as idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios … · 2011-08-13 · a...
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As idéias dos alunos de 5ª série sobre a ocupação dos territórios Kaingang no Norte do Paraná
Izomara Ribeiro Rocha
ResumoDiscute-se aqui as idéias de 29 alunos de 5ª série sobre o processo de ocupação dos territórios indígenas do Paraná e a relevância que esses conhecimentos possuem na organização do processo de ensino e aprendizagem de História. Para tanto, utiliza-se como referenciais pesquisas acadêmicas que enfocam o processo de ocupação das terras indígenas no Norte do Paraná, particularmente, Tommasino e Mota que têm como pressuposto que esses povos possuem particularidades históricas, marcadas por lutas constantes durante o processo de ocupação de seus territórios. Explorou-se a análise de conteúdo, tal como proposta por Moraes, como metodologia para a discussão das informações coletadas nos questionários. A análise permitiu estabelecer algumas relações entre as idéias que os alunos possuem e conceitos produzidos pela historiografia do século passado que não considerava a presença indígena e muito menos os conflitos que ocorreram no processo de “colonização do Paraná”.
Palavras chaves: idéias dos alunos, territórios, Kaingang, conflitos.
AbstractIt was discussed here the ideas of 29 studants of the 5ª grade about the process of ocupation of the indians lands in Parana and the relevance that this events have in the organization of the process of teach and learn of History. However, use as referential academic research that focuses the process of indians lands in Parana North, particularly, Tommasino and Mota that have the assumption that this people have historical particularities, marked by constants fights during the process of ocupation of yours lands. Explored the content analysis, as a propous by Morales, as a motodology for the discuss of informations collected in the questionnaires. The analysis allowed estabilish some relationship between the ideas that the studants have and concepts produced by historiography of last century that don´t considered the indigenous presence and much less the conflits that occurred in the proccess of "Parana colonization".
Key-words: studants ideas, lands, Kaingang, conflits.
INTRODUÇÃO1
O interesse em investigar as idéias dos alunos relativa aos
Professora de História da Rede Estadual de Ensino do Paraná 1 Trabalho orientado por Regina Célia Alegro (UEL)
povos indígenas no norte do Paraná e à ocupação das suas terras
surgiu a partir de algumas situações enfrentadas na prática de sala
de aula em que, muitas vezes, a disciplina de História costuma ser
abordada de forma distante da compreensão do aluno.
O referencial bibliográfico consultado para a elaboração desse
estudo veio referendar essa preocupação colocando em evidência a
importância da consideração do “conhecimento prévio” que os alunos
carregam consigo em vista da condução do trabalho em sala de aula
promova uma aprendizagem mais significativa. Siman (2005, p. 351)
explica que, “Em História e em Ciências Sociais, em geral, entende-se
por conhecimentos prévios um conjunto de idéias e modos de pensar
ou raciocinar socialmente construídos”.
Este estudo considera o pressuposto de que os alunos trazem
para a escola uma série de representações formuladas a partir do seu
cotidiano – do contexto que vivenciam e das diversas fontes de
informação a que têm acesso.
Esta abordagem sintoniza-se com as atuais perspectivas que tem animado produções historiográficas e pedagógicas que consideram o sujeito que aprende como sujeito portador de experiências e representações socioculturais e ativo no processo de aprendizagem. Do ponto de vista da educação histórica importa, dentre outras questões, conhecer as representações sociais que orientam as interpretações e ações dos alunos (nas suas mais variadas idades), a fim de torná-lo objeto de problematização e reconstrução (SIMAN, 2005, p. 350).
Estes estudos, de natureza descritiva e, sobretudo qualitativa, têm sugerido que crianças e jovens constróem as suas concepções históricas com base em várias fontes de conhecimento para além da escola, como família, o meio social envolvente e os media e que desenvolvem estratégias cognitivas específicas cuja lógica deve ser entendida pelos professores (BARCA, 2004, p. 387).
Carretero (1997) explica que o conhecimento que se transmite
em qualquer situação de aprendizagem deve ser organizado não
apenas a partir da lógica que lhe é inerente, mas também pela
consideração do conhecimento que o aluno já possui.
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Isto é, em qualquer nível educativo, é necessário levar em consideração o que o aluno já sabe sobre o que vamos lhe ensinar, posto que o novo conhecimento se assentará sobre o velho. Com muita freqüência, os professores estruturam os conteúdos do ensino levando em conta exclusivamente o ponto de vista da disciplina, pelo que alguns temas ou questões precedem a outros, como se todos eles tivessem a mesma dificuldade para o aluno (CARRETERO, 1997, p. 15).
O planejamento do conteúdo de História utilizado em sala de
aula não costuma utilizar como critério o que o aluno “já sabe”, quais
conceitos construiu ao longo de sua vivência escolar e social. A
distância entre o conteúdo a ser trabalhado e as idéias das crianças
pode promover a não compreensão de um conceito histórico se
impossibilitar ao aluno a atribuição de sentido e significado para a
nova informação. Ao expor a contribuição de Ausubel afirma que:
Sua colaboração fundamental consistiu na concepção de que a aprendizagem deve ser uma atividade significativa para a pessoa que aprende e tal significação está diretamente relacionada com a existência de relações entre o conhecimento novo e o que o aluno já possui (CARRETERO, 1997, p.16).
A história dos povos indígenas ainda tem ocupado o segundo
plano na historiografia brasileira. Ainda mais limitado é o tratamento
da ocupação de terras indígenas como tema de ensino. A questão da
participação do indígena na história nacional, muitas vezes encontra
seu único espaço na escola, em eventos comemorativos alusivos ao
dia do índio ou então quando a mídia os torna notícia relatando
alguma disputa de terras, ou ainda os vários problemas enfrentados
pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio).
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O espaço destinado aos povos indígenas na história nacional
mostra-se igualmente reduzido. A maioria dos livros didáticos de
História do ensino fundamental, muitas vezes utilizados como o
principal recurso didático em sala de aula, costuma ignorar a
população indígena ou limitar-se apenas a citar sua contribuição.
Quando encontramos referências ao tema, observa-se que esses
povos encontram-se ausentes enquanto sujeitos de sua História.
Se compararmos o modo como os livros didáticos tratam a questão indígena com as interpretações dadas pelos colonos e pela historiografia recente, poderemos concluir que os livros didáticos mantém-se distante de ambas as perspectivas. No primeiro caso, a questão da diversidade era central, gerando debates e conflitos, geralmente vinculados aos diversos interesses coloniais. Tal importância é ignorada pelos livros didáticos, que acabam por deixar o nativo em segundo plano nas relações coloniais. No caso da historiografia há uma preocupação tanto com a visão do nativo como com a do colono acerca da colonização, onde é identificado um convívio não pacífico, mas intenso entre eles. Destacam-se assim as diferenças culturais e o entendimento que ambos tinham um do outro, questão apontada por alguns livros didáticos, mas que não é desenvolvida. Além disso, privilegia-se a visão européia acerca da conquista, tendo em vista que até mesmo as imagens utilizadas nestes livros teriam sido produzidas por europeus (MAGALHÃES, 2000, p. 84 e 85).
Existe ainda hoje uma tendência nas escolas em privilegiar
apenas alguns aspectos da cultura indígena na sua materialidade sem
destacar os significados atribuidos em diferentes contextos. Assim, o
que é intitulado como "herança cultural" reduz-se a listas de palavras,
comidas, remédios, deuses, etc. Uma rápida olhada nos livros
didáticos de História permite sugerir que o índio ocupa um lugar
muito restrito e marginal na sociedade brasileira desde o processo de
colonização. Bittencourt, ao analisá-los, considera que:
(...) o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura. Várias pesquisas demonstram como textos e ilustrações de obras didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando temas como família, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca burguesa (BITTENCOURT 2005, p.
4
72).
No quadro até aqui exposto, o estudo aqui relatado possui
como objetivo principal conhecer o que pensam os alunos de 5ª série
sobre o processo de ocupação das terras que pertenciam aos povos
indígenas que habitam o norte do Paraná. A partir da identificação
dessas idéias propõe-se uma reflexão que, espera-se, possa contribuir
para que o estudo da ocupação das suas terras favoreça a
compreensão desses enquanto povos expropriados de suas terras
durante o avanço capitalista.
A investigação dos conhecimentos dos alunos poderá indicar –
ou não – a presença de conceitos relacionados às recentes
contribuições acadêmicas que utilizam como perspectiva o registro do
processo de ocupação dos territórios indígenas em meio a lutas e
resistências.
Desvendar as idéias que os alunos possuem sobre
determinado tema, pode permitir ao professor conquistar uma maior
autonomia enquanto profissional, no sentido de assumir
constantemente uma prática reflexiva no direcionamento do seu
trabalho. Este conhecimento pode vir a fornecer subsídios para a
compreensão de problemas que envolvem o ensino e os seus
objetivos. Conhecer os alunos e organizar o ensino a partir deles é,
principalmente, entender o que estão pensando e como constroem
seus conhecimentos (já que a ação escolar tem como foco central o
conhecimento).
A ocupação das terras dos povos kaingang no norte do Paraná
Os povos indígenas foram objeto de curiosidade para
viajantes, cientistas e aventureiros que percorreram as terras
paranaenses dede o século XVIII. Esse interesse foi registrado em
relatos que procuravam descrever o modo de vida desses povos. Em
algumas dessas obras é possível encontrar referências sobre os
conflitos que ocorreram durante processo de ocupação das terras
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que pertenciam aos povos indígenas.
Saint-Hilare em sua narrativa sobre a viagem que fez pelas
terras do atual Estado do Paraná, em 1820, descreve confrontos com
“índios inimigos”:
O coronel queixava-se da vizinhança dos índios inimigos, que, por vezes, atacavam as casas dos paulistas. (...) Recentemente, haviam êles invadido os campos de propriedade do coronel, tendo morto alguns cavalos e comido a carne, o que nunca tinham feito até então. Poucos dias antes de minha chegada a Jaguariaíba, foram vistos a rondar pela vizinhança da casa e o coronel, imediatamente, ordenou a vinda de alguns soldados, a fim de persegui-los. Estava eu apenas algumas horas na fazenda, quando chegaram oito homens, a cavalo, bem armados, prontos a marchar no dia seguinte contra o inimigo. Alguns dêsses soldados já haviam tomado parte nessa espécie de caçada e deram-me minuciosas informações acêrca do modo como ela se realizava. Procuravam com cuidado o rasto dos índios e, descoberto, seguiam-no até encontrar o acampamento; arremessavam-se inesperadamente contra os selvagens; os homens fugiam sem se defender, logo que ouviam os primeiros tiros de fuzil, e, então, os atacantes apoderavam-se das mulheres e das crianças. Como os índios, esperando vingar-se, iam, ordinàriamente, pôr-se de emboscada no caminho pelo qual os brancos haviam passado, êstes, a fim de evitá-los, regressavam por outro atalho (SAINT-HILAIRE, 1964, p. 45-46)
O engenheiro inglês Bigg-Whiter também descreveu
minunciosamente suas andanças pelas terras paranaenses de 1872 a
1875. Os depoimentos revelam um Paraná cheio de florestas e
animais ferozes com perigos a serem vencidos, dentre eles os
“índios”:
A história do último ataque me foi assim contada pelo feitor:Um dia, o pai do atual dono – já tinha morrido o avô nessa ocasião – estava trabalhando com seus escravos em uma das roças, acompanhado de seu pequeno filho Manuel, sem suspeitar do perigo, quando de súbito os índios começaram a atacar da floresta. Fugir sem lutar era impossível, pois os índios os tinham cercado. Protegidos pelo mato, eles atiravam setas de todos os lados. O pequeno Manuel brincava num monte de espigas de milho, tiradas naquele dia, ignorando o risco que corria. Dado o primeiro alarme, o pai às
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pressas o escondeu sob as espigas frescas, dizendo-lhes que os índios alí estavam e que ele ficasse quieto, sem se mover, para ele poder sair lutando com os doze escravos que estavam consigo. Conseguiram chegar à Fortaleza como a perda de um ou dois dos seus. Reforçados com grande número de “negros”, voltaram a toda pressa para a roça, onde o pai nutria poucas esperanças de encontrar o filho. Os índios não a descobriram, porque ela obedecera às determinações paternas, não se mexendo ou fazendo qualquer ruído que denunciasse sua presença (BIGG-WITHER, 1974, p. 406).
Bigg-Whiter registra o medo que os Kaingang, conhecidos
também como coroados, causavam na população:
Quando, entretanto, meu companheiro começou a falar dos índios coroados, foi fácil descobrir um tom de respeito, senão de medo absoluto, em sua voz. Narrou-me uma luta em que ele, com alguns brasileiros e outros membros de sua própria tribo, tiveram com os coroados, em que até as mulheres destes últimos tomaram parte (BIGG-WITHER, 1974, p. 325).
Outro exemplo: Telêmaco Borba na obra “Actualidade
Indígena”, publicada em 1908, traz uma coletânea de aspectos
culturais e sociais encontrados nos povos Kaingang, Gayguas e
Guaranis. Ele conviveu com os Kaingang na condição de
admnistrador do aldeamento de São Jerônimo, em 1865. Em seus
relatos os Kaingang são descritos a partir de suas características
morais, aspectos físicos, habitação, utensílios, armas, ornamentos,
agricultura, alimentação, medicina, religião, etc. Especificamente a
respeito da conquista dos territórios que pertenciam aos povos
indígenas, o autor relata que houve resitência por parte dos
Kaingang, manifestadas por intermédio de lutas ataques:
Quizeram oppor-se ao povoamento de Guarapuava, que atavaram no principio; mas foram vencidos, dizem elles, em um grande combate onde perderam muita gente; depois desse desbarato continuaram seo velho systema de sorprehender traiçoeiramente, tanto os desprevinidos habitantes dos campos de Palmas e Guarapuava, como aos descuidados tropeiros; mas, neste seo modo de proceder, de vez em quando, sofriam grandes revezes, e as vezes represalias por parte dos habitantes daquellas regiões, coadjuvados pelos caciques Condá e Viry, eram sempre funestas
7
(BORBA, 1908. p. 5).
Em seus relatos, Borba (1908, p. 129), registra que “Os
Kaingang, mostraram-se sempre inimigos dos brancos, assaltando-os
traiçoeiramente e trucidando-os em suas vivendas, roças e pelas
estradas”. Estas considerações permitem observar o ponto de vista
implícito do “civilizado”, segundo qual os brancos eram “assaltados
traiçoeiramente” pelos indígenas. Não está presente em relatos dessa
natureza, o contexto em que ocorreram as agressões, ou seja, que
estavam relacionadas a estratégias para proteger e impedir que o
branco dominasse seus territórios.
De modo geral, os autores citados permitem o
reconhecimento da presença indígena nas terras hoje denominadas
Paraná e as situações de conflitos decorrentes do processo de
ocupação dos seus territórios. Entretanto, outros autores ao retomar
o tema mais recentemente ressaltam que esses conflitos ocorridos na
disputa pelos territórios, e mesmo a presença de povos indígenas,
foram praticamente apagados da história oficial do Paraná, criando
entre outras, a idéia de um vazio demográfico ocupado
pacificamente, sem resistências.
Dentre os recentes trabalhos que buscam novas leituras sobre a
ocupação das terras paranaenses colocando em evidência o processo
de lutas e resistências na conquista das terras ocupadas por povos
indígenas no Paraná, destaca-se aqui as contribuições de autores
como Tommasino (1995; 2005) e Motta (1994; 1997; 2000; 2004).
O trabalho desses autores procura registrar as experiências
históricas dos povos indígenas do Norte do Paraná, dando voz aos
que foram anteriormente ignorados pela historiografia enquanto
sujeitos capazes de contarem seus feitos e realizações.
Neste sentido, a pesquisa de Tommasino (1995), tornou-se
uma das principais referências sobre os povos indígenas do Norte do
Paraná por reconstituir a História desses povos. Para a autora:
Uma das nossas preocupações desde o início da pesquisa foi definir uma abordagem que melhor
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permitisse uma compreensão interna da realidade Kaingang e a opção em ouvir o que eles pensam e fazem tornou-se fundamental (TOMMASINO, 1995, p.19).
A antropóloga elabora a reconstituição da história dos povos
Kaingang desde a sua conquista, e sua vida como povo tutelado até o
presente:
Nossa preocupação, portanto, é dupla: de um lado reconstituir a história indígena deste século utilizando esses documentos e os dados da pesquisa de campo e, de outro, apresentar uma nova versão dessa história, versão esta partindo da interpretação fornecida pelos depoimentos indígenas. Esse olhar a partir “de dentro” tem a vantagem de desmistificar a visão dos pioneiros paranaenses e ao mesmo tempo revelar os aspectos ocultados ou distorcidos pela história oficial (TOMMASINO, 1995, p.141).
Outro estudo relacionado à questão da ocupação das terras
que pertenciam aos povos indígenas no Paraná foi realizado por Mota
(1994), que procura debater os caminhos percorridos pelos povos
indígenas na sua luta pela terra e pela manutenção de sua cultura. O
autor faz um estudo sobre a ocupação dos territórios da bacia do rio
Tibagi no Paraná por populações indígenas que historicamente
defenderam dos invasores as suas matas, campos e rios. Esse estudo
trata da “guerra de conquista” movida contra essas populações e
seus territórios pelos brancos, europeus e nacionais, até o século XIX.
Mota desmestifica a idéia elaborada pela ótica colonialista de que a
houve um processo harmonioso e pacífico na conquista dos territórios
ocupados por comunidades indígenas.
Os choques contra os brancos, tribos inimigas e colaboracionistas foram uma constante na vida dos Kaingang desde o século XVIII. Nessa relação conflituosa, criaram técnicas de combate, refinaram táticas de luta, aperfeiçoaram formas de atacar e de manter o inimigo sobre pressão, enfim, desenvolveram uma tecnologia de guerra, de guerrilhas, de emboscadas e ataques capaz de fazer frente a um inimigo muito superior a eles (MOTA, 1994, p. 93).
Tomando-se como referência as contribuições do autor é
possível afirmar que os espaços que hoje compõem o Paraná foram
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espaços pertencentes a comunidades indígenas, dentre elas, os
Kaingang. Esses povos possuem particularidades na luta pela
preservação de seus territórios que foram defendidos com ataques
permanentes por parte dos indígenas às vilas e fazendas que
começaram a ocupar seus campos:
Os índios Kaingang reagiram às forças invasoras de seus territórios através do combate direto, das emboscadas, dos ataques a fazendas utilizando-se das armas de que dispunham:
Embora presentes nos relatos de Bigg-Whiter, Saint-Hilare e
Telêmaco Borba, no final do século XIX e início do século XX, os povos
indígenas são praticamente ignorados pela historiografia relativa ao
processo de colonização do norte do Paraná. Neste contexto, os
territórios passam a ser projetados como um espaço vazio,
improdutivo, pronto para ser ocupado pela ecomomia nacional.
Os agentes dessa projeção são vários: a história oficial das companhias colonizadoras; as falas governamentais e sua incorporação nos escritos que fazem apologia dessa colonização exaltando seu pioneirismo; os geógrafos que escreveram sobre a ocupação nas décadas de 30 a 50 do século XX; a historiografia sobre o Paraná produzida nas universidades e, por fim, os livros didáticos, que são uma síntese das três fontes, repetindo para milhares de estudantes do Estado a idéia da região como um imenso vazio demográfico, até o início da década de 30 deste século, quando começa então a ser colonizada (MOTA, 1994, p. 9-10).
O pressuposto de que as terras que eram ocupadas pelos
povos indígenas faziam parte de um imenso “vazio demográfico”
passou a ser reproduzido nos meios acadêmicos e consequentemente
nos livros didáticos e na escola.
Poderíamos continuar mostarando como a idéia do vazio demográfico é uma presença constante nos trabalhos acadêmicos sobre a sociedade paranaense, aparecendo ora como terras devolutas, ora como sertão desabitado, ou outras variadas formas de expressão. Essas formulações passam a ser reproduzidas nas escolas, em livros didáticos ou trabalhos acadêmicos, passando a ser aceitas como pressuposto que acaba
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de retirar da história social paranaense a presença que resistiu e continua resistindo, das mais diversas formas, à ocupação de suas terras e à sua destruição enquanto comunidade diferenciada da sociedade nacional (MOTA, 1994, p. 42-43).
A difusão da idéia do “vazio demográfico”, acaba por
ignorar a presença indígena no Paraná. Como conseqüência, a
história oficial acaba por suprimir dos seus registros todo o processo
relacionado às invasões, a exploração, os conflitos e a resistência
indígena.
Cria-se o vazio demográfico a ser ocupado pela colonização pioneira. Vazio criado pela expulsão ou eliminação das populações indígenas que, desse modo são colocadas à margem da história (MOTA, 1994, p.15).
A investigação referida nesse artigo tomou como referência
as considerações de Mota e Tommasino sobre a reprodução na
história oficial do Paraná de idéias relacionadas ao “vazio
demográfico” e à conquista das terras indígenas como um processo
harmonioso e pacífico. O objetivo principal é identificar se esses
conceitos encontram-se presentes nas idéias dos alunos, ou se
esse conhecimento se aproxima mais de uma perspectiva renovada
que enfoca o processo de ocupação das terras indígenas como
intensa disputa.
É preciso registrar que durante o processo de colonização
viviam no norte do Paraná os Guaranis, Kaingangs, Xetás ou
Xoklengs.
A ocupação dos territórios Kaingang foi o recorte escolhido
como referência nesse estudo em detrimento da História de outros
povos indígenas que igualmente ocuparam as terras que hoje
denominamos Paraná. Essa opção se deve às limitações impostas
pela diversidade cultural desses povos, pelas especificidades
encontradas na luta dos Kaingang na preservação dos seus territórios
e pelo impossibilidade de contemplar tanta diversidade num curto
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tempo.
DESENVOLVIMENTO
A pesquisa aqui relatada foi desenvolvida junto a uma turma
de 5ª série com vinte e nove alunos matriculados2, em um colégio da
rede pública de ensino no município de Cambé, norte do Estado do
Paraná. A escola localiza-se na região central do município,
atendendo também a população de cinco bairros localizados na
periferia da cidade.
Devido à quantidade de informações contidas nas respostas
do questionário aplicado, optou-se por relacionar nesse artigo apenas
as idéias dos alunos acerca da ocupação das terras habitadas pelos
povos Kaingang, para indicar, possivelmente, a quais perspectivas
historiográficas se aproximam as respostas das crianças.
O instrumento utilizado para coletar as idéias dos alunos foi
um questionário, com questões abertas. Quanto aos procedimentos
metodológicos para análise das respostas, utilizou-se a análise de
conteúdo conforme proposta por Rocha e Deusdará (2005)3. A
execução da técnica prevê que, primeiramente, o pesquisador realize
uma leitura preliminar das respostas dos alunos que os autores
denominam de “leitura flutuante”:
A partir dessa primeira leitura, o pesquisador pode transformar suas inituições em hipóteses a serem validadas ou não pelas etapas consecutivas. Das hipóteses formuladas é possível extrair critérios de classificação dos resultados obtidos em categorias de significação (ROCHA e DEUSDARÁ, 2005, p. 313).
Com a classificação dos resultados obtidos em categorias de
significação, torna-se possível realizar o cruzamento das freqüências
observadas e apresentar algumas conclusões.
Para a classificação dos dados relacionados às idéias dos
alunos utilizou-se como referência pesquisas acadêmicas mais
2 Dois alunos não responderam ao questionário por não se encontrarem no dia da realização do mesmo.3 A análise de conteúdo é uma técnica sistematizada por Bardan em obra já clássica (1977) e é bastante utilizada na análise textual.
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recentes que privilegiam o processo de ocupação das terras que
pertenciam aos povos indígenas considerando que esses povos
possuem particularidades históricas, marcadas por lutas constantes
durante o processo de ocupação de suas terras e nas conquistas
relacionadas à preservação de sua identidade cultural.
AS IDÉIAS DOS ALUNOS SOBRE A OCUPAÇÃO DOS TERRITÓRIOS QUE PERTENCIAM AOS POVOS KAINGANG
Aos alunos foi perguntado, se reconheciam a existência de
pessoas habitando as terras do Paraná antes da chamada
“colonização”. O primeiro dado que chamou a atenção nas respostas
dos alunos, foi o fato da grande maioria não conhecer os Kaingang.
Dos vinte e sete alunos que responderam ao questionário, a
denominação “Kaingang” é encontrada apenas em uma resposta. Do
total de respostas, 80% dos alunos reconheceram “os índios” como
sendo os primeiros habitantes dessas terras4.
Sim poucos mas tinha sim gentes, os índios que moravam nessa terra (9)
Sim quem morava aqui antes de nos dominarmos o norte do Paraná eram os índios (12)
Sim moravam gentes antes dos portugueses, eram os índios que moravam aqui antes de todos, e eram eles que cuidavam do Brasil e de todos os estados (13)
A partir das idéias dos alunos pode-se destacar que os povos
indígenas aparecem conceituados de forma genérica enquanto
“índios”. Em praticamente todas as respostas, as idéias sobre o
“índio” fazem referência à colonização portuguesa do Brasil e não
propriamente a colonização do Paraná. Como fica indicado na
resposta descrita acima: “(...) moravam gentes antes dos
portugueses, eram os índios”.
Mesmo não sendo objetivo da investigação decorrer sobre esta
questão, cabe salientar que, uma idéia muito constante nas repostas
4 Os números entre parênteses correspondem à numeração dos questionários.
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dos alunos é o fato de não perceberem a existência de contextos
distintos entre a colonização do Brasil e do Paraná. Para eles, no
mesmo período em que os portugueses iniciaram a colonização no
Brasil, iniciou-se também a do Paraná, com as mesmas
características.
Os alunos reconhecem “o índio” de forma genérica, como
habitante destas terras, entretanto, quando as questões se
relacionam à ocupação das terras, os alunos indicam “o nosso povo”
como sendo os legítimos proprietários destes territórios.
Os indígenas ocupavam a terra do nosso povo e quando os povos vieram para o Paraná eles tiveram que ir embora (14)
Teve que ir para a terra deles, porque os imigrantes não queriam que os povos ficassem morando com eles (4)
Eles estavam dominando a terra enquanto o imigrante viesse (1)
Para os alunos, os povos indígenas estão colocados enquanto
simples ocupantes de uma terra que pertence ao “nosso povo”, nesse
caso para designar o diferente, “o civilizado”. Esta idéia parece
coincidir com a perspectiva de Mota (1994), discutida anteriormente,
de que a historiografia do Paraná foi responsável por muito tempo,
pela disseminação de idéias que excluíam os povos indígenas da sua
condição de legítimos proprietários das terras.
Sobre a questão do processo de ocupação dos territórios que
eram habitados pelos povos indígenas a maioria dos alunos
entrevistados não menciona a existência de conflitos.
Os povos que ocupavam as terras do norte do Paraná, não estranharam os outros povos (19)
Eles tentaram se ententder um com os outros (4)
Eles continuou nas terras que viviam (20)
Essas respostas podem indicar que como durante muito
tempo a historiografia do Paraná não mencionou a existência dos
14
conflitos originários da diputa pelos territórios indígenas,
provavemente as idéias de um processo harmonioso e pacífico de
conquista ainda permaneça como perspectiva de história oficial para
as crianças.
Mota (1994), ao resgatar a História de lutas e resistências dos
povos Kaingang, afirma que o choque entre brancos, tribos inimigas e
colaboracionistas, foram constantes durante a ocupação de suas
terras.
A conquista dos territórios Kaingang foi feita em meio a reação permantente dos índios às vilas que brotavam em suas terras, às fazendas implantadas em seus campos, aos viajantes, tropeiros, comerciantes e aventureiros que cruzavam suas matas e campinas, às patrulhas da guarda nacional e provincial que percorriam suas terras e as tribos colaboraconistas que insistiam em indicar suas posições para persegui-los (MOTA, 1994, p. 93).
Em relação a chegada de outros povos, a maioria dos alunos
assinala que “não estranharam, tentaram se entender,
continuaram”, afirmações que confirmam o pressuposto de que tudo
se resolveu sem confrontos, nem disputas:
Eles as vezes tramavam guerra para dominar as terras que estavam sem dono (13)
Teve uma guerra e os índios que moravam antes, teve que ir embora e daí virou cidade (9)
Antigamente os povos que ocupavam as terras eram muito ricos e por isso os povos que já viviam lá tinham que sair (26)
Observa-se nessas explicações que algumas crianças
identificam que o processo de ocupação das terras paranaenses
envolveu guerras e conflitos. Entretanto, essas guerras são
justificadas com a premissa de que serviram para “dominar terras
que estavam sem dono”. Esse dado torna evidente que nas idéias dos
alunos as terras não pertenciam aos povos indígenas. Quando eles
admitem a presença indígena, colocam que sua saída das terras foi
necessária para que que o Paraná conseguisse se desenvolver, pois
15
“daí virou cidade”, ou mesmo que os outros povos “eram muitos
ricos” e por isso tiveram que sair.
Quando questionados acerca do que aconteceu com os povos
que habitavam o norte do Paraná, uma grande parte das respostas
estão relacionadas a uma melhoria nas condições de vida oriundas do
desenvolvimento que os “pioneiros” trouxeram. Exemplificam
melhoras substanciais no padrão de alimentação, moradia e que isso
propiciou evolução, ou como escreveram: “estão mais evoluentes”,
para designar que o contato proporcionou uma “evolução” para os
povos indígenas.
Que vivem agora na cidade. Não caçam mais, compram as coisas com dinheiro. Que estão mais evoluentes como os povos das cidades (7).
Está muito melhor porque não tem mais guerras para dominar as terras. E com a comida para eles agora é mais fácil, e eles agora sabem o que é dinheiro para facilitar a vida (12)
Eu acho que eles vivem muito melhor que antigamente, pois eles não precisa mais sair para caçar e sim sair para comprar (26)
A noção de “evolução” e de “desenvolvimento” implícitas
quando os alunos colocam que “até sabem o que é dinheiro”, ou,
“não precisa mais sair para caçar e sim sair para comprar”, parece
estar associada aos resquícios de antiga historiografia centrada na
supremacia do branco como constituinte da identidade nacional
brasileira e transmitida no livro didático sob o conceito articulador
“desenvolvimento”, como é apontado por Mota:
Esses textos didáticos assinalam alguns pontos diluidores das contradições do fazer-se do norte do Paraná. O conceito que aparece em quase todos eles é o de “desenvolvimento”. A ocupação nos anos 30/40 é retratada nos manuais de 50/60 como a grande epopéia pioneira de desbravamento do sertão rumo a um futuro grandioso. O desenvolvimentismo dos anos 50 se faz presente nas brochuras dos anos 70/80 (MOTA, 1994, p. 47-48).
Parece que as idéias que sustentam o discurso sobre o “futuro
16
grandioso” nas décadas de 50/60 continuam ainda sendo veiculadas
e favorecem nos alunos a noção de melhorias advindas da civilização
para os povos indígenas. Tommasino, igualmente ressalta que os
livros didáticos foram responsáveis pela reprodução do conceito de
avanço do “progresso da civilização”, durante a ocupação do Paraná:
Por outro lado, nos livros didáticos, ao reconstituírem o processo do ponto de vista do civilizado, os autores apresentam gráficos e mapas que reproduzem conjunturas demonstrativas do crescimento da mancha de ocupação do Paraná pela população nacional, das cidades, estradas e ferrovias, evidenciando o avanço do “progresso da civilização (TOMMASINO, 1995, p.138).
Quando questionados sobre como vivem os povos indígenas
atualmente, grande parte dos alunos descreve que hoje esses povos
vivem bem melhor do que antes em vários aspectos, como os
relacionados a padrões de vestimenta, moradia e trabalho.
Acho que hoje vivem bem melhor do que antes, pois já usam roupas adequadas (27)
Moram em casa e não em ocas e tendo energia elétrica (7)
Sim eles falam que a cidade é melhor eles fazem faculdade. Os índios que já veio já são mais espertos (22)
Nas respostas das crianças fica indicado que o
desenvolvimento da região, trouxe melhoramentos na vida dos povos
índígenas. Mais uma vez, além do preconceito contra os indígenas,
pode-se observar que as idéias de desenvolvimento, melhoria nas
condições de vida, servem para ocultar as contradições e os conflitos
que existiram neste processo.
O desenvolvimento e o pioneirismo cumprem assim, no plano ideológico, o papel diluído/ocultador das contradições e dos convflitos existentes durante a ocupação dessa nova área de expansão do capitalismo, o norte do Paraná (MOTA, 1994 p. 48).
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Para grande parte das crianças, quando os colonizadores
chegaram os indígenas simplesmente “sumiram” das terras que
ocupavam. Tommasino (1995) afirma que a historiografia oficial
“esvaziou” as terras habitadas pelos povos indígenas.
A presença indígena está negada porque a história oficial é a da sociedade ocidental. Reconhecer a presença das sociedades indígenas representaria o reconhecimento dessas nações. Portanto os mapas expressam essa operação de “apagamento” dos índios ao mesmo tempo que expressam a evidência da presença da população ocidental (TOMMASINO, 1995, p.139).
As opiniões dos alunos acerca do ocorrido aos povos indígenas
após a chegada dos colonizadores, confirmam essas considerações
sobre o desaparecimento desses povos na história oficial.
Eu acho que eles sumiram (27)
Foram para outro lugar, estado ou até país. Porque os imigrantes não se deram bem com os índios (5)
Eles foram embora depois que os imigrantes vão. Porque eles ficaram com medo e foram embora. Eu acho que demoraram para voltar ou nunca mais voltou (11)
O desaparecimento dos povos indígenas o processo de
ocupação fica destacado em respostas como ”foram embora”, ou
mesmo, “foram para outro lugar”. De certa forma, como afirma
Tommasino (1997), a historiografia não revelou o que aconteceu com
os antigos moradores do norte do Paraná que ocupavam essas terras
antes das companhias colonizadoras. Assim, os alunos respondem
com vagas justificativas porque realmente desconhecem a trajetória
de conflitos e resitências desses povos.
No século XX, como vimos, a historiografia apresenta o Estado do Paraná com totalmente despovoado, como um sertão virgem a ser desbravado pelo colonizador, principalmente o imigrante europeu. Nada se diz sobre o que aconteceu com os índios (TOMMASINO, 1995, p.140).
Pode-se também constatar que respostas como “sumiram”,
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possam estar relacionadas com a idéia muito difundida de vazio
demográfico que Mota (1994), afirma ser uma presença constante
nos trabalhos acadêmicos sobre a sociedade paranaense. Quando os
alunos afirmam que povos indígenas “sumiram”, é porque, de certo
modo, ficaram à margem da historiografia do Paraná. O espaço que
ocupavam vai constituir o “vazio demográfico”, aqueles territórios
totalmente despovoados e portanto, prontos para serem ocupados
pelos colonizadores. Tommasino também faz referência à noção do
vazio demográfico enquanto matriz teórica difundida nas academias.
A matriz teórica da academia sobre o território do Paraná, dos anos 60 em diante, é a do vazio demográfico. Todos partem da noção do vazio demográfico quando as frentes pioneiras começam a atingir a região norte do Estado. Na verdade, os historioradores profissionais acabam por assumir a discussão produzida pelo historiador da pequena cidade, do poeta local e so próprios promotores da colonização (TOMMASINO, 1995, p.140).
Algumas considerações sobre as idéias das crianças
Os resultados da análise de conteúdo das respostas dos
alunos, ancorada nas pesquisas de Mota e Tommasino, indicam que
conceitos produzidos pelos autores na historiografia do século
passado ainda circulam no ensino de História local e permanecem –
adquirindo forma própria – nas idéias dos participantes da pesquisa.
Os alunos reconhecem os povos indígenas como sendo os
primeiros habitantes do Paraná, entretanto não expressam idéias que
demonstrem serem eles os verdadeiros e primeiros possuidores
dessas terras. Ainda em relação à ocupação de seus territórios, as
respostas convergem para uma conquista harmoniosa e pacífica,
posição que vem confirmar que não possuem informações sobre a
existência de conflitos neste processo.
Outro conceito que parece permanecer nas idéias dos alunos
é o de “vazio demográfico”, relacionado aos territórios paranaenses
no contexto da colonização. A grande maioria indica que esse povo
praticamente “sumiu”, com a chegada dos colonizadores. Essa idéia,
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forjada pela historiografia, de que o Paraná era constituído de
imensas áreas despovoadas – os sertões, serviu para justificar a
ocupação dos territórios indígenas e continua presente justificando
moralmente essa ocupação.
As recentes contribuições acadêmicas no sentido de registrar
a memória dos povos indígenas sobre o processo de ocupação de
suas terras, suas lutas e resistências, parecem não ser utilizadas nas
escolas como referencial para o estudo da História do Paraná.
Mesmo não sendo objetivo do presente artigo, cabe salientar
que, uma caacterística muito constante nas repostas dos alunos é
não perceberem a existência de contextos distintos entre a
colonização do Brasil e do Paraná. Para eles, os portugueses iniciaram
a colonização no Brasil em todas as regiões ao mesmo tempo, é um
acontecimento único.
Refletindo sobre a questão apontada no início do trabalho de
que muitas vezes os conteúdos de História permanecem distantes da
compreensão do aluno, observa-se a importância de se conhecer as
idéias das crianças em vista do planejamento do ensino. Se aprender
é atribuir sentido e significado e isso ocorre a partir dos
conhecimentos já elaborados pelo aluno (ele não é uma tabula rasa),
esse estudo permite sugerir que ao iniciar o estudo sobre a história
dos povos indígenas do Paraná, o professor necessita conhecer os
conceitos que orientam a sua ação (quais as bases historiográficas
nas quais se amparam o seu discurso). Necessita ainda conhecer as
idéias elaboradas pelos alunos para poder confrontá-las com outras
perspectivas. O planejamento do trabalho pode utilizar com
referência este dado e assim partir exatamente da compreensão que
as crianças já possuem, para a construção de um conhecimento
mais elaborado.
Ainda, é possível inferir que se forem ignoradas as idéias
prévias dos alunos, esses poderão apreender os novos conteúdos
ensinados a partir de conceitos e idéias articuladores já presente na
sua estrutura de conhecimentos. E assim, novas aprendizagens em
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vez de provocar mudanças, poderão se constituir em reforço para
antigos preconceitos.
A escola não pode esquivar-se do seu papel: oferecer às novas
gerações fundamentos que se constituem como princípios a partir dos
quais o cidadão lerá as informações que circulam no seu grupo social,
na mídia, etc. Não deixar claro para as crianças as contradições
presentes nas suas idéias, a diferença entre elas e outras que
circulam na sociedade (como aquelas propostas por pesquisas
recentes) pode comprometer projetos de cidadania plena e favorecer
interesses de “maiorias” autoritárias.
Esta parece ser uma indicação útil aos professores para que o
ensino venha a tornar-se mais significativo sobre os povos indígenas
ou mesmo sobre sobre a História do Paraná.
CONCLUSÃO
Os resultados obtidos nesse estudo vieram referendar a
preocupação inicial do trabalho sobre a importância de se conhecer
as idéias que os alunos possuem a respeito de determinado tema, no
caso dessa pesquisa, acerca dos povos indígenas, antes de iniciar o
trabalho com qualquer tema ou conteúdo em sala de aula.
Crianças e jovens constroem representações que devem
tornar-se conhecidas pelo professor em sua tarefa docente para que
não corra o risco de tratar o aluno como uma “página em branco”,
que não possui um conhecimento prévio a ser considerado. As
respostas dos alunos ao questionário demonstraram que eles
formulam hipóteses, pensam sobre os problemas que os cercam,
estabelecem relações em um processo muito dinâmico, e, sobretudo,
aprendem. Estão inseridos em contextos com diferentes fontes de
informações, muitas vezes diferentes daquelas oferecidas pela
escola, mas é justamente nesse espaço que suas idéias merecem ser
consideradas.
Ainda, seria possível ao professor no seu agitado dia-a-dia
fazer a análise de conteúdo das falas dos seus alunos para dialogar
21
(trocar significados) com eles durante a aula? Acredita-se que sim, se
o professor o fizer ao início do ano letivo ou ao início de um tema
mais abrangente, e se limitar o número de perguntas – no máximo
duas ou três –, bem focadas, de modo a tornar possível a atividade de
análise no tempo disponível. Nesse caso, as experiências têm
mostrado que as categorias encontradas na análise devem ser
apresentadas aos alunos em sala de aula para que vendo a
diversidade de interpretações e observando as próprias contradições
em relação às demais (inclusive aquela oferecida pelo professor e o
pelo material didático) possa ser orientado a novas elaborações.
Coloca-se aqui a necessidade de estudos e projetos que
tenham o objetivo de socializar para professores e alunos o
conhecimento produzido nas academias. A escola carece de materiais
didáticos e para-didáticos organizados a partir das pesquisas mais
recentes e inovadoras que contemplem um “outro olhar” para
questões como o processo de ocupação das terras que pertenciam
aos povos indígenas, e ao mesmo tempo, que favoreçam aos
estudantes o desenvolvimento de uma consciência histórica
caracterizada pelo reconhecimento e respeito ao múltiplo na memória
nacional.
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