque os imigrantes não queriam que os povos ficassem morando com eles (4)

Eles estavam dominando a terra enquanto o imigrante viesse (1)

Para os alunos, os povos indígenas estão colocados enquanto

simples ocupantes de uma terra que pertence ao “nosso povo”, nesse

caso para designar o diferente, “o civilizado”. Esta idéia parece

coincidir com a perspectiva de Mota (1994), discutida anteriormente,

de que a historiografia do Paraná foi responsável por muito tempo,

pela disseminação de idéias que excluíam os povos indígenas da sua

condição de legítimos proprietários das terras.

Sobre a questão do processo de ocupação dos territórios que

eram habitados pelos povos indígenas a maioria dos alunos

entrevistados não menciona a existência de conflitos.

Os povos que ocupavam as terras do norte do Paraná, não estranharam os outros povos (19)

Eles tentaram se ententder um com os outros (4)

Eles continuou nas terras que viviam (20)

Essas respostas podem indicar que como durante muito

tempo a historiografia do Paraná não mencionou a existência dos

14

Page 15: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

conflitos originários da diputa pelos territórios indígenas,

provavemente as idéias de um processo harmonioso e pacífico de

conquista ainda permaneça como perspectiva de história oficial para

as crianças.

Mota (1994), ao resgatar a História de lutas e resistências dos

povos Kaingang, afirma que o choque entre brancos, tribos inimigas e

colaboracionistas, foram constantes durante a ocupação de suas

terras.

A conquista dos territórios Kaingang foi feita em meio a reação permantente dos índios às vilas que brotavam em suas terras, às fazendas implantadas em seus campos, aos viajantes, tropeiros, comerciantes e aventureiros que cruzavam suas matas e campinas, às patrulhas da guarda nacional e provincial que percorriam suas terras e as tribos colaboraconistas que insistiam em indicar suas posições para persegui-los (MOTA, 1994, p. 93).

Em relação a chegada de outros povos, a maioria dos alunos

assinala que “não estranharam, tentaram se entender,

continuaram”, afirmações que confirmam o pressuposto de que tudo

se resolveu sem confrontos, nem disputas:

Eles as vezes tramavam guerra para dominar as terras que estavam sem dono (13)

Teve uma guerra e os índios que moravam antes, teve que ir embora e daí virou cidade (9)

Antigamente os povos que ocupavam as terras eram muito ricos e por isso os povos que já viviam lá tinham que sair (26)

Observa-se nessas explicações que algumas crianças

identificam que o processo de ocupação das terras paranaenses

envolveu guerras e conflitos. Entretanto, essas guerras são

justificadas com a premissa de que serviram para “dominar terras

que estavam sem dono”. Esse dado torna evidente que nas idéias dos

alunos as terras não pertenciam aos povos indígenas. Quando eles

admitem a presença indígena, colocam que sua saída das terras foi

necessária para que que o Paraná conseguisse se desenvolver, pois

15

Page 16: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

“daí virou cidade”, ou mesmo que os outros povos “eram muitos

ricos” e por isso tiveram que sair.

Quando questionados acerca do que aconteceu com os povos

que habitavam o norte do Paraná, uma grande parte das respostas

estão relacionadas a uma melhoria nas condições de vida oriundas do

desenvolvimento que os “pioneiros” trouxeram. Exemplificam

melhoras substanciais no padrão de alimentação, moradia e que isso

propiciou evolução, ou como escreveram: “estão mais evoluentes”,

para designar que o contato proporcionou uma “evolução” para os

povos indígenas.

Que vivem agora na cidade. Não caçam mais, compram as coisas com dinheiro. Que estão mais evoluentes como os povos das cidades (7).

Está muito melhor porque não tem mais guerras para dominar as terras. E com a comida para eles agora é mais fácil, e eles agora sabem o que é dinheiro para facilitar a vida (12)

Eu acho que eles vivem muito melhor que antigamente, pois eles não precisa mais sair para caçar e sim sair para comprar (26)

A noção de “evolução” e de “desenvolvimento” implícitas

quando os alunos colocam que “até sabem o que é dinheiro”, ou,

“não precisa mais sair para caçar e sim sair para comprar”, parece

estar associada aos resquícios de antiga historiografia centrada na

supremacia do branco como constituinte da identidade nacional

brasileira e transmitida no livro didático sob o conceito articulador

“desenvolvimento”, como é apontado por Mota:

Esses textos didáticos assinalam alguns pontos diluidores das contradições do fazer-se do norte do Paraná. O conceito que aparece em quase todos eles é o de “desenvolvimento”. A ocupação nos anos 30/40 é retratada nos manuais de 50/60 como a grande epopéia pioneira de desbravamento do sertão rumo a um futuro grandioso. O desenvolvimentismo dos anos 50 se faz presente nas brochuras dos anos 70/80 (MOTA, 1994, p. 47-48).

Parece que as idéias que sustentam o discurso sobre o “futuro

16

Page 17: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

grandioso” nas décadas de 50/60 continuam ainda sendo veiculadas

e favorecem nos alunos a noção de melhorias advindas da civilização

para os povos indígenas. Tommasino, igualmente ressalta que os

livros didáticos foram responsáveis pela reprodução do conceito de

avanço do “progresso da civilização”, durante a ocupação do Paraná:

Por outro lado, nos livros didáticos, ao reconstituírem o processo do ponto de vista do civilizado, os autores apresentam gráficos e mapas que reproduzem conjunturas demonstrativas do crescimento da mancha de ocupação do Paraná pela população nacional, das cidades, estradas e ferrovias, evidenciando o avanço do “progresso da civilização (TOMMASINO, 1995, p.138).

Quando questionados sobre como vivem os povos indígenas

atualmente, grande parte dos alunos descreve que hoje esses povos

vivem bem melhor do que antes em vários aspectos, como os

relacionados a padrões de vestimenta, moradia e trabalho.

Acho que hoje vivem bem melhor do que antes, pois já usam roupas adequadas (27)

Moram em casa e não em ocas e tendo energia elétrica (7)

Sim eles falam que a cidade é melhor eles fazem faculdade. Os índios que já veio já são mais espertos (22)

Nas respostas das crianças fica indicado que o

desenvolvimento da região, trouxe melhoramentos na vida dos povos

índígenas. Mais uma vez, além do preconceito contra os indígenas,

pode-se observar que as idéias de desenvolvimento, melhoria nas

condições de vida, servem para ocultar as contradições e os conflitos

que existiram neste processo.

O desenvolvimento e o pioneirismo cumprem assim, no plano ideológico, o papel diluído/ocultador das contradições e dos convflitos existentes durante a ocupação dessa nova área de expansão do capitalismo, o norte do Paraná (MOTA, 1994 p. 48).

17

Page 18: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

Para grande parte das crianças, quando os colonizadores

chegaram os indígenas simplesmente “sumiram” das terras que

ocupavam. Tommasino (1995) afirma que a historiografia oficial

“esvaziou” as terras habitadas pelos povos indígenas.

A presença indígena está negada porque a história oficial é a da sociedade ocidental. Reconhecer a presença das sociedades indígenas representaria o reconhecimento dessas nações. Portanto os mapas expressam essa operação de “apagamento” dos índios ao mesmo tempo que expressam a evidência da presença da população ocidental (TOMMASINO, 1995, p.139).

As opiniões dos alunos acerca do ocorrido aos povos indígenas

após a chegada dos colonizadores, confirmam essas considerações

sobre o desaparecimento desses povos na história oficial.

Eu acho que eles sumiram (27)

Foram para outro lugar, estado ou até país. Porque os imigrantes não se deram bem com os índios (5)

Eles foram embora depois que os imigrantes vão. Porque eles ficaram com medo e foram embora. Eu acho que demoraram para voltar ou nunca mais voltou (11)

O desaparecimento dos povos indígenas o processo de

ocupação fica destacado em respostas como ”foram embora”, ou

mesmo, “foram para outro lugar”. De certa forma, como afirma

Tommasino (1997), a historiografia não revelou o que aconteceu com

os antigos moradores do norte do Paraná que ocupavam essas terras

antes das companhias colonizadoras. Assim, os alunos respondem

com vagas justificativas porque realmente desconhecem a trajetória

de conflitos e resitências desses povos.

No século XX, como vimos, a historiografia apresenta o Estado do Paraná com totalmente despovoado, como um sertão virgem a ser desbravado pelo colonizador, principalmente o imigrante europeu. Nada se diz sobre o que aconteceu com os índios (TOMMASINO, 1995, p.140).

Pode-se também constatar que respostas como “sumiram”,

18

Page 19: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

possam estar relacionadas com a idéia muito difundida de vazio

demográfico que Mota (1994), afirma ser uma presença constante

nos trabalhos acadêmicos sobre a sociedade paranaense. Quando os

alunos afirmam que povos indígenas “sumiram”, é porque, de certo

modo, ficaram à margem da historiografia do Paraná. O espaço que

ocupavam vai constituir o “vazio demográfico”, aqueles territórios

totalmente despovoados e portanto, prontos para serem ocupados

pelos colonizadores. Tommasino também faz referência à noção do

vazio demográfico enquanto matriz teórica difundida nas academias.

A matriz teórica da academia sobre o território do Paraná, dos anos 60 em diante, é a do vazio demográfico. Todos partem da noção do vazio demográfico quando as frentes pioneiras começam a atingir a região norte do Estado. Na verdade, os historioradores profissionais acabam por assumir a discussão produzida pelo historiador da pequena cidade, do poeta local e so próprios promotores da colonização (TOMMASINO, 1995, p.140).

Algumas considerações sobre as idéias das crianças

Os resultados da análise de conteúdo das respostas dos

alunos, ancorada nas pesquisas de Mota e Tommasino, indicam que

conceitos produzidos pelos autores na historiografia do século

passado ainda circulam no ensino de História local e permanecem –

adquirindo forma própria – nas idéias dos participantes da pesquisa.

Os alunos reconhecem os povos indígenas como sendo os

primeiros habitantes do Paraná, entretanto não expressam idéias que

demonstrem serem eles os verdadeiros e primeiros possuidores

dessas terras. Ainda em relação à ocupação de seus territórios, as

respostas convergem para uma conquista harmoniosa e pacífica,

posição que vem confirmar que não possuem informações sobre a

existência de conflitos neste processo.

Outro conceito que parece permanecer nas idéias dos alunos

é o de “vazio demográfico”, relacionado aos territórios paranaenses

no contexto da colonização. A grande maioria indica que esse povo

praticamente “sumiu”, com a chegada dos colonizadores. Essa idéia,

19

Page 20: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

forjada pela historiografia, de que o Paraná era constituído de

imensas áreas despovoadas – os sertões, serviu para justificar a

ocupação dos territórios indígenas e continua presente justificando

moralmente essa ocupação.

As recentes contribuições acadêmicas no sentido de registrar

a memória dos povos indígenas sobre o processo de ocupação de

suas terras, suas lutas e resistências, parecem não ser utilizadas nas

escolas como referencial para o estudo da História do Paraná.

Mesmo não sendo objetivo do presente artigo, cabe salientar

que, uma caacterística muito constante nas repostas dos alunos é

não perceberem a existência de contextos distintos entre a

colonização do Brasil e do Paraná. Para eles, os portugueses iniciaram

a colonização no Brasil em todas as regiões ao mesmo tempo, é um

acontecimento único.

Refletindo sobre a questão apontada no início do trabalho de

que muitas vezes os conteúdos de História permanecem distantes da

compreensão do aluno, observa-se a importância de se conhecer as

idéias das crianças em vista do planejamento do ensino. Se aprender

é atribuir sentido e significado e isso ocorre a partir dos

conhecimentos já elaborados pelo aluno (ele não é uma tabula rasa),

esse estudo permite sugerir que ao iniciar o estudo sobre a história

dos povos indígenas do Paraná, o professor necessita conhecer os

conceitos que orientam a sua ação (quais as bases historiográficas

nas quais se amparam o seu discurso). Necessita ainda conhecer as

idéias elaboradas pelos alunos para poder confrontá-las com outras

perspectivas. O planejamento do trabalho pode utilizar com

referência este dado e assim partir exatamente da compreensão que

as crianças já possuem, para a construção de um conhecimento

mais elaborado.

Ainda, é possível inferir que se forem ignoradas as idéias

prévias dos alunos, esses poderão apreender os novos conteúdos

ensinados a partir de conceitos e idéias articuladores já presente na

sua estrutura de conhecimentos. E assim, novas aprendizagens em

20

Page 21: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

vez de provocar mudanças, poderão se constituir em reforço para

antigos preconceitos.

A escola não pode esquivar-se do seu papel: oferecer às novas

gerações fundamentos que se constituem como princípios a partir dos

quais o cidadão lerá as informações que circulam no seu grupo social,

na mídia, etc. Não deixar claro para as crianças as contradições

presentes nas suas idéias, a diferença entre elas e outras que

circulam na sociedade (como aquelas propostas por pesquisas

recentes) pode comprometer projetos de cidadania plena e favorecer

interesses de “maiorias” autoritárias.

Esta parece ser uma indicação útil aos professores para que o

ensino venha a tornar-se mais significativo sobre os povos indígenas

ou mesmo sobre sobre a História do Paraná.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos nesse estudo vieram referendar a

preocupação inicial do trabalho sobre a importância de se conhecer

as idéias que os alunos possuem a respeito de determinado tema, no

caso dessa pesquisa, acerca dos povos indígenas, antes de iniciar o

trabalho com qualquer tema ou conteúdo em sala de aula.

Crianças e jovens constroem representações que devem

tornar-se conhecidas pelo professor em sua tarefa docente para que

não corra o risco de tratar o aluno como uma “página em branco”,

que não possui um conhecimento prévio a ser considerado. As

respostas dos alunos ao questionário demonstraram que eles

formulam hipóteses, pensam sobre os problemas que os cercam,

estabelecem relações em um processo muito dinâmico, e, sobretudo,

aprendem. Estão inseridos em contextos com diferentes fontes de

informações, muitas vezes diferentes daquelas oferecidas pela

escola, mas é justamente nesse espaço que suas idéias merecem ser

consideradas.

Ainda, seria possível ao professor no seu agitado dia-a-dia

fazer a análise de conteúdo das falas dos seus alunos para dialogar

21

Page 22: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

(trocar significados) com eles durante a aula? Acredita-se que sim, se

o professor o fizer ao início do ano letivo ou ao início de um tema

mais abrangente, e se limitar o número de perguntas – no máximo

duas ou três –, bem focadas, de modo a tornar possível a atividade de

análise no tempo disponível. Nesse caso, as experiências têm

mostrado que as categorias encontradas na análise devem ser

apresentadas aos alunos em sala de aula para que vendo a

diversidade de interpretações e observando as próprias contradições

em relação às demais (inclusive aquela oferecida pelo professor e o

pelo material didático) possa ser orientado a novas elaborações.

Coloca-se aqui a necessidade de estudos e projetos que

tenham o objetivo de socializar para professores e alunos o

conhecimento produzido nas academias. A escola carece de materiais

didáticos e para-didáticos organizados a partir das pesquisas mais

recentes e inovadoras que contemplem um “outro olhar” para

questões como o processo de ocupação das terras que pertenciam

aos povos indígenas, e ao mesmo tempo, que favoreçam aos

estudantes o desenvolvimento de uma consciência histórica

caracterizada pelo reconhecimento e respeito ao múltiplo na memória

nacional.

Bibliografia consultada

BARCA, Isabel. Os jovens portugueses: idéias em História. In: Perspectiva. Florianópolis. v.22, n.2, p.381-403, dez 2004.

BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional: A província do Paraná. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.

BORBA, Telêmaco. Actualidade Indígena. Curitiba, Typ. e Lith. A vapor impressora paranaense, 1908.

CARRETERO, M. Construir e ensinar as Ciências Sociais e a História. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

CARRETERO, M.. Construtivismo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

22

Page 23: As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná Os povos indígenas foram

MOTA, Lúcio Tadeu. A Guerra de Conquista nos Territórios dos Índios Kaingang do Tibagi. In: Revista de História Regional. Ponta Grossa, Vol. 2. nº. 1, p. 187 – 207, 1997.

MOTA, Lúcio Tadeu. (Org.). As cidades e os povos indígenas: mitologias e visões. Maringá: Eduem, 2000.

MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos índios Kaingang: a história épica dos índios Kaingang no Paraná (1769-1924). Maringá: EDUEM, 1994.

MOTA, Lucio Tadeu; NOELLI, Francisco Silva; (Orgs.). Novas Contribuições aos estudos interdisciplinares dos Kaingang. Londrina: UEL,2004.

MOURA, Mayra Patrícia. Desenvolvimento do Pensamento: um estudo sobre a formação dos conceitos com jovens e adultos em processo de escolarização. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. 2000.

OLIVEIRA, Ricardo Costa de (org.) A construção do Paraná moderno: políticos e política no governo do Paraná de 1930 a 1980. Curitiba: SETI, 2004.

ROCHA, Décio; DEUSDARÁ, Bruno. Análise de conteúdo e Análise de discurso: aproximações e afastamentos na re(construção) de uma trajetória. Alea. volume 7, número 2, julho - dezembro 2005. p. 305-322

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 1964.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Investigar em ensino da história. In: Seminário de Pós-graduação em educação. Paraná, 2003. Paraná: Universidade Federal do Paraná, 2003. Relatório de Pesquisa.

SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.

SIMAN, Lana Mara de Castro. Representações e memórias sociais compartilhadas: Desafios para os processos de ensino e aprendizagem da História. Caderno Cedes, Campinas, v. 25, n. 67, p. 348-364, set./dez., 2005.

TOMMASINO, Kimiye. A História dos Kaingáng da bacia do Tibagi: Uma sociedade Jê Meridional em movimento. Tese (Doutorado em Antropologia) - Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 1995.

TOMMASINO, Kimiye. Algumas considerações acerca das exposições proferidas pelos representantes dos povos indígenas no simpósio ”As cidades e os povos indígenas: mitologias e visões”. In: MOTTA, Lúcio Tadeu (org.). As cidades e os povos indígenas: mitologia e visões. Maringá: EDUEM, 2000.

23